OS EFEITOS DO PLANEJAMENTO, OU DE SUA FALTA, PARA O DESENHO URBANO DE UMA CIDADE. O CASO DE FORTALEZA.
Euler Sobreira Muniz Arquiteto e Urbanista, Professor Adjunto da Universidade de Fortaleza, doutor em Periferias, Sustentabilidade e Vitalidade Urbana na Escuela Técnica Superior de Arquitectura da Universidad Politécnica de Madrid. Correio eletrônico: euler@unifor.br
ABSTRACT: This article tries to show how Fortaleza, one Northeast Brazilian city, changes during its long life, as a direct consequence of its Urban Plans or the simple transgression of them. The city as a reflection of isolate citizens’ actionsnot usually aligned with the local laws. It is one of the typical not facing seashore Portuguese planned cities which received a large number of plans that created scars on its landscape. A place that took relieve on the regional scenery, it caused by the United States of American independency and the consequent textile British industry necessity of raw materialsnew supplier; the existence of a natural harbor and also the possibility, by the use of the railroads, of bringingcotton in country produced, and treated in the local industries, to be delivered to Europe by the use of the city’s harbor. A town that grown up, following the penetration roads, searching for better quality of life zones and a better return to the construction’s Market funds. A city that reflects at the same time: economical interests and social pressures, and it has just developed a Plan for the year 2040, a really large future vision for a country that changes too fast. Keywords: Urban Planning, Urbanism, City Planning.
RESUMEN: Este artículo posee como objetivo clave mostrar como la ciudad de Fortaleza, ubicada en Nordeste de Brasil, ha cambiado al largo de su existencia, reflejo directo de sus planes directivos o de la desobediencia de ellos. La ciudad entendida como consecuencia de acciones aisladas de sus ocupantes, muchas de las veces no alineadas con las ordenanzas locales. Una urbe de diseño lusitano, desarrollada de
espalda para el mar, y que recibió varios planes directores - instrumentos legales que dejaron marcas en el tejido urbano. Un lugar que se destacó en el escenario regional por raciones económicas lejanas, la independencia de los Estados Unidos y la oferta de materia prima para la industria textil Inglesa, y por dos ventajas comparativas – poseer un puerto natural y la posibilidad, por medio de ferrocarril, de traer el algodón producido en el interior de la Comunidad para su tratamiento industrial y el posterior envío por embarcaciones para puertos europeos. Una ciudad que creció siguiendo las vías de penetración y buscando ubicaciones que garantizasen mejor calidad de vida para los ciudadanos y provechos más significativos para el mercado inmobiliario. Un sitio reflejo de intereses económicos y de presiones sociales que ya posee un plan del Ayuntamiento para el año 2040, un visón muy larga de futuro para un país que cambia significativamente en plazos muy cortos. Descriptores: Planeamiento Urbano, Urbanismo, Plano Director.
RESUMO: Este artigo possui como objetivo principal mostrar como a cidade de Fortaleza mudou ao longo de sua existência, reflexo direto de seus planos diretores ou da desobediência dos mesmos. A cidade entendida como consequência de ações isoladas de seus ocupantes, muitas das vezes não alinhadas com a legislação vigente. Uma urbe de desenho lusitano, que se desenvolveu de costas para o oceano e que recebeu, ao longo de sua existência, vários planos diretores – instrumentos legais que deixaram marcas indeléveis no tecido urbano. Um lugar singelo que assumiu destaque no cenário regional com a Independência dos Estados Unidos e a oferta cearense da matéria prima para suprir a demanda da indústria têxtil inglesa; o lugar da fortalezaqueapresentavacomo vantagens: possuir um porto natural e a possibilidade de, por meio da estrada de ferro, trazer o algodão produzido no interior, que após beneficiado pelas indústrias locais era embarcado para portos europeus. Uma cidade que cresceu procurando lugares que garantissem melhor qualidade de vida para seus moradores e melhor retorno financeiro para o mercado imobiliário. Um município, reflexo de interesses econômicos e de pressões sociais, que desenvolve um plano para 2040, umhorizonte bem distante para um país que muda muito no curtíssimo prazo. Palavras chaves: Planejamento Urbano, Urbanismo, Plano Diretor.
“As cidades brasileiras são manifestações espaciais de uma sociedade desigual e excludente.” (CAVALCANTI, 2009).
INTRODUÇÃO: Fortaleza é uma metrópole de origem espontânea com desenho lusitano em malha ortogonal. Essa conformação física certamente facilitava em muito a implantação e a ocupação do território; pois com uma simples corda, um ângulo reto, obtido a partir do triângulo de Pitágoras de dimensões proporcionais a três, quatro e cinco, e uma mão de obra pouco qualificada era possível parcelar toda uma gleba, definindo ruas, quadras e lotes. Fortaleza é uma cidade singular, dentro do território cearense, que cresceu a partir das fazendas de gado localizadas no interior do Estado, e que forneciam alimento para as áreas de plantio da cana de açúcar no Nordeste brasileiro (FIG. 01).
A capital cearense, como o seu próprio nome já sinaliza, era uma cidade fortificada que protegia o território brasileiro de invasores estrangeiros. Para (SALINGAROS, 2005): “Uma cidade típica não é uma trama de vias, mas uma sequência de espaços criados para as edificações.” A fortificação batava de Schoonenborch, que depois de retomada pelos portugueses assumiu a denominação de Nossa Senhora da Assumpção, é a edificação mais antiga ainda remanescente na cidade. Fortaleza, em princípio, não se destacava no cenário regional. Icó, Sobral, Aracati e Camocim, relacionados com a produção e o transporte do gado, eram osmunicípios mais ricos do Estado e que, por via de conseqüência, receberam as edificações mais suntuosas
dessa época, os sobrados
(FIG. 02).
A capital cearense só começou a ter destaque no
cenário regional, quando da independência dos Estados Unidos e a busca inglesa por um novo fornecedor de algodão para a sua indústria. O município não só possuía a fortificação, mas também detinha uma grande vantagem competitiva, um expressivo porto natural. A cidade no final do século XIX
(FIG. 03)
ganhava um novo desenho
urbano com a implantação das fábricas, para o beneficiamento dos produtos agrícolas, e a construção da Rede Viação Baturité, que trazia o algodão do interior do Ceará, levando-o para as fábricas e, posteriormente, para as embarcações fundeadas no porto da cidade (JUCÁ, 1994). Foi nesse mesmo tempo que os primeiros sobrados apareceram; como também as primeiras habitaçõespopulares começaram a ser construídos na capital alencarina, ao lado das fábricas e das moradas de seus donos. A cidade militar, com os recursos financeiros oriundos da nova atividade mercantil e com o contato com os comerciantes estrangeiros assume os ares da Belle Époque francesa, e o interesse pela qualidade do espaço urbano toma corpo em administradores e cidadãos.
O município de Fortaleza cresceu no século XX (FIG. 04) a partir das vias de penetração. A importância de seu centro histórico como espaço de comércio e habitação, associado à busca por espaços urbo - agrários com maior qualidade de vida,
impuseram vias de penetração convergentes. Para (SALINGAROS, 2005): “Arquitetura e urbanismo são extensões da mente humana, hierarquicamente ordenada de estruturas artificiais.” Ainda para o mesmo autor: “Planejadores têm seguido normas que impõem maior regularidade de regras geométricas, até nos centros urbanos... estas estão baseadas em conceitos estéticos arbitrários, que frustram tanto os nós como as conexões. Se concentrando na simples visão de formas gerais, os pontos de encontros humanos são ignorados, até que seja muito tarde para definir-los de modo seguro. Como resultado, as atividades humanas têm que se moldar a uma matriz de construções pré-existentes que não costumam acomodar-las bem.”
Fortaleza, pela primeira vez no século XX, contrapõe-se ao desenho lusitano de cidade, de costas para o mar, e começa a construir espaços de lazer na beira da praia, hoje o seu maior atrativo turístico. A cidade, que teve o seu nascedouro em uma fortificação, cresceu na direção oeste, impulsionada pelas fábricas, embelezou o seu centro histórico na Belle Époquecom lâmpadas à base de óleo e conferiu maior mobilidade aos cidadãos por meio de bondes puxados por cavalos; teve em princípio dificuldade de crescer na direção leste, limitada pela barreira natural produzida pelo riacho Pajeú, preferindo se expandir então na direção sul em sua primeira fase de
dispersão, tempo em que buscoupor residências com pomares e mais áreas verdes em seu entorno, que conferiam maior qualidade à morada, conferindo um novo modelo de implantação edilícia, e por via de conseqüência, de ocupação do espaço urbano. No centro histórico as edificações eram construídas no limite do passeio, já na periferia havia uma área não edificada entre oprédio e o muro que separava as propriedades. A cidade vai deixando na malha urbana, em cada momento de sua história, registros das mudanças da sociedade e da política de ocupação do solo.
Com o desenvolvimento tecnológico, a cidade transpõe a barreira física do riacho Pajeú e cresce na direção leste, na direção do mar. Mudam os interesses, os costumes, as visuais, os sabores, as pessoas, amaneira de vestir, de portar-se, muda a cidade. Para (SALINGAROS, 2005): “O espaço urbano não é um simples e abstrato desenho, mas uma complexa experiência humana, que depende de uma interação entre o observador e o campo de informação. Mais especificamente, uma combinação de campos de informações visuais, acústicas e táteis.” O edifício e a cidade produzem percepções eminentemente visuais, mas as sensações transcendem aos olhos e atingem também aos outros sentidos do ser humano.
Por volta dos anos sessenta, a cidade de Fortaleza observa um crescimento vertical notável. Em princípio, são edificações de três pavimentos sem elevador. Depois dos anos oitenta, as edificações recebem elevadores e ganham altura. Amplia-se a possibilidade legal da verticalização, após a aprovação do Plano Diretor, da Lei de Uso e Ocupação do Solo e das demais legislações correlatas. Essas liberações foram impulsionadas por um crescimento real da demanda por espaços edificáveis, associado auma pressão do Mercado Imobiliário, sedento por ganhar dividendos nas áreas mais nobres da cidade. Cresce também a atratividade oferecida pela agora metrópole, reflexo direto da oferta de trabalho, infraestrutura e equipamentos urbanos; ampliando sobremaneira o fluxo migratório campo – cidade, que sofre de modo recorrente no Ceará os problemas advindos de estiagens prolongadas. Essas migrações se tornaramum imenso problema para as grandes cidades, agravado pela impossibilidade de permanência do trabalhador no campo (SCHOTZ, 1987).As zonas preferidas para a ocupação dessas levas migratórias são as áreas verdes, as reservadas para as praças, o leito carroçável das vias, as áreas de risco – alagáveis ou de encostas; locais que os proprietários e os administradores municipais não foram competentes para resguardar
(FIG. 05).
Com a verticalização e a ocupação de áreas
pouco vigiadas, começa a diminuir a qualidade de vida no espaço edificado e cresce a dificuldade de mobilidade urbana, grande problema enfrentado na atualidade pelas capitais brasileiras edemais grandes cidades do Brasil e do mundo. O grande desafio do século XXI é ofertar transporte público eficiente para a sociedade, e para cumprir essa meta, obras são vistas em toda a cidade de Fortaleza. No início foram os terminais intermodais espalhados pela cidade, em oposição àsparadas de ônibus e as estações de trem no Centro da Cidade, o que obrigava um fluxo intenso e contínuo pela área central de Fortaleza. Hoje os investimentos estão mais direcionados ao sistema viário e ao transporte público urbano. Para (SALINGAROS, 2005): “a cidade viva se diferencia radicalmente do que construímos no século XX... A cidade precisa ser entendida como um sistema interativo complexo... A coerência urbana só pode existir a partir de uma correta combinação de geometria e conectividade... A estrutura fractal distingue a cidade humanizada…” O que ocorre em Fortaleza é um exemplo vivo para a afirmativa deste estudioso, o que pode ser facilmente observado por meio de seu sistema viário, que se vai criando a partir dos interesses particulares dos investidores no espaço urbano, delimitados pelos determinantes legais e pelos planos de desenvolvimento da cidade (FIG. 06).
Ainda para (SALINGAROS, 2005): “Um teorema matemático diz que dois
pontos podem ser ligados por uma linha reta de uma única maneira, mas podem ser
conectados por uma curva de infinitas formas. Se necessitamos de infinitas possibilidades para conexão de nós, não podemos insistir na conexão por meio de malhas cartesianas.” Afirma também (SALINGAROS, 2005): “A distância mais curta entre dois pontos é uma linha reta. Pedestres vão utilizar para os seus deslocamentos entre pontos o caminho mais reto possível, evitando cantos, escadas e mudanças de nível. Este resultado só é empregado em escalas menores... para se obter múltiplos padrões é necessário que as escalas más amplas contenham padrões curvos e irregulares.” Não é isto o observado na cidade de Fortaleza, como também em muitas cidades espalhadas por todo o mundo.
(SALINGAROS, 2005) afirma: “Esta é a chave para a construção de uma rede urbana: múltiplas conexões estabelecidas entre nós complementares, misturados em percursos que conectam nós semelhantes. Por outro lado, as conexões de nós semelhantes são bastante frágeis para transformassem em percursos.Esta é a principal razão para a morte da periferia. É necessário um equilíbrio entre nós semelhantes e opostos. Em uma múltipla conexão misturada dentro de um mesmo percurso, tem de se tomar cuidado para não carregar muito o caminho, mas isto só deve ser considerado para situações de grandes concentrações.” (SALINGAROS,
2005) continua a sua formulação teórica: “O número de percursos para pedestres na rede urbana pode ser maior que a existente hoje. Uma infeliz tendência dos anos setenta havia eliminado os caminhos para pedestres por uma imposição arbitrária da malha retangular (ou outra forma restritiva) para todas as conexões... um segundo erro foi oferecer a prioridade dos percursos para os veículos diante dos caminhos para pedestres. Alexander e seus associados analisaram o processo e estabeleceram uma rede de conexões... Eles concluem que existe uma sequência ótima a ser seguida: se definem primeiro as áreas verdes e de pedestres, para depois na sequência os percursos para pedestres, as áreas para as edificações e os espaços para as vias.”
Em Fortaleza, o que se observa é uma hiper valorização dos caminhos para os veículos em detrimento dos percursos para os humanos. O mesmo ocorre em várias cidades brasileiras, como pode ser observada em Maceió, cidade praiana de menor porte que Fortaleza
(FIG. 07).
Na verdade não há muito espaço para pedestres nas vias,
só nas áreas fechadas dos shopping centres também ocorre em Vitória
(FIG. 09),
(FIG. 10)
ou no centro histórico, como
outra cidade praiana também menor que Fortaleza,
em que se observa também a diminuição lenta da utilização dos espaços públicos para a circulação de pedestres. Em contrapartida há um crescimento vertiginoso dos espaços privados para fim de interação entre as pessoas. A segurança é o grande mote para essa mudança. Até a construção de residências em condomínios fechados (FIG. 08)
é um experimento da contemporaneidade para favorecer o encontro de
pessoas, não nas áreas abertas das ruas, mas em ambientes amuralhados. O verde, a presença da natureza, a segurança, áreas fechadas para lazer, são todos atrativos para a venda deste tipo de conjunto de residências, e estas vantagens têm atraído sobremaneira
os
compradores
e
muitos
desses
condomínios
estão
sendo
desenvolvidos nos espaços urbanos. As propriedades privadas na cidade de Fortaleza são hoje, quase sempre, fechadas por muros e as calçadas são espaços desabitados. As pessoas mais endinheiradas saem das casas ou dos apartamentos direto para os carros. A grande maioria das ruas brasileiras se encontra limitadas pelos muros das propriedades privadas. Para (SALINGAROS, 2005): “Os urbanistas devem otimizar as condições de modo a garantir tráfego suficiente para viabilizar os percursos.” Para (SALINGAROS, 2005): “O ponto central do espaço urbano é o pedestre e as estruturas urbanas devem destacálos e não atordoá-los.”
Brasil, por sua localização próxima à linha do Equador, possui clima equatorial ou tropical em quase todo o seu território
(FIG. 11),
situação que confere médias térmicas
elevadas por todo o ano. Este tipo de clima não estimula a percursos a pé em áreas abertas, como também incentiva a que os moradores procurem sempre abrigo em baixo de árvore e em proteções edilícias. Uma característica marcante da cidade de Fortaleza, por estar localizada em área costeira, é a presença de brisa ao longo de todo o ano, o que assegura melhor condição de conforto térmico, por minimizar o impacto da incidência solar. De modo a otimizar essa vantagem competitiva para o município, praças e parques devem ser planejados, como também o plantio de árvores nas áreas privadas e servidões públicas. Para (SALINGAROS, 2005): “As praças mais frequentadas possuem uma quantidade maior de assentos, mas essas superfícies se encontram em lugares inadequados.”
Ainda para o mesmo pesquisador: “Na perspectiva das pessoas que utilizam do espaço urbano planejado, não são somente as formas gerais das estruturas que transmitem informações, mas também os elementos mais próximos [dos pedestres] na micro-escala; tais como as texturas das superfícies. Essa percepção seguramente ajudará aos planejadores a também se utilizarem de padrões de linguagem associados à forma.” Não são, de fato, somente as condições físicas reais importantes para o conforto dos cidadãos, mas também as psicológicas, bem mais subjetivas. É tão significativo o ser, quando se trata de espaço urbano ou de edificação, como o parecer. A guisa de exemplo: uma cadeira não é simplesmente um engenho produzido pela mentehumana para possibilitar o confortável apoio do corpo, quando do desempenho de atividades que necessitem maior precisão e maior proximidade do plano de trabalho do campo visual, mas qualquer objeto em que possa repousar o corpo o ser humano para descansar as suas pernas. Quando se planeja o espaço urbano é fundamental conhecer os signos de cada cultura ou região, que podem agregar informações acessórias para os usuários dos espaços edificados. Para (SALINGAROS, 2005): “Os espaços urbanos terão mais qualidade se responderem de modo mais apropriado aos sentimentos e sensações humanas.”
Outra característica do Brasil é a presença de uma grande quantidade de rios e lagos em seu território
(FIG. 12),
como também de uma grande extensão de praias, o que
garante uma quantidade significativa de espaços de lazer a baixo custo para a população, além de um insumo importantíssimo para a sobrevivência humana – a água. Para (SALINGAROS, 2005): “Nos novos distritos, os rios são cobertos por não combinarem com a malha retangular existente e se perde uma excelente barreira
natural.” O mesmo ocorre no Brasil, e não é só uma questão de barreira física, mas a mudança do caminho natural das águas nos períodos chuvosos, como também a perda de área de absorção da água pluvial pelo aterro de espelhos d’água ou pela retificação dos recursos hídricos, culminam por gerar inundações recorrentes nos espaços urbanos.
A CIDADE INTENCIONAL E A POLÍTICA URBANA: Para que produzam os efeitos desejados para os cidadãos, as cidades têm que apresenta planejamento, ou em outras palavras, têm de vivenciar uma evolução intencional. O Estado do Ceará, que os portugueses chamavam de Siará, termo de origem indígena que para alguns historiadores significava terra de muitas araras, foi doado em 1532 pelo Rei de Portugal, D. João III ao também português Antônio Cardoso de Barros. “... um terreno de 50 léguas [medida equivalente à cerca de 350 km] de costa e terras adentro...” (POMPEU, 2004). Por todo o século XVI a região foi abandonada por seu donatário, o que propiciou que piratas e outros aventureiros mantivessem comércio com os índios. Em 1603, foram os franceses que, “aproveitando da ingenuidade dos indígenas, praticavam um tipo de comércio de escambo com os nativos. O produto mais importante nessas trocas com os franceses era o âmbar-gris, madeira que tanto servia para a produção de fragrâncias como para a produção de tintas” (POMPEU, 2004).
As sucessivas investidas de estrangeiros em solo lusitano fizeram com que em 20 de janeiro de 1612, por ordem do 9º Governador Geral do Brasil, Mendonça Furtado, o jovem português Martins Soares Moreno aportasse com um padre e dez soldados na foz do rio Ceará e lá construísse uma fortificação de madeira que resolveu denominar de São Sebastião. Em 1637, foi a vez dos holandeses tentarem conquistar a região por acreditar que haveria prata nas montanhas localizadas ao sul da fortaleza. Os holandeses “desembarcaram com dezenas de soldados que, acompanhados de índios aliados, atacaram a fortificação de São Sebastião” (POMPEU, 2004). De modo a garantir a posse das terras, o holandês Matias Beck fez construir uma fortificação 6 km a oeste da anterior e a denominou de Schoonenborch, depois rebatizada em 1654 pelos portugueses de Nossa Senhora da Assunção, logo que conseguiram expulsar os holandeses da região. Em torno da fortificação holandesa cresceu a cidade da fortaleza, hoje capital do Estado do Ceará. “A partir do ano de 1808, o porto de
Fortaleza contribuiu para o desenvolvimento da economia do Estado do Ceará, com a exportação do algodão para a Inglaterra. A partir deste fato, começou o processo de elevação da vila de Fortaleza à condição de capital da Província do Ceará. Assim é que em 17 de março de 1823, a então vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção foi elevada, por decreto imperial, à condição de cidade e capital da Província” (POMPEU, 2004).
Desde 1812, já havia uma preocupação com o planejamento, o ordenamento do sistema viário e a ocupação do solo urbano de Fortaleza, antes mesmo de se tornar cidade ou a capital do Estado do Ceará. A planta do porto e da vila de Fortaleza, desenvolvida pelo português de descendência francesa, Antônio José da Silva Paulet, mostra o novo arruamento em malha quadrada, uma mudança que seria adotada por todas as novas cidades que se pretendia construir nas próximas décadas, tanto no Brasil como em todas as colônias portuguesas; disposição fielmente alinhada com as Ordenações do Marquês de Pombal para cidades lusitanas - as ruas apresentariam uma disposição em xadrez, com vias se cortando à 90º. O Plano de Silva Paulet seria o gerador da futura expansão da cidade. Sem dúvida, o desenho urbano da pequena
cidade, nas primeiras décadas do século XIX, ainda era muito precário e pode ser observado nos detalhes do Mapa da Vila de Fortaleza apresentado por Silva Paulet em 1818
(FIG. 13).
Segundo o historiador Raimundo Girão, o engenheiro Silva Paulet
com “seu plano, a um só tempo de remodelação e de ampliação, retirou, providencialmente, da desordem para uma orientação lógica a pequena capital, exatamente na fase de ressurgimento que ela ensaiava... Corrigindo em seu mapa, quando possível, os erros existentes, o esclarecido engenheiro desprezou o velho sentido de crescimento da vila e, de maneira resolvida, trouxe para o estilo quadrangular, que tanto se prestava à natureza relativamente plana do sitio.”
Em 1875, um novo plano urbanístico foi implantado por um engenheiro nascido no vizinho Estado do Pernambuco e que “...teria por objetivo sistematizar a expansão de uma cidade por meio da retificação de suas ruas e da abertura de avenidas” (CAPELO FILHO, 2006). O Plano de Adolfo Herbster
(FIG. 14)
mantinha o sistema de malha em
xadrez definido anteriormente por Silva Paulet, mas ampliava os limites da cidade e criava, tendo como inspiração o trabalho desenvolvido pelo Barão de Haussman em Paris, três novos bulevares para a cidade. Essa proposta urbanística estava coerente com a fase da Belle Époque vivenciada pela cidade, tempo em que a elite formada por comerciantes e profissionais, estudava na Europa e trazia os costume e a cultura da ‘cidade luz’ para mudar a vida da cidade brasileira,
principalmente pelo
desenvolvimento do interesse pela beleza e pelos aspectos estéticos e formais da cidade. Ano
Plano
1812 Proposta de vias em malha quadrada desenvolvida por Silva Paulet 1875 Plano para a cidade de Fortaleza desenvolvido por Adolfo Herbster 1933 Plano de remodelação e extensão de Fortaleza criado por Nestor de Figueiredo 1947 Plano Diretor paraa remodelação e extensão de Fortaleza de Saboya Ribeiro 1963 Plano Diretor de Fortaleza desenvolvido por Hélio Modesto 1971 Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza 1975 Plano Diretor Físico – Lei 4.486 1979 Plano Diretor Físico – Lei 5.122 1996 Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – Lei 7.061 2009 Plano Diretor Participativo de Fortaleza - Lei Complementar 62
Os anos trinta do século XX se apresentaram como marco para o processo de expansão urbana da cidade de Fortaleza, pois tanto ocorreu a ocupação plena de toda a área planejada por Adolfo Herbster, como se observou um crescimento desordenado nos limites das vias de penetração até o interior do Estado, provocadopelo incremento do fluxo migratório, induzido por uma grande estiagem ocorrida em 1932 no Nordeste brasileiro e que se tornou uma calamidade social no país. Diante deste cenário pouco promissor, o urbanista Nestor de Figueiredo foi nomeado pelo então Prefeito de Fortaleza, Raimundo Girão, como o responsável pelo Plano de Remodelação e Extensão da cidade. A condição de miserabilidade que apresentava a população fugida do campo, fez surgir os primeiros assentamentos subnormais não planejados, as favelas, localizadas principalmente nas periferias não urbanizadas e de baixa densidade da cidade, algo muito próximo do que já vivenciavam na vida rural. Esta demanda fez com que os ideais estéticos e formais da Belle Époque fossem colocados em segundo plano, diante da situação emergente das comunidades carentes (FIG.15).
A partir do ano de 1942, em solo europeu foi deflagrada uma guerra que envolveu boa parte dos países do mundo. O Brasil se fez representar por seus pracinhas, que fizeram frente aos alemães ao lado dos norte – americanos, participando de batalhas principalmente em território italiano. Até 1945, o Brasil como os outros países, sofreu uma redução significativa na oferta tanto de combustível para mover os automóveis, como de alimentos. Em contrapartida a este esforço de guerra, desde o inicio dos anos quarenta, se observam “profundas mudanças culturais, econômicas e políticas no Estado do Ceará” (POMPEU, 2004). Ficou sob a responsabilidade do engenheiro e urbanista José Otacílio de Saboya Ribeiro a tarefa e a responsabilidade de desenvolver em 1947 o Plano Diretor para a Remodelação e Extensão da Cidade de Fortaleza (FIG.16). Embora tenham ocorridas significativas perdas humanas na guerra, o incremento populacional continuava crescendo em toda a região, fazendo pressão de demanda sobre a capital Fortaleza, principalmente com relação à mobilidade urbana, a absorção do contingente populacional e a oferta dos serviços urbanos. “Embora tenha sido aprovado [o Plano de Saboya Ribeiro] não foi posto em prática, em virtude de forte pressão dos proprietários privados que se viam prejudicados tanto pela medida de ampliar as vias, como pela venda forçada de alguns terrenos privados” (FERNANDES, 2004).
Como o Plano de Saboya Ribeiro não se tornou realidade, em 1963, Hélio Modesto voltou com as mesmas idéias, más com ações mais pontuais, baseadas em estudos
econômicos e sociais mais profundos; “o que revela o desejo de que o plano elaborado contemplasse diretrizes urbanísticas de modo a diminuir a condição de segregação social que marcava o desenvolvimento de Fortaleza” (FERNANDES, 2004), segregação esta intensificada por não ter ocorrido os efeitos desejados do plano anterior. Seu trabalho se concentrou na separação da cidade em áreas, o chamado zoning, tendo como base as funções e as atividades desenvolvidas pelos cidadãos, como também os sistemas de circulação – começa a ter força e importância o veículo na malha urbana. Tentava Modesto, com seu plano, incentivar o desenvolvimento dos bairros por meio da criação de novas centralidades em locais com potencial para esse fim, tais como pontos de convergência de população, núcleos comerciais já definidos e agrupamentos de equipamentos sociais. “Hélio Modesto propôs [também] a criação de um Centro Cívico Administrativo que unisse todos os edifícios do poder e cujo desenvolvimento seria orientado por um plano de massa que estabeleceria uma gradual implantação dos edifícios, conforme as possibilidades dos órgãos públicos” (FERNANDES, 2004).
O Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza, o conhecido PLANDIRF, elaborado em 1971 para orientar o desenvolvimento urbano preconizava uma nova forma de organização territorial, cuja base era a criação das Regiões Metropolitanas e que consistia em um projeto geopolítico de integração territorial nacional e de desenvolvimento industrial com base em uma sociedade dominantemente urbana. Brasil é um país de dimensões continentais e a idéia preponderante na época era a criação de centros de excelência onde existiria a grande maioria dos equipamentos urbanos e infraestrutura que servissem a uma população distribuída por toda a região. Os fluxos migratórios estavam estimulados, ainda más, com esta política de governo. Atesta ainda o PLANDIRF a permanência de um quadro desordenado de acentuado crescimento vertical da cidade, o desequilíbrio entre espaços construídos e não edificados, a intensificação dos conflitos de circulação e a evasão de funções que sustentavam o centro histórico da cidade, tais como a presença massiva de habitações e de edifícios com funções administrativas (FIG. 17).
A Lei de número 4.486, assinada em 27 de fevereiro de 1975, criou o Plano Diretor Físico, que estabelecia novas premissas para o desenvolvimento urbano, baseadas na verticalização e descentralização. Foram criados incentivos para o surgimento de novas centralidades, por meio de estímulos para a implantação de atividades
diversificadas e dinamizadoras, notadamente as ligadas ao comércio e serviço; o que findou por promover um progressivo distanciamento das classes médias e altas da sociedade do centro da cidade.
Para os três últimos planos: o Diretor, estabelecido pela Lei de número 5.122, assinada em 13 de março de 1979; o Diretor de Desenvolvimento Urbano, estabelecido pela Lei de número 7.061, assinada em 16 de janeiro de 1992; e o Plano Diretor Participativo de Fortaleza – Lei Complementar 62, assinada em 2 de fevereiro de 2009, preferiu-se fazer um estudo comparativo, pois ainda existem dispositivos desses instrumentos legais que são utilizados para as construções atuais, feitas na cidade de Fortaleza; para tanto, se tomou como referência os seguintes indicadores: o tempo necessário para sua criação, o princípio básico para cada um dos planos, os critérios para divisão da cidade em zonas, a forma de ocupação do solo urbano, os fatores limitantes do aproveitamento do solo, os modos que foram previstas as utilizações das áreas verdes, os transportes, os limites da cidade, o tratamento da questão da habitação popular, a forma de gestão, a implantação das grande áreas comerciais e o tratamento para as áreas de pedestres. O primeiro ponto observado, ao se fazer a análise dos três planos, é o tempo necessário para o desenvolvimento e a implantação; para o 1979 foram necessários apenas 4 anos, para os demais mais do triplo do primeiro, o que demonstra a grande dificuldade enfrentada pelo poder público para gerir os espaços urbanos – os investidores privados fazendo pressão e confrontando o interesse coletivo. Para fazer frente a essa pressão, em 10 de julho de 2001, o então Presidente da República assinou a Lei de número 10.257, que ficou conhecida como Estatuto da Cidade, que estabelecia diretrizes gerais para a política urbana (OLIVEIRA, 2000). Estas diretrizes
foram utilizadas para subsidiar o desenvolvimento do Plano Diretor Participativo de Fortaleza, que foi assinado em 2009. Entre as diretrizes mais significativas do Estatuto da Cidade, podem ser destacados:
A aplicação de taxação progressiva para os lotes urbanos não edificados, o que propiciaria a diminuição da quantidade de terras para a especulação imobiliária. Os terrenos devem possuir também uma função social e não ser somente para retorno financeiro;
A posse compulsória do lote urbano para quem de fato o utiliza, quando seu verdadeiro dono não o faz ou não foi competente o suficiente para observar o inadequado uso por terceiros e reclamar a propriedade;
O direito de preempção do lote pelo governo, para que possa exercer uma função social ou coletiva;
A venda por parte do governo do direito de construir, como uma forma de capitalização para a Prefeitura, com o objetivo de investir em infraestrutura;
A criação de mecanismos legais que propiciem a operação urbana consorciada, uma maneira de atrair investimentos privados para servidões públicas ou com função social determinada;
A possibilidade de seção, por parte de proprietários públicos ou privados, do direito de construir, quando este não foi utilizado em sua totalidade, em um determinado lote urbano;
O estudo de impacto de vizinhança, que possibilita a análise, por parte dos interessados ou impactados com uma construção ou investimento urbano, de situações específicas e a definição de uma solução coletiva que interesse ao conjunto de vizinhos do empreendimento; e
Definição de estruturas e modelos que ajudem na gestão democrática das cidades, o que confere direitos e responsabilidades para os cidadãos.
Continuando o estudo comparativo entre os três últimos planos desenvolvidos para a cidade de Fortaleza, o segundo ponto que se apresenta para essa análise é a forma de divisão da cidade em zonas. O Plano de 1979 divide a cidade por usos, o que fez com que se distanciassem as funções urbanas – a função habitar ficou distante da trabalhar, estudar e comprar víveres necessários à sobrevivência humana
(FIG. 18)
.O
Plano de 1992 condiciona a ocupação urbana à capacidade da via, com sua infraestrutura, de absorver as demandas das edificações (IPLAM, 1992). As áreas urbanas que apresentarem maior capacidade de oferecer água, eletricidade e esgoto terão maior possibilidade de receber uma quantidade mais significativa de edificações. Já para o Plano de 2009, o ponto chave de todo o processo de ocupação urbana foi a
preservação ambiental, garantindo qualidade de vida para as populações que tanto hoje residem na cidade de Fortaleza, como as gerações vindouras. Especificação
Plano de 1979
Plano de 1992
Plano de 2009
Tempo para criação
4 anos
13 anos
17 anos
Zoning
por uso
por densidade
preservação ambiental
Ocupação
corredor de atividade
Fração do lote
intensidade
Aproveitamento
diferenciada por zona
igual - solo criado
impacto de vizinhança
Principio
uso
Infraestructura
integração metropolitana
Lote
sujeito à especulação
taxação progressiva
taxação progressiva
Zonas verdes
não edificáveis
monitorizadas
sustentabilidade
Transporte
polarização
integração
mobilidade
Limites
Habitação de baixa
caráterurbo - agrário
requalificação urbana
em grandes
em pequenos
zonas especiais
conjuntos
grupos
Gestão
legal
participativa
consórcio
Comércio
centro
periferia
requalificação urbana
Pedestres
vias exclusivas
em todo o centro
acessibilidade
Beira mar
zonas especiais
zonas especiais
projeto especial
Patrimônio
sem destaque
pouco destaque
zonas especiais
densidade Habitação popular
O Plano de 1979 definiu corredores de atividades para comércio e serviço, o que produziu, ao longo do tempo, algumas avenidas e ruas bastante adensadas. Em 1992, o Plano Diretor tentou controlar a concentração de pessoas nas áreas mais demandadas da cidade, por meio da criação da fração ideal do lote, um número que iria garantir uma quantidade máxima de unidades habitacionais por terreno. O Plano atual, também procurando enfrentar o mesmo problema, criou cinco tipos de zonas: a de Ocupação Consolidada, a de Ocupação Preferencial, a de Ocupação Moderada, a de Ocupação Restrita e a de Requalificação Urbana. Quanto ao aproveitamento do solo, os três planos criaram soluções diferentes: no de 1979 havia um índice diferenciado para cada uma das zonas definidas, já o de 1992 delimitou um único e igual a 1, o que significava que só se podia construir a área equivalente do lote, havendo a possibilidade de construção de mais área, desde que o empreendedor comprasse da Prefeitura este direito e que este não extrapolasse a um valor especificado para toda a cidade. Para o Plano atual continua o mesmo princípio, adicionado de um dispositivo legal que garante a análise da questão por todos os que, de algum modo, sofrem o efeito do empreendimento proposto, dispositivo que tomou a
denominação de Impacto de Vizinhança, e que se faz presente no Estatuto da Cidade anteriormente mencionado. Analisando os três planos um pouco mais a fundo, podem ser evidenciados os conceitos que serviram de base para cada um deles. Para o de 1979, a tipificação do uso era algo muito importante para a época. Congregar os mesmos usos em uma mesma área parecia ser a solução mais racional, pois colocava junto pessoas, edificações e equipamentos urbanos com interesses semelhantes, e portanto, a cidade poderia concentrar mais as infraestruturas demandas. Observou-se, todavia, com o passar do tempo, que na verdade, para a existência humana,a necessidade era a convivência dos diversos usos, e que quando não disponíveis em uma mesma área produzia excessivos deslocamentos e a cidade passava a necessitar de um sistema viário bastante eficaz. O Plano de 1992 foi muito mais pragmático, pois pensou a cidade com a infraestrutura que já possuía e a dificuldade em ampliar a existente. Todo o Plano foi pensado tendo como base a relação edificação planejada – via em que esta irá se localizar e a infraestrutura que esta possuía. O Plano atual se apresentou bem mais amplo e pensou a cidade de Fortaleza como centro de uma Região Metropolitana e a integração que deve existir entre as cidades que a compõem.
Outra fragilidade observada no Plano de 1979 era a valorização dos imóveis para os proprietários, com a realização de infraestrutura, sem que estes colaborassem em nada para esse fim. É verdade que já são pagas taxas e tributos para se ter a infraestrutura que vai servir à cidade, mas se observavaque alguns donos de lotes urbanos guardavam suas terras para se tornarem mais valorizadas com os investimentos públicos – este é o princípio da especulação imobiliária. Os planos posteriores instituíram taxas progressivas para os lotes não edificados. Outro ponto também abordado de maneira diferente pelos três últimos planos foi a questão das áreas verdes da cidade. Essas áreas foram tratadas como não edificáveis pelo Plano de 1979, o que as tornava mais susceptível às invasões, posto que, sem valor de uso, não havia tanto interesse por parte do proprietário de manter a sua guarda, e às vezes até abandonavam essas áreas, separando-as das terras lindeiras de sua propriedade. No Plano de 1992, essas áreas verdes passaram a ser parcialmente edificáveis, o que garantia o interesse dos proprietários e diminuía as invasões. O Plano atual pensa essas áreas verdes como fundamentais para a sustentabilidade da cidade e da região, conferindo a estas tratamento todo especial, definindo-as, em seu planejamento físico, como zonas de interesse, preservação e recuperação ambiental.
Outro ponto importante para o planejamento das cidades na Pós-modernidade é a questão da mobilidade urbana. Em 1979, como a questão do transporte urbano não era tão acentuada, podiam ser adotadas soluções pontuais. O Plano dava certo destaque a hierarquia que devia existir entre as vias, criando sete categorias para elas:
Via expressa – para tráfego de passagem e capazes de absorver um grande número de veículos;
Via arterial – destinada à veículo de circulação preferencial e que une regiões consecutivas na cidade;
Via coletora – destinada a coletar e distribuir o tráfego das vias de maior capacidade, ligando estas vias ao tráfego do bairro;
Via local – destinada a veículos que desenvolvem baixa velocidade e que necessitam acessaras edificações;
Via paisagística – destinada a veículos que desenvolvem baixa velocidade e que necessitam acessaras áreas de lazer ou de recursos hídricos;
Binário – utilização conjunta de duas vias em paralelo, cada uma delas com sentido de circulação oposto à outra; e
Perimetral – conjunto de vias interligadas tendo como função conferir mais velocidade ao tráfego.
Já no Plano Diretor de 1992 ocorreu uma preocupação maior com o transporte urbano e foi criado um sistema de terminais que facilitava a mobilidade entre os bairros, sem a necessidade de se ir até o centro da cidade para trocar de ônibus e ter ainda de caminhar entre as estações ou paradas. Esse caminhar pelo centro da cidade garantia sustentabilidade para os comerciantes e os prestadores de serviço. Agora se pode transitar por todos os bairros da cidade com um só bilhete, trocando de ônibus nos terminais. O Plano atual amplia essa conquista e pensa não somente na mobilidade urbana, mas também na acessibilidade. A cidade deve ser desfrutada por todos, inclusive os que apresentam alguma limitação física ou mental. Deve ser também incentivado o uso da cidade pelos pedestres. No Plano de 1979, algumas vias se tornaram de uso exclusivo para os pedestres. A proposta do Plano de 1992 foi tornar todo o centro histórico área prioritária para deslocamentos a pé, mas encontrou nos donos dos comércios e dos serviços lá existentes uma forte oposição, o que findou por modificar a proposta original. Foi também definida no Plano de 1979, uma área para o comércio atacadista, pois na época era muito mais racional a distribuição centralizada
dos produtos para toda a cidade. O tráfego de caminhões de grande porte no centro da cidade serviu de indicador para a mudança da proposta inicial e o Plano de 1992 leva este transporte para a periferia da cidade; proposta esta mantida no Plano atual, que pensa também em controlar a circulação dos veículos para o transporte de mercadorias pelo espaço urbano. Fortaleza é totalmente urbana, não há áreas rurais em sua periferia. O Plano de 1979 pensou em uma zona residencial de baixa densidade nos limites da cidade; já o Plano de 1992 tentou criar um cinturão de caráter urbo – agrário em toda a região limítrofe da cidade, uma maneira de forçar uma transição entre a malha adensada da metrópole com as áreas rurais dos municípios vizinhos e incluídos na Região Metropolitana de Fortaleza; como também uma maneira de acomodar os migrantes, oriundos do interior do Estado, bem mais acostumados com o cuidar das plantar e o manejo de animais domésticos. O Plano atual tentará requalificar toda essa região, composta em sua maioria por barracos construídos pelos próprios usuários.
Baseado em uma regra definida pelo Plano de 1979, foram construídos grandes conjuntos habitacionais na periferia da cidade, o que proporcionou a necessidade de grandes investimentos, por parte do município, em sistema viário e de transporte urbano, para viabilizar os deslocamentos da população de seu local de morada para o trabalho, o estudo, as compras e o lazer. Para fazer frente a estes investimentos da Prefeitura, o Plano de 1992 previu a utilização de vazios urbanos mais centrais para a construção de habitações, o que proporcionaria que os cidadãos chegassem aos seus locais de trabalho, estudo, compras e lazer, sem grandes deslocamentos e investimentos em transporte urbano; uma questão que tanto envolve recursos financeiros como investimento de tempo por parte do cidadão – o chamado custo social. A preocupação com o limite norte da cidade, fez parte de todos os Planos, pois estas áreas são importantes, tanto para o lazer dos cidadãos, como também para o turismo local; pois possui regiões de praias e de restaurantes. Já a preocupação com o patrimônio edificado só passa a ter destaque no Plano atual, tempo em que foram criadas zonas com regras específicas para a preservação dessas edificações.
A CIDADE CONTEMPORÂNEA E A RESPONSABILIDADE URBANA: A responsabilidade sobre a cidade não é só do Prefeito, mas de todo cidadão. Por ter sido o Brasil colônia de Portugal, passou muito tempo entranhada na história e na consciência do brasileiro, por estar muito distante o governo da população, que o habitante local não teria nenhuma responsabilidade sobre o que ocorria na esfera do poder público, ou pelo menos, tinha só a obrigação de eleger as pessoas que teriam sim a responsabilidade sobre os destinos do País, dos Estados e das Cidades. Só após as últimas eleições Presidenciais, a idéia da responsabilidade cidadã cresceu em toda a população e cada vez mais se permite um processo mais participativo na gestão pública, até o momento em que essa participação popular se tornou imperativa por força de lei.
Embora seja hoje lei, há alguns dispositivos legais que ainda são vistos, pela grande maioria dos governos, com certa restrição. Um desses instrumentos previstos legalmente é a Operação Urbana Consorciada. Por muito tempo na vida política da nação, a relação mais próxima entre poder político e representantes do capital produziu danos ao País, aos Estados e aos Municípios. “A idéia de Operação Urbana no Brasil está relacionada com a promoção do desenvolvimento urbano por meio de parcerias entre o poder público, a sociedade civil e investidores privado, com base em ações que se derivam do planejamento urbano da cidade (CAVALCANTI, 2009)”, portanto pode ser algo bastante saudável para as cidades e uma forma também de se compartilhar responsabilidades, vantagens financeiras e de imagem, este último hoje bastante importante, tanto para os órgãos públicos como para as organizações privadas.
É, realmente, um dispositivo muito impactante, quando se trata de habitação popular, pois mais que um problema que envolve boa parte da população brasileira, exige significativos aportes financeiros. A criação de possibilidades de alterações legais pode e deve atrair os interesses de investidores. O Solo Criado, realizado com responsabilidade e baseado nos princípios da legalidade, pode ser um caminho a ser seguido pelas cidades. “O Solo Criado pode ser compreendido como uma área edificável, além da que corresponde a aplicação do coeficiente de aproveitamento único do lote, estabelecido pela legislação urbana vigente, a qual pode ser adquirida, de forma onerosa pelo empreendedor. Esta aquisição se dá por meio de uma compensação que se baseia em um encargo gerado na infraestrutura, proporcional a
esta área edificável adicional, podendo ser física ou financeira (em construção ou em dinheiro). Mais adiante, a evolução da noção de Solo Criado consolidou o conceito de Outorga Onerosa do Direito de Construir estabelecido pelo Estatuto da Cidade [do Brasil] (CAVALCANTI, 2009)”.
“As Operações Urbanas [Consorciadas] são instrumentos importantes de inovação e reabilitação urbana, capazes de promover mudanças profundas no desenho da cidade e também em sua dinâmica, que seja por meio de grandes intervenções, mudanças de índices de ocupação, permuta de usos predominantes, incentivos, penalidades e outros tantos instrumentos que, de modo consentido e pactuado, devem gerar valorização que, de modo reverso, costuram de novo o tecido urbano” (CAVALCANTI, 2009). Este dispositivo legal está previsto no Estatuto da Cidade. “Embora se compreenda que o Estatuto da Cidade tenha caracterizado um avanço real e apresentado um rol de novos instrumentos, é necessário sempre avaliar o que é essencial utilizar em cada caso a ser enfrentado. É importante legitimar o emprego desses instrumentos, priorizando a questão da habitação popular, a redistribuição de renda e a inclusão social” (CAVALCANTI, 2009).
Pela existência de risco real de descaminhos para o País, para os Estados e também para as Cidades é fundamental que haja a participação mais próxima da sociedade civil, como também a criação de dispositivos que garantam a transparência dos governos, até utilizando das ferramentas mais modernas como o é a Internet. Já podem ser encontradas pequenas cidades no interior do Ceará, que se utilizam das paredes para mostrar para a população decisões tomadas e investimentos realizados. Para (CAVALCANTI, 2009): “…objetivando dar a necessária continuidade da implementação dos projetos urbanos, é necessária sua gestão compartilhada e uma composição mais ampla da esfera pública, que inclua a sociedade civil e que ultrapasse a responsabilidade estatal única, na mudança do espaço contemporâneo.” Por outro lado, é saudável que “as operações urbanas devem resultar do Plano Diretor,
que
estabelece
diretrizes
básicas”
(CAVALCANTI,
2009).
“Para
a
implementação das Operações Urbanas Consorciadas é necessário aprovar uma lei específica, que deve estar articulada com o Plano Diretor e no qual devem constar: o plano de operações, seus objetivos principais, etc” (CAVALCANTI, 2009). Seguindo todo este procedimento, se diminuem as possibilidades de danos, embora não os impossibilite.
O Estudo de impacto de vizinhança é outro dispositivo legal previsto no Estatuto da Cidade, que tanto garante como estimula a participação da Sociedade Civil; assim como confere a esta responsabilidades. Para (CAVALCANTI, 2009): “Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), instrumento que possui a função de avaliar a relação da cidade com o empreendimento e do empreendimento com a cidade... este estudo deve fazer parte do projeto de lei que propõe a Operação Urbana Consorciada.” Os cidadãos que estão envolvidos com um Estudo de Impacto de Vizinhança, tanto podem
refutar
uma
proposta,
aceitar,
como
também
propor
contrapartida.
“Contrapartida é a denominação atribuída pelo Estatuto da Cidade para estabelecer a valorização de algo antes inalcançável e que passa a ter valor, na medida em que terá benefícios diretos ou indiretos com a realização das Operações Urbanas Consorciadas” (CAVALCANTI, 2009). A materialização desta contrapartida se dá por meio de certificados. “O CEPAC (Certificado de Potencial Adicional de Construção) foi criado de modo a separar a contrapartida econômica da realização do projeto que lhe deu origem... Negociados em arremate na Bolsa de Valores, estes certificados seriam emitidos para a administração da cidade e conectados com áreas objetos de Operações Urbanas Consorciadas. Seriam negociados por meio de pregões eletrônicos, que permitiriam os empreendedores particulares obterem, por meio deles, direito de construir em cada terreno além do determinado pela legislação, embora dentro dos limites fixados por cada Operação Urbana Consorciada” (CAVALCANTI, 2009).
PRINCIPAIS CONCLUSÕES: Os arquitetos e outros profissionais que trabalham para a cidade de Fortaleza necessitam de informações, conceitos e soluções urbanísticas; sendo parte do papel da academia, prover de conhecimento a comunidade que a serve. A cidade de Fortaleza surgiu a partir de uma fortificaçãoholandesa, depois conquistada pelos portugueses que a transformaram em mais uma proteção do território contra invasores estrangeiros. Fortaleza não possuía, em seus primeiros anos, atividade mercantil significativa; pois a atividade econômica preponderante do Estado ocorria em seu interior, em princípio nas fazendas de gado e, depois da Revolução Industrial, no cultivo do algodão. Este foi o grande vetor de mudança da cidade, que se converteu da cidade da fortificação para a do porto exportador de algodão. Em princípio as edificações começaram a ser construídas junto à fortificação. Na parte alta da cidade ficavam as edificações religiosas, administrativas e as moradas dos nobres. Na
vertente da praia se instalavam os serviços, o porto e as residências dos pobres. Logo, uma malha quadrada, típica das cidades lusitanas, foi imposta pelos administradores municipais, um trabalho do engenheiro português Silva Paulet; pois era a forma planejada de pensar a cidade, com uma execução bastante simplificada de ruas e avenidas. Com a exploração do algodão, a via férrea chegou à cidade e o porto foi ampliado. Indústrias começaram a ser erigidas no Jacarecanga, área vizinha ao Cemitério. Lá foram erigidas edificações que mantinham conceito semelhante ao encontrado no campo: casa grande - senzala. Parte da área destinada a fabrica era separada para a residência do proprietário e para uma vila operária. A cidade via, pouco a pouco, o seu centro histórico se desenhando com sobrados. Era a Belle Époque, a cidade lusitana recebia edificações com inspiração francesa e grandes bulevares foram construídos seguindo os conceitos de Hausmann. Hoje, como em outras grandes localidades em torno do mundo, a central da cidade necessita de ações de planejamento para intensificar a utilização tanto das edificações, como dos espaços públicos. Há hoje uma necessidade de voltar o centro da cidade a ser novamente uma centralidade, não simplesmente um pólo de concentração de comércio e serviço, mas principalmente moradas que demandem transportes públicos, se utilizem de bicicletas para pequenos deslocamentos e também costumem fazer percursos a pé pelo próprio centro. Gente que além de morar, viva, trabalhe, estude, faça compras, tenha lazer e cuide da saúde nesta parte da cidade.
A cidade de Fortaleza também vivenciou a fuga da população para a periferia em busca de uma melhor qualidade de vida. Foi também o período em que os cidadãos começaram a utilizar a praia, espaço de lazer intensamente utilizado por residentes e visitantes. Estava definida uma nova forma de ocupação do território urbanocom edificações de frente para o mar.
Em 1930, o Ceará apresentou a maior seca dos últimos tempos, que produziu uma enorme calamidade na região e gerou um fluxo migratório intenso do interior para a capital, tanto para a obtenção de água, como em busca de trabalho e de serviços essenciais à sobrevivência humana. A cidade teve boa parte de seus vazios urbanos ocupados por favelas e não podia mais ser pensada sob a ótica da Belle Époche, necessitava agora ser planejada com uma visão de produção em massa de espaços urbanos. O urbanista Nestor de Figueiredo propôs para este momento um Plano de
Remodelação e Extensão para a cidade. Outro infortúnio assolou Fortaleza um pouco mais de dez anos após a Seca, foi a Segunda Grande Guerra Mundial,que embora tenha ocorrido em solo Europeu, envolveu um razoável número de soldados brasileiros, entre eles cearenses. O engenheiro e urbanista Saboya Ribeiro foi o profissional eleito para desenvolver o Plano Diretor de Remodelação e Extensão para a cidade em função do crescente fluxo migratório existente entre o interior e a capital, ampliando as ocupações irregulares dos vazios urbanos (MUNIZ, 2006). O Plano, embora aprovado, não foi posto em prática em virtude de forte pressão dos proprietários dos imóveis que se sentiam prejudicados pela venda compulsória de seus imóveis, como reflexo direto da ampliação do sistema viário para acomodar o fluxo de veículos.
A cidade ampliou razoavelmente o seu território. O centro histórico não se modificou significativamente, mas a periferia cresceu a largos passos. Os empresários descobriram nesses lotes periféricos uma grande possibilidade de ganhar dinheiro por meio da construção de conjuntos habitacionais, um ao lado do outro, sem um planejamento prévio, embora já tivesse experimentado a cidade uma série de planos de ordenamento territorial. Por esta razão, o que se percebe hoje é a necessidade de se construir um sistema viário que possibilite a interação entre as vias interiores existentes nos loteamentos aprovados e construídos, com os que se fazem presentes nos parcelamentos de solo vizinhos. Vias descontinuadas de grande percurso podem ser encontradas na malha urbana de Fortaleza, reflexo direto desta falta de planejamento ao longo do tempo, ou mesmo ruas com dimensões incompatíveis com o tráfego atual, mas que sobreviveram as ações sucessivas de planejamento.Em 1964 os militares tomaram o poder e mudou a forma de administrar o país. Se por um lado o pensamento de acadêmicos, intelectuais, artistas e outros pensadores foi bastante cerceado, ocorreu significativo investimento em infraestrutura e em projetos de âmbito nacional. O Plano Diretor de Fortaleza, desenvolvido por Hélio Modesto foi o que tentou organizar a ocupação e a utilização do solo urbano nesse período. Era uma nova versão do Plano de Saboya Ribeiro que se apresentava, só que com ações mais pontuais, baseadas em estudos econômicos e sociais mais aprofundados.
Posterior a esse momento, o conceito de Metrópole se intensifica e passa a influenciar as cidades vizinhas. Foi então criada uma organização governamental, a AUMEF Autarquia Metropolitana de Fortaleza, para pensar a capital do Estado do Ceará junto com um grupo de municípios que sofriam direta influência da cidade pólo, sendo
também concebido o Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza. Os planejadores em nível federal, considerando o Brasil um país de dimensões continentais, resolveram criar Centros de Excelência e neles concentrar equipamentos de educação e saúde, robustecendo ainda mais a cidade de Fortaleza enquanto pólo regional, que desta forma passou a concentrar maiores fluxos migratórios e a se fortalecer enquanto Metrópole. O município passa a ser também referência comercial e de lazer para a região Norte do país. Até hoje, existem muitas pessoas residentes na região Amazônica e que regularmente passa suas férias em Fortaleza.
Quase no final do século XX foi implantado o Plano Diretor Físico. Já havia uma intensa preocupação com os planos de desenvolvimento da cidade. A sociedade mudava cada vez mais rápida, como também a ocupação do solo ocorria de modo crescente. Tornava-se muito difícil para o governo local, tanto monitorar essa ocupação, como também produzir a infraestrutura necessária para assegurar qualidade de vida para todos os que habitavam o território. A legislação local deveria colaborar com esse processo. Foram criados dispositivos legais para assegurar a infraestrutura necessária a este crescimento, considerando também que cada vez mais edifícios compunham a paisagem urbana. A cidade foi dividida em zonas com usos prioritários. Foram criados Corredores de Atividades de modo a concentrar o comércio e os serviços nas grandes avenidas, uma estratégia para favorecer a atividade mercantil com sua concentração. Essa ação foi tão positiva que hoje a cidade sofre engarrafamentos consideráveis nesses Corredores de Atividades. Uma questão que está sendo pensada e mitigada pelos planejadores da atualidade. Grandes conjuntos habitacionais foram construídos na periferia da cidade (BONJEAN, 2011). Ação coerente com a lógica do capital – terrenos mais distantes possuem custos mais baixos de aquisição o que impacta menos no valor de venda dos imóveis construídos, embora produzam custos sociais significativos, pois tanto demandam investimentos públicos vultosos, como consomem muito tempo dos cidadãos nos deslocamentos.
O centro da cidade concentrava o comércio atacadista e também servia para a troca de ônibus, pois lá se localizavam as estações. Quase todos os deslocamentos entre bairros passavam por uma troca de ônibus no centro da cidade, o que viabilizava o comércio da região central. A criação de terminais de ônibus fora do centro da cidade,facilitou em muito a vida dos usuários, mas findou por produzir o esvaziamento
da região central, pois uma quantidade menor de pessoas se deslocando por lá, implicava na diminuição do volume de consumidores. A criação do primeiro Shopping Center na cidade, e depois vários outros, complicou mais ainda a vida dos comerciantes do centro, pela diminuição sucessiva de consumidores fortuitos. Estava decretado o esvaziamento do centro da cidade e o inicio de sua degradação, pois as moradas já não existiam mais com tanta intensidade por lá. O plano Diretor de Desenvolvimento Urbano trazia em seu bojo uma preocupação com a densidade populacional e a capacidade de investimento público em infraestrutura.Por essa razão, o plano divide a cidade por zonas com densidades semelhantes e define o Solo Criado, como um dispositivo legal que garante ao município recursos financeiros necessários para suportar a verticalização. Foi também definido por este plano a utilização dos vazios urbanos para a construção de habitação popular, diminuindo os custos sociais com os deslocamentos, como também os financeiros com a infraestrutura urbana.
Desde o início do século XXI até os dias atuais, o Brasil experimenta um regime político que mudou um pouco o modo de governar. A participação popular se faz muito mais presente tanto na definição de prioridades, como no acompanhamento da gestão dos recursos aplicados. Fortaleza seguiu essa mesma linha ideológica e desenvolveu o Plano Diretor Participativo para a cidade, onde o controle social e a preservação ambiental se configuram como eixos transversais. Por muito tempo os planejamentos eram desenvolvidos por técnicos, especialistas no tema, sem nenhuma participação da população. Eles definiam demandas e desenvolviam soluções, muitas das vezes, sem ter um contato direto com o sitio ou mesmo com os interessados, os futuros usuários das propostas definidas. Os dados necessários ao desenvolvimento das propostas eram enviados pelos gestores para que os urbanistas, a partir da leitura e interpretação destes, pensassem caminhos para os aglomerados urbanos. Com a mudança da ideologia de governo, mudou também o modo de agir e de definir os rumos para os municípios. Os dirigentes dos movimentos sociais começaram a, por conta própria, tentar eleger os temas estratégicos e construir soluções sem a presença dos conhecimentos, saberes e experiências de técnicos e pesquisadores. Foi um período de muita ansiedade por desenvolver soluções imediatas para os problemas há muito tempo existentes, sem o conhecimento devido das ferramentas apropriadas para o enfrentamento das questões. Havia muita improvisação, retrabalho e perdas financeiras por investimentos inapropriados ou por corrupção, tema recorrente da realidade brasileira.
Pouco a pouco, os profissionais voltam a assumir sua função no planejamento, pelo menos é o que se observa na gestão atual do governo de Fortaleza. Cabe a população apresentar as suas demandas e aos técnicos avaliar a situação atual do município, a partir das informações coletadas, definir e apresentar um diagnóstico para a população, considerando simulações e cenários de futuro, além de estratégias e planos para o enfrentamento das questões. É papel da sociedade definir as prioridades e o caminhar de todo o processo, para que mais uma vez os profissionais construam as ações, que em última análise se materializam em soluções legais e espaciais. Ao final de cada etapa, é tarefa também dos cidadãos, acompanhar a correta realização das atividades, como também a apropriada aplicação dos recursos financeiros. Como o processo de planejamento é cíclico, o final de um ciclo implica, depois de avaliações, ajustes e correções, no inicio de um novo período. O processo de planejamento ainda está liderado pelo governo em todas as três instâncias de poder. Esta liderança tem de passar para a sociedade civil, o que garantirá a continuidade
do
processo,
mesmo
que
não
haja
continuidade
ideológica
governamental.
Fortaleza hoje, motivada por tantas questões de mobilidade urbana está sendo toda cortada por vias que unem pontos distantes da cidade, como também por viadutos e valas entrincheiradas. Também estão sendo implantados: metrô, veículo leve sobre trilhos e bus rapid transit, de modo a diminuir a quantidade de veículos no tecido urbano. A cidade tem também que melhor se adaptar ao tráfego de bicicletas, construindo ciclofaixas e ciclovias, como também melhorar os percursos para pedestres, ajustando os pavimentos dos passeios e investindo na cobertura vegetal. Além da mobilidade urbana, a acessibilidade urbana deve ser considerada para o desenvolvimento das propostas, não só para as pessoas com deficiência, mas para surdos, cegos, idosos, obesos, gestantes, crianças e as que apresentam questões de gênero.
O Instituto de Planejamento de Fortaleza foi a mais recente ação da atual Prefeitura para tratar de maneira mais racional as questões relacionadas com o espaço urbano, inclusive o acompanhamento das atividades do setor público e das reações, ocupações e construções feitas pelos cidadãos. Foi concebido para pensar e planejar um horizonte de 26 anos e reflete o desejo da comunidade, principalmente a de
arquitetos e urbanistas, que sentiam falta de um setor de planejamento para o município de Fortaleza (SANTANA, 2004). O Instituto foi pensado não só para servir a administração atual, mas também a todas as seguintes até o ano de 2040. O conceito básico adotado pelo órgão é compreender a cidade como instrumento de indução de riqueza e progresso; e fazer com que a cidade seja mais humana, participativa, transparente e justa. A idéia central do Instituto é ter um planejamento de curto, médio e longo prazo para a cidade, sem esquecer o que foi construído até o momento, tanto por parte dos governos anteriores como também ações da sociedade civil organizada. Os principais temas que são abordados pelo Plano são: a habitação popular, o meio ambiente, a mobilidade, o desenvolvimento social, a infraestrutura, a educação, o saneamento, a saúde, os esportes, o desenvolvimento econômico e institucional, entre outros. 2040 talvez seja uma visão muito larga de futuro para um país que muda significativamente em prazos bem curtos. Só o tempo poderá responder a essa indagação presente.
REFERÊNCIAS: BONJEAN, Olivier. De l’or dans nos poubelles. Paris: Carbonnier-Quilateau, 2011. CAPELO FILHO, José e SARMIENTO, Lidia. Guia Arquitetônico – Fortaleza Centro. Fortaleza; Expressão Gráfica e Editora, 2006. CAVALCANTI, Carolina Baima; CUNHA, Eglaísa Micheline Pontes e BALBIM, Renato. Operações Urbanas. Brasília: Ministério das Cidades, 2009. FERNANDES, F. R. C. As transformações espaciais e ambientais na área central de Fortaleza: uma análise das suas perspectivas de renovação urbana. Fortaleza: UFC, 2004. INSTITUTO
DE
PLANEJAMENTO
DO
MUNICÍPIO.
Plano
Diretor
de
Desenvolvimento Urbano. Fortaleza: PMF, 1992. JUCÁ, Gisafran Nazareno Mota. O espaço nordestino. O papel da pecuária e do Algodão. In: História do Ceará. Fortaleza: NUDOC, 1994. MUNIZ, Maria Águida Pontes Caminha. O Plano Diretor como instrumento de gestão da cidade: o caso da cidade de Fortaleza / CE. Natal: UFRN, 2006. OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da Cidade para compreender. Rio de Janeiro:IBAM/DUMA, 2000. POMPEU, Gina Vidal Marcílio y TASSIGNY, Mônica Mota. História da nossa gente. Fortaleza: INESP, 2004.
SANTANA, EUDORO. Fortaleza 2040. Fortaleza: IPLANFOR, 2004. SALINGAROS, Nikos A. Principles of Urban Structure. Amsterdam: Techne, 2005. SCHOTZ, Eike Jakob. Städt in Lateinamerika. Barrio -Entwicklung Wohnbau. Aachen: Misereor, 1987.