Contos de Fadas Modernos
David Nordon
Contos de Fadas Modernos
David Nordon
Agradeço em primeiro lugar e acima de tudo ao senhor nosso Deus. À minha amada esposa, Mirian, Aos meus pais, E a todos que me apoiaram nesta carreira.
Direção Editorial Flavia Bastos Coordenação Editorial Chico Maciel Projeto Gráfico RHK Revisão Alexandre Oliveira Produção Editorial Evoluir Cultural
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nordon, David Gonçalves Contos de fadas modernos / David Gonçalves Nordon. -- São Paulo : Evoluir Cultural, 2013. -(Coleção leituras inesquecíveis) ISBN 978-85-8142-021-9 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 13-00832 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
© Evoluir Cultural - 2013 - 1ª Edição Rua Girassol, 34, Cj 94 – Vila Madalena 05433-000 São Paulo – SP Tel.: (11) 3816-2121 www.evoluircultural.com.br evoluir@evoluircultural.com.br
CDD-869.93
Sumário Ah, esses contos de fadas!...........................................................6 Da Madrasta Má e Tirana e da Exploração Infantil............8 O Homem de Face e Mão Direita Imortais........................12 O Homem da Mão de Fungo.................................................. 18 O maior espetáculo da Terra....................................................22 A Cidade das Sombras............................................................... 26 Data de validade...........................................................................30 O Grande Branco........................................................................36 Os sofrimentos do jovem www.............................................. 42
Ah, esses contos de fadas!
Desde a antiguidade, contos de fadas encantam e reen-
cantam não só crianças em todo o mundo, como também adultos. Inicialmente feitos para entreter pessoas à noite, como estórias de terror, os contos de fadas foram posteriormente adaptados para atender aos desejos infantis. Seu conteúdo, altamente simbólico, permite que atinja uma ampla faixa de idade. Os contos de fadas, embora tenham tido sua violência progressivamente diminuída, nunca tiveram seu conteúdo alterado, e hoje em dia não parecem exatamente se encaixar na nossa realidade. Daí a necessidade de novos contos de fadas. Como seriam os contos de fadas de hoje em dia? Cheios de seres mágicos? Ou simplesmente de pessoas normais, fazendo coisas absurdas? Não se pode definir. Não há palavras que definam os contos de fadas. O importante é que eles encantem, como sempre – e permitam que a nossa imaginação voe para realidades distantes e nos tire da fria realidade em que vivemos.
David Nordon
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Da Madrasta Má e Tirana e da Exploração Infantil
Era uma vez, em uma pequena casa da Zona Leste, uma singela família de pessoas muito felizes. O pai, já em seus cinquenta anos, que todo dia ia trabalhar de trem/ônibus/ metrô/a pé e de carrinho de rolimã do outro lado da cidade; a mãe, da mesma idade, ficava em casa todos os dias e não só fazia tudo para os seus filhinhos como lhes dava biscoitos, e João, Maria e Zenilde, os três filhos amados, que iam para a escola todos os dias.
cia-se para fazer tudo para os filhinhos postiços. No entanto, quando chegou dezembro e o pai viu todas as contas que tinha para pagar, morreu de desgosto. Os médicos disseram que foi uma úlcera que rompeu, mas enfim, o que importa é que, dois dias depois, ele estava embaixo da terra e as crianças e a nova viúva vestidos de preto, sob guarda-chuvas, enfrentando o temporal característico de enterros tristes que preconizam um futuro sombrio.
Eles viviam muito felizes, na mais completa paz, naqueles moldes dos anos cinquenta, no qual o pai trazia o dinheiro, a mãe mantinha a casa em ordem e os filhos bagunçavam tudo quando não estão na escola.
Assim que voltaram para casa, a madrasta se tornou uma verdadeira tirana. Pegou todo o dinheiro que recebeceu o seguro de vida e transferiu para a sua conta; os outros 50% do valor total ficaram em uma conta para os filhos, em que ninguém poderia mexer até a maioridade da mais velha, Maria. Aproveitou o dinheiro para se encher de joias e roupas dos mais diversos tipos e viver do bom e do melhor; largou o emprego e passou a ficar o dia inteiro em casa, em um divã. E, quanto aos filhos, colocou-os como empregados domésticos.
Entretanto, um dia, a mamãe teve um ataque do coração fulminante e morreu, por não tomar os remédios que o seu médico recomendava, pois ela sempre desobedecia, e por isso não controlava seu diabetes. As crianças, então, ficaram sozinhas por um tempo, tendo de cuidar de toda a casa. João varria, passava pano e lustrava os móveis, Maria lavava a louça e as roupas; e Zenilde passava e cozinhava, levando seu ursinho de pelúcia para todos os lados.
Sem lhes dar biscoitos.
Depois de um tempinho, o pai, cansado de ficar sozinho, conheceu uma moça no seu escritório, com menos da metade da idade dele, e em pouco tempo, ambos estavam casados, felizes e contentes.
O dia inteiro ela pedia coisas, como comida, uma almofada, um copo d’água, virar a página do livro, mudar de canal (ela jogou fora o controle especialmente para isso), comprar o novo DVD do Chaves...
Por um mês, estava tudo bem. A nova - Mais a gente num tem dinheiro pra isso! mamãe, apesar de trabalhando, contor- – exclamaram eles, inconformados.
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- Então se virem pra consegui! Ceis têm - Essi aqui? dois dia! Ele lhe entregou o ursinho que achou Zenilde, então, começou a chorar, se- caído no chão, enquanto varria a calgurando o seu ursinho. çada, e a garota o abraçou como louca, chorando de felicidade. - E podi largá esse ursinho! Quantos anos cê tem, ô garota! – reclamou a madras- - Mais o qui aconteci, puquê voceis tão tão ta, agarrando o bicho e arremessando tristis dimais assim? pela janela. Eles lhe contaram a estória, então, e As pobres crianças, então, foram para o varredor de rua, enquanto enrolava o lado de fora da casa, sentaram-se seus bigodes brancos, falou que, quanna escada de entrada e ficaram es- do eles menos esperassem, alguém perando algum milagre, como o di- apareceria para lhes ajudar. nheiro (ou o DVD) cair do céu ou algo do gênero. As crianças, então, voltaram para casa e continuaram arrumando a casa, canTudo que eles conseguiram, porém, foi tando “Yo-ho-ho, ho!”. que um varredor de rua parasse ao ver Zenilde chorando. Enquanto a madrasta tirana estava fora, um homem bateu à porta deles, - Qui qui aconteceu, minha fia? vestindo um terno e carregando uma maleta. Ele se apresentou, dizendo - Eu perdi meu ursinhu... que era um advogado, e que o varre-
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dor de rua falou com ele e que ele iria ajudá-los. Assim, toda noite o homem voltava para a casa deles para falar sobre o processo e, depois de um tempo, os filhos entraram com uma ação contra a madrasta, acusando-a de exploração infantil. Ela ficou inconformada com aquilo e expulsou as crianças de casa. Estavam os três, então, mais uma vez à escada, quando o varredor de rua novamente apareceu. Eles lhe contaram a estória e ele, tocado do fundo do seu coração, disse que poderiam ficar em sua casa, sem problemas.
Depois de dois meses de julgamento, os garotos saíram vitoriosos. Todo o dinheiro e a casa do pai foram passados para eles, embora não pudessem acessar a conta até a maioridade da mais velha, e a madrasta foi presa. Quando o advogado foi cumprimentá-los, torceu o bigode branco de um jeito inconfundível. - Você é o varredor de rua! – exclamaram.
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Ele concordou e os abraçou, e todos voltaram para a casa do varredor, felizes para sempre. De dentro da cadeia, porém, a madrasta berrava: Eu vou me vingar!
O Homem de Face e M達o Direita Imortais
Um dia, Michel acordou. O que não seria nada anormal, uma vez que todos fazemos isso todos os dias, exceto os que morrem, os quais deitam para não mais acordar, enfadados com o cotidiano. O caso, porém, é que, um dia, Michel acordou, e seu corpo inteiro estava cheio de rugas, enquanto seu rosto e sua mão direita permaneciam... Jovens. Não que isso tenha acontecido de repente; ele já havia reparado que uma parte de seu corpo não envelhecia a uma velocidade normal, mas nunca dera muita importância, até que, finalmente, olhou no espelho e um clique se fez em sua mente, como uma engrenagem depois de séculos girando; ele percebeu o que até então não havia percebido, como num passe de mágica, embora tivesse estado lá já havia um bom tempo. - Como? – perguntou-se. Uma parte sua simplesmente estava mais nova. Em seu rosto, o contorno dos olhos estava perfeito, não havia qualquer marca do tempo, a barba, por fazer, estava toda preta, sem falhas. A testa, entretanto, chegava a mostrar alguns sulcos, enquanto o cabelo, por sua vez, apresentava túneis, entradas, saídas e viadutos, todos brancos, com um ou outro bravo guerreiro ainda escuro. Do mesmo modo, suas mãos ainda estavam da mesma cor de quando jovens, sem qualquer marca além das naturais. Quer dizer, a sua mão direita, porque, ao compará-la com a esquerda, não se diria em lugar algum que pertencia à mesma pessoa. Ainda apenas imaginando, pegou o seu aparelho de barbear. Parecia tão... Não sabia. Quanto tempo fazia que não trocava de aparelho? O cabo estava velho, quase se desfazendo, enquanto a cabeça permanecia perfeita, nova, como se nunca tivesse sido usada, embora todos os dias estivesse lá prestando serviço para a floresta negra matinal. - Acho que eu deveria ir ao médico... E assim ele foi. Deu um beijo na sua esposa, vestiu seu sobretudo, colocou seu chapéu, guardou cuidadosamente as mãos nos bolsos para que não congelassem e caminhou pelas ruas; olhando-o assim, podia-se jurar que tinha só 20 anos. Não sabia exatamente em qual médico ir; geriatra? Pediatra? Dermatologista? Talvez este fosse mais adequado, de modo que seguiu para o lugar onde sua esposa costumava retirar verrugas.
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Após contar a sua estória para o médico, ele não acreditou, e somente depois de um exame muito minucioso, a boca aberta de espanto, aceitou a realidade. - Mas como? Ele saiu da sala, e, em poucos minutos, todo mundo do consultório – incluindo o filho da vizinha da prima da faxineira – estavam encarando Marcos, sem acreditar naquela façanha da sua pele, a qual se mostrava ora velha, ora jovem. - Como? – mutuexclamaram. O médico não sabia o que fazer. - O que você quer, um creme de envelhecimento? - Não sei. Não existe creme de rejuvenescimento para o resto da pele? - Não que eu saiba. - Mas existe um de envelhecimento? - Também não, que eu saiba. - Então que diabos eu posso fazer? - Transplante de face? - Mas eu não quero envelhecer a minha cabeça! Eu só quero que ela fique da mesma idade que o meu corpo, ou vice-versa. - Vou te encaminhar para um neuro... E Marcos foi para um neurologista, onde o mesmo se deu. De lá, para o geriatra, para o pediatra e, por fim, para o ortomolecular, o qual lhe deu um par de injeções e um monte de cápsulas para tomar em casa. No fim, ele acabou cheio de espinhas de um lado, com pelos saindo da orelha do outro e com as costas inteiras vermelhas e ardendo, de modo que tinha de deitar de bruços no divã do psiquiatra que passou a lhe fazer acompanhamento psicológico. Em duas semanas, a cidade inteira só falava de Marcos e sua cabeça e mão não envelhecidas. A manchete do jornal foi um: Como? Depois de alguns dias, ele foi mandado para o maior centro de pesquisas do mundo, nos EUA, onde foram feitos diversos tipos de exames, a partir de biópsias, para se chegar à conclusão de que a pele era, de fato, mais nova do que a outra. O porquê, ninguém sabia.
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Uma vertente de cientistas se separava na crença da membrana basal, fosse ela o que fosse e fizesse o que fizesse; uma outra parte acreditava que era alguma substância depositada na pele; outra, ainda, cria na pedra filosofal, e uma quarta acreditava em Papai Noel, o que não tinha nada a ver com a pesquisa, mas enfim, cientistas são assim mesmo. Indecisão por indecisão, Marcos voltou para casa depois de um mês, todo espetado e com diversas partes do corpo retiradas para pesquisa, e se jogou na cama; havia decidido dormir por quatro ou cinco dias. Ao se levantar para fazer a barba, pegou o seu barbeador imortal e o encarou; a lâmina estava quase toda enferrujada, embora tivesse permanecido nova por vários... Dias, semanas ou meses, ele não sabia. Como não tinha outra, resolveu se virar com aquela mesmo, passou creme de barbear no rosto, retirou a selva que havia se formado e, quando estava lavando o aparelho, milagre!; a lâmina estava nova de novo. - Como? – indagou-se mais uma vez. Passou um pouco de creme na mão esquerda; ela ficou como nova. Depois, mais um pouco na testa, esfregou, esfregou, e os sulcos haviam sumido. Olhou bem para aquilo; tinha o creme de barbear da juventude! Mas o que fazer com aquilo? Quando contou para a sua mulher, ela não hesitou: - Vende! A gente pode conseguir muito dinheiro com isso! - Mas eu não quero vender... Isso é a fonte da juventude! - Dinheiro também é! - Mas eu não quero perder a chance de permanecer jovem para sempre... - Tudo bem – respondeu ela, talvez complacente demais. – É seu; se você não quer vender, o problema não é meu. E não era mesmo. No dia seguinte, havia trilhões de jornalistas e pessoas batendo à porta de Marcos, implorando pelo creme mágico; cientistas querendo examiná-los, médicos querendo a marca, farmácias requerendo a posse da fórmula, impedindo, assim, que ele saísse de casa. Mais um pouco e invadiriam pelas janelas. Depois de duas horas, trancado em um quarto que, jurava, balançava, ele não aguentou e foi para o lado de fora da casa, ainda de roupão e com a barba por fazer.
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- Aqui está o creme milagroso! – anunciou, aos berros. – E ele é todo meu! – riu loucamente, engolindo-o inteiro. Um Óóóóóóóóóóóó! ecoou por todo o lugar, enquanto a população o encarava, surpreso. Ele os encarou. - Mas eu ainda tenho um restinho, trouxas! – disse e jogou o frasco para os leões, que se digladiaram para pegá-lo. No dia seguinte, Michel não acordou; morreu no meio da noite, intoxicado pelos produtos químicos do creme, embora sua pele estivesse jovem como a de uma criança. E, sua esposa notou, a privada estava brilhante como nova.
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O Homem da Mão de Fungo
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Houve uma vez em que um garoto apelidado de Tronco Velho. Por que apelidado assim? Por causa de sua cor, que lembrava muito um... tronco velho. Bom, com o tempo, este garoto cresceu e o apelido parou de persegui-lo. Casado, com dois filhos e uma maravilhosa esposa cor de terra também, ele vivia feliz em uma casinha, trabalhando como engenheiro. Entretanto, não ganhava muito e tinha de sustentar três pessoas em casa, mais a sua mãe e os dois cachorros, de modo que a família não era, de todo, muito bem de vida. Todas as noites ele rezava para que ganhasse um pouco mais de dinheiro, para poder sustentar a família. Até que, um dia, ele acordou com dois cogumelos nas costas de sua mão direita. O que era aquilo? A sua esposa o encarou com asco; os seus filhos o encararam com surpresa, chamando-o de homem da mão de fungo, divertindo-se aos montes com a situação; os cachorros cheiraram e latiram; a mãe não conseguiu ver direito, e, achando que era um cubo de gelo, indagou como ele o mantinha lá, parado. - São cogumelos! – exclamou ele, olhando para a sua mão. - Como cresceram cogumelos em sua mão? – perguntou a esposa. - Não sei! – alegou, pensando em como era irônico acontecer isso justamente com uma pessoa com um apelido como o seu. - Muito estranho... - Vou tentar arrancar – disse. Com uma faca e muito cuidado, ele arrancou bem rente à pele o cogumelo, e parecia que nada havia surgido lá. Em pouco tempo, todos esqueceram isso, até que, no dia seguinte... - Três cogumelos! – exclamou. E, sem hesitar, arrancou-os. E assim o tempo passou; em questão de dias, como cogumelo não morria, mas sobrevivia de outros cogumelos, havia praticamente uma plantação no lixo deles. Sem saber o que fazer e sem comida para comer, em um dia de desespero, a dona de casa pegou alguns cogumelos e os cozinhou; eram deliciosos, apesar do toque canibalístico. Os dias se passaram, até que, um dia, um homem misterioso parou na casa deles, à noite, falando que era um errante perdido (o que é um tanto pleonástico
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e paradoxal ao mesmo tempo); sentiu o cheiro dos cogumelos, e comentou que, fossem o que fossem, deveriam ser deliciosos. O jantar foi servido e, conforme ele comia, disse que reconhecia o sabor... - Este cogumelo... Não é um cogumelo comum. Vocês têm algum cru, ainda? O dono da casa trouxe os cogumelos e lhe mostrou. - Nossa! São trufas! – exclamou. - Trufas não são de chocolates? – indagou o Tronco Velho Fungado. - Não. Quer dizer, também. Mas estas trufas são fungos que só nascem em carvalhos, na Europa. Como que vocês conseguiram isso aqui no Brasil? Os dois anfitriões se olharam, e o homem explicou a situação. - Impressionante. Você poderia ficar rico, se pusesse à venda. Quem era aquele homem que aparecia misteriosamente? Eles não sabiam, mas seguiram seu conselho; no dia seguinte, ele raspou os 50 cogumelos que haviam surgido não só em sua mão, mas também em seu braço, e levaram para o mercado, onde conseguiram um grande valor. No dia seguinte, mais 51 cogumelos. E, em seguida, mais e mais. Progressivamente eles se tornaram mais ricos, monopolizando o mercado, até um ponto em que um grupo de protestantes veio em sua casa reclamar da dominação do comércio; “Trufas para todos!”, exclamavam. Sitiaram a casa por semanas, ameaçando só sair de lá quando as trufas fossem distribuídas gratuitamente; os vendedores tentaram reclamar na Organização Mundial do Comércio, falando do absurdo que era tudo aquilo, mas a burocracia os impediu; e, desesperados, com sacas de cogumelos guardadas, já que não conseguiam escoar os produtos, mas apenas 5% para o mercado negro que ocorria pela porta dos fundos, eles arremessaram as trufas para a população irritada. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim; um espião entrou na casa deles um dia pela manhã, tentando descobrir qual era o segredo para que produzissem tantos fungos, uma vez que não possuíam um carvalho; e, quando descobriu que eles vinham do braço do homem, ficou chocado; a população inteira parou de perseguir as trufas canibais, e o homem foi acusado de... Bom, não havia nenhum título para aquilo, apenas: Vender-partes-de-seu-corpo-como-se-fossem-trufas-e-assim-propagar-o-canibalismo, o que era evidentemente proibido no Brasil (e em todo o mundo civilizado, convenhamos). A família caiu em desgraça e o patriarca foi preso; desanimado, parou de barbear os cogumelos, que já cresciam por suas costas e braços. Posteriormente,
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foi condenado à pena de morte (na época ainda existia isso no Brasil, pode?) e, poucas horas antes de ir para a forca, virou um fungo gigante na cela da prisão; o faxineiro veio, aplicou um monte de limpador de vidro com O2, e, em poucos segundos, o ser se dissolveu. Um problema resolvido. Já a esposa, que não sabia o que fazer nem como alimentar a sua família, pediu, desesperada, para uma estrela no céu, por uma solução. No dia seguinte, em sua mão esquerda surgiu uma trufa de chocolate...
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O maior espetรกculo da Terra
Um rebuliço percorreu toda a cidadela, conforme uma caravana passava, com seus inúmeros vagões, puxada por quatro homens logo à frente, dois macacos batendo os chicotes para que avançassem mais rápido. A população toda olhava; o maior espetáculo da Terra se aproximava! Era o circo! Dentro dos vagões era tudo coberto, assim, nada podia ser visto; o que repousava lá era puro mistério, que só atiçava mais e mais a curiosidade do público. A caravana passou e parou no meio da praça principal do vilarejo, onde a lona foi montada, esperando por eles; um quarteto de elefantes dava os últimos retoques nas arquibancadas, enquanto os macacos já arrumavam tudo para a venda de ingressos; cavalos, porcos e ovelhas saíam por aí, anunciando a chegada do circo, a estreia para aquela noite, causando um rebuliço ainda maior. A cidadela explodia em excitação. Pequeninos cachorrinhos corriam para lá e para cá, aflitos, e passarinhos travessos tentavam sobrevoar o local para descobrir quando poderiam todos, finalmente, ver o espetáculo. A noite por fim caiu, e o circo abriu; todo o povo logo se amontoou para ver. Os elefantões, grandões, ficaram mais para o lado, lá no fim da arquibancada; cavalos carregavam alguns macacos e outros animais baixinhos, para que pudessem ver o que acontecia; também nas arquibancadas, porcos, ovelhas, cachorros, gatos, galinhas e todos os outros tipos de animais existentes eram pura felicidade. Ursos grunhiam em júbilo, felizes com o chou, ainda que tivessem de ficar em uma parte especial, para animais grandes, junto dos tigres. Até mesmo os hipopótamos, rinocerontes, as focas e leões marinhos fizeram de tudo para ver o incrível chou. Para os leões, os reis da floresta, as fileiras da frente foram reservadas, e lá eles se sentaram. Nos bastidores, os animais para a apresentação eram preparados; suas patas eram friamente queimadas, não raro lhes batiam nas cabeças, para prestassem atenção e não resolvessem se rebelar; correntes lhes prendiam os pescoços, para que não pudessem fugir, e ficavam todos confinados em jaulas pequeninas, do tamanho exato para um (sendo que ficavam dois em cada), sem ter o que comer, muitas vezes por dias, para estarem ferozes para a apresentação. Para que não reclamassem, muitos usavam focinheiras, panos nas bocas, às vezes até mesmo suas línguas eram cortadas; para que fosse seguro tirar fotos com os pequenos macaquinhos ou elefantinhos, até mesmo com os porquinhos, seus dentes eram arrancados, e às vezes cortavam um ou outro tendão que não tivessem força suficiente nos dedos para atacar.
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- Respeitável público! – gritou um orangotango enorme, no meio do palco, enquanto pássaros de todos os tipos se acomodavam nos galhos das árvores. - Bem - vindos ao maior chou da Terra! A introdução foi rápida, o público estava afoito; então veio o primeiro entretenimento. Uma pequenina criancinha, de não mais que cinco anos, com um vestido de bailarina, dançando para lá e para cá, mas que coisa lindinha! Depois vieram mais três ou quatro, andando de bicicleta, e como se equilibravam! Ursos treinadores iam para lá e para cá, controlando-as. Depois, vieram três homens grandões, bem fortes, carregando sobre si preguiças equilibristas. Era incrível! Então, uns gordões, daqueles de belos trezentos quilos, subiram em bolas, sob o som da tromba de dois elefantes treinadores, e começaram a circular por todos os lados; depois, subiram em banquinhos e um no outro, fazendo pirâmides. Incrível! Os animais no público iam à loucura! Como podiam fazer aquilo? Quanto treino seria necessário para que um homem aprendesse a fazer aquilo? Dez anos? Quanto? Sequer se imaginava. No centro do picadeiro, por fim, vieram shows de mágica; um gorila tirou de uma cartola um bebê humano, e depois outro e mais outro; colocou-os todos de volta e, passando um pano por cima, de repente, saiu um homem de lá de dentro. Sua cara não era das melhores, parecia humilhado e triste, sim, e quem visse de perto provavelmente suas cicatrizes de treinos, mas ninguém ligava para isso; o importante era a mágica, e que mágica! Que seres bem treinados!! O que uma boa chibatada não lhes fazia, pensavam os treinadores; ninguém sabia disso, mas os humanos eram abusados nos bastidores. Para se treinar humanos, aqueles animais ignorantes, irracionais, que não entendem o treino mais simples, toda a violência era necessária. Por fim, veio o chou mais audacioso; um tigre andaria, dentro de uma jaula, munido apenas de uma cadeira e um chicote, por entre duas fileiras de dez humanos cada, ferozes, gritando e berrando. E ele ia, meu Deus! E como ia! Não tinha medo deles, daqueles animais horrendos! Ao som do seu destemido chicote, eles se sentavam e ficavam quietinhos, mansos; alguns ainda tentavam avançar, mas, rapidamente acertados no olho pela ponta de ferro do chicote, especial para esses casos, retrocediam, chorando. Mas era, definitivamente, o maior espetáculo da Terra! Os animais pulavam de alegria, comemorando. Que chou, mas que chou! No entanto, algo terrível aconteceu; um humano, grandão, ainda vestido de palhaço, conseguiu escapar, correndo para fora do picadeiro. O público gritou, desesperado. O que era aquilo? Era um perigo! O ser correu, sem tentar ameaçar ninguém, queria apenas a liberdade. Desviou de tigres, ursos, leões, e conseguiu escapar da lona. Corria livre pela rua, crendo finalmente ter se livrado
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de todo aquele sofrimento, quando dois elefantes avançaram contra ele e, sem piedade, o pisotearam. Um bicho daqueles, solto na rua, era, decerto, uma ameaça ao povo! Deveria ser morto, isso sim, para que não ameaçasse ninguém, para que os outros aprendessem que não deviam questionar, um momento sequer, a autoridade dos donos do circo – era o que comentavam. Aquilo foi um espetáculo, e como!
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A Cidade das Sombras
Sento-me diante do meu computador e olho no relógio: são 23h55, horário perfeito para escrever sobre as sombras. Por toda a cidade, casas apagam suas luzes e pessoas vão dormir; deste lado do mundo, tudo cai em escuridão, algumas parcas estrelas encobertas pela poluição e uma lua minguante iluminando o chão. Isso, pelos campos. Com suas ruas psicodélicas à noite, repletas de carros com faróis muito fortes, lâmpadas gigantescas de fósforo enxofre ou seja lá o que for que deixa aquele tom amarelado iluminam o asfalto e as calçadas, para tornar a cidade um pouco mais segura. Um erro. A cidade não fica mais segura, nem nunca ficará; toda esta iluminação serve apenas para atrapalhar os seres da noite. Assim que começa a escurecer, e que uma pessoa se deita em sua cama e decide dormir, apagando as luzes e ficando no escuro, mais confortável, sua sombra se solta dela e passa a agir livremente, esgueirando-se pelo breu, fugindo da luz que pode aniquilá-la, dispondo da penumbra e da escuridão para aproveitar a sua vida; passa um dia inteiro seguindo a sua dona, imitando absolutamente tudo que ela faz, e agora era hora de aproveitar. Assim que sai de seu dono, a sombra de um homem, um trabalhador comum, daqueles caixas de banco, novinho, tímido e organizado, tentando fazer tudo certinho para o seu chefe, aqueles cuja maior aventura é ter de resgatar a revista que derruba na privada enquanto faz o número dois, levanta-se, espreguiça-se, estala em silêncio suas juntas sombrias e caminha pelas paredes e pelo chão em direção à porta; sua forma é completamente bidimensional, e quem olha (com olhos muito bons, claro), vê a forma exatamente igual daquele homem, como um desenho, escondida entre as sombras, mesclando-se com a negrura para poder fazer o que as sombras fazem todas as noites. Não, não é tentar conquistar o mundo (ainda). Isso é tarefa para as sombras de certos personagens de desenhos e algumas pessoas públicas. A sombra do pequeno caixa de banco quer apenas aproveitar o que puder da vida; passa pela fresta escura da porta, salta no vão do elevador e, em poucos segundos, aterrissa suavemente como uma poça escura nas sombras logo abaixo. Cruza o saguão do prédio em silêncio, esgueirando-se pelos cantos onde consegue identificar a penumbra, fugindo da luz quando pode; ao ver um casal se aproximando, abraçado, esconde-se no vaso de uma planta; ao perceber um olhar duvidoso do porteiro, torna-se nada além da representação bidimensional em tom fosco de um gnomo de jardim. Depois, segue pelo asfalto escuro em direção à sua cidade. À cidade das sombras. Sim, claro, porque toda cidade normal tem a sua cidade das sombras; quando as luzes se apagam e a escuridão domina, tudo é o reino das sombras, e elas se aproveitam muito bem disso; têm a cidade inteira para elas. Quanto mais escuro, maior a cidade, e mais coisas ela abrange.
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A do caixa de banco quer aproveitar um pouco, e, caminhando pelas paredes de tijolos, pelas cercas de ferro, rodeando postes, subindo em árvores e descendo escadas, chega, por fim, a um pequeno bar escondido no subsolo de um prédio abandonado; lá, nenhum ser da luz entra, nunca. O bar é inteiro das sombras, o mais cheio e mais animado de toda a cidade. Afinal, são andares e andares que elas têm somente para elas. Um gato que olhasse no momento poderia distinguir vultos, nada mais; eu, porém, vejo com os olhos da imaginação, e no meio daquela poça negra, identifico o meu camarada do banco sentando-se a uma mesa de sombras, bidimensional, com dois amigos bidimensionais (os quais, naquela completa escuridão em três dimensões, acabam se tornando algo como seres de papelão de pé, flutuando, por vezes, no ar). Os amigos se cumprimentam, e vejo amendoins de sombras voando para bocas de sombras, canecas de cerveja de sombra sendo consumidas, e conversas animadas no mais puro silêncio. Em um canto, vejo uma sombra servindo-se de televisão, brincando com tons de escuridão para reproduzir o jogo que ocorreu há algumas horas no Japão, antes do amanhecer, entre as sombras de Hokkaido e as sombras de Tokyo no Sombrabol; vejo, noutro canto, dois homens-sombra competindo para ver quem imita melhor o outro, um verdadeiro fanatismo entre eles, que já nascem sabendo a arte, mas sempre têm mais a aperfeiçoar. Vejo o barshédou, servindo bebidas a todos por lá, posso ver os drinques sendo formados e canecas surgindo em pleno ar diante dos clientes; por todos os lados, o ambiente é muito animado, e o som de Jazz me vem à cabeça; não sei por que, as sombras têm uma preferência por Jazz, Blues e Techno. E, o que é mais engraçado, a sombra do meu companheiro caixa de banco, ao contrário dele, é muito desinibida; pergunta aos seus companheiros se algum outro iria chegar ou não, pergunta do trabalho, comenta de outras sombrinhas muito bonitas, e resolve dançar ao som da música, criando formas malucas como só uma sombra sabe fazer. A cada momento, mais e mais sombras chegam ao bar, e o negócio começa a lotar; é uma doideira só. No meio daquele baile de escuridão, são diversas as formas, e eu penso como é incrível o mundo das sombras, um mundo do qual ninguém se dá conta, ninguém se dá ao trabalho de perceber. E eu olho para a minha própria sombra, coitada, escrava de mim mesmo, presa. Porém, quando olho mais uma vez para o bar, não consigo ver nada; está tudo no mais puro silêncio, como se as sombras houvessem percebido a minha presença e simplesmente desaparecido na escuridão. Quando olho para o relógio, contudo, entendo o que aconteceu, e minha surpresa parece um tanto idiota; já eram cinco horas da manhã, e o dia estava para nascer; as sombras tinham de voltar para os seus donos, e muitas delas já tinham corrido como loucas para chegar lá antes que eles despertassem. Olhei mais uma vez para a minha cópia bidimensional, com
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peso na consciência por não tê-la deixado se divertir esta noite, e volto correndo para casa. Apago todas as luzes, fecho todas as persianas, deixo tudo no mais absoluto breu, deitando na cama e me cobrindo com as cobertas. Que as poucas sombras que ainda não teriam de voltar ao trabalho aproveitassem, por mais algumas horinhas, a minha casa de sombras.
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Data de validade
- E então, doutor, é grave? – em sua simples pergunta, podia-se sentir tudo. A ansiedade, a esperança e o pesar. - Infelizmente, sim - o médico respondeu, balançando a cabeça. - E não há nada que possamos fazer? Uma negativa. - Nem tentar o pneumotórax? O médico sorriu. - Agora, só um tango argentino. Piada clássica para dois letrados, amigos de longa data, como eles eram. - E... Quanto tempo eu tenho de vida? - Na melhor das hipóteses, seis meses. Nunca vi ninguém durar mais do que isso. O homem respirou fundo. - E como será minha morte? - Provavelmente, fulminante. - E nada de ficar acamado antes disso? - Não. Sua saúde será praticamente perfeita até o dia de sua morte. O homem pensou um pouco. - Está certo. Seis meses. Em 26 de junho, então, estarei morto. O outro assentiu. - Sinta-se convidado para o funeral desde já, doutor - ele respondeu, levantandose e pegando seu casaco do encosto da cadeira. - Sem dúvida, estarei lá. E saiu do consultório.
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Seis meses... O que faria ele com seis meses de vida? O que se poderia fazer com tão pouco tempo assim? Em seis meses, não poderia fazer nada. Nem mesmo um filho para sucedê-lo conseguiria. Por outro lado, seis meses poderia ser também bastante tempo. Poderia considerar como férias bastante longas. O que não faria nelas? As possibilidades eram inúmeras. Conhecer todos os países do mundo que ainda não conheceu. Viver sem ter de se preocupar com o dia seguinte. Não tinha para quem deixar suas coisas; não tinha esposa, nem filhos. Os pais já estavam mortos há anos. Seus amigos eram todos do serviço e um ou outro de infância, mas, na realidade, devia alguma coisa a eles? No máximo, uma cerveja. Não — devia mesmo é aproveitar ao máximo o tempo que restava. Por outro lado, seis meses... Teve tanto tempo em toda a sua vida, tanto tempo para fazer tudo o que sempre quis, e, ao mesmo tempo, isto que lhe era escasso: tempo. Sempre esta a desculpa. Agora que lhe faltava tão pouco, já podia sentir inveja da época em que tinha muito. Sentiu-se culpado; poderia ter feito mais. Ter constituído família. Daria tempo? Constituir uma família agora? Em seis meses, acharia uma esposa que o amasse? Talvez, já com filhos, ou poria um em seu ventre? Decidiu pôr tudo em dia. Desfez de todas as suas posses - o que não foi difícil. Vendeu tudo a preço de banana, pois não era naquele momento que queria se tornar rico, e saiu a viajar pelo mundo. Foram os meses mais felizes de sua vida. Ficantes achou aos montes; umas já com filhos, outras sem, solteiras, divorciadas, viúvas e até mesmo casadas. Se de alguma delas nasceria um filho seu, não saberia dizer; mas que tentou, ah, isso tentou. Logo, depois que tal regalo parou de ser novidade e começou a correr mais rápido, em vez de aproveitar o tempo que restava, ele, saudosamente, começou a contá-lo. Faltavam 60 dias; depois, 59, 58... Repentinamente, só faltava um mês. E aí? Que poderia fazer? Não sabia. Que desespero horroroso, saber quando irá morrer e não poder fazer nada para impedir! Tentou procurar outros médicos, mas todos eram peremptórios: era uma doença grave. Não podiam estimar quanto tempo lhe restava, mas, nos estudos, pacientes em geral não duravam muito, não. Faltavam duas semanas. Decidiu gastar tudo o que restou em um hotel cinco estrelas; fez festas todas as noites. Não parou um segundo; pouco lhe restava de vida, e não queria saber de dormir, pois era o que logo estaria fazendo. Faltando uma semana; bateu aquele desespero, aquela depressão. - Meu Deus, por favor! Só mais um ano! Um ano de vida!
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Prometeu que melhoraria, que ajudaria os pobres, que assumiria a paternidade de todos os filhos recém-concebidos. Ficou de cama; não sabia o que fazer. No hotel, os funcionários ficaram preocupados. Em sua mente, só rodava a seguinte pergunta: E se...? O relógio diante da cama tornou-se um martírio; em um ímpeto de desespero, arrancou-o da parede e o jogou pela janela. Deu-lhe certo alívio, mas não levou mais do que cinco minutos para ligar para a recepção e solicitar um novo. O penúltimo dia chegou; como uma alma penada, ele caminhou até o restaurante e comeu por obrigação. Passou o dia pensando em como seria o depois. Iria para o Céu? Para o Inferno? Para o Limbo? Ou simplesmente cairia tudo no esquecimento? Em um ímpeto, decidiu que iria mudar tudo; que iria deste mundo como um combatente, não como um combatido; sairia andando por toda Paris, viver seus últimos instantes de vida. Seu ímpeto, contudo, logo esmoreceu, e ele ficou em sua cama, sem conseguir fazer nada da vida. Que horas morreria? Ao bater da meia noite? Pela madrugada? Ou depois do almoço? Quando deu por si, já era o dia seguinte, onze horas da manhã, mas ainda não havia morrido. Foi o dia mais angustiante de sua vida. A qualquer momento, agora, repetia incessantemente para si mesmo. Desceu para a recepção e fez o checaute; deixou tudo acertado para o dia seguinte. Não queria ser um estorvo para ninguém. Quando chegou a noite, o desespero foi ainda maior; tinha seis horas de vida, apenas. Ou menos, não tinha certeza. A ansiedade, porém, era demais para ele suportar, e decidiu por uma solução pouco heroica: tomaria um sonífero, daqueles bem fortes. Iria dormindo, sem sofrer com a ansiedade do momento que não chegava. Mas... E se ele morresse no meio do caminho, antes mesmo de conseguir comprar o sonífero? Faria o quê? Morto por morto, como o médico prometeu, não iria sofrer. Era melhor, então, ao menos ocupar sua mente com a perspectiva de dormir durante sua morte, do que passar as próximas horas encucado com isso. Desceu, perguntou onde era a farmácia mais próxima e foi caminhando. O farmacêutico lhe perguntou quanto queria; o mínimo que ele pudesse vender, ele respondeu. Só precisaria para aquela noite. Foi saindo da farmácia com o pacotinho com quatorze comprimidos na mão
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e viu uma cena que nunca antes presenciou: uma senhorinha sendo assaltada. Um homem lhe apontava uma faca e puxava a sua bolsa; a velhinha gritava. Ele não pensou muito; morto por morto, não corria qualquer risco naquele momento. Poderia até passar por morto como um herói, ao invés de um rato! Correu para lá, gritando: - Largue esta faca e solte essa senhora! O ladrão o encarou assustado, e o homem vinha com tanto ímpeto, que ele achou mais seguro abandonar o assalto e fugir. Deixando a bolsa, ele correu pelo beco escuro; a senhorinha agradeceu imensamente, ofereceu bolo e café em sua casa, mas ele teve medo de morrer à mesa, afundar a cara no prato e causar ainda mais trabalho para a senhora, e preferiu voltar para seu quarto de hotel, sentindo-se quase um batimam. Deitado novamente na cama, ainda faltavam quatro horas; girava oscomprimidos em suas mãos, pensando: realmente, já fiz de tudo. Poderia ir satisfeito. Mas, depois do seu ato heroico, aguentaria ficar acordado até a hora chegar? Ou se tornaria novamente um rato? Observou o relógio; o ponteiro nunca levou tanto tempo para dar um minuto. Era a hora, definitivamente. Tomou um; não funcionou. Depois tomou outro, e mais um; meia hora se passou, e nada. Deste jeito, morreria e não teria dormido, ainda! Desesperado com a perspectiva, pegou todos os outros onze comprimidos, colocou-os na palma da mão, encheu um copo de água e tomou tudo de uma vez. Não levou mais do que quinze minutos, e estava dormindo. Gostaria de poder dizer que ele foi encontrado morto algumas horas depois, e que ninguém saberia afirmar se foi por causa de morte natural ou por sobredose de soníferos. A vida, contudo, queria pregar-lhe ainda mais uma peça. Abriu os olhos; estava deitado em uma cama de hospital, com o avental branco e os alvos lençóis. Diante de si, havia um homem de jaleco, parado, encarando-o com as mãos nos bolsos. - Estou morto? - Não - o médico respondeu. - Ainda não. - O que aconteceu? Que dia é hoje? - ele indagou, excitado, sentando-se na cama. - Você tomou soníferos demais e está dormindo nesta cama há três dias.
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O homem limpou os olhos, para enxergar melhor, e identificou o médico como aquele que predisse sua morte. - Mas, doutor, eu não entendo! Eu não deveria estar morto? - Aparentemente... - ele riu. - Eu errei. - Mas... E agora? E a minha doença fulminante? - Sumiu. - E isso significa que... - Eu não posso dizer quando você vai morrer. O homem ficou alguns segundos parado, olhando sem foco para os lençóis, absorvendo a imensidão daquela frase. Viveu os últimos seis meses sabendo o dia que iria morrer. Como poderia agora viver sem sabê-lo? Como planejar sua vida sem saber quando acabaria? Era angústia demais para uma pessoa só. - Não, doutor! - ele implorou, puxando suas vestes. - Por favor, me diga o dia que vou morrer! Por favor! - Não posso - ele respondeu. - Agora, com licença, tenho outros pacientes para ver. E saiu da sala. E agora? O que ele faria de sua vida depois daquilo? Como continuar, correndo o risco de morrer a qualquer minuto? Ironicamente, depois de tudo isso, preferia que sua data de validade já tivesse expirado.
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O Grande Branco
"Eu aprendi algumas coisas na minha escola, quando era bem pequeno. A primeira delas foi: sempre fugir quando o chão começa a tremer". Nunca vou me esquecer do meu professor, dando a nossa aula prática: nós, todos escondidos, nos limites exteriores do nosso reino, ele, logo à frente, sacudindo as antenas. Aquela aula teria de ser cedo, pois todos sabiam que, naquele horário, era o caos; o chão treme como um terremoto, e Eles se aproximam: sinal de perigo. Suas antenas sacudiam, mexia as patas e dizia: "estão chegando". Não sabíamos exatamente quem eram Eles; não sabíamos de onde vinham, nem para onde iam; alguns diziam que eram montanhas; outros, que eram deuses; os mais ousados, alienígenas. Mas não importava. O chão tremia, a terra escurecia, e Eles chegavam. E isto significava morte para muitos de nós, que não eram rápidos o suficiente. Muitos eram esmagados; outros, afogados em inundações. Fúria dos deuses. Alguns, no entanto, tinham sorte, desfrutavam de sua benevolência e voltavam para contar a estória, como eu. Alguns, para nunca mais sair do reino. A minha segunda lição, e a maior de todas, foi sobre o Grande Branco. Ele era um gigante; um gigante maior do que qualquer um dos outros gigantes. Seu hálito era frio; ocasionalmente (durante cada megatremor1 e mais três a quatro vezes após cada um deles), ele abria seu enorme mesossoma (que é unido ao seu metassoma, até o que os nossos melhores cientistas conseguiram afirmar) e dele saíam pequenos montes, das mais diversas formas, todos gelados. O Grande Branco. Um destino inatingível para todos nós. A fonte de tudo o que necessitávamos. O maior de todos os deuses (embora alguns afirmassem com veemência que, mais do que um deus, ele era um continente, uma terra nova a ser desbravada). Isto é o que eu me lembro até hoje e que nunca vou esquecer. E o que me fez decidir, desde pequeno, qual seria a minha missão de vida: desbravar o Grande Branco. Eu seria o vitorioso que conseguiria, afinal, descobrir quem ou o que ele era e como obter alimentos a partir dele. Só não imaginaria que seria tão inesperado. Eu devia ter, o quê, uns 60 megatremores, e estava com o meu grupo de expedição, buscando alimentos. Tivemos sorte grande; o Grande Branco havia aberto seu mesossoma, e dele saiu o grande Deserto Doce e Gelado. Ele aparecia de vez em quando, e, às vezes, quando Eles iam embora, ficava lá por algum tempo. Às vezes, ficava até um novo megatremor; às vezes, um d’Eles 1 Megatremor é aquele período do caos pelo qual definimos o nosso ano, quando tudo se clareia, o chão se movimenta mais, e Eles andam pela Terra.
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voltava e o fazia desaparecer em pleno ar. Mas todos nós sabíamos que aquele era o melhor alimento de todos. Era a nossa chance de alimentar quase todo o reino. Mandei dois voltarem para o reino, para avisar os outros; eu e outros oito subimos até o deserto e caímos em seu interior, por suas rochas brancas e doces, cada uma quase do tamanho da minha cabeça. E, de repente, um grande tremor; a sombra; e os trovões ecoaram. Um grande flash prateado, e eu vi os montes do deserto serem cravejados por raios, que levavam montes de rochas de uma só vez e meus amigos consigo. Eu me escondi; não sei quanto tempo levou, mas os flashes finalmente pararam. E, repentinamente, eu senti o deserto se mover. Exatamente. Ele se moveu. Eu não me arrisquei, até que senti que estava totalmente seguro. E, saindo do meio das rochas do Deserto Doce e Gelado (que, naquele momento, já estava até quente), escalei e cheguei ao topo do seu monte, de onde olhei para os arredores. Estava escuro, mas isto não me atrapalhava. Eu só sei que, quando vi, não conseguia acreditar: todos os montes que tentávamos escalar, como o Grande Monte Amarelo Redondo, ou o Grande Oceano Branco, as Florestas, as Ilhas Vermelhas, e até mesmo outras terras das quais nunca ouvi falar, todos estavam lá. E, pude sentir, o frio era devastador. Só podia ser; não podia acreditar. Estava dentro do Grande Branco. Era aquilo; aquele era o mesossoma do Grande Branco, onde ficavam guardadas todas as terras de alimentação. Era isso o que ele era: a terra de todas as terras. O Grande Branco era mais do que um gigante ou um deus; ele era um mundo. Eu tinha de contar aquilo aos outros. Tinha de voltar para o reino. Mas, como? Bom, eu sabia que várias vezes a cada megatremor o Deserto Doce e Gelado surgia para nós. Era a minha chance. Eu teria de esperar, até que a oportunidade surgisse; então, escaparia e voltaria para casa. Mas a minha curiosidade era maior; eu tinha de conhecer o Grande Branco. Eu tinha de explorá-lo, ver mais a fundo o que ele era. Não hesitei; saí e caminhei por seus longos caminhos esbranquiçados, ladeados por abismos gigantescos que poderiam me jogar no meio das florestas e das ilhas vermelhas lá embaixo. Tentei guardar a localização de tudo; deixei o meu rastro, para que equipes futuras tivessem facilidade em encontrar tudo. No entanto, o Grande Branco logo começou a soltar o seu hálito frio, e eu já não mais aguentava; tive de voltar. Entrei novamente no Deserto Doce e Gelado e me embrenhei entre suas rochas, onde não seria tão frio e me alimentaria sem dificuldades. O novo tremor parecia nunca chegar. Mas, parecendo séculos depois, ele chegou, e eu senti o deserto se mover; logo, a luz voltou, e com ela o ar quente;
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pude sentir que as suas rochas logo começavam a se esquentar. Os flashes, os pedaços de deserto que desaparecem, o tremor, e logo o silêncio; era a minha chance. Fugi do meio das rochas, escalei seus contornos e desci para as Planícies Cinzas; desci pelo grande Paredão Branco, cheguei às Planícies Brancas e corri pelos seus veios acinzentados. Porém, quando achava que chegaria sem dificuldades ao reino, senti o tremor; Eles estavam chegando. Não havia para onde correr; o Grande Vão Escuro, que ficava abaixo do Paredão Branco, estava tão longe quanto a entrada do reino, e eu não tinha onde me esconder dentre os veios da Planície Branca. Encolhi-me; tinha de contar com a benevolência dos deuses. Foram momentos de puro terror. Os trovões, o tremor; pude ouvir o barulho de uma chuva torrencial, daquelas que frequentemente caíam nas Planícies Cinzas, e um pouco caiu, também, nas Planícies Brancas. E, por fim, mais tremores, e um d’Eles desapareceu. Eles haviam sido benevolentes. Corri como nunca até o reino e procurei a Rainha; mas ninguém queria acreditar. Mesmo sabendo do meu desaparecimento e da morte dos meus colegas, ninguém conseguia acreditar que eu havia, de fato, penetrado o Grande Branco, por mais que eu descrevesse o seu interior, com todos os detalhes. - Então me dê uma chance, ó majestade! – exclamei. – Preciso de uma equipe e eu vou provar que é verdade. O Grande Branco é a resposta para alimentar todo o nosso reino! No começo, acharam que eu era louco; no entanto, depois de inúmeros megatremores, quando achava que nunca mais conseguiria, a Rainha se compadeceu da minha insistência e consentiu. Selecionou uma equipe de colegas velhos – todos os mais velhos do reino, que provavelmente logo morreriam – e nos enviou com equipamento sucateado, mas eu não tive medo. Aquela seria a minha oportunidade. Iríamos conquistar o Grande Branco. Antes do próximo megatremor, envoltos pela escuridão, partimos; cruzamos no silêncio da eterna noite as Planícies Brancas, escalamos o Paredão Branco e ficamos de prontidão. Seria uma tentativa arriscada; teríamos de adentrar o deserto entre um tremor e outro. O megatremor; a claridade; Eles. O deserto surgiu; pudemos sentir seu aroma. Os trovões, os flashes, mais tremores, e o mais puro silêncio. - Vamos, vamos! – gritei para a minha equipe, e corremos. Conseguimos entrar; escondemo-nos o mais fundo que pudemos em suas rochas, rezando para que Eles não nos vissem. E, depois de uma espera longa e aflitiva, quando eu achava que os deuses não sorririam para mim desta vez, um novo tremor, e o deserto se moveu. Logo estávamos no interior do Grande Branco.”
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Parei um pouco; olhei ao redor, para aquela pequena classe de futuros aventureiros, com seus olhos brilhando, suas anteninhas sacudindo, ansiosas pelo que aconteceria. - E então? – um dos meus aluninhos perguntou. Deveria ser a décima vez que eu contava a mesma história para aquela classe, mas eles simplesmente não se cansavam. Eu era um verdadeiro herói. - Não foram todos que sobreviveram. Dois não resistiram ao frio do Grande Branco, e um caiu no abismo dentre os caminhos brancos. Mas nós retornamos em sete e contamos tudo à Rainha. Agora, fazemos incursões periódicas ao Grande Branco, como os senhores farão, daqui a alguns megatremores. - E professor... O que é o Grande Branco, afinal de contas? - Nós não sabemos ao certo. Eu gosto de pensar que ele é o Grande Continente de todos os Continentes. E eu gosto de chamá-lo de... Geladeira. Eles bateram palmas; eu sorri. - Eu já não estou mais em idade de entrar nestas aventuras, especialmente depois dos meus ferimentos nas expedições ao Grande Branco. Por isso, eu lhes pergunto: quem dos senhores será o primeiro a desbravar o Quadrado Branco, de onde saem os continentes quentes? - Mas, professor, todos dizem que isso é impossível! Muitos morreram tentando! – disseram, em coro. - Para um bom desbravador... Nada é impossível!
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Os sofrimentos do jovem www Jovem WWW poderia ter sido o comum, não fossem as circunstâncias que envolveram a sua vida
Existem algumas pessoas que nasceram na época errada; aprendemos na escola que Nietzsche, por exemplo, nasceu muito antes de seu tempo. No caso de WWW, porém, acredito que talvez ele tenha nascido depois do seu tempo. A estória que estou prestes a lhes contar fala deste pobre garoto e sua vida conturbada, através de e-mails que ele trocava com seu tio. Algumas outras informações de sua vida foram obtidas através da internet, em blogs e sites de relacionamento, além de algumas conversas obtidas no arquivo de seu comunicador pessoal.
S..., 12 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Sei que é um jeito estranho de começar um e-mail, mas a professora de redação mandou que a gente treinasse como se escreve uma carta para outra pessoa, porque, quem sabe, algum dia, a gente vai precisar mandar algo pelo correio. É, eu sei, é estranho imaginar a gente mandando coisas pelo correio, mas ela disse que “a gente recebe coisas pelo correio, logo, tem gente que manda. Nem tudo é internet na vida!”. Bom, de qualquer forma, a professora me pediu para iniciar uma comunicação por e-mails com alguém, e eu resolvi começar com você, tio. Colega de escola não podia e pais também não. Tinha que ser alguém distante. Meus avós não são muito chegados em computador e iam ficar uma vida para digitar um e-mail, então eu pensei: quem melhor do que o meu tio para me responder rápido? Ela mandou contar sobre o meu cotidiano e, especialmente para mim, aproveitar para contar sobre a escola, já que eu acabei de começar aqui. É, não sei se meus pais
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comentaram, mas eu comecei em uma escola nova, a A... O pessoal daqui é até que legal, mas é tudo playboy, sabe, aqueles riquinhos metidos. Todo mundo tem roupa de marca e aqueles XO130; fico sozinho meio perdidão lá no meio, com o meu velho XO125. Mas tudo bem. Aqui eles dividem as turmas em classes, também. Tem uma classe para os inteligentes e outra para os burros. Tá, eles não falam assim, mas essa é a verdade. Por enquanto, eu estou em uma sala de “adaptação”. Acho que isso quer dizer que eles precisam descobrir primeiro se eu sou burro ou inteligente antes de me colocarem. Ainda bem que não tem teste genético para isso. Bom, não sei mais o que falar.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 14 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., XO130 são aqueles óculos com imagem holográfica, acesso à internet, GPS, pacote de programas do Office, jogos, televisão, etc. etc. etc. O meu XO125 ainda não tem imagem holográfica, então eu fico que nem retardado vendo tudo na tela só, enquanto meus colegas jogam no meio da sala RPG online. É, eu sei, é uma droga. Ah, e se eu errar a ortografia de alguma coisa, me desculpe; o teclado virtual do meu XO125 tá tiltando de vez em quando. E estou na sétima série, tio. Estou com 12 para 13 anos. Sei que você não conversa comigo faz tempo, mas também não é tanto assim, né? E eu não sei em que classe estou ainda não, tio. Eles demoram um pouquinho para decidir. Tentaram fazer aquele teste bizonho das oito inteligências, mas parece que ainda tem que avaliar a gente um pouquinho. Ah, sim, e é verdade, tio. As escolas não são como da sua época. Meus pais me contaram como era. Tão estranho! Um monte de aluno na mesma sala. Ainda tem umas escolas tradicionais que fazem isso, porque eles dizem que serve pra
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“socializar” os alunos. Na Wikipédia diz que na África e alguns outros países ainda é assim. Putz! Tem também as escolas meio-termo, que colocam os alunos em várias cadeiras, uma do lado da outra, com um computador (ou, no caso dos mais ricos, o XO130) e o professor aparece na tela. São as classes semivirtuais. E tem por fim as escolas virtuais. O aluno fica em casa e usa o seu XO130 ou algum outro equipamento 3D que funcione e pronto. Você tem uma sala de aula na sua casa. Ah, sim, tem as escolas meio-termo com classes virtuais; fica todo mundo no mesmo lugar, mas numa sala virtual. A gente tem de perder um tempão indo pra escola pra ficar lá sentado, para fazer exatamente o que eu faria em casa, mas fazer o quê? A minha antiga escola era virtual, e eu preferia muito mais. Meus pais que resolveram me tirar e me colocar em uma escola meio-termo com classe semivirtual. É uma droga. Prefiro bem mais ficar em casa. Essas escolas meio-termo, depois da intervenção do MEC (pelo menos é o que diz no site e na Wikipédia), implantaram um negócio super-ridículo que chama “período da socialização ao vivo”. Pode um negócio desses? Fala sério. Depois escrevo mais, tio. A aula vai começar de novo. Ai, ai... Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 16 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Hoje é sexta, finalmente! A tortura para um pouquinho. Quer dizer, tem uns trouxas das classes especiais que vão fazer aula extra amanhã de manhã, mas eu ainda não tenho nada. Aliás, quem tem aula extra deveria ser da classe dos burros, não? Acho estranho gente esperta ter aula a mais. Mas enfim. Falando em diferenças de classes, tio, na sua época usavam teste de Q.I.? Tô olhando aqui na internet, que coisa estranha, não? Dizem que não serve para avaliar nada. Que pena, né? Acabei de fazer e tirei 176. Parece que isso é muito bom. Mas não sei, tem uma fonte do Google aqui dizendo que não dá mais para usar esse teste, porque os valores mudaram muito desde o século passado. Também, nem tinha internet no século passado, né, tio? Rsrsrs. (Eu posso por risos num e-mail?). Você achou estranha a estória das classes? Ah, espera um pouco, a aula vai voltar. Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 16 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., A aula tá 1 saco e 1 amigo meu me mostrou como burla o sistema de vigilância. Dá p/ eu continuar escrevendo o e-mail p/ vc. Vou escrever um poko rápido, então ignora o q o Outlook não corrigir dos erros. Enfim, vc achou estranho das classes, né? Engraçado, tio, achei q vc tivesse uma filha. Devia saber um poko + dessas coisas, né?De qqr forma Puuuuutz, tio, acredita? Estava terminando de escrever a última frase e a prof cortou meu e-mail no meio. Sorte que o Outlook salvou a tempo! Mas eu não lembro o que tinha no resto da frase. Agora já estou em casa. O período da socialização ao vivo é uma hora no dia que você tem para ficar em contato com os outros alunos da turma. Eles colocam um professor para ficar monitorando a classe e tentando estimular a gente a conversar um com o outro. Ao vivo! Pode? Olha só as doideiras que eles inventam!!! Não dá para acreditar, né, tio? Não preciso dizer que não dá muito certo. Mas sabe o que é o pior? Parece que, se você não conversa muito nesse período, eles te mandam para um psicólogo. Psicólogo, tio! E a sessão é ao
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vivo, ainda!!! Tem que ficar lá na sala por uma hora inteira toda semana conversando sobre a vida! Pode, tio? Então eu sempre me esforço pra conversar um pouquinho com os outros caras da minha classe. Na verdade, a professora já fica feliz se a gente combina ao vivo de jogar algum jogo online, então isso já basta. Ah, tio, tiltar é quando o teclado não funciona ou trava. Windows já existia na sua época, né? Deixa eu checar na Wiki... Ah, já existia, sim. E chamavam ainda de Ruindows, de tanto que travava! Hahaha! Tem coisa que não muda! Putz, posso por hahaha num e-mail? Eu já não perguntei isso ontem? Deixa eu ver no e-mail anterior... Ah, perguntei sim, mas foi 3 horas atrás. Tá bom, vou perguntar pra professora. Vou mandar uma mensagem para ela... Ela respondeu, tio. Posso usar risadas, sim. Mas ela pediu para escrever do jeito certo e parar de usar o corretor automático para eu aprender a escrever certo. Então, Ruindows, há-há-há. Que difícil. Prefiro “huasdhuasdhuasd”, mas enfim... E não vou parar com o corretor não. Bom, tio, vou jogar um pouco. Até mais! Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 19 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Puxa, tio, você demora para ler os e-mails, né? Sua resposta só chegou agora, às 23h32. Isso faz mal, sabia, tio? Tem que checar os e-mails o tempo todo! Você nunca sabe quando vão te mandar alguma coisa importante! Então, tio, não sabia que sua filha tava com a sua esposa lá na... Por isso que você não sabe muita coisa de escola, né? Tá explicado. Ah, tio, Wiki é Wikipédia. É mais fácil de escrever. Se eu disser WK também é Wikipédia. E não, não é WII, do videogame. E esse é antigo, tio! Tive de caçar no Google (GG) para achar. Levei dois minutos pra encontrar! Custou, viu? Você quer dizer então que eles dão as aulas especiais justamente para os inteligentes aprenderem mais? É, é um
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jeito de se ver. E você tirou 100 no seu teste de QI? Nossa, tio, que estranho! Tem certeza que não fez errado? Vou te mandar o link de novo: http://... E na sua época não existia essa coisa de socialização, porque vocês ficavam todos juntos no recreio? E ainda faziam bagunça na sala de aula? Putz, que coisa estranha! Depois você fala que o meu é estranho! Não vai me dizer que você gostou dessa coisa de socialização? Fala sério, ehm, tio! Ah, tio, já que você quer saber o que eu to aprendendo, vou te mandar em anexo as minhas aulas.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 20 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Acabei de entrar na sala virtual e descobri que estou na classe dos burros! Pode? Meu acesso agora tá bloqueado pras outras salas. Sofri um Downgrade, tecnicamente. Fala sério! De onde que eles tiram essa coisa de burro ou inteligente? Ai, odeio essa escola, tio. Será que se eu pedir meus pais não me trocam? Não quero ficar na classe dos burros. Tô revoltado. Vou postar no meu blog um abaixo assinado. Vou fazer um movimento aqui na net. Quem sabe consigo mudar de sala? Será que alguém já fez isso? Deixa eu ver aqui. Ah, teve um cara que conseguiu ser mudado de sala. Mas isso foi em 2030. Putz, ele teve que ir ao vivo pro tribunal. Levou um mês! Não acredito! Que lerdeza! Fala sério. Vou ficar aqui mesmo. Bom, vai começar a aula dos burros. De novo. Droga. Mando outro e-mail mais tarde. Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 22 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Como assim? O que você quer dizer com “não existem burros ou inteligentes, só classes mais adequadas para o aprendizado de cada um”? Isso parece minha mãe, dizendo que eu não sou gordo, que sou forte! Que coisa ridícula, tio! É isso mesmo. Eu sou burro, estou vendo. Mas não tem problema. A minha iniciativa no blog não deu muito certo. Eu até consegui as assinaturas, mas na hora em que fui mandar para a escola, não deram a menor bola. Tentei pesquisar para onde mandar, parece que tem alguma coisa no planalto, mas eu sempre vejo por aí que o governo é lento, então acho que não adianta. Mas tive uma ideia melhor. Pelo o que eu vi, se eu melhorar as notas, consigo mudar de turma. Meu pai sempre falou para eu ser o melhor, para seguir o exemplo dele. Ele sempre termina seus e-mails com “Tente sempre seu melhor”, desde que eu tinha 6 anos. Então, é isso que eu vou fazer. Meus colegas me falaram que tem um cara de uma turma dos burros do 1º colegial que está vendendo um remédio que faz a gente ficar mais inteligente. Não que seja novidade; tem um monte de gente que já usa por aí. Tem gente na classe dos inteligentes até usando chip. No vestibular não pode, porque é considerado doping, mas, durante a escola, parece que não tem problema.
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Então, de qualquer forma, eu perguntei para esse cara qual é a diferença desse remédio para o que vendem nas farmácias e que eu já tomo; ele falou que o das farmácias a indústria controla, para não deixar as pessoas tão inteligentes, ou algo assim, e que o dele é mais puro. Parece que funciona cinco vezes melhor do que o outro. Disse que dá para comprar e mandar entregar em casa. Acho que eu vou comprar. Afinal, isso é tentar o meu melhor sempre, né? Ah, sim, antes que você pergunte de onde eu vou tirar dinheiro, eu tenho bastante nos meus jogos online. Tem um bando de trouxas que com certeza vai querer comprar as minhas coisas lá e vai me pagar bastante por isso. Não se preocupe. Agora, o que você quis dizer com “brincar de polícia e ladrão”? É algum tipo de GTA ou coisa assim? É assim que vocês jogavam GTA sem videogame? Bom, tio, vou ver com o meu fornecedor. Depois te conto os resultados. Pelo jeito, só na segunda, porque você é muito devagar para responder.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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Pelo que conseguimos obter de outros dados aqui, o tio de WWW tentou entrar em contato com o seu irmão naquela sexta-feira, para comentar sobre o que o filho dele estava tramando. Entretanto, seu irmão estava em uma conferência na Rússia e só iria voltar na semana seguinte, sem tempo para acessar a internet e menos ainda para entrar em contato com o filho; sua cunhada, por sua vez, estava entretida demais com o outro casamento para querer saber do primeiro filho, e nem se importou com a ligação VoIP que ele fez, nem com as inúmeras mensagens que enviou. As informações seguintes que temos vem apenas de e-mails de WWW.
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S..., 26 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Já recebi os remédios e já estou tomando desde sextafeira, mas ainda não senti efeito. Ele disse que já estaria funcionando no domingo, mas, na verdade, parece que eu não melhorei em nada no meu desempenho. Fiz um outro teste de QI e tirei 176 de novo. Acho que não está funcionando. Vou esperar mais um pouco, e, se não der certo, vou realmente ver aquela ideia do chip. Este meu amigo disse que conhece um lugar onde eles implantam underground. A aula vai começar. Vamos ver se eu consigo ir melhor.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 26 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Putz, tio, pq eu tenho q ser tão burro assim, ehm? Eu não aguento mais isso! Fala sério. Parece q td mundo da classe tá indo melhor do q eu. To começando a ficar com raiva. E ainda tem uns idiotas q ficam me enchendo o saco por causa da nota q eu tirei na minha última redação, e só pq eu não consigo resolver uns cálculos. Acredita q eles fizeram greve no WoW e em alguns outros dos meus jogos online? Não tão dexando ninguém + comprar nd de mim, e ainda fizeram um grupo p/ me exterminar! Idiotas! Vou juntar uns otros e acabar c/ eles. Eles vão ver.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 26 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Agora eles tão me enchendo o saco na net. Já zuaram td o meu blog, myspace, FB, TT, Or... Ñ sei + o q fazer. To fazendo alianças ainda p/ exterminar eles no WoW. Vamos ver se eu consigo. Enqto isso, to tentando fazer o dever, mas ñ to conseguindo. Será q de repente vc consegue me ajudar, tio? Ai ai ai. Acho q vou tomar + um poko dakeles remédios lá. Qm sabe melhora. Se ñ der certo até 4ª, eu vou pedir p/ implantar o chip. Vou vender minhas ações do 2nd life.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 27 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Ai, pq a vida ñ pode ser q nem no 2nd life? Seria tão + fácil! Hj mandaram um vírus especialmente p/ meu XO125 e ele ficou uma hora s/ conseguir funcionar, e eu tive de usar o meu XO100 de emergência (pode? Meu XO100 DE EMERGÊNCIA!!!!!!) p/ entrar na net e pedir p/ 1 amigo meu do Canadá dar um sumiço no vírus. Por causa disso ñ consegui fazer a aula e vou ter de assistir a reprise + tarde. Droga! E, por enqto, nda de melhora. Q q eu faço, tio? Já tomei o dobro do q tinha q tomar antes e até agora não to + inteligente! Vou ver akela história do chip.
Com amor, de seu sobrinho, WWW.
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S..., 27 de fevereiro de 2035. Caro tio A..., Recebi um email do meu pai me perguntando se tava td bem se eu tava me adaptando à nova escola. Eu falei q ñ tava gostando q tava na classe dos burros e indo mal e ele falou q se eu quisesse ele me colocava de novo na minha escola antiga. Sabe o q isso qr dizer? Q até meu pai me acha burro! Até meu pai! Ai tio... Ñ sei o q faço.
WWW.
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S..., 27 de fevereiro de 2035. Tio achei a resposta. Tem um remédio q vai funcionar super. Amanhã tá td resolvido.
Até mais, WWW.
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Este foi o último e-mail de WWW. No dia 28 de fevereiro, quando seu tio abriu a caixa de mensagens e a encontrou cheia, com todas aquelas informações, ele decidiu correr para a casa de seu irmão e ver se estava tudo bem. No entanto, tudo estava trancado, e ele teve de chamar os bombeiros para arrombar a porta do apartamento. No interior do quarto do jovem, ele estava desfalecido na cadeira. Em cima da mesa, um pacote com uma caixa de medicamentos. Na tela do computador, todos os personagens de seus jogos online, mortos. O garoto foi levado para o hospital, mas já estava sem vida há bastante tempo. Restou ao tio acolher seu irmão e ampará-lo nesta situação. A estória ficou famosa; WWW perdurou por dois dias nos Trending Topics do Twitter. Depois, desapareceu por completo, deixando apenas alguns outros que seguiram seu exemplo.
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Este livro foi composto nas fontes Bree Serif (capa), Buda (títulos), Lavanderia (prefácio) e Gudea (textos). A impressão do miolo foi em papel Pólen 80g/m2 e da capa em Triplex 250g/m2, ambos em Pantone P 126-8U, na gráfica Pancrom, em São Paulo, março de 2013.
A
ntigamente, livro de 600 páginas podia ser “apresentado” ao leitor em uma pequeno texto – Mas hoje, o prolífico e multifacetado autor confia tanto no leitor que o mergulha em um poço profundo de ideias, pensamentos, invenções, e um caos gera de sua delirante imaginação, que o deixa naquele poço profundo de tanta coisa nesta série multicolorida de histórias, contos e ideias que, de caso pensado, o conduz a um tipo de confusão geral, que o deixa cada vez mais intrigado e tão curioso, que ele, o leitor, não pode parar de ler e de ficar cada vez mais envolvido naquela leitura assaz extraordinária. A inspiração delirante deste “delirante” autor, supermoderno, que desconfio que ele próprio se vê por vezes atrapalhado! Ixi! – sai da frente, leitor incauto – ou por outra não, sai não! Sai, mas é ganhando bons momentos, ou mesmo horas de leitura. E nem estranha quando num circo vários bichos mandam nos homens adestrados e as coisas, quaisquer coisas viram, desviram e se transfiguram em um piscar de olhos! E como piscam esses olhos do leitor! Como fazer justiça a tanto assunto, a tanta maravilha e mesmo a tantos “milagres”?! De que profundidade e/ou altura saca o autor tudo isso? (E acho que não é tudo, ele tem muito mais escondido aqui nesta manga). Esta pequena introdução não consegue dar conta de semelhante recado! Nadando de braçada... E invejando o leitor às voltas com este prazer e divertimento. Meus parabéns ao globalizado autor e os seus globalizados leitores. TATIANA BELINKY