Conto de Natal

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Conto de Natal

Mãe negra olhava para os seus quatro filhos com um ar pensativo. Todo o dinheiro que ganhava no mercado era para comprar farinha, óleo e peixe seco. A roupa, quem lha dava, eram os missionários que já estavam na sua terra há muitos anos. Eles eram a ajuda espiritual da população e também o seu auxílio material. Fora ali, na missão, que mãe negra, de seu nome Rosalina, (Rosa da mãe, Lina da avó) aprendera a ter hábitos de higiene, a coser, a cozinhar as batatas e as couves que cultivava no terreno que existia à volta da sua cubata e onde aprendera a fazer bolos com ovos das galinhas que criava à solta, no espaço circundante. Também era na missão que os seus filhos, com idades compreendidas entre os quatro e os oito anos, aprendiam catequese e brincavam com outros meninos depois de saírem da escola. O professor Ensino acompanhava-os todos os dias na ida da escola para a missão, porque tinha medo que eles fossem assaltados, dado que esta ficava muito isolada, no meio do nada, apenas rodeada de árvores e capim. Estava, então, Rosalina a contemplar os seus meninos e, num monólogo denunciado pelo mexer dos seus lábios, organizava o pensamento e esforçava-se por ter uma ideia. Olhava para as mãos, esfregava-as e tornava a olhar, como se aguardasse um milagre de Natal. Cheia de pensar e cansada de sonhar, Rosalina adormeceu. Os dias passavam pausadamente. Em África, eles não voam, como se diz na Europa. Era a sua sorte. Poderia continuar a esperar por um milagre, apesar da noite de natal estar cada vez mais próxima. Mas, numa manhã em que ia para o mercado com uma alcofa de couves à cabeça e desfiando as contas de missangas de um rosário que ela própria fizera, surgiu-lhe uma ideia. Iria dar aos filhos brinquedos feitos por si, com materiais recolhidos durante as caminhadas que fazia da cubata para o mercado e vice-versa.


E se assim pensou, melhor o fez. Recolheu fios, arames, papel usado, vidros, latas e paus, entre muitas outras coisas. Para o filho mais novo, o Bento, fez uma bola colorida e original, com muitos papéis sobrepostos, prensados com fios. Ninguém no mundo teria outra igual! Com paus e arames, construiu um carro para o mais velho, o Josué. As rodas eram latas, achadas numa lixeira que havia junto ao mercado. Para os irmãos gémeos, o Carlos e o Carlitos, também encontrou uma solução singular. Foi à missão, ao senhor padre Luigi, e pediu-lhe uma estampa com a representação da Sagrada Família. O sacerdote procurou a maior e mais bonita que tinha e retirou-a do calendário que trouxera de Roma e ofereceu-lha. Chegada a casa, Rosalina montou uma cabana de madeira e, no telhado, colocou uma linda estrela de papel amarelo. Por dentro, atapetou o chão com capim e, no meio, pôs uma lamparina de modo a que esta irradiasse luz para a parede de trás, onde colara a estampa, representando o Menino, Maria e José. E pronto. Rosalina podia, finalmente, sossegar. Era menos uma ralação. Na véspera de Natal, no silêncio profundo da noite, a mãe deixou os presentes em cima das sapatilhas que os quatro arrumavam sempre ao lado das esteiras em que dormiam. Quando acordaram, Carlos, Carlitos, Bento e Josué exultaram de alegria. Pegaram nos presentes e correram a mostrá-los à mãe. Esta olhou-os com um misto de amor e satisfação e apenas exclamou:

 Como Jesus é bom!

F.O. (Natal de 2012)


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