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o visionário Em seis de agosto Andy Warhol completaria 80 anos. Falecido em 1987, é um dos nomes mais importantes quando o assunto é a contestação do consumo através da arte. Um visionário que começou, ainda nos anos 50, a questionar o consumo excepcional do american way of life.

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s controvérsias na vida de Andrew Warhola, conhecido pela abreviação Andy Warhol, começam com o ano de seu nascimento, pois ele dizia ter nascido entre 1928 e 1931. No livro de Victor Bockris, Andy Warhol – A Biografia, lançado três anos após a morte do artista, afirma-se que foi no dia 6 de agosto de 1928 que um dos mais controversos artistas veio ao mundo. Filho de imigrantes que saíram da atual República Tcheca – seu pai resolveu ir para a América para evitar o recrutamento do exército e nove anos depois sua mãe, Julia Warhola, foi encontrá-lo em Pittsburgh, no estado da Pennsylvania –, Warhol foi uma criança marcada pela timidez e por doenças e encontrou refúgio nos braços de uma mãe superprotetora.

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Ele tinha um distúrbio no sistema nervoso – que usou para justificar atitudes mimadas durante a vida adulta – e ficava meses afastado da escola, em casa, desenhando e envolto pelos olhares atentos de Julia, que se sentia culpada pela fragilidade do filho mais novo. Na biografia, Bockris comenta que ela era uma faladora compulsiva e que ele sempre se sentiu atraído por mulheres assim. Escoltado pelo amor materno, construiu uma personalidade excêntrica que tornou vida e obra indissociáveis. Vindo de uma família humilde, foi agraciado pela determinação de seu pai a fazer com que cursasse a universidade. Andrei Warhola, um workaholic clássico em uma época em que o termo nem era usado e que passou a característica para o caçula, trabalhou duro para juntar

imagens reprodução do livro Warhol, de Klaus Honnef, editado pela Taschen

por Melissa Crocetti


Nesta página: Dinheiro: Símbolo do U.S. Dólar, 1982. Na página ao lado: Lata de Sopa Campbell’s I, 1968.

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Mick Jagger, 1975 (parte do portfólio com dez serigrafias); Papéis de Parede com Vacas, 1966; Mao Tsé-tung, 1973; e Auto-Retrato, 1978.

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dinheiro e, antes de morrer, em 1942, fez os outros dois filhos prometerem que as economias seriam usadas na educação de Andy. Por isso ele cursou o célebre Instituto de Tecnologia Carnegie, onde se formou em Design. Lá conheceu outros aspirantes a artistas, entre eles Phillip Pearlstein, com quem dividiu apartamento em Nova York, para onde se mudou em 1949. Em Nova York sua vida mudou radicalmente. A primeira providência foi pintar os cabelos de loiro-palha, estética que iria lhe acompanhar para o resto da vida – depois passou para a peruca louro-prateada que usava ligeiramente torta sem pentear. Começou a fazer ilustrações para revistas como Harper’s Bazaar e Vogue, além de criar vitrines e anúncios para grandes marcas. Era o início de uma carreira bem-sucedida como designer e publicitário com boa remuneração. Seu primeiro trabalho exposto foi baseado em textos do escritor Truman Capote. Eram quinze desenhos que fizeram parte da primeira exposição individual, na Hugo Gallery, em 1952. Os anos 60 representaram uma virada para Warhol. Ele começou a usar em suas obras o que aprendeu com a linguagem publicitária e, com a obsessão pela televisão, também incentivado pela ânsia em se diferenciar de um dos artistas que faziam sucesso na época, Jasper Johns, de quem tinha ciúmes e inveja. Foi quando reinventou a pop art – movimento começado na Inglaterra em 56 que apenas despontava na América – e a sua reprodução infindável através das técnicas de serigrafia. Warhol via o mundo como uma grande repetição de coisas e se apropriou de temas e objetos cotidianos para brincar com a arte e com uma sociedade rendida ao consumo, deixando a maioria dos espectadores confusos. Segundo o crítico de arte e professor do Departamento de Arte da Universidade Federal do Paraná Paulo Reis, é um caminho errado pensar no consumo nas obras de Warhol apenas pela utilização de produtos sem valor simbólico. “Para pensar em consumo e Warhol, é necessário ir além da perda do significado das coisas”, diz o crítico. “Ele tratou da mesma forma as imagens do Mao Tsé-tung, da garrafa de Coca-Cola, da Marilyn Monroe e do desastre de automóveis, então acho que uma

das chaves da obra dele é a perda de significado intrínseco de todas as coisas; mais do que consumo, ele está falando disso, que a mídia e a espetacularização deixam tudo igual.” Por isso, também, não há meio-termo quando o assunto é Andy Warhol. Os que o amam consideram-no um gênio que mudou o sentido da arte, que revolucionou a estética em uma época na qual reinava o expressionismo abstrato, que tem como grande representante o também controverso Jackson Pollock. Os que o odeiam consideramno farsante e irracional e insinuam que nem ao menos era responsável por grande parte das suas obras, já que vivia cercado de seguidores e não se sabe ao certo se algumas de suas obras eram executadas por ele. “Em termos históricos, a arte pop norte-americana vem depois da movimentação do expressionismo abstrato”, continua o crítico. “Os pintores desse estilo ainda afirmavam o artista como ser único; Warhol vai falar exatamente o contrário, que não há unicidade no sujeito, ele diz que estamos todos mergulhados em coisas banais, somos todos muito parecidos, e isso é muito interessante na obra dele.” Os trabalhos com lata de sopa Campbell’s começaram em 1961 e a elas se seguiram as garrafas de Coca-Cola, as caixas de sabão em pó Brillo e também as notas de um dólar. A idéia é que as obras fossem reproduzidas continuamente, para que ela, a arte, se tornasse o mais industrial possível. Logo vieram as imagens dos rostos de pessoas célebres. As expressões de Marilyn Monroe, Elvis Presley e Liz Taylor, entre outros, eram a matéria-prima. A técnica baseava-se em pintar grandes telas com fundos, lábios, sobrancelhas e cabelos com cores berrantes e transferir, através da serigrafia, fotografias para as telas. Warhol deu dimensão artística à mídia de massa. E a partir do momento em que começa a série sobre catástrofes, como a reprodução de acidentes de carros, de avião e também imagens de cadeira elétrica, profetiza sua mais famosa frase: “No futuro, todos terão 15 minutos de fama.” A Factory de Warhol Warhol parece ter sido um atormentado, marcado por se sentir estrangeiro – sua descendência gerava certo preconceito na sociedade norte-americana da época – e ser homossexual. Mesmo quando adulto tinha medo

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de dormir sozinho e desenvolveu uma dependência doentia do aparelho de telefone, ao qual ficava pendurado madrugadas, falando com pessoas para talvez desviar a solidão – apesar de que, depois de um tempo instalado em Nova York, sua mãe foi morar com ele e, mais uma vez, o que se sabe revela uma relação nada saudável. Diz-se que os apartamentos onde morou eram extremamente sujos e infestados de ratos, daí surgiu a simpatia que o artista tinha com gatos, que variavam entre cinco e vinte em sua casa. Em 1962, encontrou um armazém na East 47th, em Manhattan, um loft em um prédio antigo que virou um dos estúdios mais conhecidos no mundo. Por lá passavam pessoas dispostas a criar ou simplesmente interessadas em fazer parte da aura mágica que envolvia Warhol. Como adorava máquinas, sua casaestúdio foi batizada de The Factory (A Fábrica). Uma das mais famosas freqüentadoras era a modelo Edie Sedgwick. Jovem, bonita e rica, entre 1963 e 1965 manteve uma relação intensa com Warhol, tornandose a personagem principal dos filmes dele, como Vinyl, Kitchen e Poor Little Rich Girl – extremamente envolvido com a linguagem multimídia, ele chegou a dizer que trocaria a pintura pelos filmes. Além dos filmes, Warhol estava interessado em música. Em 1965, Paul Morrisey, assíduo da Factory, sugeriu colocar seus filmes underground em um contexto rock and roll, alegando ser mais uma forma de eles ganharem dinheiro. Levou Warhol para assistir a um show do Velvet Underground, que tinha como vocalista e principal compositor Lou Reed e o conceituado John Cale na guitarra base. Ele ficou encantado. Achou que poderia emprestar fama àquele grupo obscuro, que falava sobre submundo e drogas. Tudo ótimo até que Nico, uma modelo e cantora alemã que tinha no currículo, entre outras coisas, um filho com Alain Delon, apareceu na Factory e Warhol resolveu colocá-la na banda. O trabalho foi feito, com vários desentendimentos durante o processo, e o VU lançou o disco que traz na capa uma banana desenhada pelo artista, um dos clássicos do rock até hoje.

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Império pop Warhol construiu um império pop para sua vida. Sempre teve uma ligação estranha com dinheiro – diz-se que ou gastava compulsivamente ou agia como um autêntico sovina – e mesmo depois de se tornar mundialmente famoso continuava um homem extremamente inseguro, eternamente incomodado com sua aparência. Ao alcançar rapidamente o estrelato, entrou no círculo das celebridades onde sempre almejou estar – e pelo qual sempre quis ser aceito. Era freqüentador assíduo do Studio 54 onde, certa vez, foi fotografado ao lado de Jerry Hall (ex-Mick Jagger), Debbie Harry (vocalista do Blondie), Truman Capote, Paloma Picasso (filha de Pablo), entre outros. Sobre o local, destilou uma das suas frases eternas: “O lugar onde as estrelas não eram ninguém, porque todo mundo era uma estrela.” A professora de História da Arte Keila Kern diz que, antes de tudo, Warhol era um homem do seu tempo. “Poderíamos dizer também que era um artista para além e adiante, na medida em que ultrapassou o limite do imediato ainda que discutindo o instantâneo”, afirma. “Sua arte nasceu no meio da ilustração comercial e se articula com o meio do espetáculo (e seus procedimentos econômicos) sem perder, no entanto, a força crítica, extraindo daí mesmo a sua potência.” A professora comenta que estar envolvido com pessoas célebres era uma forma de produzir uma crítica a esse estilo de vida. “Ele foi criador e criatura do mundo da mass media”, continua. “A melhor crítica costuma ser a que parte de dentro e ele faz uma crítica com aparência de ‘segunda mão’, a do senso comum, o que é também uma mercadoria, e o que em termos de arte é bem mais interessante.” Controverso em pensamentos e atitudes e conhecido pela dissimulação dos fatos de sua biografia, Warhol juntou uma quantidade de objetos assustadora durante a vida. Quando faleceu, em 1987, um dia depois de passar por uma cirurgia de vesícula, os responsáveis pelo inventário ficaram assustados com sua coleção, que ia de quinquilharias a genuínas obras-primas. Muitas peças estavam embaladas sem nunca terem sido tocadas e os objetos leiloados foram avaliados em mais de 25 milhões de dólares. Ter dinheiro e gastá-lo era um hábito também inspirador. “Comprar é mais americano que pensar e eu sou mais americano do que ninguém”, disse Andy Warhol.


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CONSUMO consCIENTE Normalmente as pessoas associam consumo a compras, o que está correto, mas incompleto. A compra é apenas uma etapa do processo, que inclui a forma de usar o produto e o seu descarte. por Simone Mattos

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uando pensa em comprar itens básicos do diaa-dia, o professor de ioga Jorge Brand procura fugir dos destinos óbvios, como grandes lojas ou supermercados, e prefere as feiras de rua e os pequenos comércios, onde adquire produtos artesanais ou alimentos diretamente do produtor. Embora tenha carro, utiliza apenas a bicicleta em sua rotina diária e há muito tempo não entra num shopping center, a não ser para ir ao cinema. Ele é um exemplo típico, e ainda não muito comum, de consumidor consciente. Nunca se falou tanto neste assunto, mas pouca gente ainda reflete sobre o termo ou sabe exatamente o que ele significa. Saber consumir vai muito além de ter dinheiro e poder adquirir algo. Não se trata de uma condição financeira, mas da responsabilidade que cada um deve ter sobre o impacto, muitas vezes irreversível, que o consumo causa ao planeta. Também nunca foi tão urgente entender qual o papel de cada um nesta luta conjunta. A população mundial é superior a 6,6 bilhões de pessoas, das quais só 1,7 bilhão consomem. “Temos que consumir com moderação para que, no dia em que os outros 4,9 bilhões começarem a consumir, tenha espaço para todo mundo; hoje, seriam necessários quatro planetas para suportar”, segundo afirma Hélio Mattar, presidente do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, no site Planeta Sustentável da Editora Abril.

Implementar mudanças na rotina diária e torná-la mais natural e sustentável nem sempre é uma tarefa fácil, mas há um cálculo assustador que o Instituto Akatu fez que pode ajudar nesta sensibilização. “Se um brasileiro guardar o seu lixo em casa, durante toda sua vida – dos zero aos 72 anos – vai amontoar um apartamento de 50 m2 até o teto. Pode parecer pouco, mas não é. Se o cálculo se estender a 20 brasileiros, eles precisariam de um prédio de dez andares, com dois apartamentos por andar, para guardar o seu lixo. E o que pensar de uma cidade como São Paulo, que tem 17 milhões de pessoas? Apenas para guardar o lixo, seriam necessários 850 mil prédios de dez andares.” Para tentar amenizar esta questão, uma dissertação do Mestrado Profissional em Gestão Ambiental da Universidade Positivo acabou se transformando em prática numa das unidades do supermercado Festval, de Curitiba. É o “Caixa ecológico”, onde o consumidor é convidado a descartar num local apropriado embalagens de plástico e papelão dos produtos que está adquirindo. Por exemplo, quem compra uma pasta de dentes pode descartar a caixa e levar apenas o tubo para casa. O próprio supermercado responsabiliza-se pelo destino correto das embalagens. “A promoção do consumo consciente é uma necessidade real brasileira, em especial no que se refere a embalagens, uma vez que elas correspondem a cerca de 30% da composição dos resíduos sólidos municipais no Brasil”,

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explica a professora Cíntia Mara Ribas de Oliveira, do Mestrado Profissional em Gestão Ambiental da Universidade Positivo.

bicicleta não polui e nem faz barulho, além de permitir um contato mais direto com a cidade”, diz. “Outro diferencial é que a bicicleta, ao contrário do carro, seja de que marca for, alcança sempre a mesma velocidade, o que vai contra o status do consumo”, compara.

Mas o excesso de lixo é apenas um dos impactos gerados pelo consumo desenfreado. Mesmo que alguém passe o dia todo sem sequer abrir a carteira, terá consumido muita coisa. Portanto, a não reflexão sobre o assunto pode se transformar em desperdício de água, energia, alimentos e outros preciosos recursos. Basta dar uma passeada pelo site do Instituto Akatu (www.akatu.org. br) para perceber que todos esses aspectos do consumo estão presentes praticamente o tempo todo em nossas vidas, o que nos transfere boa parte da responsabilidade pela sustentabilidade do planeta.

Ele concorda que falta incentivo do poder público para que a população pedale mais. “Se fossem criadas ciclofaixas, aumentaria a segurança e o número de pedestres subiria uns 50%, aliviando o trânsito”, estima ele, que participou recentemente da organização do desafio intermodal em Curitiba, em que a bicicleta venceu outros meios de transporte no mesmo trajeto e horário. Para incentivar o desapego ao carro, desde 2005 Brand também promove a Bicicletada, um passeio crítico por Curitiba que tem reunido em torno de cem pessoas, sempre no último sábado do mês. “Como uma cidade com mais de um milhão de automóveis pode ser chamada de ecológica?”, desafia.

Há muitos anos preocupado com esta questão, o professor Brand pedala em média 15 quilômetros todos os dias para vencer seus deslocamentos pelas ruas de Curitiba e só usa o carro em ocasiões especiais. “A

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Outra reflexão a se fazer é sobre o fato de várias grandes empresas estarem se aproveitando do tema Consumo Consciente, tão em voga ultimamente, como uma oportunidade de negócios ou uma nova estratégia de marketing. “Alguns supermercados disponibilizam as ecobags como alternativa às sacolas plásticas, mas os funcionários dos caixas não são treinados, não oferecem a nova opção e automaticamente embalam as compras nas tradicionais sacolinhas”, avalia Brand. De qualquer forma, ele concorda que ações como esta de certa forma são válidas porque ao menos expõem o grande público a uma reflexão sobre o tema. Na hora de comprar o que é indispensável, ele evita supermercados e prefere sempre os produtores locais, com alimentos de ótima qualidade e sem tantas embalagens. A mesma opção faz a jornalista curitibana Anna Elisa Nicolau. “Se vamos ao supermercado, fica


difícil fugir das armadilhas”, diz. Ela se refere às bandejas de isopor que embalam frios, aos saquinhos revestidos de alumínio para os biscoitos e tantos outros exemplos. “O ideal é ir às feiras de rua e aos mercadinhos, dando preferência aos produtos orgânicos e artesanais”, diz. Preocupada com questões ecológicas desde a infância, Anna Elisa afirma ainda que atitudes simples evitam desperdício nas pequenas ações cotidianas. “Para reduzir a quantidade de lixo, basta evitar tantas embalagens e sacolas no comércio, não utilizar copos descartáveis, utilizar as folhas de papel dos dois lados e

DIA SEM COMPRAS Na contramão do consumo irresponsável, há 16 anos teve início no Canadá o movimento mundial do Dia Sem Compras (Buy Nothing Day), que hoje atinge mais de 60 países, segundo explica Lauren Bercovitch, da Fundação Adbusters, responsável pelo evento na última década. Criado em 1992 pelo artista Ted Dave, o Dia Sem Compras era a princípio em setembro, mas a data foi transferida para a última sexta-feira de novembro para coincidir com o período mais consumista do ano, que antecede o Natal. A proposta é não comprar absolutamente nada neste dia, para que as pessoas possam refletir sobre o consumo desenfreado. Segundo uma pesquisa da revista científica britânica News Scientist, quanto mais bens as pessoas possuem, mais elas querem comprar, com a ilusão de que aquilo as tornará mais felizes. É um ciclo sem fim.

separar o lixo reciclável”, ensina. Ela sugere ainda conferir se não há vazamentos de água em casa, desligar as luzes quando sai do ambiente, escovar os dentes com a torneira fechada e deixar o carro na garagem sempre que possível. “O consumidor responsável deve raciocinar de forma diferente, tanto na hora de comprar quanto na hora de gastar”, diz Anna Elisa.

Embora antigo e difundido pelo mundo, o Dia Sem Compras não é noticiado pela grande mídia por motivos óbvios. “Elas são sustentadas pelos anunciantes que dependem do consumo”, comenta o professor Jorge Brand. Ele mesmo já participou de grupos que protestaram nesta data, mas que sempre foram ignorados pela imprensa. “No ano passado, no Dia Sem Compras distribuímos folhetos nas portas dos principais shopping centers de Curitiba. Em anos anteriores, fizemos shows gratuitos no DCE da UFPR, onde reinava um clima questionador sobre a proposta da data.” Entre outras reflexões, Brand critica o fato de a maioria da população saber identificar imediatamente a logomarca de qualquer uma das marcas gigantes do consumo mundial, mas não saber dizer qual o tipo de árvore que tem na sua rua ou reconhecer um pássaro. “É preciso questionar o papel da mídia na alienação das pessoas”, propõe.

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DICAS PARA CONSUMO CONSCIENTE* Lave a louça com inteligência e economia Antes de abrir a torneira, jogue fora primeiro os restos de alimentos que ficam nos pratos e panelas. Depois, abra a torneira e encha a cuba da pia até a metade. Com esta água, ensaboe a louça. Importante: deixe a torneira fechada. Após ensaboar toda a louça, encha a cuba novamente até a metade e enxágüe toda a louça. Dessa forma você consome cerca de 20 litros de água por lavagem de louça, 223 litros a menos do que se a torneira ficasse aberta. Não deixe uma torneira pingando Uma torneira pingando moderadamente desperdiça cerca de 46 litros de água por dia, 1.380 litros por mês e 16.560 litros por ano. Apenas o desperdício durante um ano de uma torneira mal fechada ou quebrada representa todas as necessidades de água de uma pessoa por dois meses e cinco dias. Tome um banho consciente e economize água Você pode economizar 96 litros de água por dia com um banho inteligente. Feche a torneira do chuveiro enquanto se ensaboa, passa xampu ou usa outros produtos de higiene. Seja seletivo ao jogar restos de alimento no lixo Em média, uma dona de casa desperdiça 20% em alimentos que ainda poderiam ser consumidos. Isso representa um desperdício anual ao Brasil de US$ 1 bilhão, o que equivale à alimentação de 500 mil famílias por ano. Na somatória, o Brasil desperdiça anualmente 30% dos alimentos que produz, ou seja, 16 bilhões de dólares, o suficiente para aliviar a fome de oito milhões de famílias por ano.

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Valorize produtos com embalagens recicláveis Escolha produtos que utilizem pouca embalagem ou que tenham embalagens reutilizáveis ou recicláveis. Diariamente, são coletadas cem mil toneladas de lixo no Brasil. Deste total, 40% são formados por materiais inorgânicos que poderiam ser reaproveitados. Nossas casas geram 20 mil toneladas de lixos inorgânicos coletados por dia. Por ano, uma família joga fora, em média, 47 quilos de plástico, 32 de metais e 74 quilos de vidros. Compre equipamentos com selo de eficiência energética Quando for comprar um eletrodoméstico, escolha aquele que possui o Selo Procel de Economia de Energia. Este selo é concedido aos equipamentos que apresentam bons índices de eficiência energética, desde a produção na fábrica até o seu uso no diaa-dia. Além da energia economizada, o selo Procel evitará, até o ano 2010, a emissão de cerca de 230 milhões de toneladas de gases poluentes na atmosfera – quase 29% das emissões do setor elétrico brasileiro na sua atividade de produção em um ano.

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Economize papel e salve uma árvore Cada brasileiro gasta, em média, duas árvores com o papel que utiliza em um ano. Se reutilizasse ou reciclasse o papel que usa, salvaria uma árvore e meia por ano. Economizaria também dois mil litros de água e 120 litros de petróleo. Se dez milhões de pessoas fizessem o mesmo, salvariam 15 milhões de árvores e economizariam água suficiente para abastecer uma cidade com 200 mil habitantes. *Fonte: www.brde.com.br


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aidade é, segundo o dicionário Houaiss, qualidade do que é firmado sobre aparência ilusória. A concepção coincide com a visão que as religiões têm do vício, batizado de sétimo pecado capital. No dia-a-dia ocidental, no entanto, ela é tolerada. Mais que isso, é massivamente incentivada pela indústria da beleza. Em contraste com a exposição ilimitada do corpo desse lado do planeta, nos países que têm o islamismo como religião dominante a vaidade é tratada com rigor. Principalmente entre as mulheres, que só podem aparecer em público sob uma indumentária que as proteja dos olhares estranhos. Para saber mais sobre o simbolismo do véu e o impacto dessa tradição no mundo globalizado, conversamos com o diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos (Ibei), Gamal Oumairi, e com a pesquisadora da Universidade da Beira Interior, de Portugal, Maria Johanna Schouten. Descobrimos que, assim como qualquer outro tipo de roupa, a vestimenta islâmica, além de proteger e enfeitar o corpo, serve para comunicar uma mensagem. “Ainda que o vocábulo hijab (véu) seja definido como se cobrir, ele representa um conjunto de virtudes e valores dos quais cobrir-se é somente uma das di-

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mensões”, explica o material enviado à redação por Gamal, que também é vice-presidente da comunidade muçulmana do Paraná. O véu é uma prova de que a mulher se orienta pelos princípios do Islã. “Antes era parte de uma tradição, hoje em dia muitas mulheres usam, principalmente no Ocidente, para comunicar ao resto do mundo que são muçulmanas piedosas e conscientes”, confirma a pesquisadora portuguesa. A professora esteve na Indonésia, Malásia, Turquia, Egito e Tunísia colhendo dados e impressões sobre o assunto. Ela constatou que as roupas variam muito de um lugar para o outro. O uso da burca, que cobre todo o corpo e o rosto, é imposto por islamitas fundamentalistas, nomeadamente os Talibãs do Afeganistão. “Mas não foram eles que a inventaram”, explica. “Ela faz parte do modo habitual de vestir das mulheres quando saem à rua, há muitas gerações, e por isso seu uso não diminuiu após a queda do regime Talibã”, complementa. Já o niqab, que cobre o rosto, é mais comum no Oriente Médio, enquanto o hijab ou véu, mencionado por Gamal, funciona como uma “cortina”. “É uma fronteira, simbólica ou real, entre o corpo da mulher e o dos homens que não pertencem à família”, afirma Maria.


beleza velada

Diferente do Ocidente, onde não há limites para a exposição do corpo, nos países islâmicos os atributos femininos são um assunto privado. Descubra o significado do véu, as diferentes formas de se cobrir, como as mulheres lidam com as restrições e a moda inspirada no vestuário muçulmano. por Melissa Medroni

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fotos divulgação

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Vestuário muçulmano inspirou linha australiana de artigos esportivos Ahiida e coleção de verão do estilista Marcelo Sommer.

Alta-costura “Em muitas sociedades as mulheres podem escolher, até certo ponto, o estilo da sua indumentária”, conta a professora. Em alguns países, porém, até as cores são impostas. No Irã e na Arábia Saudita o predominante é o preto. Na Malásia e na Indonésia o véu mais apropriado é o branco. Já na Turquia eles são coloridos e floridos. Os tecidos nem sempre combinam com o clima quente. “Embora hoje em dia seja usado material sintético, por baixo do véu é comum ter um tipo de capuz de lã”, revela a acadêmica. Quando estão apenas em companhia feminina, ou entre familiares, as mulheres ficam livres da obrigação de se cobrir. “Em casa, as mais ricas podem vestir-se conforme a alta-costura de Paris, calçar tênis Nike ou ter penteados ousados”, explica Maria. Também não tem nada de mais em se embelezar para o próprio marido. “Está na natureza da mulher querer mostrar-se mais atrativa e isso no âmbito familiar é correto”, afirma o texto fornecido por Gamal. A alta-costura é um ramo que vem ganhando fôlego em algumas regiões, principalmente no Sudeste Asiático onde, segundo a pesquisadora, quase não existe imposição legal sobre o tipo de roupa. “Nesses lugares, as mulheres da elite se esforçam para não parecerem umas com as outras em festas e cerimônias”, observa. Em Kuala Lumpur, capital da Malásia, ou Jacarta, capital da Indonésia, os desfiles de moda são eventos sociais importantes.

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Recentemente, uma libanesa migrada para a Austrália lançou a Ahiida, marca especializada em roupas esportivas para mulheres islâmicas, incluindo modelos de burquíni. “Notei que muitas jovens australianas estavam adotando os princípios islâmicos, mas tinham que abrir mão das atividades esportivas por falta de vestuário adequado”, conta a idealizadora, Aheda Zanetti. As muçulmanas também adaptaram a vestimenta para o ambiente de trabalho. “O véu pode ser uma boina bastante atrativa, que esconde os cabelos, como presenciei no consultório de uma médica da Indonésia”, relata a pesquisadora. A burca ainda inspirou a coleção 2008 da grife norueguesa Marked Moskva. No lançamento dos modelos feitos com estampas charmosas, a estilista disse que a burca dá, ao contrário do que se prega, mais liberdade às mulheres. “Ela representa a possibilidade de você sair de casa sem se preocupar com o cabelo ou a maquiagem; é uma garantia de privacidade”, afirmou Tonje Nordmo. A indumentária também esteve na passarela verão 2008 da São Paulo Fashion Week, no desfile da grife Do Estilista, de Marcelo Sommer. As recriações do mundo fashion não reproduzem, no entanto, os princípios da indumentária muçulmana, que existe para preservar a mulher do olhar masculino e não atraí-lo. “A mulher não deve chamar a atenção por sua aparência, mas valorizar sua personalidade e fazer com que o homem se fixe em seus valores espirituais”, finaliza o texto fornecido pelo instituto islâmico.


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o primeiro a gente nunca esquece O publicitário Washington Olivetto lança o livro O Primeiro a Gente Nunca Esquece, projeto que reúne a história de uma das mais celebradas campanhas publicitárias brasileiras e textos de outros autores que utilizaram o mesmo conceito. por Melissa Crocetti

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ais do que uma peça íntima que destaca a vaidade feminina, o sutiã foi imortalizado historicamente quando algumas mulheres resolveram queimá-lo em praça pública, nos anos 60, como um ato que desafiava a repressão masculina. No Brasil, a simbologia do sutiã faz parte da cultura popular também pela peça publicitária O Primeiro Sutiã a Gente Nunca Esquece, criada pelo publicitário Washington Olivetto, em 1987, para a marca Valisère, que mostrava na televisão o deslumbramento de uma menina ao ganhar seu primeiro sutiã. Passados 21 anos, Olivetto resolveu relembrar uma das campanhas mais premiadas da história da propaganda mundial com o lançamento do livro O Primeiro a Gente Nunca Esquece, pela Editora Planeta. Mais que um relato sobre como nasceu o conceito, como a equipe trabalhou para conseguir um resultado tão delicado e os motivos que fizeram o filme entrar para a história, o projeto reúne algumas das mais destacadas narrativas que se apropriaram da expressão “o primeiro a gente nunca esquece”. O livro contém textos de Arnaldo Jabor, Marcos Sá Corrêa, Mário Prata, Tutty Vasques, Xico Sá, entre outros, que utilizaram a frase para falar sobre

política, sociedade, futebol, culinária, sexo e moda. José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, escreve o posfácio, no qual conta como Olivetto o convenceu a veicular um comercial de 90 segundos durante o programa Fantástico – algo incomum na publicidade acostumada a passar mensagens em apenas 30 segundos. A obra, em edição luxuosa, traz Patrícia Lucchesi, a atriz do comercial na época com 11 anos, em foto inédita e uma alça de sutiã cor-de-rosa como marcador de página. Para falar sobre o lançamento e também sobre as mudanças culturais e comportamentais relativas à vaidade na sociedade brasileira entrevistamos Washington Olivetto, diretor de criação e presidente da agência publicitária W/Brasil. Por e-mail, ele comentou as transformações que observa, falou sobre o narcisismo contemporâneo e sobre quando sua vaidade pessoal é abastecida. Como o senhor vê as mudanças no conceito de vaidade desde que criou a peça publicitária do sutiã Valisère? O comercial O Primeiro Valisère a Gente Nunca Esquece foi criado e veiculado pela primeira vez em 1987, portanto

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está completando neste ano sua maioridade oficial, 21 anos. Foi um filme feito para seduzir as mulheres que encantou também os homens e acabou entrando para a história da comunicação mundial, merecendo até mesmo ser documentado nesse livro recém-publicado. Sem dúvida nenhuma a vaidade já existia há 21 anos, como sempre existiu, mas era menos explícita. O filme narra a transição da personagem de menina à mulher, momento em que a vaidade certamente desabrocha. E faz isso com uma delicadeza e sutileza coerentes com a época em que foi criado e produzido. Um tempo diferente do de hoje, quando, muitas vezes, a vaidade está atrelada à vulgaridade. Esse meu comentário não é uma crítica nem um julgamento moral, apenas uma constatação. Se o senhor recebesse o mesmo briefing hoje, como criaria a peça? Nos dias de hoje, o filme poderia manter o mesmo conceito. Mas, esteticamente falando, teria algumas diferenças. Certamente, a menina não estaria num clube na cena inicial, mas numa academia de ginástica, ambiente hoje tão presente no nosso dia-a-dia. Seus cabelos e roupas seriam diferentes, possivelmente um pouco menos discretos e um tanto mais ousados. Seu quarto, levemente menos romântico e mais tecnológico, provavelmente com a presença de elementos como um computador e uma TV de plasma. E, na cena final, em vez de esconder os seios com os livros (fugindo, assim, do olhar do garoto), na versão dos dias de hoje, ela, atrevidamente, talvez puxasse um pouquinho o zíper da blusa pra baixo, deixando à mostra mais um tantinho dos seios com o sutiã. São modificações simples que colocariam o filme esteticamente no contexto social da atualidade. A vaidade, na época da criação da campanha, era mais sutil e recatada. Suave como a iluminação do filme. Peças íntimas femininas possuem a mesma simbologia de sensualidade e vaidade hoje em dia que na época da criação daquela campanha? Peças íntimas femininas tinham, têm e sempre terão a simbologia da sensualidade e da vaidade. Mas essa simbologia se alterna de acordo com as características do quadro social. Às vezes, fica mais recatada, às vezes, mais agressiva. Essa al-

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ternância ocorre particularmente no universo da moda, que é cíclica, se inventa e se reinventa. O psicanalista Contardo Calligaris comentou certa vez, sobre o “narcisismo contemporâneo” da sociedade, que seria a compulsão por ter coisas. Qual o seu pensamento sobre isso? Concordo com a análise do Contardo Calligaris para este momento, mas começo a sentir certo cansaço (particularmente nos formadores de opinião intelectuais) desse narcisismo contemporâneo, muitas vezes atrelado a uma vulgaridade extrema. A idéia do Andy Warhol de que, no futuro, todos seriam famosos por 15 minutos se transformou em “nos anos 2000, todos serão vulgares por algumas horas”. Esse comportamento está atingindo os seus estertores e possivelmente em pouco tempo teremos uma onda de revitalização da não vulgaridade e uma baixada de bola do tal narcisismo contemporâneo. O senhor acha que o consumo é onde a vaidade humana mais se manifesta? Sem dúvida, porque, na verdade, a maior parte das pessoas não consome produtos. Consome os sonhos e as ambições que os produtos simbolizam. Trabalhar com publicidade há anos o tornou experiente quando o assunto é lidar com a vaidade ou com a egolatria das pessoas? Lidar com a vaidade e a egolatria das pessoas faz parte da atividade de qualquer publicitário. Por isso mesmo, é importante saber olhar para as coisas com olhar crítico. A vaidade, quando bem exercida, pode ser uma mola propulsora, um elemento de motivação para boas realizações. Quando exacerbada e descabida, vira uma espécie de doença. A publicidade trabalha com aspectos sociológicos e mercadológicos e é colocada, algumas vezes, como culpada pelo excesso de consumo. Como o senhor analisa o fato de a publicidade trabalhar com a vaidade dos consumidores? A publicidade é criada e aprovada por seres humanos. Quanto melhores forem esses seres humanos, melhor será a publicidade. Faz parte das características de um


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bom profissional de publicidade exigir ser levado a sério, mas jamais se levar a sério. Ter grande capacidade de rir de si próprio. Ser informado e desenvolver fortemente o seu intuitivo. Da soma desses fatores com muito trabalho é que um profissional de publicidade pode extrair um produto final sério e conseqüente, capaz de cumprir suas funções obrigatórias de vender produtos e construir marcas, mas com uma ambição ainda mais nobre: entrar para a cultura popular do país. Quem consegue trabalhar assim não tem nenhum motivo para sentir complexo de culpa, mesmo utilizando no seu trabalho elementos tão delicados e perigosos como a vaidade humana. O senhor acredita na idéia de que quando uma pessoa assiste ao comercial de um carro, por exemplo, acha que ao adquiri-lo vai ter o biotipo do modelo que faz o comercial, a mulher que o acompanha e por aí vai? As pessoas não são ingênuas a esse ponto. E mesmo os menos dotados intelectual ou financeiramente são, no mínimo, sensíveis e críticos. Por isso, é fundamental criar mensagens publicitárias que respeitem a inteligência dos consumidores. E deixar o julgamento final a cargo deles. Não podemos ser paternalistas com relação aos consumidores. Não podemos decidir o que eles devem ou não devem ver. E muito menos tratá-los como idiotas, coisa que eles decididamente não são. Publicidade bem-feita e de qualidade pode até mesmo ajudar a formar consumidores mais lúcidos e conscientes. Alguns pensadores da sociedade contemporânea afirmam que temos necessidade de construir e mostrar nossa imagem como gostaríamos que ela fosse. O senhor concorda? Essa afirmação não é uma regra, não pode ser generalizada, mas merece ser analisada. Imagens idealizadas (dentro e fora do universo de consumo) sempre fizeram parte das características do ser humano. Alguns conseguem tirar bom proveito disso. Outros se transformam em vítimas de si próprios. Em que situações o senhor acredita que a sua vaidade se manifesta? Prefiro minha vaidade mais abastecida que

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manifestada. Minha vaidade é abastecida quando fazemos trabalhos de boa qualidade. Abastecida por mim mesmo, que me sinto gratificado pelo trabalho. E abastecida pelo reconhecimento dos outros, que também é sempre gratificante. Talvez devido à experiência de anos nesta minha atividade (na qual o ego é lustrado e massacrado cotidianamente), não sinto grande necessidade de manifestar a vaidade abastecida. O prazer interiorizado me basta. O senhor acredita em medida certa para a vaidade? Sim, a medida do bom senso. Para exercer essa medida, saber rir de si próprio continua sendo o melhor remédio. Ganhar prêmios publicitários tem ligação com a vaidade? Tem ligação com a vaidade, mas em pessoas e profissionais relativamente normais (de perto, ninguém é normal). Isso ocorre mais no início da carreira, quando os prêmios parecem mais relevantes e ajudam a eliminar certas inseguranças. Com o passar do tempo, os melhores profissionais percebem que o melhor prêmio, na verdade, é o reconhecimento do público. Criar algo que cai na cultura popular é um prêmio maior do que todos os prêmios de todos os concursos e festivais somados. O senhor é conselheiro da Berlin School of Creative Leadership, escola que “busca formar líderes fora de série, com enorme capacidade de enxergar o outro lado das coisas”, em suas palavras. Quais são as diretrizes ideais para a percepção do outro lado das coisas? O não preconceito com a informação: toda e qualquer informação, independentemente do seu status, é válida e necessária. O treinamento e o aperfeiçoamento do intuitivo (costumo dizer que os grandes profissionais normalmente têm o intuitivo de “uma comitiva de mulheres”). A curiosidade a respeito de tudo. Uma enorme vontade de trabalhar. E alguma sorte. Esses, a meu ver, são alguns componentes fundamentais para quem pretende enxergar o outro lado das coisas. O que vale mais: a forma ou o conteúdo? O bom conteúdo expresso na forma adequada.


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bIscoItos da sortE Saiba qual é a história do biscoito e por que todos o consideram da sorte. por Fabiano Dalla Bona

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reqüentemente encontrados em restaurantes chineses ocidentais, onde são ofertados como brindes após as refeições, os biscoitos da sorte são confeccionados com massa fina e crespa de farinha de trigo ou amido de milho, ovos e açúcar e, após serem enrolados em torno de tiras de papel impressas e moldados em forma de “V”, podem ser assados em fornos domésticos ou de padaria. As tiras de papel geralmente contém frases de sabedoria, profecias ou até mesmo séries de números da sorte para serem usadas em loterias. Aliás, o biscoito da sorte chinês ajudou pelo menos oito moradores da Região Nordeste a acertar as seis dezenas do concurso 529 da Mega-Sena, realizado no dia 14 de janeiro de 2004. A Caixa Econômica Federal descobriu que os números apareceram em biscoitos da sorte de uma rede de restaurantes que, entre lojas próprias e franquias,

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fotos sxc.hu e morguefile.com

conta com 20 estabelecimentos na região. A fábrica de biscoitos é da própria rede e fornece os brindes para outros 30 restaurantes chineses do Nordeste. O dono Fong Yu informou para a instituição que a máquina que produz as tiras de papel gera, ao todo, 171 combinações de números. Além disso, de acordo com ele, estas mesmas 171 combinações são impressas desde 1996. Neste período, a fábrica, que vende 270 mil biscoitos por mês, já colocou no mercado mais de 29 milhões de biscoitinhos. Uma das lendas sobre o biscoito da sorte conta que sua origem data do período em que a China foi invadida e seu território em grande parte ocupado pelos mongóis liderados por Gêngis Kahn (1162 – 1227) no final do século 12. Essa ocupação estendeu-se por mais de um século até que o povo chinês, sentindo o enfraquecimento dos invasores, iniciou a luta pela liberdade.

Ao final de anos de batalhas e sentindo próxima a vitória, os chineses elaboraram os planos detalhados para o ataque final aos mongóis. Mas havia o problema de como transmitir a todos os generais as ordens e os detalhes completos da disposição de seus numerosos exércitos espalhados em áreas extensas e distantes, sem que houvesse o risco de que os planos caíssem nas mãos dos invasores. A solução, segundo a lenda, foi de uma simplicidade genial. Havia na culinária chinesa daquela época um bolo em forma de meia-lua cujo sabor era detestado pelos mongóis. Valendo-se desse detalhe, os planos foram acondicionados dentro desses bolos que foram então enviados a todos os generais. Com a vitória, o povo chinês reconquistou sua liberdade dando início à dinastia Ming (1368 – 1644) – aquela das famosas porcelanas – e, para comemorar anualmente o suces-

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so de sua luta, os chineses passaram a trocar mensagens de felicitação da mesma forma usada anteriormente para a troca de informações secretas. Dessa forma os bolos ancestrais transformaram-se nos atuais e menores biscoitos da sorte. A despeito das lendas e crenças populares, na verdade eles não foram inventados na China e sim na Califórnia. Tanto a cidade de San Francisco como a de Los Angeles reivindicaram o direito de terem sido o seu lugar de origem. Desde as primeiras décadas do século 20, as duas cidades avocaram para si o direito de reconhecimento como berço da invenção, devida, segundo cada grupo de defensores, a dois proprietários de estabelecimentos comerciais residentes em cada uma das duas cidades que pleiteavam seu reconhecimento. Os que defendiam San Francisco alegavam que os biscoitos teriam lá surgido em 1909 por iniciativa do imigrante japonês Makoto Hagiwara, proprietário de uma casa de chá, enquanto que o outro grupo argumentava que os primeiros desses biscoitos tinham sido preparados em Los Angeles em 1918, idealizados por David Jung, dono de uma fábrica de macarrão do tipo chinês. Pelo menos teoricamente e até hoje contestada, a polêmica foi resolvida em 1983, quando a Corte de Revisão Histórica de San Francisco decidiu que o mérito da invenção pertencia àquela cidade. Embora essa decisão tenha sido proferida por um juiz federal em uma corte que se reúne a intervalos irregulares para julgar casos curiosos de interesse histórico, os veredictos são puramente simbólicos, pois não possuem força legal ou acadêmica, e suas decisões nem sempre refletem a palavra final sobre o assunto. Se você é como os mongóis e detesta o sabor dos biscoitinhos, ou não quer comê-los para não quebrar a sua dieta, mas mesmo assim gostaria de saber a sua “sorte do dia”, consulte o site www.biscoitochines.com.br Mais uma das páginas criativas disponíveis na internet. E boa sorte, ou boa “solte”, como dizem os chineses!

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Ingredientes: 1 clara de ovo 1/8 de colher de chá de extrato de baunilha 1 pitada de sal 1/4 de xícara de farinha 1/4 de xícara de açúcar. Preparo: Pré-aqueça o forno a 200ºC. Unte uma folha de papel própria de ir ao forno. Escreva as mensagens em tiras de papel com cerca de 10 cm de comprimento e 1,5 de largura. Unte duas folhas de papel. Misture a clara do ovo com a baunilha até que forme espuma, mas não que enrijeça. Junte a farinha, sal e açúcar na mistura do ovo e misture bem. Coloque colheres de sopa da massa preparada sobre uma das folhas com pelo menos 10 cm de distância. Agite a folha de modo que a massa se espalhe em formas redondas de mais ou menos 7 cm de diâmetro. Tenha o cuidado de fazer com que a massa fique tão redonda quanto possível. Não faça demasiados de cada vez porque os biscoitos têm de estar muito quentes quando forem dobrados, depois de arrefecerem já não dá. Comece com dois ou três por folha e veja quantos consegue preparar de cada vez. Leve ao forno por cinco minutos ou até que os biscoitos fiquem dourados em 1,5 cm do seu extremo. O centro ficará pálido. Enquanto uma das folhas está no forno prepare a outra. Remova do forno, retire da folha com uma espátula e coloque ao contrário sobre uma tábua. Rapidamente coloque a folha no centro e dobre o biscoito ao meio. Coloque as pontas dobradas debaixo de um copo, uma debaixo da borda, outra dentro do copo, e deixe ficar assim até arrefecer para manter a forma.


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novosares As coleções de inverno nacionais já foram apresentadas nas semanas de moda. Condizentes com a situação econômica mundial, chegam versáteis, permitindo inúmeras combinações. Confira quatro fortes tendências. Aposte nos neutros Os tons neutros permitem o uso dos mais diferentes acessórios capazes de transformar produções. As mais variadas nuances de bege – como as da Koolture (1) e Maria Bonita Extra (2) –, cinza – Huis Clos (3), Juliana Jabour (4), O Estúdio (5) –, preto – Espaço Fashion (6) e Printing (7) –, branco – Marcia Ganem (8) – e ainda misturadas entre si – Espaço Fashion (9), Francisca (10), Glória Coelho (11), Isabela Capeto (12), Maria Bonita (13) e Redley (14) – invadiram as passarelas. Mas não basta vestir uma peça de cor neutra para acertar. Segundo a consultora de imagem Adriana Izumi, é mito achar que todos ficam bem de preto. “É um treino diário saber se este caso é o seu; tem que lapidar os olhos reparando nos outros”, ensina. “O preto é pesado e a cor não pode chegar antes que você.” Ela também alerta para quando a composição for monocromática feita com duas peças. “A tonalidade tem que ser a mesma.” Isto também vale para o branco. “Tecidos com composição sintética tendem para o azulado, já os tecidos naturais e puros (sem elastano), como o linho, para o amarelado; se os dois forem combinados, um pode parecer encardido.” Quanto ao cinza, também há observações. “O cinza claro, cor de cimento, envelhece.” Quando o assunto são os beges, a atenção se volta para o tom da pele. “Deve haver contraste.”

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por Rafaella Sabatowitch

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fotos Márcia Fasoli (Do Estilista); Márcio Madeira (Alexandre Herchcovitch, Cantão e Cavendish) e divulgação fotos de fundo Janete Anderman

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fotos Agência Fotosite (Cori); Fernanda Calfat (Érika Ikezili); Márcia Fasoli (Do Estilista e O Estúdio); Marcio Madeira (Cantão e Printing) e divulgação

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Saia de saia Depois do reinado dos vestidos, as saias voltaram. Femininas, têm a vantagem de mudarem de cara facilmente. A lápis, como as da Cori (1) e Filhas de Gaia (2), concretizam a imagem da mulher poderosa. “Caem bem para todas as situações, além de serem sexies sem serem vulgares, desde que não sejam coladas demais ao corpo”, afirma Adriana. “Pode ser acima ou abaixo do joelho, mas a vantagem de ser abaixo é alongar as pernas.” As retas, como a da Apoena (3), segundo a consultora, ficam bem para as longilíneas, pois engordam as mais voluptuosas. “Mesmo as longilíneas, se forem baixas, precisam do salto”, diz. As mínis também ganharam espaço. Quando têm cintura alta, como a da Auslander (4), “é preciso ter cintura”, garante. “Esta é ideal para o corpo em forma de ampulheta; porém pode ficar vulgar quando as coxas forem muito grossas e for combinada com sandália de salto agulha.” Para não correr este risco, a dica é optar por blusas mais fechadas. “Outro truque é usar meias-calças grossas da mesma cor da saia e do sapato, que criam um bloco monocromático que alonga”, comenta, referindo-se à composição da Carlota Joakina (5). No eterno revival dos 80, a saia clochard reapareceu, a exemplo do modelo da Cantão (6). Adriana diz que, com cuidados, cai bem para todas. “Para quem tem coxas grossas, deve terminar um pouco acima dos joelhos.” Este é o mesmo caso da saia balão, modelo proposto por Do Estilista (7), que cria volume no quadril. A balonê continua, como bem provou Koolture (8) e Printing (9). “É perfeita para o corpo triângulo invertido porque ajuda a criar volume onde não tem, no quadril; já quem é baixa deve usar com salto e a mulher com formato de pera tem que cuidar com o comprimento – a barra deve acabar na parte mais fina da coxa; se a saia for muito longa, achata.” O modelo tulipa é uma forte tendência e Cláudia Simões (10), Érika Ikezili (11), Giulia Borges (12) e Graça Ottoni (13) são marcas que apostam nisso. “Ela cria volume no quadril, o que é bom para quem não tem.” As franzidas também tiveram vez. Segundo Adriana, o modelo apresentado por Homem de Barro (14) serve para quem tem pouco quadril. Já o de Juliana Jabour (15), menos volumoso, veste mais tipos físicos. As desestruturadas, a exemplo d’O Estúdio (16), com saltos baixos achatam a silhueta. Para ela, as longas, como a da Osklen (17), devem ser usadas com blusas ajustadas ou de tecidos que mostrem o contorno do corpo.

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fotos Márcio Madeira (Cantão, Cavendish, Printing, Maria Bonita) e divulgação

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Abuse das calças largas As calças aparecem como peças-chave da estação e são ideais para a mulher dinâmica, que preza pela praticidade e conforto, sem abrir mão da elegância. Depois das skinnies e das saruel, os criadores propõem a carrot pants (ou calça cenoura). Largas nas pernas, com pregas no cós e ajustadas no tornozelo, apareceram em incontáveis coleções, como nas de Claudia Simões (1), Mara Mac (2), Maria Bonita (3), Santa Ephigênia (4) e Coven (5). Apesar de muitas modelos as desfilarem com sapatos baixos, para as mulheres com menos de 1,68 de altura, o salto alto ajuda. “O modelo achata a silhueta e, assim como a saruel, aumenta o quadril e quem for optar por ela tem que ter bumbum”, avalia Adriana. As carrots também apareceram em versões mais curtas, a exemplo dos looks de Alessa (6), André Lima (7) e Homem de Barro (8). “Para quem tem muito quadril, uma opção é aumentar o volume dos ombros com mangas ou laçarotes para equilibrar”, ensina. As marcas Cantão (9) e Cavendish (10) trouxeram as clochards. “Tem que ser alta e magra para usar este modelo, que esconde a perna grossa e destaca as curvas das longilíneas; para não ficar over, na parte de cima usar sempre uma blusa slim.” Outra opção trazida do túnel do tempo, mais especificamente dos 80’s, foi a semi-baggy. Da maneira como a Maria Bonita Extra (11) a apresentou – com camisa bem justinha –, é possível ter idéia de como é o corpo de quem a usa. “Ela encurta e alarga a silhueta; a não ser que tenha pernas longas, o melhor é usar com salto.” A Printing (12) trouxe a calça cropped – reta, curta e dobrada na barra –, para os anos 2000, assim como a Redley (13), mas em uma versão bem mais volumosa. “Ela cai bem em todo mundo, desde que os tornozelos sejam finos e que as baixinhas a use com salto”, afirma. A calça pijama, na passarela da Francisca (14) também deu o ar da graça. “É bem bacana e deve ser sempre usada com peça ajustada em cima”, diz. As elegantes pantalonas também tiveram vez nas criações de Huis Clos (15) e Marcia Ganem (16). “Veste muito bem quem tem pernas longas, pois achata e alarga a silhueta; as altas podem usar com uma flat, caso contrário, uma meia-pata é a escolha ideal”, diz a consultora. Para as mais básicas, também há opção. A TNG (17) propôs a calça reta. “O modelo de alfaiataria vai sempre bem; o cuidado fica para quem tem quadril largo, que pode ocasionar a abertura do bolso, mas, se a calça ficar boa, é só costurá-lo”, ensina.

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fotos Márcia Fasoli (O Estúdio); Márcio Madeira (Alexandre Herchcovitch, Maria Bonita e Printing)

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Misture tecidos Sobrepor peças de tecidos nobres com outras feitas com material nem tanto, além de irreverente, possibilita tirar do closet roupas que geralmente só saem em ocasiões que merecem produções mais caprichadas. Bons exemplos são os looks de Alexandre Herchcovitch (1) e Kylza Ribas (2). Tanto o vestido dele quanto o dela ficaram mais informais com as sobreposições despretensiosas. “Quando os padrões forem diferentes, basta que haja uma cor em comum, principalmente, para não entrarem em choque”, ensina Adriana. Da mesma forma, todo o glamour da renda do vestido da Cantão (3) foi minimizado com a jaqueta jeans e as botas apache. A lã, aliada dos dias frios, aquece os vestidos de tecidos frios e finos das marcas Espaço Fashion (4) e Graça Ottoni (5), além de quebrar a dureza do couro na composição de Juliana Jabour (6). Já a Cavendish (7) deu à simples e confortável malha a companhia de bordados. E, para mostrar os vestidos em noites frias – sem precisar usar casacos que os escondam –, vale a sugestão da Carlota Joakina (8) e Do Estilista (9), que apostaram nas segundas-peles de materiais diferenciados.


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PARECE, MAS NÃO É

De onde vêm os falsificados e por que pessoas que podem comprar originais optam por artigos de qualidade inferior? A doutora em Administração e estudiosa do assunto Suzane Strehlau e a professora de Moda do Senai Daniela Nogueira respondem a essas e outras questões sobre o mundo daquilo que parece, mas não é. por Melissa Medroni

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o livro Gomorra, do jornalista italiano Roberto Saviano, adaptado para o cinema sob o mesmo nome, o alfaiate Pasquale decide largar o ofício depois que vê, pela televisão, a atriz Angelina Jolie (no filme Scarlett Johansson) desfilar na entrega do Oscar com uma criação sua – um terninho de cetim branco – enquanto os comentaristas dizem que o traje fora um presente de um famoso estilista italiano. Pasquale, um dos maiores mestres anônimos da alta-moda, decide, desmotivado, trocar os pedais das máquinas de costura pelos de um caminhão. “O melhor costureiro do mundo conduzia caminhões entre Secondigliano e o lago de Garda”, escreve Saviano. “Ele não podia dizer: ‘Este vestido, fui eu que o fiz.’ Ninguém acreditaria nele.” Pasquale trabalhava para uma pequena fábrica no sul da Itália, uma das muitas que precisam de financiamento da máfia local – a Camorra – para entrar na disputa pelas encomendas das marcas de luxo, que só pagam depois que as mercadorias são entregues. A denúncia das grifes que

utilizam mão-de-obra de fabriquetas controladas pela máfia (foram citadas no livro Valentino, Gianfranco Ferré, Versace e Armani) foi um dos motivos que colocaram a cabeça do escritor a prêmio. Ele explica como funciona o esquema: em uma sala de aula, com carteiras de estudantes ocupadas por donos de fábricas locais, a representante de uma grife escreve no quadro negro o número 800 e, ao lado, 20 e 25. Traduzindo, a executiva quer 800 vestidos, por 20 euros entregues em 25 dias. Quem fizer por menos leva a encomenda. Suzane Strehlau, autora de vários artigos sobre o mercado de luxo e falsificações, explica como esse tipo de terceirização, além de ser imoral, alimenta as engrenagens da pirataria na moda. Segundo ela, conforme muda a taxa de câmbio, as marcas transferem a fabricação para outro país, principalmente China, Tailândia e Cingapura. “As pessoas contratadas sabem que podem perder o emprego a qualquer momento e por isso não sentem obrigação de manter uma postura ética com relação ao

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trabalho”, esclarece a professora do Centro Universitário FEI e da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo. Assim, de cada quatro peças produzidas, pelo menos uma é desviada e vendida no mercado negro. Outra situação provocada pela mudança constante de fornecedor é que, quando deixa o país, a marca deixa também seu know-how. Em Gomorra, Saviano narra como o alfaiate Pasquale é seduzido por comerciantes chineses e passa a ensinar, na calada da noite, as técnicas da altacostura para imigrantes orientais. Da fábrica do clã chinês saem os mesmos vestidos que vão brilhar no quadrilátero da moda em Milão ou na Via dei Condotti, em Roma, mas com tecidos de qualidade inferior ou em tamanhos maiores, ignorados pela indústria do luxo. Saviano diz que as grifes fazem vista grossa para essas irregularidades para não perder o esquema de mão-de-obra barata. “Elas só protestaram contra o grande mercado pirata administrado pelos clãs mafiosos depois que a Procuradoria Antimáfia descobriu o mecanismo de atuação”, escreve. Parece mas não é Assim como as cópias italianas são feitas na Itália, outras falsificações estão atreladas ao seu país de origem. Na França fica a maioria dos fabricantes de contratipos de perfumes, embora nos últimos anos o governo tenha endurecido no combate à prática. “O país adotou medidas severas, como prisão para quem portar um item falsificado”, conta a professora de Moda Contemporânea do Senai/PR, Daniela Nogueira. O Oriente é outro forte produtor de piratas. “Nos países orientais alguns crimes são passíveis de penas duras, mas a pirataria tem punições leves”, analisa Suzane. O Brasil também tem uma produção ilegal, principalmente na área têxtil. “Alguns produtos vêm semiprontos e aqui ganham etiqueta e finalização”, revela a professora de São Paulo. Os mais falsificados, no mercado de luxo, são os acessórios: bolsa, cinto, relógio, lenço, joia. “Os sapatos não tanto, porque têm um aspecto funcional forte, existem mais imitações que falsificações”, acredita Suzane. As marcas mais visadas são as ícones do setor, como Louis Vuitton, Mont Blanc, Prada, Dior, Chanel e Rolex. “O consumidor só quer falsificações de marcas que conhece, já que a compra é orientada para impressionar, papel que grifes discretas não podem desempenhar”, afirmou Suzane em um de seus artigos.

disfarçadamente, a elite pincela algo aqui e ali entre os produtos falsificados, porém esse

consumo não passa por preços tão baixos.” Daniela nogueira

O que dizem as grifes O escritor italiano acredita que a produção clandestina não atenta contra a imagem das grifes, porque “não consegue fazer concorrência simbólica e ainda difunde produtos cujo preço de mercado é proibitivo ao grande público”. Suzane, que lança este mês o livro Marketing do Luxo (Editora Cengage, R$ 37,90), discorda. “Embora digam que as falsificações não apresentam impacto nas vendas, as grifes de luxo são afetadas pelo comércio ilegal sim”, diz. “Exemplo disso são os inúmeros processos movidos por marcas como Louis Vuitton e Tiffany para conter a pirataria”, complementa Daniela. Segundo Suzane, as marcas se incomodam por dois motivos. Primeiro porque uma parcela dos consumidores de falsificados é da elite. “Existem guias com dicas dos melhores roteiros de falsificados em Nova York e alguns até ensinam a escolher as cópias mais perfeitas”, conta. A pirataria também atrapalha, de acordo com a professora, porque com a popularização a marca perde seu valor agregado – o grau de diferenciação que deveria proporcionar vai para o espaço. “Já ouvi relatos de pessoas que trocaram de marca em busca de mais exclusividade e até de mulheres que não usam mais bolsas Louis Vuitton porque viram suas empregadas com cópias idênticas”, diz. A avaliação é baseada em informações empíricas – não existem dados estatísticos sobre o assunto – e vale apenas para a classe A. A Louis Vuitton foi procurada pela reportagem e disse, por meio da sua assessoria de imprensa, que não comenta o assunto. A pesquisadora explica que as empresas até tentam combater a pirataria, mas a lentidão do processo dificulta as apreensões. “As marcas contratam empresas internacionais

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de investigação e acionam a polícia, mas até ela chegar ao local de armazenagem ou fabricação os infratores já mudaram.” Mesmo assim, volta e meia a polícia faz apreensões, a maioria de CDs, embora também aconteça com artigos de moda. Um fator que dificulta o trabalho é que certos artigos copiam o original, mas não são exatamente falsificações. “Se crio um produto semelhante, pego o mesmo desenho, só não coloco a logomarca, é difícil provar onde está a falsificação, teoricamente não existe desrespeito à propriedade intelectual”, pontua Suzane. As marcas ainda procuram unir-se aos governos para frear a entrada de mercadorias pelos portos e promovem campanhas de conscientização. A medida mais eficaz, no entanto, é tomada em nível gerencial, com o investimento em inovação. “Elas aceleram os lançamentos para não dar tempo de a indústria dos falsificados acompanhar a produção.” Quem usa Suzane divide em dois grupos os consumidores de piratas: elite e popular. Os populares visariam apenas a ostentação do logotipo – beleza e funcionalidade praticamente não contam. O raciocínio seria algo como “toda bolsa é igual, o que muda é a marca”. Uma solução criada pelo mercado, que não passa pela aquisição de cópias, é a locação de bolsas, carteiras e acessórios originais por alguns dias. “Ideal para uma consumidora vaidosa, que gosta de trocar de modelos com frequência”, avalia Daniela sobre o público que fica entre a elite e o popular. E, as pessoas que têm condições de comprar artigos originais, por que optam por falsificações? Segundo a pesquisadora de São Paulo, por dois motivos. “Primeiro porque os produtos da moda perdem a usabilidade muito rápido: uma bolsa verde-limão que fez sucesso nesse verão pode não agradar no seguinte, então a consumidora acha que não vale a pena investir em um produto que vai usar pouco e vai durar muito, porque os artigos genuínos duram mais”, explica. Em segundo lugar, a elite consome cópias porque há diferentes níveis de falsificações e algumas são muito fiéis às originais. “Disfarçadamente, a elite pincela algo aqui e ali entre os produtos falsificados, porém esse consumo não passa por preços tão baixos”, observa Daniela. As mer-

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cadorias exibidas pelos camelôs da Rua 25 de Março, em São Paulo, não são iguais às dos pontos especializados em falsificações de Nova York ou dos vendedores autônomos que visitam clientes em reuniões fechadas no Brasil. Um produto pirata pode custar de 10% a 1% do valor original. Depende da qualidade da falsificação. “Um relógio falso que custa US$ 1500 pode parecer caro, mas não para quem sabe que o original vale US$ 30 mil”, exemplifica Suzane. O consumidor que conhece melhor o produto é capaz de distinguir os diferentes níveis de falsificação. “Ele, aliás, valoriza sua habilidade de avaliar produtos e fornecedores e se sente ‘esperto’ por conseguir harmonizar falsificações e originais sem despertar suspeitas”, acredita a pesquisadora. Para comprovar sua teoria, Suzane desafia: “Você suspeitaria que o cinto de uma mulher que sai de uma BMW é falso? E acreditaria que a bolsa da moça que desce do ônibus é original?” Segundo ela, cada pessoa emite uma série de sinais sobre seu grau de distinção social. A bolsa e o cinto são alguns desses sinais, mas eles não funcionam isoladamente, e sim combinados entre si. “O consumidor elitista possui produtos verdadeiros e falsificados e não raro combina ambos em seu visual – uma maneira astuta de legitimar as cópias e se sentir mais seguro para utilizá-las.” Daniela identifica na elite um certo medo de ser flagrada. “Há aqueles que dizem com orgulho o quanto pagaram por uma falsificação, mas também há os que preferem passar despercebidos.” Ética Onde fica a ética nessa história toda? “As mesmas pessoas que condenam um político corrupto não acham errado comprar um produto falsificado”, garante a professora de São Paulo. Mesmo que soubessem que a falsificação alimenta um esquema criminoso continuariam comprando. “As pessoas sabem que o tráfico de drogas tira vidas e fomenta a violência, mas nem por isso deixam de fumar maconha”, compara. Quando o assunto é pirataria, o consumidor é cúmplice, pois sabe tratar-se de uma falsificação. “Preço, local de compra, ausência de nota fiscal: nada deixa dúvida de que o produto comprado é uma cópia”, diz. O consumidor, portanto, não está sendo enganado.


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VIEW / AGENDA / MURO

Como os franceses Editor de arte da TopView, Eduardo Y. Inoue assina o nosso muro no mês de abril. por Melissa Medroni

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biquinho que os franceses fazem ao falar foi a inspiração de Eduardo Y. Inoue, editor de arte da revista TopView, para o muro deste mês. “A ideia surgiu de uma conversa entre amigos”, conta. “Na brincadeira, comentei sobre o peixe e achei que seria divertido fazer algo irônico”, complementa. A proposta foi aprovada na hora para marcar a edição que tem como tema o Ano da França no Brasil. “Acho a língua francesa muito interessante, apesar de ter brincado com o jeito dos franceses falarem, confesso que já tive vontade de aprendê-la.” A utilização de cores chapadas e desenhos simples seguem o gosto do artista. “Sempre procuro fazer as

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coisas do jeito que gosto”, admite. Apesar de ter usado spray, Eduardo prefere não chamar o trabalho de grafite. “Porque geralmente os grafites são mais elaborados e requerem certa experiência com o spray”, justifica. Foi a primeira vez que pintou um muro; até então, spray era só para pequenos trabalhos em papel. “Já fiz alguns estênceis para aplicar em camisetas que hoje uso para ficar em casa”, revela o editor de arte, que durante algum tempo frequentou as rodas de hip-hop da cidade. Praticante de ioiô, sente saudades dos tempos em que dançava break nas ruas. “Esse período da minha vida foi um pouco curto, mas pude conviver com pessoas muito diferentes de mim”, lembra o artista,

que hoje tira mais tempo para a família e o seu xodó, o videogame Wii. Apesar do criativo trabalho que desenvolve nas páginas da TopView desde junho de 2008, Eduardo acredita que não é muito bom com produções manuais e artísticas. “Os únicos desenhos que faço são profissionalmente, como designer”, diz. “Às vezes, quando surge uma ideia, tento desenvolver algo, como aconteceu nesse caso do peixe; mas geralmente são coisas pessoais e nem sempre pego um lápis e papel”, explica. “Quando sei que não vou utilizar para nada, já descarto as ideias.” Contato: mailperme@gmail.com.


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VIEW / EStilos

Pés

com grife Considerados obras de arte, os mais desejados sapatos da atualidade, assinados pelo estilista francês Christian Louboutin, terão loja própria no Brasil a partir deste mês. por Simone Mattos

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aris, anos 70. Ao visitar o Museu de Arte Africana, o garoto observa o desenho de uma mulher usando um exuberante sapato com salto agulha vermelho. A delicadeza daquela imagem o marcaria para sempre. Quase quatro décadas depois, ele é considerado o maior ícone no universo dos sapatos e sua marca registrada são justamente os saltos altíssimos e o solado vermelho, do qual não abre mão. Estamos falando do francês Christian Louboutin. Sua grife está presente em 46 países e o Brasil será o próximo da lista, já que a primeira loja da América Latina abrirá as portas ainda neste mês no Shopping Iguatemi de São Paulo. Seguindo o novo conceito internacional das lojas Louboutin, o espaço de 80 m² será dividido em três salas. Numa delas, totalmente fechada por espelhos, serão realizados atendimentos particulares. O projeto da loja foi criado em parceria com o arquiteto nova-iorquino Eric Clough. Mas por que os sapatos Louboutin se transformaram em objeto de desejo? Além de terem arquitetura perfeita, podem ter saltos com jóias incrustadas ou estarem cobertos de bordados, aplicações, estampas ou cristais. O design sexy e despretensioso enlouquece as mulheres, enquanto suas linhas cleans e o excepcional acabamento perpetuam a tradição do sapato de luxo.

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foto divulgação

Interior de uma das lojas do estilista francês Christian Louboutin.

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VIEW / EStilos

Inconfundíveis, são vistos nos pés de famosas como Kate Winslet, Madonna, Katie Holmes, Angelina Jolie, Kirsten Dunst, Gwyneth Paltrow, Nicole Kidman, Cate Blanchett e Sarah Jessica Parker – que na vida real se casou usando um Louboutin. Nos EUA um par custa entre US$ 500 e US$ 2 mil. Uma edição inspirada em Maria Antonieta, que teve apenas 36 exemplares, custou US$ 6.295 o par. Considerados obras de arte, nos últimos anos já viraram exposições e foram parar no acervo permanente do Instituto de Moda do Metropolitan Museum de Nova York. Em 2002, Louboutin criou um modelo para a última coleção assinada por Yves Saint Laurent, tendo sido a primeira pessoa a colaborar para o estilista. Em outubro de 2007, o cineasta David Lynch produziu uma série de fotografias intitulada Fetish, baseada nas obras de Louboutin. O INÍCIO Nascido em 1963 num bairro operário de Paris, foi criado pela mãe e três irmãs. Ele mesmo credita a esse ambiente 100% feminino sua inspiração profissional. Com apenas 15 anos de idade começou a comercializar suas criações. Foi quando descobriu a noite parisiense. Inspirado pelo universo exótico e sensual, passou a elaborar sapatos para vender às dançarinas. Mais tarde ganhou experiência trabalhando para Christian Dior, Chanel e Yves Saint Laurent. Apenas em 1992 inaugurou uma butique própria. Foi aí que aconteceu um golpe de sorte. Quatro meses após a abertura da loja, uma jornalista americana de um importante veículo de moda estava em Paris para descobrir novos endereços, quando ouviu uma animada conversa de duas mulheres que falavam sobre os sapatos de Christian Louboutin. O detalhe é que uma delas era a princesa Caroline de Mônaco. A matéria foi publicada e o negócio decolou. O restante da história foi apenas fruto de seu talento.

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A melhor maneira de desvendar a personalidade de uma mulher é estudar os seus pés.” andre perugia

PÉS NO CHÃO Referência de requinte e poder, Louboutin é um apreciador confesso das brasileiríssimas Havaianas. Recentemente, declarou que toda mulher deveria ter ao menos uma. Segundo a assessoria de imprensa das Havaianas, ele tem mais de 45 pares e os utiliza em seu dia a dia. A HISTÓRIA Trezentos anos antes de Louboutin nascer, saltos vermelhos foram moda na França. Na corte de Luís XIV, sinalizavam que aristocratas, além de não precisarem fazer trabalhos pesados, não tinham necessidade de andar por ruas empoeiradas. Vale lembrar que desde a origem dos saltos altos até meados do século 18, era natural que homens os usassem. A história dos sapatos e sandálias de salto se perde nos séculos, mas sem dúvida a França teve participação importante na saga. Uma versão atribui à Catarina de Médici sua implantação. Devido à baixa estatura, ela os teria utilizado em seu casamento com Henrique II, da França, no século 16. Em sua bagagem, teria levado uma série deles, difundindo a moda entre a aristocracia europeia. Entre os estilistas que mais tarde firmaram a França como um dos mais importantes polos de criação está Jean-Louis François Pinet, considerado o primeiro grande designer de sapatos conhecido por seus bordados e saltos elegantes, que foram batizados com seu próprio nome. Um dos seus exemplares mais famosos é a bota de seda bordada com fios de ouro, de 1880, que hoje está no Bata Shoe Museum, no Canadá. No início do século 20, foi o francês Andre Perugia que deixou a alta sociedade de Paris fascinada por seus sapatos feitos à mão. Hoje alguns deles podem ser vistos no museu La Chaussure, em Romans. Ele costumava afirmar que “a melhor maneira de desvendar a personalidade de uma mulher é estudar os seus pés”. Anos depois, Roger Vivier roubou a cena, criando o salto stiletto – ou agulha – em 1950. Também são dele os que imitam formas como a vírgula, bola, pirâmide e caracol. Alguns de seus trabalhos estão no Victoria and Albert Museum de Londres, no Metropolitan Museum of Art de Nova York e no Musée du Costume et de la Mode du Louvre, em Paris.


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VIEW / ESpaรงos

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foto Jennifer Bréa

A DAMA

de ferro A Torre Eiffel, em Paris, completou 120 anos dia 31 de março. Conheça um pouco da história da construção que é um marco para a engenharia e a arquitetura mundial. por Melissa Crocetti

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oje ela é carinhosamente chamada de “a dama de ferro”, apesar de seus mais de 300 metros de altura e peso na casa dos cinco dígitos em toneladas. Mas no começo os franceses não se empolgaram com a construção de um monumento esteticamente ousado para os padrões vigentes e aparentemente sem utilidade. A Torre Eiffel, localizada no Champs de Mars, ao lado do Rio Sena, em Paris, que dia 31 de março completou 120 anos, levou duas décadas para ser aceita como parte da paisagem e quase foi derrubada em 1909, quando expirou o contrato sobre o terreno em que ela está. Mas passados os anos continua a ser uma das maravilhas da arquitetura moderna e cartão-postal da Cidade Luz. Construída pelo engenheiro Gustave Eiffel (1832-1923) – um especialista na fabricação de pontes e responsável pela armação da Estátua da Liberdade, em Nova York – para a Exposição Mundial em Paris em 1889, a Torre Eiffel personifica questões fundamentais para o século 19. O arquiteto Rubens Portella, professor de História da Arquitetura e História da Arte, explica que a importância da obra possui uma sobreposição de três fatores revolucionários. “Primeiramente o

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fotos reproduções do livro Eiffel, La Bibliothèque des Expositions

VIEW / ESpaços

Imagens das etapas da construção da Torre Eiffel, criada pelo engenheiro Gustave Eiffel entre 1887 e 1889.

social, quando se comemoram os cem anos da Revolução Francesa, quer dizer, sai o absolutismo e o estado moderno é colocado em evidência”, explica o arquiteto. Lembre-se que a Revolução Francesa alterou drasticamente o cenário político e social daquele país, quando foram proclamados os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade. “Também a Revolução Industrial, com a evidência dos processos de produção e dos limites técnicos, estéticos e físicos dos materiais, principalmente do aço e do vidro; e a revolução cultural ou de identidade, que inscreveu a arquitetura dentro de uma questão moderna.” Segundo Portella, a intenção de construir uma torre daquela magnitude, que durante 50 anos foi a mais alta do mundo, era evidenciar a pujança econômica e tecnológica. “A ideia era mostrar algo revolucionariamente novo, mas como estética ela foi odiada por pelo menos 20 anos”, diz. A capital francesa era, e ainda é devido à legislação que proíbe construções acima de sete metros de altura na chamada pequena Paris, uma cidade homogênea, principalmente depois das reformas executadas pelo barão de Haussmann, conhecido como o artista demolidor, responsável pela modificação urbana de Paris naquele século. “Aquele monstrengo metálico no meio da paisagem logicamente funcionou como ponto de destaque, e não era exatamente pela beleza, então ela foi combatida. Demoraram alguns anos para que não fosse motivo de vergonha ou apreensão.” O arquiteto conta que a rapidez com que a Torre foi erguida, e também o fato de não ter havido morte dos trabalhadores durante a execução, deve-se à metodologia utilizada. “Outra obra realizada 50 anos antes da Torre, o Palácio de Cristal, criado por Joseph Paxton, em Londres, foi a primeira construção estandardizada em aço e vidro”, conta Portella. “Os engenheiros descobriram que poderiam produzir bitolas específicas, no comprimento e na largura, que funcionassem como um joguinho de montar o aço, então isso é que vai

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dar conta da rapidez absurda para se construir um portento tecnológico como esse.” O Palácio de Cristal, por exemplo, data de 1851 e foi montado em cinco meses: o detalhe é que seu tamanho equivale a seis quarteirões por uma quadra. A arquitetura com estrutura aparente da Torre Eiffel representou a quebra com estilos como o art nouveau e o art déco, conhecidos pelo excesso de detalhes. A partir da disseminação e da apreciação de obras com características mais limpas, houve maior entendimento sobre a arquitetura moderna. “Na verdade ela faz parte de uma sequência do que a gente chama de tipologias arquitetônicas, que são edificações específicas muitas vezes destinadas a espaços públicos”, continua o arquiteto. “As construções mais emblemáticas da modernidade são o correio, a estação ou o museu como se fossem galpões gigantescos. Para dar conta dessa técnica de cobrir vãos enormes, de forma rápida e barata como tinha que ser, as construções seguiram modelos similares ao da Torre. Mas naquela época isso era visto como uma arquitetura funcional ou menor, pois o gosto que imperava ainda era o da fachada clássica.” Ano passado foi apresentado à Société d’Exploitation de la Tour Eiffel, entidade responsável pela manutenção, um projeto de reestruturação que previa principalmente diminuir o tempo que os turistas esperam na fila para chegar até a terceira plataforma – a Torre possui três e da última tem-se a vista panorâmica da cidade. A proposta visava aumentar a superfície mais alta de 280 m² para 580 m², o que possibilitaria o acesso de 1.700 turistas por hora. Mas esteticamente o perfil da Torre mudaria radicalmente, o que criou polêmica e fez com que o projeto fosse engavetado. Como em Paris as festas cívicas costumam ser festejadas quando o aniversário representa um quarto de século, para os 120 anos aconteceu apenas uma tímida comemoração e apenas a troca de iluminação.


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issue #107


VIEW / arredores

galeria com pernoite Com quartos assinados por artistas de rua, hotel em Copenhague funciona como uma galeria de arte urbana onde é possível dormir, comer e fazer amigos. por Melissa Medroni

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Fox Hotel de Copenhague, capital da Dinamarca, é a prova cabal de como os países nórdicos estão anos-luz à frente do resto do mundo quando se trata de design e ousadia. Enquanto hotéis convencionais de alto padrão gastam fortunas em telas de nomes consagrados para decorar suas paredes, o Fox recrutou 21 jovens artistas e coletivos de 13 países para customizar cada um dos 61 quartos. Grafiteiros, ilustradores e designers gráficos transformaram o hotel em uma galeria de arte habitável, que reflete uma nova cultura urbana.

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fotos divulgação


VIEW / arredores

À esq., traço do francês radicado no soho novaiorquino NK Interact; à dir., os sonhos japoneses da ilustradora Shinya Shisato.

A Dinamarca, muito por causa da sua população animada e liberal, é um dos principais destinos turísticos dos jovens europeus. De olho nesse mercado, uma fabricante de automóveis escolheu Copenhague para o lançamento, em 2004, de um de seus carros, fabricado no Brasil. Procurou os donos do antigo Park Hotel, um estabelecimento tradicional – e um tanto fora de moda – e propôs transformá-lo em um hotel que contemplasse as necessidades dos hóspedes do futuro: homens e mulheres que manifestam seu estilo de vida através das suas escolhas. Bastaram cinco dias para a família Brochner, proprietária do Park Hotel e de outros três hotéis na cidade, aceitar a proposta. O antigo mobiliário foi doado à população local, que se aglomerou para levar quadros, camas, cadeiras e

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mesas de época. Às vésperas do Natal, os empresários do antigo Park Hotel fizeram sua boa ação. Mas a filantropia foi apenas uma consequência do projeto, que precisava limpar o edifício e começar a remodelá-lo do zero. Mutirão artístico A reforma que levaria um ano em circunstâncias normais aconteceu em pouco mais de um mês. Todos os cômodos foram equipados com as facilidades dos hotéis convencionais (como TV a cabo e internet) e depois pintados de branco. Fora as condições de que não houvesse referências à pornografia e política e que todos os quartos tivessem uma cama, os jovens talentos eram livres para criar o que quisessem sobre as paredes, piso, teto, cortinas e mobiliário.


Dois quartos assinados por artistas alemães; à esq., trabalho do coletivo Hort; à dir., visões urbanas do Bus 126.

Um dos grafiteiros convidados para a ação foi o brasileiro Speto, que demorou a aceitar a oferta. Na época, era embaixador mundial de uma marca de cervejas e percorria a Europa fazendo ilustrações murais. “A editora alemã que publica meus trabalhos também era responsável pela curadoria do Fox e me fez ver a importância do projeto, que de fato foi um divisor de águas na minha carreira”, diz por telefone à TopView o paulistano, que já morou em Curitiba. Ele deixou sua marca em um galpão do hotel e em três suítes (108, 316 e 407), inspiradas no folclore sul-americano, na literatura de cordel, em ícones católicos e em mangás japoneses. “Deixei de explorar algumas possibilidades pela dificuldade com a língua

e por ter chegado depois”, conta Speto. Como eram livres para escolher acabamentos e mobiliário, outros artistas criaram suítes com barraca, dinossauros infláveis, câmeras de espionagem, pisos transparentes ou carpetes estampados, entre outras viagens. “De todo jeito a repercussão foi bem positiva, tenho uma técnica que lembra a gravura e estava em uma fase afiada, grafitava muito rápido”, diz Speto, que acaba de chegar de Roterdã, na Holanda, onde pintou a lateral de um prédio junto com outros jovens talentos do Brasil. “O grafite brasileiro tem uma diversidade e uma originalidade que impressionam lá fora”, revela.

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VIEW / arredores

Interpretação do Japão tradicional feita pelo artista italiano Simone Legno.

Novo padrão O resultado da passagem dos artistas pelo edifício foi muito além do que esperava a empresária Kirsten Brochner. “Estou feliz por termos tido coragem de dizer sim ao projeto”, disse à época da conclusão da obra. Durante um mês a empresa usou o hotel para acomodar jornalistas do mundo inteiro, que foram à Dinamarca para cobrir o lançamento do veículo.

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Depois devolveu aos antigos donos o estabelecimento, que se tornou um dos mais cobiçados pelos apaixonados por arte e design. As diárias por pessoa vão de R$ 379 (menor quarto) até R$ 592 (extragrande), o que não é muito na segunda cidade mais cara da Europa. Cinco anos após a inauguração, o Fox Hotel continua a ser um dos melhores exemplos de empreendimento em sintonia com o século 21, apesar de estar longe do que tradicionalmente se espera de um hotel.


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issue #107


VIEW / estilos

na fronteira entre

a arte e o design A exposição Telling Tales – Fantasia e Medo no Design Contemporâneo, no Victoria & Albert Museum, em Londres, fala sobre a linha tênue que separa a arte do design através de móveis, luminárias e cerâmicas inspiradas em contos de fadas, em pinturas do século 18 e no conflito entre vida e morte. por Melissa Crocetti

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té 18 de outubro quem estiver em Londres poderá ver uma das mais expressivas tendências do design europeu, os objetos que contam histórias. A exposição Telling Tales – Fantasia e Medo no Design Contemporâneo apresenta 50 peças, de edições limitadas ou únicas, criadas pelos mais inventivos designers da atualidade. Sob curadoria de Gareth Williams, autor do livro homônimo à exposição, os trabalhos escolhidos discursam sobre histórias fantásticas, apresentam uma releitura de objetos históricos do design ou ainda lembram os conflitos entre vida e morte. A exposição é dividida em três partes. A Forest Glade conta com objetos de design inspirados em contos de fadas, em fantasias e na natureza. Entre os principais profissionais que apresentam seus trabalhos nessa seção estão Tord Boontje, Fredrikson Stallard, Julia Lohman e Maarten Baas. Trabalhos inspirados em histórias e pinturas do século 18 compõem a segunda parte, chamada Enchanted Castle. Entre os destaques, as obras de Jeroen Verhoeven e as reinterpretações exageradas do design vitoriano assinadas pelo irreverente estúdio belgo-holandês Studio Job. Heaven and Hell é o

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tema da última parte da mostra, na qual as peças discutem questões complexas como vida e morte, paraíso e inferno, julgamento e salvação. Entre os designers presentes estão Fredrikson Stallard, Dunne & Raby, Niels van Eijk & Miriam van der Lubbe e Boym Partners. Todos os objetos de alguma forma narram histórias através de formas e estilos. O holandês Tord Boontje expõe a peça The Fig Leaf Wardrobe (guarda-roupa de figo). A obra-objeto traduz perfeitamente o que o designer costuma explorar em seus trabalhos: a justaposição entre o velho e o novo, entre o naturalismo e a tecnologia. Trata-se de um guarda-roupa revestido com muitas folhas de figueira, artesanalmente envernizadas – um trabalho que demorou meses e necessitou da mão de obra de diversos artesãos. Quando falou sobre a obra, o designer argumentou que respeita as figueiras como símbolo da fertilidade, associando a árvore ao conceito bíblico do paraíso, já que supostamente Adão e Eva, depois de expulsos, utilizaram folhas de figo para esconder suas intimidades. Boontje é hoje um dos nomes de destaque do design europeu também pela utilização rica


Guarda-roupa de figueira assinado pelo designer

imagem Meta

holandĂŞs Tord Boontje.

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imagem cortesia de Carpenters Workshop Gallery

imagem cortesia de Carpenters Workshop Gallery foto Maarten van Houten

VIEW / estilos

À esq., o armário escultura do alemão Maarten Baas; ao lado, a mesa Cinderela Table, de Jeroen Verhoeven.

e elegante das cores e pela atenção aos detalhes de cada obra. Nascido em 1968, estudou Desenho Industrial e fez mestrado no Royal College of Art, em Londres. Desde 1996 mora na França, em Bourg-Argental, onde tem o Studio Tord Boontje que parte da filosofia de que para ser moderno não é preciso ser minimalista; que tradição e contemporaneidade podem ser parceiras; e que a tecnologia não deve esquecer o afeto. A partir dessas ideias, Boontje desenvolveu peças de mobiliário para grandes marcas como Moroso, relógios para Alexander McQueen e joias para a Swarovski Crystal. Outro destaque é o armário escultura (Sculpt Wardrobe), criado em 2007 pelo alemão Maarten Baas, feito de chapas de aço revestidas com folhas de madeira, com formas sinuosas. O designer acredita que é mais interessante uma peça com história ou que tenha sofrido alguma interferência humana que os objetos idênticos saídos de fábricas. Nascido em 1978, Baas mudou-se com a família para a Holanda quando tinha um ano de idade e foi criado por lá. Talento prodígio, ainda era estudante quando viu seu candelabro Knuckle, pensado para diferentes tamanhos de velas, ser produzido em larga escala. Graduado pela Design Academy Eindhoven, em 2002, apresentou dois trabalhos na conclusão de curso, um relógio de sol que mostrava as horas na sombra e a série Smoke, pela qual é referência até hoje. Os objetos queimados da Smoke nasceram de uma técnica relativamente simples: Baas os queimava com um maçarico e, quando as chamas tomavam conta, apagava

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com água. A madeira carbonizada era então limpa e envernizada. Além de pianos e clássicos do design, ele queimou a cadeira Favela, dos designers brasileiros Irmãos Campana. A Lathe Chairs VIII do designer Sebastian Brajkovic, uma espécie de namoradeira estilizada, é referência quando o assunto é releitura do passado. Premiada pelo Design Art London 2008, na peça o designer retrabalhou os conceitos da cadeira tradicional combinando técnicas artesanais e tradicionais, como o bordado, com composições criadas através do computador. Entre as características de Brajkovic está o fato de ele desconstruir peças que façam parte da história do mobiliário mundial, principalmente cadeiras do século 18, e reconstruí-las com novos entalhes de madeira, detalhes fundidos em bronze e bordados feitos à mão. O Cinderella Table, de 2005, é um objeto pra lá de impressionante – e dizem os blogs fofoqueiros que Brad Pitt arrematou uma das mesas peças por módicos R$ 600 mil (a edição é de apenas seis peças). Com características evidentemente rococós, a mesa apresenta as formas de uma cômoda do século 18, mas a matéria-prima da obra de Jeroen Verhoeven, do estúdio holandês Demakersvan, é mármore. Serviço: Telling Tales – Fantasia e Medo no Design Contemporâneo Até 18 de outubro Victoria & Albert Museum, Londres


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issue #108


VIEW / personagens

vidas na tela Várias estreias previstas para as próximas semanas contam histórias reais, provando que as biografias continuam em alta na indústria do cinema. por Simone Mattos

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amosa por sua reclusão e tentativa constante de anonimato, nem mesmo Greta Garbo – que passou a maior parte da vida fugindo de fotógrafos e jornalistas – escapou de ter sua vida contada nas telas de cinema. Parece um paradoxo, mas recentemente o site IMDB (The Internet Movie Database) confirmou para 2010 a estreia do filme-biografia da atriz sueca, dirigido pelo americano Buddy Bregman. “Biografarem a Greta Garbo nas telas é uma surpresa; acho que não há mais nenhuma personalidade importante que ainda não tenha ganhado uma biografia”, afirma o premiado cineasta Fernando Severo, que coordena o curso de Cinema Digital do Centro Europeu, em Curitiba. Ele explica que isto acontece porque tal gênero tem retorno garantido de público, o que faz a indústria do cinema girar. “Sempre foi assim, desde o início da his-

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tória dos filmes.” Para confirmar que a tendência de apostar em histórias reais continua em alta, apenas para este mês há no mínimo seis estreias previstas – indo de Chacrinha a Coco Chanel –, além do longa Herbert de Perto, recém-lançado nos cinemas brasileiros, que conta a história do líder da banda Os Paralamas do Sucesso. ESTREIAS Com previsão de lançamento nacional para 16 de outubro, O Solista narra a saga do ex-aluno da universidade Julliard, Nathaniel Anthony Ayers, prodígio da música clássica, que vira um sem-teto e passa a tocar violino e violoncelo nas ruas de Los Angeles para sobreviver. O filme narra a amizade entre o músico e o jornalista Steve Lopez, interpretado por Robert Downey Jr., que o descobre por acaso e o ajuda.


O documentário Alô, Alô, Terezinha, em cartaz a partir do próximo dia 30, conta a história do Chacrinha, o maior fenômeno de comunicação

fotos divulgação

da televisão brasileira.

Também com a música como pano de fundo, outro filme com a mesma data de lançamento é o inglês Os Piratas do Rock, mas apenas em DVD, frustrando o público que esperava vê-lo nas telas de cinema. Com um respeitável elenco, que inclui nomes como Kenneth Branagh, Emma Thompson e Philip Seymour Hoffman, o longa retrata 1966, ano da revolução das rádios piratas britânicas. É a saga de um grupo de amigos DJs que monta dentro de um navio de pesca uma emissora que toca rock 24 horas por dia, numa época em que a principal rádio do país, a BBC, dedicava apenas duas horas semanais de sua programação ao estilo.

Russell, vivido por Jim Carrey, que se apaixona por seu colega de cela, Morris, e tenta fugir da prisão das formas mais inusitadas depois que seu amor acaba de cumprir a pena.

Outra história baseada em fatos reais é Eu Te Amo Phillip Morris, com Ewan McGregor no papel principal e o brasileiro Rodrigo Santoro no elenco. Dirigida por Glenn Ficarra e John Requa, a película fala sobre o artista impostor Steven Jay

O filme Coco Antes de Chanel conta a história de Gabrielle Chanel, criada num orfanato na França e que viria se transformar num dos maiores ícones mundiais da moda. Com interpretação da atriz francesa

Antes de outubro acabar, ainda estarão nas telas Julie e Julia e o tão aguardado Coco Antes de Chanel. O primeiro é a história real de Julie Powell, uma nova-iorquina que, ao perder o emprego no governo, decide cozinhar diariamente as receitas do livro Mastering the Art of French Cooking, da renomada Julia Child – interpretada por Meryl Streep – e narrar suas experiências em um blog.

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fotos divulgação / Imagem Filmes

VIEW / personagens

Recém-lançado nos cinemas brasileiros, o longa Herbert de Perto narra a trajetória do líder da banda Os Paralamas do Sucesso, Herbert Vianna.

Audrey Tautou, a fita mostra toda a trajetória de vida de Coco Chanel, desde que saiu do completo obscurantismo até chegar à fama absoluta em Paris. CLÁSSICOS E DOCUMENTÁRIOS Entre as centenas de filmes-biografias que viu, Fernando Severo destaca um como sendo seu preferido. “É o clássico Lawrence da Arábia, que ganhou sete Oscars”, diz. O épico é de 1962. “Mas há vários outros que acho geniais, como Amadeus, que conta a história de Mozart.” Entre os personagens que já ganharam mais de uma versão cinematográfica sobre suas vidas, ele lembra de Picasso, Michelangelo, Van Gogh e Beethoven. “Além dos muitos títulos do gênero, há ainda as biografias disfarçadas. É o caso, por exemplo, de Cidadão Kane, que trata do magnata da imprensa americana William Randolph Hearst, mas, como Orson Welles não tinha os direitos autorais, criou o personagem fictício Kane.”

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De uns anos para cá, segundo explica, começou a haver também uma proliferação de documentários sobre famosos. “Isto teve início há uma década mais ou menos, pois o cinema digital tornou mais barato e mais fácil o processo.” Ele comenta que tais produções são facilitadas porque geralmente as pessoas famosas têm rico acervo de imagens, o que facilita o trabalho do cineasta. Entre as estreias previstas para este mês, a que mais lhe causa expectativa é justamente um documentário, o Alô, Alô, Terezinha. “Acho que o Chacrinha foi um personagem engraçadíssimo, que – assim como para a maioria dos brasileiros – me faz lembrar da infância e me remete a um tempo feliz”, diz Severo. O longa sobre o maior fenômeno de comunicação da televisão brasileira está previsto para estrear nos cinemas nacionais no próximo dia 30, com direção de Nelson Hoineff.


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issue #120


VIEW / EstIlos

caiu na net,

tá na moda Produções de pessoas comuns viram febre na internet e transformam blogueiros em celebridades do universo fashion.

texto Melissa Medroni | design Eduardo Inoue

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e nos anos 90 a inspiração para a moda vinha das ruas, agora é na internet que as tendências se propagam. Pessoas comuns, apaixonadas por roupas e cheias de estilo, passaram a fotografar seus looks e publicar as imagens em blogs. Seja por puro voyeurismo, seja em busca de referências, os internautas aprovaram a ideia e transformaram esses blogueiros em celebridades dentro e fora do mundo virtual, confirmando a profecia de Andy Warhol de que no futuro todos teriam direito a 15 minutos de fama. “Eu pertenço à geração que cresceu junto com a internet”, disse, em entrevista à Vogue Teen, a francesa Betty Autier, que com apenas 26 anos se tornou referência no universo fashion com o Le Blog de Betty. Desde 2007, ela atualiza a página com fotos que têm a capital francesa como pano de fundo. “Os blogs tornaram-

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se uma mídia importante”, diz. “A moda agora está mais democrática e perto das pessoas, proximidade que não existia com as revistas impressas”, avalia. O Le Blog de Betty tem seis mil visitas diárias, popularidade que desperta o interesse de grifes e estilistas. Assim como as atrizes que desfilam no tapete vermelho, Betty recebe ofertas das maisons para exibir roupas e acessórios na internet e já foi até convidada para conhecer o estilista Karl Lagerfeld. Mas a jovem garante que só aceita as peças que realmente combinam com seu estilo, segundo ela, uma mistura de anos 80 com uma pegada moderna, muitas vezes inspirado em ídolos como Michael Jackson. internet: noVa rua O interesse das pessoas em mostrar a roupa que estão usando levou à criação de uma rede social especialmente


Le Blog de Betty, I Like My Style e Hoje Vou Assim: três sucessos no mundo virtual e real.

dedicada à atividade. O I Like My Style conecta internautas de vários países, que publicam fotos de seus próprios looks, comentam as imagens dos outros, se conhecem e trocam informações. “Hoje a nova rua é a internet: é imediato, globalmente acessível e sua diversidade reflete perfeitamente o que é moda”, explica o editorchefe, Adriano Sack, no endereço da rede na internet. Desde junho, o I Like My Style tem também uma versão impressa, à venda nas principais bancas do mundo. “Existem milhares de revistas famosas com fotos ‘photoshopadas’, que reproduzem as mesmas entrevistas”, diz Sack no editorial da primeira edição. “Nós as lemos, mas acreditamos que as pessoas que contribuem com a nossa rede são divertidas, extravagantes ou simplesmente fofas e – ainda por cima – reais”, explica. As imagens, textos e ilustrações são de usuários

do site e editados por uma equipe que se divide entre Berlim, Nova York, Texas, Áustria e Hong Kong. Versão nacional No Brasil, uma notória adepta da ideia é a publicitária mineira Cris Guerra, do blog Hoje Vou Assim. Cris perdeu o namorado quando estava grávida de sete meses do único filho do casal, Francisco. Seis meses depois, começou a escrever o blog Para Francisco, para tentar entender e explicar o que vivia como mãe e viúva. Em poucos meses, o blog ganhou milhares de leitores (e virou livro, publicado pela Editora Arx). “O Hoje Vou Assim surgiu dias depois, quase como terapia para aliviar a dor e exercitar a alegria”, conta Cris. “Sempre gostei de moda e comecei a fazer um registro despretensioso das minhas produções diárias para o trabalho”, diz.

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VIEW / estilos

Cris Guerra: registro despretensioso das suas produções diárias viram febre na internet.

Sua simpatia e criatividade se espalharam em alta velocidade pela blogosfera. “Acho que a internet trouxe um momento de busca da verdade”, avalia. “As pessoas se cansaram do que é construído, querem olhar os outros e descobrir semelhanças”, diz a mineira, que procura ficar por dentro das tendências, mas segue apenas o que é interessante para ela. As fotos são tiradas com uma câmera Sony Cybershot simples. As imagens nunca são tratadas – Cris lançou inclusive um movimento Mulher Sem Photoshop. Com cinco mil acessos diários, o blog mudou completamente a rotina da publicitária, que é reconhecida na rua, procurada para dar entrevistas, por fãs e para trabalhos, até como modelo. “Passei a ter, de certa forma e guardadas as devidas proporções, uma vida pública e uma expectativa das pessoas em relação às postagens”, afirma. Este ano, deixou a agência onde trabalhava e passou a atuar como autônoma. Escreve para revistas, tem uma coluna na rádio BandNews FM de Belo Horizonte, faz produções de moda e dá palestras. “Tudo, praticamente, resultado do blog”, acredita.

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Estratégia de marketing A febre não tardou a entrar na mira das empresas do setor, como a fabricante de bolsas Kipling, que lançou uma seção interativa em seu website, batizada de Lookbook, para dar notoriedade às consumidoras. Qualquer pessoa pode criar um perfil para compartilhar seus looks e ganhar status conforme a avaliação dos outros frequentadores. “Basicamente é uma rede social simplificada, voltada para o estilo”, explica a gerente de marketing, Jéssica Bornstein. Ela afirma que parte da estratégia da empresa é voltada para a internet, especialmente para as mídias sociais. A estudante Luiza Costa, de Curitiba, é uma das usuárias do serviço, que ficou conhecendo por uma vendedora da marca. “Algumas fotos eu mesma tiro, outras minha família produz, depende do lugar, que pode ser fora de casa ou dentro do meu quarto”, conta a estudante, que diz variar o estilo conforme o humor. SERVIÇO: Le Blog de Betty: www.leblogdebetty.com I Like My Style: ilikemystyle.net Hoje Vou Assim: www.hojevouassim.com.br Kipling Lookbook: www.kiplingfanpage.com.br


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