Memórias da Indústria Corticeira em Alhos Vedros 1 897-1 950
João Augusto Aldeia
Memórias da Indústria Corticeira em Alhos Vedros 1 897 - 1 950
João Augusto Aldeia
A presente publicação constitui o texto da conferência com o mesmo título, realizada em Alhos Vedros no dia 11 de Outubro de 201 4, integrada num ciclo comemorativo dos 500 anos do Foral de Alhos Vedros, subordinado ao tema: "A memória do que foi, o registo do que é, o projecto do que
Fortunato Evangelista Aldeia, de Sesimbra, e Isabel das Dores Custódio Aldeia, de Silves, que a cortiça juntou em Alhos Vedros – e a quem este trabalho é dedicado.
Índice Recuperação das memórias Quadro Cronológico Os Pioneiros O período Alportelense As "Grandes" Fábricas Oficinas manuais Lutas operárias Dinâmica social e política Dinâmica urbanística Agradecimentos Bibliografia
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Recuperação das memórias Antónia de Sousa: – O Professor tem falado da necessidade de uma escola de cooperantes. Como é que se pode fazer isso? Agostinho da Silva: – É muito simples. As coisas, minha senhora, começam no lugar onde a gente está e com o que a gente tem. Sabe como é que eu comecei o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses em Brasília? Numa mesa menor do que esta, encostado a uma divisória de madeira no Ministério da Saúde e uma cadeira para me sentar. O que era preciso primeiro? Que a Universidade me autorizasse a criar aquilo. Ela criou e mandoume ficar à frente. Eu pus um papel na divisória, Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, que era uma coisa que eu podia fazer com um lápis e papel. A indagação que conduziu à elaboração do presente texto, e à sua apresentação pública no âmbito das comemorações dos 500 anos do Foral de Alhos Vedros, começou por ser uma busca pessoal para esclarecimento do contexto em que se deu a industrialização corticeira da vila de Alhos Vedros, e a subsequente movimentação de pessoas e famílias, desde terras longínquas, até à pequena vila localizada num esteiro do rio Tejo: uma epopeia de movimentações de massa, de reconstituição de vizinhanças, afectos e solidariedades, e de moldagem de novas identidades. O exercício de recuperação e/ou fixação das memórias relativas à indústria corticeira de Alhos Vedros sofre de uma dupla dificuldade: à passagem do tempo, que faz perder os testemunhos dos que desempenharam funções em todo o ciclo produtivo da cortiça, quer no domínio operário, quer no domínio da gestão empresarial, junta-se o encerramento das unidades industriais, com o consequente dispersar dos
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actores, demolição ou ruína das instalações, desaparecimento de maquinaria e dos arquivos empresariais, bem como o desaparecimento e degradação dos arquivos de outras entidades, públicas ou particulares, com quem as fábricas estabeleceram relações administrativas e comerciais. Uma visão muito influenciada pela vulgata marxista das relações laborais, tem limitado a análise deste processo de migração e industrialização, aos episódios de conflito entre empresários e trabal-hadores, focando-se nas “vítimas” (os trabalhadores) e desvalorizando os empresários. Na realidade, desvalorizando igualmente os trabalhadores, pela redução da sua dimensão humana e social a meros “explorados” no processo contratual. Empresários e trabalhadores, e suas famílias, têm sido igualmente menorizados em favor dos “objectos” do processo industrial – edifícios, máquinas, ferramentas – cuja preservação, para muitos, parece representar a derradeira oportunidade de manter viva a memória dessa industrialização corticeira, que parece votada ao desaparecimento, atendendo a que resta em Alhos Vedros uma única fábrica de cortiça. As empresas, e particularmente as empresas industriais, são frequentemente associadas à imagem dos respectivos edifícios. No caso das fábricas de cortiça: aos armazéns, caldeiras, chaminés, oficinas, tudo delimitado por paredes e por muros exteriores, onde se abrem portões, por vezes tratados com alguma monumentalidade para dar “carácter” à unidade fabril, constituída essencialmente por espaços vazios – ao ar livre, ou dentro dos armazéns – por onde os operários carregaram, secaram, cozeram, escolheram e afeiçoaram a cortiça. Porém, as unidades industriais transformadoras da cortiça são essencialmente pessoas: as que decidiram fundar as empresas e todos os que nelas trabalharam, nas mais variadas profissões. As fábricas, como qualquer outra empresa industrial, podem ser consideradas como relações contratuais entre pessoas: empresários que tomam a iniciativa de fundar as empresas, políticos e funcionários administrativos que emitem alvarás e licenças, os construtores e fornecedores de equipamentos e matérias-primas e energia, os compradores do produto intermédio ou final, os trabalhadores, etc. A preservação das máquinas e ferramentas industriais é importante. Porventura ainda mais importante é a preservação do conhecimento acerca
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do modo como eram utilizadas, bem como os contextos e as histórias associadas a essa utilização. Se tivéssemos de escolher entre preservar uma máquina, sem mais qualquer conhecimento sobre o seu funcionamento, ou, em alternativa, apenas a descrição memorial dessa máquina, de como era feita, como era manipulada e por quem, como funcionava: qual destas “memórias” seria mais significativa, qual diria mais sobre o que foi a indústria corticeira de Alhos Vedros? * * * Apresento-me nesta conferência como um economista perorando sobre um sector de actividade económica, esperando com isso atrair a benevolência do auditório. Mas, em boa verdade, o que mais me moveu nesta investigação foi o desejo de compreender a epopeia protagonizada pelos nossos pais e avós, uns deslocando-se com as famílias para longe das suas raízes, outros vendo chegar os forasteiros envoltos em nuvens de pó de cortiça. Pode apenas imaginar-se o efeito avassalador que esta diáspora deve ter tido sobre a identidade de todos eles. Alhos Vedros faz bem em indagar e valorizar a sua participação na decisão real de iniciar a expansão ultramarina, ainda que apenas – e já não seria pouco – como cenário desse drama genuinamente shakesperiano, de um rei acossado pela peste e pelos interesses de alguns príncipes “Ainda um pouco toscos e grosseiros Ávidos cruéis e fraudulentos” Mas há mais epopeia para além das Descobertas. Talvez que para nós, que vivemos no turbilhão dessa diáspora corticeira, seja mais difícil de compreender a dimensão épica de tal aventura. Mas não custa tentar: Pela nossa deriva, outros poderão corrigir o rumo. * * * Ainda se conhece pouco acerca das origens da indústria corticeira na margem Sul do Tejo. Henrique de Barros Bernardo, notando que o Algarve, tem sido considerado como "o berço da indústria rolheira na moderna fase manual", chama a atenção para o facto de, nas exportações do período entre 1 797 e 1 820, aquela região registar apenas exportação de cortiça em prancha, enquanto "Setúbal quase só embarca rolhas”. (Bernardo, 1 944, pp
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454-455) - uma constatação para a qual não se encontram antecedentes empresariais, já que as mais antigas empresas corticeiras conhecidas nesta zona são mais recentes. Na margem Sul do Tejo o papel dos investidores estrangeiros também foi importante: no Barreiro registam-se os casos das empresas Reynolds, O. Herold & C.ª, Dundas, Wiborg & C.ª, Hermann Zunn Hingste, Lane & Santos. No Montijo: Bucknall, Schotz & C.ª e C. G. Creswell. No Seixal: L. Mundet & Sons. Em Almada: Bucknall & Scholtz Ldª, Dundas, Wiborg & C.ª, Henry Bucknall & Sons Ltd, Symington & C.ª, William Rankin & Sons. Para a atracção destas empresas a esta região contribuiu certamente a existência boas acessibilidades ferroviárias e fluviais. A estes factores de atracção, há quem acrescente a proximidade das casas exportadoras e dos organismos de crédito financeiro (Duarte, 201 0, p. 540) Alhos Vedros já dispunha de comboio desde 1 859, bem como uma boa ligação ao rio, mas só em 1 897 é que há notícia de se ali se ter instalado uma fábrica de cortiça, iniciativa que tudo indica não ter durado muito. Depois, só a partir de 1 908 é que regressam as referências a novas fábricas de cortiça nesta vila, mas que não perduram mais do que uma dúzia de anos. Exceptua-se a iniciativa da empresa Silva & Cabrita, com fábricas em Setúbal e Alhos Vedros desde 1 91 5 (pelo menos no caso de Alhos Vedros) que apresenta alguma diferenciação dos restantes, pela aposta, desde logo, na publicidade, na criação de uma marca registada, e numa produção diversificada. Será de facto uma excepção, pois as empresas que se virão a estabelecer em Alhos Vedros de modo mais duradouro, apostarão sobretudo na "preparação" da cortiça em prancha, modelo que predominará até meados do século XX.
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Quadro Cronológico De modo a podermos formar uma ideia do ritmo de instalação de fábricas de cortiça em Alhos Vedros, elaborámos um Quadro Cronológico (página seguinte), que apresenta as empresas em sequência cronológica, a partir das referências documentais mais antigas que associam cada uma a Alhos Vedros e até 1 950. A fixação desta última data é algo arbitrária e resultou da necessidade de limitar a investigação para que pudesse ser realizada em tempo útil, devendo ser considerada como a 1 ª parte de um trabalho que se pretende continuar para as décadas seguintes. As fontes utilizadas para esta datação foram muito diversas: – Notícias ou anúncios na imprensa genérica (A Vanguarda, Diário de Notícias) – Anuário Comercial ou Anuário Oficial de Portugal, Ilhas e Ultramar da Indústria, Magistratura e Administração (1 895-1 920) – Boletim Corticeiro (1 925) – Gazeta dos Caminhos de Ferro (1 940 e 1 950) – Boletim da Junta Nacional da Cortiça (1 938-1 948) – Escrituras notariais (Arquivo Distrital de Setúbal) – Arquivo Histórico e Arquivo da Divisão de Urbanismo do Município da Moita – Arquivo histórico da Câmara Municipal do Barreiro – Arquivo do Ministério de Economia, Direcção Regional de Lisboa e Vale do Tejo As datas indicadas no Quadro Cronológico para cada empresa, poderão não ser exactamente as do início da actividade fabril: são apenas as mais antigas, das que são conhecidas, que permitem indiciar esse início. Por exemplo: existem seis empresas que apenas foram detectadas através dos anúncios inseridos na edição do Diário de Notícias de 8 de Janeiro de 1 928, e o mais provável é que já existissem antes, embora não tenhamos conhecimento de qualquer documento que indique desde quando. Ou seja: em alguns casos, esta datação peca, seguramente, por defeito.
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Olhando para os edifícios de antigas fábricas de cortiça que ainda permanecem em Alhos Vedros, torna-se tentador procurar estabelecer a respectiva datação: quando iniciaram a laboração? Podemos tentar imaginar os momentos em que um empresário ou uma sociedade tomou a decisão da sua construção, encomendou um projecto, obteve autorização das autoridades administrativas, promoveu a construção e deu, finalmente, deu início à laboração. Mas nem sempre as coisas se passaram com esta linearidade, sobretudo nas primeiras décadas do século XX, quando as exigências legais para o exercício da actividade, ou para a edificação de instalações, eram inexistentes ou muito débeis. O processo industrial da cortiça também não exige sempre a complexidade fabril implícita nas secções que compõem algumas das grandes fábricas: caldeiraria, áreas de escolha, secções de rolhas, aglomerados, embalagem, etc. Muitas destas fábricas começaram por ser um simples terreno para guardar/escolher a cortiça, onde depois se foram construindo uma caldeira, um telheiro ou um armazém e muros, ao ritmo dos resultados proporcionados pela actividade. Muitos dos empresários corticeiros dedicavam-se apenas, ou essencialmente, à denominada fase de preparação (incluindo cozimento, recorte, escolha, enfardamento), destinando-se depois a produção a ser exportada ou vendida a outro fabricante nacional. Adicionalmente, pode ter acontecido que a actividade se tenha iniciado num pequeno terreno, e só depois se tenha transferido para a propriedade onde veio a nascer a grande fábrica. Um exemplo disto encontra-se numa escritura de 11 de Novembro de 1 925, em que José Viegas Valagão trespassa a Joaquim Viegas Valagão Jr, um terreno “com serventia pela travessa do Cura”, em Alhos Vedros. Nesta escritura José Viegas Valagão admite que “por contrato de 1 8 de Janeiro de 1 923, tomou de arrendamento a José Henriques dois barracões e quintais em Alhos Vedros” (este José Henriques é, com grande probabilidade, o fabricante de rolhas que aparece referido pela primeira vez no Anuário Comercial de 1 91 2). Na mesma escritura, José Viegas Valagão esclarece que "nesta parte arrendada estabeleceu um fabrico de cortiça, para o que adquiriu uma caldeira e prensa e mais utensílios precisos para a fabricação”, os quais
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vende ao novo arrendatário por mil escudos. Lê-se ainda na escritura que “tem no barracão uma porção de cortiça que tirará no prazo máximo de 3 meses”. Ou seja, apenas uma acidental referência numa escritura permitiu detectar a existência de uma fábrica naquele local. Um outro exemplo é dado pela empresa Brito, Correia & Nunes, a qual, segundo o neto do fundador, terá iniciado a actividade em terrenos cedidos por Manuel Gago de Sousa Correia (no local da fábrica Corchera Portuguesa, junto à Estrada Nacional, na entrada poente da vila de Alhos Vedros) e só posteriormente se mudou para as instalações que ainda hoje ocupa. Nestes termos, o referido Quadro Cronológico deve ser considerado como um documento provisório, que deverá beneficiar de aperfeiçoamento à medida que se aprofundem as investigações sobre a história local de Alhos Vedros. Deve ser também considerado como uma datação próxima da realidade, em termos gerais, aspecto que foi validado em várias das entrevistas realizadas. Embora as datações se baseiem sempre em documentos, as entrevistas permitiram aferir da sua aproximação à realidade. Num volume autónomo, apresentam-se as notas de pesquisa relativas a cada empresa ou empresário, referidos neste Quadro. A datação apresentada, com as limitações que se indicaram, permite, no entanto, definir três períodos distintos para o processo da industrialização corticeira de Alhos Vedros, e que caracterizaremos de seguida: – a fase dos Pioneiros – a fase Alportelense – a fase das “Grandes Fábricas”
Hakon Sigvart Larsen
A primeira fábrica de cortiça de Alhos Vedros ter-se-á aqui instalado em 1 897, segundo uma notícia do jornal republicano de Lisboa, A Vanguarda, na edição do dia 29 de Setembro de 1 897: Alhos Vedros, 26 – Está-se montando próximo à estação do caminho de ferro uma fábrica de cortiça por conta do sr. H. S. Larsem, o qual já tem grande quantidade de cortiça comprada para em breve começar a laboração provindo d’aqui um melhoramento para a terra.
O empresário é provavelmente o norueguês Hakon Sigvart Larsen, autor da patente para uma “Cork Cutting and Grinding Machine”, registada nos EUA em 4 de Agosto de 1 896, e já anteriormente patenteada na Noruega (1 892), Alemanha (1 892),
França (1 892) e Suécia (1 893). Tratava-se de uma máquina “do tipo automático, na qual as peças de cortiça são automaticamente transportadas até à ferramenta por meio da qual as rolhas são cortadas ou aparadas na forma desejada”. Três anos depois da notícia relativa à fábrica de Alhos Vedros, o Censo realizado na Dinamarca dá-o como vivendo na comuna de Kristiana (integrada na cidade de Copenhaga), exercendo a profissão de mestre na fábrica de cortiça Merkur.
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Os Pioneiros Bem próximo de Alhos Vedros, no Esteiro Furado, encontramos, no final do século XIX, as famílias Creswell e Bucknall, dedicadas à transformação e exportação de cortiça, embora numa pequena escala: o inquérito industrial de 1 890 indica a existência da fábrica de Thomaz Creswel, mas com uma diminuta dimensão, com apenas 8 trabalhadores (1 mestre e 7 operários), contrastando com os 241 operários de Almada (para 4 fábricas) e os 68 do Barreiro (2 fábricas), ou ainda os 73 de Setúbal (2 fábricas). A fábrica do Esteiro Furado, no entanto, estava equipada com uma máquina de 20 CV, uma relativa raridade na época. A vila de Alhos Vedros conheceria também uma tentativa de instalação de uma fábrica por um estrangeiro: Hakon Sigvart Larsen, em 1 897. Mas foi uma iniciativa que não prosperou: em 1 900 já Larsen tinha regressado à Dinamarca, onde dirigia uma fábrica de cortiça. No Anuário Comercial, as primeiras referências a empresas corticeiras em Alhos Vedros reportam-se a 1 908 (Amaral da Fonseca Morais, prolongando-se até 1 91 6) e 1 91 2 (Manuel Castelo e José Henriques, produzindo quadros e rolhas, respectivamente; a sua existência está documentada até 1 920, pelo menos). Em 1 91 5 surge em Alhos Vedros a fábrica da firma Silva & Cabrita, também com fábrica em Setúbal, iniciativa de dois algarvios: José Gago da Silva, originário de S. Braz de Alportel e José Custódio Cabrita, de Silves (ver caixa na página ao lado). Os anos de 1 91 8 e 1 91 9 registam o surgimento de novas unidades corticeiras em Alhos Vedros: Miguel Lopes & Ferreira, Manuel de Jesus (que já antes tinha estado associado a José Custódio Cabrita), José Joia Forças, Jerónimo Lis, Tomás Romero (fabricação de quadros), Romão Irnandez (fabricação de quadros) e Miguel Lopes & Ferreira. A indicação expressa, para alguns destes casos, do objecto da produção (quadros, rolhas) deixa adivinhar que os restantes seriam apenas fabricantes de prancha. No entanto, para além destas referências nos Anuários Comerciais, nada mais se sabe sobre a sua dimensão ou duração.
Silva & Cabrita Em 1 91 5, a firma Silva & Cabrita (uma sociedade de José Gago da Silva com José Custó-
dio Cabrita) adquire terreno aforado pela Câmara Municipal da Moita a Manuel de Jesus e António Pedro Moreira. O Anuário Comercial de 1 91 6 inclui anúncio desta firma, com fábricas em Setúbal e em Alhos Vedros, apresentando algumas novidades relativamente a outros fabricantes: a apresentação de uma marca registada e uma variedade de produtos que inclui “rodelas para redes de cerco”. A sociedade entretanto deve ter-se desfeito, já que no Anuário de 1 91 8 os empresários aparecem referidos em nome individual, embora seja José Gago da Silva quem mantém o anúncio de ambas as fábricas . José Custódio Cabrita continuará a associar-se a outros empresários para dar continuidade à sua actividade corticeira, até que em 1 922-1 923 constrói a sua própria fábrica, próximo da estação do caminho-de-ferro, cujo "projecto", num desenho em perspectiva, é reproduzido na capa da presente publicação. Manterá a característica diferenciadora de produzir uma gama variada de produtos em cortiça, a qual passará para os seus dois filhos, que edificarão uma nova fábrica.
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O período Alportelense É a partir do final da segunda década do século XX que se dá um importante afluxo a Alhos Vedros de industriais oriundos do sul de Portugal, e sobretudo de São Braz de Alportel. A quantidade de "comerciantes" e "produtores" de cortiça em Alportel tinha vindo a aumentar, no dealbar do século XX, desde 9 e 6, respectivamente, para 1 5 e 1 7, entre 1 909 e 1 91 9. São alguns destes produtores que se deslocam então para Alhos Vedros, onde começam a instalar fábricas: registámos, a partir das datas indicadas entre parêntesis, os seguintes empresários oriundos de Alportel: José Viegas Valagão (1 920) Manuel de Sousa Serro (1 921 ) Joaquim Viegas Valagão Jr. (1 922) Joaquim José Sancho (1 922) Francisco Viegas Louro (1 923) Manuel Gago de Sousa Correia (1 923) José Martins Sancho (1 923) Matias Nunes (1 923, sócio de Brito, Correia & Nunes) José de Brito Parreira (1 923, sócio de Brito, Correia & Nunes) Francisco de Brito Pinto (1 923) José de Brito Caiado (1 924) Joaquim Nascimento Coelho (1 925) Manuel Pereira Viegas (1 926) Pedro do Nacimento (1 928) Manuel Pedro Guerreiro (1 928) José Viegas Ventura (1 928) José Martins Guerreiro (1 929) António Brito Arroja (1 929) Pedro José Guerreiro (1 929) Joaquim de Brito Pinto (1 931 ) J. Belchior Viegas (1 934) Este é o período de maior afluxo de empresários de Alportel, mas ainda se lhes virão juntar outros, como Manuel de Brito Jr., o qual, antes da sua
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vinda para a vila ribeirinha, tinha instalado uma fábrica em Grândola. Silves é por vezes citada como uma das cidades de origem dos empresários corticeiros de Alhos Vedros, mas o seu contributo é muito menor do que o de Alportel: para além do já referido José Custódio Cabrita, há a citar os casos de Aldemiro E. Mira (1 945) e, não longe de Silves, Francisco Afonso Madeira, de Messines (1 938). António Anastácio Guerreiro virá de Odemira (1 936). Os empresários oriundos de Alportel, contudo, não instalam em Alhos Vedros grandes unidades fabris: inicialmente, investem apenas em terrenos e numa caldeira, a que se vão juntando telheiros, armazéns e muros exteriores. A produção também não é muito industrial, nem intensamente mecanizada: produzem sobretudo cortiça em prancha, por vezes quadros, e mais raramente rolhas, modelo que perdurará ao longo de décadas. Ainda hoje, a única fábrica de cortiça existente em Alhos Vedros, apenas produz – como sempre fez – cortiça em prancha. À fraca industrialização e baixa intensidade tecnológica, juntam-se ritmos de produção marcados pela sazonalidade e subutilização de pessoal. Ainda em 1 945, a lei só obrigava a garantir aos trabalhadores da cortiça o mínimo de 3 dias por semana (metade da semana de trabalho) e isto apenas para os operários dos quadros permanentes. Mas, em 1 952, ainda havia fábricas de Alhos Vedros que recorriam a esta modalidade de desemprego parcial – leiam-se, a propósito, as cartas da página 22. Quando não havia trabalho, mandava-se embora o pessoal, e se isso não fosse viável, colocavam-nos a desempenhar funções como as de limpeza ou a pintar (caiar) os edifícios. Esta sazonalidade era articulada com outras actividades económicas, e nomeadamente: a extracção de sal, nas salinas de Alhos Vedros; o trabalho de extracção de cortiça nos montados; ou mesmo o trabalho agrícola: acontecia que muito deste pessoal temporariamente dispensado, regressava às suas terras de origem para ocupações na agricultura. Ouvimos várias razões justificativas para esta sazonalidade. Uma delas, seria a de que algumas fábricas estrangeiras, para onde a cortiça era exportada, encerravam no período do Verão. Uma outra era a de que o período de maior calor secava a cortiça, provocando a perda de peso, não sendo por isso favorável aos empresários corticeiros negociá-la no Verão. A manipulação do peso da cortiça, com o objectivo de serem obtidas vanta-
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gens negociais, levava também alguns empresários à prática do encharcamento propositado da cortiça, motivo pelo qual os empresários de Alhos Vedros eram apodados de aguadeiros, já que "vendiam mais água do que cortiça". A sazonalidade das fábricas corticeiras de Alhos Vedros traduzia uma subutilização do imobilizado, e nomeadamente da maquinaria, uma gestão só justificada pela sua fraca sofisticação: mesmo para fazer "quadros", ainda se utilizavam facas manejadas manualmente, como acontecera durante séculos. Para colocar e retirar fardos da caldeira, apenas guindastes operados à força de braços e sem qualquer mecanismo desmultiplicador. Uma definição não muito exigente do conceito de fábrica (requerendo a existência de máquinas operadas por energia que não apenas humana) levaria a que muitas destas "fábricas" não merecessem tal classificação. O período "Alportelense" gerou empregos e riqueza, porque a exportação absorvia quase toda a cortiça que se "preparava", mas não produziu uma mentalidade industrial moderna, assente na mecanização e automação. Os empresários alportelenses distinguiram-se sobretudo como especialistas nas fases negociais imediatamente anteriores e posteriores à “preparação” da cortiça – um know-how relevante, pois a adequada escolha da cortiça e a colocação da prancha no mercado requerem conhecimentos importantes e de difícil transmissão. Uma outra característica deste modelo empresarial é o da gestão familiar, igualmente sujeito a rupturas provocadas pelo surgimento de gerações pouco vocacionadas para o negócio. Este modelo assente na baixa intensidade tecnológica também viria a enfrentar dificuldades inultrapassáveis à medida que se foram constituindo grandes grupos económicos no sector corticeiro – com destaque para o grupo Amorim – e que o mercado passou a exigir um maior controlo sanitário na qualidade da cortiça, sobretudo pela sua associação ao sector do vinho engarrafado e refrigerantes: se antes o cozimento da cortiça servia apenas para a melhoria da qualidade mecânica da cortiça, actualmente também é exigido para o controlo das pragas e eventuais agentes biológicos que possam perturbar a qualidade das bebidas, implicando controlos laboratoriais difíceis de suportar para uma cultura empresarial que apostou num investimento mínimo em capital físico e humano.
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Uma mão-de-obra sujeita a esta sazonalidade também dificilmente poderia ascender a elevados níveis de qualificação, atendendo nomeadamente ao facto de nesta zona se situarem unidades empresariais – tais como a Companhia União Fabril – que oferecia melhores remunerações e maior estabilidade de trabalho. Nem toda a gente poderia obter empregos como os que eram oferecidos pela CUF, mas os mais qualificados teriam certamente mais oportunidade de a eles aceder. Não é pois de estranhar que, deste afluxo de empresários sulistas, que chegaram a dominar a vida económica, social e política de Alhos Vedros, apenas se mantenha em actividade, em 201 4, uma única fábrica: Correia, Branco & Nunes. A fraca aposta no investimento em maquinaria e equipamentos é revelado pelos dados do seguinte quadro, já reportado a 1 964, com a distribuição percentual dos capitais fixos, onde a Moita se destaca como o concelho com o maior peso do investimento em terrenos: 63 %.
Distribuição dos capitais fixos relativamente a empresas com mais de 20 operários em 1 964 Concelhos Seixal Barreiro Almada Alcochete Montijo Moita
Capitais fixos (contos) 2.1 84 1 .469 339 204 1 97 60
Fonte: Maria Alfreda Cruz, 1 973
Equipament os (%) 75,0% 70,9% 45,0% 63,0% 37,0% 29,0%
Terrenos (%)
1 2,0% 25,0% 25,0% 29,0% 37,0% 63,0%
Edifícios (%)
4,8 % 1 ,3 % 1 ,9 % 0,9 % 12 % 6,0 %
Carimbo da firma e projecto inicial da fábrica de aglomerados de cortiça Corça, na margem esquerda do esteiro de Alhos Vedros. Note-se a posição dos edifícios, que ocuparam parte do leito do rio. Posteriormente ainda viria a ser acrescentado um cais, aumentando essa ocupação. No entanto, nunca foi obstruido o caminho à passagem pública, como aconte na actualidade no troço desde a Estrada Nacional até à fábrica.
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As "Grandes" Fábricas Só na década de 1 940 é que se começam a instalar em Alhos Vedros fábricas de maior dimensão, equipadas com maquinaria diversa e uma capacidade financeira que lhe permite operar durante todo o ano – embora não prescindissem de recorrer à faculdade que a lei lhes dava de poderem dispensar os operários do quadro, até metade dos dias de trabalho. Em 1 941 foi constituída a sociedade Aldemiro E. Mira, com sede em Alhos Vedros, mas a laboração apenas se terá iniciado em 1 945. O empresário mantinha ainda a sua fábrica de Silves, da qual foi transferindo maquinaria para a nova unidade, e quando esta sofreu um grande incêndio, em 1 951 , foi para Alhos Vedros que foram transferidos muitos dos equipamentos e da mão-de-obra: 400 operários e respectivas famílias terse-ão deslocado por este motivo, “indo alojar-se “em barracas podres e bairros de lata” (Duarte, 201 0, p. 437). No ano de 1 949 é construída a Corça, fábrica de aglomerado negro de cortiça, e, já na década de 1 950, instalar-se-ão em Alhos Vedros os fabricantes Rolim & Filhos (comprando e ampliando a fábrica de Joaquim Viegas Valagão), Corticeira Ibérica (comprando e ampliando a fábrica de Manuel Pereira Viegas) e EFACOR – Empresa Fabril de Cortiça, localizada imediatamente a poente da Corça (na mesma localização em que se encontra actualmente a tipografia Belgráfica). No entanto, ainda durante a década de 1 940 – ou seja, mesmo durante o período das Grandes Fábricas – se assiste à abertura de fábricas de prancha, e à chegada de empresários de S. Brás de Alportel, como Manuel Viegas Lopes (autorizado pela Junta Nacional da Cortiça a transferir a sua fábrica de Faro, em 1 941 ) e Joaquim de Brito Caiado (1 942). A presença em Alhos Vedros desta última família poderá ser anterior, pois em 1 924, José de Brito Caiado adquire um terreno a Joaquim José Sancho & C.ª Ldª. Posteriormente ainda se realizariam outros investimentos na indústria corticeira em Alhos Vedros, tais como as fábricas de Orlando Gouveia dos Santos (granulados) e COSELE (revestimentos decorativos), no Pinhal do Castanho, junto à Estrada Nacional, a caminho da Moita. A Corticeira Ibérica, que inicialmente apenas produzira granulado para
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as restantes empresas do grupo internacional que integrava, fabricaria depois revestimentos decorativos, e ainda viria a adquirir as antigas instalações da fábrica Aldemiro E. Mira. Esta aposta dos empresários em investimentos de maior intensidade de capital no sector da cortiça é acompanhado pela política governativa de industrialização, regulada pela Lei 2005 (publicada em 1 945) e que continha medidas de fomento para “instalação de novas indústrias” e “reorganização das indústrias existentes”. Esta política económica poderá ter tido como resultado paradoxal a paralisação de uma das mais modernas fábricas de Alhos Vedros: a Corça. Uma das medidas previstas na referida lei era a da “concentração industrial”, a qual previa a “integração de indústrias” e admitia a “expropriação de instalações excessivas” Com base nestas orientações formou-se, já nos anos 50, a “Isola Sociedade Comercial de Isolamentos de Cortiça, Lda”, um agrupamento de empresas produtoras de aglomerados da qual fizeram parte a Mundet, a Sociedade Corticeira Robinson, a Infal, a Sopac, a Socorquex (da Moita) e a Corça (de Alhos Vedros) – em 1 954 já agrupava 95,5 % do sector. Depois de constituída, a Isola (dirigida por Daniel Barbosa, ex-ministro) procurou influenciar o Governo no sentido de proporcionar às fábricas nacionais a matéria-prima (cortiça) que não se encontrava no mercado. Terá sido esta falta de matéria-prima que alegadamente levou a encerramento da Corça, pouco depois de ter começado a trabalhar (Pereda, 2009, p. 66). Mas é uma justificação discutível já que, embora sem produzir, a fábrica simulava períodos de laboração fictícia, para não perder o alvará, ao mesmo tempo que o sector de aglomerado, “protegido” pela Isola, voltava a prosperar, a ponto Daniel Barbosa ter agradecido a Salazar, em 1 959, “a materialização dos sucessos que acreditam a Isola”, a qual “está hoje devidamente lançada.” (Pereda, 2009, p.68) Tudo indica que a Corça foi sacrificada numa lógica de controlo de mercado, funcionando a Isola como um verdadeiro cartel, autorizado e protegido pela legislação corporativista. A Socorquex manteve-se em laboração até 1 982, ano da sua falência.
OfĂcios de 1 952, revelando a "normalidade" da redução dos dias de trabalho
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Oficinas manuais «O pequeno fabricante, devido à sua desunião, tem que comprar em certas fábricas, e às vezes por “empenhos”, cortiça muito inferior, cheia de colebra e formiga e por um preço excessivamente caro, e além disso tem que fornecer a lenha ao industrial que lhe vende a cortiça pelo preço que lhe convier dar, do contrário não levanta cortiça alguma. Depois dum excessivo trabalho e duma rigorosa exploração feita aos operários, tenta vender a essas casas intermediárias, que estão impassíveis, esperando que lhes levem a mercadoria e, uma vez ali, oferecem preços tão irrisórios que por vezes não chega para pagar a cortiça.» Jornal O Corticeiro nº 7- 3 Dezembro1 899 A par das “fábricas de cortiça”, majestaticamente definidas pelas suas grandes áreas delimitadas por muros e paredes de armazéns, coexistiram numerosas “fabriquetas” ou "fabricos", pequenos espaços equipados com máquinas para a transformação da cortiça, a partir de prancha comprada às empresas “preparadoras”. Uma ironia desta situação era a que estas “oficinas manuais”, na sua humilde configuração espacial e fracos recursos financeiros, albergavam por vezes mais máquina dos que as fábricas que lhes forneciam a prancha, e produziam um produto final – normalmente, rolhas – mais sofisticado do que aquele que saía das “grandes” fábricas. E é precisamente porque constituiram um elo importante no ciclo corticeiro de Alhos Vedros, que as devemos recordar. Pela sua natureza humilde, estas fabriquetas ficaram ainda mais perdidas na memória do tempo: não tinham firmas anunciadas na imprensa, os seus proprietários não pertenciam à elite que ocupava os lugares de
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prestígio da localidade (Câmara, Misericórdia`), os seus nomes de família não circulavam pela vila com o misto de reverência e animosidade que despertavam os "grandes"` Deve-se a uma das aberrações do Estado Novo, o organismo corporativo Junta Nacional da Cortiça, o ter salvo do anonimato algumas destas humildes fabriquetas: na insane tentativa de tudo controlar e tudo regular, a constituição, a laboração e a aquisição de máquinas, por estas pequenas unidades, ficou também sujeita às autorizações da Junta Nacional da Cortiça, publicitadas através do seu Boletim, que funcionava como um pequeno Diário do Governo para a indústria corticeira. Assim, o Boletim da Junta Nacional da Cortiça registou nas suas páginas as seguintes “oficinas manuais”, ou “de trabalho familiar”, em Alhos Vedros: Maio de 1 941 – Firmino Romão pediu para instalar uma oficina manual na rua do Cais, em Alhos Vedros; a autorização seria concedida em Dezembro do mesmo ano. Neste mesmo mês a JNC registou o pedido de Firmino Romão para instalar maquinaria “na sua fábrica da rua do Cais, Alhos Vedros”. Julho de 1 941 – Custódio Ventura pediu para instalar uma oficina manual em Alhos Vedros. Março de 1 944 – Concedida autorização a Júlio das Neves para instalação de trabalho familiar na rua da Estação, em Alhos Vedros. Na mesma data, foi autorizado a instalar de máquinas. Julho de 1 946 – Concedida autorização a Rodrigo dos Santos para instalação de trabalho familiar, na Av. da Bela Rosa, rua D, em Alhos Vedros. Agosto de 1 947 – Concedida autorização a João Viegas Neto para instalar oficina de trabalho familiar na travessa do Jardim, em Alhos Vedros.
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Lutas operárias No período considerado, não são conhecidos casos de lutas operárias organizadas e de grande dimensão, no sector corticeiro de Alhos Vedros – apesar de ter sido bastante real a propaganda política da ideologia operária e a correspondente repressão por parte do Estado, como o autor testemunhou na sua infância. É provável que o modelo empresarial da preparação de cortiça, com baixa qualificação dos trabalhadores, com fábricas com pessoal pouco numeroso (pelo menos até 1 950), e com a “arma” da sazonalidade a favor dos empresários, explique essa baixa intensidade de conflitos de classe. Em todo o caso, registamos dois episódios referidos no jornal O Corticeiro de Julho de 1 966. Numa das notícias, com o título “Luta contra a exploração”, refere-se que: “O Aldemiro & Mira desde o aumento de salários tem vindo a agravar o ritmo de trabalho de todos os operários, obrigando nalguns casos as mulheres a darem o dobro da produção em relação ao que produziam antes do aumento de salários. Porém, as operárias corajosamente têmse recusado a satisfazer mais esta ganãncia do Aldemiro. Em Maio foram castigadas 8 operárias porque o Aldemiro as considerou como as instigadoras da recusa a produzirse o que ele pretendia. (…)"
Note-se a errada redacção do nome da firma. Embora se tratasse de uma sociedade entre dois irmãos (Aldemiro e Joaquim), apenas o nome de Aldemiro da Encarnação Mira figurava na firma, com abreviatura do nome médio. No mesmo jornal foca-se a empresa José Cabrita & Irmão, de Alhos Vedros: “Nesta empresa com 100 operários (metade são mulheres) apareceu a bacia da sanita partida. Estes exploradores pretenderam que cada operário pagasse 1$00 para eles comparem uma bacia nova. Como os operários se recusaram, eles ainda não substituíram a bacia partida”.
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Dinâmica social e política A radicação da nova “classe empresarial” em Alhos Vedros teve profundas implicações na sua vida social e política. A representação política da vila na Câmara Municipal, normalmente feita através da designação de um vereador a quem era atribuído o pelouro de “todos os serviços de Alhos Vedros", passou das mãos de empresários agrícolas e abastados comerciantes, para os novos empresários corticeiros. No primeiro grupo encontramos, como "Vereadores de Alhos vedros", José Alves Cordeiro Estrela e Sebastião dos Santos Júlio (1 894), Francisco Tavares (1 898 a 1 904), Manuel Luis de Almeida (1 905), Joaquim Alves Dias (1 909 a 1 91 0, por vezes substituído por Sebastião dos Santos Júlio), Domingos Tavares (1 91 4 a 1 91 6), Joaquim Alves Dias (1 91 6, desde Setembro), Francisco Marques Estaca Junior (1 923) e de novo Sebastião Alves Dias (1 926 a 1 929). Segue-se o período dos empresários da cortiça. Houve uma primeira nomeação, em 1 91 8, de José Custódio Cabrita, mas este não chegou a estar dois meses no cargo, dado que a Comissão Administrativa pediu a demissão por se ter sentido desautorizada pelo Administrador do Concelho. Joaquim José Sancho ocupa o lugar de vereador em 1 929. António Anastácio Guerreiro permanece como vereador entre 1 938 e 1 945, seguindo-se Virgílio Luz Sancho, desde Abril de 1 945. Para além desta representação formal, os empresários corticeiros de Alhos Vedros manifestam-se em defesa da sua vila, e freguesia, em várias ocasiões. Um abaixo assinado de 24 de Junho de 1 920, que pede “para que o produto da venda do terreno baldio, nesta vila, na importância de 8.200$50 seja integralmente aplicado em indispensáveis e inadiáveis melhoramentos na mesma vila”, é subscrito, entre outros, por José Gago da Silva, Cabeçadas & Jesus, Empresa de Cortiças Ldª, Manuel de Jesus, Miguel António Lopes, José Viegas Valagão, União Comercial Portuguesa Ldª, Joaquim João Sancho, José Custódio Cabrita. Outro abaixo assinado, de 11 de Maio de 1 921 , contesta a intenção da Câmara, no sentido de vender, em hasta pública, um “dum terreno que diz
Comissão de empresários de Alhos Vedros que se deslocou ao Ministério das Obras Públicas, em Abril de 1 935, para reforçar o pedido de construção de uma Estação TelégrafoPostal em Alhos Vedros. A comissão esteve depois no jornal O Século, onde foi tirada esta fotografia, e na qual são referidos: João José Sanches, Manuel de Sousa Serro, João Balseiro Fragata, Joaquim José Sancho, Francisco Afonso Madeira, Joaquim Pedro Coelho Guerreiro, José de Brito Caiado, Virgílio Luís Sancho, Ezequiel Fernandes e Manuel de Mora
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ser baldio com 324 m2 que confronta a Norte com José Gago da Silva, sul e nascente com o mesmo largo, e poente com prédio de Sebastião Alves Dias, aonde nós consideramos esse terreno todo como largo da Marquesa [pedem] para não levarem a efeito essa venda por ser o largo mais central que nós temos na vila e o mais bonito e devido a estar alinhado e quadrado". Entre as 1 30 assinaturas, conta-se a de José Viegas Valagão. Um abaixo assinado de 1 2 de Abril de 1 933, de comerciantes e industriais de Alhos Vedros, requer da Câmara os “melhoramentos mais essenciais e urgentes (`): "A dragagem da cala de Alhos Vedros, pois não faz sentido que sendo Alhos Vedros um meio bastante industrial, não tenha as mais elementares condições de navegabilidade para dar vazante aos seus produtos por via marítima (...) uma grande parte da cortiça aqui manipulada, e que deixa de pagar o seu imposto de cais (...) além disto o afastamento de outros industriais que aqui se poderiam vir estabelecer (...) "O alongamento do cais – pelas mesmas razões e porque o actual cais já não comporta o movimento da vila, dada a sua pouca extensão "A criação duma Estação Telégrafo Postal – (...) tantas terras, que não são para comparar, nem de longe nem de perto, com o movimento fabril de Alhos Vedros, já a têm". Entre os subscritores: José Martins Sancho & Cª, Nascimento & Guerreiro, Correia, Branco & Nunes, Ldª , J. V. Valagão J.or & Cª, Francisco Brito Pinto & Cª, António de Brito Arroja , Joaquim Pedro Coelho Guerreiro, Manuel de Sousa Serro e José Custódio Cabrita. Num abaixo assinado de 1 7 de Junho de 1 933, vários “industriais e residentes em Alhos Vedros participam que deliberaram deixar de pagar o chamado imposto de cais [o qual] foi criado para se melhorarem as condições do Cais de Alhos Vedros [numa reunião a que] assistiu o actual vogal dessa Câmara, José Viegas Valagão, (...) que deixou de há tempo pagar o imposto de cais". Subscrevem o documento: José Martins Sancho & Cª, Nascimento & Guerreiro Ldª, Correia, Branco & Nunes, Ldª, José Custódio Cabrita, Manuel de Sousa Serro, J. V. Valagão Jor & Cª, Belchior Viegas & Cª, João de Sousa Correia Jr e J. Brito Caiado, Ldª. O serviço de correios foi uma das necessidades mais sentidas pela população. Em 1 934 foi enviada aos CTT uma “representação de industriais e comerciantes de Alhos Vedros pedindo a criação de uma estação
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telégrafo-postal”. Os CTT responderam que “o assunto não pode por enquanto ter qualquer solução (...) por se aguardar medidas de ordem geral”. Em Abril de 1 935, uma comissão de empresários entrega nova representação, mas desta vez directamente no gabinete do Ministro das Obras Públicas, onde foi recebida pelo chefe de gabinete, que “prometeu interessar-se pelo assunto”. No mesmo dia a Comissão esteve no jornal O Século, que publicou a notícia na sua edição de 3 de Abril, escrevendo que “tal melhoramento justificar-se-ia numa terra de cinco mil habitantes, e onde há vinte fábricas, escritórios de exportação e numerosíssimas casas comerciais”. No arquivo do jornal O Seculo, na Torre do Tombo, está disponível a foto tirada nesse dia, e identificados os membros da delegação, na sua maioria constituída por empresários corticeiros: João José Sanches, Manuel de Sousa Serro, João Balseiro Fragata, Joaquim José Sancho, Francisco Afonso Madeira, Joaquim Pedro Coelho Guerreiro, José de Brito Caiado, Virgílio Luis Sancho, Ezequiel Fernandes e Manuel de Mora Féria (veja-se a imagem da página 27). A iniciativa dos empresários daria frutos: em 27 de Agosto de 1 935, José Viegas Valagão, em nome da Comissão Encarregada de tratar da criação da Estação telégrafo Postal de Alhos vedros, informa a Câmara que a administração dos CTT enviou um orçamento de 7.000$00 para essa mesma instalação. Por subscrição pública já se tinham apurado 4.500$00, pelo que faltavam 2.500$00. José Viegas Valagão informa que se “vai fazer novo apelo, mas como todos já se encontram muito sobrecarregados com contribuições e impostos [solicitam à Câmara que] concorra com a verba possível”.
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Dinâmica urbanística Os empresários corticeiros de Alhos Vedros marcaram indelevelmente o crescimento urbano da vila. Desde logo pela delimitação e edificação das suas fábricas. Mas também lotearam numerosos terrenos para a construção de habitações. A crescente procura de casas de habitação, quer para os operários corticeiros, quer para a massa de gente que acorria à região, atraída por empresas como a CP ou a CUF, abriu uma oportunidade de negócio que os empresários não desprezaram, fosse através da venda de lotes urbanizados, fosse através da construção de casas “para rendimento”, por aluguer. Esta procura estava a provocar uma explosão construtiva na Baixa da Banheira, que o povo baptizou como “Xangai”, expressão verbal da imagem negativa que o fenómeno provocava no resto da população. Mesmo em Alhos Vedros, imediatamente a nascente a fábrica do próprio Valagão, nascera um bairro de casas abarracadas, popularmente designado como "Mitra" – o qual viria a ser demolido no início da década de 1 950, para permitir a construção de instalações para a fábrica da empresa Rolim & Filhos. O caso de urbanização mais impressionante foi impulsionado por Joaquim Viegas Valagão Jr, que loteou a Quinta da Bela Rosa, imediatamente a norte da vila, tendo a avenida da Bela Rosa como eixo principal. João José Sancho loteou os terrenos de ambos os lados da Estrada Nacional 1 3, no troço que partia de Alhos Vedros para a Moita, zona por vezes designada como Vale de Grou ou Alto Barro, tendo esta última designação sofrido, com o passar do tempo, um desvio semântico para “Alto Bairro”. Foi aqui que nasceu o “bairro industrial”, com fábricas lado a lado, divididas pela estrada que tem actualmente a designação de “rua das Fábricas”. O loteamento de outras parcelas, para habitação, encontra-se ainda documentado na insólita designação de duas das ruas de Alhos Vedros: “Rua Particular de João José Sancho” e “Rua Particular de D.ª Maria Rosa do Nascimento Sancho”: uma homenagem involuntária, pois Alhos Vedros
Projecto de José Gago da Silva para construção de um bairro operário em Alhos Vedros – 1 91 8.
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não deu, oficialmente, nome de rua a qualquer industrial corticeiro. Um fenómeno semelhante ocorre com a designação do “Pátio Gago da Silva”, reportando-se ao dono da antiga “Horta Nova”, e um dos primeiros empresários corticeiros de Alhos Vedros, José Gago da Silva. Este empresário terá sido mesmo o primeiro a apresentar à Câmara Municipal, em 1 91 8, um projecto para um bairro operário, o qua não sabemos se terá sido construído.
Corça - Fábrica de Aglomerados de Cortiça
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Agradecimentos Para o presente trabalho foram consultados diversos arquivos, entrevistados vários protagonistas do trabalho nesta indústria, aos quais se deixa aqui um sentido agradecimento, ilibando-os desde já dos erros do presente trabalho. Um primeiro agradecimento destina-se a Fernanda Gil, activista da recuperação do património e das memórias de Alhos Vedros, que me acompanhou nas indagações pela vila e nos contactos com diversos entrevistados. Foi também quem sugeriu a inclusão deste tema no ciclo de palestras comemorativas dos 500 anos do Foral de Alhos Vedros. Agradeço a Maria Clara Santos, que me facultou o acesso aos arquivos municipais da Moita, incluindo a realizações de reproduções dos mesmos, e me facultou alguns dos elementos que ela própria tinha apurado nas suas investigações sobre esta matéria. Agradeço a Esmeralda Silva, funcionária da Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal da Moita, que me aturou nas buscas pelos processos anteriores a 1 950 e ali arquivados, tal como aconteceu com a senhora São, no arquivo histórico da mesma Câmara. Agradeço a Ilda Cabrita e ao seu marido, José Mário Cabrita (neto de José Custódio Cabrita), que, nos idos das décdas de 1 950 e 1 960, tantas vezes me acolheram em sua casa, proporcionando-me como espaço de recreio toda uma fábrica que foi, afinal, uma das primeiras fábricas de cortiça de Alhos Vedros. Agradeço o convite da Comissão Executiva das Comemorações dos 500 Anos do Foral de Alhos Vedros: Câmara Municipal da Moita, Junta de Freguesia de Alhos Vedros, Santa Casa da Misericórdia de Alhos Vedros, Centro Paroquial de Alhos Vedros, Associação Alius Vetus, CACAV (Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros) e Agrupamento de Escolas José Afonso. Um agradecimento final para o Manuel João Croca, que me apresentou directamente o convite, apesar de ter recusado a minha honesta sugestão para que desistíssemos desta conferência, numa altura em que eu não tinha a certeza se a conseguiria preparar. A sua confiança em mim era tão
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firme que não acreditou na minha palavra. Agradeço igualmente aos seguinte protagonistas da industrialização corticeira de Alhos Vedros, lamentando que este trabalho não consiga fazer justiça a tudo o que partilharam comigo a) Juventino Simões, natural de Silves, afinador de máquinas na indústria corticeira, que trabalhou em Silves (fábrica Viola & Filhos) e em Alhos Vedros nas fábricas de Aldemiro E, Mira, de Francisco (Joaquim ?) Afonso Madeira, Rolim, José Custódio Cabrita, Soeiro & Guerreiro, Coral, Cooperativa Cuca. b) Lucília Simões, natural de Silves, rebaixadeira na indústria corticeira, que trabalhou em Silves (fábrica Viola & Filhos) e em Alhos Vedros nas fábricas de Aldemiro E, Mira, Coral, Cooperativa Cuca. c) Francisco Inácio Vieira ("Chico Serrinha"), natural de S. Bartolomeu de Messines, quadrador, que trabalhou em Alhos Vedros na fábrica de Manuel Cintra Paraíso; d) José dos Santos Marques, natural de Grândola, enfardador, que trabalhou em Alhos Vedros, nas fábricas de Anastácio Guerreiro e Américo Jacinto; e) Frederico Tavares, natural de Alhos Vedros, rabaneador, que trabalhou nas fábricas de Francisco Afonso Madeira e de na fábrica Rolim & Filhos (nessa altura já sob intervenção bancária); f) Mário Silva, natural de S. Braz de Alportel (1 945), veio para Alhos Vedros com sete anos de idade, acompanhando o pai, que veio trabalhar para a fábrica do Manuel Pereira Viegas. Começou a trabalhar aos 1 3 anos, a “dar cortiça à banca”, na fábrica Rolim & Filhos (nessa altura já sob intervenção bancária). Trabalhou depois na montagem da Corticeira Ibérica, da qual veio a ser funcionário, primeiro como electricista e depois como encarregado geral do armazém.
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g) João Guerreiro Nunes, neto de dois industriais corticeiros oriundos de S. Braz de Alportel: Matias Nunes e Joaquim Pedro Coelho Guerreiro, e actual administrador da fábrica Branco, Correia & Nunes. h) José Manuel Correia de Brito, neto de Manuel de Brito Jr, fundador da empresa corticeira de Alhos Vedros com o mesmo nome, actualmente Manuel de Brito Jr. Herdeiros Ldª (actualmente sem actividade corticeira). i) José de Mendonça Brito, filho de Manuel de Brito Jr.
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Bibliografia Alentejo (O). Diário Regionalista Independente (1 921 ) Évora Almeida, Ana Nunes de (1 988) “Perfis demográficos e modos de industrialização – o caso do Barreiro”, in Análise Social, vol. XXIV (1 00), pp. 449-460 Almeida, Ana Nunes de (1 993) “Mulheres e famílias operárias: a «esposa doméstica»”, in Análise Social, vol. XXVIII (1 29), pp. 1 05-1 32 Bernardo, Henrique de Barros (1 944) “Do estado actual da indústria corticeira – Em torno da industrialização”, in Boletim da Junta Nacional da Cortiça, nº 70, Agosto de 1 944 Bernardo, Henrique de Barros (1 946) "A Industria Corticeira em Portugal. Algumas notas geográficas e económicas" Boto, Manuel António (201 2) “A Saga de Elaudo Tarouca”, editora Associação Grão Nauta, Baixa da Banheira Brito, José Maria Brandão de, (1 989) “A industrialização portuguesa no pósguerra (1 948-1 965). O condicionamento industrial”. Lisboa: Publicações D. Quixote. Calado, Zélia Martins (2008) “Mulheres Sós- Um estudo de caso na vila de Alhos Vedros” Dissertação de Mestrado, Universidade Aberta Corticeiro (O) – Orgão de Unidade da Classe Corticeira – Ano XI, nº 43, Julho de 1 966 Custódio, Jorge (1 999) “Tecnologias e Maquinismos na Avern, Sons & Barris de Silves”, in "Fábrica do Inglês", pp. 83-11 3 Cruz, Maria Alfreda (1 973) “A Margem Sul do Estuário do Tejo – Factores e formas de organização do espaço" Duarte, Maria João Raminhos (201 0) “Silves e o Algarve uma Historia de Oposição à Ditadura” Gaspar, Jorge (1 970) “Os portos fluviais do Tejo”, in Finisterra, Volume V, Número 1 0, Lisboa Mendes, Américo M. S. Carvalho (2002) “A Economia do Sector da Cortiça em Portugal – Evolução das actividades de produção e transformação ao
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longo dos séculos XIXI e XX” (documento de trabalho) Moruno, Francisco Manuel Parejo (201 0) “El negocio del corcho en Espana durante el siglo XX, ed. Banco de Espanha, col. Estudios de Historia Economica, nº 57 Moruno, Francisco et al (201 3) “Los origenes de las actividades corcheras en Extremadura: El corcho extremeño entre catalanes e ingleses”, in Revista de Estudios Extremeños, 201 3, Tomo LXIX, nº I, pp. 461 .490 Oliveira, Pedro Ribeiro de (201 2) “Avaliação da função respiratória em trabalhadores da indústria corticeira e sua relação com um padrão espirométrico compatível com suberose”, dissertação para obtenção do grau de Mestre em Medicina, Universidade da Beira Interior Pereda, Inacio García (2009) Junta Nacional da Cortiça – 1 936-1 972 Pestana, Miguel, e Tinoco, Isabel (2009) “A indústria e o comércio da cortiça em Portugal durante o século XX”, Silva Lusitana 1 7(1 ): pp. 1 -26 Rosas, Fernando (1 994) “Estado Novo e desenvolvimento económico (anos 30 e 40): uma industrialização sem reforma agrária, in Análise Social, vol. XXIX (1 28), pp. 871 -887 Silva, Nuno Miguel Ferreira (201 0) “A cortiça nos debates parlamentares da nação portuguesa” (1 839-1 899) Tavares, Maria Manuela Paiva Fernandes (2008) “Feminismos em Portugal (1 947-2007)"
Alhos Vedros industrial (...) Tem Alhos Vedros 1 6 fábricas de cortiça, que manipulam aquela matéria prima nas suas várias modalidades, com uma população operária superior a mil pessoas, de ambos os sexos, a quem é distribuída semanalmente féria no valor superior a sessenta contos, que vai por sua vez vitalizar o comércio local. Além destas importantes indústrias tem Alhos Vedros mais duas fábricas de velas de estearina, uma boa fábrica de cal, também tem uma produção enorme de sal, que exporta para todos os pontos do país e estrangeiro, sendo a sua qualidade muito apreciada porque é muito fina. De todo este importante movimento industrial paga Alhos Vedros copiosa soma de contribuições e impostos, pois só o município recebeu de «ad valorem» referente a cortiça, no ano de 1 926, para cima de 70 contos. Todavia, Alhos Vedros está no número das terras esquecidas do poder central, porque além doutros elementos essenciais que lhe faltam para dar incremento à sua vida industrial, não tem em si estação telegrafo-postal, apesar de várias reclamações em tempo feitas às instâncias competentes. Esta é uma falta que muito se faz sentir na indústria e comércio locais. Agora que Alhos Vedros se veste de gala pela festa inaugural da iluminação eléctrica, achamos duma flagrante oportunidade lembrar a quem de direito que Alhos Vedros, pela sua importância industrial, é digna duma estação telegrafo-postal, porque o posto de correio que tem, é de tal forma exíguo, que nem selos muitas vezes tem para franquiar a sua correspondência! Agora que Alhos Vedros se veste de gala pela festa inaugural da iluminação eléctrica, achamos duma flagrante oportunidade lembrar a quem de direito que Alhos Vedros, pela sua importância industrial, é digna duma estação telegrafo-postal, porque o posto de correio que tem, é de tal forma exíguo, que nem selos muitas vezes tem para franquiar a sua correspondência! Agora que Alhos Vedros se veste de gala pela festa inaugural da iluminação eléctrica, achamos duma flagrante oportunidade lembrar a quem de direito que Alhos Vedros, pela sua importância industrial, é digna duma estação telegrafo-postal, porque o posto de correio que tem, é de tal forma exíguo, que nem selos muitas vezes tem para franquiar a sua correspondência! Ao Município, lembra a indústria de Alhos Vedros que o seu porto marítimo muito carece de ser desassoreado, e o alargamento do seu cais acostável, pois em muitas ocasiões não podem os barcos atracar, pela enorme aglomeração de fragatas que não têm espaço para o seu desenvolvimento, por ser o cais pequeno para o movimento do tráfego que possui. Com este melhoramento iria o Município satisfazer uma lacuna industrial e obteria, de futuro, uma boa receita, montando um guindaste para servir o movimento de carga e descarga. Esperamos ver em breve realizados tão necessários melhoramentos, pois assim o Município saberia corresponder à boa vontade da indústria no pagamento dos seus impostos, apesar dos momentos de crise por que vem passando. José Custódio Cabrita Diário de Notícias, 8 de Janeiro de 1 928