A influência da Semana de Arte Moderna nas artes
REVISTA MARITACA
A influência da Semana de Arte Moderna nas artes Por: Augusto Ribeiro, Manuella de Abreu, Maria Júlia Goulart, Rafaela Aguiar e Rian Delaia
“O
acontecimento mais interessante destes últimos tempos foram as festas que se realizaram no Theatro Municipal com o nome de ‘Semana de Arte Moderna’, em que tomaram parte, o que releva notar, pessoas de grande responsabilidade no nosso meio artístico”. Esse trecho retirado da revista A Cigarra, de 15 de fevereiro de 1922, narra qual teria sido a relevância do evento na época. Nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro aconteceu no Teatro Municipal de São Paulo o festival da Semana de Arte Moderna de 1922. O movimento artístico-cultural buscava romper com padrões estéticos tradicionais anteriores à Arte Moderna e valorizar a arte genuína brasileira a partir de exposições, apresentações musicais e saraus literários. O evento, que foi um marco do Modernismo no Brasil, trouxe seções de diversas áreas da arte. A Semana de 22 contou com a presença de vários artistas como os escritores Oswald de Andrade, Mário de Andrade e o artista plástico Di Cavalcanti, organizadores do evento. O compositor Heitor Villa-Lobos, o escultor Victor Brecheretse, os artistas plásticos Anita Malfatti e Vicente do Rego Monteiro e os arquitetos Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel são alguns dos artistas que participaram. Tarsila do Amaral, diferente do que se acredita, não participou do evento. Contudo, foi uma das principais artistas do modernismo no Brasil, iniciando o Movimento Antropofágico nas artes plásticas.
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Correio Paulistano, 13 de fevereiro de 1922
Artistas e mecenas da Semana de 1922 em frente Theatro Municipal de São Paulo Foto: Acervo M. Camargos
Durante uma conferência que celebrava os 20 anos da Semana de Arte Moderna, Mário de Andrade declarou: “Eu creio que os modernistas da Semana de Arte Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição”. A conferência e a fala de Mário de Andrade deixam clara a influência da Semana de 22 e do modernismo em diferentes artes, dentre elas: pintura, literatura, música, arquitetura e cinema.
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Pintura Mas para chegar à Semana de 22 é necessário voltar um pouco no tempo. A exposição realizada pela artista Anita Malfatti entre os dias 12 de dezembro de 1917 e 11 de janeiro de 1918 em São Paulo é considerada um passo importante para aquilo que viria ser a Semana de Arte Moderna de 1922. Em seu evento chamado “Exposição de Pintura Moderna”, Anita Malfatti apresentou diversas obras modernistas, como: O Homem Amarelo (1916), A Estudante Russa (1915), entre outras obras da pintora e de outros artistas internacionais que também colaboraram para a realização do evento.
Com traços mais espessos e cores que não se correlacionavam à realidade, as obras expostas rompiam com aquilo que os olhos brasileiros estavam habituados a enxergar. “Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura. A outra espécie é formada pelos que veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva”, essa foi a declaração de Monteiro Lobato a respeito dos artistas modernistas em seu artigo “A propósito da exposição de
Malfatti” publicado no dia 20 de dezembro de 1917. E ele não estava sozinho, pois uma parte da sociedade da época via os artistas modernistas com “maus olhos”, pois, para eles, retratavam o mundo com “anomalias e deformidades”. Pouco mais de quatro anos depois, no dia 11 de fevereiro de 1922, iniciava-se a Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal de São Paulo. No centenário da Independência do Brasil, o evento tinha como objetivo marcar a independência dos artistas brasileiros e fazer com que o país tivesse uma estética cada vez mais nacional e menos europeia. Ainda que se inspirassem em movimentos vindos da Europa, os modernistas enfatizavam a identidade e a cultura nacional, o que rompia com a estética das obras que antecederam o modernismo brasileiro. Dentre as pinturas expostas no Teatro Municipal de São Paulo durante aquela semana, estavam: A Estudante (1915), O Homem de Sete Cores (1916), Amigos (Boêmios) (1921), entre outras obras de diversos artistas. Mas a repercussão das obras modernistas não se limitou àquela semana do dia 11 ao dia 18 de fevereiro, pois a Semana de Arte Moderna influenciou diversas obras mesmo depois do fim do evento. Em 1928, a pintora Tarsila do Amaral presenteou seu marido, Oswald de Andrade, com um quadro. Com as cores da bandeira do Brasil, uma figura humana sentada no chão, um cacto ao fundo e com medidas de 85 cm x 73 cm, a obra foi nomeada Abaporu, que em tupi-guarani significa “homem que come gente”, pois, ao analisar a obra, Andrade e seu amigo, o poeta Raul Bopp, enxergaram um índio canibal. Surgia ali o Movimento Antropofágico. O Homem Amarelo. Anita Malfatti. Foto: Acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, Brasil.
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Abaporu. Tarsila do Amaral. Foto: Acervo do Museu de Arte Latino Americano de Buenos Aires (Fundación Constantini – Argentina).
"O movimento modernista devorava a cultura europeia para digeri-la e devolver ao público com características que marcassem a cultura e a identidade nacionais"
O uso metafórico da palavra “antropofagia” para fazer uma associação aos hábitos canibais de alguns povos indígenas brasileiros que haviam sido interpretados por Oswald naquela imagem foi muito significativo, pois ele compreendia que o movimento modernista “devorava” a cultura europeia para “digeri-la” e devolver ao público com características que marcassem a cultura e a identidade nacionais. Esse movimento foi uma manifestação cultural que marcou a primeira fase do Modernismo no Brasil. Confira abaixo algumas outras obras de Tarsila do Amaral que, por meio do movimento modernista, mostraram traços marcantes da cultura, história e identidade brasileiras:
A Cuca (1924). Tarsila do Amaral. Foto: Acervo do Museu de Grenoble, Grenoble, França.
Operários (1933). Tarsila do Amaral. Foto: Acervo dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo (Palácio Boa Vista – Campos do Jordão – São Paulo – Brasil).
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A Negra (1923).Tarsila do Amaral. Foto: Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
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Literatura Na literatura, a influência da Semana de Arte Moderna foi amplamente significativa. A Semana atuou como uma espécie de divisor de águas, pois rompeu com a literatura clássica e implantou uma nova escola literária no Brasil: o modernismo. Além de dar início a uma nova forma de produzir obras literárias, a Semana de 22 e o modernismo literário influenciaram, ainda, a ascensão de novos movimentos literários, como o “Movimento Pau-Brasil”, o "Movimento Verde-Amarelismo" e o "Movimento Antropofágico". O evento de 1922 contou com vários artistas expondo obras modernistas. A Semana começa com a palestra “A emoção estética da Arte Moderna”, de Graça Aranha. No segundo dia, Ronaldo de Carvalho recitou o poema “Os Sapos” de Manuel Bandeira. Além deles, outros artistas e textos tiveram destaque, como Mário de Andrade, com "Paulicéia Desvairada" e "Macunaíma"; Oswald de Andrade com o "Manifesto Pau-Brasil" e Menotti Del Picchia com "Juca mulato". De acordo com o artigo "O Anhangabaú de Mário", da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), essa arte que surgia trazia um novo ideal estético que buscava romper com os ideais do parnasianismo, que estava em vigor até então. Agora, os textos modernistas não valorizam a estética, as rimas ou a linguagem formal. Na nova escola literária, as preocupações com forma e conteúdo são renovadas e agora os artistas têm mais liberdade em relação ao formato dos textos. No conteúdo, as características realmente brasileiras também aparecem. São tratados temas nacionalistas como folclore brasileiro e tradições regionais, mostrando o povo brasileiro em sua essência. Além disso, eles mudam a escrita, que agora é mais informal, com linguagem popular e alguns
textos usam expressões tupi, buscando resgatar a brasilidade para as obras. Para a professora de literatura brasileira do Departamento de Letras da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Regina Lucia de Faria, as lições modernistas são diversas: “Lembrando o célebre ensaio “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, de Antonio Candido, publicado no livro Literatura e sociedade, se no romantismo as afirmações particularistas acabavam por provocar certo constrangimento, resolvido através ou da idealização (índio europeizado) ou do artificialismo acadêmico (paisagem amaneirada) ou ainda através do recalque (o mulato, o negro ignorados), o modernismo representou uma ruptura com esse estado de coisas, pois nossas supostas ou reais deficiências passam a ser reinterpretadas positivamente, isto é, a diversidade étnica passa a ser incorporada como tema de inspiração, nossa rudeza, o nosso primitivismo tornam-se fonte de beleza e não um empecilho para a elaboração de nossa cultura na literatura, na pintura, na música, enfim nas diferentes produções artísticas (por exemplo, as telas de Tarsila do Amaral, tais com Abaporu, A negra).” Regina cita ainda Oswald de Andrade em seu “Manifesto da Poesia Pau-brasil”, de 1924 “Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”. Para ela, essa fórmula tem uma importância enorme: “Sugere uma reviravolta valorativa no modo de visualizarmos o Brasil na medida em que neutraliza o mal-estar das experiências colonial e escravocrata. Não podemos esquecer que, acontecido 100 anos depois da independência política do país, essas experiências (se ainda se fazem presentes
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Oswald de Andrade Foto: Acervo da família de Oswald de Andrade
contemporaneamente) eram muito recentes no imaginário da geração modernista”, afirma. Além de influenciar na nova escola literária, a Semana de Arte Moderna também influenciou outros movimentos, como o "Movimento Pau-Brasil", o "Movimento Verde-Amarelismo'' e o "Movimento Antropofágico". Os artigos "Modernismo brasileiro: Oswald de Andrade da poesia PauBrasil a antropofagia", da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e " A alma e a forma do Brasil: o modernismo paulista em verdeamarelo (anos 1920)" da Casa Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) apresentam esses movimentos. O primeiro , nomeado “Movimento Pau-Brasil”, se iniciou em 1924 com a publicação do livro “Pau-Brasil”, de Oswald de Andrade e com a ilustração de Tarsila do Amaral. Esse movimento queria exportar a literatura brasileira, assim como o Pau-Brasil foi o primeiro material do País a ser exportado. O movimento é caracterizado por expor temas brasileiros em suas obras como o resgate da história do País, descrevendo a natureza, a originalidade, a valorização da identidade nacional e a crítica ao academicismo.
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O Movimento Antropófago ou Movimento Antropofágico é o terceiro dos movimentos modernistas e veio em oposição ao Verde-Amarelismo. Esse movimento foi inspirado pela obra "O Abaporu" de Tarsila do Amaral e foi iniciado por Oswald de Andrade em 1928, com a obra "Manifesto Antropófago". O movimento buscava usar influências estrangeiras como inspiração para aprimorar as obras brasileiras, juntando influências nacionais e internacionais para resultar na criação de uma arte totalmente original e genuinamente nacional.
"Podemos dizer que há um diálogo vivo entre escritores contemporâneos e os mestres do passado recente ou remoto" Sobre o pensamento modernista na atualidade, Regina afirma: "Voltar nossa reflexão para o Modernismo significa impregnarmonos de um vitalismo apaixonado, exercido como norma estética e existencial, que transpira na obra desses escritores, artistas e intelectuais." Na opinião da professora, a Semana de 22 ainda influencia a literatura brasileira: “Acredito que, no Brasil, quem se veja inclinado ou inclinada a criar artisticamente não pode deixar de considerar a produção daquele momento. [...] Podemos dizer que há um diálogo vivo entre escritores contemporâneos e os mestres do passado recente ou remoto.”
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Pauliceia Desvairada (1922), de Mário de Andrade
Capa de “Pau-Brasil” (1925), texto escrito por Oswald de Andrade. Capa ilustrada por Tarsila do Amaral. Marcou o início do Movimento Pau-Brasil
Publicação de “Manifesto Antropófago” (1928) na Revista de Antropofagia. Inspirado pela obra “O Abapouru”, de Tarsila do Amaral. Deu início ao movimento antropofágico
Capa de Macunaíma (1928), de Mário de Andrade
Capa de “Manifesto Antropófago” (1928). Deu início ao movimento antropofágico
Livro “Meus poemas preferidos” (1966) de Manuel Bandeira, que reúne as obras favoritas do autor, inclusive “Os Sapos” (1922)
Representatividade sem eles? Apesar de ter a diversidade racial como um dos principais temas das obras modernistas, a Semana da Arte Moderna não contou com a participação de artistas negros. Mesmo representados por artistas brancos em suas obras, os pretos não tinham espaço para expressar sua arte. Anos mais tarde, surgiu o termo “Modernismo Negro”, que nasceu para retratar a busca de tal representatividade do artista negro na elaboração de obras modernistas. A mobilização para romper com
práticas conservadoras presentes na Semana de 22 continua até hoje e os artistas atuais lutam para ganhar espaço e demonstrar suas artes. Para saber mais sobre o assunto, escaneie o QR Code a seguir e fique por dentro da mesa redonda produzida por alunos de Jornalismo da UFRRJ.
Acesse o QR Code e assista a mesa redonda
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Música A influência do Movimento Modernista na música brasileira não veio através dos escritores e artistas plásticos paulistas como na maioria das artes, e sim da música popular urbana, que é até hoje um grande legado para os músicos. Não houveram novas obras do principal compositor da Semana de Arte Moderna de 1922, Heitor VillaLobos, para a apresentação no Municipal de São Paulo. De maneira direta e efetiva, a Semana de 22 não trouxe mudanças relevantes à música. Mas, assim como aconteceu com outras artes nos anos posteriores à semana, o conceito por trás da música brasileira foi atualizado e combinado com elementos da cultura popular. Compostas por Villa-lobos, algumas das músicas apresentadas na Semana de Arte Moderna foram “Danças características africanas", “Sonata No.2, para violoncelo e piano”, o “Trio n. 2”, “Valsa mística” ,''Rodante” e ''A fiandeira”. Além destas, o repertório musical também tinha músicas do compositor Erik Satie e de Francis Poulenc. Os principais nomes de intérpretes foram os pianistas Ernani Braga e Fructuoso Vianna, a violinista Paulina d’Ambrósio e o violoncelista Alfredo Gomes. Um diálogo entre a música erudita europeia e a música popular é baseada em centros urbanos, como Choro e Samba. Artistas como Tom Jobim e Egberto Gismonti podem ser considerados nomes que representam esta relação, dos quais as obras podem ser posicionadas tanto na categoria do consumo cultural de massa, o popular propriamente dito, quanto no âmbito da música orquestral clássica.
Heitor Villa-lobos. Foto: Bettmann Archive; Getty Images
O convívio social de Villa-Lobos, que morava no Rio de Janeiro, era composto por rodas de choro e de samba, o que pode ter ampliado suas inspirações musicais. Os outros nomes ligados à Semana de Arte Moderna, diferente do compositor, não podem ser considerados renovadores da música brasileira. De acordo com Frederico Oliveira Coelho, pesquisador do Núcleo de Estudos de Literatura e Música – NELIM, da PUC-Rio, “Se considerarmos que a geração literária do Modernismo de 1922 é contemporânea a geração como Noel Rosa, Pixinguinha, Lamartine Babo, Ismael Silva, Braguinha, Orestes Barbosa e outros, se constata que a grande contribuição do modernismo para música brasileira veio de outras áreas artísticas, incorporada pelos escritores e artistas plásticos modernistas de São Paulo”. Ou seja,
Capas dos respectivos CDs: VILLA-LOBOS: SONATA PARA CELLO E PIANO Nº 2/PIANO TRIO N° 2 e VILLA-LOBOS: DANÇAS CARACTERÍSTICAS AFRICANAS: No.1 FARRAPOS
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no ponto de vista do pesquisador, artistas modernistas que não estavam presentes no evento também influenciaram e contribuíram para o legado da música brasileira. O maior e principal legado musical da geração de artistas que participaram do evento foi abrir o pensamento cultural brasileiro para novas estéticas que circulam no mundo. Ao mesmo tempo, as expressões musicais dessas novas mensagens estão relacionadas aos valores da cultura nacional.
"Artistas modernistas que não estavam presentes no evento também influenciaram e contribuíram para o legado da música brasileira" 10
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Casa da Rua Santa Cruz, São Paulo, 1927. Arquiteto Gregori Warchavchik Foto: Hugo Zanella - Acervo FAU USP
Arquitetura A arquitetura também possuiu um pouco de espaço na Semana de Arte Moderna, embora não tenha sido tão evidenciado como a literatura e a pintura, por exemplo. O espanhol Antonio Garcia Moya e o polonês Georg Przyrembel marcaram presença no evento com suas maquetes e croquis. Contudo, a presença de arquitetos na Semana de 22 não trouxe realizações marcantes para o movimento moderno no Brasil. Segundo o professor e arquiteto Bruno Perenha, a escola de artes Bauhaus é precursora da arquitetura modernista no século XX: “A Bauhaus na Europa, ali em Weimar, surge em 1919, a Semana de 22 acontece justamente em 1922. Então, se tem um intervalo aqui de dois anos. Era muito cedo pra você ter essa arquitetura moderna que a gente conhece na Semana de 22. Então a gente pode dizer sim, que quando se fala em arquitetura, a participação desse tipo de manifestação, a arquitetura foi praticamente nula. E os dois arquitetos internacionais que
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participaram realmente não tinham nem o conhecimento sobre a arquitetura moderna que a gente conhece hoje.” A Semana de 22 teve pouca influência no desenvolvimento da arquitetura moderna. Contudo, não se pode deixar de considerar que o evento trouxe discussões modernistas que repercutiram na época, como evidencia Bruno: “Na década de 20, você vai ter uma discussão muito forte do que é a arte nacional, do que é uma arquitetura nacional. Como realmente criar uma identidade nacional, apesar das influências europeias. Então, todas essas discussões que estavam ali, principalmente na pintura e na literatura, acabam chegando na arquitetura. Se a Semana de 22 não teve um grande papel quando a gente fala de arquitetura, ela teve sim uma importância no sentido de ressaltar as discussões sobre modernismo e facilitar em certo sentido a aproximação dessas pessoas quando Gregori Warchavchik que vai chegar no
Brasil e projetar a Casa Modernista.” Somente após alguns anos da Semana de Arte Moderna, a arquitetura moderna brasileira surge, fortemente influenciada pelo Movimento Moderno de arquitetura nos países europeus, na década de 20. Em 1928, foi construída a primeira edificação modernista no Brasil pelo arquiteto ucraniano Gregori Warchavchik, a Casa Modernista. O arquiteto e professor, William Bittar, explica o pioneirismo de Gregori Warchavchik em relação ao surgimento da arquitetura moderna no Brasil: “Ele conhecia a Bauhaus, ele conhecia os movimentos modernos alemães, e aí ele faz essa casa quase que experimental, a gente costuma dizer que é uma ‘Casa Manifesto’. [...] Em 29, ele faz uma outra casa no Morumbi que ele abre para exposição. E se você procurar, ‘Exposição de Uma Casa Modernista’, você vê Mário de Andrade subindo a escada, Tarsila do Amaral subindo a escada, a turma toda na tal casa.”
Print do documentário “Exposição de Uma Casa Modernista”, produzido pela Rossi Film Acervo da Biblioteca da FAU USP - Multimeios
De acordo com o professor William Bittar, a arquitetura moderna no Brasil começa devagar. Em 1925, apareciam os primeiros artigos a respeito da nova arquitetura, as construções já citadas surgem por volta de 1927 a 1930. Os arquitetos brasileiros passaram a estudar obras de arquitetos estrangeiros, como o arquiteto franco-suiço, Le Corbusier, com suas obras marcadas pela funcionalidade, racionalidade.
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Além disso, segundo o professor, a política tem participação nas obras arquitetônicas modernistas: "Vai começar a ter uma definição de arquitetura moderna no Brasil associada à uma questão política. Porque nós temos a Revolução de 30, o Vargas entra no poder e ele precisa de uma linguagem nova. Usa parte dessa coisa moderna para ser a imagem do governo que vai virar Estado Novo. Estado Novo, arquitetura nova, homem novo. Isso vai culminar em 1936/37 no projeto para o Ministério da Educação, o grande referencial que todo mundo incensa até hoje para vender essa ideia do Brasil no exterior. [...] O grande cliente do início da arquitetura moderna no Brasil é o governo. É meio estranho. Enquanto as ditaduras internacionais perseguiam o moderno, Hitler, Mussolini, Franco, Stalin, no Brasil, o ditador bancava o moderno, com habilidade porque interessava como instrumento de propaganda”.
"Na década de 20, você vai ter uma discussão muito forte do que é a arte nacional, do que é uma arquitetura nacional. Como realmente criar uma identidade nacional, apesar das influências europeias"
Museu de Arte Contemporânea de Niterói Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Casa de Vidro, Lina Bo Bardi Foto:Divulgação
Congresso Nacional Foto: Divulgação
Catedral de Brasília Foto: Divulgação
Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes (Pedregulho) Foto: Pedro Mascaro
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Foto: Divulgação
Museu de Arte de São Paulo Foto: Wilfredor
Casa das Canoas, Oscar Niemeyer Foto: Nelson Kon
O antigo Ministério da Educação, atual Palácio Gustavo Capanema Foto: Oscar Liberal - IPHAN
Entre os arquitetos de destaque no Movimento Moderno brasileiro temos: Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Attilio Correa Lima, Paulo Mendes da Rocha e outros. Todos executaram grandes obras modernistas que se tornaram marcos desse estilo arquitetônico no país.
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Cinema
Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr,, Zelito Viana, Luiz Carlos Barreto, Glauber Rocha e Leon Hirszman se encontram em 1967 Foto: David Drew Zingg/Acervo Instituto Moreira Salles
“Uma câmera na mão e uma ideia e cabeça”. Foi com esse lema que o Cinema Novo surgiu cerca de três décadas após a Semana de 22. O pensamento modernista chegava finalmente às telas de cinema. Ambos movimentos estão diretamente ligados, principalmente por buscarem romper com as práticas realizadas até então e valorizar a cultura e realidade nacional. Em 1955 foi lançado “Rio 40 Graus”, longa de Nelson Pereira dos Santos inspirado no neorrealismo italiano que apresenta cinco meninos moradores de uma favela carioca que saem na tarde de um domingo para vender amendoim em pontos turísticos da capital fluminense. Foi nessa época que jovens cineastas como Glauber Rocha, Cacá Diegues e Joaquim Pedro de Andrade deram início ao movimento do Cinema Novo, independente de grandes recursos, estúdios, equipamentos e elenco. Indo no caminho oposto do que era feito até então, como nas comédias musicais de baixo orçamento das chanchadas, o foco agora era mostrar a realidade brasileira, incluindo seus problemas.
Ainda que tenham executado de forma diferente, a quebra com os “costumes” realizada pelo Modernismo e pelo Cinema Novo faz com que ambos os movimentos se aproximem, mesmo com o longo período entre eles. Ao Correio Braziliense, Cacá Diegues, responsável por clássicos como “Xica da Silva” (1976) e “Ganga Zumba” (1963), declara: “O Modernismo é a fonte de criação que alimentou o Cinema Novo. Fazer filmes originais, únicos no mundo, e ao mesmo tempo voltados à descoberta e formação da civilização brasileira, esse é o projeto do Cinema Novo e seria o do Modernismo se eles se encontrassem historicamente”
"O Modernismo é a fonte de criação que alimentou o Cinema Novo" CACÁ DIEGUES
FILMES ES DO CINEM Para a Revista Maritaca, o professor de História do Cóleio Pedro II. Wolney Vianna Malafaia selecionou os filmes essenciais do Cinema Novo, separando-os de acordo com as três fases do movimento. Vidas Secas (1963) Nelson Pereira dos Santos
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Os Fuzis (1964) Ruy Guerra
Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) Glauber Rocha
Terra em Transe (1967) Glauber Rocha
Macunaíma (1969) Joaquim Pedro de Andrade
Os Herdeiros (
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Cacá Diegu
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“Macunaíma” (1969) e "O Homem do Pau-Brasil" (1982), filmes de Joaquim Pedro de Andrade, também integram o Cinema Novo, escancarando ainda mais a ponte entre o movimento e o Modernismo, já que o primeiro foi inspirado na obra homônima do escritor modernista Mário de Andrade e o segundo narra a trajetória de Oswald de Andrade. "Macunaíma" ainda é considerado a grande obra audiovisual modernista, sendo, também, a primeira produção popular do Cinema Novo. “Esses cineastas se ligam às propostas modernistas mais individualizadas. Eles vão discutir essas propostas em seus filmes. E aí o diálogo de Joaquim Pedro com Mário de Andrade e Oswald de Andrade, com essas concepções modernistas dos anos vinte.”, diz o doutor em História, Política e Bens Culturais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Wolney Vianna Malafaia ao ligar os longas de Joaquim Pedro de Andrade à Semana de Arte Moderna de 22. O movimento antropofágico, idealizado por Oswald de Andrade, defendia o ato de se alimentar das artes produzidas na europa na época e, a partir disso, realizar
renovações na arte nacional, usando das técnicas já estabelecidas em outros países para criar novas no Brasil, com a identidade nacional. Wolney insere o Cinema Novo na ideia da antropofagia: “E o cinema novo vai ter isso. Glauber foi um que escreveu muito sobre isso e coloca justamente essas múltiplas influências que o Cinema Novo recebe. Ele fala do cinema soviético, do neorrealismo italiano, da nouvelle vague francesa e também do filme de western americano. Ele fala de todas essas influências pra mostrar que o que nós produzimos aqui é algo brasileiro, porém nós temos essas influências se compenetrando, se dialogando e influenciando-se mutuamente", finaliza.
"Temos essas influências se compenetrando, se dialogando e influenciandose mutuamente" WOLNEY VIANNA MALAFAIA Cena inicial do filme "Macunaíma" (1969)
SSENCIAIS MA NOVO
(1970)
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Como Era Gostoso o Meu Francês (1971) Nelson Pereira dos Santos
O Amuleto de Ogum (1974) Nelson Pereira dos Santos
Guerra Conjugal (1975) Joaquim Pedro de Andrade
Xica da Silva (1976) Cacá Diegues
A Idade da Terra (1980) Glauber Rocha
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Eles Não Usam Black-tie (1981) Leon Hirszman
Memórias do Cárcere (1984) Nelson Pereira dos Santos
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