O " ra p to" d o S en h or d as Ch ag as e a política partidária de Sesimbra João Augusto Aldeia
Edições Aiola
O "rapto" do Senhor das Chagas e a política partidária de Sesimbra João Augusto Aldeia
Edições Aiola Maio de 201 7
Estudos locais
1 – Memórias da Indústria Corticeira em Alhos Vedros 2 – O naufrágio da fragata Numancia e outros episódios marítimos com cidadãos espanhóis em Sesimbra 3 – O "rapto" do Senhor das Chagas e a política partidária de Sesimbra
Ficha técnica
Título: O "rapto" do Senhor das Chagas e a política partidária de Sesimbra Autor: João Augusto Aldeia Copyright: João Augusto Aldeia todos os direitos reservados Fotografias: dos autores indicados nas legendas todos os direitos reservados Editor: Edições Aiola aiola@aiola.pt Administração: José Gabriel 1 .ª edição: Maio de 201 7 Imagem da capa: Sesimbra – detalhe de gravura publicada na revista Ocidente n.º 208, de 1 de Outubro de 1 884
Índice 1 – O "rapto" do Senhor das Chagas 2 – Fundam-se as Misericórdias 3 – Reduzem-se as missas e estala um conflito com a Paróquia 4 – A Misericórdia liberta-se da tutela da Paróquia 5 – O conflito resvala para a Irmandade 6 – Chega a Revolução Liberal e nutre-se um espirito de facção e de discórdia 7 – Novo conflito com a Irmandade das Chagas 8 – Instala-se o regime Liberal 9 – Entra em cena Manuel Caldeira da Costa 1 0 – A Terra treme 11 – Fecham a porta da igreja ao Senhor dos Passos 1 2 – O Pároco recusa-se a viaticar e a ungir 1 3 – A política partidária chega à Misericórdia 1 4 – Pondera-se a construção de um hospital 1 5 – Sesimbra entra em Rotativismo 1 6 – Publica-se A Verdade 1 7 – Surgem dois grupos de Festeiros devotos do Senhor das Chagas 1 8 – Cai o Governo 1 9 – Lançam-se foguetes, tocam as Bandas 20 – A Misericórdia recorre ao Tribunal 21 – Nasce a nova Irmandade do Senhor das Chagas e a Mesa da Misericórdia é dissolvida 22 – Revolta-se a Maria Café 23 – Atenta-se contra a vida do Administrador 24 – Abre-se uma Escola e um Hospital 25 – Extinguem-se a Irmandade das Chagas e a Confraria do Espírito Santo 26 – Continua a Festa, surge o Arraial 27 – A grande Festa da Comunidade Sesimbrense Glossário Anexos Notas Bibliografia
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Em memรณria do Rafael Monteiro, que, por outras palavras, jรก nos tinha contado esta mesma histรณria
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1 – O "rapto" do Senhor das Chagas
o dia 23 de Março de 1 881 , entre as nove e as dez da noite, na praça do Pelourinho, em Sesimbra, juntou-se uma multidão exaltada, atraída pelo som dos foguetes e pelos acordes estridentes de duas bandas marciais. Um orador empoleirou-se nos degraus do monumento e empolgou os assistentes com vivas à Liberdade e morras à Tirania e aos “padres reaccionários e absolutistas”, animandoos depois a ir “buscar o nosso pai das Chagas”. E assim foi: ao som da música e de mais foguetes, a turba encaminhou-se pela rua Direita, dirigiu-se ao descampado a norte da vila, até à igreja da Misericórdia. Ali chegados, houve alguma hesitação sobre se deveriam arrombar a porta do templo, ou exigir ao sacristão, que morava próximo, que a abrisse. Lá se dirigiram para a casa onde o sacristão morava com a mulher e dois filhos menores, gritando que ou abria a porta da igreja, ou lhe arrancariam a cabeça, ou seja: ou vinha a bem, ou “puxado pelas orelhas”.
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Assustado, e com os familiares em pânico, o pobre sacristão obedeceu, mas tão perturbado que até se esqueceu de colocar o chapéu na cabeça, como revelaria mais tarde em tribunal. Aberta a porta, um grupo destacou-se da multidão e penetrou no templo, à luz de archotes, dirigindo-se à capela do Senhor das Chagas, de onde retiraram a imagem, a qual, juntamente com as alfaias que lhe pertenciam, foi depois levada em procissão até à igreja do Espírito Santo, onde permaneceria durante os catorze anos seguintes. Este insólito episódio permanece, ainda hoje, na memória dos sesimbrenses, envolto em explicações obscuras, esquecidas que foram as circunstâncias que levaram ao “rapto” da Imagem sagrada. No entanto, os livros da Misericórdia, as notícias dos jornais da época e os processos judiciais que espelham a atribulada vida social da vila piscatória nessa época, permitem formar uma imagem precisa dessas circunstâncias. Os acontecimentos de Março de 1 881 integraram-se directamente na disputa entre a Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra e a Irmandade dos devotos do Senhor Jesus das Chagas. Mas foram igualmente a expressão da luta partidária, entre Regeneradores e Progressistas, que nesta vila conheceu uma forte agudização entre os anos de 1 879 e 1 891 – a motivação política foi, aliás, uma das causas imediatamente apontadas pela imprensa. Que a organização das festividades religiosas em Sesimbra assumiam um cunho partidário, é algo que ainda foi testemunhado por Alberto Pimentel: Os ‘marítimos’ de Cezimbra têm uma associação de classe, uma cooperativa de consumo e um montepio. São eles que promovem e custeiam a festa do Senhor das Chagas e o círio do Cabo; por sua vez os donos das armações têm a seu cargo a festa da Senhora do Monte do Carmo. A política, sempre muito agitada em Cezimbra, até nestas solenidades religiosas se intrometeu: a das Chagas é regeneradora e a do Carmo progressista. 1
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A motivação partidária do "rapto" da Imagem sagrada também foi referida por vários historiadores sesimbrenses: Joaquim Rumina (2006), António Reis Marques (2005) e, sobretudo, Rafael Monteiro (2002). Também a sesimbrense Cristina Conceição realizou recentemente, o estudo das irmandades e devoções marítimas em Sesimbra, focando-se sobretudo na vertente religiosa (Conceição, 201 3). A novidade que no presente texto se apresenta é a de identificar claramente quais os partidos e quais os líderes partidários que o protagonizaram, bem como os "argumentos" aduzidos por cada um. Mas também é possível integrar o “rapto” nos conflitos entre várias organizações locais com intervenção religiosa, nomeadamente a Misericórdia, a Paróquia de Santiago e a Corporação Marítima – bem como a Irmandade dos devotos do Senhor Jesus das Chagas, embora esta surja com um papel secundário no meio das disputas entre aquelas organizações. E, num quadro ainda mais abrangente, tudo isto se pode incluir na grande disputa ideológica que dividiu o século 1 9, entre os defensores do Antigo Regime e os Iluministas, ou seja, entre os Absolutistas e os Liberais. Estas disputas assumiram, por vezes, dimensão mesquinha: zangas a propósito do pagamento de remunerações, confrontos para ver quem era eleito para a direcção desta ou daquela organização – mas essa é apenas a face visível das tensões que atravessaram Sesimbra durante o século 1 9. A destruição que se verificou de muitos livros de actas da Câmara, anteriores a 1 889, tornam especialmente valiosos o arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra, onde é possível recuperar uma parte importante da vida sesimbrense nessa época. Esses livros constituiramam uma das fontes deste trabalho, mas foram igualmente preciosos, para a compreensão do enquadramento geral, os processos judiciais da época, bem como a imprensa local e nacional, em cujas páginas também ficou algum rasto das disputas religiosas e ideológicas que tiveram Sesimbram como palco.
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2 – Fundam-se as Misericórdias Fundadas a partir de finais do século 1 5 por iniciativa da rainha D. Leonor, as Misericórdias tinham como objectivo principal a prática de obras de misericórdia, nomeadamente: ensinar os simples, dar bom conselho a quem o pede, castigar com caridade os que erram, consolar os tristes desconsolados, perdoar a quem nos errou, sofrer as injúrias com paciência, rogar pelos vivos e pelos mortos (obras espirituais), remir os cativos e visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de beber aos que têm sede, dar pousada aos peregrinos e pobres, enterrar os finados (obras corporais). 2 No entanto, há quem acrescente uma outra dimensão: teria sido uma iniciativa da Corte com o objectivo de controlar – ou retirar a exclusividade de controlo à Igreja – o sistema de assistência pública 3, bem como canalizar para estas instituições, os vultuosos legados que os testamentos dos falecidos deixavam vinculados a missas e obras pias, para sua própria salvação, ou mais rápida saída do Purgatório. O facto é que as Misericórdias se transformaram em instituições de vulto nas comunidades locais, proporcionando aos seus membros (Irmãos) e dirigentes (Provedor e outros Mesários) um prestígio não negligenciável. 4 Não se sabe qual a data da fundação da Misericórdia de Sesimbra. O documento mais antigo que se conhece é uma escritura de 1 554. Nas chancelarias régias, a referência mais antiga é um alvará de 29 de Maio de 1 565, pelo qual se lhe anexou o Hospital situado no castelo da vila. Mas a pintura de Gregório Lopes, representando Nossa Senhora da Misericórdia, e que está datada entre 1 530 e 1 535, permite admitir que esta Santa Casa já existiria neste período. 5 A partir do final do século 1 8, as Misericórdias portuguesas sofreram diversas perturbações. Por um lado, enfrentaram dificuldades crescentes para cumprir as obrigações que foram assumindo com os testamentos dos falecidos que nelas instituíram Capelas. Recebendo por vezes dinheiro, mas sobretudo bens imóveis
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(casas, terrenos, courelas, matos, vinhas_) obrigavam-se a dizer missas eternas por alma dos testamentários; formalmente, quem herdava os bens eram as Almas dos falecidos, ficando as Misericórdias como uma espécie de fiéis depositários, ou administradores, recebendo os rendimentos das doações e aplicando-os na “salvação das almas”. Com o decorrer do tempo os rendimentos foram-se revelando insuficientes para os compromissos assumidos. Por outro lado, embora “salvando se as almas”, sobravam cada vez menos recursos para as outras obras de caridade, como alimentar os famintos, ou curar os doentes indigentes. Ora, a crescente influência das ideias iluministas, tornava difícil aceitar que estas instituições de caridade se ocupassem sobretudo com a celebração de missas – várias por dia – com o objectivo de retirar as almas do Purgatório. Do ponto de vista do Estado e da economia nacional, também havia o problema de que estes bens imóveis eram progressivamente arredados do circuito económico. O futuro Marquês do Pombal publicou alguma legislação procurando limitar o volume das Capelas instituídas, e outros diplomas com esse mesmo objectivo continuaram a ser publicados nas décadas seguintes. Em 1 796, um decreto de D. João VI (ainda como Regente) clamava: Que nem há razão alguma, para que qualquer homem depois de morto, haja que conservar até o dia de Juízo o domínio dos bens, e fazendas, que tinha quando vivo; Que menos a pode haver, para que o sobredito homem pretenda tirar proveito do perpétuo incómodo de todos os seus Sucessores até o fim do Mundo; Que se isto assim se admitisse, não haveria hoje, em toda a Cristandade, um só palmo de terra, que pudesse pertencer à gente viva, a qual da mesma terra se deve alimentar por Direito Divino, estabelecido desde a criação do Mundo. 6
As medidas legislativas para redução destes encargos enfrentavam, no entanto,
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algumas resistências. As Misericórdias em apuros financeiros bem gostariam de diminuir as suas despesas, porém, anular uma obrigação assumida para com um falecido, e ainda por cima através de missas, ou seja, de ofícios sagrados, não era coisa que se fizesse de ânimo leve. Além disso, as despesas com missas, se eram encargos para as Misericórdias, eram também rendimentos para os eclesiásticos que as oficiavam, e que também resistiam à sua anulação. Em 1 800, para facilitar as mudanças desejadas, um novo decreto incorporou todos os bens das Capelas como propriedade da Coroa. As Misericórdias continuaram a dispor dos bens e das respectivas receitas, mas sendo estes, agora, propriedade real, seria talvez mais fácil extinguir ou diminuir o número de missas: a lei passava a autorizar, ou mesmo a obrigar, as Misericórdias a extinguir as Capelas com recursos insignificantes ou insuficientes para os encargos que geravam. Em 1 806 foi publicado um importante diploma, dando instruções precisas às Misericórdias sobre os assuntos a que deveriam prestar especial atenção. Obrigando-as a regularem-se pelo Compromisso da Misericórdia de Lisboa – adaptando os seus próprios Compromissos – detalhando os auxílios que deveriam ser prestados aos doentes, aos expostos (recém-nascidos abandonados), às mães solteiras e aos pobres. Pela importância dos diplomas referidos – particularmente este último, que representa um retrato dos problemas sociais que aborda – transcrevemo-los integralmente nos anexos 3, 4 e 5. Apesar das instruções reais para a redução dos encargos com as Capelas, à cautela, muitas Misericórdias só o faziam com a adicional autorização eclesiástica: foi o que aconteceu com a Misericórdia de Sesimbra, que estava obrigada a 1 .31 3 missas anuais e 9 aniversários – uma média de quase quatro missas por dia! – sem ter rendimentos suficientes, e que, em 1 808, conseguiu a sua redução para apenas 450. 7 O período em que se fez esta reforma na Misericórdia de Sesimbra, foi também marcado por um grave conflito entre a Santa Casa e o Pároco da freguesia de
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Santiago, Sebastião José de Carvalho – a semelhança com o nome do estadista não é casual, pois o futuro padre fora baptizado em Sesimbra, em 1 754, tendo como padrinhos o próprio Sebastião José de Carvalho de Melo e a sua filha, Teresa Violante de Daun. 8 Outra originalidade deste período foi o facto do lugar de Provedor, em vez de ser ocupado por seculares, o ter sido por eclesiásticos: de Julho de 1 804 a Junho de 1 805, pelo referido Pároco, Sebastião José de Carvalho, e, surpreendentemente, entre Julho de 1 805 e Junho de 1 807, por Frei António de Pádua, bispo resignatário do Maranhão. Como veremos adiante, é possível que exista uma forte relação entre estes factos: ascensão de clérigos ao lugar de Provedor, reforma do número de missas decorrentes de legados, e um grave conflito surgido entre a Misericórdia e a Paróquia. No caso de Frei António de Pádua como Provedor, a sua ligação a Sesimbra compreende-se pelo facto de ter sido originário dos frades Arrábidos, e com l igações de amizade com famílias sesimbrenses. Talvez a explicação da sua nomeação resida precisamente na O padre Marcos Vaz Preto necessidade que a Misericórdia tinha de solicitar à autoridade eclesiástica a redução do número de missas, o que seria facilitado no caso do Provedor ser uma figura altamente posicionada na hierarquia religiosa. Ou poderia ser, também, para vencer algumas resistências locais. Quando, ao fim de um ano de mandato deste Provedor, se impunha a eleição de
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uma nova Mesa, foi decidido não realizar tal eleição, e manter os mesmos Provedor e Mesários, com a justificação de que a Provedoria dirigida pelo ex-Bispo do Maranhão tinha “principiado o importantíssimo negócio da redução as missas a que era obrigada a mandar dizer a Santa Casa da Misericórdia, cuja obrigação não satisfazia por motivo da esmola ser muito diminuta; como este negócio se não acha concluído, por isso em pleno Consistório se assentou ficar reconduzida até à sua conclusão”. 9
Frei António de Pádua, que faleceu em Setúbal 21 de Janeiro de 1 808, já não assisitu ao despacho do Bispo de Lancedemónia, de 20 de Fevereiro, que reduziu o número de missas à Misericórdia de Sesimbra. Além daquela redução, a Santa Casa foi dispensada de cantar “os Ofícios do Oitavário dos Santos e São Martinho, querendoos só rezados, por não haver Padres que por ténue esmola os queiram cantar”. 1 0
Quanto ao conflito com entre a Misericórdia e a Paróquia, pode ter sido originado, precisamente, pela reforma das missas, já que o Padre Sebastião – e outros clérigos da Paróquia – eram os oficiantes dessas mesmas missas: a redução de despesa para a Misericórdia tinha, como contrapartida, a redução de rendimentos para os oficiantes. Mas a oposição à redução das missas podia ter, iigualmente, origem em resistências de ordem teológica, pois era o cumprimento de votos assumidos para com falecidos que estava em causa. O que é certo é que, assim que obteve a autorização para a redução das missas, a Misericórdia decidiu contratar os seus próprios capelães e “despedir” o Pároco de Santiago da ligação e correspondente tutela que tinha sobre a Misericórdia. Veremos, adiante e com mais pormenor, como se desenrolou esta tripla dinâmica. Há ainda um outro facto que importa referir: foi durante a provedoria do bispo resignatário do Maranhão que assumiu o cargo de Escrivão da Misericórdia de Sesimbra, o Padre Marcos Pinto Soares Vaz Preto, o clérigo sesimbrense que virá a ter um papel de destaque nas lutas dos Liberais – com os quais alinhou – contra os
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Absolutistas. Inicialmente nomeado apenas como Escrivão interino, foi eleito para o cargo em 1 807, para a Mesa de que era Provedor o médico Rafael Mendes do Vale. A ligação do Padre Marcos a Frei António de Pádua era antiga, e encontra-se bem documentada: o futuro bispo da Maranhão era visita regular da casa de família do jovem Marcos, em Sesimbra, tendo celebrado vários dos casamentos de membros desta família, incluindo a do seu irmão, Manuel Ramos Pinto, em 22 de Fevereiro de 1 802. Segundo uma biografia do Padre Marcos publicada logo após a sua morte, “o bispo do Maranhão foi o seu primeiro mestre, encarregouse da sua educação, e levouo para a vida eclesiástica”. 11 Não é, pois, de estranhar, que presidindo aos destinos da Misericórdia de Sesimbra, Frei António de Pádua tenha nomeado o seu protegido para Escrivão, abrindo o caminho para a sua posterior eleição para o mesmo cargo. Recordemos também que, neste mesmo período, no ano de 1 808, apareceu afixado na Igreja de Santiago, de forma anónima, “um injurioso edital”, o qual fora precedido de dois “aforismados pasquins”, cuja letra, embora disfarçada, o Juiz de Fora de Sesimbra atribuia ao Padre Marcos Vaz Preto, considerado como aderente do “partido francês”, ou seja, como simpatizante das ideias iluministas e liberais: De Cezimbra mandára o juiz de fóra ao intendente um injurioso edital, que n'aquella villa appareceu affixado. Este papel tinha sido precedido de dois aphorismados pasquins, cuja letra, posto que disfarçada, o mesmo juiz de fóra attribuia ao padre Marcos Pinto Soares Vaz Preto, que o povo olhava como fortemente addicto ao partido francez, e que mais tarde tão distincto se tornou pelo seu aferro e decisão em favor das doutrinas liberaes. 12
Esta simpatia poderia ser extensível a outros elementos da Mesa da Misericórdia, o que ajudaria a explicar a gravidade dos conflitos entre a Santa Casa e a Paróquia 1 3 – embora não se possa excluir a hipótese de que a suspeita do Juiz
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de Fora acerca do Padre Marcos possa ter sido apenas uma invenção daquele magistrado, dada a queixa que a Misericórdia fizera do referido Juiz. Mas existe ainda uma outra possibilidade: a de se tratar de um núcleo maçónico, dirigido por Frei António de Pádua, e ao qual pertenceriam, não só o Padre Marcos, mas também os outros clérigos. A primeira pessoa a colocar essa hipótese foi Rafael Monteiro, reportando-se a esta época: “Quando a maçonaria se instala na Misericórdia e reforma o seu compromisso (1 805) tendo como Provedor o bispo resignatário do Maranhão, e como capelão o Padre Marcos Pinto Soares.” 1 4 Esta hipótes não é descabida, já que a introdução da maçonaria em Portugal, e nomeadamente do denominado rito Francês, ocorreu em finais do século 1 8, trazido por militares e padres franceses, fugidos à Revolução que grassava no seu país – o que não era obstáculo à sua adesão à Maçonaria, de acordo com ideários que não se conhecem em pormenor. 1 4B Outros factos coerentes com esta hipótese, foram os conflitos, igualmente graves, com o Juiz de Fora: e os quais poderíamos hoje classificar como tendo sido desencadeados, pela Misericórdia, em defesa dos direitos de indivíduos presos: em 1 0 de Outubro de 1 807 a Misericórdia registou nos seus livros um Acórdão do Tribunal da Relação a favor da Santa Casa, contra o Juiz de Fora, João Manuel da Mota Cardoso, “por haver remetido ao Limoeiro um preso cuja remessa o Mordomo dos Presos embargara”. E, em 28 de Junho de 1 808, toma conhecimento do Acórdão da Relação contra o Juiz de Fora, “porque não quis mandar escrever um protesto contra o Escrivão [da Câmara ?] que demorou o livramento do Preso Vicente Ferreira” – curiosamente, é este o último registo do Padre Marcos como Escrivão da Misericórdia de Sesimbra, porque, entretanto, fora colocado na Paróquia do Barreiro. O alinhamento do Padre Marcos a favor da causa liberal é matéria provada. 1 5 Mas também existem testemunhos do alinhamento pelos Liberais de um outro dos discípulos do Provedor António de Pádua, o Padre José Inácio de Sousa Coelho,
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que era Tesoureiro da Mesa em 1 805, tendo ainda desempenhado os cargos de Capelão (1 808), Escriturário (1 81 0), Provedor (1 81 5) e Procurador da Mesa (1 833). Durante o reinado Miguelista, o Padre José Inácio – na altura, Capelão da Misericórdia – foi preso pelo Governador da praça militar de Sesimbra, juntamente com outras pessoas, prisões que aquele militar justificou do seguinte modo: Inteirado de que a Esquadra Francesa pelo meio da força e hostilidades tinha entrado em Lisboa, julguei de meu dever pôrme em circunstâncias de Defesa e ao mesmo tempo (...) segurarme dos inimigos internos. 16
Adiantou ainda o referido militar, o coronel Duarte de Melo da Silva Castro de Almeida, que aqueles presos eram: homens que todos os dias faziam suas reuniões em casa do Administrador do Correio Afonso José Pereira ou em casa do barbeiro Próspero Joaquim da Costa, e de noite até no campo junto à Igreja de S. Sebastião. 17
Estas prisões, efectuadas debaixo de um clima de grande tensão, tiveram uma falha merecedora de referência: por lapso, foi igualmente preso Aquilino Gomes, conhecido adepto de D. Miguel, ao ponto de ter mandado construir uma barca a que pusera o nome de “Realista”. Tanto o Pároco Sebastião José de Carvalho como o Juiz de Fora João Manuel da Mota Cardoso são citados pela Gazeta de Lisboa, em 31 de Janeiro de 1 809, por terem contribuido gratuitamente, cada um com um cavalo, para o esforço de guerra contra os invasores franceses. Não dispomos, para esta época, de outras pistas que indiciem qual o alinhamento ideológico de outros protagonistas dos conflitos ocorridos entre 1 806 e 1 808, mas conhecemos, por factos posteriores, que Sebastião José de Carvalho,
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Lista dos presos, considerados "inimigos internos" pelo Governador da Praça Militar de Sesimbra, em 1831. O Padre José Inácio de Sousa Coelho é o último desta lista.
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adepto de D. Miguel, foi por este agraciado com uma autorização para usar a medalha com a sua Real Esfígie 1 8. Em 1 832, contribuiu pecuniáriamente para a causa absolutista 1 9, e de novo em 1 833 20. E, mesmo em véspera da tomada de Lisboa pelos Liberais, “o Reverendo Prior e Colegiada da Matriz de Santiago” contribuiram com vinte varas de pano de algodão para o exército Miguelista. 21 Portanto, a hipótese de que os conflitos entre a Paróquia de Santiago e a Misericórdia de Sesimbra, ocorridos entre 1 806 e 1 808, tenham como pano de fundo um posicionamento ideológico, ora mais conservador (Paróquia de Santiago), ora mais liberal (Misericórdia), tem a seu favor alguns indícios, embora necessite de investigação mais aprofundada para se apurar da sua consistência. Com esta ideia em vista, vejamos com mais pormenor como se desenrolaram aqueles conflitos.
3 – Reduzem-se as missas e estala um conflito com a Paróquia O conjunto de compromissos que a Misericórdia de Sesimbra tinha com os legados pios, traduzida na obrigação de celebrar anualmente 1 .31 3 missas e mais alguns aniversários, decorria, basicamente, de duas fontes: de doações testamentárias (legados pios) e da obrigação, inerente ao Compromisso da Misericórdia, de as dizer pela alma dos seus Irmãos falecidos: o Anexo 1 detalha esta origem. O processo que conduziu à redução do número de missas obrigatórias deve ter sido iniciado em 1 8 de Abril de 1 806, data em que o Escrivão da Misericórdia
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elabora um primeiro mapa das missas e aniversários a que a Santa Casa estava obrigada, mapa cujo objectivo seria, precisamente, o de ser usado na petição a apresentar à autoridade eclesiástica 22. O processo arrastou-se no Tribunal Eclesiástico: houve uma primeira apreciação em 1 6 de Julho daquele ano. Foram ouvidas testemunhas que confirmaram que “o número dos Reverendos Sacerdotes daquela vila é muito diminuto e que os poucos que há se não querem sujeitar à satisfação destas missas pela tenuidade da sua esmola”.
O próprio Pároco de Santi-
ago corrobora: “as missas são de esmola tão diminuta que não é possível acharem se Reverendos Sacerdotes que as queiram celebrar, e que por isso ficam por cumprir estes encargos”.
E o processo voltou a ser despachado para cima a 1 6 de Agosto 1 806. Tomás de Aquino e Almeida, Escrivão Proprietário do Juízos Apostólico, juntou ao processo um Breve do Papa Pio VI, de 1 779, que autorizava genericamente a redução dos encargos, e despachou o processo em 29 de Outubro. Depois, a 3 de Novembro, foi enviada de Sesimbra uma nova relação das Capelas e encargos, com ligeiras diferenças em relação à primeira. Rodrigo de Vasconcelos, Contador do Juízo Apostólico, informou o processo por duas vezes, a última das quais em 1 8 de Dezembro de 1 807: nesta informação esclarece que, às 1 .261 missas elencadas nos mapas enviados de Sesimbra, haveria que adicionar ainda outras 52 missas, perfazendo um total de 1 .31 3, mais 9 aniversários. Para tanta missa, as receitas que recebiam somavam apenas 1 57.840 réis (uma média de 1 20 réis por missa). Finalmente, o Arcebispo de Lacedemónia despachou o processo, reduzindo as obrigações para 450 missas, em 20 de Fevereiro de 1 808: quase dois anos depois de iniciado. Foi em Dezembro de 1 806 que estalou um grave conflito com o Pároco de Santiago. Na sequência da morte de Gregório José de Carvalho, Irmão e exProvedor, a Mesa informou um dos padres da Paróquia de Santiago – José Monteiro – que queria ” no dia 14 do presente mês [Dezembro de 1 806] fazer um Ofício de defuntos de nove lições entoado com Missa Cantada de um só Padre com
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absolvição cantada pela alma do dito nosso Irmão”.
Este género de solicitação devia ser habitual, já que competia à Paróquia de Santiago a realização destas missas. No entanto, não tendo obtido resposta, contactaram o Pároco, que lhes respondeu que faria ele mesmo esse serviço, mas teriam de lhe pagar mais do que era uso. Pela troca de correspondência posterior entre as duas entidades, ficamos a saber que o Pároco, alegadamente, se melindrara com duas coisas: com o facto de terem contactado directamente um padre da sua Paróquia, e não a ele, e também que porque “Há pouco alguns Membros que se acham nessa respeitável Corporação fizeram o mesmo pedindo à Irmandade do Santíssimo muito mais do que era costume”
– ou seja, tinham pedido mais dinheiro do que era costume, sendo ele, Pároco, também, o chefe daquela Irmandade. Estes foram os argumentos alegados pelo padre Sebastião. No entanto, também pode ter sido uma reacção à diminuição de rendimentos decorrente da redução das missas, embora não o pudesse alegar abertamente, já que se tratava de uma decisão da hierarquia religiosa ou, ainda, por outro qualquer desaguizado que desconhecemos. A Mesa da Misericórdia encheu-se “de admiração” porque, tendo o Pároco “até agora cantado quase todo o ofício, e Missa de três padres também cantada; por três mil e trezentos
[réis] para toda a Paróquia, haja agora de pedir mais para si sendo o
ofício todo entoado, quando é certo que o trabalho é muito menos, e sabendo nós por outra parte que os outros Reverendos Padres da sua Paróquia estão para fazer deste modo o dito ofício”,
e comunicam-lhe “que não damos mais; porque o trabalho é menor entoar que cantar”. Nesta troca de correspondência entre a Paróquia e a Misericórdia, vale a pena atentar nos seguintes parágrafos, em que se refere a palavra “intriga”. O Padre, a certo passo, rebate o argumento de não haver memória duma tal alteração de preços: “não sendo motivo não ter alterado até agora porque uma vez háde ser a primeira, conhecendo já há muito a pequena recompensa de semelhante trabalho, nem tão pouco deve servir de admiração porque em toda a parte o oficiante ganha
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mais que os mais Membros, esta é uma verdade bem conhecida aonde não reina a intriga”.
Na resposta, a Misericórdia alega que ela própria: “estava
bem longe de
seguir os revoltosos exemplos da intriga que outras corporações menos atendíveis lhe queriam dar”.
A que “intrigas” e a que “outras corporações” se referem estas frases? Não havendo acordo com o Pároco, a Misericórdia decidiu recorrer para o Tribunal eclesiástico, sobre “o direito que o Pároco de São Tiago se arroga de alterar os usos recebidos e inveterados nesta Vila e de arbitrar ele mesmo os próprios emolumentos”. 23
Em resposta, o Príncipe Regente D. João emitiu, em 7 de Novembro de 1 807, uma Provisão favorável à Misericórdia, determinando que: Para evitar a intriga escandalosa, e para que se não suspendam os sufrágios devidos às Almas do Purgatório, chameis à vossa presença o Prior de Santiago, Sebastião José de Carvalho, e repreendendoo asperamente o notificareis para nada alterar do que se acha estabelecido e igualmente os Membros da Paróquia com a cominação de um mês de cárcere no meu Real Convento de Palmela. 24
O Rei a ameaçar o Pároco de Santiago com a prisão no Convento da Ordem de Santiago, em Palmela, caso insistisse em aumentar o preço das missas, não deve ter contribuído nada para o apaziguamento relações entre este e a Misericórdia – mas esta instituição ainda agravaria mais o conflito, ao prescindir dos serviços do Pároco, o que correspondia, na realidade, a uma libertação da sua tutela.
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4 – A Misericórdia liberta-se da tutela da Paróquia Logo após o registo da Sentença real contra o pároco de Santiago (despachada em 1 0 de Dezembro de 1 807, e registada pela Misericórdia em 1 6 de Janeiro seguinte), a Mesa Redonda, em 26 de Janeiro, decidiu nomear dois Capelães, decisão que recaiu sobre duas pessoas da “casa”: o escrivão Padre Marcos Pinto Soares e o padre Francisco Joaquim de Carvalho. O teor da deliberação não oferece dúvidas quanto ao objectivo da Misericórdia se libertar da tutela da Paróquia: Sendo concedido pela Lei do Reino a todas as Santas Casas da Misericórdia que tiverem Albergarias o serem livres e isentas de toda e qualquer jurisdição eclesiástica e civil, e só serem imediatamente sujeitas ao Soberano e por consequência o poderem nomear e ter seus capelães próprios, que façam as funções sem dependência do Pároco ou outro qualquer Eclesiástico ou Autoridade (...) assentaram todos unanimemente e sem discrepância, que para evitar desordens, altercações e intrigas, e para se utilizarem da especial Graça concedida pelos Senhores Reis de Portugal as Santas Casas, que a Mesa procedesse logo a nomear dois capelães. 25
Atente-se na dupla justificação: por um lado, pretende-se que a Misericórdia fique “livre e isenta de toda e qualquer jurisdição eclesiástica e civil”, mas, além disso, é também “para evitar desordens, altercações e intrigas”. Não resta qualquer dúvida que os problemas a evitar se reportam às relações com a Paróquia de Santiago. Pouco tempo depois, a 21 de Março, foi deliberada a contratação de um terceiro Capelão e, nesta mesma data, foi aprovado um regulamento, com fixação de um Capelão mor e distribuição das 450 missas pelos três. Note-se que a possibilidade desta “alforria” já existia há muito, mas a Misericórdia só decide enveredar por este caminho após a sentença superior contra o padre Sebastião
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José de Carvalho. A Santa Casa enviou um ofício ao Pároco de Santiago: “dandolhe parte, que por que a Santa Casa não quer mais serlhe encomendada, e ser já tempo de aliviálo do seu trabalho, vem a ser, de servir de Capelão da Santa Casa, procederá a nomear dois Capelães Maior e Menor para fazerem as suas funções e Ofícios e isto para se aproveitarem da especial Graça concedida pelas Leis deste Reino às Santas Casas”.
Na prática, fora retirado ao Pároco e à Colegiada de Santiago um importante privilégio.
5 – O conflito resvala para a Irmandade A imagem do Senhor Jesus das Chagas era objecto de uma festividade anual, organizada por um grupo de devotos, que surgem identificados, ora como Confraria (ou Irmandade) do Senhor das Chagas, ora como Festeiros das Chagas, expressões de significado equivalente, ainda que uma Irmandade legalmente organizada e com estatutos aprovados pelo governo, de acordo com as novas leis do regime Liberal, apenas tenha sido instituída em 1 881 , como veremos mais à frente. A referida imagem de Jesus das Chagas encontrava-se usualmente num dos altares laterais da igreja da Misericórdia, do lado da Epístola. Porém, para a realização desta festividade, era levada previamente para a igreja Matriz, por ser de maior dimensão, podendo, assim, acomodar os numerosos devotos, regressando à Misericórdia depois da Festa – para o efeito era apresentado um requerimento à Misericórdia, como “directa senhora” da Imagem. Este ritual de transladação da Imagem, que ainda hoje se pratica, deve ter começado em finais do século 1 8, a fazer fé no requerimento de 1 808:
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como vejam não ter esta Igreja [da
Misericórdia] aquela capacidade
necessária para abranger dentro de si tão grande concurso de povo, que costuma assistir, quase incompatível com o sossego, decoro e respeito com que se deve entrar nos Sagrados Templos: elegeram a Paróquia desta mesma Freguesia como mais ampla para acomodação do Povo e satisfação dos Fiéis que pretendem gozar desta mesma Festividade pela sua fervorosa devoção, como sempre praticaram os seus antecessores há perto de vinte anos com o beneplácito e Licença desta Santa Casa que benignamente sempre lhe concederam.
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Quando os padres que oficiavam as missas, quer na igreja da Misericórdia, quer na Matriz, eram os mesmos, esta deslocação da Imagem e o respectivo culto, não originavam qualquer conflito. Agora, porém, a Paróquia e a Misericórdia têm os seus próprios eclesiásticos, situação envolvida num ambiente de crispação entre as duas instituições religiosas. É, aliás, significativo, que seja esta a primeira vez que um requerimento desta natureza aparece descrito numa acta da Misericórdia, embora um dos livros que inclui actas de reuniões da Mesa registe acórdãos desde 1 801 . Quando a Misericórdia se prepara para responder à “petição” dos Festeiros, surge um primeiro sinal do problema: há três oficiais da Mesa “que se dão por suspeitos”, nomeando-se então outros Irmãos para os substituir, na apreciação da referida petição. E a explicação é simples: aqueles oficiais são os Capelães, e como a Misericórdia pretende impor aos festeiros a condição de que, para as festividades na igreja Matriz, fossem convidados esses mesmos Capelães, eles, que são parte interessada, pedem escusa de participar na decisão: sinal de que há a percepção de que o assunto é polémico e melindroso. Os três Capelães, acumulavam ainda as funções de Escrivão (Padre Marcos Pinto Soares), Tesoureiro (Padre Francisco Joaquim de Carvalho) e Procurador da Irmandade dos Passos (José Inácio de Sousa Coelho). E é o melindre do assunto que justifica que os substitutos sejam,
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nada menos do que três ex-Provedores: José Joaquim Farto de Mendonça, Manuel Preto Nero e Joaquim Carvalho. 27 A autorização para a saída da Imagem sagrada é concedida no dia 11 de Abril: como presentemente se acham estabelecidos legalmente Capelães na Igreja desta Santa [sic] não só para satisfazerem as Capelas dela, mas para oficiarem em tudo o mais concedem a licença pedida sem prejuízo dos emolumentos pertencentes aos ditos Capelães, levando a dita Imagem com toda a decência e veneração devida registandose esta no Livro competente para a todo o tempo constar.
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Portanto: os Festeiros podem levar a Imagem para a Igreja de Santiago, mas deverão ser os Capelães da Misericórdia a realizar os ofícios divinos. Ou seja: a Misericórdia tinha prescindido dos serviços da Paróquia de Santiago, tinha contratado os seus próprios Capelães e, agora, pretendia que fossem estes a ir oficiar à Igreja Matriz_ situação que certamente não seria bem acolhida pela Paróquia. Mas não sabemos como é que o problema foi ultrapassado. No ano seguinte, 1 809, o requerimento dos Festeiros apresenta uma subtil diferença, pedindo: (_) lhes façam mercê e graça de facultarem a dita Licença satisfazendo tudo o que for do estilo com os Reverendos Capelães. 29
E o acórdão reforça: (_) concedem a licença pedida sem prejuízo dos emolumentos pertencentes aos Reverendos Capelães desta Santa Casa. 30
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Recorde-se que este é um período de grande perturbação no país: são os anos das invasões francesas. A primeira, no final de 1 807, foi relativamente pacífica, e resultou na constituição de um governo do ocupante, que durou até Novembro de 1 808. A segunda teve lugar entre Março e Maio de 1 809, mas não extravasou do norte do país. A terceira principiou em Fevereiro de 1 81 0 e foi contida a norte de Lisboa, nas Linhas de Torres Vedras, tendo os franceses retirado do país em Maio de 1 811 . A partir de 1 811 não há registo, nos livros da Misericórdia, de que a Mesa tenha apreciado qualquer requerimentos dos Festeiros das Chagas. Foi apenas em 2 de Julho de 1 81 6 que o assunto voltou a ficar registado nos livros da Santa Casa, quando a Mesa de Definição determinou: (_) que para o futuro se evitarem questões já mais a Mesa que servir dará licença aos Festeiros da Confraria do Sr. Jesus das Chagas para poderem festejarem sem que primeiro mostrem um recibo passado pelo Capelão Mor em como se acha pago e satisfeito de todos os emolumentos pertencentes aos Capelães da Casa e Irmão do Azul na forma do Acórdão de 21 de Março de 1808 e [ilegível] as Mesas que o contrário fizerem serão responsáveis pelos seus bens. 31
Portanto, na festa daquele ano, algo não terá corrido bem: ou os Capelães não terão sido convidados, ou não lhes terão sido pagos os emolumentos a que consideravam ter direito. A partir de agora, decide a Mesa, terão de pagar os emolumentos antes mesmo de levarem a Imagem. Como veremos mais à frente, esta deliberação virá a ser declarada nula pelo Desembargador Procurador da Coroa, em 1 826, na sequência de uma queixa apresentada pelos Festeiros das Chagas. Porém, até lá o que se terá passado? Terá a Misericórdia ignorado a sua própria decisão, como se parece depreender duma expressão utilizada nessa
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queixa (“despacho que nunca se deu”)? Ou terão os Festeiros acatado a decisão, até que finalmente a decidiram contestar? Porém, na mesma reunião de 1 811 , um outro problema foi apreciado por esta Mesa: o novo Juiz da Confraria das Chagas (Rodrigo Ferreira) queixara-se de que o juiz anterior, seguramente o que realizara a festa em Maio desse ano (Benevenuto José Veloso) se recusava a dar-lhe a chave do cofre do azeite (ou seja, o cofre onde os devotos deitavam esmolas em azeite), que existia junto ao altar do Senhor das Chagas. A Mesa, durante a reunião, mandou pedir a chave ao dito Benevenuto, o qual, não só o negou, como ameaçou que, se arrombassem o cofre, “daria uma força da Mesa, o que sendo ouvida uma tão escandalosa resposta mandaram que fosse chamado o Mestre Ferreiro José Duarte”
– e arrombou-se mesmo o cofre!
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6 – Chega a Revolução Liberal e nutre-se um espírito de facção e de discórdia Entretanto, em 1 820, a revolução Liberal chega a Portugal. Deve ter sido uma surpresa para a maioria dos Portugueses, já que não havia nenhum movimento sedicioso que ameaçasse uma tal mudança. Perante a fragilidade do poder – a Corte continuava no Brasil – deu-se um golpe palaciano, que resultou na eleição de umas Cortes Constituintes e na elaboração de uma Constituição. Esta primeira experiência liberal não duraria muito: entretanto surgiram divisões entre os Liberais, o Rei regressou do Brasil e, em 31 de Maio de 1 823, a
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colocou fim à experiência Liberal – mesmo assim, foi um período extraordinário para o país. Foi no primeiro dia em que teve lugar a primeira eleição política no quadro de uma democracia representativa – o dia 1 0 de Dezembro de 1 820 – que o nosso conhecido Padre Marcos, então encarregue da paróquia de Alhos Vedros, entraria para a história do nosso Liberalismo. Estas eleições eram uma novidade absoluta: o governo determinara que, em cada Paróquia, o povo reunido escolhesse os seus eleitores. Estes mais tarde reunir-se-iam para escolher uma segunda vaga de eleitores, e seriam finalmente estes últimos quem escolheria os Oração do Padre Marcos Vaz Preto - 1 820 deputados às Cortes Constituintes. Nesse dia 1 0 de Dezembro, na Igreja onde se reuniram os paroquianos de Alhos Vedros e de Coina, o pároco sesimbrense fez um sermão que viria a ter grande repercussão, principalmente porque o seu conteúdo seria impresso e colocado à venda. Ali encontravam-se os argumentos que justificavam a mudança de regime. Dada a novidade daquela inusitada revolução, o documento atraiu grande atenção: era, na realidade, o início da carreira política do antigo escrivão da Misericórdia de Vilafrancada
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Sesimbra. Depois de passar pelas agruras do exílio (primeiro em Mesão Frio, e depois em Inglaterra), acabaria, após a guerra civil, por ser nomeado Arcebispo de Lacedemónia, e por ter um importante papel na reforma eclesiástica, tendo sido também o primeiro sesimbrense a ser eleito para o parlamento nacional, a Câmara dos Senhores Deputados. Os anos da primeira experiência liberal também agitaram Sesimbra. Em Janeiro de 1 822, as actas da Misericórdia registaram um grave conflito com o Juiz de Fora, Manuel Teixeira Leomil, quando o Provedor (Melchior Moranha) e o Mordomo dos Presos (Pedro de Alcântara Cardoso) receberam daquele uma intimação para alimentarem dois presos na cadeia de Sesimbra, sob pena de prisão – isto na sequência dum requerimento daqueles presos (Silvestre Tavares e o filho), que alegavam não ter recebido qualquer apoio da Santa Casa. A Mesa ficou surpreendida, reputou as alegações como falsas e respondeu que, se não tinha apoiado mais os presos, tinha sido por falta de fundos, mas que o seu Tesoureiro “pediu esmolas por esta povoação” e ainda “que tem constado a esta Mesa que pessoas particulares o têm feito [ajudado os presos], no que fazem esmola a esta Santa Casa”. Em resposta, o Juiz de Fora fez fortes acusações à Misericórdia, alegando que a Santa Casa tinha obrigação de repartir com os presos “o pão da caridade de que V. Mercês não são mais do que meros despenseiros” e que: O Provedor e Mordomo dos Presos têm faltado não poucas vezes ao seu dever para com os infelizes presos; como estes por várias repetidas vezes se me têm queixado, com tal escândalo, que eu e o Público temos contribuído com esmolas, para remediar as culpas e omissão dos Mordomos da Santa Casa; que não só deixam morrer os presos à fome, como eles se queixam, mas nenhum só passo têm dado para o seu livramento”.
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Poucos dias depois, a 1 9 de Janeiro de 1 822, foi publicado um despacho da Corte que alargava o leque de acusações à Misericórdia: “Constando na Real Presença de Sua Majestade, que entre os Mesários da Santa Casa da Misericórdia da Vila de Sesimbra existe, e se nutre um espirito de facção, e de discórdia, com grave prejuízo dos fins de tão piedoso Estabelecimento; e que todos os seus rendimentos se invertem a usos diversos, e que bem assim havendo três Capelães, não há uma Missa para o Povo, não se consentindo que no Cemitério se enterrem os mortos, servindo só de logradouro; e constrangendo o Pároco da Matriz da dita Vila, a enterrálos, depois de se acharem insepultos por muitos dias; o que tudo constitui um objeto digno de pronta providência; Manda El Rei, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino, que o Juiz de Fora da mesma Vila de Sesimbra, inquirindo pessoas fidedignas, e ouvindo sobre os referidos factos, e providências necessárias ao Prior da Igreja matriz, informe sobre tudo circunstanciadamente. Palácio de Queluz em 19 de Janeiro de 1822.”
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Este despacho resultara duma queixa do Pároco de Santiago – ainda Sebastião José de Carvalho – queixa cujo teor, aliás, aparece registado nos livros da Misericórdia: Tenho de representar a Vossa Majestade que tendo sido sempre costume nesta minha Paróquia, sepultaremse por caridade as pessoas pobres na Igreja da Misericórdia desta Vila por não terem meios de pagarem a coval da fábrica da mesma Igreja acontece porém agora que o actual Provedor da dita Misericórdia Melchior Moranha nunca dá sepultura aos mencionados pobres, como aconteceu no dia 23 do presente mês, dizendo que enquanto
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for Provedor não havia de permitir semelhante licença.
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Na reunião da Mesa de 1 de Fevereiro seguinte, regista-se uma intimação do Provedor da Comarca de Setúbal, juntamente com a Provisão emanada pelo Desembargo do Paço, “para que esta Mesa responda a um requerimento que a Sua Majestade fez o Prior da Freguesia de São Tiago, queixandose que o actual Provedor não tem querido enterrar na Igreja desta Santa Casa os Pobres seus fregueses”.
Na reunião os Mesários deliberaram pedir mais dias para preparar a resposta, por considerarem ser muito curto o prazo de 3 dias. 36 É evidente o clima de crispação entre a Misericórdia, por um lado, e o Juiz de Fora e a Paróquia, por outro. A situação, no entanto, parece inverter-se pouco depois, quando a folha oficial publica novo despacho, desta vez contra o Juiz de fora: ElRei D. João, após queixa em nome da Nobreza, Clero e Povo da Vila de Sesimbra, manda suspender o Juiz de Fora, Manoel Teixeira Leomil, assim como o escrivão da Câmara, Xavier Francisco Picão, e mandou conhecer em Juízo plenário das "imoderações, irregularidades e excessos de emolumentos percebidos pelo dito Juiz de Fora".
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Porém, em Janeiro do ano seguinte (1 823), foi: Reintegrado em Sesimbra, como Juiz de Fora o bacharel Manuel Teixeira Leomil, absolvido das inculpações que os seus inimigos lhe fizeram, e por cujo motivo fora suspenso; notificados da decisão o Presidente, Vereadores e Procurador da Câmara da Vila de Sesimbra. 38
E de novo em Abril:
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El Rei manda elogiar o Juiz de fora de Sesimbra, Manuel Teixeira Leomil, bem como os três escrivães: Eliziário Carlos Nunes Pinto, Severo Augusto Galo Brioso, António Farto Lúcio Pimentel; pela prontidão e inteligência com que foi feito o inventário das Casas Religiosas da Comarca de Setúbal.
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Por esta altura a situação política nacional estava prestes a sofrer uma grande alteração: em 31 de Maio ocorreu a Vilafrancada, que põz fim à experiência Liberal. Em 25 de Julho foi emitido o despacho nomeando um novo Juiz de Fora para Sesimbra: Manuel Cirilo da Esperança Freire 40. Finalmente, em 1 4 de Janeiro de 1 824, foi publicada a Carta de Lei que recolocou em vigor as leis antigas, pondo-se assim termo à vigência da Constituição de 1 822. A agitação que abalou Sesimbra durante a primeira experiência liberal parecia ter terminado, mas ainda se encontra um eco em Setembro de 1 823, quando o Tesoureiro, o padre Lino Francisco Baptista Rodrigues, apresentou à Mesa a seguinte exposição, onde repetia as críticas que afirma serem feitas à Misericórdia: Todos sabemos que espíritos não escondendo seus nomes fizeram uma representação e queixa desta Corporação a Sua Majestade, e um dos artigos da mesma foi ter a Misericórdia três Capelães, e não ter uma Missa a hora certa nos dias de preceito. Dizem não só os seculares mas alguns Eclesiásticos que a causa deste escândalo é a avareza dos Capelães, que para não lhe tirarem a preza escolhem para meter nas Mesas pessoas de sua afeição, para os conservarem, ou se metem a si mesmos para afastarem os que suspeitam a momento de desmanchar o triângulo. 41
O Padre Lino propunha a convocasse uma reunião de todos os Irmãos e se reformasse o sistema das Capelas, contratando, se necessário, mais Capelães, e ele mesmo coloca à disposição a Capela de que é responsável,
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pois “a honra é de maior ordem que a riqueza”: 42 Sou o primeiro que desde já requeiro uma Mesa de Definição a que assista se puder ser toda a Irmandade, e à sua vontade organizem um, ou muitos Capelães que digam essas missas, quando lhes determinarem, eu me dou por suspeito em quanto deste objecto se tratar e cedo não só o meu parecer, mas também a minha Capela se nisso está o remédio de tanto mal.
O assunto, no entanto, não parece ter tido qualquer outro desenvolvimento. A partir de 1 823, a Misericórdia passou a ter que lidar com o problema da propriedade de casas que possuia em Lisboa, na calçada de São João Nepomuceno, vinculadas à Capela de Nossa Senhora do Rosário, instituída em 1 696 pelo Capitão José Carvalho 42A, e que estavam em risco de lhe ser retiradas. A pendência deste delicado assunto levou mesmo a que, na eleição de Junho de 1 826, se tenha decidido reconduzir a Mesa cessante, apesar de alguma resistência dos próprios membros. O imbróglio desta Capela permite ainda registar uma insólita iniciativa da Misericórdia: em 2 de Julho de 1 827 deliberou isentar o Placas existentes junto à Capela Desembargador José António de Barbosa e de Nossa Senhora do Rosário. Araújo, do pagamento de um foro que tinha de pagar à Misericórdia, em “atenção aos grandes benefícios que à mesma tem feito sobre conseguirse a Capela de N. S. do Rosário"
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ou seja: uma benesse concedida a um juiz encarregue de decidir uma questão em que a Santa Casa era parte interessada, e que ainda andava em demanda! Finalmente, em 22 de Novembro, a Mesa pôde comunicar ao respectivo Capelão, o Padre Francisco Joaquim de Carvalho, que “Sua Majestade foi servido fazer mercê a esta Santa Casa da Misericórdia dos bens da Capela de N. S. do Rosário” 44 E, em 1 2 de Outubro desse mesmo ano, a Gazeta de Lisboa publicou o anúncio de que: No dia 24 do corrente em casa do Desembargador Juiz das Capelas da Coroa na travessa das Mercês N. 6 a 9, se põe novamente em lanços à hora do meio dia o aforamento de uma propriedade de casas da Misericórdia de Sesimbra na calçada de S. João Nepomuceno, N. 17 a 20.
Os referidos “lanços” acabaram por não se realizar, por impedimento do Desembargador, sendo marcados novos “lanços” para o dia 22 de Novembro. 45 Não só as referidas casas continuaram vinculadas à instituição sesimbrense, como, na década de 1 870, ainda se discutia qual o destino a dar-lhes.
7 – Novo conflito com a Irmandade das Chagas Entretanto os Festeiros das Chagas foram apresentando o requerimento anual para a trasladação da Imagem, a que a Mesa respondia, anuindo, mas condicionalmente: “levando e trazendo a Imagem com a devida decência sem prejuízo dos emolumentos dos Reverendos Capelães.“ 46 No entanto, em 1 826, a deliberação da Mesa apresentou uma significativa nuance:
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Concedemos a licença pedida pagando primeiro o tesoureiro da Festa os emolumentos dos Reverendos Capelães e Irmão do Azul conforme os Acórdãos e Termos de Definições. 47
Ou seja, a Mesa retomava os termos da deliberação de 1 81 6, segundo a qual os Festeiros só poderiam levar a Imagem desde que pagassem antecipadamente os emolumentos. Desta vez os Festeiros decidiram recorrer para as instâncias superiores e, em 26 de Maio, o Juiz de Fora notificou a mesa sobre uma Provisão, emitida pelo Governo na sequência da queixa dos Festeiros, para que se apresentasse explicações sobre a referida queixa, cujo teor era o seguinte: Dizem os Festeiros do Senhor Jesus das Chagas da Vila de Cezimbra, que sendo costume festejarse anualmente esta Imagem no dia três de Maio e como a mesma Imagem se acha colocada na Igreja da Misericórdia da dita Vila, e em razão desta Igreja ser pequena, é costume há muitos anos ser levada a Imagem para a Paróquia para ali ser festejada com o maior culto, e melhor comodidade do Povo, pela grande devoção que a ela tem: costumam por estas razões os Festeiros, pedir licença à Mesa da mesma Misericórdia por escritura, esta lha deu, com condição de serem primeiro embolsados os Capelães, despacho que nunca se deu: Os Suplicantes, vendo que se deixavam de fazer a festa seria causa de grande desgosto, e motivos de desordens por isso originadas, recorreram ao Magistrado para que lhes nomeasse um Depositário a onde ficasse o dinheiro até depois da função, mostrando depois legalmente os mesmos Capelães como, ou por que direito lhes pertence a quantia de dez mil e duzentos reis que tanto levaram o ano passado achandose esta parcela sempre alterada de uns anos para outros, e sempre com aumento. 48
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Portanto: o Festeiros queixavam-se, agora, da decisão que a Misericórdia tomara em 1 81 6 – e a que já fizemos referência – de lhes exigir o pagamento adiantado da remuneração dos seus Capelães, “despacho que nunca se deu” – ou seja, que nunca fora cumprido. A questão aparentava ser mais de brio do que de outra natureza, pois os Festeiros até se prontificavam a adiantar o dinheiro, desde que este ficasse nas mãos de um “Depositário”. Mas o requerimento revela ainda uma outra coisa: que já em “tempos remotos” as autoridades tinham decidido destituir a Mesa da Misericórdia, por esta se recusar a dar a licença para a trasladação da Imagem: Já em tempos remotos por haver dúvida em se dar esta licença, os Festeiros recorreram a Sua Majestade, que foi servido expedir um Aviso ao Provedor da Comarca, para que passasse à Vila de Cezimbra com o seu Escrivão, e lançasse fora toda a Mesa que então servia, e fizesse nova Mesa, presidindo ele Provedor, cujo Aviso se acha registado no Cartório da mesma Misericórdia. 49
Não se encontra nos livros de registo de acórdãos e termos, outro vestígio desta dissolução, mas não seria o único caso em que factos relevantes para a vida da Santa Casa ficam de fora dos seus registos oficiais. A tramitação desta queixa também revela um facto significativo: que o Juiz da Irmandade das Chagas era o próprio padre responsável pela Paróquia. Assim, a perplexidade exarada no próprio despacho da Coroa – de que não fazia sentido duvidar de que os Festeiros pagariam os emolumentos, pois que o seu Juiz era o próprio Pároco – explica-se por isso mesmo: estando subjacente um conflito entre a Misericórdia e a Paróquia, sendo o chefe da Paróquia o próprio Juiz da Festa, razão tinha a Misericórdia para desconfiar. E, como se verá, a dúvida não era propriamente sobre se o pagamento seria honrado, mas sim sobre quais os serviços
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que a Confraria contrataria aos Capelães. Como os pormenores desta questão são ocultados na ardilosa argumentação dos documentos que cada uma das partes elabora, a Coroa não dispunha de informação suficiente para a dirimir cabalmente. E, por isso, mesmo depois de recebida a Provisão da Sereníssima Senhora Regente Dona Isabel Maria, as partes continuarão a fazer subir argumentos ao Desembargo do Paço. A Provisão Real – que é integralmente reproduzida no anexo 6, determina: Hei por bem declarar nulo, e de nenhum vigor o Acórdão da mesa da dita Misericórdia de dois de Julho de mil oitocentos e dezasseis, que manda pagar aos Capelães, antes da Imagem sair; pois além de não constar que ele tivesse observância em tempo algum, e dirigido a impor aos Festeiros um ónus, ou encargo que não tem fundamento algum, e determinar VER que a mesma mesa da Misericórdia não pode nem deve por pretexto algum embaraçar, ou negar a licença, para que a Sagrada Imagem do Senhor Jesus das Chagas seja trasladada da sua Igreja para a Matriz da Vila, a fim de ser aí anualmente festejada no dia três de Maio, na forma do antigo costume, e que os festeiros suplicantes, e os mais que se lhes seguirem devem convidar para a Festa os Capelães da Casa da Misericórdia, pagandolhes depois os emolumentos devidos, da mesma forma que pagarem aos outros Eclesiásticos que forem, ou devam ser empregados nessa Festa. 50
Foi uma decisão salomónica: a Misericórdia devia autorizar a deslocação da imagem, os Festeiros deviam convidar os Capelães e pagar-lhe o que fosse devido, mas não antes de realizados os ofícios. Chega o ano de 1 827, e novo requerimento dos Festeiros das Chagas, que recebeu o seguinte acórdão da Mesa:
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Concedemos a licença pedida levando, e trazendo a Sagrada Imagem com a devida decência, e convidando os Reverendos Capelães e Irmão do Azul para a Novena e Festa segundo as novíssimas ordens de Sua Majestade e que constam da Certidão de 13 de Novembro de 1826 a qual se acha no Arquivo desta Santa Casa. 51
Mas o problema de fundo mantém-se: a Imagem vai da Misericórdia para a Paróquia, os Festeiros são obrigados a contratar os serviços dos Capelães da Misericórdia mas, para resolver a melindrosa questão de estar a imagem numa Igreja, com os ofícios religiosos a ser realizados pelos clérigos da outra instituição, a Irmandade encontrou uma solução intermédia: contrata os Capelães da Misericórdia para alguns desses serviços, e os padres da Paróquia de Santiago para outros. Porém, desta vez, são estes últimos que apelam para a Corte, com uma argumentação que vale a pena ler (a versão integral encontra-se no anexo 6). O ponto central da queixa dos Capelães é o de que “sendo festejada uma Imagem própria da Misericórdia fossem admitidos para a festividade, os Eclesiásticos de fora, e preteridos os da Casa”: Entendem os Suplicantes, entendem certamente todos (menos os suplicados festeiros) por Festa àquela Imagem, tudo o que se pratica desde a sua transladação para a Igreja Paroquial, até que é outra vez restituída à Igreja da Misericórdia, em cujo espaço de tempo a festejam com Novena, Matinas na véspera, Missa Solene no dia 3 de Maio, Vésperas e completas de tarde, Procissão. Porém aqueles festeiros interpretaram a palavra Festa = a Missa tão somente = convidando para ela os Suplicantes excluindoos de tudo o mais no que os prejudicaram em seus emolumentos, pela Novena aos Capelães em 3.600 réis, e ao Sacristão em 2.280 réis, por toda a Festividade.
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Portanto, os Capelães, querem participar em todos os ofícios da Festa das Chagas, e não apenas numa parte, já que a imagem era " própria" da Misericórdia. O Tribunal pede aos Festeiros que apresentem os seus argumentos, o que estes fazem, interpretando habilmente a Provisão Real, a qual, segundo eles, apenas determina que: havendo de convidar Eclesiásticos de fora para a Festividade, sejam os Reverendos Suplicantes em primeiro Lugar; não Manda Sua Majestade positivamente convidar os Reverendos Capelães; e bem se deixa ver que só tem direito a exigir o salário correspondente ao trabalho que tiverem na mesma Festividade, e não como Direito de Propriedade, que nunca tem lugar nem pode ter por tÍitulo algum, o qual falsamente pretendem, e já se vê que se tivessem este direito, Sua Majestade lho faria conservar conservandolhes os Acórdãos e com eles a pretendida posse e Direito. 53
É interessante a argumentação sobre o “direito de propriedade”. Segundo os Festeiros: “A imagem do Senhor Jesus das Chagas é desta Povoação, e a Misericórdia não é mais que uma mera Administradora”. Ou seja: em rigor, não têm direito a nada, deviam até considerar-se satisfeitos: “pois do que venceram no dia da Festividade já estão pagos na forma determinada na Régia Provisão”. E avançam mesmo para fora do âmbito do culto das Chagas, alegando com uma divisão existente na própria Santa Casa a propósito de uma outra devoção: Os Reverendos Capelães fazem uma força extraordinária para receberem emolumentos que lhes não pertencem, e que nenhum trabalho lhes custou, pelo entanto sejanos lícito dizer que muitos fogem da Justiça, e a propósito fazem lembrar o que acabam de praticar com o Capelão da Senhora do Rosário da Misericórdia que tendo trabalhado e cumprido com as suas
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obrigações se opunham os Reverendos Suplicantes com toda a força ao pagamento; pelo contrário os seculares da mesma Mesa querem se pague porque é de Justiça. Eis aqui uma boa Moral para nós aprendermos e eis quanto basta para se conhecer. 54
O despacho final sobre esta contenda acabará por ser desfavorável à Confraria das Chagas, pois determina: que a Festividade se entende desde que a Imagem sai da sua Capela na Misericórdia, até que se recolhe, e que durante ela os Suplicantes devem ser convidados tantas vezes, quantas o culto Divino exigir que se convidem Eclesiásticos; e não o dia da última Festa como os Suplicados dizem em sua resposta, alheia da verdade, e contrária ao Espírito da Provisão que em tudo quis manter o uso e costume longamente praticado o que assim se cumprirá nas futuras Festividades. 55
No ano seguinte, em resposta a um novo requerimento dos Festeiros para trasladar a Imagem, surge uma nova variante no acórdão da Misericórdia: Concedemos a licença pedida, levando, e trazendo a Sagrada Imagem com a decência devida, e convidando os Reverendos Capelães para a Novena, e Festa a fim de observar a Régia Provisão de 23 Setembro 1826, e Despacho do Desembargador Provedor da Comarca de 25 Agosto 1827. 56
É esta a fórmula que se repetirá nos anos seguintes, especificando-se que se trata da “Novena e Festa”, e englobando tanto os Capelães como o Sacristão. Curiosamente, o livro onde são registados os acórdãos da Mesa, termina no ano de 1 833, apesar de conter ainda numerosas folhas em branco. O último registo é de
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21 de Abril daquele ano, e é precisamente sobre o requerimento dos Festeiros das Chagas. Qual a razão para a abertura de um novo livro, quando este ainda podia servir? Tal facto poderia estar relacionado com o novo abalo político que se verificou no país: os Liberais entraram em Lisboa no dia 24 de Julho, passando esta região a estar sobre o seu domínio. As tropas fiéis de D. Miguel já não voltarão a ocupar nenhuma cidade importante, e em Évora-Monte, em 26 de Maio de 1 834, será assinada a Convenção que põe fim à guerra civil. Mas a explicação mais provável é outra: um outro livro de registo, onde se escrevem os actos eleitorais, bem como admissão de novos Irmãos e deliberações relativas a foros, também termina no início de Julho, mas, nesse caso, porque foi escrito até à sua última folha. Sendo necessário iniciar outro livro de registo, pode ter havido a decisão de concentrar todas as deliberações e registos de documentação relevantes, num único livro, decisão mais lógica e racional.
8 – Instala-se o regime Liberal A vitória dos Liberais viria a ter importantes consequências sobre a vida da vila piscatória de Sesimbra, particularmente devido à publicação, em Julho de 1 833, do Decreto que tornava livre e isentava a pesca de quaisquer impostos ou alcavalas. Tratava-se da republicação de um decreto que já datava de 1 830, quando os Liberais ainda se encontravam isolados na cidade de Angra. A comunidade sesimbrense reagiu rapidamente à nova situação: aprovando um Auto de Aclamação a D. Maria II, pela Câmara de Sesimbra 57, e enviando uma “deputação” da Corporação Marítima da Casa do Espírito Santo da Vila de
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Sesimbra, que foi recebida por “Sua Majestade Imperial”, D. Pedro, no dia 1 2 de Agosto de 1 833. Essa delegação era constituída por: Joaquim Marcos Pinto, Joaquim Gomes Pólvora, Manuel Ramos [Pinto], Joaquim José Serra, e Manuel Diogo de Carvalho 58. Nessa altura entregaram um documento, que viria a ser divulgado pela folha oficial no dia 1 5: nele se dá conta das felicitações: Pelas assinaladas Vitórias, com que o Céu tem, por terra e por mar, coroado os heróicos esforços de V.M.I. a favor do Trono da Rainha, e das Liberdades da Nação Portuguesa. A Corporação Marítima beija com respeito e acatamento a Sagrada Mão de V.M.I. porque se dignou isentar de todos os tributos, e gabelas as Pescarias de Portugal, e com esta Sábia e Providente Medida V.M.I. deu a vida a duzentas mil Famílias da nossa profissão, que nos diversos Portos do Reino sofriam os horrores da fome e da miséria debaixo das velhas, e ruinosas instituições, as quais, boas há cinco séculos, faziam hoje a desgraça deste importante Ramo da prosperidade pública, e dos humildes e pacíficos Cidadãos. Dignese V.M.I. completar esta grande obra, promovendo os Estabelecimentos de Seca e Salga, que tornarão desnecessário o pescado estrangeiro. Os Pescadores de Sesimbra são súbditos fieis da Rainha, amam e respeitam a V.M.I. como Libertador do Trono, e da Nação, e como Pai da Pátria, e nunca deixarão de dar a V.M.I. provas da sua fidelidade, e gratidão. 59
Curiosamente – e talvez não por acaso – este pequeno texto reproduz um dos argumentos usado pelo Padre Marcos no seu sermão de 1 820: o antigo regime foi bom para épocas passadas, mas agora fazia a desgraça do Reino. Na delegação que foi recebida por D. Pedro, estavam dois sesimbrenses que já tinham desempenhado funções na Misericórdia: Joaquim Marcos Pinto (eleito tesoureiro em 1 81 2, e escrivão em 1 81 6) e Joaquim Gomes Pólvora (escrivão em
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1 831 , e que virá a ser eleito provedor em 1 839 e 1 843). Outra das consequências da nova situação política foi a saída dos Capelães: na reunião de 20 de Julho de 1 835, a Mesa ponderou novas contratações: tendose ausentado os Capelães desta Santa Casa por empregos que aceitaram em diversas repartições dos quais se fizeram dignos no actual Governo que felizmente nos Rege, e vendo a Mesa actual que se fazia mui necessário à honra e decoro desta Santa Casa a nomeação de um novo Capelão ou mais se as circunstâncias da Mesa o permitir. 60
De facto, essa contratação terá lugar em Agosto desse ano, sendo admitido para essas funções o Beneficiado Francisco Joaquim de Carvalho, que já desempenhara as funções de Provedor, em 1 81 7. Neste ano de 1 835, a Misericórdia regista dois contactos do Padre Marcos Pinto Soares Vaz Preto, antigo Escrivão e agora nomeado Arcebispo de Lacedemónia: em Outubro a Mesa apreciou um requerimento do Padre Marcos, pedindo esclarecimentos de “certas dúvidas, sobre os requerimentos de D. Isabel Margarida de Mendonça e de Gonçalo Caetano de Mendonça”, relativas a foros” 61 . E, no mês seguinte, a Mesa de Definição deliberou sobre as casas que possui em Lisboa, na rua S. João Nepomuceno, cujos inquilinos “devem ou vão ser despedidos (_) obrigandose S. Ex.ª o Arcebispo Eleito de Lacedemónia, D. Marcos Pinto Soares Vaz Preto, ao prejuízo que a Santa Casa tiver todo o tempo que estiverem despejados” 62 .
É provável que o Padre Marcos, apesar das altas funções em que estava investido, continuasse a interessar-se pela vida da Misericórdia de Sesimbra, e não seria de estranhar que o chamamento dos Capelões para funções em “repartições do actual Governo”, referida atrás, tivesse tido a sua intervenção. Entretanto, e quanto aos Festeiros das Chagas, durante vários anos deixam de ser registados os respectivos requerimentos para trasladação da Imagem – a não
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ser que o tenham sido em algum livro desaparecido. Só em 1 847 é que voltaria a ser registada uma acta para deliberar sobre um desses requerimentos, o qual obteve o seguinte despacho: Concedemos a licença pedida pagando a propina do costume ao Sacristão desta Santa Casa ficando por ora sem efeito a do Capelão visto que o não há. 63
Surpreendente revelação: se não há Capelão, quem é que celebra os ofícios divinos? Em Julho seguinte deu-se um novo sobressalto na vida da Misericórdia: a sua Mesa foi dissolvida, sendo nomeada uma Comissão Administrativa, por ordem do Governador Civil de Lisboa, o Marquês de Fronteira e Alorna 64. Esta Comissão, constituída por quatro pessoas, distribuiu entre si os seguintes cargos: Presidente: Padre Joaquim Pedro Cardoso Tesoureiro: Rafael Franco Secretário: João Rodrigues Curto 65 Procurador da Mesa: António Maria de Goes 66 Não são explicadas as razões para a dissolução: o Alvará alega apenas “os justos motivos que me foram presentes”. Mas poderia haver motivações políticas: no início do ano fora derrotada a “patuleia”, e vivia-se então o período da “segunda ascensão de Costa Cabral” 67, de quem o Padre Marcos era apoiante – além de ser amigo pessoal do Marquês de Fronteira e Alorna, braço direito de Costa Cabral. Mas outra causa possível da dissolução pode ter sido simplesmente a inacção da Santa Casa, traduzida pelo facto de nem sequer ter Capelão. E, na realidade, uma das primeiras medidas da Comissão Administrativa foi a contratação do Padre António Borges Caldeira para essas funções 68 – porém, não por muito tempo, pois em Abril de 1 849 foi despedido, sendo o lugar ocupado pelo Padre Joaquim Pedro
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Cardoso. 69 Ao contrário do que seria de esperar, esta situação extraordinária de governo da Misericórdia por uma Comissão Administrativa manteve-se por vários anos: até 1 857! A única alteração ocorreu em Setembro de 1 851 , quando foi nomeada uma nova Comissão Administrativa, embora mantendo-se António Maria de Góis como Presidente. 70 Pode ter sido uma simples medida de refrescamento da Comissão, mas também ocorreu num período de grande volatilidade política: o marechal Saldanha tinha acabado de subir ao poder, com o afastamento definitivo de Costa Cabral. Para além de António Maria de Góis, a nova Comissão ficou constituída por: Padre António Borges Caldeira (como escrivão), Manuel Joaquim de Figueiredo (tesoureiro) e José António Pereira (vogal). 71 Um dos problemas deixados por esta Comissão Administrativa, é que o seu tesoureiro virá a ser acusado do alcance da “quantia de 282$845 réis proveniente de diferentes quantias que recebeu e de que não deu contas”. A nova Mesa, eleita em Março de 1 857, queixava-se de estar “sem real para acorrer às despesas que tem a fazer, e sem saber de que maneira às mesmas possa acudir, pois a maior parte dos foros ainda não estão vencidos” 72 .
A situação do referido alcance só viria a ser regularizada em Abril de 1 860, quando a Mesa chegou a acordo como o extesoureiro, Manuel Joaquim de Figueiredo, para pagamento da dívida em prestações. É a propósito deste imbróglio que entra em cena um nome que virá a ter grande influência na vida da Misericórdia: Manuel Caldeira da Costa. É ele, na qualidade de Administrador do Concelho, quem envia o requerimento em que o ex-tesoureiro solicita um acordo de pagamento. Na reunião da Mesa em que o assunto foi apreciado, esta tomou conhecimento de que “os poucos rendimentos dos bens” do mesmo já se encontravam penhorados a_ Manuel Caldeira da Costa 73. E, na reunião do dia seguinte, foi a vez da Mesa apreciar um pedido de admissão, como
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Irmão da Misericórdia, do mesmo Manuel Caldeira da Costa por unanimidade.
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– pedido aprovado
9 – Entra em cena Manuel Caldeira da Costa Manuel Caldeira da Costa era natural de Secarias, Arganil. Em 1 837 casou em Sesimbra com Maria Francisca (ou Ana Maria Francisca), da freguesia do Castelo, e já então viúva. Nos anos seguintes, os livros dos Tabeliães registam diversas actividades, quer como “negociante” (em 1 838), quer de compra de propriedades, quer de empréstimo de dinheiro a juros – actividades que andavam associadas, já que os empréstimos eram quase sempre garantidos com hipotecas sobre casas ou terrenos. Numa escritura de 1 851 já aparece identificado como “proprietário”. A primeira actividade política que lhe é conhecida foi a de participar num abaixoassinado contra a “lei das rolhas”, uma lei de imprensa do governo de Costa Cabral. O abaixo assinado foi publicado no jornal A Revolução de Setembro em 1 850 (reproduzido ao lado), e nele, juntamente com Caldeira da Costa, alinham-se outros sesimbrenses, tais como Francisco Pinto de Leão, Julião José de Oliveira, Bernardino José da Silva, Manuel Esteves Frade, Joaquim Gomes Loureiro, Francisco Pedro Cardoso, dos quais já aqui falámos, ou falaremos a seguir. 75 No ano seguinte, o jornal Regeneração informava que Manuel Caldeira da Costa fora eleito em Sesimbra, juntamente com António Maria de Gois, Fernando Eugénio da Silva e José Alexandre Neiva da Cunha 76. Foram as primeiras eleições do período da Regeneração, realizadas ainda segundo um modelo de votação delegada: numa primeira fase – aquela a que se refere a notícia –, foram
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seleccionados eleitores em cada paróquia, os quais depois elegeriam os deputados 77 . Entre os quatro eleitos por Sesimbra, além de Manuel Caldeira da Costa, estava António Maria de Góis, médico local. Estes eleitos alinhavam pelo movimento conduzido pelo general Saldanha – que ganhará as eleições – contra o Cabralismo. Pelo círculo de Setúbal – onde se integrava Sesimbra – acabaram eleitos como deputados: António Rodrigues Sampaio, o Conde de Vila Real e Fontes Pereira de Melo. No ano de 1 859, já Manuel Caldeira da Costa desempenhava as importantes funções de Administrador do Concelho de Sesimbra 78, e foi nessa qualidade que elaborou uma informação sobre a cultura do arroz (Anexo 1 2). Em 1 864, participou Abaixo-assinado de Sesimbra contra como accionista na constituição de uma a " lei das rolhas", em 1 850 “sociedade colectiva de pescarias na costa desta Vila”, destinada a explorar o sistema de pesca com “ armações”. Os outros sócios eram: Francisco da Cruz, Manuel Fernandes, António Gomes Pólvora, Manuel Pinto Soares, Manuel Esteves Frade, Julião José de Oliveira, Joaquim Lopes Pinto, Inácio Franco e José Carvalho Louro 79. Todos os accionistas daquela sociedade são identificados como “marítimos”, com excepção de Manuel Caldeira da Costa, identificado como “proprietário”. Esta informação é significativa, pois representa uma novidade: a entrada de investidores
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capitalistas estranhos à tradição marítima. Mas, na realidade, encontravam-se neste grupo outros investidores capitalistas e oriundos de fora do concelho, que aqui são identificados como “marítimos” apenas porque já se encontravam associados a estes investimentos na pesca: são os casos de Manuel Esteves Frade (do Barreiro) e de Manuel Fernandes (de Tavira). Esta realidade ir-se-á acentuar nos anos seguintes, com a introdução das armações pelo sistema “valenciano” e aumento do seu número nas costas a nascente e poente da vila de Sesimbra e a inserção, na vida política local, dos capitalistas que nelas investiram, como serão os casos das famílias Loureiro (Joaquim Gomes de Loureiro e seu filho Alípio Loureiro), Baptista Gouveia, Rumina (José Joaquim de Santo António Guerra e seu filho José Joaquim da Luz Rumina), Frade (Manuel Esteves Frade e seu filho José Pedro Frade) e Fernandes (Manuel Fernandes da Cruz e seu filho Francisco da Cruz Fernandes). Mas, entre todos, terá um papel dominante, em termos de riqueza e influência política, Manuel Caldeira da Costa, a cuja família se associarão, pelo casamento com suas filhas ou netas: Francisco da Cruz Fernandes, João Baptista de Gouveia, João Inácio de Oliveira e José Joaquim da Luz Rumina 80: nomes que surgirão agora com algum destaque no percurso que levará Manuel Caldeira da Costa, através do seu clã familiar e da seita dos “coques”, a dominar as diversas instituições sesimbrenses, incluindo aquela que mais forte oposição lhe fez, a Corporação Marítima. A chefia do clã Caldeira da Costa passará de Manuel Caldeira da Costa para o seu filho, Carlos Caldeira da Costa, e será ele a dar continuidade à missão de domínio de Sesimbra, culminada com a “conquista” (e destruição) da Corporação Marítima, em 1 897. Veremos essa “epopeia” no Capítulo 25.
1 0 – A Terra treme
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Em 11 de Novembro de 1 858, a região de Setúbal sofreu um terramoto de grande amplitude, que produziu importantes danos na igreja da Misericórdia de Sesimbra 81 . Confrontada com a necessidade de realizar obras, uma das primeiras medidas da Mesa foi a de adiar o “pagamento da quantia de 44$400 réis que a mesma Mesa deve anualmente pagar de legados não cumpridos e isto pelo espaço de quatro anos” 82 .
Uma avaliação dos estragos concluiu que “eram precisos os telhados de todo o edifício novo; o arco cruzeiro, apeado e feito de novo, o arco do Altar mor também apeado, e no interior de todo o prédio diferentes consertos“. Para tal seria necessário adquirir 60 moios de cal, 500 tijolos, 2 mil telhas, 200 carradas de areia, 5 mil pregos de meio telhado, 500 pregos de 5 réis, 40 dúzias de ripas, 96 barrotes de choupo, 36 tábuas de 1 2 palmos, para além de 200 jornais de pedreiro 83, 200 de servente, 50 de carpinteiro. Dado o elevada valor das obras, foi decidido pedir autorização para a contracção de um empréstimo 450 mil réis 84. Embora autorizada a contrair o empréstimo, a Santa Casa teve dificuldade em conseguir quem emprestasse a quantia. Só em Agosto do ano seguinte é que foi possível obter algum dinheiro, apenas 250 mil réis, avançados por Francisco Maria Albino, de Setúbal, ao juro de 6% ao ano – mas com a condição adicional de os Mesários se declararem responsáveis pela dívida, com os seus próprios bens 85. Neste período, os registos relacionados com a Festa das Chagas são escassos: nem sempre surgem nas actas as autorizações dadas para a deslocação da Imagem, o que não significa que não tenham existido. Um dos poucos registos existente reporta-se ao ano de 1 860, e apresenta a novidade de exigir que sejam os próprios Irmãos da Misericórdia a conduzir a imagem: concedem a licença pedida, atentas as razões em que se fundam no mesmo requerimento, com a condição porém de ser a dita Imagem, conduzida e reconduzida pelos Irmãos da Misericórdia, e ficando os festeiros
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responsáveis por todo e qualquer prejuízo que a mesma Imagem possa ter, e nos adornos, e satisfazendo os emolumentos, ao Capelão e Irmão do Azul na forma que já se acha ordenada. 86
A Mesa na procissão de 201 0: ainda hoje segue imediatamente depois da Imagem do Senhor das Chagas, vincando o privilégio da Santa Casa.
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11 – Fecham a igreja ao Senhor dos Passos No ano de 1 860 assistiu-se a um novo e grave conflito entre a Misericórdia e a Paróquia, agora não por causa da Imagem do Senhor das Chagas, mas sim da Imagem do Senhor dos Passos. Ambas estas imagens se encontravam em capelas da Igreja da Misericórdia, e por sinal, frente a frente: o Senhor das Chagas do lado Epístola, o Senhor dos Passos do lado do Evangelho. O Senhor das Chagas era venerado essencialmente pelos marítimos, através da sua própria Irmandade. O Senhor dos Passos também teve a sua Irmandade, mas, ao longo do século 1 9, o seu culto deve ter variado em intensidade, duma época para a outra. No entanto, era um culto muito associado à própria instituição da Misericórdia, a qual, no início do século 1 9, se designava a si própria como Irmandade da Misericórdia e Passos – e o Provedor da Misericórdia era, automaticamente, o Juiz da Confraria dos Passos. Ora, em 1 864, a Misericórdia pretendeu fazer, com o Senhor dos Passos, uma festividade equivalente à do Senhor das Chagas, mas aconteceu que, ao dirigir-se em procissão para a Igreja Matriz, o Pároco de Santiago mandou fechar as portas da Igreja. O assunto foi discutido pela Mesericórdia na sua reunião de 20 de Março, em Mesa Redonda, “convocada para se tratarem objectos graves”, ou seja, “para deliberar o que esta Mesa lhe cumpre fazer à vista do escandaloso procedimento que teve lugar no dia 12 do corrente praticado pelo Reverendo Prior desta Freguesia por ter mandado fechar a porta da Igreja Matriz na ocasião em desta Irmandade conduzir em Procissão a Sagrada Imagem do Sr. Jesus dos Passos para ser ali depositada na conformidade da licença concedida pelo Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca” 87.
A mesa tinha obtido igualmente licença do Patriarcado para “depositar na Igreja Matriz a nossa Sagrada Imagem do Sr. Jesus dos Passos": Cuja licença foi entregue ao Reverendo Prior no dia 11 pelas nove horas da
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manhã, pelo Irmão do Azul desta Real Casa, assim como esta Mesa já havia dias antes oficiado ao Reverendo Prior para dar as suas Ordens a fim de que estes actos fossem celebrados com a maior decência e dignidade como se vê do registo do mesmo oficio lançado no livro competente a fls. 11, a cujo Ofício o mesmo Prior se não dignou responder_ Mas que tendo sucedido o que foi presenciado por toda esta Irmandade, e por mais de 300 pessoas que acompanhavam a Procissão, e as que se achavam na Igreja Matriz esperando a Sagrada Imagem; em vista pois deste desacato feito à mesma Imagem, e ser ao mesmo tempo desfeiteada esta Irmandade. 88
Em jeito de retaliação, propunha o Provedor que: se não fizessem as Procissões de Quinta e Sexta feira Santa, bem como se não desse licença aos festeiros do Sr. Jesus da Chagas para levarem a Imagem do mesmo senhor para a Matriz sem que esta Irmandade fosse desagravada por uma satisfação dada pelo mesmo Prior; mas que de todo o acontecido se desse exacta conta ao Eminentíssimo Senhor Cardeal Patriarca, para ele resolver, o que for justo e razoável, e não expormos ao mesmo Senhor das Chagas a novo desacato. Todos os Irmãos presentes foram da mesma opinião e todos votaram que se desse imediatamente parte a sua Eminência, para que se não tornem a praticar factos escandalosos como os que já se tem praticado pelo mesmo Prior, com grande indignação da Povoação em geral e desta Irmandade em particular. 89
Desta vez, a “guerra” não era com a Imagem do Senhor das Chagas, mas esta acabava por estar envolvida, já que a Misericórdia ameaçava, desta forma, não dar licença aos Festeiros das Chagas “sem que a Irmandade fosse desagravada”. Esta reunião teve lugar em 20 de Março e, um mês depois, deve ter ocorrido o
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pedido dos Festeiros das Chagas para a trasladação da Imagem: o que se passou, não sabemos, pois as actas nada referem sobre o assunto. Só em 1 879 é que o assunto voltou a aflorar nos livros de actas da Misericórdia – ano que será o do início do mais grave período de confrontações entre as “famílias” sesimbrenses, como veremos mais à frente.
1 2 – O Pároco recusa-se a viaticar e a ungir Em 1 863 surgiu nova questão entre a Paróquia e a Misericórdia: esta resolveu queixar-se ao Patriarcado por causa do: procedimento que ultimamente teve com esta Mesa relativo a não vir viático em dos enfermos deste Hospital (...) o Rev. Prior desta Freguesia de S. Tiago João Rodrigues Marinho, não querer viaticar e ungir Feliciano Neto que se achava perigosamente doente no Hospital da Misericórdia desta Vila, e que faleceu no dia 19 do dito mês, nem ungido, dandose um escândalo público, que mereceu grave censura dos habitantes. 90
A participação enviada às instância eclesiásticas superiores detalhava melhor o que se passara: estando Feliciano Neto às portas da morte, resolveram solicitar a assistência do Pároco para os últimos sacramentos. A resposta foi uma “formal recusa”: dizendo de viva voz, dizendonos que tínhamos na nossa Igreja, o Sacramento, que lho administrasse o nosso Capelão; em vista desta recusa
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a Mesa ordenou ao Capelão que confessasse o doente e, se assim o entendesse, lhe administrasse o Sagrado Viático, ponderando nós que o não podia administrar por ser da competência do Pároco, e que se não queria intrometer na jurisdição Paroquial. 91
E, de facto, o Capelão não se aventurou a aplicar o Viático – mas terá feito mal, pois o Patriarcado acabará por responder à Misericórdia que “os Capelães destas Casas são competentes para presidirem aos actos religiosos que se celebrarem nas suas Igrejas, e para Administrarem das mesmas os Sacramentos aos enfermos” 92 .
A resposta do Pároco – “tínhamos na nossa Igreja o Sacramento, que lho – revela talvez a origem próxima deste novo desaguisado. É que, no ano anterior, o Patriarcado tinha concedido à Misericórdia o privilégio de “ter em nossa Igreja o Sagrado Depósito da Eucaristia” 93. Mais uma pequena querela jurisdicional, aparentemente fútil mas que, no entanto, permitiu o registo deste facto relevante da vida da Misericórdia. Na realidade, era mais uma medida de reforço da autonomia da Santa Casa, mas cujas consequências a Mesa da época parecia relutante em aceitar. Com o decorrer do tempo, a importância desta prerrogativa da Misericórdia acabou por ser desvalorizada, e quando, em 24 de Dezembro de 1 975, a Imagem do Senhor das Chagas foi deslocada desde a sua capela até ao altar-mor da igreja da Misericórdia – onde actualmente ainda se encontra – no mesmo acto foi removido o Santíssimo Sacramento daquele altar, bem como o quadro de Nossa Senhora da Visitação, evocação própria daquela Igreja. Esta substituição terá sido realizada, talvez sem a devida compreensão do seu significado, ou por desconhecimento da história daquele templo. administrasse o Capelão”
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1 3 – A política partidária chega à Misericórdia A admissão de Manuel Caldeira da Costa como Irmão da Misericórdia, deu-se, como já referimos, em Abril de 1 860. O facto deve ter feito soar muitas campainhas pois, na mesma reunião da Mesa, um dos Irmãos propôs que se deliberasse pela não entrada de mais Irmãos: Propôs o Mesário e Irmão da Mesa Redonda, ao Provedor e mais Mesários presentes, José Ribeiro Pólvora, que estando a Irmandade já bastante numerosa, era preciso, visto acharse reunida a Mesa Redonda, fixar o número de Irmãos, porque lhe consta haverem já cinquenta e três (_) esta decidiu que não fosse por enquanto Irmão algum admitido, sem que vagasse algum dos actuais, e que quanto ao número fosse este de cinquenta e três. 94
A acta, tal como se encontra redigida, revela que o Cartorário, além da proposta, redigiu também a deliberação, favorável à sugestão de José Ribeiro Pólvora: uma iniciativa precipitada pois, imediatamente abaixo, e aparentemente em altura posterior – a pena e/ou a tinta são diferentes – escreveu: Posto à votação foi rejeitado pela Maioria, e conteúdo na acta junta pela Assembleia Geral dos Irmãos Reunidos para votarem a nova Mesa. 95
E, facto igualmente original: esta acta não recolheu qualquer assinatura, sinal de que se tratou de um assunto melindroso e polémico. O que poderia levar um Irmão a propor que se limitassem as inscrições de novos Irmãos? Com grande probabilidade, o motivo deveria ser o receio do aumento do poder eleitoral de um
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qualquer grupo de pressão, que ameaçasse a hegemonia existente. E, na realidade, na lista das admissões posteriores detectam-se nomes que virão a figurar ao lado de Manuel Caldeira da Costa, quando este chegar a Provedor, em 1 873: são os casos de António Pedro Palmela e Juvenal Pinto Soromenho, ambos admitidos em 1 868. Mais tarde, já com Manuel Caldeira da Costa como Provedor, começaram a ser admitidas pessoas do ligadas ao partido Progressista local. Em 1 875 foi admitido o seu filho, Carlos Caldeira da Costa, bem como Francisco Fernandes, João Baptista de Gouveia, José Correia Peixoto e José Maria Palmela. Em 1 879, José Silvestre da Mata, Joaquim Marques Pólvora e José Pedro Frade. Mas foi sobretudo em 1 880 que se regista a admissão dum maior número de figuras importantes daquele partido, como Manuel Rodrigues do Giro, o padre Domingos Carvalho de Mendonça Nogueira, o médico Bernardino de Sena e Almeida Morujão e José Joaquim da Luz Rumina. Admissões de Irmãos para a Misericórdia de Sesimbra Anos 1 834 1 835 1 838 1 841 1 857 1 858 1 860 1 861
Admissões 1 2 1 8 10 6 6 2
Anos 1 862 1 863 1 864 1 868 1 873 1 875 1 879 1 880
Admissões 10 13 1 3 2 9 3 8
Os registos da admissão de novos irmãos revela uma grande irregularidade: há anos em que não entra nenhum, noutros entra um grande número. Se em 1 860
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havia 53 irmãos, isso significa que a maior parte deles – 35 – tinha entrado desde 1 834 até àquele ano. Nos vinte anos seguintes, até 1 880, entrarão mais 51 . Admitido na Santa Casa em 1 860, logo nesse ano Manuel Caldeira da Costa integrou uma comissão, criada em 30 de Setembro de 1 860 “para proceder à formação de um novo Compromisso” 95A, desconhecendo-se se algo terá resultado desta iniciativa. Depois disso, é apenas em 1 864 que o seu nome surge associado a uma deliberação: em 3 de Novembro a Misericórdia reuniu em “junta grande”, estando presentes 35 irmãos. Discutia-se então se se devia ou não vender as casas da Travessa S. João Nepomuceno, em Lisboa. Manuel Caldeira da Costa não participou desde o início, mas a certa altura juntou-se à reunião, que, no final decidiu, por maioria, a favor da venda. 96 No ano de 1 867 registou-se, pela primeira vez, que alguns dos eleitores votaram em Manuel Caldeira da Costa para Provedor, mas recebendo apenas dois votos. A situação repetiu-se em 1 871 , ano em recebeu 3 votos, e no ano seguinte, com apenas 1 – nestes dois anos foi ainda Manuel Pinto Soares o escolhido, sempre com 1 0 votos. Manuel Caldeira da Costa será finalmente eleito Provedor em 1 873, com 5 votos (Manuel Pinto Soares recebeu apenas 3). E será sucessivamente reeleito até que, em 1 882, a Mesa foi substituída por uma Comissão Administrativa: episódio que analisaremos mais à frente. Em 1 874 Manuel Caldeira da Costa introduziu uma alteração: as eleições passaram a ser bianuais. Foi em plena reunião eleitoral que ele apresentou a novidade: Pelo mesmo Provedor foi dito que tinha lugar hoje a eleição dos Mesários que têm de gerir os negócios desta Santa Casa, e que se tinha transferido para três dias depois do que manda o compromisso, por se ter em vista que sendo hoje domingo podiam comparecer maior número de Irmãos, e com
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mais legalidade se fazer esta eleição; e que para o futuro a Eleição devia ser feita por biénio, para qualquer Mesa se habilitar a tratar dos interesses desta Santa Casa era mui curto o espaço de um ano, como a experiência tem mostrado a todas as corporações administrativas, e sendo de acordo os Irmãos, passaram a fazer as suas listas. 97
Desta forma se introduziam duas alterações ao funcionamento da Misericórdia, com uma simples votação duma Mesa convocada para uma eleição, e sem alteração do Compromisso. Durante anos cumprira-se religiosamente o calendário inscrito naquele documento, independentemente do dia da semana a que calhava: no dia 1 de Julho, eleição dos eleitores; no dia seguinte, eleição da Mesa; e no dia subsequente, eleição dos Mordomos e Definidores. A escola da Mesa no dia 2 de Julho decorria de ser esse o dia de Nossa Senhora da Visitação, que assinala a viagem de Maria a Israel para levar a graça divina à sua prima Santa Isabel, e ao filho que carregava no ventre, João Baptista. A Visitação é considerada um paradigma de Misericórdia e exemplo para os Irmãos das Santas Casas. Alteração igualmente relevante foi a da passagem das eleições a bienais, ampliando assim os mandatos das Mesas, à revelia do Compromisso – esta “inova ção” será posteriormente abandonada, regressando-se ao ciclo eleitoral anual.
1 4 – Pondera-se a construção de um hospital Em 1 875 voltou a ser abordado um velho problema da Misericórdia: a necessidade de melhorar as condições de acolhimento de doentes. As duas pequenas salas destinadas a este fim, umas vezes designadas como “albergaria”, e outras como “hospital”, dificilmente mereciam tal designação: o mais frequente era
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que os doentes necessitados de internamento fossem encaminhados para Lisboa. Pelo Provedor Manuel Caldeira da Costa foi apresentado parecer de que era mister dar impulso visto a casa em que se recolhiam os doentes não estar nas condições, e por tanto, que não obstante os recursos de que esta corporação podia dispor serem diminutos, bom seria ir empregando anualmente todos os saldos e a Mesa decidirá sobre o local e planta para a edificação do mesmo hospital. 98
O escrivão, Juvenal Pinto Soromenho, foi de parecer que a localização fosse junto ao edifício da mesma Misericórdia, mas: para isso era mister que o mesmo senhor Provedor cedesse parte do terreno da herdade de que está na posse, tendo em vista que era o mais económico sítio para todos os fins e que já outras Mesas o tinham projectado. 99
De facto, já em 1 868 se tinha pensado na possibilidade de estabelecer um hospital local – recorrendo, se necessário, a um empréstimo – atendendo às elevadas despesas decorrentes do envio de doentes para o hospital de São José, em Lisboa: Pelo sr. Provedor [Joaquim
Inácio Nunes] foi dito que tendo esta Santa Casa
uma restrita obrigação de acudir a todos os doentes que não tem meios de serem tratados em suas enfermidades, de lhe proporcionarem meios, para não morrerem ao desamparo, fornecendolhes um abrigo, e concorrer segundo as suas circunstâncias, para lhe minorar os seus padecimentos, esta Santa Casa tem para esse fim uma pequena casa em que tem
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recolhido os que não podem ir para o Hospital de Lisboa, e a outros tem passado guias para aí serem tratados, custando a esta Santa Casa a quantia de 240 réis diários a cada um que ali se apresente, ordenado pelo Alvará de 14 de Dezembro de 1825. Nestes termos pois propunha à Mesa Redonda se seria útil estabelecer um Hospital para poder recolher os enfermos deste termo, e que no caso de assim o julgarem se passava a convocar a Irmandade em geral, e pedirse autorização para se pedir a juro a quantia que for necessária para se levar a efeito a mesma obra (_)
O assunto não teve então continuidade: a construção “se
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não levou então a
efeito, pela obra ser dispendiosa, e as rendas desta Santa Casa andarem bastante atrasadas”. 1 00a
Em Novembro ao ano seguinte (1 869) ainda a Mesa discutia o modo como poderia financiar, quer as obras quer o funcionamento do hospital: uma discussão interessante mas que, não sendo o objecto principal do presente trabalho, apenas reproduzimos no Anexo 8. 1 01 Foi também neste ano de 1 868 que a Câmara Municipal pediu à Santa Casa a cedência de uma parcela de terreno no “campo da Misericórdia” para ali construir uma escola primária, com o legado do Conde de Ferreira, adiantando ainda que, na parte restante do terreno, como “era já logradouro público há muitos anos, incapaz de qualquer construção”, se propunha construir “ um Passeio ou Jardim Público” 1 02 – proposta que a Mesa aprovou, e que veio a resultar, quer na construção da Escola Conde de Ferreira 1 03, quer no ainda hoje designado “Jardim”. Apreciado de novo o assunto em 1 875, e perante a proposta de Juvenal Pinto Soromenho, Manuel Caldeira da Costa respondeu que “não tinha dúvida ceder gratuitamente [a parcela de terreno] por ser uma obra tão humanitária e que se ordenasse a factura da planta”. 1 04 Feita a planta, esta seria apreciada pela Mesa em Junho de 1 876, ficando registadas em acta algumas das características do projectado hospital:
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o qual deve medir pela parte externa, do norte ao sul, 11 metros, e de nascente ao poente 17, compreendendo nesta medição o extinto cemitério junto a esta casa de despacho, o qual mede ao todo 47 m2, tornandose portanto preciso 140 m2 da herdade, que o sr Provedor cede a benefício do mesmo hospital. (_) deverá ter duas enfermarias, dois quartos particulares, um destinado a pessoa rica que ali se queira tratar, e um outro pequeno para serviço do mesmo, e um extenso corredor ao fundo com duas janelas e duas portas para uma varanda pela parte do norte que vede a servidão do edifício para a dita herdade, sem janelas para o sul, uma para o nascente e duas para o poente, isto no pavimento superior; e no inferior casa para residência dos enfermeiros, sala para as sessões visto que esta vai ficar privada da janela que vai dar servidão para a primeira enfermaria, e bem assim uma casa mortuária, na parte do poente do edifício. Que nesta planta se atendeu com as precárias circunstâncias desta corporação pois nada há que se tenha por lucro (?)
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O projecto foi aprovado pela Mesa. Desconhece-se a data em que começaram as obras mas, em Abril de 1 880 já se encontrava em construção, tal como é referido na reunião em que a Mesa da Santa Casa decidiu solicitar à Junta de Paróquia, “a concessão ou cedência do edifício de S. Sebastião, Igreja e suas dependências, para que ali, local em condições convenientes, se estabeleça uma enfermaria para convalescentes, conservandose a Igreja e ficando a cargo desta Santa Casa todos os encargos e réditos pertencentes à extinta ordem terceira de S. Francisco”. 1 06
A necessidade de verbas para as obras do hospital vai ser a principal justificação que a Misericórdia utilizará para a iniciativa, discutida desde 1 879 e cuja concretização se agendava para 1 881 , de retirar à Irmandade das Chagas a organização da sua Festa, ficando a mesma a cargo da Misericórdia, e “aplicando as sobras das esmolas para manter um hospital” 1 07 – assunto que será detalhado
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no capítulo 1 7. Em Dezembro de 1 881 a Misericórdia recebeu um importante donativo para as obras: 200 mil réis, entregues por Amélia Cândida Preto Frade, doadas por ela e por “diferentes pessoas piedosas a si agregadas". 1 08 Em Janeiro de 1 882, foi decidido adjudicar os trabalhos de pedreiro e carpinteiro, para finalização da obra do hospital – uma adjudicação apressada, atendendo a que ainda não estava aprovado superiormente o orçamento suplementar que autorizaria os respectivos pagamentos, pressa devida talvez ao receio da Mesa, nessa altura já sob sindicância ordenada pelo Governador Civil, de que viesse a ser dissolvida, como na realidade aconteceu. 1 09
1 5 – Sesimbra entra em Rotativismo Com a instauração do rotativismo e o predomínio dos partidos Progressista e Regenerador, a vida política e social de Sesimbra também se polarizou, criando-se os grupos dos " coques" e dos “trapilhas”, sendo possível classificar famílias e instituições, conforme os seu alinhamento tendencial por cada um destes grupos, conforme o quadro da página seguinte. Mas foi em 1 879 que esta divisão da sociedade sesimbrense se começou a tornar mais profunda. O Rotativismo ia nos seus primeiros anos: em 1 de Junho desse ano tomara posse um governo Progressista, que terá a oposição sistemática dos Regeneradores – bem como do Republicanos. Um testemunho desta deriva sesimbrense será publicado em 1 911 : A politica, na atenção restrita e repugnante de vindictas, no que era fértil a
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extinta monarquia, iniciouse a 10 de Outubro de 1879. Tinham lugar umas eleições gerais para deputados. Eram candidatos pelo círculo a que pertencia Sesimbra, António Enes, progressista, Costa Pinto, regenerador. Este era apresentado aos pasmados eleitores por António e Crispim Pólvora, aquele por Caldeira da Costa, padre Domingos Nogueira, dr. Morujão, José Pedro Frade e Joaquim Rumina, pai do famigerado José Rumina, cínica criatura que só para o mal, com todos os requintes de perversão, tem contribuído na terra que lhe foi berço. Terrível foi a luta eleitoral entre eles, que se baptizaram tipicamente por coque e trapilhas, sendo estes os regeneradores e aqueles os progressistas. Vencidos e vencedores, em jurada guerra fratricida de extermínio, em vez de votarem na urna pelo seu candidato, votaram o ódio, a intransigência pessoal. Desta orientação, que se não coaduna com os sãos princípios políticos, vem toda a desgraça que ainda hoje pesa sobre a vila, digna de melhor sorte. 111
Instituições partidos famílias associações culturais farmácias festividades religiosas jornais
Coques
Leão (Joaquim Pinto de Leão)
Trapilhas Regenerador Gomes Pólvora Sociedade Recreativa Impressão Musical 11 0 Lopes (Manuel Mendes Lopes)
Nossa Senhora do Carmo
Santa Cecília
A Verdade (1 879)
O Cezimbrense (1 894) O Jornal de Cezimbra (1 899)
Progressista Caldeira da Costa, Rumina Grémio Filarmónico
instituições de Misericórdia (desde 1 873) solidariedade Associação de Socorros Mútuos Corporação Marítima
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A 1 9 de Outubro realizaram-se eleições, ganhas pelo Governo, como será usual durante o Rotativismo. Foi também em 1 879, no dia 1 º de Dezembro, que se deu a confrontação entre as filarmónicas dos coques e dos trapilhas, na embocadura da rua da Praia (actual rua Dr. Peixoto Correia) com o largo dos Valentes (actual Largo da Marinha); os músicos do Grémio Filarmónico e da Sociedade Recreativa Impressão Musical envolvem-se numa cena de pancadaria. Foi ainda em 1 879 que foi fundado em Sesimbra o jornal semanal A Verdade, uma iniciativa do Padre Domingos Mendonça Nogueira. Era um jornal religioso, mas igualmente político, e vai mesmo aventurar-se a apoiar o candidato Progressista nas eleições de Outubro, como veremos a seguir.
1 6 – Publica-se A Verdade No semanário publicado pelo padre Domingos Nogueira, Pároco da freguesia do Castelo, a componente política não se apresenta, inicialmente, de forma muito ostensiva, mas já a encontramos no primeiro número, saído a 4 de Maio: Causa dor ver campear a mentira altiva e dominadora por entre a primeira camada social na qual vivemos; e o coração se nos confrange, quando, áqueles, a quem já antes roubaram o suor e a liberdade, nem ao menos lhes deixam a verdade para alimento de sua pobre alma. 112
Por isso mesmo, o objectivo do jornal seria o de levar a “verdade” a essa
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“primeira camada social” – ou seja, aos mais pobres. se todas as boas vontades estenderem mão caridosa à verdade, e se habituarem ao seu puríssimo viver, e antiquíssimos costumes, ela [a
Verdade] , de pobre a acanhada, que agora aparece, tornarseá grande, e majestosa; e reconquistará seu domínio na religião, na moral, na justiça, na política, na educação, na literatura, nas artes, no comércio, na indústria, e em todos os elementos da vida social e política dos povos, que a mentira tem avassalado, e corrompido.
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O Padre Domingos Nogueira vai misturando, no seu semanário, prédicas religiosas com temas mundanos (tais como conselhos às senhoras sobre como fazer amizades, com excertos da “Carta de uma mãe a sua filha”, de Julie Fertiault 11 3A) e pensamentos edificantes para a vida prática, tais como " “Não litigues com homem poderoso, para que não suceda caireslhe nas mãos”, ou “ Não contendas com homem rico, para não suceder armarte alguma demanda”. 11 4 A 1 5 de Junho, revelou que: “Na freguesia do Castelo de Sesimbra visitaram o Jubileu em procissão com o seu Pároco mais de duzentos Fiéis, número avultado, atendendo às condições topográficas da freguesia. Duzentos carolas, fanatizados pelos padres, dizem os ilustrados de todas as classes. Duzentos homens livres e independentes, que põem em obras a sua fé, desprezando os escárnios ignaros dos que só têm religião, e a vão vender pelas portas do povo, quando lhe faz conta.”
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A expressão “os ilustrados de todas as classes“ é uma referência irónica aos Regeneradores e ao seu jornal Diário Ilustrado. De facto, aquele periódico
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regenerador, acompanhou e criticou a actividade do Pároco do Castelo, como aconteceu com esta notícia de Setembro desse ano, já em plena campanha eleitoral: Cenas eleitorais / Dizemnos de Sesimbra que o reverendo prior do Castelo o sr. Domingos Nogueira tem andado estes dias na galopinagem eleitoral pela sua freguesia acompanhado do administrador do concelho. É curiosa a maneira como o digno pastor se dirige às suas ovelhas. O prior apresenta o administrador aos eleitores, aos quais diz que a autoridade está ali expressamente para o coadjuvar na eleição e tomar
Padre Domingos Nogueira
nota daqueles, que se recusarem a votar no governo a fim de serem devidamente castigados, pois que o partido regenerador quer acabar com a religião. Isto não se comenta; apenas perguntamos ao sr. ministro do reino se é assim que se fazem eleições.116
Apesar dos concelhos paternais aos trabalhadores, para que não contendam com os ricos, o Padre Domingos também publica “reflexões” como esta:
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Trabalhador, marítimo, pescador, ou jornaleiro, de qualquer natureza que seja, não sou uma máquina, mas sim um ser livre e independente (_) Sendo um ser livre e independente, cuja liberdade e independência, cuja riqueza e património, cujo futuro a todos os respeitos considerado, consiste no meu trabalho, na minha robustez, no meu merecimento próprio, devo acaso sujeitarme política, religiosa e até domesticamente àqueles que me dão o menor jornal possível, para em troco dele estabelecerem e sustentarem suas grandes empresas e negócios? 117
Parece um apelo a uma revolta. Mas seria? Espraiando-se pela economia política, Domingos Nogueira acabará por esclarecer qual a saída para o trabalhador explorado: De onde vem a minha riqueza? Do meu trabalho. Qual é a fonte do trabalho? A abundância do capital. O capitalista dáme trabalho com o fim único de protegerme, e matarme a fome? A resposta é ociosa. Logo que devo eu ao rico? Nada. Então para que heide sacrificarlhe a minha liberdade política, sem ao menos perguntarlhe o fim para que deste sacrifício? para que heide sacrificarlhe a minha liberdade religiosa, profanando o dia do Senhor, faltando ao culto que lhe é devido, ao qual nenhum povo da terra falta, e descuidando os negócios da minha alma e da imortalidade que lhe está reservada? para que heide sacrificarlhe até a minha liberdade doméstica_ basta; faltanos o espaço; depois diremos o que é liberdade doméstica, e como dela está privado o povo. 118
Esta argumentação do Padre Domingos Nogueira, que se repete noutras edições, era muito semelhante ao pensamento conservador, dos defensores do Absolutismo, em oposição do Liberalismo – sendo este representado por qualquer
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dos partidos rotativistas. Mas, nesse caso, como é que o Padre Domingos Nogueira pode ser apoiante do partido Progressista? Bem, no discurso público, qualquer destes partidos acusa o outro de ser “absolutista”, e de procurar arrastar a sociedade para a “ditadura absolutista”, apresentando-se qualquer deles como o verdadeiro partido “liberal”; mas também se acusam mutuamente de quererem destruir o regime monárquico e atentar contra a religião: absurdos do discurso político, que deve menos à razão que à emoção (ou à manipulação da emoção), sendo, por isso, perfeitamente possível, ter um pensamento conservador e militar num destes partidos, tendo como justificação a luta contra o partido inimigo, como o próprio Domingos Nogueira fará no seu periódico, respondendo a reparos feitos às suas intervenções políticas, no sentido de que um padre não se deveria imiscuir em eleições: Suponha que do resultado duma eleição depende a formação e estabilidade dum governo mais ou menos cristão, mais ou menos religioso, por consequência mais ou menos honrado, mais ou menos moral: deverá o padre ser indiferente àquele resultado? E se tiver quatro, cinco, dez, vinte ou trinta amigos, deverá consentir que o voto destes vá engrossar a influência dos seus inimigos, que vêm depois vexálo e perseguilo com os elementos que ele próprio lhes fornece? 119
A política local também não escapa às setas do padre Nogueira, nomeadamente a Câmara Municipal, de orientação Regeneradora, que tinha autorizado o Grémio a realizar o arraial da festa de Nossa Senhora do Carmo, mas com a condição de não se poder opor a que qualquer outra filarmónica lá armasse coreto. O prior indignase: Isto não é sério! No concelho há mais três filarmónicas além do Grémio;
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onde estava o espaço para todas se aproveitarem, se quisessem, do memorável acórdão da ilustrada Câmara? Há vácuo naquele venerando crânio municipal. 120
Mas foi na edição de 28 de Setembro, já em plena campanha eleitoral, que o padre Domingos Nogueira se envolveu mais abertamente na contenda política, apelando ao voto em António Enes, o candidato Progressista pelo círculo de Almada (que englobava Sesimbra), contra Jaime Artur da Costa Pinto, candidato Regenerador. Jaime Artur não apresenta, pois, um único título pelo qual mereça a confiança dos eleitores, e se não, venha contrariarnos; venha que nós estimamos; e quando tão elevada altura não queira arquearse até nós que somos povo, venha um dos seus muito ilustrados procuradores apresentar ao povo os serviços de tal candidato. (_) E não venham dizernos: mas o que vale o outro candidato, António Enes? O confronto é impossível, respondemos, seria confrontar o sol com o pirilampo. Querem saber quem é António Enes? Ele chega hoje a esta vila, vem apresentarse a amigos e adversários, e falar perante todos. Venham ouvilo, e depois decidamse. 121
Por pouca sorte, António Enes acabou por não vir naquele dia, pelo que na edição seguinte A Verdade teve que publicar o primeiro desmentido da imprensa sesimbrense, ao mesmo tempo que destacava as qualidades de António Enes: É escritor público, e orador; temos por consequência a certeza de que sabe falar e escrever. E Jaime Artur? É profundo conhecedor da história, e já começou a proválo. E Jaime Artur?
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Mas o desafio feito pelo Prior aos “ilustrados” não ficou sem resposta. No dia 4 de Outubro o correspondente de Almada do jornal Regenerador descreveu quais os benefícios que Costa Pinto trouxera a Sesimbra, na sua qualidade de deputado, durante a legislatura anterior, incluindo as obras de conclusão da estrada de Sesimbra a Cacilhas, e: Oh, reverendo prior pois é assim que fala verdade ao povo? Pois já esqueceu o dinheiro que o sr. Costa Pinto arranjou para a conclusão das obras da igreja do castelo?
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Quanto à Verdade, seriam publicados apenas mais dois números, acolhendo ainda uma réplica aos “ilustrados”, não muito conseguida, pois não rebate nenhuma das iniciativas atribuídas a Costa Pinto (“só comprando o papel, a tinta, e as penas por alto preço, é que se pode escrever o que o Diário Ilustrado publicou!”) e a 1 9 de Outubro chegava ao fim o primeiro periódico publicado em Sesimbra. O Padre Domingos Nogueira ainda se manterá à frente da Paróquia do Castelo até Setembro de 1 884, assinando o último registo de baptismo no dia 20 (uma menina de nome Maria, nascida no Zambujal, filha de Manuel Marques e de Mariana Luísa de Jesus) passando depois para a Paróquia de S. Sebastião, em Setúbal. Ainda voltaria a Sesimbra, como pároco de Santiago, mas por pouco tempo, regressando finalmente a Setúbal, onde faleceu, em 1 894. As eleições de 1 879 serão ganhas pelo partido Progressista – 77% dos lugares nas Cortes, enquanto que os Regeneradores se vêm reduzidos a 1 5%. Foram uma eleições muito disputadas, onde o caciquismo e as galopinagens eleitorais, características do Rotativismo, assumiram níveis elevados: Camilo Castelo Branco escreveu, sobre estas eleições, o seguinte: Os pugilatos fermentamse nas tabernas onde se bebem os vinhos
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capitosos da Companhia pagos pelos influentes galopins e pelas autoridades administrativas, que decerto não têm a paixão do partido em tal apuro que os paguem à sua custa. Desta infâmia surgiu uma desmoralização enorme. Esta canalha, chamada ao sufrágio por uma lei eleitoral cavilosa, não tinha a mínima ideia de deveres nem de direitos. O proletário, o jornaleiro sabe que pode negociar o voto entre um quartinho e nove mil reis. Na extrema um partido do outro. Conhece apenas os influentes que costumam negociarlhe o voto; mas, às vezes, como ignoram as transacções que se fazem nas esferas altas da política, são afinal logrados, e vendemse baratos. Aqui um meu vizinho feliz pôde comprar dez votos à razão de seis abóboras por cabeça. Chega a esta prostituição o direito de eleger. A fracção que legislou assim arrependeuse quando viu outra facção colher o fruto podre da medida. Fazemse estes cálculos vergonhosos fundados na estupidez da plebe; não se cuida em lhe dar consciência do acto.
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Pelo círculo de Almada, será eleito António Enes. Após as eleições foi nomeado como Governador Civil do Distrito de Lisboa – ao qual pertencia Sesimbra – Luís Maria de Carvalho Daun e Lorena, do partido Progressista, e seguindo-se a cascata de nomeações de Progressistas para os cargos de Administradores dos Concelhos e de Regedores das Paróquias. 1 25
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1 7 – Surgem dois grupos de Festeiros, devotos do Senhor das Chagas Um aspecto clamoroso do jornal A Verdade, logo no seu terceiro número, não é nada que lá esteja publicado, mas sim algo que foi omitido. Na véspera tinha-se realizado a tradicional Festa do Senhor Jesus das Chagas, sem dúvida um importante acontecimento religioso: mas nada será dito n’ A Verdade. No entanto, uma semana depois – mais exactamente, no dia 11 de Maio – foi realizada uma segunda procissão com a mesma invocação, organizada por outras pessoas. A esta insólita segunda procissão, o Padre Domingos Nogueira não poupa elogios: Arquivemos nesta nossa publicação a brilhantíssima festa, que se celebrou no domingo 11 do corrente, ao Senhor Jesus das Chagas, na vila de Sesimbra. Festa livre e espontânea, e por isso pacífica, alegre e jubilosa! O povo de Sesimbra teve a consolação, já tantas vezes desejada, de ouvir a pregação eloquente, e mais que tudo doutrinal, do Exm.º Sr. Desembargador Garcia Diniz. Os amadores de música deliciaram os lindíssimos solos cantados pelos Srs. Bonifácio, Soares e Lisboa; a orquestra da terra acompanhada por três artistas da capital apenas, mostrou quanto pode a vocação musical dos filhos de Sesimbra; as damas porfiaram a sua piedade espargindo odoríferas flores sobre a Imagem veneranda do Senhor Jesus das Chagas; e o povo mostrou, em geral, os seus bons sentimentos de paz e cordura, que não pôde ser alterada. Autoridade administrativa honrou todos os actos com a sua presença; e Sua Ex.ª policiou só, durante o divertidíssimo fogo de vistas, que faz irradiar sempre do coração do povo português aquelas alegrias e folgares, que tão bem se aliam com o culto católico. Parabéns a todos! E louvores àqueles que na
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parte que lhes toca concorreram para o bom resultado desta festividade! Viva, pois, Sesimbra! Viva! Que ainda não se deixou submergir de todo na torrente arrebatadora do egoísmo!!...
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Festa “livre e espontânea”, escreve o Padre Domingos Nogueira. Mas porque seria esta festa “livre e espontânea”, e não a que se realizara no dia da tradição, 3 de Maio, pela Irmandade que a organizava, pelo menos desde finais do século anterior? É o próprio texto publicado que se revela, como “gato escondido com rabo de fora”, que a festa do dia 11 não terá sido assim tão espontânea, pois teve a pregação “eloquente, e mais que tudo doutrinal”, de José Ferreira Garcia Diniz, Desembargador do Tribunal da Relação Patriarcal (tribunal eclesiático). Garcia Dinis fundara, precisamente um ano antes, o jornal Crença Religiosa, igualmente um periódico religioso mas que se alongava para matérias mundanas, tal como acontecerá com o jornal do Padre Domingos Nogueira, sendo muito provável que o exemplo do Crença Religiosa tenha inspirado A Verdade. Garcia Dinis foi igualmente um político militante no partido Progressista, chegando a ser eleito para a Câmara dos Deputados. Uma outra referência às duas Festas de 1 879 encontra-se numa acta de Mesericórdia do ano seguinte, quando, no dia 11 de Abril, o Provedor, Manuel Caldeira da Costa, reuniu a Mesa da Misericórdia para apreciar a resposta a dar ao habitual requerimento em que o Juiz da festa do Senhor das Chagas pedia “para levar para a igreja Matriz a imagem do dito Senhor das Chagas e suas alfaias para ali festejála, conforme os anos anteriores”.
Isto poderia ter sido decidido pela Mesa
administrativa, mas Caldeira da Costa “não
queria tomar sobre si mais essa
responsabilidade pelos factos que se deram no ano findo, que para evitar desordem houve de se fazer duas festividades.”
O que é estranho é que, no ano de 1 879, não existe qualquer deliberação da Misericórdia quanto a duas Festas, apenas a normal licença concedida aos Juiz da
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Irmandade de devotos, para deslocar a imagem e alfaias para a igreja Matriz, autorização dada na reunião do dia 7 de Abril, em cuja acta, no entanto, se encontra uma referência passageira a outros festeiros que teriam desistido: Requerimento de Custódio Miguel na qualidade de Juiz da festividade do Senhor Jesus das Chagas, no qual pede para fazer a festividade na forma dos anos anteriores no dia 3 de Maio futuro (_) Visto os Festeiros do Senhor Jesus das Chagas, declararem perante esta mesa que desistiam da licença que em 20 de Março findo pediram lhe foi concedida para fazer a dita festividade, concedemos licença pedida a Custódio Miguel para o fim constante no requerimento.
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Ou seja, houve um primeiro pedido de uns festeiros, apresentado em 20 de Março, que depois desistiram, e um outro pedido do Juiz da Festa, Custódio Miguel, que pretendia fazer tudo “na forma dos anos anteriores no dia 3 de Maio”, obtendo a licença da Misericórdia. Sabemos pelo jornal A Verdade, que os festeiros que tinham desistido, afinal sempre fizeram uma segunda festa, no dia 11 de Maio, a tal que o Padre Domingos Nogueira considerou “livre e espontânea”. Estranhamente, nas actas e livros de termos da Misericórdia, também não há qualquer registo da entrega da Imagem e alfaias a qualquer outra pessoa, o que só pode significar que a festa se realizou na Igreja da Misericórdia, eventualmente com procissão com partida e chegada a este templo: claramente, foi uma Festa da Misericórdia, em concorrência com a Festa tradicional da Irmandade de devotos. Contudo, a Misericórdia, também ela, surge aqui como um “gato escondido com rabo de fora”, pois incluiu numa acta de 7 de Abril, uma referência ao requerimento de 20 de Março, que não chegou a ser apreciado pela Mesa – talvez sinal de que o assunto seria melindroso, e mal aceite pelos tradicionais devotos, o que igualmente
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explicaria a desistência dos outros festeiros. Porém, uma vez realizada a Festa do dia 3, aliviada a tensão que o assunto não pode deixar de ter levantado, a Misericórdia realizou outra Festa com a mesma Imagem, no dia 11 , a tal que tanto agradou ao Pároco do Castelo. Não será, por isso, de estranhar que, poucos dias depois, a 20 de Maio, a Misericórdia tenha admitido como novo Irmão, o padre Domingos Carvalho de Mendonça Nogueira, “filho do falecido irmão desta irmandade o escrivão Gonçalo Caetano de Mendonça Nogueira”. Será esta insólita realização de duas festas em 1 879, que vai servir para a Misericórdia, em 1 880, utilizar os acontecimentos daquele ano, em que “para evitar desordem houve de se fazer duas festividades”, para tentar recusar a licença pedida pela Irmandade dos devotos, passando a Festa a ser organizada pela Santa Casa. Mas se é verdade que houve uma maioria de Irmãos a favor dessa solução, houve também quem aconselhasse a que não se avançasse já em 1 880, pois naquela altura do ano já os festeiros teriam feito despesas – e o assunto acabou de facto por ficar adiado para o ano de 1 881 . Mas vejamos com mais detalhe como é que isto se passou. Na reunião da Misericórdia de Abril de 1 880, em que se voltou a apreciar o pedido do Juiz da Festa para levar a Imagem, e depois de alguma discussão, o escrivão, Juvenal Pinto Seromenho, “ponderou que sendo esta a principal festividade do Concelho de Sesimbra e aonde se consumiram cerca de setecentos mil reis, era de sentir que não fossem aplicados a aprazimento da maior parte das pessoas, que para ela contribuíam, e que era notório que no ano findo a festa que o Juiz e um festeiro fez teve esta quantia de despesa, fazendo em seguida um outro festeiro, uma outra festividade, ao mesmo Senhor, não menos brilhante, com a quantia de duzentos e quarenta mil reis, logo portanto está mais do que provada a má administração daquelas esmolas”
e, por isso, apresentou o “alvitre” de que passasse a ser a Misericórdia a administrar a referida Festa, usando o dinheiro que
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eventualmente sobrasse para as obras do hospital. Ou seja: a festa do dia 3 de Maio fora mais cara do que a do dia 11 – como já vimos, esta organizada por gente afecta à Misericórdia – provando-se portanto a “má administração” dos festeiros do dia 3. Repare-se que não se propõe que a Festa passe a ser organizada pelo segundo grupo de Festeiros, como seria normal, já que, segundo o Escrivão, tinham administrado melhor os dinheiros, gastando menos numa Festa " não menos brilhante". E porquê? Porque este segundo grupo, e a Misericórdia, são uma e a mesma coisa. Mas contiuemos a ouvir Juvenal: Portanto, se o rendimento da dita festividade havia continuar a ser esbanjado por pessoas estranhas aos festeiros por estes não terem prática de festas religiosas como tem sucedido nestes anos, dando lugar a abusos que desviam e desgostam os que para elas concorrem, com fé e crença
[propunha] que de hoje para sempre esta festividade e seus rendimentos fossem administrados por esta irmandade, como o é a da Imagem e suas alfaias, não faltando ao Culto devido, com a maior economia e revertendo em beneficio do hospital todo o remanescente. 128
Como já referimos, os Irmãos presentes não foram unânimes em aceitar a proposta. O armador Francisco Fernandes da Cruz contrariou-a mesmo. João Correia Peixoto e Joaquim José Pereira, apoiaram-na. E um outro armador, José Pedro Frade, avançou com uma proposta intermédia: como “era de supor que os festeiros tivessem algumas despesas feitas, e portanto não sendo contrário ao futuro projecto de administração, não votava que se fizesse por iniciativa da Misericórdia no corrente ano”.
E a decisão final, foi: se os Festeiros não recorressem, a Misericórdia passaria a realizar a Festa já naquele ano, tendo desde logo sido nomeada uma comissão para o efeito, com os Irmãos Felicíssimo Augusto de Carvalho, Aquilino das Chagas e José Silvestre da Mata; porém, se os Festeiros
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recorressem – como de facto aconteceu – adiariam a concretização da decisão para o ano seguinte. Esta intensão da Misericórdia de se apropriar da popular Festividade, só não se concretizou em 1 880, apenas porque a deliberação tinha sido tardia – a 11 de Abril – já muito próximo da data em que os Festeiros requeriam autorização para a trasladação da Imagem. E assim foi, a 1 8 de Abril, a Mesa apreciou o requerimento do Juiz da Festa do Senhor Jesus das Chagas, onde este alegava que: já havia feito despesas com a armação da Igreja convite a cantores, músicos e pregadores e outras que seriam perdidas se lhe não concedessem licença para festejar na forma dos anos anteriores levando para a igreja Matriz a Imagem e alfaias do dito Senhor.
E, “ouvida a irmandade”, esta decidiu: em que se lhe atendesse por este ano, e que se lhe concedesse a pedida licença para festejar na forma dos anos anteriores; e que de futuro esta irmandade tomaria as providências necessárias para que a festa fosse feita por iniciativa sua por ser isso muito conveniente. 129
E assim, no dia 21 de Abril de 1 880, o Juiz da Festa do Senhor Jesus das Chagas, José Calisto Veríssimo, recebeu a Imagem e alfaias, para as transportar para a Igreja matriz, comprometendo-se a devolvê-las logo que terminasse, no dia 3 de Maio. Para a festa do ano seguinte, a Misericórdia actuou com maior rapidez. Com uns meses de antecedência, alguns irmãos da Santa Casa enviaram ao Governador Civil um requerimento, solicitando:
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que a festa ao Sr. Jesus das Chagas seja feita por iniciativa da Misericórdia, administrando ela todas as esmolas que se receberem para tal fim e aplicando as sobras delas para manter um hospital, melhoramento assaz importante para esta povoação e que por todos é reclamado e reconhecida a sua instante fundação. 130
O Governador Civil solicitou o parecer da Misericórdia, o qual foi redigido na reunião do dia 6 de Janeiro de 1 881 : Sendo em seguida lido o dito requerimento e examinados todos os seus pontos, estes discutidos e bem ponderados, atendendo à deliberação tomada pela irmandade da Misericórdia em 11 de Abril de 1880, em que esta reconheceu a vantagem de ser feita por esta Santa Casa a festa ao Senhor Jesus das Chagas, deliberação que não teve execução logo naquele ano, por isso que os festeiros já tinham feito gastos e despesas, para por sua iniciativa a celebrarem, o que por eles foi ponderado em requerimento, que apresentaram em data de 16 de Abril do mesmo ano; é por isso a mesa administrativa da Santa Casa da Misericórdia desta vila de opinião que, sendo como são verdadeiras todas as alegações da representação sobre que se pede o seu informe, e quando a autoridade superior do distrito determine à mesa da misericórdia que proceda de conformidade com o que se alega na representação de que se trata, e seja ordenado ao administrador do concelho que proíba a aquisição de esmolas a quem nenhuma autorização legal tem para as receber e administrar, é de suma conveniência o ficar a cargo da Misericórdia a dita festividade, da qual necessariamente hãode advir sobras que sendo aplicadas ao hospital conseguirseia assim um útil e importante melhoramento para a povoação deste concelho. 131
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E, tal como a Misericórdia solicitara, o Governador Civil mandou intimar a Irmandade das Chagas para que não recolhesse quaisquer donativos para a Festa – donativos que eram então designados como “esmolas”. Esta intimação, contrariando uma tradição tão antiga, e tendo como pano de fundo a acesa disputa partidária que dividia Sesimbra – e com a Mesa da Misericórdia controlada pelo partido Progressista – vai levantar grande oposição na comunidade dos devotos do Senhor das Chagas, na sua grande maioria constituída por pescadores. No dia 27 de Fevereiro reuniram-se, na Casa da Corporação Marítima, quatro centenas de pescadores, para decidir o que fazer face à intimação recebida. Estava presente a direcção da Corporação, de que era presidente António Gomes Pólvora, líder do partido Regenerador local. O Juiz da Confraria das Chagas, Luiz Pereira Tufinha, fez a apresentação do problema: havendo sido intimado pela autoridade administrativa para não continuar a solicitar esmolas para a festividade do Senhor das Chagas, que há mais de trezentos anos se celebram no dia três de Maio tinha promovido a presente reunião para dar conta do ocorrido à classe pescadora; por ser ela quem concorre para as despesas da predita festividade; que a ele Juiz lhe parecia arbitrária a intimação feita, e tanto mais que se pretende fazer desviar para outro fim as esmolas que se aplicam ao culto daquela veneranda Imagem; que estando as coisas neste ponto, ele e os seus colegas se lembraram de pedir à mesa da corporação marítima para os auxiliar na manutenção de um direito há séculos estabelecido e que agora se pretende esbulhar à classe pescadora. 132
A seguir, António Gomes Pólvora, propôs que os Festeiros recorressem da decisão do Governador Civil para o Concelho do Distrito, sugerindo também que:
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quanto antes, se tratasse de organizar uns estatutos, para serem submetidos à aprovação superior, que regulem a aplicação das esmolas ofertadas para o culto do Senhor das Chagas tendose em vista a conveniência de haver um capelão privativo da classe pescadora. 133
Sendo aprovada esta proposta por aclamação, foi então nomeada uma comissão para tratar da organização dos estatutos, a qual ficou composta por: António Gomes Pólvora, Joaquim António Gomes, Inácio Franco, Bernardino José da Silva e Manuel de Jesus Mendes. Para além disso, todos os arrais de barcos de pesca declararam que “só entregarão as esmolas tiradas as que tiverem que tirar aos festeiros actuais, para eles as aplicarem no corrente ano às festividades do Senhor Jesus das Chagas, da mesma forma por que se tem praticado nos anos anteriores”. 1 34
Estava pois declarada a guerra entre as duas facções: os Progressistas, alojados na Misericórdia, pretendiam culminar décadas de conflitos a propósito do uso da Imagem do Senhor das Chagas, apropriando-se eles da organização da Festa – e, para isso, contavam com a cumplicidade do Governador Civil. Mas os Regeneradores, com base na Corporação Marítima, prometiam resistir a tal decisão, alegando uma longa tradição – que, nesta altura, foi quantificada como sendo de “mais de trezentos anos”. Também estavam identificados os líderes desta luta política: Manuel Caldeira da Costa, pelos Progressistas, e António Gomes Pólvora, pelos Regeneradores. Ambos eram armadores da pesca da sardinha, mas com passados diferentes: a família Gomes Pólvora representava uma linhagem antiga de Sesimbra, sendo armadoresmandadores pelo menos desde o início do século 1 9, mas possivelmente muito antes disso 1 35 – era, portanto, um " armadormandador", um “marítimo”. Manuel Caldeira da Costa representava o capitalista vindo de fora, um “capitão da indústria” que dirigia as suas armações por intermédio de mandadores contratados 1 36. Esta divisão “sociológica”, ainda que sem ser de forma absoluta, é facilmente detectada
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nas elites partidárias de ambas as forças políticas que se digladiavam na piscosa Sesimbra.
1 8 – Cai o Governo O início do ano de 1 881 caracterizou-se por um agravamento da agitação política a nível nacional, com acesas disputas entre os partidários do governo e a oposição – esta, protagonizada não só pelo partido Regenerador, mas também pelo partido Republicano, particularmente activo neste período. Tendo iniciado funções em 1 de Junho de 1 879, o governo Progressista tivera, desde o início, a oposição sistemática dos adversários, nomeadamente por causa do imposto sobre o rendimento, “vexatório para o povo, e desproporcionalmente suave para as classes ricas”, segundo afirmou o regenerador António Arrobas, durante um comício realizado em Lisboa, no teatro de S. Carlos, por iniciativa de alguns monárquicos oposicionistas, no dia 1 3 de Março de 1 881 1 37. Este Comício, bem como um outro organizado no mesmo dia pelo partido Republicano, deram origem a tumultos e a confrontações em que a Guarda Nacional carregou sobre os participantes, facto que se tornou num escândalo político explorado pela oposição, e que viria a justificar a apresentação, no parlamento, de uma moção de confiança ao Governo, a qual, embora aprovada, revelou que a continuação em funções do ministério Progressista se tinha tornado insustentável. 1 38 Mais à frente, iremos encontrar aquele mesmo António Arrobas, já como Governador Civil de Lisboa, a intervir na questão sesimbrense. A situação política tornara-se muito instável: o jornal “Diário Ilustrado”, resumia desta forma o problema:
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O Governo deliberouse a assumir a ditadura. Segundo o seu plano, vamos ser esmagados pelo absolutismo. Isto é simplesmente irrisório. Fechem as câmaras [Cortes
e Câmara dos Pares] e proclamemse ditadores. Pomos
apenas uma condição: não fujam. Mantenham o seu posto. A opinião pública quer ir levarlhes a casa, às secretarias, onde quer que os encontre, o decreto da demissão. 139
E no dia 21 de Março o mesmo jornal publicou uma folha volante onde antecipava a queda do governo, informando que “Desde o meio dia que o público começou a afluir ao Terreiro do Paço, invadindo completamente as arcadas (_) Não é a revolução, é uma manifestação pacífica, mas muito e muito significativa”. No mesmo dia, nas Cortes, foi votada a referida moção de confiança ao governo, a propósito dos acontecimentos no final dos comícios: 50 deputados rejeitaram a moção, e 49 aprovaram-na; porém, dois membros do governo presentes no parlamento, exerceram o direito de voto: a moção acabou aprovada, mas tratou-se de uma aprovação muito fragilizada por estes dois votos “em causa própria”: o governo acabaria por apresentar a demissão na manhã do dia 22. A notícia foi-se espalhando pelo país e, no dia 23, ocorreram diversas “manifestações de regozijo”. Para compreender estas manifestações é preciso ter em atenção uma particularidade do Rotativismo: em geral, quando um governo se demitia ou era demitido pelo Rei, este nomeava imediatamente outro governo (normalmente da oposição), e era este novo ministério que ia organizar as eleições para uma nova legislatura: e fazia isso manipulando as eleições (engenharia eleitoral, caciquismo, nomeando novos funcionários, etc.) de tal forma que, por norma, esse novo governo ganhava sempre o sufrágio. Por isto, o climax de alegria (para os ganhadores) ou de tristeza (para os perdedores) não ocorria após as eleições, mas sim no momento da queda de um dado governo: e foi o que aconteceu desta vez: tristeza para os Progressistas, alegria para os Regeneradores.
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A imprensa Regeneradora, exultava. Um despacho do Seixal, dizia: “Chegou notícia da queda do ministério. Grande regozijo, muitos foguetes, músicas, e vivas ao partido regenerador.”
E de Almada: “Foi
recebida com grande entusiasmo a
notícia da queda do ministério. Grandes manifestações de regozijo.”
“Os
Da Caparica:
povos receberam com grande entusiasmo a notícia da queda do ministério.
Muitos foguetes e vivas ao partido regenerador”.
E também de Sesimbra, num despacho das 1 2 horas: “Entusiasmo até ao delírio pela queda do ministério. Música pelas ruas e vivas ao partido regenerador” – estes são apenas alguns exemplos, mas a imprensa Regeneradora dava notícia de manifestações semelhantes por todo o país. 1 40
1 9 – Lançam-se foguetes, tocam as Bandas É pois neste conturbado contexto político que se dão os acontecimentos da noite de 23 de Março de 1 881 em Sesimbra. O conflito entre Regeneradores e Progressistas, a propósito de quem deveria organizar a festa do Senhor das Chagas, tinha atingido um ponto de grande tensão. Recordemos: o Administrador do Concelho, nomeado pelo partido Progressista, tinha intimado os Festeiros a deixar de cobrar donativos para a referida Festa, mas estes não se tinham dado por vencidos, como vimos no capítulo 1 7. Agora, com a queda do governo, os Regeneradores sesimbrenses exultaram e decidiram ir buscar a imagem sagrada à Misericórdia. Encontramos uma primeira notícia sobre os acontecimentos no Diário Popular do dia 25 – sendo um órgão do partido Progressista, o tom é dramático: Sesimbra, 24, às 10 h. e 5 m. – A queda do gabinete produziu grande tumulto por inimigos do governo. Assaltaram a Misericórdia, roubaram
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imagem, jóias e alfaias. Ameaçam provocações, pedradas e insultos. 141
O mesmo jornal apresenta uma notícia detalhada no dia 28, da autoria do Padre Domingos Nogueira: Sesimbra, 24 de Março – Começam a sentirse neste concelho os perniciosos efeitos da queda do gabinete progressista e da subida ao poder do partido regenerador. A populaça ignara, da qual alguns influentes deste partido têm sido apanágio em todas as estações públicas onde se manifesta a sua perniciosa influência, ao saber da queda do governo progressista, rompeu nos maiores despropósito e distúrbios. (_) O presidente da câmara, descendo ao nível onde a sociedade coloca os que, em épocas que enegrecem as páginas da nossa história, impunham ao povo o silêncio, a obediência absoluta, e a escravidão completa, sob pena dos mais atrozes suplícios, impôs silêncio sob pena de pancada, a um pobre e indefeso barbeiro desta localidade, o qual se ria de tento despropósito. Um outro campeão, filho deste, ameaçou de pedra e bengala em punho, um cidadão pacífico, que na sua janela observava tanta desordem e desvario. O escrivão da administração, subindo ao pelourinho, aí proferiu vivas à liberdade, “à nossa liberdade”, dizia; vamos buscar o nosso Pai das Chagas. Viva o nosso administrador do concelho! Morra o prior do Castelo. A esta última parte respondia a turba: “viva”! – Tal era o estado de exaltação a que levaram estes pobres ignorantes. (_) A turba, desvairada pelas instâncias dos mandões que a acompanhavam, dirigiuse para a porta da capela da Misericórdia, e ali, depois de serem proferidas frases revolucionárias por F. de Assis C. Pereira, guarda da alfândega, acometeram a casa do sacristão, extorquiramlhe a chave da igreja, e de archotes acesos, subiram ao altar do Senhor Jesus das Chagas,
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tiraramno violentamente, sem nenhum respeito por aquela veneranda imagem, e apossandose de todas as alfaias pertencentes ao Senhor, transportaramno no meio da desordem e do tumulto, assim como tudo mais que puderam apanhar, para a capela da corporação marítima. 142
Esta detalhada descrição dos acontecimentos, relatada pela óptica dum adeptodo partido Progressista, justifica uma resposta num jornal do partido Regenerador: Cezimbra, 24 de março – Deparousenos no Diário Popular de hoje um comunicado desta vila em que por um modo muito particular e conveniente para a política do seu autor – granjola se narram una acontecimentos que tiveram lugar por ocasião de cair o gabinete progressista. Invectivase o escrivão da administração de haver invectivado o povo à revolta, quando ele não fez mais do que manifestar o seu contentamento por se ver livre, e com ele o povo, da mais abjecta tirania e inauditas perseguições. Depois de vinte e dois meses decorridos em que um povo inteiro esteve entregue aos caprichos desarrazoados aos rancores de uns padres reaccionários e absolutistas e às vilezas duma coorte de desalmados sem consciência e sem fé em princípios políticos, era muito, que as vítimas de tanta perfídia exultassem de contentamento na ocasião em que viram raiar a aurora da liberdade?! Não por certo. O povo sesimbrense, manifestando o seu contentamento pela morte da Granja fez, como o de quase todas as localidades do reino, os seus festejos por forma a não deixar dúvida que ama a liberdade e quer ser livre. Assim pois, percorrendo as ruas acompanhado de duas filarmónicas, levantou calorosos vivas a elrei, à Carta Constitucional, ao partido regenerador e ao sr. Fontes como seu chefe. Depois, num momento de entusiasmo, lembrandose dos ardis de
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que se serviu o sr. prior do Castelo para lhe arrancar a direcção da festa das Chagas, dirigiuse à igreja da misericórdia, onde a respectiva imagem se venerava e a conduziu para a igreja do Espírito Santo, mantendose sempre na melhor ordem e máximo respeito. Este acontecimento teve lugar em consequência do sr. prior do Castelo blasonar que avia de conseguir do governador civil, firmado no direito da imagem do Senhos das Chagas se achar na misericórdia, ordem para que a mesa respectiva fizesse este ano a festa que há trezentos anos costuma ser feita pelos pescadores!!! Se refutamos o comunicado a que nos temos referido é só e simplesmente para de certa forma desfazer qualquer má impressão produzida no público, de que os povos de Sesimbra seriam capazes de cometer um desacato ou sacrilégio. Sesimbra achase tranquila e contente por ver à testa do novo governo o liberal e honrado estadista António Rodrigues Sampaio. Esta é a Verdade. // C. da C. 143
A resposta Progressista apareceu no dia 2 de Abril: Fizemos logo tenção de deixar o ilustre correspondente delirante e desvairado no seu entusiasmo, saudando a Aurora da liberdade, que veio libertálo das abjetas perseguições, das tiranias inaudita, dos caprichos, dos rancores, e de muitas outras coisas negras e cruéis, que se dissiparam na noite de vinte e três de março ao raiar da aurora da liberdade! Não se admirem desta aurora raiar às nove horas da noite; são raridades da época!! O pior é que Sesimbra não está tranquila, porque os seus amigos sr. C. da C. Continuam no seu sistema de comemorar datas, e festejar factos! (_) Agora apenas constou a nomeação do sr. governador civil do distrito, novo entusiasmo, que produziu novos festejos, doutra natureza, mas procedentes
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Pagela alusiva ao "Senhor Jesus das Chagas que se venera na Capela do EspĂrito Santo da Vila de Cezimbra"
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da mesma família – vidraças quebradas, vivas e mortas na razão da espessura dos fumos alcoólicos que iam naqueles cérebros entusiasmados. – Para poupar palavras minhas transcrevo o que li em uma carta vinda de Sesimbra do sr. João Baptista de Gouveia; leiam e pasmem “_ ontem porém continuou a cumprirse o programa dos bons cavalheiros (digo programa porque o administrador me disse no dia vinte e três que havia uma relação de todos aqueles que deviam ser insultados, e vidros partidos!) ontem depois de termos fechado as nossas portas e também o grémio, seria meia noite começaram a dar cumprimento ao recado encomendado quebrando muitos vidros das janelas do grémio, Pinto, José Pedro Frade, Rumina, Eusébio, Juvenal, e a mim até me partiram o caixilho!!...”
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Esta notícia é especialmente interessante porque identifica diversos sesimbrenses como afectos ao partido Progressista: João Baptista de Gouveia, José Pedro Frade, José Joaquim da Luz Rumina e Juvenal Pinto Soromenho. É ainda o Padre Domingos Mendonça Nogueira quem escreve, em resposta a uma publicação do Espectro da Granja do dia 8, no mesmo jornal, no dia 1 2 de Abril, cujo conteúdo desconhecemos, mas que acusava aquele clérigo de ter responsabilizado a família Pólvora como instigadora dos desacatos em que partiram as vidraças. Respondeu o Pároco: Que frase, uma única que seja, escrevemos nós, da quase conclua que a família Pólvora (mas Pólvora presidente da câmara) promoveu o quebramento de vidraças. Escrevemos na correspondência a palavra família mas não temos culpa de ignorar em quantos sentidos se pode empregar qualquer palavra.
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Mas parece evidente, pelo tom da resposta, que se tratava mesmo da família
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Pólvora, líder local do partido Regenerador. Colocada a Imagem sagrada na Igreja do Espírito Santo, a Festa organizar-se-á sem os habituais contrangimentos ou a necessidade de qualquer autorização da Misericórdia. Por via da política, parecia ter-se resolvido o problema que pertubara a devoção ao Senhor das Chagas durante décadas. A política, porém, é o domínio do instável e do provisório, como se verá adiante.
20 – A Misericórdia recorre ao Tribunal Três dias depois do “rapto” da Imagem sagrada, a Mesa da Misericórdia – apenas a mesa administrativa, apesar da gravidade do assunto – reúne e delibera colocar em tribunal o grupo que subtraiu a Imagem e as alfaias da Igreja da Santa Casa, identificando aqueles que considera terem sido os protagonistas: António Gomes Pólvora, Joaquim Crispim Pólvora, Joaquim António Gomes, Francisco de Assis Castro Sarmento Pereira, Luis Pereira Tufinha, Zózimo Maria, José Manuel da Angélica, José Correia Manjua e José Pereira Sarrabulho. 1 46 A acta desta reunião – transcrita no Anexo 1 0 – identifica igualmente aqueles que persuadiram o sacristão da Misericórdia, José Pedro Ferreira: por meio de ameaças e violências, o obrigaram a abrir a porta da respectiva capela; e penetrando nela, sem nenhuma espécie de autoridade, subiram José Correia Manjua e outros ao altar do Senhor Jesus das Chagas, tiraram esta imagem e lançando mão de todas as alfaias e ornatos que a ela pertenciam, levaram tudo para a igreja do Espírito Santo, praticando assim um manifesto roubo. 147
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A “acção especial para restituição e posse” correu pelo Tribunal de Almada, constituindo o respectivo processo um acervo precioso, quer para reconstituir os acontecimentos do dia 21 de Março, quer para documentar a forma como as forças políticas locais manipularam o seu andamento 1 48. Um aspecto curioso é que a Santa Casa nomeou como seu procurador o advogado Veiga Beirão – do partido Progressista, obviamente – figura que se viria a destacar na carreira política. 1 49 O libelo de acusação é bastante detalhado, e reproduzimo-lo no anexo 11 , destacando a seguir alguns factos mais relevantes No libelo volta-se a listar quais os objectos levados pelo agrupamento tumultuoso, salientando-se que à frente da turba seguia António Gomes Pólvora, e que a multidão, depois de ter percorrido a vila de Sesimbra: acompanhado de uma banda de música – em altos clamores, dando vivas e morras, diversas pessoas se dirigiram tumultuariamente ao campo junto da igreja da misericórdia. Que chegando aí o referido grupo, se destacou dele uma porção de gente e, entre esta, dois marítimos, por nome Manuel João Lopes e João Tavares, os quais se dirigiram às casas pegadas à igreja, em que habita José Pedro Ferreira, sacristão da mesma, e como tal encarregado pela Mesa da Misericórdia de guardar as chaves do templo. 150
Como o sacristão não obedecesse imediatamente à intimação: Foi a varanda da casa invadida por José Correia Majua, Zózimo Maria, José da Angélica, Luís Pereira Tufinha e seu filho Benjamim (os primeiros marítimos e o último ferreiro) os quais intimaram de novo, clamorosamente, o sacristão a entregarlhes a chave da igreja ameaçandoo de que se assim não fizesse lhe arrombariam a porta. Provará que no grupo dos indivíduos amotinados se achava um homem por
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nome Joaquim Pançada que trazia às costas um machado com o qual se podia facilmente realizar as ameaças dos amotinados. 151
Depois de aterrorizarem o sacristão e a família (mulher, filho e filha) este, “receoso de sair de casa, lançou as chaves da janela abaixo”. De nada lhe serviu: mesmo assim foi obrigado a sair “e a acompanhálos à igreja da Misericórdia, levando a chave, e chegados aí exigiram que lhes abrisse a porta, dispersando nessa ocasião muita da gente que fora ao campo, ficando contudo os que mais principalmente haviam tomado parte no tumulto e uma banda de música".
entraram na igreja e “subiram
Depois,
ao altar onde se achava a mencionada imagem do
Senhor Jesus das Chagas, lançaram mão dela e apoderaramse também das alfaias à mesma pertencentes”,
levando-as depois para a Capela do Espírito Santo pertencente à Corporação Marítima de Sesimbra, onde a colocaram. António Gomes Pólvora é repetidamente visado no libelo: “havia mandado já antecipadamente abrir e franquear a respectiva Capela a fim de nela serem recebidas as mencionadas Imagem e alfaias”. 1 52
O depoimento do sacristão é igualmente detalhado, descrevendo como tinha sido a pequena varanda da sua casa: invadida por Zózimo Maria, José da Angélica, Luís Pereira Tufinha e seu filho Benjamim, os quais de novo lhe gritaram que entregasse as chaves da igreja (_) tendo ele ficado aterrado com as ameaças que lhe eram feitas, e com os gritos e clamores que soltavam, e tudo a sua mulher, filho menor de 12 anos e filha ficaram também aterrados, ele testemunha foi forçada por estes motivos e até levado pela sua mulher a abrir a porta da casa e a sair levando as chaves da igreja e indo até sem chapéu na cabeça. Que obrigado pelos indivíduos que se achavam nas varandas e na frente da casa foi, acompanhado por muita gente, levado à igreja da Misericórdia e
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chegados aí foilhe exigido que abrisse a porta e como ele tremendo de susto não pudesse facilmente meter a chave na fechadura ouviu novos gritos de abrese ou não se abre, com seiscentos diabos. Que aberta a porta da igreja entraram na igreja atrás dele Luis Pereira Tufinha, Zózimo Maria e José da Angélica [ao lado do texto está escrito Ferreira, identificação da testemunha] atrás dos quais ia um tropel de indivíduos levando pelo menos um archote aceso e então o dito Tufinha ordenoulhe que acendesse as velas da banqueta do Senhor Jesus das Chagas o que feito retirouse o archote que estava aceso ordenandolhe depois com modos imperiosos que entregasse as alfaias já referidas. Que José Correia Majua e ele testemunha, por ordem do mesmo, tiraram a imagem ajudados de Rafael Pinto Soromenho. Que os indivíduos que tinham entrado na igreja conduziram então a imagem e alfaias pela porta grande, que abriram, à capela do Espírito Santo, pertencente à Corporação Marítima de Sesimbra, onde colocaram e onde se acha. 153
É curioso o pormenor destacado pelo sacristão, para reforçar o estado de pânico em que ficou, que saiu de casa: “indo até sem chapéu na cabeça”. As restantes testemunhas repetem, com poucas diferenças, sinal de que os testemunhos teriam sido previamente orientados. O pedreiro Joaquim Vitorino da Fonseca, recordava que: Efectivamente, pelas 10 horas da noite, pouco mais ou menos, sentiu música, foguetes e vivas e querendo verificar o que era foi, com sua mulher pôrse no muro do seu quintal donde se descobre o campo e igreja da Misericórdia e a casa da administração. Que viu então que da rua Direita vinha um grupo de indivíduos, à frente dos quais ia António Gomes Pólvora acompanhados de uma música, soltando vivas e morras, o qual grupo se
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dirigiu tumultuariamente para o campo e parando no adro consultaram entre si se deviam arrombar a porta da igreja ou ir a casa do sacristão. 154
O carpinteiro António Bento Farto (também conhecido por António Martins Farto): estando pelas 10 horas da noite, pouco mais ou menos, no Canino, ouviu música, foguetes e vivas e ouvindo dizer que iam buscar o Senhor das Chagas para o levar para o Espírito Santo, dirigiuse às casas do sacristão para o prevenir, e quando estava batendo à porta deste viu chegar um tropel de gente, à frente do qual ia António Gomes Pólvora, o qual parou junto do adro, veio uma porção de gente, entre a qual reconheceu Manuel João Lopes, dirigirse à casa do sacristão gritando e chamando por ele. 155
O marítimo José Silvestre da Mata, disse: Que sabe também pelo ver que no dia 23 de Março último, pelas 10 horas da noite, um grupo de ajuntamento de gente com uma música marcial na frente, e dando vivas e morras indistintamente, se dirigiu à igreja da Misericórdia e chegando ali alguns indivíduos se dirigiram à casa pegada à igreja e em que habita o sacristão (_)
[Refere que entre os participantes viu] Manuel João Lopes, João Tavares, José Correia Manjua, Zózimo Maria, José da Angélica, Luis Pereira Tufinha, marítimos, e o filho deste, por nome Benjamim, ferreiro. Ouviu também dizer que entre estes homens se achava Joaquim Proença, que trazia um machado. 156
Em 1 5 de Junho de 1 881 o processo recebeu uma primeira “Conclusão”: o Juiz, considerando que não foi junto ao processo nenhum documento que pudesse “provar que Manuel Caldeira da Costa seja o provedor da Santa Casa da
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Misericórdia, por conseguinte a pessoa legítima e competente para representar a Misericórdia”,
julgou como “ilegítima a parte requerente não conhecendo por isso do – e condenou a Misericórdia nas custas! 1 57 A Santa Casa apelou então para o Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando novos quesitos, tendo agora o cuidado de juntar ao processo uma pública forma da acta da reunião da Misericórdia em 2 de Julho de 1 880, na qual foi feita a eleição da Mesa, para desta forma suprir a “falha” detectada pelo Tribunal. Entre Outubro e Novembro de 1 881 , o processo circulou pelos Juizes da Relação, do que resultou o acórdão de que: merecimento da acção”
é fora de dúvida que aos apelantes tem de ser restituída a posse da referida imagem e alfaias entregandoselhes as mesmas por quem as tiver em seu poder. Por tudo o que fica ponderado e pelo que consta das procedentes tenções, que aqui se dão como reproduzidas, mandam que seja judicialmente restituída à Santa Casa da Misericórdia da Vila de Sesimbra a posse da imagem do Senhor Jesus das Chagas, das alfaias constantes da relação de pág. 16, sendo uma e outra coisa entregues aos apelantes por António Gomes Pólvora, como presidente da Corporação Marítima, ou por quem as tiver em seu poder.
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A Misericórdia tinha obtido uma importante vitória no Tribunal, mas a sentença nunca chegrá a ser notificada a António Gomes Pólvora
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21 – Nasce a nova Irmandade das Chagas e a Mesa da Misericórdia é dissolvida Na sequência a decisão tomada na reunião de pescadores que teve lugar na Capela do Espírito Santo, em 27 de Fevereiro de 1 891 , foram elaborados uns estatutos para a legalização da “nova” Irmandade do Senhor das Chagas – na realidade, tratava-se de um mero expediente para dar mais consistência à luta que se avizinhava pelo controlo da Imagem sagrada, tal como será admitido numa reunião da “mesa instaladora”, ao referir-se que aqueles trabalhos: eram o resultado do pedido feito ao Exmº Sr Governador Civil pelos devotos do Senhor Jesus das Chagas e mesários da Corporação Marítima, para que a festa ao mesmo Senhor continuasse a ser feita pelos marítimos e não pela Misericórdia. 159
O novo Compromisso será aprovado pelos devotos no dia 22 de Maio, quando a Imagem já se encontrava na Capela do Espírito Santo. 1 60 E o primeiro presidente eleito será o igualmente presidente da Corporação Marítima e líder do partido Regenerador local, António Gomes Pólvora – que será sucessivamente reeleito até 1 990, inclusive, embora nas actas posteriores ao mês de Abril, a sua assinatura deixe de aparecer. E, em 1 891 , a Irmandade elegerá um novo presidente: Joaquim António Gomes. Este “desaparecimento” de António Gomes Pólvora de qualquer dos cargos na Irmandade das Chagas é coerente com a situação que descreveremos mais adiante: após o atentado ao Administrador do Concelho, no início de 1 890, os líderes locais do partido Regenerador – António Gomes Pólvora e Joaquim Crispim Pólvora – afastar-se-ão para Setúbal.
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Entretanto, os Regeneradores prepararam uma estratégia para solucionar o problema criado com a sentença do tribunal, favorável à Misericórdia. Recordemos: o Governador Civil tinha poderes para destituir os órgãos directivos da Misericórdia e, como já referimos, começara por mandar fazer uma sindicância, que teve início em 24 de Janeiro de 1 882. E, em Fevereiro, numa altura em que o cargo de Administrador do Concelho era ocupado (ainda que interinamente) Notícia do jornal A Vanguarda de 4 de por Joaquim Crispim Pólvora, a Mesa Maio de 1 892 da Santa Casa foi dissolvida. Joaquim Crispim Pólvora era irmão de António Gomes Pólvora, ambos estavam acusados pela Misericórdia por terem participado no " tumulto" de Março de 1 881 , sendo ambos figuras de destaque do partido Regenerador local: a dissolução da Mesa tem todo o ar de ser uma manobra política, tanto mais que ocorre poucos meses de haver nova eleição para a Mesa – habitualmente, a 2 de Julho. E, de facto, a manobra tem apenas um objectivo: que a Comissão Administrativa, passando a representar a Misericórdia, peça a anulação do processo judicial – apesar deste já se encontrar decidido! O Alvará do Governador Civil que exonerou a Mesa da Misericórdia, tem data de 1 0 de Fevereiro de 1 882. A tomada de posse ocorreu três dias depois, sendo a Comissão Administrativa composta por: Prior Manuel António Correia da Silva, José Maria Brandão, José Maria Dias, António João da Silva e Joaquim Ferreira Salgado,
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ficando o primeiro como presidente, o segundo como vice-presidente, o terceiro como tesoureiro, e o último como vogal. 1 61 Imediatamente tomam a decisão de pedir a desistência do processo que corre em tribunal, para restituição da Imagem e alfaias: tendo conhecimento de que corre em juízo uma acção de reivindicação e posse de uma Imagem do Senhor Jesus das Chagas e respectivas alfaias, de que é autora, a Irmandade da Misericórdia desta vila, e ré, a Irmandade do Senhor Jesus das Chagas, desta vila, também considerando que a referida Imagem e alfaias, de direito, pertencem aos festeiros do Senhor Jesus das Chagas, hoje, legalmente, constituídos em Irmandade, e, de tempos imemoriais, agremiados para festejarem anualmente a mesma Imagem; que a permanência dela na igreja da Misericórdia nenhuma vantagem traz a este estabelecimento pio, antes lhe aumenta a despesa pelo culto que é necessário prestarlhe; que esta Irmandade, cujo fim é socorrer os enfermos, pelo facto desta pendência tem necessariamente, de fazer avultadas despesas, para sustentar o pleito, desencaminhandose, assim, para fins diversos, a receita, que tão necessária se torna; que, conflitos desta ordem; são sempre em menosprezo da religião; que perturbações sensíveis da ordem pública tem havido nesta Vila e que piores poderá haver, se de facto e de direito não for morta esta questão; a Comissão desiste da mencionada acção de reivindicação e posse, e de todos e quaisquer direitos que a Irmandade da Misericórdia desta vila, que hoje representa, possa ter à referida imagem do Senhor Jesus das Chagas e respectivas alfaias. 162
A pressa na realização destes passos foi o motivo pelo qual o livro de actas em uso desde 1 880, foi interrompido na folha 1 4, recebendo mais tarde, em 1 0 de
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Março, o averbamento de que “achandose
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reunida a Comissão Administrativa em
sessão deliberou não escrever mais neste livro pela razão de quando a Comissão tomou posse desta administração não lhe ter sido logo entregue o arquivo”. 1 63
Na mesma reunião deliberou constituir seu procurador o advogado José Gabriel Holbeche 1 64, coadjuvado pelo procurador António da Costa Rodrigues, “para que em juízo requeiram o que necessário for a fim de se tornar efectiva esta desistência”.
Estava assim “morta”, não a questão da posse da Imagem do Senhor das Chagas, mas sim a questão judicial: um golpe palaciano. Note-se que o presidente da Comissão Administrativa era, nada mais nada menos, do que o Pároco de Santiago, tal como pertencia à Paróquia de Santiago o padre Joaquim Ferreira Salgado: a política colocara na administração da Santa Casa a “corporação” com que esta, durante décadas, se tinha degladiado. Entre os nomes da Comissão Administrativa e os responsáveis da recentemente legalizada Irmandade das Chagas também existiam “coincidências”: na sessão de aprovação dos Estatutos, a mesa fora presidida por Joaquim Ferreira Salgado, sendo José Maria Brandão um dos vogais. E entre os proponentes dos estatutos estava António João da Silva. Com a nova relação de forças, a Imagem do Senhor das Chagas irá permanecer durante vários anos na Capela do Espírito Santo, e à guarda da respectiva Irmandade, “erecta” naquela Capela – mas apenas até que a relação de forças, por força do Rotativismo e das dinâmicas políticas locais, faça pender o fiel da balança para o lado dos Progressistas, o que acontecerá em 1 895. Mas, antes disso, ainda a vida política da vila irá conhecer alguns dos mais graves acontecimentos que aqui ocorreram: os tumultos de 1 5 de Fevereiro de 1 889, e o atentado contra a vida do Administrador do Concelho, em 23 de Fevereiro de 1 890, que veremos a seguir com algum detalhe.
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22 – Revolta-se a Maria Café Em 1 4 de Fevereiro de 1 889 teve lugar em Sesimbra, durante as operações de sorteio para o recrutamento militar, uma revolta popular, onde se destacou uma mulher, Eusébia Maria Café, que ficaria conotada como uma espécie de Maria da Fonte sesimbrense. Em todos os anos tinham lugar as “sortes”, isto é, o sorteio de números, entre os jovens na idade da recruta, para incorporação militar no período seguinte. O acto era simples: através de uma urna, era atribuído, “à sorte”, a cada um destes jovens, um número, começando no n.º 1 , até ao número de mancebos em idade de recruta, de cada ano. Um número baixo era mau – para quem gostaria de evitar a recruta – e um número alto, era bom, porque o contigente de cada ano era preenchido pelos mancebos com números mais baixos. Nesse ano de 1 889 havia, para os jovens em idade de ir às " sortes" e suas famílias, uma contrariedade adicional. Tradicionalmente, os marítimos eram recrutados para a Marinha, o que era bem aceite, por contrapartida com o recrutamento para o Exército. Porém, tinha havido uma alteração da lei eleitoral, que abria a possibilidade de, para além da Marinha, os marítimos poderem ser também recrutados para o Exército: era uma novidade, e o método da dupla atribuição de números, ao que parece, era algo confuso. Segundo a lei de recenseamento de 1 2 de Setembro de 1 887 (Art. 56.°), deveriam ser realizados dois sorteios: um para o Exército e outro para a Marinha – este seria o primeiro a ter lugar, abrangendo todos os mancebos que exercessem “habitualmente a profissão marítima no alto mar ou nas costas”. O mesmo artigo determinava que o segundo sorteio, para o exército, seria realizado entre “todos os mancebos inscritos na lista que não tiverem tirado número que os faça pertencer ao contingente naval.” Um decreto adicional, de 1 3 de Outubro de 1 886, especificava: “O sorteio para o serviço do exército será feito por
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freguesias ou grupos, seguidamente ao da armada, e compreenderá todos os mancebos constantes da competente lista, que não têm as profissões marítimas, bem como aqueles que, embora as tenham, não hajam tirado o número que os faça pertencer ao contingente naval da sua freguesia”
(art. 1 4.º). Em termos práticos, esta disposição, aumentava a probabilidade de recrutamento para os jovens marítimos, pois se tivessem tido a "sorte" de ficar de fora do contigente da Armada, voltariam a ser sorteados para o Exército – além de corresponder à perda do que era considerado um direito: que os jovens de profissão marítima seriam apenas recrutados para a Armada. Uma das frases que as mulheres terão gritado durante a revolta, foi: “o meu filho já foi sorteado na barriga, não tem agora que ser sorteado mais duas vezes”. 1 65 Assim, a situação do ajuntamento que, como era habitual, se formava no largo do Pelourinho (actualmente, Largo do Município), pelos jovens e suas famílias, caracterizava-se, nesse ano, por uma maior ansiedade. Acontece que, durante o sorteio – as descrições não coincidem neste ponto – terá havido alguma confusão: um dos papéis numerados terá caído para o chão, e a mesa eleitoral terá decidido repetir o sorteamento daquele mancebo. A situação, entre a população presente – na sala da Câmara e na rua – foi interpretada como uma manobra fraudulenta para isentar um jovem protegido pelo presidente da Câmara – que, nesta altura, era Carlos Caldeira da Costa, filho do “nosso conhecido” Manuel Caldeira da Costa. A ansiedade e o incidente terão servido de rastilho para o tumulto, houve tiros de parte da autoridade, e os os membros da Comissão Eleitoral acabaram por fugir do edifício da Câmara por uma saída escusa, talvez pelo telhado – facto que ainda mais acirrou os ânimos, por ter sido interpretado como uma admissão de culpa. Em crescendo, o tumulto acabou por resultar na invasão da Câmara, da Administração do Concelho e dos serviços da Fazenda – tudo localizado no mesmo largo, de onde foram retirados os livros de registo, queimados numa grande fogueira
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no mesmo largo. A ocorrência deu lugar a muita tinta na imprensa regional e nacional, não cabendo no âmbito deste trabalho detalhar o que se escreveu. Citaremos apenas, por se tratar de matéria nunca antes republicada, algumas notícias: Na quintafeira pretérita houve em Sesimbra grande alvoroto por causa dos sorteamentos para a armada e para o exército. O marítimos quando ficam isentos por tirarem número alto são obrigados a tirar outro número de outra urna para o serviço do exército. Parece que foi isto que, quando chegou ao conhecimento do público, fez que os mancebos e mais gente se revoltassem contra a comissão do recenseamento e autoridades. As janelas foram apedrejadas, as autoridades e os empregados fugiram pelo telhado depois de terem disparado alguns tiros de revólver, cremos que para amedrontar a multidão e dar mais facilmente lugar á fuga (...) O povo, ouvindo os tiros, mais se revoltou. Invadiu o edifício, fez saltar a mobília e os arquivos pelas janelas fora, e pelas ruas fez fogueiras a tudo. De tarde, apenas se viam os destroços feitos pelos revoltosos, e à noite, tudo sossegado (_) . 166
O órgão do partido Regenerador, aproveitou para atacar o governo: Houve ontem grave conflito em Sesimbra por causa das grandes tramóias, que a autoridade administrativa estava fazendo no sorteio militar. Consta que o povo indignado fez justiça por suas próprias mãos. O governo mandou a toda a pressa para Sesimbra um destacamento de caçadores 2. E assim se governa agora! As autoridades oprimem, vexam, exorbitam, e o governo responde à justa
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indignação do povo com a ameaça de baionetas!
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Mas também outros órgãos da imprensa criticaram as autoridades: Sempre a adversidade contra o pequeno, contra o fraco, contra aquele que menos culpa tem das inevitáveis consequências da ostentação das leis, que não têm um cunho de fraternidade, para prova de que somos uma nação cristã! (...) É opinião geral, unanimemente aceite, que a lei que regula o sorteamento dos mancebos para a armada, é profundamente iníqua e profundamente bárbara aos olhos da civilização, despótica até, tanto por parte de quem a fez, como por parte de quem a referendou. (...) Em Sesimbra o administrador do concelho foi avisado do estado de exaltação em que estavam os ânimos dos marítimos recenseados, por saberem que era obrigado a tirar a sorte para o exército aquele que, na primeira sorte, ficasse isento para a armada (...)
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O modo como os presos foram levados para o Tribunal de Almada, também teve eco crítico na imprensa: Achamos muitíssimo sensatas as reflexões apresentadas ontem pelo Diário de Notícias, com respeito à forma porque foram conduzidos, de Sesimbra para Almada, os presos implicados nos tumultos provenientes do desgosto que tiveram os marítimos por serem obrigados a tirarem duas vezes a sorte. Os presos iam atados, a dois e dois, comos e foram celerados. Diz o colega, com muita razão, que o tempo do nó nos pulsos e no pescoço, já felizmente passou. Lá está a justiça para os absolver ou condenar. Antes disso é afrontoso o procedimento de conduzir atados, homens que talvez alguns deles estejam bem inocentes. 169
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E, de facto, com uma “ajudinha” do sistema de jurados, o tribunal acabaria por a todos mandar em paz: Os supostos criminosos dos tumultos de Sesimbra foram absolvidos, porque o júri não deu nada por provado. 170
23 – Atenta-se contra a vida do Administrador No dia 24 de Fevereiro de 1 890 deu-se em Sesimbra um atentado contra a vida do Administrador do Concelho, recentemente nomeado pelo partido Regenerador, Augusto Forjaz Sampaio – e perpetrado por membros do Partido Progressista. O próprio Forjaz resumiu a ocorrência, desta forma, num livro que escreveu anos mais tarde: Em Fevereiro daquele ano o governo regenerador nomeoume para ir administrar Vila Franca, e, meia hora depois, para salvar em Cezimbra a candidatura de Jayme Artur da Costa Pinto contra Gomes Neto. Encontrava me no gabinete do governador civil de Lisboa, visconde de Paço de Arcos, depois conde, quando ali entrou Barjona, na companhia do seu recomendado dr. Rocha. Foi este o quarto encontro. dai a pouco, eu e o dr. Rocha saímos juntos, separandonos para a eternidade. Poucos dias passados, no Cadaval, aquele novo administrador foi baldeado do cavalo e morto, pelas costas, com dois zagalotes. No dia 23, pela tarde, em Cezimbra, dispararamme à queimaroupa um revólver sobre o peito, roçandome outra bala pela testa. Lá consta do processo, um volume de
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tricas, que levou mais de dois anos, conseguindo pôr na rua os autores do caso, que o verdadeiro réu deveria ainda por cima ser eu, por ter recusado, nos três dias anteriores ao crime, a bagatela de 100 libras para bandearme com a oposição. Valeume ter andado num rio sobre a sepultura, num dia morto pelos telegramas da imprensa, no outro a expirar pela opinião da medicina, que, à falta de melhor curativo, discutiu junto de mim a vantagem de autopsiarme e transferirme o corpo para Lisboa. A 10 de Abril desse inolvidável ano de 1890, o meu querido e saudoso amigo José Tomaz de Sousa Martins, a quem devo a vida, autorizoume a sair.
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Este curioso testemunho, começa por ser a confissão, pela pena do próprio, de que a sua nomeação para Administrador do Concelho, tivera como Augusto Forjaz Sampaio, vítima do objectivo influenciar as eleições atentado de 1 890 próximas. Este atentado acabou por dar origem a dois processos em tribunal: um deles, aberto pelo Ministério Público (aquele a que Augusto Forjaz se refere na citação supra) e outro interposto por Joaquim Inácio Franco, contra José dos Santos Peixinho, Justiniano Marques Pereira, Benjamim Carlos Pereira, Rafael (o mulherengo), Joaquim Crispim Pólvora e António Gomes Pólvora. 1 72 Este último processo – de que foi autor um partidário Progressista e, portanto,
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suspeito de alinhar com os autores do atentado! – é muito revelador acerca da divisão partidária que se vivia em Sesimbra naquela época, ajudando a compreender, quer o alinhamento partidário de alguns sesimbrenses, quer o modus operandi daqueles partidos na localidade. É o próprio Joaquim Franco quem, no libelo acusatório, confessa que ele: “é tido e havido como amigo e partidário dos srs. Rumina e Caldeiras e que por este facto pesa sobre ele o ódio rigoroso dos adversários, especialmente as do Peixinho e Cambalhota". 1 73
Várias testemunhas confirmaram o seguinte: logo que foi colocado em Sesimbra no cargo de Administrador do Concelho, o Regenerador Augusto Forjaz foi contactado pelos Progressistas, que o tentaram corromper. Este, optou por fingir-se interessado em obter mais informações sobre o que poderia ganhar e, ao mesmo tempo, participou o caso aos seus superiores, os quais enviaram a Sesimbra um inspector para fazer uma sindicância. Sabendo que a sua tentativa de corrupção tinha sido desmascarada, os Progressistas armaram uma cilada a Augusto Forjaz, na noite daquele dia 24 de Fevereiro: sabendo que o Administrador se preparava para fazer uma ronda pela vila, simularam uma zaragata na rua, com um fulano a pedir por socorro, na zona de ligação entre os largos do Caldeira e da Fortaleza (actualmente designados: José António Pereira e António Baptista). Chegado o Administrador ao local, quando tentava acalmar os ânimos, foi alvejado a tiro por José Manuel do Giro: e este, juntamente com José Inácio Embaixador, seriam depois presos pelas autoridades e acusados pelo Ministério Público. A versão do processo judicial intentado pelos Progressistas apresenta uma versão muito diferente: tendo havido mudança da cor política do Administrador do Concelho (antes era o Progressista José Rumina, agora o Regenerador Augusto Forjaz) os Regeneradores, dirigidos por António Gomes Pólvora e Joaquim Crispim Pólvora, resolveram matar o Rumina:
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na noite desse dia, à entrada da rua de São Paulo fora dito por Joaquim Crispim Pólvora a Justiniano Marques Pereira que a armadilha que tinham preparado para esse dia, da qual tinha sido incumbido Benjamim Carlos Pereira, não tinha produzido o efeito desejado, sendo portanto muito preciso que no dia seguinte, domingo, se arranjassem as coisas “de forma que se metam os cães grandes na cadeia”. 174
e que: tanto Crispim Pólvora como António Gomes Pólvora declararam em diversos pontos e por repetidas vezes a diversos indivíduos que tanto Rumina como os seus partidários e amigos ou haviam de sair de Sesimbra ou seriam corridos e mortos nas próprias ruas da vila. 175
E finalmente, na fatídica noite: Quando o requerente e participante, com outros, iam a passar do largo do Caldeira para o largo da Fortaleza, saíramlhe à frente na pequena rua que se mete de permeio, Peixinho, Justiniano Cambalhota, Benjamim e outros, sendo então o requerente e participante agredido com bastantes pauladas na cabeça e por todo o corpo, e estando o Cambalhota nessa ocasião com o revólver na mão, gritou: “lá vem ele rapazes, carga!” Tendose ouvido então varias detonações e ouvindose também alguém dizer na mesma ocasião “lá caiu ele”, atribuindose ao Cambalhota este tiro que feria o Administrador, bem como estas frases. 176
Esta versão, atribuindo a um conhecido partidário Regenerador – Justiniano Marques Pereira, o Cambalhota – a autoria dos tiros contra o Administrador e membro
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do mesmo partido, não fazia qualquer sentido, e este processo acabaria mesmo por ser anulado por um juiz do tribunal de Almada, com o argumento de que, para o mesmo crime, não poderiam correr dois processos em simultâneo. Em todo o caso, quer o libelo acusatório, quer os depoimentos das numerosas testemunhas de acusação que foram indicadas por Joaquim Inácio Franco, reforçam o quadro de divisão partidária, entre os dois pólos do Rotativismo sesimbrense, ficando bem claro quem eram os líderes de cada uma das facções: Caldeira da Costa e Rumina pelos Progressistas, António Gomes e Joaquim Crispim Pólvora, pelos Regeneradores: Que os referidos Benjamim, Peixinho, Rafael e Cambalhota são agentes partidários dos srs. Pólvoras, sendo público e notório que observam e dão cumprimento restrito a todas as ordens daqueles senhores. 177
No mesmo sentido, o depoimento da testemunha Luís Augusto Xavier de Bastos: Que mais sabe por ver por diversas vezes em diferentes ocasiões que aquele Benjamim Carlos Pereira despeitava todos os indivíduos que se acham filiados no partido Progressista, por os considerar inimigo dos Pólvoras, chefes do partido Regenerador em Sesimbra. 178
O julgamento arrastou-se por dois anos: Os réus, apelando da pronúncia pelo crime de homicídio frustrado, com a agravante da premeditação, conseguiram obter nos tribunais superiores que fossem pronunciados apenas pelo crime de ferimentos, sem intenção de matar, a que corresponde uma pena insignificante. Também conseguiram que o julgamento se fizesse com jurados da localidade, não sendo
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requisitado um júri misto, que eles tanto receavam. Também, pela delonga que houve no julgamento, retiraram da localidade a maioria das testemunhas de acusação. 179
Um outro jornal, resumiu desta forma o epílogo: As testemunhas de defesa depuseram tibiosamente, metendo os pés pelas mãos. A acusação, sustentada pelo sr. dr. Aragão, foi curta mas incisiva e duma lucidez brilhante, e se foi debute, como nos disseram, sua ex.ª mostrouse à altura do seu espinhoso lugar... A defesa, sustentada pelo sr. dr. Barbosa de Magalhães, foi impetuosa, sendo em certo ponto um pouco exagerada e ofensiva para as testemunhas e queixoso, a quem não poupou insultos, sendo por duas vezes chamado à ordem... O crime foi dado como não provado e os réus absolvidos, o que não foi surpresa para ninguém. Escusava mesmo o advogado de tão longo aranzel !...
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Um crime materializado num ferido por bala, numerosas testemunhas comprovando a autoria dos disparos, e a confissão dos acusados de que tinham agido “sem intenção de matar”, não foi suficiente para se provar o crime: consequência habitual dos jurados sujeitos às pressões dos caciques locais, reconhecendo o próprio jornal que a absolvição não foi surpresa para ninguém. O nível de violência atingido em Sesimbra teve, no entanto, consequências políticas: os chefes do Partido Regenerador, perante este crime e perante boatos que anunciavam atentados à sua própria vida, retiraram-se para Setúbal, onde também tinham negócios. Verdadeiro ou não o boato, a precipitada ida para Setúbal, onde fixaram residência, dos chefes regeneradores, confirma a piedosa intenção do
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inocente grupo que o Rumina chefiava. 181
Com a desmobilização dos líderes do partido Regenerador, a vila entra num período mais calmo, que só virá a ser perturbado em 1 896, com a entrada do ideário socialista na comunidade piscatória, e o início dum outro período de agitação social e de greves, que conhecerá o seu pior momento em 11 de Abril de 1 900, quando um destacamento militar se confrontou com pescadores em greve, resultando num trágico saldo de três mortos.
24 – Abre-se uma Escola e um Hospital A Santa Casa, ao longo do resto da década de 1 880, continuou a ser dirigida pelos nomeados em 1 882, inicialmente na qualidade de Comissão Administrativa e, a partir de Julho de 1 885, como Mesa eleita nos termos do Compromisso. Várias tentativas de eleição subsequentes, no entanto, falharam, ou por insuficiência do número de eleitores, ou porque os eleitos não tomaram posse: como aconteceu em 1 890. Finalmente, em Julho de 1 891 , poucos meses depois do atentado e da "retirada" dos líderes Regeneradores para Setúbal, foi eleita e tomou posse uma Mesa tendo como Provedor Carlos Caldeira da Costa: o filho de Manuel Caldeira da Costa concretizou uma mudança geracional que foi, também, uma mudança política: depois de alguns anos de gestão Regeneradora, a Misericórdia voltava a ser controlada pelos adversários. Carlos Caldeira da Costa manter-se-á durante vários anos no cargo de Provedor, com excepção do período de dois anos, de Julho de 1 900 a Junho de 1 902, até que, na sequência da instauração do regime Republicano, a Mesa foi destituída, sendo mais uma vez nomeada uma Comissão Administrativa. 1 82
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Neste período a Santa Casa também passou por algumas dificuldades. Em Fevereiro de 1 894 a Mesa voltou a introduzir algumas alterações nas missas obrigatórias, por não poder “arranjar um capelão, pelo diminuto ordenado que lhe poderia e está autorizada a arbitrarlhe”. Assim, as missas do legado do Capitão de Mar-e-Guerra José de Carvalho, instituídas em todos os Domingos e dias santos, passaram a poder ser celebradas “em quaisquer outros dias”. 1 83 Com a conclusão do hospital, a vida da Santa Casa passou a estar muito centrada no seu funcionamento, embora não existam registos que nos revelem em que condições é que as novas instalações, que se encontravam a ser ultimadas em 1 892, passaram a funcionar. Apenas com as Mesas presididas por Carlos Caldeira da Costa é que se voltam a registar iniciativas relativas ao hospital. Assim, em 1 895, a Santa Casa deu um grande passo, com a contratação de “três irmãs hospitaleiras” 1 84 para a assistência hospitalar: a decisão fora tomada em Dezembro de 1 894 e, no dia 5 de Janeiro de 1 895, foi feita a sua apresentação à Mesa, que lhes confiou a “direcção dos serviços hospitalares”; não receberiam qualquer remuneração, à excepção de um parco subsídio de “12 mil réis anuais a cada uma, para o hábito”. 1 85 Depois de décadas de disputas masculinas por causa de remunerações, três mulheres apresentavam-se para trabalhar graciosamente para a Santa Casa da Misericórdia! Outra importante iniciativa da Misericórdia foi a da criação, nas suas instalações, de uma escola para ministrar o ensino primário a raparigas, escola cujo funcionamento já foi testemunhado em Março de 1 897 por Baldaque da Silva, quando visitou a vila: No edifício do hospital da Misericórdia, comunicando com este, do lado do leste, há mais uma outra aula para o sexo feminino, onde eu vi umas 130 meninas, cujo ensino é dirigido pelas Irmãs hospitaleiras. Por baixo da aula, que é muito espaçosa, existe um compartimento igual que serve de recreio
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para as crianças brincarem. Também aqui notei boas cores e frescura nas meninas, mostrandose muito vivas e alegres. Informaramme de que, quando foi a inauguração deste hospital, a 6 de Janeiro último, houve uma exposição dos trabalhos das alunas, onde figuraram bordados de muito me recimento. 186
Baldaque da Silva, no entanto, anota um aspecto que considera menos positivo: Conquanto separado por uma passagem interna, não me parece conveniente uma escola de meninas paredes meias com um hospital, único, mais a mais, que existe na localidade, e que, portanto, recebe enfermos com todas as moléstias, ainda as mais contagiosas. 187
Este testemunho coloca a inauguração do hospital em 6 de Janeiro de 1 897, mas seguramente já se encontrava em funcionamento antes disso, como o prova a contratação das irmãs Hospitaleiras. Porém, mantém-se a dúvida sobre o que se teria passado com as novas instalações desde 1 892, ano em que, como vimos, se ultimavam as respectivas obras. Outro impulso dado à Santa Casa foi o da obtenção de subsídios de particulares. Em 1 895 foi recebido do Administrador do Concelho, João Inácio de Oliveira, um donativo de 48$450 réis, proveniente de uma subscrição que tinha sido por ele aberta para “socorrer os marítimos pescadores do alto”. 1 88 Em 1 903, Delmina Pereira Loureiro, falecida em Agosto desse ano, deixou em testamento um legado de um conto de réis em dinheiro, mas com o encargo de, “mandar dizer vinte missas, da esmola de quinhentos réis cada uma, em todos os períodos de um ano que decorrerem do dia do seu falecimento, e fazer ofícios em cada dia do aniversário do mesmo falecimento”,
por alma da testadora. 1 89 No ano seguinte foi recebido um legado de 1 00 mil réis em dinheiro, da falecida
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Amália Caldeira Monteiro. 1 90 E, em 1 905, foi recebida, como legado póstumo de Amélia Cândida Preto Frade, a importante soma de seis contos de réis, com o encargo de se mandar fazer nos aniversários do seu falecimento “um ofício cantado, gastandose quarenta mil réis e dandose de esmola aos pobres sessenta
mil
réis;
mandarse
fazer,
também anualmente, uma festa cantada, com sermão, a Nossa Senhora de Lourdes, e no seu próprio dia, gastando se trinta mil réis; darse três prémios anuais, sendo um de dez mil réis, outro de seis mil réis e outro de quatro mil réis às
três
alunas
mais
distintas
em
aplicação do estudo, do colégio desta corporação, e, quando este deixe de existir, cumprindose a mesma disposição com as alunas do colégio municipal, nas mesmas circunstâncias". 1 91
Na sequência destes donativos a Misericórdia deliberou, em 1 906, “a colocação
nas paredes da Igreja da Misericórdia, interiormente, uma de cada lado, duas lápides, em cujas inscrições se peçam orações por alma de D. Amélia Cândida Preto Frade e D. Delmina Pereira Loureiro”
– placas que ainda se conservam no
interior daquele templo. Mas nem estes legados serão suficientes para acorrer às despesas colocadas pelo hospital, tanto mais que se verificara uma quebra das receitas por causa da desamortização, com os foros a ser vendidos com o abatimento de 20 a 30 %, para a sua conversão em inscrições. Assim, foi decidido solicitar aos proprietários de 1 92
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armações de pesca ” donativos certos, anuais, em relação ao respectivo número de armações e durante o tempo de exploração da pesca, para assim se poder continuar a prover do tratamento dos doentes”, 1 93
acolhimento de vários daqueles armadores.
iniciativa que recebeu bom
25 – Extinguem-se a Irmandade das Chagas e a Confraria do Espírito Santo No dia 7 de Setembro de 1 895, um alvará do Governador Civil de Lisboa extinguiu a Irmandade do Senhor Jesus das Chagas, “sendo todos os seus bens adjudicados à Santa Casa da Misericórdia desta vila” – era então Administrador do Concelho, João Inácio de Oliveira, cunhado de Manuel Caldeira da Costa: dominava, de novo, o partido Progressista. Tratou-se, no entanto, apenas da extinção da organização legal que fora criada em 1 891 , para fazer frente, em termos legais, à intenção da Misericórdia de se apropriar da organização da Festa do Senhor das Chagas: o impulso dos devotos certamente se manteve, embora, agora, a Imagem tivesse voltado para o domínio daqueles que tinham pretendido apropriar-se da organização – veremos o que se passou a este respeito, no Capítulo seguinte. Um último episódio desta confrontação de quase um século – pelo menos – deuse com a transformação da Corporação Marítima, também designada como Confraria ou Casa do Espírito Santo, numa simples Associação de Socorros Mútuos, transformação consumada em 1 897. O espírito do Liberalismo sempre batalhara no sentido de que as antigas Confrarias, com a sua múltipla função de representação de grupos profissionais,
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assistência social e de saúde, e também de assistência religiosa e espiritual, se deveriam reduzir apenas à assistência social – ou “monte-pio” – com o abandono das invocações e de funções religiosas. No entanto, a Corporação Marítima sesimbrense, conseguiu, durante décadas, resistir a essa “redução”. Em 1 858, numa alteração do seu Compromisso, incluiu a ideia do “monte-pio” – a qual se enquadrava bem com a função assistencial que sempre tivera – mas manteve, quer a designação de Confraria do Espírito Santo 1 94, quer as obrigações religiosas, e nomeadamente as de aplicação dos seus fundos: – para conservação da Capela do Espirito Santo, e do edifício contíguo; – para os necessários arranjos da Igreja, suas alfaias e guisamentos; – para uma Missa cantada no dia do Espírito Santo, e outra em dia de Sam Pedro; – para ter um Capelão que diga Missa aos domingos e dias santos na dita Capela, esperando pelos marítimos, que estiverem no mar, o tempo conveniente, em conformidade dos Breves Apostólicos, de cujas regalias a Confraria goza; – para a conservação e fornecimento da Botica; – para os ordenados do Boticário, e dos Facultativos do partido da Confraria, e do Andador encarregado do arranjo da Capela, conforme os ajustes celebrados com a Mesa.195
Para além disso, ainda estava autorizada a recorrer aos seus fundos “para
a
reconstrução, reparos e conservação dos Calhaus, aonde residem na maior parte do ano grande número de Confrades, pertencentes às companhas empregadas nas armações de pesca desta Costa”.
Estes direitos mantiveram-se com uma nova alteração do Compromisso em 1 869, com excepção da referência aos Calhaus, que nessa altura foi eliminada.
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Só com a alteração aos estatutos, aprovada superiormente em 31 de Agosto de 1 897, é que desaparecem, quer a designação de Confraria do Espírito Santo, quer a referência à Corporação Marítima, quer ainda as competências em matéria religiosa: Eu ElRei Faço saber aos que este meu Alvará virem que, Atendendo ao que Me representou a associação de socorros mútuos estabelecida na vila de Cezimbra com a denominação de Confraria do Espírito Santo da Corporação Marítima da Vila de Cezimbra pedindo a Minha Aprovação para os estatutos por que pretende regularse (_) Hei por bem aprovar os estatutos da referida associação, que passa a denominarse Associação de socorros mútuos Marítima e Terrestre da Vila de Cezimbra.
196
Não há dúvida de que se tratou da liquidação duma organização estruturada numa filosofia secular, e da criação de uma nova organização, promovida pelos novos capitalistas que agora dominavam a indústria de pesca sesimbrense, acolitados no partido Progressista, e que inscreveram nos novos Estatutos, entre os seus objectivos, o de: aproximar os patrões e os operários, cujos interesses longe de serem antagónicos devem andar irmanados em nome da solidariedade social e das doutrinas de paz e amor do próximo, que Jesus Cristo proclamou há quase dois mil anos. 197
Suprema hipocrisia: no mesmo acto em que erradicaram a componente religiosa da organização secular, invocam Jesus Cristo: apenas uma variante da utilização da Imagem do Senhor das Chagas com fins partidários.
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26 – Continua a Festa, surge o Arraial Consequentemente com a extinção da Irmandade das Chagas, a Imagem sagrada voltou para a Misericórdia, no dia 20 de Setembro de 1 895 1 98. A imprensa limitou-se a uma lacónica notícia no jornal A Vanguarda (reproduzida na página seguinte). Pouco se conhecesobre o modo como terá decorrido a Festa durante o período em que a Imagem esteve na Capela do Espírito Santo. Uma pagela dessa época (reproduzida na página 86) apresenta uma imagem de Cristo crucificado, com as seguintes legendas: O Senhor Jesus das Chagas que se Venera na Capela do Espírito Santo da Vila de Sesimbra
e: O Exm.º Sr. Cardeal Patriarca concede 100 dias de Indulgência a quem diante desta Imagem rezar um Padre Nosso e Avé Maria.
Uma referência à procissão foi publicada no jornal Setembro de 1 891 :
O Cezimbrense
de 6 de
Enquanto foi feita livremente, e por iniciativa dos honrados pescadores, a festividade do Senhor Jesus das Chagas, veneranda imagem que, segundo a tradição, aportou à praia de Sesimbra em 1534, foi a melhor da localidade, mas a intervenção de elementos políticos fêla decair do seu antigo esplendor. 198A
Esta crítica representa o ponto de vista dos Progressistas – alguns dos quais, são citados elogiosamente noutra parte do mesmo jornal – e os " elementos políti
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cos"
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eram seguramente os Regeneradores que, nesta altura, dominavam, ou influenciavam a organização da Festa. Repare-se que, para dar força a esta crítica, já era válido o elogio do tempo em que a festa era organizada pelos “honrados pescadores”, apesar da tentativa de a entregar à Misericórdia ter sido, na altura, justificada pela censura a essa mesma organização: contradições do discurso político... Mas é verdade que, depois que a Imagem sagrada voltou para a Misericórdia, ela irá adquirir um outro “esplendor”, com o acrescento do “arraial”: um parque de diversões mundanas, ao gosto da burguesia lliberal, e que em Sesimbra já se praticava nas festividades de Nossa Senhora do Carmo e de Santa Cecília, organizadas, respectivamente, pelo Grémio e pela Sociedade Recreativa Impressão Musical. Segundo Rafael Monteiro, o Juiz da Festa, em 1 896, foi José Joaquim da Luz Rumina 200: o cunhado de Manuel Caldeira da Notícia do jornal A Vanguarda de 26 de Costa e também chefe dos Setembro de 1 895, sobre o regresso da Imagem à Misericórdia, mas enganando-se Progressistas de Sesimbra, , cujo sobre qual o governo que "caíra" em 1 891 : gosto pelas organizações festivas Progressista e não Regenerador. lhe valeria o apodo de “Zé das Festas”. Nos anos seguintes, o cargo de Juiz recaíu em: José Manuel Rapaz (1 897), José Manuel Rapaz ou Joaquim da Conceição Reis (1 898), António Joaquim Coelho (1 901 ), Sebastião Pinto Chumbau (1 902), e de novo José Joaquim da Luz Rumina, em 1 908. 201
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Ainda segundo Rafael Monteiro, foi neste ano de 1 908 que, pela primeira vez, a Festa do Senhor das Chagas contou com um “arraial”. 202 No ano seguinte, a Festa das Chagas assumiu ainda maior fulgor, conforme testemunhou o correspondente de Sesimbra do Portugal – jornal católico, intimamente ligado ao Partido Nacionalista, também de matriz Notícia do jornal A Vanguarda de 6 de Maio de 1 896: a procissão grande realizou-se no católica. A grandiosidade das festas dia 3, regressando à Misericórdia no dia seguinte. desse ano, bem como a excelente cobertura que aquele jornal lhe deu, em primeira página, pode estar relacionada com o facto de ser presidente da Câmara – e também deputado – o advogado sesimbrense António Correia Peixoto, militante do Partido Nacionalista. Logo no dia 4 de Maio, o jornal publicou: Em Cezimbra / Grandes festas – Imponente sessão solene no «Grémio Cezimbrense» Notáveis discursos dos srs. Dr. Peixoto Correia, dr. Pinheiro Torres e Almeida Garret. Têm decorrido brilhantíssimas as festas em honra do Senhor Jesus das Chagas. A parte religiosa, sobretudo, revestiu um esplendor extraordinário. No domingo de manhã houve missa de pontifical pelo sr. ArcebispoBispo da Guarda, prégando ao Evangelho, o sr. dr. Luíz Gonzaga Cabral, o distintíssimo orador que toda a Lisboa conhece e aprecia e que incontestavelmente é um dos mais privilegiados e formosos talentos da
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nossa terra. De tarde, TeDeum e sermão por s. ex.ª rev.ª o sr. ArcebispoBispo da Guarda que produziu uma magistral oração que a todos impressionou vivamente. Aproveitando o ensejo das festas efectuouse no «Grémio Cezimbrense» uma imponente sessão solene para ser inaugurado o retrato de sua Majestade ElRei. (_)
203
Na edição do dia seguinte volta a destacar-se a missa, celebrada de manhã, pelo Arcebispo-Bispo, e a procissão, de tarde: Em seguida organizouse a procissão, que percorreu as principais ruas da cidade [sic], incorporandose mais de 800 pessoas. No couce da procissão ia a banda de caçadores 5 e uma força de infantaria 11. Ao recolher a procissão, o rev. Dr. Luiz Gonzaga subiu ao púlpito, falando coma sua habitual eloquência. (…) Após o sermão, a Imagem do Senhor Jesus foi conduzida para a capela da Misericórdia. À noite houve arraial e iluminação, tocando num coreto a banda de caçadores 5 (_)
204
Nem parece um Festa de pescadores: tudo indica que, durante este período, a Festa se manteve sob a tutela da burguesia local, acolitada no Grémio, sede dos Progressistas. A situação só se alterará com a implantação da República, quando a estrutura política local foi profundamente abalada, passando o poder e os cargos de influência para o partido Republicano, e quando subiu ao poder um ideário anti-religioso, que publicou leis proibindo as procissões e o toque dos sinos. Em Sesimbra, até as Irmãs hospitaleiras foram obrigadas a deixar de usar o hábito da sua Ordem, Não sabemos o que terá acontecido às Festas de Maio entre 1 911 e 1 91 3, perío-
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do em que foi Administrador do Concelho, Josué Felix Cascais, o Republicano e Socialista que chegara a publicar num jornal local, em 1 899, o irreverente poema " Sú plica": 205 Os pobres, segundo tenho ouvido a oradores, São tão tutelados pelos ricos, seus senhores, Porque Deus, na sua imensa sabedoria, Lá do Infinito, onde existe sempre o dia assim o decretou. Há ricos ignorantes, Malvados mesmo, outros ateus e protestantes, Que é impossível o poderse acreditar Que o bom Deus tal coisa pudesse decretar. Mas, se assim é, eu já de há muito emancipado, Desejo agora que, em vez de tutelado, Possa Tutelar. Requeiro, pois, humildemente, Ao Eterno algum dinheiro, para ser gente. E, como tenho sido sempre bom cristão, Peço, somente para despesas um milhão!
Porém, em 1 91 4 tomou posse uma Câmara dominada pelo partido Democrático, com uma minoria do partido Evolucionista, partidos republicanos mas dominados por antigos monárquicos convertidos à República, como Virgílio de Mesquita Lopes, Armando Gomes de Loureiro (Democráticos) ou Emídio de Sena Raposo (Evolucionista). Seguramente que, nesta nova conjuntura política, se diluiu o ambiente antireligioso dos anos de anteriores E, em 1 91 4, realizou-se de facto a Festa do Senhor das Chagas, de que temos notícia pelo correspondente do jornal socialista A Vanguarda, numa prosa repleta de "recados":
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No dia 3 realizouse a tradicional festa das Chagas, a mais pobre que se tem feito – por já não correrem foguetes – e no dia 4 a procissão pelas ruas, seguindo atrás do pálio o sr. António Rodrigues Tuna, um dos vultos mais em evidência do democratismo sesimbrense. Outros demagógicos de nomeada acompanhavam a ex.ª tunantíssima. Os dois sermões deste dia foram ditos pelo padre «Lasvinhas» que bastante se excedeu em apreciações políticas e em ataques aos países republicanos mostrando assim o ódio à República. Visou o socialismo e indirectamente se referiu a indivíduos que estão à frente do movimento operário. Talvez nos quisesse atingir mas enganouse no número da porta. Atacou as escolas modernas e fez reclame à escola da mana onde se ensina a rezar. Quem ouvisse o primeiro sermão aqui pregado por ele e ouvisse estes de agora ficaria fazendo uma triste ideia de s. rev. A não ser que a reviravolta fosse motivada pela enorme ventania que nesse dia fez o invento «ventoso» do sr. José António Preto 205. Mas se também olharmos para a árvore genealógica do sr. padre e atendermos a que ele pregou depois de jantar, espanto algum deverá causar tão grande diferença. (_)
206
27 – A grande Festa da comunidade sesimbrense Com o tempo, as grandes querelas em torno da Imagem do Senhor Jesus das Chagas foram-se atenuando, mas não completamente. Em 2006, no lançamento do livro " Cem meses a sentir Sesimbra", do Padre Sílvio Couto – nessa altura, Pároco de Santiago – António Reis Marques escreveu as seguinte palavras, com que encerramos o presente trabalho:
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Lidar com a Festa das Chagas, não terá sido das melhores experiências vividas pelo Padre Sílvio na nossa Paróquia. Não será para admirar que assim fosse, uma vez que o mesmo aconteceu a quase todos os seus antecessores. A razão, de nem sempre terem sido harmoniosas as relações entre os Párocos e os elementos das comissões da festas, tem muito que ver com a mudança intempestiva e radical sofrida pela novena tradicional, a novena espectáculo, como lhe chamaram, e que chocou a população sesimbrense. Os actos da Festa das Chagas envolveram sempre não só os católicos praticantes mas também muitos daqueles que perderam a prática da religião, se não mesmo a fé. Daí que essa mudança, ocorrida há já muitos anos, tenha gerado mau estar, até porque se processou à revelia da respectiva Comissão e Juízes, bem como dos organismos e instituições que então promoviam, apoiavam e custeavam a realização da Festa – a grande Festa da comunidade Sesimbrense. Terá faltado principalmente nessa, mas também em algumas outras alterações, a lembrança daquela prece de São Francisco: "Meu Deus, ajudame a mudar o que pode ser mudado, a aceitar o que não posso mudar e a distinguir as duas coisas". 207
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Glossário – funcionário nomeado pelo Governador Civil para cada concelho, o qual, por sua vez, nomeava um Regedor para cada Paróquia: eram os representantes do governo nos diferentes níveis da administração local. O Administrador do Concelho controlava as diferentes intituições – incluindo a Câmara – e detinha as competências policiais, podendo nomear qualquer cidadão como Cabo de Polícia. Arcebispo de Lacedemónia – bispo-auxiliar que desempenha as funções de vigário-geral do Patriarca de Lisboa. O título de Lacedemónia, meramente honorífico, reportava-se a uma região grega; com a criação do Reino da Grécia, a designação foi alterada para Arcebispo de Mitilene. Calhaus – instalações de apoio às armações de pesca, localizadas nas praias ou alcandoradas nas falésias a nascente e poente de Sesimbra. Eram essencialmente compostas de barracas para alojamento dos pescadores e armazenamento de apetrechos. Em algumas delas edificaram-se construções de alvenaria, das quais ainda restam vestígios: Baleeira, Cova da Mijona, Cova de Cabo de Ares, Cozinhadouro. Capela – tem um duplo sentido, e em íntima associação: altar secundário no interior de uma Igreja e vínculo criado por um Instituidor, que deixou bens em testamento à sua própria alma, bens esses que ficam à guarda de uma instituição religiosa, e cujos rendimentos (foros, rendas juros) servem para a celebração de missas pela alma do Instituidor, e/ou pelas almas de outras pessoas por ele nomeadas (normalmente, seus familiares). Para o caso das Capelas da Misericórdia de Sesimbra, veja-se o Anexo 1 . Um Dicionário de 1 81 3 apresenta, quanto a este vocábulo, dois significados: – Capela: s. f. - altar particular, em Igreja privada, ou no corpo de alguma Igreja, encerrado entre paredes próprias; são como umas pequenas igrejas filiais das matrizes. – Capela (termo jurídico) bens vinculados em herdeiro do instituidor com obrigação de Missas, e outros Ofícios por sua alma; na instituição da Capela a porção do administrador é certa, o que sobra para os encargos, incerto. Capelão – Clérigo que faz os ofícios Divinos de uma ou mais Capelas: Administrador do Concelho
Para que a casa da Misericórdia tenha mais autoridade, & Deus seja nela louvado como convém haverá na casa Capelães que celebrem os ofícios divinos, segundo o costume da Igreja de Roma com a maior decência que
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for possível. Estes Capelães serão aqueles que têm a seu cargo as Capelas que estão situadas na mesma casa, & levarão de rendimento aquela porção que os instituidores deixaram. (Compromisso da Miz. de Lisboa, 1647)
– Associação de devotos de uma determinada entidade religiosa. O mesmo que Irmandade. Coques – Adeptos do partido Progressista, durante o Rotativismo. Corporação Marítima – organização profissional, religiosa e assistencial, dos pescadores e outros marítimos de Sesimbra. Era também por vezes designada como Confraria do Espírito Santo dos Mareantes de Sesimbra. Já existia no século 1 5, e, no século 1 9, foi obrigada, por várias vezes, a reformar os seus estatutos (Compromisso) numa tentativa de a reduzir a uma simples associação de socorros mútuos – mas conseguiu sempre reter a designação de Confraria do Espírito Santo, tal como logrou manter uma importante componente religiosa, até que, em 1 897, tomada de assalto pelo clã Caldeira da Costa, foi transformada numa pura associação de socorros mútuos, “marítima e terrestre” – forma sob a qual ainda hoje subsiste. Eleitores – Irmãos da Misericórdia que eram escolhidos pela reunião alargada de Irmãos da Misericórdia, e em número de dez, no dia 1 de Julho de cada ano, para, no dia subsequente, votarem a eleição da nova Mesa administrativa. Definidores – Irmãos que já tinham desempenhado a função de Provedores, e que eram escolhidos a seguir à eleição da Mesa, para participarem nas Mesas de Definição. Irmandade – Associação de devotos de uma determinada entidade religiosa. O mesmo que Confraria (" fratello" = irmão). Irmão do Azul – funcionário remunerado da Misericórdia de Sesimbra. Um regulamento aprovado em 1 81 8, detalhando as suas funções, incluía: todos os dias ao sair do sol abrir a porta da igreja, preparar os paramentos para as missas, mudar diariamente o frontal do altar mor, fumar a igreja com alfazema, tratar das hóstias e vinho para as missas, assistir em funerais de Irmãos, acompanhar a estadia de pobres ou doentes na Albergaria, acompanhar a Mesa no peditório dos Passos, cobrar os anuais (quotas). O Irmão do Azul devia prestar fiança para segurança das alfaias, que ficavam a seu cargo. A partir de 1 860 começa a ser designado como “Irmão do Azul e Sacristão”. Mesa administrativa – Órgão directivo da Misericórdia de Sesimbra, na sua forma mais restrita, constituída por três cargos: Provedor, Escrivão e Tesoureiro. Esta Confraria
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Mesa decidia sobre os assuntos mais simples (ou menos polémicos) e de rotina. Para assuntos mais complexos e/ou mais melindrosos, eram convocadas, e por ordem crescente de complexidade ou melindre: ou a Mesa Redonda, ou a Mesa de Definição, ou a assembleia de todos os Irmãos. Mesa Redonda – Órgão directivo da Misericórdia de Sesimbra, constituído pela Mesa administrativa mais os oficiais (ou Mordomos) que detêm competências específicas: Capelas, Presos, Expostos, etc. Mesa de Definição – Órgão directivo da Misericórdia de Sesimbra, constituído pela Mesa administrativa, mais os oficiais (ou Mordomos), e mais ainda os Irmãos Definidores, cargos ocupados quase sempre por ex-Provedores e, em alguns casos, por algum ex-Escrivão ou ex—Tesoureiro (talvez por insuficiente número de exProvedores). Mordomos – oficiais que assistiam (auxiliavam) a Mesa administrativa, cada um deles responsável por um ou mais sectores de responsabilidade da Misericórdia, e que eram designados pela Mesa no dia imediato ao da sua Mesa. Em 1 808 foram designados: o Mordomo dos Presos, o Mordomo dos Expostos e Enfermos e o Mordomo da Capela e Pobres. Procuradores – oficiais que assistiam (auxiliavam) a Mesa administrativa, e que eram por esta designados no dia imediato ao da eleição da Mesa. Em 1 808 foram designados: um Procurador da Mesa e um Procurador da Irmandade dos Passos. Trapilhas – Adeptos do partido Regenerador, durante o Rotativismo.
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Anexos Anexo 1 - Mapa dos Foros e Pensões da Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra com encargo de Missas (1806)
Missas 24
Instituidores e aplicação Capitão Francisco Dias Gomes, pela sua alma (1 4), de sua primeira mulher Francisca de Mesquita (3), de sua segunda mulher Maria Vaz (3), de seu pai, Luis Álvares (2) e de sua mãe Domingas Gomes (2)
15
Maria Gaga, seu marido e filho
20
Joana Farinha Sebastião de Carvalho
20 1 56 20 48 1 35
Major Álvares de Leão (3 missas cada semana, por si e por e suas irmãs) Lourenço do Olival e sua mulher Maria Fialha Estevão Marques, pela sua alma (20), de sua mulher Francisca Antunes (20), de sua filha Ana Farta (5), e de genro Nicolau Rodrigues (3) Isabel Farinha e seu marido Domingos Carvalho Castanho
Rendimentos - Casal no Zambujal - Missas devem ser ditas no altar das Chagas - Vários prédios rústicos que rendiam um moio de trigo - Missas devem ser ditas no altar das Chagas Um casal com terras de semear Um casal e terras de semear, foro de 1 0 alqueires de trigo Prédios rústicos (que rendiam moio e meio de trigo) e vinte mil réis Terras que rendiam 21 alqueires e meio de trigo – só se cobram 9,5 Duas terras que rendiam 30 alqueires de trigo, só se receben 21 No altar das Chagas Vários prédios rústicos e urbanos e dinheiro a juro no altar de N. S. Piedade
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20 3 4 21 3 2 52
12 12 690 6
António Farto Mendes, por sua alma (1 0), de seus pais (2), de sua mulher Maria Vaz (2), de sua mãe Maria Farinha (2), de sua filha Maria Vaz (2), de seu filho Padre José Farto Vaz (2) Ana Maria, mulher de Francisco Gomes Farto Jacinta Maria, mulher de Manuel Carvalho Capucho uma incógnita João de Oliveira, missas por Francisco Oliveira (1 ), Ana Rodrigues (1 ), Manuel Álvares (1 ) Branca de Mendonça, mulher de Manuel Fialho Diogo Preto de Matos e sua mulher Leonor Martins, missas pelas suas almas e de Branca Pinel, Isabel de Matos e Madalena Rodrigues Maria Josefa, mulher do capitão José Preto Farto, missas pelo marido (3), por um filho do mesmo nome (3), Manuel Coelho (3) e Maria Teresa (3) Capitão Manuel Gomes Farto, missas pela sua alma vários encargos que se tem confundido com os bens da Santa Casa, por serem datas muito antigas Pelas almas do Valadares (1 ), Lourenço Matias (1 ), Branca de Mendonça (1 ), Domingos Duarte e sua mulher (2), Catarina Fialha (1 )
Foro de 1 5 alqueires de trigo - 20 mil reis - no altar de N. S. Piedade - 20 mil reis - 1 00 mil réis um foro que nada rende Foro de 4 alqueires de trigo, que nada rende Alguns rédios rústicos e urbanos e foros em dinheiro no Altar da Piedade Casas com foro de 5.00 réis Vários prédios rústicos e urbanos com foro de 8 alqueires de trigo, de que só se recebe 5
vários encargos que se tem confundido com os bens da Santa Casa, por serem datas muito antigas
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5 1 aniversário
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Pelas almas de Padre José Vaz (1 ), Padre Gaspar Vaz (1 ), Ámaro Farinha (1 ), Padre Luís Neto (1 ) e seus pais (1 ) Capitão Paulo José Farto e sua Foro de trigo e dinheiro, que nada mulher Maria Margarida rende
1 ofício de defuntos de 9 lições
António Matos [provavelmente, António Mendes de Matos ? ]
Ofício de 9 lições
Benfeitores da Casa
no dia de S. Martinho
1 nocturno Manuel Rodrigues 1 nocturno Benfeitores da Casa 1 nocturno Irmãos dos Passos [Arquivo Municipal de Sesimbra, SCMS/A/B/02/Lv.01, fls. 9v11 (13–11–1806)]
Anexo 2 - Excerto da resposta do Pároco da freguesia de Santigo ao Desembargador Vigário Geral da Vila de Setúbal (1758): Tem a igreja dita da Misericórdia seis altares com o da CapelaMor, em cujo trono está a imagem do Santo Cristo. Nos dois colaterais se venera os de Nossa Senhora das Necessidades e Santo Amaro. Nos do corpo da igreja da banda do Evangelho a dos Senhor dos Passos e Nossa Senhora do Rosário, da qual é padroeiro o TenenteGeneral da Artilharia, Manuel Gomes de Carvalho e Silva e da parte da Epístola o Senhor Jesus das Cha gas. [Jornal O Sesimbrense n.º 1291, de 2241951, p. 1]
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Anexo 3
– Lei de 20 de Maio de 1796 (Alvará instaurando, e ampliando alguns
parágrafos da Lei de 9 de Setembro de 1769 acerca de últimas vontades, cuja execução tinha sido suspensa pelo Decreto de 7 de Julho de 1778)
Eu a Rainha. Paço saber aos que este Alvará com força de Lei virem: Que Havendo Eu Mandado suspender, pelo Decreto de 1 7 de Julho de 1 778, a observância, e execução de algumas Leis, entre elas a Legislação dos parágrafos dezoito, dezanove, e vinte e um da Carta de Lei de nove de Setembro de 1 769, pelas dúvidas , e motivos, que então se excitaram, e me foram presentes: Tendo Mandado considerar esta importante matéria, com reiterados exames, e averiguações pelas Pessoas mais Graduadas, e mais Doutas, assim na sã Teologia como na Jurisprudência Canónica, e Legal , e na Economia Civil, e Politica, que votaram, fundados em princípios sólidos, e irrefragáveis, que efectivamente não só se restituísse, e instaurasse a observância dos ditos Parágrafos, desprezando as dúvidas, e motivos frívolos, e inconsequentes, pretextados em princípios escuros, e erróneos , que moveram a dita suspensão; mas que antes deveria a Legislação dos ditos Parágrafos ser mais energicamente determinada, declarada, e adicionada, na conformidade do espirito, e fim da Lei, para que cessassem as muitas dúvidas, e questões, que se tem excitado depois do dito Decreto da suspensão, e se evitassem as que de futuro se podiam excitar sobre a inteligência dos mesmos ditos Parágrafos suspensos: Sou Servida, Conformando-me com tantos, tão sólidos, e tão dignos votos, coerentes com a Justiça, e Majestade da Lei, Instaurar a Legislação dos ditos Parágrafos com as Expressões e Adições próprias, que Aprovei na maneira seguinte. Parágrafo Dezoito Sendo exorbitante, que os Instituidores de Capelas fundadas, ainda com a Autoridade Régia, depois defraudarem a Minha Coroa nas Sisas, e nas outras imposições públicas, em quanto as ditas Capelas andarem pelos Administradores
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particulares, estendam as suas Disposições a gravarem também a mesma Coroa, já gravada até para o tempo, em que as mesmas Capelas se devolvem: Mando, que todas as que se acham devolutas, e daqui em diante se devolverem à Coroa, ou por Comissos, ou por serem vacantes, se entendam, e fiquem livres, e isentas de todos os encargos nelas impostos, e dissolutos os Vínculos, ou Uniões de Bens, determinadas pelas Instituições, julgando-se todos devolutos à Coroa, como alodiais vacantes, para deles dispor, como for Servida, ou parecer aos Senhores Reis Meus Sucessores; Parágrafo Dezanove E porque também não pode ser compatível com a boa razão, que ao mesmo tempo, em que a Santa Madre Igreja se contenta com a Décima dos frutos, pretenda qualquer Instituidor particular oprimir perpetuamente os seus Sucessores com maiores encargos: Ordeno, que os actuais gravames, que excederem a décima parte do rendimento líquido dos bens encapelados, sejam, e fiquem desde a publicação desta em diante abolidos, reduzindo-se os sobreditos encargos à dita parte décima, somente. O que com tudo se entenderá, em quanto Eu assim o houver por bem, e a causa pública o puder permitir. Parágrafo Vinte e um Ao mesmo tempo foi na Minha Real Presença ponderado, que as Propriedades de Casas, os Fundos de terra, e as Fazendas; que e forem criadas para a subsistência dos Vivos, de nenhuma sorte podem pertencer aos Defuntos : Que nem há razão alguma, para qualquer homem, depois de morto, haja de conservar até o dia de Juízo o domínio dos bens, e fazendas, que tinha quando vivo: Que menos a pode haver, para que o sobredito homem pretenda tirar proveito do perpétuo incómodo de todos os seus Sucessores até o fim do Mundo: Que se isto assim se admitisse, não haveria hoje em toda a Cristandade um só palmo de terra, que pudesse pertencer á gente viva, a qual da mesma terra se deve alimentar por Direito Divino, estabelecido desde a criação do Mundo : Que as causas públicas do
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aumento, e conservação das Casas Nobres sendo as únicas causas, com que se tem permitido os Vínculos, aliás prejudiciais ao Erário Régio, e ao Comercio dos Vassalos, de nenhuma sorte podem aplicar-se às Capelas insignificantes; que nem podem principiar Famílias no Terceiro estado; nem conservar o decoro das que já se acham elevadas aos graus da Nobreza; servindo somente as ditas Capelas insignificantes muito pelo contrário de causarem muitos, e muito frequentes embaraços aos que possuem Terras, e Fazendas, para não poderem alargá-las, e ampliá-las, aos fins de as fazerem mais úteis ao público, e mais Nobres para as suas Famílias, sem que sejam impedidos pelos inumeráveis estorvos, com que a cada passo lhes obstam estes chamados Vínculos de pouca importância: Que a tudo o referido acresce fazerem os sobreditos encargos, com que as Casas, e Fazendas das sobreditas Capelas se achem na maior parte já perdidas, deturpando as Povoações do Reino com montes de ruínas, e privando a Agricultura dos seus frutos com prejuízo público. E atendendo a estas justas causas : Estabeleço por uma parte, que todas as Disposições, e Convenções causa mortis, ou inter vivos, em que for instituída a Alma por herdeira, sejam nulas, e de nenhum efeito: E Estabeleço pela outra parte, que os bens de todas as Capelas, ou Aniversários, cujos rendimentos, depois de deduzidos os encargos, não importarem cem mil réis anuais, e dai para cima nas Províncias do Reino; e duzentos mil réis, e dai para cima nesta Minha Corte, e Província da Estremadura, sejam reputados, e julgados por bens livres, e desembaraçados, não obstantes as Vocações, ou Cláusulas das Instituições, pelas quais os referidos bens se acham, e acharem vinculados, e assim abusivamente tirados do Comercio humano contra a utilidade pública. Pelo que: Mando à Mesa do Desembargo do Paço; Presidente do Meu Real Erário; Regedor da Casa da Suplicação; Conselho da Fazenda, e do Ultramar; Mesa da Consciência, e Ordens; Junta do Comercio, Agricultura, Fábricas, e Navegação destes Reinos, e seus Domínios; e aos mais Tribunais, Magistrados,- e mais Pessoas, a quem o conhecimento deste Alvará com força de Lei pertença, o
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cumpram, e guardem, como nele se contém, não obstantes quaisquer Leis, Ordenações, Regimentos, Alvarás, ou Costumes contrários, porque todas, e todos, para este efeito somente, Hei por derrogados, ficando aliás sempre em seu vigor (...) Dado no Palácio de Queluz em 20 de Maio de 1 796
Anexo 4
- Decreto
de 15 de Março de 1800 (suspende as denúncias contra as
Misericórdias por seus bens de raiz, que incorpora na Real Coroa e fazendolhe novamente mercê dos mesmos)
Havendo-Me representado o Procurador da Coroa que as Denúncias, que estão pendentes, e podem haver contra as Casas de Misericórdia, e Hospitais pela negligência de seus Administradores na retenção de Bens proibidos sem dispensa, suposto sejam autorizadas pelas providentes Leis de amortização, sem dúvida arruinarão estes admiráveis Estabelecimentos ou lhes tirarão os meios necessários para a criação dos Expostos, curativo dos Enfermos, casamento de Órfãs, a mais objectos dos seus louváveis Compromissos, sem aumentarem, por ora, as Rendas do Estado, se Eu não for servido ocorrer com providência eficaz, a qual Me suplicava, sem ofensa da autoridade das ditas Leis, a beneficio da causa pública, tão interessada na conservação dos ditos Estabelecimentos, que tanto auxiliam a Humanidade, e concorrem para a utilidade pública: E atendendo às justificadas razões desta súplica, muito digna da Minha Real Piedade, e conforme à boa vontade que Tenho de favorecer, e sustentar os mesmos Estabelecimentos : Hei por bem incorporar na Coroa os Padrões, e mais bens de Raiz, livres, ou vinculados, que eles possuem contra a proibição das referidas Leis, e como tais se acham devolutos à mesma Coroa, abolidos os vínculos, e mais encargos das Instituições, e Contractos, na conformidade do Alvará de 20 de Maio de 1 796; e da Administração de todos esses Bens assim incorporados, e inteiramente livres, Faço mercê às
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Casas de Misericórdia, e aos Hospitais, que os retêm indevidamente, para que possam acudir às suas urgentes despesas; com declaração, que nos Padrões se porão Apostilhas desta graça: que os outros bens se sub-rogarão, e venderão, quando Me parecer conveniente: e que os Administradores das Misericórdias, e Hospitais, assim beneficiados, remetam dentro de seis meses ao Juízo das Capelas da Coroa relações individuais, e exactas dos mesmos Bens, para se abrirem os Assentos necessários, ficando responsáveis pelos seus próprios Bens por toda, e qualquer culpa, ou negligência, que tiverem a este respeito. E esta mercê compreenderá igualmente os Bens já denunciados, sobre que ainda não houver Sentença de incorporação, pondo-se perpetuo silencio nas Causas de Denúncia que não a tiverem, pagas as custas pela Misericórdia, ou Hospital respectivo, e seguindo-se somente os termos das Causas, em que já houver a dita Sentença. A Mesa do Desembargo do Paço o tenha assim entendido, e faça executar, sem embargo de quaisquer Leis em contrário, que para este efeito somente Hei por derrogadas, mandando notificar este Decreto aos ditos Administradores, e passar Carta de Administração a cada uma das Casas de Misericórdia, e Hospitais, de todos os referidos Bens, logo que lhe apresentar Certidão do Assento, ou Assentos competentes na forma determinada. Palácio de Queluz em 1 5 de Março de 1 800
Anexo 5
– Alvará
de 18 de Outubro de 1806 (providenciando ao regulamento
das Misericórdias do Reino, Hospitais, Expostos, e Mendigos)
Eu O Príncipe Regente Faço saber aos que este Alvará virem: Que sendo da Minha Real e Imediata Protecção as Casas de Misericórdia, e Hospitais destes Reinos, e seus Domínios, e mui conforme ao Meu Paternal cuidado o dar as necessárias providências para a boa administração dos seus Bens, e rendimentos, a fim de que eles se empreguem inteiramente nas obras de Piedade, que são próprias
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do seu Instituto, e do verdadeiro destino, e aplicação das suas rendas: Hei por bem Determinar I. Que todas as Casas de Misericórdia das Cidades, e Vilas destes Reinos, e seus Domínios se regulem pelo Compromisso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, no que for acomodado ao estado das suas rendas, à natureza da aplicação dos seus Bens, e mais circunstancias dignas de atenção; para o que aquelas Misericórdias, que tiverem hum diverso Compromisso, me proporão pela Mesa do Desembargo do Paço o que actualmente observarem, com os acórdãos, e ordens posteriores que tiverem; para lhes ser confirmado, ou regulado novamente pelo dito Tribunal, naqueles artigos que for conveniente. II. Hei por bem de confirmar a Mercê que Fiz às Misericórdias pelo Decreto de 1 5 de Março de 1 800, para conservarem os bens, e Capelas de que estavam de posse, até à data do mesmo Decreto, não obstante as Leis que proíbem a amortização. Esta Graça porém se não estenderá a novas aquisições sem expressa licença Minha, nem ainda para aquelas em que já anteriormente à referida data tinham Vocação, Legado, ou Contrato; porém de que ainda não tinham posse natural. Deverão com tudo as pessoas, que compõem o Governo das Misericórdias, requerer-Me a licença nos casos Decorrentes e a Mesa do Desembargo do Paço mas poderá consultar, havendo justa causa para se conceder, e tendo as Misericórdias menos rendas do que for necessário para a satisfação dos seus encargos; e justas aplicações. III. Ficará por esta Mercê que Fiz às Misericórdias de as relevar do Comisso, em que tinham incorrido para a Minha Coroa muitos dos seus Bens, sendo encargo das mesmas Misericórdias, e Hospitais, que lhes forem anexos, o aceitar e tratar os doentes, tanto do seu distrito, como de fora dele, não somente os paisanos, mas também os militares, que aos mesmos Hospitais forem ter, ou que os seus Chefes aí mandarem, ou sejam das Tropas de terra, ou de mar, ou de equipagens, por ser assim conforme à caridade, e ao seu Instituto, que não deve fazer diferença de
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pessoas, como igualmente ao bem do Meu Serviço. Quando porém os rendimentos das Misericórdias não poderem suprir a despesa com os doentes militares, se remeterá à tesouraria respectiva a Certidão do estilo, para lhes ser paga pela Minha Fazenda. IV. Todos os anos a Mesa que acaba dará contas de receita, e despesa à Mesa novamente eleita, e a estas contas irá assistir o Provedor da Comarca na Terra em que se achar, e nas mais da Comarca o Corregedor se aí estiver, ou o Juiz de Fora, ou o Ordinário do distrito; da qual diligência poderão levar o salario da Lei. O Ministro, que assistir às contas, as examinará, indagará o estado dos bens, e aumento das rendas que pertencerem à mesma Santa Casa, os que andarem sonegados, ou estiverem indevidamente alienados, e mandará propor aa acções competentes para a arrecadação, como para se executar qualquer devedor, e cobrar os alcances que houver; examinará também de acordo com a Mesa os encargos que devem cumprir-se, e aplicações que devem fazer-se, e as despesas supérfluas que devem evitar-se; do que tudo se fará assento no Termo das contas, para no seguinte ano a Mesa que acaba, dar a razão da maneira, por que cumpriu, e executou o mesmo provimento. Dos artigos em que houver dúvida dará parte pela Mesa do Desembargo do Paço, para lhe serem resolvidos; e remeterá à Mesa uma conta corrente em forma mercantil, que fará extrair das sobreditas contas, as quais a Mesa fará todos os anos subir à Minha Real Presença, consultando-Me separadamente as de cada Província, para notar as que faltam, e propor-me as providências que para qualquer parecerem necessárias. V. O mesmo Ministro com o Provedor da Misericórdia fará extrair também bum Mapa do número dos doentes que entrarão nos Hospitais, dos que saíram curados, ou neles faleceram, e das diferentes moléstias de que foram tratados; assim como também dos Expostos que houve naquele ano, dos que faleceram, dos que estão em actual criação, e dos que sairão para aprenderem alguns ofícios; e dos pobres a quem se deram Cartas de Guia, ou que ali entraram, declarando as Terras donde
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vieram, ou para onde foram dirigidos; o qual remeterão à Intendência Geral da Policia da Corte e Reino. VI. Para que as sobreditas contas se formalizem com exacção, haverá em cada uma das Casas, e Hospitais os livros necessários para neles se lançarem todos os referidos assentos, provendo os Irmãos da Mesa, que actualmente estiverem servindo, o que for preciso para este fim : E em todas haverá um livro separado, em que estejam descritos todos os Bens móveis, e de raiz, direitos, e acções pertencentes à mesma Santa Casa, com declaração dos Títulos da sua aquisição, e nota dos encargos com que foram deixados; para com este se poder combinar a receita, e despesa; e conhecer não somente da boa arrecadação, mas também da pontual observância da vontade dos Instituidores, e da boa aplicação dos rendimentos. VII. Sendo o cuidado, e criação dos Expostos um dos objectos mais dignos da Minha Real Consideração, e dos mais recomendáveis à caridade cristã, e próprios do Instituto das Misericórdias: Determino, que em todas elas nas eleições anuais se eleja também um dos Irmãos para Mordomo dos Expostos. E como em algumas Terras destes Reinos, esta criação está incumbida às Camaras, e a sua despesa é hum encargo dos Conselhos, será em tais Terras a obrigação do referido Mordomo o requerer às Justiças, o diligenciar, e promover, como Procurador legal, tudo o que for a bem dos mesmos Expostos, e da sua criação, e a observância das Ordens, e providências que para esse fim estão estabelecidas; devendo recorrer, e representar no acto de Correição a falta, ou omissão que a este respeito tiverem tido as Justiças Territoriais, para que a providenciem. Naquelas Terras porém em que está a mesma criação a cargo das Misericórdias, observarão o regulamento que por elas está estabelecido, ou que se for estabelecendo para o seu melhor arranjo, e perfeição. VIII. E para que este piedoso estabelecimento não Venha a ter o mau efeito de ofender os bons costumes: Sou Servido suscitar a observância da Ordenação do Reino, Livro primeiro, Título 73, paragrafo 4.º, e Determinar que as Justiças
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efectivamente obriguem as mulheres solteiras, que se souber andarem pejadas, a dar conta do parto; e a criarem o filho sendo possível; ou a todo o tempo que souberem dos Pais, a pagarem a criação, e tomarem conta de seus filhos; no que se haverão as Justiças com toda a discrição, e segredo, para evitarem qualquer má consequência. Quando porém aconteça o haver um parto secreto, e se recorra a pedir socorro, ou às Justiças, ou ao Provedor da Misericórdia, ou ao Mordomo dos Expostos, serão obrigados a prestá-lo; procurando-lhe uma mulher bem morigerada que em segredo assista ao mesmo parto, fazendo conduzir o Exposto para a roda, ou entregando-o a uma ama que o crie, e administrando-lhe todos os socorros, e remédios possíveis; sem que se indague a qualidade da pessoa, nem faça acto algum judicial, donde se possa seguir a difamação. E se não obstante todas as sobreditas, providências, ainda suceda o aparecer algum Exposto desamparado à porta de algum vizinho de qualquer Lugar, esse, e o Juiz da Vintena, ou outro oficial de Justiça, serão obrigados a conduzi-lo, entregando-o a alguma mulher que o possa alimentar até ser entregue na Casa dos Expostos mais próxima, aonde pelo rendimento aplicado para estas despesas, se lhe pagará a condução, segundo o desvelo, e trabalho que nela tiverem tido. IX. A qualquer das Corporações a que esteja incumbida a criação dos Expostos, pertencerá o estabelecimento, e administração da Casa da roda, e a nomeação, e pagamento do salário da rodeira que nela deve habitar; deverá fazer-se todos os meses a visita dos Expostos; e daqueles que forem em lugares distantes, donde as amas não possam comodamente trazer os mesmos Expostos à visita, se poderão nomear pessoas de probidade que a façam: depois do tempo da criação do leite em diante, sempre se fará a visita de todos os Expostos uma vez no ano: na visita se providenciará o que for necessário sobre o bom trato, criação, e educação dos mesmos Expostos, e se as amas são pagas dos seus salários, E os Provedores em Correição averiguarão se assim se cumpre, dando as providências necessárias, e conformes ao que Tenho Determinado em todas as Terras da sua Comarca.
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X. Hei por bem confirmar os Privilégios concedidos pelos Senhores Reis destes Reinos aos Expostos, e às pessoas que os criam, e educam; Determinando que em nenhum caso se hajam de quebrantar por quaisquer derrogações gerais, sem ser esta expressamente declarada. E Determino também que as amas, que tiverem criado os Expostos, ou as pessoas que os tiverem, educado, tenham a preferência, para lhes ser conservado o Exposto que criaram, ou educaram; tendo-o educado, ou criado sem negligência, ou culpa, pela qual lhes deva ser removido; salvo sendo por um interesse notável do Exposto, e sendo ouvido o Mordomo dos Expostos. E sendo Lavradores os que tiverem feito criar, e educar gratuitamente os Expostos, lhe serão livres de Serviço das Tropas de Linha, podendo somente ser alistados nas Milícias, ainda sendo solteiros, tantos filhos, quantos forem os Expostos que actualmente estiverem criando, e educando. XI. E por quanto não só os doentes, e os Expostos são objecto digno da Piedade destes Institutos, mas também os pobres, e indigentes em extremo, que por necessidade mendigam, ou sofrem desgraças tais que os reduzem a um estado de miséria; deverão estes meus Vassalos também ser socorridos, e eleger-se outro Mordomo para os pobres. Da sua obrigação será o cuidar do socorro dos que verdadeiramente são necessitados, procurando que se observem os Compromissos que tem a maior parte das Misericórdias para proverem com esmolas as pessoas recolhidas, e indigentes. E a respeito dos que são Mendigos, os não deixará Vagar de umas Terras para outras, sem pela Mesa se lhes conceder Carta de Guia; e requererá às Justiças a observância do Alvará de 9 de Janeiro de 1 604; procurando que antes se ocupem em algum trabalho honesto, em que adquiram a sua sustentação, e provendo de maneira que nem se abuse, nem se falte à caridade que eles merecem. XII. Nas mais acções do socorro aos encarcerados, dotes, funerais, e mais deveres do seu Compromisso, se observará o que por eles, e Ordens posteriores se acha determinado. E por quanto em muitas das sobreditas Misericórdias está
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estabelecido o terem um Campo Santo para Cemitério: Permito que em todas elas o possam estabelecer do mesmo modo, o que farão, sendo possível, fora das Povoações, requerendo para esse efeito às autoridades Eclesiásticas a que competir; e lhes Hei por facultada a licença para a aquisição, do Terreno, que para esse fim for necessário. XIII. Nos casos ocorrentes para a resolução de qualquer dúvida que sobre a observância do que fica estabelecido possa suscitar-se, se recorrerá pela Mesa do Desembargo do Paço. E se cumprirá como nele se contém sem embargo de quaisquer Leis, Ordens, ou Resoluções em contrário, pois todas Hei por bem derrogar para este efeito somente. (...) Dado no Palácio de Mafra em 1 8 de Outubro de 1 806
Anexo 6 - Provisão de 29 de Julho de 1826
Dona Isabel Maria Infanta Regente dos Reinos de Portugal e Algarves e seus Domínios, em Nome de El Rei: Faço saber a vós Provedor da Comarca de Setúbal, que os Festeiros do Senhor Jesus das Chagas, da Vila de Cezimbra, cuja Imagem se acha colocada em Capela própria na Igreja da Misericórdia da dita Vila, costumando há anos conduzir a mesma Imagem à Paróquia para ali se festejar, precedendo licença da Mesa da Misericórdia, se me queixaram da cláusula com que esta lhes fora ultimamente concedida, de serem, antes de sair a Sagrada Imagem, embolsados os Capelães, e o Sacristão dos seus emolumentos, sendo esta a primeira vez que aparecia um despacho tão escandaloso, principalmente sendo o Pároco o Juiz da Festividade, e não havendo alguma dúvida em satisfazer aos ditos Capelães os justos emolumentos do seu trabalho: E visto seu requerimento, em que mandei ouvir os Mesários da dita Misericórdia, a informação que se houve pelo Juiz
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de Fora daquela Vila, a resposta do Procurador da Coroa, que também foi ouvido, e que de nenhuma sorte convém alterar-se a forma, e a maneira com que desde tempos imemoriais se tem até agora praticado, e feito a Festividade de que se trata; para que não aconteça esfriar-se a Devoção dos Fiéis, ou outra qualquer desagradável consequência não podendo portanto admitir-se que a mesma anual Festividade se faça de futuro contra esse costume antigo na Igreja da Misericórdia, como esta pretende: Hei por bem declarar nulo, e de nenhum vigor o Acórdão da mesa da dita Misericórdia de dois de Julho de mil oitocentos e dezasseis, que manda pagar aos Capelães, antes da Imagem sair; pois além de não constar que ele tivesse observância em tempo algum, e dirigido a impor aos Festeiros um ónus, ou encargo que não tem fundamento algum, e determinar VER que a mesma mesa da Misericórdia não pode nem deve por pretexto algum embaraçar, ou negar a licença, para que a Sagrada Imagem do Senhor Jesus das Chagas seja trasladada da sua Igreja para a Matriz da Vila, a fim de ser aí anualmente festejada no dia três de Maio, na forma do antigo costume, e que os festeiros suplicantes, e os mais que se lhes seguirem devem convidar para a Festa os Capelães da Casa da Misericórdia, pagando-lhes depois os emolumentos devidos, da mesma forma que pagarem aos outros Eclesiásticos que forem, ou devam ser empregados nessa Festa; o que vos mando que assim façais intimar a sobredita Mesa da Misericórdia, e registar esta Ordem nos livros dela, para a todo o tempo constar, esta minha Real Determinação dirigida a fazer cessar a desarmonia que começa a aparecer entre as duas Confrarias. A Senhora Infanta Regente em nome d’El Rei o mandou pelos Ministros abaixo assinados do Conselho de Sua Majestade e Desembargadores do Paço. Joaquim Ferreira dos Santos a fez em Lisboa a 23 de Setembro de 1 826 anos. Desta 800 reis, e de assinaturas mil e (oito) duzentos = João da Silveira Zuzarte a fez escrever = Dom José Francisco de Alencastre = Manuel José de Arriaga Bruno da Silveira. Por despacho do Desembargo do Paço de 29 de Julho de 1 826 = Sob escrito = Em serviço de Sua Majestade. Ao Provedor da Comarca de
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Setúbal. // Cumpra-se // [Arq. Municipal Sesimbra SCMS/A/B/02/Lv1 – fls. 67v69]
Anexo 7
-
Petição, resposta e Despacho sobre os festeiros da Veneranda
Imagem do Senhor Jesus das Chagas. A saber:
Petição Dizem os Capelães e Sacristão da Santa Casa da Misericórdia desta vila de Cezimbra, que costumando os Festeiros da veneranda Imagem do Senhor Jesus das Chagas transladada para Paroquial Igreja desta Vila, por ser maior Templo que por isso oferece melhor comodidade; para ser na mesma Igreja festejada; costumam pedir licença à Mesa, que nunca lha negou, pondo-lhe só a condição de admitirem naquela festividade os três Capelães e Sacristão suplicantes pagando-lhes seus emolumentos da mesma forma que venciam os mais Eclesiásticos a quem convidavam, condição esta bem chegada à Razão, pois não era de Justiça que sendo festejada uma Imagem própria da Misericórdia fossem admitidos para a festividade, os Eclesiásticos de fora, e preteridos os da Casa. Houveram representações a Sua Majestade e o resultado foi baixar Provisão em que se determina àqueles Festeiros, e aos que o forem para o futuro, que convidem os Suplicantes para aquela festividade pagando-lhe os emolumentos devidos, e da mesma forma que pagarem aos outros Eclesiásticos, que forem, ou devam ser empregados naquela Festa. Entendem os Suplicantes, entendem certamente todos / menos os suplicados festeiros / por Festa àquela Imagem, tudo o que se pratica desde a sua transladação para a Igreja Paroquial, até que é outra vez restituída à Igreja da Misericórdia, em cujo espaço de tempo a festejam com Novena, Matinas na véspera, Missa Solene no dia 3 de Maio, Vésperas e completas de tarde,
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Procissão. Porém aqueles festeiros interpretaram a palavra Festa = a Missa tão somente = convidando para ela os Suplicantes excluindo-os de tudo o mais no que os prejudicaram em seus emolumentos, pela Novena aos Capelães em 3.600 réis, e ao Sacristão em 2.280 réis, por toda a Festividade. Agora porém que aquela Provisão para na mão de Vossa Senhoria para a fazer cumprir e registar no Livro próprio da Santa Casa, e para se evitar mais questões de futuro e poderem os Suplicantes haver os seus emolumentos, requerem a Vossa Senhoria haja por bem como Juiz executor das Reais Ordens declarar por seu Provimento junto ao Registo da Provisão, o como ele se deve entender para servir de Regulamento aos Festeiros, e sossegar as consciências dos Suplicantes, conciliando assim estes dois partidos cujos resultados sempre são escandalosos = Pede a Vossa Senhoria haja por bem de lhe deferir com a costumada Justiça. E receberão mercê. Despacho Respondam os Suplicados = Azevedo Resposta Ilustríssimo Senhor. Quando julgávamos que à vista da Régia Provisão que se acha no poder de Vossa Senhoria para ser intimada à Mesa da Misericórdia e Registada no Livro da Santa Casa da mesma, ficaria de uma vez terminada a escandalosa intriga que há tanto tempo reina sobre este objecto, movida pelos Reverendos Suplicantes, ao contrário vimos pelo requerimento incluso, a que Vossa Senhoria nos manda ouvir, que a intriga conserva ainda o mesmo Calor: tal é a desgraça que aqueles que devem som seu exemplo edificar os Povos, ao contrário sirvam de dar escândalo, isto quando se trata de Objectos de devoção e Religião. Sua Majestade informando-se dos tristes acontecimentos suscitados a este respeito no ano de 1 825, devidos certamente aos Reverendos Suplicantes, fez baixar a dita Régia Provisão que manda se estranhe semelhante procedimento, que só é motivo de fazer esfriar a devoção dos Fiéis, que os Acórdãos traçados pelos
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Reverendos Capelães fiquem nulos e de nenhum efeito, a respeito dos emolumentos que injustamente exigiam dos Festeiros e que estes havendo de convidar Eclesiásticos de fora para a Festividade, sejam os Reverendos Suplicantes em primeiro Lugar; não Manda Sua Majestade positivamente convidar os Reverendos Capelães; e bem se deixa ver que só tem direito a exigir o salário correspondente ao trabalho que tiverem na mesma Festividade, e não como Direito de Propriedade, que nunca tem lugar nem pode ter por titulo algum, o qual falsamente pretendem, e já se vê que se tivessem este direito, Sua Majestade lho faria conservar conservando-lhes os Acórdãos e com eles a pretendida posse e Direito. A imagem do Senhor Jesus das Chagas é desta Povoação, e a Misericórdia não é mais que uma mera Administradora; enquanto ao Irmão do Azul de que fala tão bem o Requerimento, não fala a Régia Provisão a seu respeito nem uma só palavra se os Festeiros o quiserem convidar para a função depende da sua vontade, e nunca por obrigação, e o mesmo Milita para com os Reverendos Capelães na parte em que pretendem obrigar os Festeiros a pagar-lhes o que não devem, pois do que venceram no dia da Festividade já estão pagos na forma determinada na Régia Provisão. Pretenderem pois os Reverendos Suplicantes que na Festividade ou Festa que se faz no dia do Senhor das Chagas se entenda a Novena também, então sobre essa pretensão somos obrigados a dizer que cada uma pretende amoldar as coisas a seu jeito e interesse, e por isso pretendem dar à palavra, uma errada interpretação, vejam bem os Autores e serão convencidos da verdade: Regra geral cada um tem direito ao seu salário, mas sem este Direito é injustiça: como direito de Propriedade também não como já dissemos, logo querer que os Festeiros paguem o que não tem obrigação é violência: Querem pois os Reverendos Suplicantes que Vossa Senhoria deixe um Provimento junto à Régia Provisão, é bem fora da razão tal pretensão pois se vê
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que pretendem que Vossa Senhoria mande alguma coisa em contrário à mesma Régia Provisão que está tão claro como a Luz do meio-dia, a que nada precisa para seu Regulamento e nós muito bem a entendemos, e todas as vezes que se inovasse ou alterasse a sua determinação tal qual se lê seria motivo para em vez de obviar questões fazê-las fomentar. Os Reverendos Capelães fazem uma força extraordinária para receberem emolumentos que lhes não pertencem, e que nenhum trabalho lhes custou, pelo entanto seja-nos licito dizer que muitos fogem da Justiça, e a propósito fazem lembrar o que acabam de praticar com o Capelão da Senhora do Rosário da Misericórdia que tendo trabalhado e cumprido com as suas obrigações se opunham os Reverendos Suplicantes com toda a força ao pagamento; pelo contrário os seculares da mesma Mesa querem se pague porque é de Justiça. Eis aqui uma boa Moral para nós aprendermos e eis quanto basta para se conhecer até onde chega a intriga. Lembramos pois aos Reverendos Capelães que a devoção não é obrigação que devem concorrer para fazer avivar a devoção, que querendo eles continuar a exigir dos Festeiros o que não devem pode muito bem fazer que esta Festividade e exemplo doutras acabe, porque os devotos que por Religiosos tem incómodos e gastam seu dinheiro nas devotas Festividades não podem sofrer questões e trabalhos causados por aqueles que devem ser os primeiros a obviá-los. Estamos pois muito certos que Vossa Senhoria conhecido decididamente, imparcial e recto na Administração da Justiça despreze a pretensão dos Suplicantes Reverendos Capelães, fazendo cumprir e guardar a Régia Provisão sem mais Provimento algum e só tal qual se lê, e assim se evitará contendas que podem fazer subir novas Representações perante Sua Alteza Sereníssima, gastando-se em contendas, o que faz falta para se festejar com Luzimento a Imagem do Senhor Jesus das Chagas. Cezimbra, 24 de Agosto de 1 827. O Juiz José Freire de Barros.
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Do escrivão Joaquim dos Santos uma cruz. Do Tesoureiro José Correia Peixoto uma cruz. Despacho Como cumprimento da Régia Provisão de 23 de Setembro de 1 826 que terminou as questões suscitadas entre os Capelães e Sacristão da Misericórdia desta Vila e os Festeiros da Imagem do Senhor Jesus das Chagas foi cometido a este Juízo, para sua verdadeira interpretação e plena execução hei por bem deferir ao junto requerimento, dos Suplicantes, não obstante a oposição dos Suplicados que nenhum fundamento tem, declarando que a dita Provisão em nada alterou o antigo uso, e costume, antes o mandou observar como Lei para tirar para o futuro o arbítrio tanto dos Mesários da Misericórdia, em dar ou negar a licença para sair a Imagem, como aos Festeiros em darem ou negarem os emolumentos aos Suplicantes e que a Festividade se entende desde que a Imagem sai da sua Capela na Misericórdia, até que se recolhe, e que durante ela os Suplicantes devem ser convidados tantas vezes, quantas o culto Divino exigir que se convidem Eclesiásticos; e não o dia da última Festa como os Suplicados dizem em sua resposta, alheia da verdade, e contrária ao Espírito da Provisão que em tudo quis manter o uso e costume longamente praticado o que assim se cumprirá nas futuras Festividades, intimandose a um e outros este Despacho, que acompanha a Provisão e que com ela será. Registado nos livros da Misericórdia, para evitar novas questões. Cezimbra, 25 de Agosto de 1 827. O Provedor da Câmara Marcelino Teotónio de Azevedo. Intimação Intimei em sua própria pessoa do Juiz da Irmandade do Senhor Jesus das Chagas o despacho proferido antecedente, assim mais em sua pessoa do Escrivão da Santa Casa da Misericórdia desta Vila de Cezimbra o despacho antecedente e como assim ser na verdade passei a presente. Cezimbra, 23 de Agosto de 1 827. Luis Soriano Nogueira. Está conforme o original. Setúbal, 3 de Outubro de 1 827. Miguel Dimas Simões e
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Ataíde.
[Arquivo Municipal de Sesimbra, SCMS/A/B/02/Lv.01, fls. 69v73]
Anexo 8 - Acórdão da Misericórdia de Sesimbra de 7 de Novembro de 1869
Destino a dar à quantia paga por Francisco da Cruz, 60 mil réis, destinada à compra de inscrições, aprovado – Provedor disse eu logo que teve a honra de se ligar a esta tão Ilustra Irmandade conheceu a necessidade que esta Santa Casa tinha de estabelecer uma Casa onde se pudessem recolher alguns doentes para ali serem tratados em suas enfermidades. por isso a que existia para esse fim não era própria. Mas que depois de ser nomeado Provedor, tem por mais de uma vez, como é bem constante, tentado realizar este projecto, na firme convicção de que a caridade é a primeira virtude que recomenda o Evangelho, e firme nestes princípios mandou tirar uma planta para se edificar uma casa para esse tão útil como necessário fim, e que se não levou então a efeito, pela obra ser dispendiosa, e as rendas desta Santa Casa andarem bastante atrasadas. Agora porém, que esta Santa Casa, tem em dia os seus Empregados, torna a lembrar a esta Mesa, este tão útil, como pio estabelecimento, lembrando igualmente à Mesa que a população desta Vila tem crescido consideravelmente, pela muita gente que tem vindo de fora para ser empregada no trato da pesca, e por isso terem aparecido grande quantidade de doentes, que por falta de Casa própria para serem tratados, estão acolhidos em uma má casa, ou em uma Loja de Companha, onde em lugar de melhorar, lhe agrava os padecimentos. Nestas circunstâncias fiz convocar esta Mesa a quem lhe não é estranho estes factos, assim como a necessidade que esta Santa Casa tem de uma casa para Hospital, e o meio mais fácil de o conseguir; e então lembra-se de pedir ao Banco hipotecário um empréstimo de 1 :400$ réis
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dando-se para pagamento, os rendimentos da casa que esta Santa Casa possui em Lx na Calçada de S. João Nepomuceno, que rende anualmente perto de 200$000 réis; e com o produto do dito empréstimo se fazer a dita casa para Hospital visto esta Santa Casa tem terreno, e localidade própria, pedindo-se a competente autorização. Quanto porém à dificuldade que por vezes se tem apresentado de não haver receita equivalente para a sustentação dos doentes, tenho a lembrar a esta Mesa que a Corporação marítima tem uma verba no seu orçamento para tratamento de doentes de 1 00$000 réis; esta Santa Casa tem orçado para o mesmo fim 1 70$000 réis; e é muito natural que a Câmara Municipal deste Concelho não deixará de consignar no seu orçamento uma verba para tão útil como pio fim; Ora já fica demonstrado à evidência uma receita para tratamento de oito doentes, além de que ainda há o grande recurso do peditório Público, e as esmolas que decerto se hão-de obter para este estabelecimento, porque tenho a lembrar à Mesa que esta Povo sustenta duas confrarias que fazem a despesa anual de mais de 400$000 somente com esmolas, isto para somente terem duas Missas aos Domingos e duas festas anuais; Ora se isto acontece para estes objectos de quanto melhor vontade não concorrerão para tratamento do Doentes, onde vão encontrar, um Pai, um Marido, ou um filho ou um Amigo; e por isso não receava viesse a faltar nada no tratamento dos doentes, e por isso o seu voto era que desde já se desse princípio a pôr em prática o projecto de edificação da Casa, pedindo-se autorização para se contrair o empréstimo; A mesa foi toda da mesma opinião e para isso se passou a nomear dois peritos para orçarem a despesa que poderá fazer-se na edificação da referida casa para servir de Hospital, e foi nomeado para este fim Francisco Vidal Moranha mestre Carpinteiro, e José Filipe da Silva, mestre pedreiro; Mas para que se marche com mais segurança propôs o Irmão Definidor presente o Illm.º José Maria Brandão se perguntasse à Corporação Marítima e Câmara Municipal deste Concelho se de facto queriam concorrer com as suas quotas para a sustentação dos doentes do Hospital da Misericórdia, e no caso afirmativo também votava pela factura da Casa
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para Hospital segundo a proposta do Illmº Sr. Provedor.
[Arquivo Municipal de Sesimbra, SCMS/B/A/01/Lv.02, fls. 5758v (7–11–1869)]
Anexo 9
- Reunião da Corporação Marítima com os Festeiros das Chagas 27
de Fevereiro de 1881
Aos vinte e sete dias do mês de Fevereiro de mil oitocentos e oitenta e um nesta Vila de Sesimbra e Casa da Corporação Marítima da mesma vila onde se reuniram indivíduos da classe pescadora em número de quatrocentos bem como o presidente e vogais da mesa directora daquela corporação compareceram Luiz Pereira Tufinha, José Manuel da Angélica e Zózimo Maria, Juiz e festeiros no corrente ano do Senhor Jesus das Chagas, que se venera na Igreja da Misericórdia desta vila e pelo referido Juiz foi declarado: que havendo sido intimado pela autoridade administrativa para não continuar a solicitar esmolas para a festividade do Senhor das Chagas, que há mais de trezentos anos se celebram no dia três de Maio tinha promovido a presente reunião para dar conta do ocorrido à classe pescadora; por ser ela quem concorre para as despesas da predita festividade; que a ele Juiz lhe parecia arbitrária a intimação feita, e tanto mais que se pretende fazer desviar para outro fim as esmolas que se aplicam ao culto daquela veneranda Imagem; que estando as coisas neste ponto, ele e os seus colegas se lembraram de pedir à mesa da corporação marítima para os auxiliar na manutenção de um direito há séculos estabelecido e que agora se pretende esbulhar à classe pescadora. Em seguida o presidente da corporação, António Gomes Pólvora, propôs e a assembleia por unanimidade aprovou: Que os festeiros recorressem para o Concelho do Distrito da intimação pelo administrador feita aos festeiros para não continuarem a pedir esmolas para a festa das Chagas: Que, quanto antes, se tratasse de organizar uns estatutos, para serem submetidos à aprovação superior, que regulem a aplicação
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das esmolas ofertadas para o culto do Senhor das Chagas tendo-se em vista a conveniência de haver um capelão privativo da classe pescadora. Sendo, como dito fica, aprovada esta proposta, por aclamação nomeada uma comissão para tratar da organização dos estatutos, a qual ficou composta dos seguintes indivíduos: António Gomes Pólvora, Joaquim António Gomes, Inácio Franco, Bernardino José da Silva, Manuel de Jesus Mendes = Todos os arrais de barcos de pesca declararam que só entregarão as esmolas tiradas as que tiverem que tirar aos festeiros actuais, para eles as aplicarem no corrente ano às festividades do Senhor Jesus das Chagas, da mesma forma por que se tem praticado nos anos anteriores. E não havendo mais coisa alguma a deliberar, foi dada por concluída esta reunião de que se lavrou a presente acta que depois de lida vai ser assinada pelos indivíduos presentes que o sabem fazer. E eu, Bernardino José da Silva a subscrevi e assino. António Gomes Pólvora, Zacarias Pinto Xumbau, Inácio Franco; Manuel de Jesus Mendes, Luiz de Oliveira Formiga, João Tavares, Joaquim Aquilino, Manuel Carvalho Gorelha, Joaquim Estevão Farinha, António Filipe Preto, Joaquim António Gomes, José Inácio Franco, António Pinto Miranda, Aquilino Gomes Pólvora, José Alves da Rita, José Joaquim Pedro, António Felisberto, Sebastião dos Reis Gatinho, Francisco Narciso Hilário, António Martins, Rafael Pinto, Bernardino José da Silva. [Arquivo Municipal de Sesimbra AMSSCMS/B/A/01/Lv.05, fls. 11v (2721881)] Anexo 10 - Reunião da Mesa da Mesa da Misericórdia de Sesimbra 24 de Mar ço de 1881
Aos vinte e quatro dias do mês de Março de mil oitocentos e oitenta e um, nesta vila de Sesimbra e Casa do Despacho da Misericórdia, onde se achava reunida a mesa administrativa composta do Provedor Manuel Caldeira da Costa, do Tesoureiro António Pedro Palmela e do Escrivão Juvenal Pinto Soromenho, pelo
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mesmo Provedor foi dito que, como era sabido dos seus colegas, na noite antecedente de vinte e três, um grupo de indivíduos entre os quais iam António Gomes Pólvora, Joaquim Crispim Pólvora, Joaquim António Gomes, Francisco de Assis Castro Sarmento Pereira, Luis Pereira Tufinha, Zózimo Maria, José Manuel da Angélica, José Correia Manjua e José Pereira Sarrabulho, se dirigiu tumultuosamente para o adro da Misericórdia e daí, depois de algumas expressões proferidas por Francisco de Assis Castro Sarmento Pereira, se encaminharam, alguns do grupo, com grande vozeria e de archotes acesos, para a Casa do Sacristão, José Pedro Ferreira, e por meio de ameaças e violências, o obrigaram a abrir a porta da respectiva capela; e penetrando nela, sem nenhuma espécie de autoridade, subiram José Correia Manjua e outros ao altar do Senhor Jesus das Chagas, tiraram esta imagem e lançando mão de todas as alfaias e ornatos que a ela pertenciam, levaram tudo para a igreja do Espírito Santo, praticando assim um manifesto roubo. Propunha, pois, ele [este] Provedor, que se desse conhecimento de todo o ocorrido a S. Exª. o Sr. Governador Civil, ao Exmo. Prelado e ao Poder Judicial, afim de serem impostos aos criminosos as penalidades em que incorreram, e de serem restituídos à Misericórdia a Imagem e objectos roubados constantes da relação exarada em seguida à presente acta. Esta proposta foi unanimemente aprovada, em vista do que se vão fazer as necessárias participações e tomar as providências que o caso exige. Não havendo mais de que tratar nesta sessão deu-a o provedor por encerrada, do que, para constar se lavrou a presente acta, que depois de lida vai por todos ser assinada. Relação dos objectos a que se refere a acta supra: 1 Imagem do Senhor Jesus das Chagas; 1 Cruz de pau santo com arremates de madeira prateada; 1 Cruz de pau preto; 4 Raios de prata pertencentes à cruz; 1 Resplendor de prata;
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1 Titulo do mesmo metal; 3 Arremates da cruz, do mesmo metal; 3 Cravos do mesmo metal; 1 Relicário de prata galvanizada de ouro; 1 Baú com paramentos sendo: 1 Casula; 2 Dalmáticas com todos os seus pertences; 1 Véu de ombros; 1 Pala de corporais; 1 Frontal; 1 pano de estante. Todas estas alfaias de damasco fino e de cor encarnada; 1 Cendal branco bordado a ouro; 1 Dito encarnado. idem idem; 1 Fita bordada a ouro; 1 Cendal roxo com roseta e franja dourada; 1 Caixote com: 22 Jarras de louça; 6 Ditas de pau dourado e 6 Pedestais brancos; 1 Caixote com 32 ramalhetes; 1 Andor com frisos dourados, varais trempe de ferro, 6 forquilhas e 6 almofadas; 1 Caixa com 6 tochas e 6 archotes de cera; 1 Livro de matinas; 1 Dito de novena; 1 Caixão de pau que serve para conduzir a Imagem; 6 Cortinas roxas velhas; 8 Painéis de milagres;
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1 Caixa com uma cabeleira nova; 1 Caixa com uma cabeleira já velha; 1 Coroa de espinhos velha; Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra, 24 de Março de 1 881 . [Arquivo Municipal de Sesimbra SCMS/B/A/01/Lv4, fls. 5v7v (2431881)]
Anexo 11
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Libelo de Acusação do processo de restituição e posse da Imagem
do Senhor Jesus das Chagas e respectivas alfaias.
Libelo de acusação Dizem o provedor e mais mesários da Santa Casa da Misericórdia da Vila de Sesimbra que eles pretendem oferecer e fazer seguir seus devidos termos a ação constante dos autos seguintes. P. Que a Santa Casa da Misericórdia da Vila de Sesimbra estava na posse de uma imagem do Senhor das Chagas sendo exposta à adoração publica num altar na sua igreja bem como diferentes alfaias pertencentes à mesma imagem que se acham competentemente inventariadas e que são as constantes da relação junta sob n.º 1 que se oferece como parte integrante deste artigo. P. Que em 23 de Março ultimo, pelas 1 0 horas da noite pouco mais ou menos, um grupo de indivíduos à frente dos quais ia António Gomes Pólvora, depois de haver percorrido a vila de Sesimbra – acompanhado de uma banda de musica – em altos clamores, dando vivas e morras, diversas pessoas se dirigiram tumultuariamente ao campo junto da igreja da misericórdia. P. Que chegando aí o referido grupo, se destacou dele uma porção de gente e entre esta dois marítimos, por nome Manuel João Lopes e João Tavares, os quais se dirigiram às casas pegadas à igreja, em que habita José Pedro Ferreira, sacristão
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da mesma, e como tal encarregado pela Mesa da Misericórdia de guardar as chaves do templo. Porque os referidos indivíduos começaram a chamar em altos gritos pelo mencionado sacristão e intimaram-no a que lhes desse a chave da dita igreja, ameaçando-o de que se assim não fizesse lhe cortariam a cabeça. P. Que como o sacristão não obedecesse imediatamente à intimação feita foi a varanda da casa invadida por José Correia Majua, Zózimo Maria, José da Angélica, Luís Pereira Tufinha e seu filho Benjamim (os primeiros marítimos e o último ferreiro) os quais intimaram de novo, clamorosamente, o sacristão a entregar-lhes a chave da igreja ameaçando-o de que se assim não fizesse lhe arrombariam a porta. P. Que no grupo dos indivíduos amotinados se achava um homem por nome Joaquim Pançada que trazia às costas um machado com o qual se podia facilmente realizar as ameaças dos amotinados. (...) Que tendo os factos narrados incutido justificado terror no ânimo das pessoas da família do sacristão (mulher, filho e filha) e no dele próprio, este forçado pelas súplicas daquela e pelas ameaças que lhes eram clamorosa e tumultuariamente feitas e repetidas, e receoso de sair de casa, lançou as chaves da janela abaixo. [05] Que apesar disso os indivíduos mencionados obrigaram o sacristão a sair da casa e a acompanhá-los à igreja da Misericórdia, levando a chave, e chegados aí exigiram que lhes abrisse a porta, dispersando nessa ocasião muita da gente que fora ao campo, ficando contudo os que mais principalmente haviam tomado parte no tumulto e uma banda de música. P. Que os referidos indivíduos entrando na igreja subiram ao altar onde se achava a mencionada imagem do Senhor Jesus das Chagas, lançaram mão dela e apoderaram-se também das alfaias à mesma pertencentes – imagens e alfaias que são as referidas no art. 1 .ºP. Que em seguida levaram a imagem e as alfaias mencionadas para a Capela do Espírito Santo pertencente à Corporação Marítima de Sesimbra, onde a
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colocaram. P. Que a Administração da dita Corporação, de que é Presidente o referido António Gomes Pólvora havia mandado já antecipadamente abrir e franquear a respectiva Capela a fim de nela serem recebidas as mencionadas Imagem e alfaias. P. Que desde então se tem conservado a referida Administração na indevida retenção da Imagem e alfaias aludidas. P. Que com os factos referidos foi a Santa Casa da Misericórdia de Sesimbra esbulhada violentamente da posse em que estava das mencionadas Imagem e alfaias. P. Que nos expostos termos, oferecendo como oferece a A. [autora] o rol das testemunhas juntas em prova da violência feita, é de direito conforme o disposto nos artigos 487 do Código Civil e 494 do Código do Processo, ser mandada judicialmente restituir à posse das referidas imagens e alfaias. (...) [Arquivo Distrital de Setúbal, Processo do Tribunal Judicial de Almada, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1/068/00007, p 115v ]
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Joรฃo Augusto Aldeia Anexo 12 - Relatรณrio sobre a cultura do arroz em Sesimbra (1859)
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[Ofício
de Manuel Caldeira da Costa, reproduzido em “Relatório sobre a cultura do arroz em Portugal e sua influência na saúde pública” (1860), pp. 142143.]
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João Augusto Aldeia Anexo 13 - Notícia do jornal Portugal (4 de Maio de 1909)
O "rapto" do Senhor das Chagas Anexo 14 - NotĂcia do jornal Portugal (5 de Maio de 1909)
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JoĂŁo Augusto Aldeia Anexo 15 - NotĂcia do jornal A Vanguarda (9 de Maio de 1914)
O "rapto" do Senhor das Chagas Anexo 16 - Árvore genealógica (simplificada) da família Caldeira da Costa
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Anexo 17 - Imagem do Compromisso da MIsericĂłrdia de Lisboa (1516), com a Virgem do Manto, protegendo a sociedade
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Anexo 18 - Simbolo da Irmandade do Senhor Jesus das Chagas, instituĂda em 2002
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Notas 1 – Pimentel (1 908) pp. 260-262. 2 – Compromisso da Misericórdia de Lisboa – 1 51 6. 3 – Laurinda Abreu (2002) “A especificidade do sistema de assistência pública português - linhas estruturantes", p. 422 4 – Tese defendida pela investigadora Laurinda Abreu, numa conferência proferida em Sesimbra, na Capela do Espírito Santo, no dia 26-9-201 4, com o título: “Pobres e doentes no trânsito da Idade Média para a Idade Moderna: o bom governo da população”. 5 – Portugaliae Monumenta Misericordiarum, volume 4, p. 279 6 – Lei de 20 de Maio de 1 796 (reproduzida no Anexo 3) 7 – O despacho foi registado pela Misericórdia de Sesimbra a folhas 6-1 2 do seu “Livro de Registo – 1 807-1 833” (Arquivo Municipal de Sesimbra SCMS/A/B/02/Lv1 ). 8 – Sebastião José de Carvalho era filho do capitão Paulo José Farto de Mendonça, e o baptismo realizou-se na igreja Matriz de Santiago, em Sesimbra, a 11 de Agosto de 1 754, fazendo-se os padrinhos representar pelos padres Francisco António de Carvalho e Miguel Farto Vaz. Foi Pároco de Santiago entre Abril de 1 800 e Agosto de 1 830. Seria agraciado por D. Miguel, em 1 5 de Junho de 1 830, com a “permissão para usar da Medalha da sua Real Efígie” – Gazeta de Lisboa n.º 1 39, de 1 5-61 830, p. 563. 9 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 32-32v (2-7-1 806) 1 0 – Sentença do exmo e illmº Arcebispo de Lacedemónia em que reduz todos os encargos da Santa Casa a 450 missas de 300 réis – (_) António Caetano Maciel Calheiros, Arcebispo de Lacedemónia, Presidente da Relação e Cúria patriarcal e Vigário do Excelentíssimo Colégio Sede Patriarcal (_) pretendendo o Provedor e mais Mesários da Santa Casa da Misericórdia a redução de missas por serem muito diminutas as esmolas que os Instituidores das Capelas deixaram (_) mapa junto mostra serem pequenas as esmolas que os Instituidores das Capelas deixaram para se lhe dizerem missas pelos mesmos declaradas, e como na mencionada Vila há poucos Sacerdotes e estes se não querem sujeitar a tão pequenas esmolas (_) como também dispensar-lhes o cantarem-se os Ofícios do Oitavário dos Santos e São Martinho, querendo-os só rezados, por não haver Padres que por ténue esmola os queiram cantar – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 6-1 2 11 – Carromeu, 201 3, pp. 32-34. 1 2 – Simão José da Luz Soriano (1 970), “História da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal”, Segunda época, Guerra Peninsular, tomo I, pp. 61 3 1 3 – A ideologia iluminista e liberal tinha adeptos em Portugal. O poeta Bocage (1 765-1 805) escreveu poesia verberando o “despotismo” e apoiando a “liberdade”. O académico José Joaquim Soares de Barros (1 721 -1 793), que viveu em Sesimbra nos últimos anos da sua vida, foi igualmente um adepto do novo ideário
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1 4 – Rafael (1 984) e Rafael (2002) p. 25 1 4B – Ventura, 201 3 1 5 – Sobre a vida do Padre Marcos veja-se: Loureiro (1 939) e Carromeu (201 3). 1 6 – Arquivo Histórico Militar - Correspondência do conde de São Lourenço para o conde de Barbacena Francisco - PT/AHM/DIV/1 /20/1 80/07 1 7 – Idem, ibidem. 1 8 – Gazeta de Lisboa de 1 5-6-1 830 1 9 – Gazeta de Lisboa de 1 2-2-1 832 20 – Gazeta de Lisboa de 2-3-1 832 21 – Gazeta de Lisboa de 25-3-1 833 22 – Estranhamente, em nenhum dos livros de Registo de Acórdão e de Termos, se encontra qualquer deliberação quanto ao início deste processo de pedido de autorização eclesiástica para a redução de missas. 23 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 36v-37 (1 5-1 -1 807) 24 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 03-04 25 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 – fls. 44v-45 (26-1 -1 808) 26 – Arquivo Municipal de Sesimbra, Arquivo Municipal de Sesimbra SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 1 6 (11 –4–1 808) 27 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 49v (1 0-9-1 823) 28 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls.1 6 (21 –4–1 809) 29 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 1 6v (21 -4-1 809) 30 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 1 6v (21 -4-1 809) 31 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 95v (2-7-1 81 6) 32 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 96-96v (2-7-1 81 6) 33 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 1 35-1 37 (1 0-1 -1 822) 34 – Diário do Governo nº 27 de 1 -2-1 822 35 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 48-48v (4–2–1 823) 36 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls. 1 37v. 1 -2-1 822 37 – Diario do Governo, 26-7-1 822 38 – Diário do Governo de 1 0-1 -1 823 39 – Gazeta de Lisboa, 1 5-4-1 823 40 – Gazeta de Lisboa de 28-7-1 823 41 – O documento não é muito legível neste ponto. A expressão ”os que suspeitam a momento de desmanchar o triângulo” talvez signifique: “aqueles de quem os Capelães suspeitam, no momento de eleger uma nova Mesa” (constituída por três pessoas). 42 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls 50 (9-9-1 823) 42a – José de Carvalho, armador e capitão de navios, faleceu em 1 692. Mandou edificar, na Capela da Misericórdia, um altar – que é magnífico espécime da arte barroca – dedicado a N.ª Sr.ª do Rosário, para o qual ofereceu uma imagem da mesma invocação, sua «companheira» em todas as viagens marítimas. Legou à Misericórdia 7.000 cruzados de oiro – Rafael (1 961 ) e Rafael (2001 ) fls. 64. Estranhamente, não existe qualquer referência à obrigação de missas decorrentes
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deste legado, no mapa elaborado em 1 806. 43 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/A/02/Lv1 , fls 1 73 (2-7-1 827) 44 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 64v 45 – Gazeta de Lisboa, edições n.º 242 e 271 , respectivamente de 1 2-1 0-1 827 (p. 1 277) e 1 5-11 -1 827 (p. 1 396) 46 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls 59v (1 8 de Abril de 1 825) 47 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 63v-64 (3 de Abril de 1 826) 48 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls.65-66 49 – idem 50 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls.67v-69. Existe um Despacho do Desembargo do Paço com uma formulação ligeiramente diversa (folhas 65-55 do mesmo livro) mas trata-se da mesma sentença, não constituindo a Provisão Real o reforço de qualquer outra decisão anterior. 51 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 - 66v (22-4-1 827) 52 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 – fls. 69v-73 (23-8-1 827). "Vésperas e completas": ofícios religiosos (veja-se no Glossário) 53 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 65-66 (22-11 -1 826) 54 – idem 55 – idem 56 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv1 , fls. 73v (1 2-4-1 828) 57 – Chronica Constitucional de Lisboa de 8 de Agosto de 1 833, p. 50. 58 – Chronica Constitucional de Lisboa de 1 4 de Agosto de 1 833, p. 79 59 – Chronica Constitucional de Lisboa de 1 5 de Agosto de 1 833, pág. 86 60 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 2 (20-7-1 835) 61 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 4 (25-1 0-1 835) 62 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 6 (26-11 -1 835) 63 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 83-83v (20-4-1 847) 64 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 83v-84 (21 -6-1 847) 65 – João Rodrigues Curto, originário de Abrantes, desempenhou em Sesimbra as funções de médico. Casou aqui com Cláudia Maria Ramada, dando origem à família Ramada Curto. 66 – António Maria de Góis foi médico em Sesimbra. Fizera parte da lista de alunos que foram “riscados da Universidade por Ordens Régias de 1 9-4-1 828, 23-7-1 828 e 28-3-1 829”, o que indica que seria um activo adepto dos Liberais (Gazeta de Lisboa n.º 96, 24-4-1 829, p. 392). 67 – Bonifácio (1 997) 68 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 87v (6-2-1 848) 69 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 90-90v (1 5-4-1 849) 70 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 92v-93 (1 9 a 30-91 851 ) 71 – José António Pereira, que trabalhara para o Marquês de Cadaval, participou na
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guerra civil ao lado dos Miguelistas, tendo estado preso largo tempo após o final da guerra. Em Sesimbra desempenhou funções de Secretário da Câmara Municipal 72 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 05v-1 06 – (1 5-71 857) 73 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 53v-1 54 (1 8-4-1 860) 74 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 55 (1 9-4-1 860) 75 – Jornal A Revolução de Setembro de 1 7-4-1 850, p. 1 76 – Jornal A Regeneração n.º 11 3, de 6-11 -1 851 , p.2 77 – Lei eleitoral de 20-6-1 851 , cujo Artigo 1 .° determinava que: "As nomeações dos Deputados para as Cortes Gerais serão feitas por eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos, em Assembleias Primárias Paroquiais, Eleitores, que, em Colégios Eleitorais, elejam os Deputados da Nação”. 78 – Um ofício de Manuel Caldeira da Costa, Administrador do Concelho de Sesimbra, datado de 29-11 -1 859, está reproduzido em “Relatório sobre a cultura do arroz em Portugal e sua influência na saúde pública” (1 860), pp. 1 42-1 43 – ver Anexo 1 2. 79 – Escritura de 23-6-1 864, Fundos Notariais de Sesimbra (Santiago), Livro 621 , pp. 1 5-1 9v 80 – Veja-se a arvore genealógica de Manuel Caldeira da Costa no Anexo 1 5 81 – Sismo de Setúbal em 11 -11 -1 858 (magnitude=7,1 ). “Por ocasião do terramoto de 11 -11 -1 858 Azeitão muito pouco sofreu, mas teve alguns estragos; o edifício do extinto convento da Ordem de S. Domingos caiu em partes, e várias propriedades urbanas tiveram diferentes estragos, que foram reparados”. (Arquivo Distrital de Setúbal, Fundo Almeida Carvalho - PT/ADSTB/PSS/APAC/O/001 8) 82 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 35 (1 4-11 -1 858) 83 – Jornais: pagamento dos dias de trabalho; 1 dia de trabalho = 1 jornal. 84 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 35v-1 36 (1 5-11 1 858) 85 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 44v-1 45 (11 -8-1 859) 86 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 54v (1 9-4-1 860) 87 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 30v-31 v (20–3–1 864) 88 – Idem. 89 – Ibidem. 90 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv02, fls. 24-24v (23–8–1 863) 91 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 25-26 (27-8-1 863) 92 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 27v (1 6–9–1 863) 93 – Provisão do Patriarca de 2 de Março de 1 862 94 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 1 55v (1 9-4-1 860) 95 – Idem. 95a – Idem, fls. 1 62-1 62v (30-9-1 860) 96 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, 34-34v fls. (3–11 –1 864) 97 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 80v-81 (5–7–1 874) 98 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 84v (22–8–1 875) 99 – idem
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1 00 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 48 (26–4–1 868) 1 00a – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv02, fls. 57-58v (1 869) 1 01 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 57-58v (7–11 –1 869) 1 02 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 55v-56v (1 –8–1 869) 1 03 – Rui Costa Marques (2009) "À descoberta das origens da Escola Conde de Ferreira de Sesimbra”, pp. 39-44. 1 04 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 84v (22–8–1 875) 1 05 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/A/B/02/Lv03, fls. 86v (20–6–1 876) 1 06 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv1 , fls. 2v-3 (24-7-1 880) 1 07 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv1 , fls. 4-4v (6-1 -1 881 ) 1 08 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv1 , fls. 1 0 (27-1 2-1 881 ) 1 09 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv1 , fls. 1 2 (26-1 -1 882) 11 0 – Qualquer destes jornais, merecendo embora o apodo de “trapilhas”, não são exclusivamente Regeneradores, pois agregam alguma oposição republicana; existia na época uma aliança contingente dos Republicanos com os Regeneradores, uma frente de circunstância, face à hegemonia dos Progressistas durante a década de 1 890. Por exemplo: o comício contra a integração de Sesimbra na nova Comarca do Seixal, em 24-1 2-1 899, englobou Republicanos e Regeneradores contra o governo Progressista, e foi apoiado pel’O Jornal de Cezimbra. 111 – Jornal O País n.º 1 440, de 1 0-2-1 911 . 11 2 – Jornal A Verdade n.º 1 , 4 de Maio de 1 879, p. 1 . 11 3 – idem 11 3A – Julie Fertiault , " Le Bonheur au Foyer – Lettre d'Une Mère a sa Fille", traduzida para português por Alfredo Pimenta em 1 877: A felicidade na família: Cartas d’uma Mãe a sua Filha". 11 4 – Jornal A Verdade n.º 5, de 1 -6-1 879, p. 20. 11 5 – A Verdade n. 7, 1 5-6-1 879, p. 27 11 6 – Jornal Diário Ilustrado de 1 7-9-1 879 11 7 – Jornal A Verdade n.º 8, 22-6-1 879, p. 29 11 8 – Jornal A Verdade n. 8, 22-6-1 879, pp. 29-30 11 9 – jornal A Verdade n.º 1 6, 1 7-8-1 879, p. 64 1 20 – jornal A Verdade n.º 1 7, 24-8-1 879, p. 65 1 21 – Jornal A Verdade n. 22, 28-9-1 879, pp. 85-86 1 22 – Jornal A Verdade n.º 23, 5-1 0-1 879, p. 89 1 23 – Jornal Diário Ilustrado n.º 2290, de 4-1 0-1 879, – p. 2 1 24 – Camilo Castelo Branco (1 880) Ecos Humorísticos do Minho, n. 3, p. 29 1 25 – Ainda durante a vigência do governo Progressista, seria nomeado como Governador Civil de Lisboa, em 1 2-1 0-1 880, o seu correligionário Vicente Rodrigues Monteiro. 1 26 – Jornal A Verdade n.º 3, 1 8 de Maio de 1 879, p. 11 . 1 27 – B/A/01 /Lv02 – acta de 7-4-1 879 - p. 94 1 28 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv02, fls 99v (11 -4-11 80) 1 29 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv4, fls 1 01 v (1 8–4–1 880)
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1 30 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv4, fls. 4-4v (6-1 -1 881 ) 1 31 – idem 1 32 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv.05, fls. 1 -1 v (27-2-1 881 ) 1 33 – idem 1 34 – ibidem 1 35 – Em 5-5-1 81 0, António Gomes Pólvora e António Pinto de Leão constituíram uma sociedade para exploração de uma armação de pesca “de que ambos são mandadores e donos” – Arquivo Distrital de Setúbal, Fundos Notariais de Santiago (Sesimbra), livro 584, p. 61 –63. 1 36 – Em 1 8-2-1 887, Baldaque da Silva reuniu com os mandadores das armações da sociedade Caldeira & Filhos (Risco, Burgau, Vale Covo e Baleeira) que eram: José Silvestre da Mata, Francisco da Januária e José Marques. (Martins, 201 3, p. 1 04). 1 37 – Jornal Diário Ilustrado n.º 2.81 3, de 1 4-3-1 881 , p.2. À saída deste comício, realizado no teatro de S. Carlos, no dia 1 3-3-1 881 , a Guarda Nacional carregou sobre os participantes, facto que se tornou num escândalo político, e que viria a justificar a apresentação, no parlamento, de uma moção de confiança que, embora aprovada, revelou que a continuação e funções do governo progressista se tinha tornado insustentável. 1 38 – Alberto José Grilo Belo (201 2) "A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas (1 870-1 895)", pp. 1 88-1 91 1 39 – Jornal Diário Ilustrado n.º 2.81 0 de 11 -3-1 881 , p. 2 1 40 – Jornal Diário Ilustrado n.º 2.823, de 24-3-1 881 , p.2 1 41 – Jornal Diário Popular, 25 de Março de 1 881 , p. 1 1 42 – Jornal Diário Popular 1 43 – Jornal Diário Ilustrado de 30-3-1 881 1 44 – Jornal Diário Popular, 2 de Abril de 1 881 1 45 – Jornal Diário Popular, 1 2 de Abril de 1 881 , p. xx 1 46 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv4, fls. 5v-7v (24-3-1 881 ) 1 47 – idem 1 48 – Arquivo Distrital de Setúbal, Processo do Tribunal Judicial de Almada, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007. 1 49 – Francisco António da Veiga Beirão (1 841 -1 91 6). Aos 21 anos, em 1 862, licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo exercido advocacia. Politicamente, começou por militar nos reformistas, mas iniciou-se como deputado pelo partido Progressista. Foi ministro da Justiça e Assuntos Eclesiásticos, por duas vezes (1 886-1 890 e 1 890-1 900), ministro dos Negócios Estrangeiros (1 898-1 900) e presidente do Conselho de Ministros no penúltimo governo da Monarquia Constitucional (22-1 2-1 909 a 26-1 2-1 91 0). Destacou-se, no ministério da Justiça, pela autoria do projecto de que resultou no Código Comercial de 1 888. 1 50 – Arquivo Distrital de Setúbal, Processo do Tribunal Judicial de Almada, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p 1 -1 5v CONFIRMAR 1 51 – idem
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1 52 – idem 1 53 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, – p. 8 1 54 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 11 1 55 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 22 1 56 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 24v 1 57 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 1 5 1 58 – Arquivo Distrital de Setúbal, PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 22 1 59 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv6, – fls. 02-03 (29-6-1 881 ) 1 60 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv5, fls. 2-3 (28-6-1 881 ) 1 61 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv.07, fls. 1 v (1 3-2-1 882) 1 62 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv.07, fls. 1 v-2 (1 3-2-1 882). Esta acta também se encontra reproduzida no processo judicial PT/ADSTB/JUD/TJCALM/1 /068/00007, p. 24. 1 63 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv4, fls.1 4 (1 0-3-1 882) 1 64 – José Gabriel Holbeche – (n. Lisboa, 25-03-1 821 ) advogado, formado na universidade de Coimbra, com ligações familiares a Almada. Em 1 870 fez parte da comissão nomeada pela ditadura de Saldanha para elaborar uma proposta de revisão da lei eleitoral e reforma da Câmara dos Pares. (Diário do Governo de 1 0.06.70, n.º 1 29, p. 801 ). Um familiar, João Inácio Holbeche (n. 1 824), foi eleito em 1 890 para a Câmara dos Pares, pelo partido Regenerador (A Câmara dos Pares na Época das Grandes Reformas Políticas - 1 870-1 895, p. 335), e foi presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (Decreto de 22-1 0-1 884), tendo terminado a sua carreira como juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça (1 885). 1 65 – “Sorteado na barriga”: ou seja, poderia ter sido rapaz ou rapariga e, neste caso, livre do serviço militar. Esta informação foi-me transmitida verbalmente por Rafael Monteiro. 1 66 – Jornal O Distrito de __-2-1 889 1 67 – Jornal Diário Ilustrado, 1 5-2-1 889. 1 68 – Jornal O Distrito de 3-3-1 889 1 69 – Jornal O Distrito de 24-2-1 889 1 70 – Jornal O Distrito de 6-6-1 889 1 71 – Forjaz, 1 91 5 1 72 – ADS - Corpo de delito (1 890-1 898) PT/ADSTB/JUD/TJCALM/2/001 /011 40 1 73 – Ibidem, ponto 5 do libelo de acusação. “Cambalhota” era a alcunha de Justiniano Marques Pereira, partidário Regenerador. 1 74 – Ibidem, ponto 2 do libelo de acusação. 1 75 – Ibidem, ponto 4 do libelo de acusação. 1 76 – Ibidem, ponto 1 0 do libelo de acusação. 1 77 – Ibidem, , ponto 1 7 do libelo de acusação. 1 78 – Ibidem, audição da testemunha Luís Augusto Xavier de Bastos, p. 11 1 79 – Jornal A Tarde, de 1 0-11 -1 892, citado em Forjaz, 201 5, p. 264. 1 80 – Jornal A Vanguarda, de 1 2-11 -1 892, citado em Forjaz, 201 5, p. 264. 1 81 – Jornal O Paiz n.º 1 441 , 11 -2-1 911 .
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1 82 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 63-63v (3-1 2-1 91 0) 1 83 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 08v (4-2-1 894) 1 84 – Pertenciam à Congregação das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição, fundada em Portugal em 1 871 . 1 85 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 1 6 (5-1 -1 895) 1 86 – Baldaque (1 897), p. 1 8 [reproduzido em Martins (201 3), p. 83] 1 87 – Ibidem. 1 88 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 22v (21 -1 2-1 895) 1 89 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 44-44v (1 0-1 0-1 903) 1 90 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 45-45v (1 8-5-1 904) 1 91 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 48v-49 (27-9-1 905) 1 92 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 50v (1 2-2-1 906) 1 93 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 48-48v (8-3-1 905) 1 94 – Logo a abrir os Estatutos se consigna que: “A antiga Confraria do Espírito Santo da corporação marítima da Vila de Sesimbra continuará a subsistir debaixo do mesmo título”. 1 95 – Estatutos aprovados pelo governo, por Despacho de 1 6 de Abril de 1 858. 1 96 – Estatutos publicados em 1 898. A Comissão responsável – pela radical alteração estatutária era presidida pelo Progressista, José Joaquim da Luz Rumina. 1 97 – Preâmbulo dos Estatutos aprovados em 1 897. 1 98 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 20v-21 (21 -9-1 895) 1 98A – Jornal O Cezimbrense, número único, 6-9-1 891 , p. 1 1 99 – Arquivo Municipal de Sesimbra - SCMS/B/A/01 /Lv9, fls. 29 (1 0-2-1 898). A festa teria lugar em Maio, mas a deliberação da Santa Casa diz que a imagem deveria ser reposta “na capela da Misericórdia até ao dia 1 5 de Abril”, um inconsistência de datas devida, talvez, a erro do escrivão. 200 – Monteiro (1 984) ““Procissão das Chagas”, Jornal Raio de Luz, edições n.º 94 a 96, [reproduzido em Rafael (2002) p. 62] 201 – Conceição, (201 3) p. 201 202 – Rafael (_), p.62 203 – Jornal Portugal n.º 692, de 4-5-1 909, p. 1 – reproduzida no anexo 1 2 204 – Jornal Portugal n.º 693, de 5-5-1 909, p. 1 – reproduzida no anexo 1 3 205 – O Jornal de Cezimbra n.º 1 de 1 2 de Novembro de 1 899, p3 206 – Jornal A Vanguarda n.º 633, de 9-5-1 91 4 , p. 2 – notícia reproduzida no anexo 207 – " No lançamento do livro 'Cem meses a sentir Sesimbra', do Padre Sílvio Couto", dactiloscrito - Biblioteca Municipal de Sesimbra, Fundo António Reis Marques, pasta da Festa das Chagas.
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