FREDERICO FELLINI O gato branco com um olho de cada cor
PIKY CANDEIAS
FREDERICO FELLINI O gato branco com um olho de cada cor
Autora: Piky Candeias Ilustradores: AndrĂŠ Valle e Mauro Salgado
Coordenação Editorial Flavia Bastos Renata Polacow Juliana Ferreira
Dados
Internacionais de Catalogação na Publicação (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Candeias, Piky Fellini, o gato do olho bicolor / Piky Candeias ; [ilistrações de André Valle e Mauro Salgado]. -São Paulo : Evoluir, 2012.
Supervisão
1. Literatura infantojuvenil I. Valle, André. II. Salgado, Mauro. III. Título.
Fernando Monteiro Beatriz Monteiro da Cunha
Revisão
Bruno D’Abruzzo
Diagramação e Projeto Gráfico Juliana Ferreira
Ilustração
André Valle Mauro Salgado
12-11544
CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infantojuvenil 028.5
Evoluir Cultural Rua Girassol, 34, cj. 94 - Vila Madalena São Paulo - SP - CEP 05433-000 www.evoluircultural.com.br - evoluir@evoluircultural.com.br
(CIP)
Para Pituca, Fellini, Marcos Eagle, Belinha, João Pedro, Clarice, Antônio, Olívia, Frederico, Luisa, Manu e Léo Agradecimentos: tia Evelina (in memoriam), Flavia Bastos Monteiro, Alyne Azuma, Pedro Alexandre, Yone Sassa, Adote Um Gatinho e todos da Editora Evoluir.
Segunda-feira Eram onze horas da noite. Faltavam poucas horas para Frederico Fellini nascer. De dentro da barriga da mãe, ele podia ouvir o barulho dos carros na marginal. A família de Fellini, que ainda nem tinha nascido, era pobre. Eram gatinhos de rua, sem residência fixa, sem dono ou cuidados especiais. Mas gatos, além de doces, são espertos e precisam de pouco para sobreviver: um lugar alto para dormir, um pouco de comida e algo para afiar suas unhas. A família Fellini morava em telhados e jardins há muitos e muitos anos. E lá estava a Dona Marrom, toda marrom, deitada num muro todo verde (por causa das plantas), pronta pra ter a sua primeira cria.
Fellini estava ansioso para ver o mundo.
2
3
4
Terça-feira Às sete horas e vinte minutos, Fellini nasceu com mais quatro gatinhos, seus irmãos. Todos muito bonitinhos! Dona Marrom estava muito orgulhosa de seus filhotes. Respirou fundo e sentiu-se realizada.
- “Como é bom ser mãe!!!”, suspirou com um sorriso enorme no rostinho de gata. Bocejou, lambeu as patinhas e deitou-se para alimentar seus filhotes. Quando deu de mamar pela primeira vez, percebeu que quatro deles tinham o pelo marrom, assim como ela. Todos, menos um: Frederico Fellini. Fellini era todo branco, parecia um ratinho e tinha um olho de cada cor, um azul, outro amarelo. Dona Marrom fez carinho com a cabeça e lambeu Fellini com muito amor.
- “Que lindinho!! Como parece o pai! 5
Quarta-feira Fellini acordou cedo. Espreguiçou-se levantando todo o corpo, bocejou e saiu andando pelas ruas, conhecendo o bairro, a cidade, o mundo. Ficou encantado ao ver tantas cores: da grama, da rua, do sol, dos telhados.... Espantou-se com o barulho: dos aviões, da música alta, dos passarinhos, dos seres humanos e dele mesmo. E depois, com o barulho dos próprios irmãos, que, como ele, não paravam de miar, já que só tinham um dia de vida e estavam aprendendo a ser gatos.
E foi justamente nessa hora, quando notou os miados, que olhou para os quatro e percebeu outra coisa. 6
7
8
Só ele era branco!!! Fellini ficou tão assustado que os irmãos também se assustaram, talvez pensando a mesma coisa, que havia algum engano... Ao mesmo tempo todos arregalaram bem os olhos, os bigodes saltaram, os corpinhos se arrepiaram. Fellini abaixou a cabeça e chorou.
9
“Por que será que eu não sou da cor deles? Será que sou doente? Será que errei de família? Por que eles são marrons e eu branco?” - se perguntava. “Além de branco, você tem um olho de cada cor!” - disse o brincalhão Nino, para piorar as coisas. Fellini se olhou no miniespelho que estava no amontoado de lixo no canto do jardim e, de fato, tinha um olho azul e outro amarelo.
“Meu Deus!” – exclamou, colocando as patinhas no rosto.
10
11
12
Quinta-feira Mal os primeiros raios de sol iluminavam a família da Dona Marrom, os filhotinhos iam acordando e começando a mamar. Fellini ficou na ponta, perto do rabo de sua mãe, bem quietinho. Ouviu a mãe contar histórias do pai, dos avós, dos bisavós, mas nem prestou atenção. Estava encasquetado com a questão da cor do pelo e não conseguia pensar em outra coisa.
13
Fellini estava alimentado, mas se sentia muito mal, como um intruso, como alguém que não combinava com os gatinhos marrons. Ele estava tão confuso que até se perguntava se era mesmo um gato!!?...
Ficou triste, triste, triste. Achou melhor fugir, não incomodar mais aquela família, que ele agora cismava que não era sua. Fez uma trouxinha com um brinquedo, um saquinho de ração úmida e um cobertor. Colocou óculos escuros para esconder os olhos bicolores e chorou.
Partiu sem destino.
14
15
16
Sexta-feira Fellini saiu pelas avenidas de São Paulo, vendo o sol, alguns pássaros, e árvores bem altas. Ficou impressionado com a quantidade de carros. Eram umas máquinas muito rápidas. No primeiro quarteirão que tentou atravessar, um caminhão veio correndo tanto, mas tanto, que ele foi jogado para a calçada. Ainda bem que não se machucou. Ufa! Andou, pulou, pulou e correu.
17
Estava com fome. Sentou num cantinho - uma loja de instrumentos -, e abriu seu saquinho de ração sabor salmão. Comeu num minutinho. Deu saudades da mãe. Ele pensou em voltar pra casa. Olhou pra trás para rememorar o caminho... Quem disse que lembrava? Não lembrava de jeito nenhum.
Sentiu seu coração apertado e abraçou seu cobertorzinho imaginando que era sua mamãe e dormiu na rua.
18
19
20
Acordou no meio da madrugada com frio e faminto. Começou a fuçar o lixo na calçada pra tentar encontrar algum alimento... Nada! Uma lata de sardinha vazia, um copo velho e um monte de papéis. Não havia nada que Fellini pudesse comer. Ele sentou e chorou. Pouco depois, duas meninas andavam por ali.
“Olha, que gato lindo!!! Todo branco! Parece um coelho! Acho que ele foi abandonado! Coitado!” - disse uma delas, que era morena, igual à Dona Marrom, e a amiga, uma moça japonesa. Fellini pensou que nem era com ele, pois “gato lindo” era tudo o que ele não acreditava ser. A possibilidade de ser um coelho lhe parecia mais confortável. Mas não. Ele não era um coelho, e sim um gato branco com um olho de cada cor. E era para ele que as duas olhavam sem parar. Elas o pegaram no colo, colocaram-no numa caixinha e o levaram dali. Fellini só chorava e miava, pois queria voltar para perto da mãe. 21
Sábado Ainda estava escuro e Fellini devorava uma tigela de ração e tomava tanta água como se fosse um cachorro. As garotas o acolheram com muito carinho e às seis da manhã Fellini chegou num quintal cheio de gatos! Ele ficou perplexo. Eram milhares,. de muitas cores, jeitos, raças, tamanhos e temperamentos diferentes. Tinha gato preto, cinza, amarelo, ruivo, mesclado, tricolor, tigrado, com pelo longo, com pelo curto, com os mais diversos rostos.
E tinha gatos brancos! Fellini abriu um sorriso enorme e levantou o pescoço. Eram vários brancos! Como eram vários pretos e tigrados e mesclados e assim por diante. Ele percebeu que sua espécie é muito rica, que cada gato tem suas características, suas cores, assim como os homens, os cavalos, os coelhos, os elefantes, os macacos, enfim, todos os habitantes da Terra.
22
23
24
Fellini se encheu de felicidade. Ficou tão grato e emocionado que demorou a notar que um dos gatos brancos, além de branco, tinha um olho de cada cor. Aproximou-se devagar e, quando os dois se encararam, se cheiraram e trocaram alguns miados, o outro falou:
“Filho! Fellini! É você?” - miou surpreso e feliz o gatão. Fellini mal conseguia falar, seus pelos se arrepiaram, e ele foi se aconchegar debaixo do pai, sentido seu carinho e o alívio de saber que era, afinal, um gato como outro qualquer. Só depois ocorreu a ele perguntar : “Pai, que lugar é esse? Por que estamos aqui?” - “Aqui é um abrigo de gatos. Essas moças que pegaram você na rua são amigas e protetoras dos animais. Sempre que encontram um gato abandonado, o trazem pra cá. Dão comida e segurança até aparecer um dono que queira adotar um de nós. Aí nos levam.” - disse.
- “Eu saí de perto da sua mãe para buscar comida e acabei me perdendo pela cidade. Estava desesperado, na rua, sem comer, e as meninas me trouxeram” - contou. 25
Fellini ficou olhando, calado..... Concluiu que talvez não fosse mais rever a mãe, a não ser que tivesse muita sorte, mas preferiu não comentar esse pensamento triste e, por segundos, acreditou que seria até possível, pois sorte é o que não lhe faltara desde o dia em que nasceu, há quase uma semana!
“Quanta coisa aconteceu em uma semana” - suspirou e dormiu no colo de seu pai.
26
27
Domingo A vida era boa no abrigo dos gatos. De vez em quando rolava alguma briga, mas em geral os bichanos brincavam muito e arranhavam suas garrinhas nas árvores. Sentindo-se completamente integrado e feliz com a cor de seu pelo, Fellini corria de um lado para o outro e curtia seu pai. Domingo era um dia movimentado no abrigo. Muitas pessoas aproveitavam a folga do final de semana para escolher seus animais de estimação. Um casal muito simpático vinha chegando. A moça tinha os cabelos encaracolados e compridos, o rapaz era careca. Fellini gostou deles. E eles pareciamem ter gostado de Fellini também. Pegaram Fellini no colo e viram o pai. “Iguaizinhos! Incrível!” -– comentou ela. Mexeram com outros gatinhos, adoraram vários deles, mas no fim, ela falou: “Vamos levar os dois branquinhos com um olho de cada cor!”.
“Puxa, vou me mudar de novo!” - exclamou nosso herói, ansioso pelos próximos capítulos. - “Dessa vez com meu pai!”. - “Vou ter uma casa!” completou Fellini. Realmente a vida era generosa. E o melhor ainda estava por vir. 28
29
30
Segunda-feira Fellininho e Fellinão chegaram ao novo lar. Era muita felicidade. Uma casa grande, uma caminha limpa, um banheiro com areia de primeira, ração importada e donos carinhosos. Ai, ai... Os dois entraram saltitantes pela sala. Pulavam nas mesinhas, cômodas, prateleiras... Se lambiam sem parar. Nada mais faltava para pai e filho. Opa! Peraí! Faltava encontrar Dona Marrom. Onde ela estaria ? A brincadeira continuava. Agora nos arranhadores, nas redes, nos sofás. De repente, o gatão olhou bem para a janela. A orelhinha foi pra frente como quem está desconfiado de algo e seus olhos se encheram de lágrimas...
“Filho, você não vai acreditar! Acho que aqui é o jardim da sua mãe! Venha ver!”. E era mesmo! Corações disparados! “É ela!!!”. 31
Aquele jardim, que era o novo lar dos Fellini, era o jardim onde morava Dona Marrom e os outros filhotes, onde Fellinão morava antes, onde Fellini nasceu e deveria crescer. Nossa senhora! Os dois saíram voando pela porta da cozinha e chegaram à casa da família. “Que saudade! Quanta preocupação! Como estão?”. Todos se abraçaram, e o pai ficou maravilhado quando viu seus outros quatro filhotinhos, todos marrons. “Que cor linda vocês têm, são bonitos como a mãe”. Fellini abraçou, pela primeira de muitas vezes, seus quatro irmãozinhos, pois aprendeu que a diversidade de cores, raças e personalidades é a graça da vida.
E a família branca e marrom nunca mais se separou.
32
33
MINHA HISTÓRIA Eu sou a Piky. Ganhei esse apelido quando era um bebê e meus pais me chamavam de pequenininha. Já nessa época, tive meu primeiro contato com histórias. Todas as noites, antes de dormir, minha mãe contava uma história pra mim. Assim conheci “Branca de Neve e os 7 Anões”, “A Bela Adormecida”, “Cinderela”, aquela na qual o pezinho da formiga ficava preso na neve (era muito triste, eu ficava aflitíssima!) e várias outras, muitas criadas por ela mesma. Quando criança, fiz aula de música e gostava muito de compor coisas novas escolhendo as notas e escrevendo as letras das “canções”. Estudei a vida toda no mesmo colégio e minha matéria favorita sempre foi redação, tanto que acabei optando pela profissão de jornalista e me formei em 1994. Durante todos esses anos, escrevi muitos esboços; livros, peças, poemas e contos. Mas, auto-crítica que sou, morria de vergonha e não mostrava pra ninguém. Não escrevia nada há muito tempo, até que em 2005 adotei dois gatinhos carinhosos (Pituca e Fellini) que passaram a dividir comigo a casa e a vida. Eles foram abandonados na rua e resgatados por um projeto chamado
Adote um Gatinho (www.adoteumgatinho.com.br), com o qual colaboro hoje como assessora de imprensa voluntária. Criei um amor tão grande pelos meus gatos, que acabei me inspirando no Fellini (que de fato é um gato com um olho de cada cor) para escrever essa história, que, para o meu orgulho e felicidade, foi super bem recebida pela Evoluir Cultural. Nunca desista dos seus sonhos! Beijos e tudo de bom!
Piky
O livro conta a história do gatinho branco Frederico Fellini. Na história, ele sentia-se muito mal pois era diferente de seus irmãos marrons. Tinha um olho de cada cor e era branco. Abandonou sua família, fugiu e se perdeu. Até que um dia duas moças o acolheram e o levaram para um quintal cheio de gatos. Lá ele encontrou vários gatos diferentes e a partir daí começou a entender que cada um tem suas características. Fellini aprendeu que a diversidade de cores, raças e personalidade são a graça da vida.
Evoluir Cultural
Rua Girassol, 34, cj. 94 - Vila Madalena São Paulo - SP - CEP 05433-000 - Tel 11 3816 2121 www.evoluirsustentavel.com.br - evoluir@evoluircultural.com.br