Poder Preto - Edição de Setembro - Meio & Mensagem / Think Etnus

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construir experiências de marca para cada patrocinador. Para o crescimento da feira, Adriana explica que foi capital o aumento do número de negros nos questionários de autodeclaração do IBGE. Não que tenham nascido mais negros do que brancos no período. Mas a população miscigenada passa a se entender como parda, e não mais como caucasiana, o que eleva a taxa de negros no País, já que o IBGE entende como negros a junção da população parda e preta. Em 2012, a população negra no Brasil representou 52,7% dos residentes no País. Em 2018, esse número subiu para 55,8. O maior crescimento foi da população declarada preta, que subiu de 7,4% para 9,3%, alta de cerca de 25%. Consequentemente, isso aumenta a valorização da identidade negra, abrindo espaço para festivais do gênero.

DIVULGAÇÃO/COLETIVO ALMA PRETA

Feira Preta, criada em 2002, reuniu 52 mil pessoas e 132 expositores em dez espaços na edição mais recente, na cidade de São Paulo

CONSUMO

Poder preto Apesar das barreiras do racismo estrutural, marcas afrocentradas se desenvolvem impulsionadas pelos avanços sociais da população negra que cada vez mais exige produtos e serviços que valorizem e respeitem a cultura afro-brasileira Por SALVADOR STRANO soliveira@grupomm.com.br

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lém de um mote empresarial em voga, a diversidade significa a entrada de negros e negras no mercado consumidor. E isso cada vez mais é uma realidade. Nos últimos anos, surgiram diversos produtos e serviços direcionados à população negra. Alguns desenvolvidos por grandes marcas de consumo; outros, por pessoas negras que decidiram empreender como forma de ocupar uma parcela de um setor ainda incipiente. Mesmo em curva ascendente, a movimentação de marcas afrocentradas passa, ainda, por limitadores como o racismo estrutural e a falta de visão empresarial sobre a maioria étnica brasileira — 54% da população brasileira se declara preta ou parda, segundo o IBGE. “No Brasil, estamos vivendo um momento muito parecido com o que foi vivido nos Estados Unidos durante os anos 1960, quando houve o boom de movimentos civis”, afirma Fernando Montenegro, fundador do instituto Think Etnos, voltado à pesquisa de mercado e à influência das pessoas negras. Há cerca de duas décadas, o Estado brasileiro reconhece a necessidade de 2 SET 2019

um processo de reparação histórica para com a população negra do País, que ainda colhe os frutos de três séculos de modelo escravagista. Ações afirmativas começaram no governo de Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990, e foram ampliadas pelos governos petistas e nas outras esferas do poder, como municípios e estados. Em seguida, uma década de incentivo ao crédito e valorização do salário mínimo deu acesso ao consumo a parte da população negra, historicamente a mais pobre do País. “Com esse repertório, ela já consumiu e viu o que é bom e o que é ruim. Agora, essa população negra entra na questão da valorização da identidade étnica, já que viu que no mercado tradicional não há produtos voltados para ela”, afirma Montenegro. Nesse cenário em amadurecimento, há 114,8 milhões de pessoas. Se fossem um país à parte, seriam o 11o mais populoso do mundo. Anualmente, segundo estudo do Instituto Locomotiva, esse público movimenta R$ 1,7 trilhão. Em 2017, o PIB do Brasil foi de R$ 6,55 trilhões.

Foi ao observar essa movimentação de mercado que parte da população negra buscou, no passado, negócios que privilegiassem a cultura afro-brasileira. Ainda em 1993, Zica Assis e Leila Velez criaram a primeira unidade do Instituto Beleza Natural. Com o objetivo de valorizar os cabelos crespos e cacheados, a empresa construiu à época um portfólio de produtos para o tratamento dos fios. Atualmente, está presente em cinco estados brasileiros e em Nova York, nos EUA. Ao todo, são 40 lojas que atendem, em média, 130 mil clientes mensalmente. “Cerca de 75% do País têm cabelos crespos e ondulados e 54% é negra ou parda. Então, ter uma empresa que respeita essa mulher e que a valoriza é o meu maior motivo de orgulho”, afirma Leila, sócia da operação. Para construir o relacionamento com esse público, diz, é necessário entender e representar as pessoas que buscam o serviço. “Toda a nossa comunicação é pensada e criada para mostrar essa diversidade. Nas nossas redes sociais, no layout dos institutos e quiosques, nas embalagens de produtos, sempre mostramos

essa mulher real, com modelos clientes e colaboradoras. Além disso, participamos sempre de ações de beleza e empoderamento em todos os estados que estamos”, afirma. Como estratégia de expansão, a empresa segue abrindo pontos em locais de fácil acesso, próximos a metrôs ou terminais de ônibus. Ainda neste semestre, por exemplo, está programada a abertura de quiosques da marca no Metrô da Central e na Estação São Conrado, ambas na capital fluminense. Outro empreendimento já tradicional virou, também, ponto cativo no calendário de negócios de diversas marcas. A Feira Preta estreou em 2002, fruto de uma reflexão de Ariana Barbosa após a Unilever lançar o primeiro sabonete segmentado junto com a Revista Raça. No primeiro ano, foram sete mil pessoas em um fim de semana. Atualmente, a feira movimenta cerca de 52 mil pessoas em dez espaços diferentes na cidade de São Paulo, e a edição mais recente registrou 132 expositores. Nos últimos dois anos, a feira deixou de ser apenas um ambiente de exposição de produtos feitos por pessoas negras e passou a ser, também, um festival de lifestyle, com rodas gastronômicas, shows e palestras. Somente por sua amplitude, o projeto já seria capacitado a atrair o interesse de marcas que visassem patrocínio. Ao unir isso ao propósito de empoderamento da população negra, então, Adriana conquistou patrocinadores como o banco Itaú e o atacadista Assaí. “São marcas que ou têm uma política interna muito clara de diversidade ou possuem produtos voltados ao público negro”, afirma Adriana. O festival ainda busca comercializar outras cotas de patrocínio, e tem parceria da Mutato para

Da periferia para a bienal Também com mais de dez anos de atuação, a Lab Fantasma movimentou o mercado da moda quando, em 2016, apresentou um desfile durante a edição de inverno da São Paulo Fashion Week. A marca é dos irmãos Emicida (leia mais à pág. 29) e Evandro Fióti, ambos músicos. Seu público é composto, principalmente, por jovens de 18 a 30 anos, de periferia e majoritariamente negros, segundo dados da empresa. Para dialogar com seu mercado consumidor, a marca investe em duas frentes: parcerias com varejistas e marcas tradicionais; e campanhas digitais. No primeiro caso, a grife se uniu à C&A no ano passado para apresentar a coleção A Rua É Noiz. A série teve peças masculinas e fe-

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Alinhamento de propósito é elemento-chave para parcerias, diz Evandro Fióti, da Lab Fantasma

mininas que a varejista comercializou em sua rede de lojas. Outro caso desse tipo foi a parceria da Lab com a Imaginarium para o Dia dos Namorados desse ano. Além

de uma coleção de objetos para a casa, a junção das marcas incluiu um clipe do próprio Emicida e uma coleção de vestuário. “Quando imaginamos esse caminho

de co-branding, acreditávamos muito na força de uma construção não só de um alinhamento de propósito, mas também uma visão de mundo que estivesse de acordo com o que acreditávamos ser coerente”, afirma Evandro Fióti. Parte desse propósito, fica claro, é a valorização da estética e cultura negra e periférica. E não somente na produção, mas também no ambiente de negócios. “Estamos fazendo isso há mais de dez anos, quem acompanha nossa trajetória já se sente parte disso e consegue entender essa construção”, complementa. Dificuldades no financiamento desse tipo de operação, entretanto, ainda barram o crescimento das marcas. Empreendedores do ramo afirmam se deparar com o racismo institucional quando vão à praça buscar crédito ou investimento. Para Leila, do Beleza Natural, por exemplo, o primeiro crédito veio da venda de um fusca de um dos sócios do instituto. Isso não passou batido ao recente momento de disrupção do mercado bancário. Fintechs como a Dblack Bank, braço do Movimento Black Money (MBM), buscam construir um ecossistema que possa suprir essa necessidade por crédito, ativo essencial para a criação de uma indústria. Neste primeiro momento, o banco atua com máquinas de pagamento voltadas a negócios afrocentrados, mas pretende ativar, em breve, uma conta digital completa, com empréstimo e capital de giro. A operação é comandada por Alan Soares e Nina Silva, fundadores do MBM. No início, o movimento nasceu como um portal de educação financeira e empreendedorismo. Seu objetivo é 

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Fernando Montenegro, do Think Etnos: negros estão buscando a valorização da identidade étnica

Cotas em revistas, novelas e desenhos é sugestão de Alexandra Loras para a representatividade

apontar caminhos para que negros e negras busquem ampliar seu poder dentro da sociedade ao comprar dentro de sua própria comunidade. “Todos os bancos já suprem a necessidade do consumidor. O nosso diferencial é que estamos empoderando a comunidade afrodiaspórica”, explica Alan. O executivo afirma que a comunidade MBM já conta com mais de 30 mil pessoas.

No Brasil, a única publicação física de ampla circulação voltada ao público negro é a Revista Raça, comandada pelo jornalista Maurício Pestana. Já segundo a Associação Nacional de Publishers de Jornais (NNPA, na sigla em inglês), que representa publicações voltadas ao público negro

Mídia e população negra A representatividade na mídia brasileira é, também, pouco explorada pelo mercado. A celebração de parte das redes sociais quando a TV Globo anunciou Maria Júlia Coutinho como integrante do rodízio de apresentadores do Jornal Nacional, por exemplo, aponta como esses espaços ainda são pouco ocupados pela maioria étnica brasileira. A solução dessa questão, entretanto, não é um consen-

so. Se parte dos agentes desse segmento acredita no fomento interno de talentos e no poder de pressão das redes sociais para aumentar as oportunidades oferecidas, outra acredita que apenas isso não é o bastante. “A solução rápida e eficaz para o Brasil realizar essa reparação seria impor cotas em revistas, novelas e desenhos”, afirma Alexandra Loras, jornalista mestre pela universidade SciencesPo, e palestrante sobre temas relacionados ao racismo e ao empoderamento feminino. Para a Globo Condé Nast, Alexandra realizou um projeto para aumentar o número de mulheres negras na revista Vogue. Desde 2015, Loras afirma que houve um aumento de cerca de 600% na quantidade de pretas e pardas na revista. Entretanto, exemplos internacionais apontam que apenas criar mais espaço para negros dentro de veículos já existentes não é o bastante.

dos Estados Unidos, a categoria conta com mais de 200 publicações do tipo, regionais e nacionais. Entre os associados, há uma audiência semanal média de 20 milhões de leitores. Essa força, vale lembrar, vem de um país com apenas 14% de população formada por pessoas negras.

JOGO RÁPIDO

Reestruturando a casa O racismo brasileiro permeia, inclusive, o ambiente de inovação e empreendedorismo. Essa é a conclusão do pesquisador e sócio da curadoria Inesplorato Túlio Custódio. Nesta entrevista, o executivo aponta caminhos para construir a fundamentação de um ambiente de negócios igualitário e explica, ainda, as movimentações sociais que permitiram a ebulição do ambiente de marcas afrocentradas. Meio & Mensagem — Qual é a mudança social que permitiu a criação de um mercado afrocentrado e do afroempreendedorismo? Túlio Custódio — Foi um processo de reorganização econômica, política e social do País. Passamos para uma nova moeda, que está conectada à redução da inflação e possibilidade maior de consumo. Junto, a abertura do Brasil para mercados internacionais. Já no ambiente político, nas últimas décadas tivemos governos de centro-esquerda e centro-direita. Dentro desse contexto, colocamos pautas sociais. Uma delas, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi o reconhecimento de que o Brasil tem problemas com racismo. Essa discussão levou a uma série de políticas públicas, como a implementação de cotas e políticas

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de ações afirmativas em faculdades e em órgãos do serviço público. Houve acesso. Além disso, a implementação de políticas de transferência de renda gerou a elevação de 14 milhões de pessoas da pobreza. As pessoas começaram a ter uma cesta modificada, com produtos mais caros e qualificados. Nessa realidade, onde você tem uma parte da população negra dentro de um sistema que valida a lógica do consumo e do empreendedorismo, o empreendedorismo acaba se tornando um caminho e uma possibilidade para parte das pessoas. M&M — Em que ambiente está inserido o empreendedor negro? Custódio — Parte desse processo da ampliação do empreendedorismo feito pelas pessoas negras foi atrelado à questão da identidade negra. Isso é bom e im-

portante, mas ele acaba sendo de nicho. Além disso, o empreendedorismo feito por pessoas negras ajuda a enxergar como a noção de empreendedorismo que trabalhamos é desbotada. Quando olhamos a realidade de parte dessas pessoas que estão empreendendo, vemos a ideia de empreendedorismo de oportunidade versus o de necessidade. Em grande parte, essas pessoas estão empreendendo por necessidade, mas há uma oportunidade de mercado também. O problema é que parte desse empreendedorismo negro ainda está ancorado à necessidade, e é nesse ponto que identificamos ainda muitos problemas estruturais, como crédito e investimentos, que fazem com que o processo de escala seja mais difícil. O empreendedorismo que ouvimos nos teds e nas revistas é relacionado à inovação e a mudança na vida do empreendedor. Ainda não é isso que vemos com os empreendedores negros. M&M — Quais seriam as soluções para esses problemas?

Custódio — Precisamos desenvolver esse mercado, pensando dentro da lógica de mercado. Uma delas seria o fomento desse empreendedorismo, assim como fazemos com o fomento ao agronegócio, com isenção fiscal, por exemplo. Promover esse empreendedorismo é promover circulação de mercadorias e serviços, a geração de empregos e uma ampliação do repertório desse mercado de competição e, consequentemente, melhora na qualidade do acesso. Em relação à lógica pública, você está também fomentando a educação dessa sociedade, com convênios como o Sebrae junto ao Insper. Na perspectiva privada, que pode acontecer internamente em grandes corporações, o fomento de incubação de empreendedores negros de perspectiva mais igualitária em relação aos empreendedores brancos. Na lógica internacional, é necessário facilitar o fluxo de capital externo para esse fomento. E esse capital virá de outros empreendedores negros. Há investidores desse tipo nos Estados Unidos, em África e na Europa.

A Laboratório Fantasma, empresa fundada pelos irmãos Emicida e Evandro Fióti, completa dez anos de existência em 2019 reunindo selo, gravadora, grife e produtora. A partir deste mês, a Lab inaugura uma unidade de negócios por meio de uma parceria com a Indômita, dupla de criação formada por Fernanda Cardoso e Dindi Coelho que já reúne trabalhos para marcas como iFood e 99. A parceria se propõe a expandir os projetos de cocriação. Nos últimos três anos, foram desenvolvidos cases com Amazon Prime, C&A, iFood, Nike, Rider e Yellow. Segundo Emicida, cocriação tem sido um mote da empresa considerando a importância de marcas e artistas desenvolverem projetos que façam sentido para os públicos. “Meu critério para investir em uma colaboração com qualquer marca é que haja respeito pela nossa história, verdade e público”, afirma Emicida que, a seguir, fala também sobre sua relação com marcas e o marketing Por LUIZ GUSTAVO PACETE lpacete@grupomm.com.br

Meio & Mensagem — Qual é sua relação com marcas e do que você não abre mão em um processo de cocriação? Emicida — Cresci assistindo a vídeos de rap americanos com mil logos de mil marcas diferentes. Embora houvesse alguns exageros, você tinha um produto artístico verdadeiro ali e as marcas orbitavam aquele ambiente em harmonia, pelo menos na maioria das vezes. Em alguns casos, era um product placement; em outros, eram apenas pessoas que se influenciaram pela estética e seguiram aquela linha, pois era uma maneira de mostrar uma ascensão. O funk ostentação reproduziu muito essa atmosfera. O fato é que isso me ensinou a entender que há espaço para as marcas estarem próximas desde que aquilo faça sentido na história que está sendo contada. Meu critério para investir em uma colaboração com qualquer marca é que haja respeito pela nossa história, verdade e público. Se houver identificação e esses pilares estiverem em pé, a arte vence e todo mundo vai para casa feliz: público, artistas e patrocinadores. M&M – Nestes dez anos de Lab Fantasma, quais foram os principais aprendizados e qual é sua avaliação sobre as relações de parcerias desenvolvidas pela empresa? Emicida — A Nina Silva, uma garota incrível que encabeça um movimento muito bacana chamado Black Money, tem uma anedota ácida sobre esse vazio institucional que reina em muitas partes do mundo dos negócios no Brasil. Ela costuma dizer que, quando uma marca se nega a se conectar intimamente com 54% da população, se falamos de autodeclarados pretos e pardos, isso tem um termo técnico, e esse termo se chama burrice. Perde-se dinheiro e a capacidade de gerar engajamento profundo numa tentativa jocosa de reproduzir os padrões estéticos dos países europeus. Burrice. Nós, como Laboratório Fantasma, nascemos em um desses vácuos e nos dispusemos a interrompê-lo, até então, com bastante sucesso. Quando chegamos aqui, discursos como o nosso eram raros em muitos espaços, hoje são o centro da cultura do País. O modelo de negócios era impensável, atualmente é o padrão. E o gênero rap era amaldiçoado pelo mercado e cá estou eu dando entrevista para

o Meio & Mensagem. A lição maior dos últimos dez anos é a da calma; as plantas continuam a crescer no mesmo tempo, a terra dá a mesma quantidade de voltas no sol, as construções sólidas levam tempo, eu, particularmente, acho dez anos pouco tempo para avaliar o que estamos fazendo. Com 50 anos, vamos ter uma leitura profunda a respeito de toda a transformação que geramos. No final, é isso: a calma é a virtude mais sábia. M&M – Qual é sua análise do atual momento da música, do ponto de vista de tecnologia, algoritmos, distribuição e de diversidade, novas cenas e artistas e de projetos em parceria com marcas? Emicida — Tenho pensado que artistas e plataformas sempre tiveram suas tretas. Mas as de hoje são mais complexas. Onde imaginaríamos que haveria um ringue onde Mozart iria concorrer contra vídeos de filhotinhos de gato, e pior, perderia?! Quando inventamos o rádio, artistas das execuções ao vivo acharam que a música ao vivo morreria, não morreu e nasceram as leis de direito autoral. Essas transformações estão sempre acontecendo. E precisamos dialogar para encontrar formas de levar a música para as pessoas e, ao mesmo tempo, garantir que os criadores sejam ressarcidos de forma justa por suas obras. Nunca saltamos, em tão pouco tempo, para outra forma de ouvir música. Só a minha geração já viu cinco formatos, fora os que deram errado, tipo o MD. Embora seja complexo, eu não trocaria 2019 por 1980, nem por nenhuma outra época. O digital horizontalizou o jogo, temos que atentar para os caminhos da política sempre, principalmente na atual conjuntura, onde isso, essa liberdade possível, tende a não ser bem vista. Precisamos trabalhar conjuntamente, artistas, plataformas, criadores e marcas para criar um ecossistema saudável que proteja todas as partes dessa cadeia, mas é o melhor momento para se produzir arte, disso não tenho dúvida. M&M – De que maneira a sua paixão pelo mundo geek ajuda em projetos que conversem com a cultura pop como foi o caso de Pantera Negra e Good Omens? Qual é a importância da cultura pop para inspirar a música?

DIVULGAÇÃO/FERNANDO SCHLAEPFER

FOTOS: ARTHUR NOBRE

“Marcas devem respeitar história e público”

Emicida — Meu sonho, antes de qualquer outra coisa, era ser quadrinista, trabalhar na Marvel, morar em Nova York. Depois, conheci a forma dos japoneses contarem histórias e quis morar em Tóquio. Aí veio a música e me levou para todos os lugares onde sonhei morar e essa paixão acabou por me conectar, mesmo que indiretamente, com alguns projetos dos meus ídolos, como Neil Gaiman e Stan Lee. Mundo Geek é o nome de hoje, mas, para mim, a paixão é por histórias bem contadas. Eu

estaria perto delas de graça, acompanhando e curtindo. Se tenho a chance de fazer isso a trabalho, então, aí explodo de alegria. A cultura pop, hoje, é muito mais do que o universo dos quadrinhos e dos filmes, vai lá do Andy Warhol até o ateliê da Ambush, em Tóquio. Tudo isso é sobre conexão e histórias, algumas ficcionais e outras mais realistas. Depois que o John Lennon lançou Working Class Hero, todos nós temos o direito de sermos meio super-heróis também. 2 SET 2019


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