O homem que achava que ia morrer em um dia de sol

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David Nordon Arte:

Gelson Salvador • �yco �aki • �runo PAstore • Lúcio do Nascimento E mais os jovens grafiteiros da zona sul de SP: Gabriel Crial, Julia, SDS, Daniel Casper, Rodrigo Ind e Vinicius Cabelo COLEçÃO

histórias contadas nos muros da cidade


que achava q m e ue om h ia O

dia de sol m u n er r r mo

São Paulo · SP Grajaú

O bairro Grajaú fica na Zona Sul da cidade de São Paulo. Foi nessa região, no Parque Lago Azul, percorrendo muros do bairro próximo à represa Billings que este conto foi realizado. O projeto contou com a parceria de instituições locais.


Os �ontos de Fadas,

ou fábulas,

consagrados por abordarem questões culturais e transmitidos de geração para geração são um grande sucesso até hoje. Com o passar dos anos, porém, têm o desafio de tornarem-se atuais. Por isso, deixe de lado o que quer que já tenha ouvido falar. David Nordon apresenta os personagens como pessoas comuns em situações inusitadas. Aqui, o protagonista poderia ser você ou seus familiares, contando histórias que aconteceram no seu bairro ou na sua escola. O Projeto teve ações nos muros de escolas, ruas e instituições que receberam os grafites sobre as histórias criadas no faz-de-conta! Leia e surpreenda-se com esses Contos de Fadas Urbanos.



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ntre as diversas pessoas que eu tive o (des)prazer de conhecer, por culpa de um chato de um amigo meu, foi o assim chamado

“homem que achava que ia morrer num dia de sol”. Como, de-

pois de um tempo, ninguém mais sabia seu nome, referiam-se a ele por essa antonomásia e chamavam-no, pessoalmente, de senhor (porque

ninguém, depois de certo ponto, queria muita proximidade com ele). Mas o que demônios aquele ser fez para merecer isso? Ninguém sabe. Tudo o que sabemos sobre o caso foi contado em uma “roda de calçada”, com um isqueiro a fingir-se de fogueira. Era mais ou menos assim: 5


Até um certo dia, ele era uma pessoa completamente normal. Estava feliz com a sua esposa, suas duas filhas — uma já na faculdade de Administração, a outra fazendo colegial em uma das melhores escolas do país —, o filho servindo o exército (servindo à nação!); feliz com a sua casa de dois andares em um dos bairros nobres de São Paulo. Eu me lembro de que uma vez, em especial, fui à sua casa, antes dele ficar louco. Ele adorava o jeito que o sol batia através das janelas pela manhã, iluminando a casa inteira. Triste ironia do destino, justamente o sol que viria a matá-lo… Mesmo assim, ele era muito feliz, até o dia em que completou cinquenta anos. Logo que acordou, com o sol batendo forte em seu 6


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rosto, encasquetou que iria morrer em um dia de sol. Mandou que fechassem todas as cortinas e ficou o dia inteiro na cama, recusandose a sair, achando que ficar em casa, deitado, era o modo mais seguro de tocar a vida, uma vez que não podia acontecer absolutamente nada com ele lá. Todo mundo achou que era só mimo, coisa de gente que acabou de perceber que provavelmente chegava à metade da vida. Uma espécie de crise de meia-idade, instantânea pelo dia do aniversário. Acharam até divertido fazer a festa em um quarto, pensando que tudo pudesse passar no dia seguinte, como amor de verão.

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No entanto, estava mais para terror de verão. A crise prolongou-se e, em vez de momentânea, todo mundo passou a dizer que era verdadeira, ou pelo menos, de uma instantaneidade prolongada. Todo dia, ele pedia para que a empregada abrisse uma frestinha da janela, olhasse para fora e visse se estava sol ou não. Se estivesse, ele não saía da cama; ficava o dia inteiro lá, comendo, assistindo à televisão, especialmente a programas de auditório. E logo passou a saber tudo de tudo sobre as novelas. Como seu chefe também achou que fosse só uma crise temporária, algo que não durasse mais que duas semanas, e ainda, porque havia 11


sido um ótimo funcionário na empresa, durante quase trinta anos, ele deixou que o “homem que achava que ia morrer num dia de sol” tirasse um mês de férias remuneradas. Sua filha do colegial achava até divertido, ainda mais porque o pai não saía do quarto. Então não podia ficar opinando sobre os seus namorados, mas a filha da faculdade e a esposa estavam inconformadas. A primeira achava que ele precisava de um médico, a segunda tinha certeza de que era só capricho. E o cachorro achava ótimo ficar o dia inteiro na cama comendo as guloseimas surrupiadas. Mesmo assim, todo mundo achou melhor esperar que a crise passasse. Mas ela não passou. Estendeu-se por um ano, no qual ele só saíra de 12


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casa 36 vezes e meia (uma vez o sol surgira do nada, e ele voltou correndo). Nestes dias, sua vida era completamente normal, como sempre fora, antes do dia do seu aniversário. Mas era só sair o sol e pronto, ele ficava com um mau humor terrível. Pouco depois de completar 51 anos, eu fui visitá-lo e lhe perguntei o que se passava. — Tive um sonho e tenho certeza absoluta de que eu vou morrer em um dia de sol.

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— Mas... Senhor... Veja bem... Todo dia é dia de sol. A única diferença é se tem nuvem, ou não, na frente dele! — Mas mesmo assim! Meu sonho foi bem claro! Era um dia de sol, sem nuvem nenhuma! Por isso eu não posso sair da cama! Eu não sei como eu morri, eu só sei que eu morri, e que tinha sol! Resolvi entrar no jogo, então. — Tudo bem... O senhor tem certeza de que vai morrer em um dia de sol. Já pensou, então, que o Brasil não é o melhor lugar para se ficar? Que tal ir para a Inglaterra? Lá 17


você deve ter dois ou três dias de sol por ano, só. — Hum... Ele pareceu gostar da ideia e, em poucos dias, a família inteira se mudava para lá, onde todos voltariam a ter uma vida completamente normal. Ele viveu muitos outros anos assim, escondendo-se, nos raros dias em que não estava chovendo no Império Britânico. Até que, em uma certa noite, quando estava em

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sua cama, comendo torta de rim de veado e vendo a bilionésima reprise do casamento do príncipe Harry, um ataque cardíaco fulminante o acertou, não dando nem chance de ele retrucar. — E sabem o que é o pior de tudo, meus amigos? — disse eu, enquanto contava a história para eles; o fogo do isqueiro tremeluzindo já, ameaçando apagar. — O quê? — O céu logo acima estava completamente limpo e brilhante, todo estrelado, prometendo um lindo dia de sol na manhã do dia seguinte... E eu juro para vocês que isso é verdade. 23


E, assim, morreu o “homem que achava que ia morrer num dia de sol”, como muitas coisas morrem hoje em dia — por antecipação.

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grajaú ensolarado A Coleção Contos de Fadas Urbanos é composta por seis histórias, ilustradas em três comunidades do Rio de Janeiro e três de São Paulo. Foram muitas pessoas, instituições locais e artistas envolvidos e interessados em incentivar a leitura e a vivência de cada um dos livros. Este conto foi realizado no Parque Lago Azul, no Grajaú, Zona Sul de São Paulo. Reunimos quatro artistas e cinco grafiteiros para criamos as ilustrações. Um dos artistas desenhou o personagem principal e os demais foram criando os cenários. Depois fomos visitar o Parque Lago Azul, paisagem fascinante, pertinho da represa. Conversamos com os proprietários dos muros e mãos na tinta! 27


Bruno Pastore escritor, agente cultural e emancipador intelectual. Desde 2004, desenvolve intervenções urbanas. Atualmente, media encontros em instituições de São Paulo e publica seus escritos no blog Documentos Para um Estudo da Alma.

Gelson Salvador, grafiteiro há mais de dez anos, artista multimídia e Arte Educador com licenciatura em Artes Visuais. Ministrou palestras para cursos superiores em Artes Visuais e Design de Moda e atividades em escolas. Atualmente, ministra oficinas de arte em parceria com instituições, que utilizam a arte como meio de transformação social.

Ayco, ingressou nas artes através do contato com a “pixação”, formando seu olhar mais poético e político. Desde 2006, pinta pela cidade, trazendo sentimentos materializados em imagens. Multiplica suas experiências com adolescentes e crianças em oficinas de Graffiti e Arte, e produz em uma residência artística.


Fizemos a ação em um domingo ensolarado, com muitos moradores e som ao vivo! Contamos a história para as crianças que assistiam a pintura e fomos construindo passo a passo este livro-vivo. Um livro-vivo são imagens e histórias em espaços urbanos. Fazem com que pessoas participem desta narrativa e possam (re)contá-las e vivê-las no seu dia a dia.

Lucio Nascimento, grafiteiro, empreendedor social, atua em projetos sociais desde 2004. Envolvido com empreendimentos sociais, utiliza ferramentas e tecnologias para incentivar e fomentar jovens a criarem seus próprios empreendimentos.


DAVID NORDON | autor Começou a escrever pequenos jornais aos 9 anos e seu primeiro livro veio aos 14 anos. Desde então, não parou mais. Hoje já passa de uma dúzia de livros publicados. Equilibra sua profissão de médico com seu hobby — uma "hobbissão" — de romancear crônicas, contar romances, cronicar contos e trançar rimas — os limeriques, seus favoritos! Por seu trabalho literário, David já ganhou o 2º lugar do 5º Concurso Literário Ben Gurion (2010).

Gabriele VALENTE | co-criadora Empreendedora social, artista-educadora da alegria, animadora de redes, idealizadora do movimento Liberte seus Sonhos e engajada na construção de novos paradigmas para a educação.

MARIANA FARCETTA | co-criadora Artista-educadora, movida pelo desejo de viver um mundo mais humano, colorido e menos excludente. Desde 2004, atua nas áreas da educação e saúde, tendo a arte como instrumento interdisciplinar para novas relações e saberes.


Editora Evoluir Título Original

O homem que achava que ia morrer em um dia de sol

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Autor

David Nordon

Coordenação editorial

Chico Maciel, Fernando Monteiro e Flávia Bastos

Produção

Gabriele Valente e Mariana Farcetta

Nordon, David O homem que achava que ia morrer em um dia de sol / David Nordon. — São Paulo : Evoluir, 2014. — (Coleção contos de fadas urbanos). Vários ilustradores. 1. Contos — Literatura infantojuvenil I. Título. II. Série.

Arte (graffitis)

Gelson, Salvador, Ayco Daki, Bruno Pastore, Lucio do Nascimento

Ilustrações

Profª Juliane Karin Pfersich e alunos da sexta série da EMEF Leonardo Villas Boas

Parceiro

CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)

Fotografias

Daniela Pinheiro

Projeto gráfico

Gisela Dias e Chico Maciel

Diagramação

Gisela Dias

Letterings e capa

Fernanda Machado e Guilherme Reis

Revisão de texto

Lilian Rochael

ISBN 978-85-8142-053-0 14-12042 CDD-028.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura infantojuvenil 2. Contos : Literatura juvenil

028.5 028.5

Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.

Evoluir Cultural · FBF Cultural Ltda. Tel: (11) 3816-2121 · evoluir@evoluircultural.com.br www.evoluircultural.com.br · facebook.com/evoluircultural Rua Aspicuelta, 329 · Vila Madalena, São Paulo-SP · CEP 05433-010


Papel capa Papel miolo Fonte Edição Tiragem Impressão

Diamond telado 180g/m2 sobre papelão 18 Offset 120g/m2 Duper OT, LunchBox e Whitney 1ª edição, novembro de 2014 1.200 (segunda impressão, maio de 2015) XXX

Esta obra é licenciada sob uma Licença Creative Commons 4.0 Internacional que permite que você faça cópias e até gere obras derivadas, desde que não as use com fins comerciais e que sempre as compartilhe sob a mesma licença.



Você já pensou na forma de sua morte? E se vai estar frio ou quente quando isso acontecer? A obstinação na certeza do personagem desta trama, que iria morrer em um dia de sol, o fez mudar para a Inglaterra, por conta do clima no país. Com muito humor, o escritor leva seus leitores a um universo inusitado e promove uma discussão sobre “manias” e “esquisitices” do ser humano. projeto

realização

contosdefadasurbanos.com.br


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