David Nordon
Arte:
Gelson Salvador • �yco �aki • �runo PAstore • Lúcio do Nascimento Além da professora Juliane Karin Pfersich e alunos da 6a série EMEF Leonardo Villas Boas Parceria: CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)
COLEçÃO
histórias contadas nos muros da cidade
o Ma go
e
osa R a
São Paulo · SP Campo Limpo
O conto O Mago e a Rosa ganhou vida nos muros e arredores da EMEF Leonardo Villas Boas, no bairro de Campo Limpo, zona sul da cidade de São Paulo. O projeto que coloriu o bairro contou com a participação dos alunos da escola e com a parceria do CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes), e de artistas da região.
Os Contos de Fadas,
ou fábulas,
consagrados por abordarem questões culturais e transmitidos de geração para geração são um grande sucesso até hoje. Com o passar dos anos, porém, têm o desafio de tornarem-se atuais. Por isso, deixe de lado o que quer que já tenha ouvido falar. David Nordon apresenta os personagens como pessoas comuns em situações inusitadas. Aqui, o protagonista poderia ser você ou seus familiares, contando histórias que aconteceram no seu bairro ou na sua escola. O Projeto teve ações nos muros de escolas, ruas e instituições que receberam os grafites sobre as histórias criadas no faz-de-conta! Leia e surpreenda-se com esses Contos de Fadas Urbanos.
4
E
ra um dia de chuva muito forte, quando ele apareceu à minha porta; do lado de fora, praticamente nada era visível, mesmo quando os raios cortavam os céus.
— Tem alguém em casa? Por favor? — chamava o homem. A luz estava acesa. Abri apenas uma pequena fresta, imaginando ser um ladrão ou algo do gênero. — Quem é você? — perguntei. — Sou um andarilho e moro nas ruas... Mas hoje está chovendo demais e gostaria de pedir para ficar em sua casa, pelo menos até a chuva diminuir.
5
6
Encarei-o: era velho, barbudo e sua roupa, encharcada, estava toda rasgada. Carregava uma surrada mochila com seus poucos pertences. — Já fui recusado em três casas... Por favor, não seja a quarta a me recusar! De algum modo, a sua face bondosa e o seu jeito de pedir me deram dó e o acolhi. Ofereci-lhe a ducha para que tomasse um banho e dei-lhe algumas roupas de meu ex-namorado. Depois, servi-lhe um pouco da sopa que iria jantar e dividimos a mesa.
7
Mais bem tratado, o homem tinha uma aparência completamente diferente; deixara a barba rente, os cabelos penteados; estava com o rosto, finalmente, limpo e agora, não se mostrava tão velho quanto antes parecera; deveria beirar os cinquenta. — Muito obrigado, senhorita — disse ele. Que tipo de pessoa ainda fala senhorita? — Em retribuição à sua hospitalidade, vou lhe dar um presente. Afirmei que não precisava, mas de nada adiantou. O velho senhor se levantou, tirou um chapéu preto enfeitado com símbolos prateados, pontudo, semelhante ao de magos de desenhos, colocou-o na cabeça e pronunciou algo que eu não entendia.
8
Subitamente, um vaso de flores apareceu sobre a mesa.
9
Continha algo em torno de noventa rosas, sendo que vinte e duas delas estavam mortas, uma estava aberta e as outras eram meros botões. — Que lindo! — comentei. Se tirasse as rosas mortas, realmente ficaria muito bonito quando desabrochassem. — Como você fez isso? — Não importa. Isto aqui é o vaso da sua vida — informou o mago — As rosas mortas indicam quantos anos de vida já foram, e os botões, quantos lhe restam. Mas cuide bem deles; se eles morrerem, você perde anos de vida como consequência. Está vendo este botão, já amarronzando? — Sim.
10
— Este é um ano de vida que você está gastando desmotivadamente. — Você bebe? — indagou, olhando para o armário de bebidas. — Apenas ocasionalmente! — nunca liguei muito para isso, mas mudei um pouco depois de começar a namorar o meu ex, já que ele gostava. — E fuma? — questionou, olhando para o cinzeiro. — Não mais que um maço por dia! — defendi-me. — É melhor parar.
11
— O que é você, o mago da boa saúde? Ele não respondeu. Simplemente dirigiu-se para a porta. — Espero que aproveite o seu presente — comentou — Se cuidar bem dele, ainda lhe restam... 75 anos de vida. O homem abriu a porta e dirigiu-se para fora. Um guarda-chuva surgiu do nada em suas mãos. — Muito obrigado pelas roupas, pelo delicioso jantar e pela adorável companhia — despediu-se, enfim, saindo — Espero que nos encontremos no futuro.
13
Encarei o vaso; o que era aquilo? Para testar, acendi um cigarro; depois outro, outro e mais outro. E, repentinamente, pude ver — se bem que não tenho certeza, ainda, se foi impressão ou não — um minúsculo filamento da pétala do botão já envelhecido retorcendo-se. Arremessei o maço para longe. No dia seguinte, desfiz-me das bebidas e passei meu domingo pensando no que poderia mudar na minha vida para poder viver mais.
14
Mudei de emprego, comecei a usar bicicleta em vez de carro e a fazer exercícios regularmente. Cortei as gorduras e os doces, comecei a comer salada e frutas e a seguir uma dieta perfeita. Todo dia regava as rosas e cuidava bem delas. O único problema é que me estressava ao ver o vaso envelhecer. Não importava o que eu fizesse, ele continuava, cada dia mais, a aparentar as marcas do tempo e da idade.
15
16
Para conseguir ter as noites de sono tranquilo que eu deveria ter, comecei a tomar soníferos. Depois, para me acalmar por causa do nervosismo de combater a ação do tempo no vaso, pedi antidepressivos. Quando o segundo botão morreu, não suportei mais. Tirei o vaso da cozinha e o escondi no sótão. Alguns dias depois, passei a sentir uma dor terrível por todo o corpo. Sentia-me péssima, abatida, mal conseguia me mexer. Cheguei ao ponto de não conseguir levantar da cama por horas. Ao me olhar no espelho, estava pálida, com olheiras profundas; não sabia o que estava acontecendo.
17
Depois que um médico veio me visitar e disse que, realmente, não tinha a menor ideia do que eu sofria, eu me dei conta do que era: o vaso. Pedi a ele que fosse até o sótão, e trouxesse para o meu quarto um vaso de rosas que havia deixado lá; ele as trouxe, e pedi que as regasse; estavam todas secas, mesmo as que nem haviam desabrochado. Pouco depois, já me sentia melhor. Do mesmo modo, as flores recuperaram a sua cor.
18
19
— É impressionante — comentou ele. — Sua aparência mudou de repente! — Acho que os remédios que tomei estão fazendo efeito — desviei — muito obrigada, doutor. No final, deixei o vaso em minha cozinha, onde podia tomar sol e eu nunca me esqueceria de regar. O tempo foi passando. Comecei a observar que, conforme coisas ruins aconteciam no mundo ou na minha vida, mais as rosas se estragavam. Quando algo de bom acontecia, as rosas envelheciam mais devagar ou, às vezes, até rejuvenesciam.
20
Um dia, no entanto, quando estava caminhando de volta para casa, com algumas compras, vi algo estranho do outro lado da rua: as rosas que estavam na minha janela secavam loucamente e as outras sessenta e tantas, que ainda estavam vivas, passavam do vermelho para o marrom, em um piscar de olhos, e suas pétalas já caíam. Corri para o outro lado e a última coisa que vi foi...
21
OO
mago depositou a caneta sobre a mesa e olhou para os escritos em suas mãos.
Um caminhão. A última coisa que ela viu foi o caminhão da floricultura passando. Intitulou o texto de “A moça e as rosas” e depositou o envelope com as duas folhas de papel grampeadas, em uma caixa de correio. Em seguida, levantou-se e pegou um chapéu de coco e um guarda-chuva.
22
23
24
Caminhou lentamente pelo cemitério até um túmulo que achou apropriado e, sobre este, depositou um buquê de rosas. Até agora eu ainda me pergunto... Ela morreu, porque foi atrás das rosas ou as rosas morreram, porque, inevitavelmente, ela iria até elas? Não sabia. A chuva piorou. Precisava achar mais uma casa para passar o tempo, até que pudesse, mais uma vez, andar por aí.
25
26
Onde a mÁgica Aconteceu A Coleção Contos de Fadas Urbanos é composta por seis histórias, ilustradas em três comunidades do Rio de Janeiro e três de São Paulo. Foram muitas pessoas, instituições locais e artistas envolvidos e interessados em incentivar a leitura e a vivência de cada um dos livros. Esse conto foi ilustrado no Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, em parceria com o CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes) e EMEF Leonardo Villas Boas. Reunimos quatro artistas , uma professora de Arte e alunos da 6ª serie da EMEF durante três aulas na escola. Fizemos a leitura do conto e nos dividimos em grupos. Cada grupo ficou com uma parte do livro e responsável por criar uma cena desenhada.
Bruno Pastore escritor, agente cultural e emancipador intelectual. Desde 2004, desenvolve intervenções urbanas. Atualmente, media encontros em instituições de São Paulo e publica seus escritos no blog Documentos Para um Estudo da Alma.
Gelson Salvador, grafiteiro há mais de dez anos, artista multimídia e Arte Educador com licenciatura em Artes Visuais. Ministrou palestras para cursos superiores em Artes Visuais e Design de Moda e atividades em escolas. Atualmente, ministra oficinas de arte em parceria com instituições, que utilizam a arte como meio de transformação social.
Lucio Nascimento, grafiteiro, empreendedor social, atua em projetos sociais desde 2004. Envolvido com empreendimentos sociais, utiliza ferramentas e tecnologias para incentivar e fomentar jovens a criarem seus próprios empreendimentos. Ayco, ingressou nas artes através do contato com a "pixação", formando seu olhar mais poético e político. Desde 2006, pinta pela cidade, trazendo sentimentos materializados em imagens. Multiplica suas experiências com adolescentes e crianças em oficinas de Graffiti e Arte, e produz em uma residência artística.
Fizemos um grande painel em um muro próximo a EMEF, para que os alunos pudessem brincar com este grande livro-vivo. Um livro-vivo são imagens e histórias em espaços urbanos. Fazem com que pessoas participem desta narrativa e possam (re) contá-las e vivê-las no seu dia a dia. Também criamos cartões postais para a história e preparamos os desenhos para o dia da pintura! As crianças puderam pendurar seus cartões em árvores na praça. O evento contou com intervenções teatrais da galera do CITA e os artistas reproduziram no muro os painéis criado pelas crianças!
DAVID NORDON | autor Começou a escrever pequenos jornais aos 9 anos e seu primeiro livro veio aos 14 anos. Desde então, não parou mais. Hoje já passa de uma dúzia de livros publicados. Equilibra sua profissão de médico com seu hobby — uma "hob-
bissão" — de romancear crônicas, contar romances, cronicar contos e trançar rimas — os limeriques, seus favoritos! Por seu trabalho literário, David já ganhou o 2º lugar do 5º Concurso Literário Ben Gurion (2010).
Gabriele VALENTE | co-criadora Empreendedora social, artista-educadora da alegria, animadora de redes, idealizadora do movimento Liberte seus Sonhos e engajada na construção de novos paradigmas para a educação.
MARIANA FARCETTA | co-criadora Artista-educadora, movida pelo desejo de viver um mundo mais humano, colorido e menos excludente. Desde 2004, atua nas áreas da educação e saúde, tendo a arte como instrumento interdisciplinar para novas relações e saberes.
Editora Evoluir Título Original
O mago e a rosa
Autor
David Nordon
Coordenação editorial
Chico Maciel, Fernando Monteiro e Flávia Bastos
Produção
Gabriele Valente e Mariana Farcetta
Arte (graffitis)
Gelson, Salvador, Ayco Daki, Bruno Pastore, Lucio do Nascimento
Ilustrações
Profª Juliane Karin Pfersich e alunos da sexta série da EMEF Leonardo Villas Boas
Parceiro
CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)
Fotografias
Daniela Pinheiro
Projeto gráfico
Gisela Dias e Chico Maciel
Diagramação
Gisela Dias
Letterings e capa
Fernanda Machado e Guilherme Reis Machado
Revisão de texto
Lilian Rochael
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nordon, David O mago e a rosa / David Nordon. — São Paulo : Evoluir, 2014. — (Coleção contos de fadas urbanos) Vários ilustradores. 1. Contos — Literatura infantojuvenil I. Título. II. Série. ISBN 978-85-8142-054-7 14-12041 CDD-028.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura infantojuvenil 2. Contos : Literatura juvenil
028.5 028.5
Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.
Evoluir Cultural · FBF Cultural Ltda. Tel: (11) 3816-2121 · evoluir@evoluircultural.com.br www.evoluircultural.com.br · facebook.com/evoluircultural Rua Aspicuelta, 329 · Vila Madalena, São Paulo-SP · CEP 05433-010
Papel capa Papel miolo Fonte Edição Tiragem Impressão
Diamond telado 180g/m2 sobre papelão 18 Offset 120g/m2 Duper OT, LunchBox e Whitney 1ª edição, novembro de 2014 1.200 (segunda impressão, maio de 2015) XXX
Esta obra é licenciada sob uma Licença Creative Commons 4.0 Internacional que permite que você faça cópias e até gere obras derivadas, desde que não as use com fins comerciais e que sempre as compartilhe sob a mesma licença.
Uma delicada história entre o mago e a moça que gostava de rosas. No decorrer do diálogo entre ambos, ocorre uma saudável transformação na menina. Será que o mago tem alguma influência nessas mudanças? Um desfecho surpreendente encerra a história deste conto, escrito por David Nordon.
projeto
realização
contosdefadasurbanos.com.br