É com muita alegria que apresentamos “No Balanço da Maré”, um lindo livro de poesias que chega em suas mãos graças à parceria com a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), através do Edital de Apoio à Coedição de Livros de Autores Negros. A leveza e o encantamento das cores, formas, sons que só a natureza nos proporciona são elementos escolhidos pelo autor Julio Cesar da Costa para descrever seus poemas. O projeto gráfico ganha força com o talento e a sensibilidade do ilustrador Edson Ikê. Esta coletânea de 18 poemas relacionados à temáticas ambientais e culturais da região da Mata Atlântica pretende encantar você, leitor, e levar conhecimento e diversão a todos. Uma boa viagem pelo mundo da cultura e da biodiversidade!
06 A corrida 08 Beija-flor 09 Borboleta amarela 10 Araรงari e tucano 11 Peixe branco 12 Cavalo marinho 14 Garรงa bailarina 16 Mamangava 18 Tece aranha 19 Urubu 20 Vaga-lume 21 Tartaruga 22 O gafanhoto canhoto 23 O besouro 24 O elefante que queria voar 26 O saibiรก sabia 27 O sapo 28 Metamorfose
A CORRIDA Caranguejo diz que corre muito mais do que o Siri; enquanto a Maré escorre, vamos todos conferir. Saíram da praia: na frente o Siri. Pararam na areia: só para se exibir. Caíram na água, nadaram de lado; de onde deu para ver, estavam emparelhados. Aí foram para a estrada: daqui quase não vejo. Gritou uma gaivota: — Tá dando Caranguejo! Rodearam na mata, um pé de cambuci¹. E quando voltaram: na frente o Siri.
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Rumaram para o mangue, ao vento e à poeira. Foram tão rápidos, como um relampejo. Chegaram na vila, além da porteira, e quem que vencia? Era o Caranguejo! Pularam no rio e foram paro o fundo. Passaram na pedra, os dois, assim juntos. Por caridade, então, eu pergunto: será que tem um corredor, igual a esses no mundo?
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BEIJA-FLOR Beija-flor e folha seca, só os dois param no ar, não existe um só cisco que ele não possa enxergar. Beija-flor e folha seca, só os dois voam para trás, e voar assim bonito nenhum outro é capaz.
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BORBOLETA AMARELA Borboleta amarela que não sabia voar, fez morada lá na serra no meu pé de araçá2. Deu vento em uma tarde que deitou o bambuzal, borboleta foi jogada como nunca vi igual. Quando observou estava voando como cisco no céu, suas asas iam guiando com a leveza de um véu. E a brisa que é ligeira, e a tudo descabela, contou-lhe como um segredo: — Borboleta amarela, se tens asas para que o medo?
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ARAÇARI 3 E TUCANO Quem é mais bonito: araçari ou tucano? Todos os dois têm penas tão lindas e o bico plano. Voa baixo araçari, suas cores a tudo infesta, sobre folhas do açaí colorindo a floresta. Quem é mais bonito? É o tucano ou o araçari? Todos os dois têm dois dedos para frente, dois dedos para trás. 10
Tucano-do-bico-roxo, tucano-do-bico-preto, tucano-bico-castanho, tucano-minas gerais... Araçari-banana, araçari-mulato, araçari-miúdo, araçari-marfim.
PEIXE BRANCO Peixe, peixinho branco, nadando franco, na flor do rio! Foge peixinho branco que a garรงa alta, ela jรก te viu! Pula no entardecer. Desse jeito a garรงa nรฃo vai te ver. Nada para a correnteza. Mas que beleza: ela jรก sumiu. Peixe, peixinho branco, nadando franco, na flor do rio.
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CAVALO MARINHO Eu quero montar em um cavalo marinho, cavalgar nessas terras do fundo do mar, encontrar as sereias pelo meu caminho e com elas dançar, cantar e cirandar.
A correnteza me leva e a onda me solta; só sei que sozinho não sei navegar. Rodeado de botos eu fiz minha escolta, sou fragata plainando sozinho no ar.
Eu quero passear com um bando de arraias, dançando e rindo nas costas do mar, remedar as gaivotas no meio das praias e com elas brincar, dançar e voar.
Eu quero montar em um cavalo marinho, cavalgá nessas terras do fundo do mar; encontrar as sereias pelo meu caminho, e com elas dançar, cantar e cirandar!
Não deixe que a mágoa sufoque seu sonho, porque de tristeza nem quero falar. Mas, se for de alegria eu proseio risonho, pois, se for dessa forma, nunca vai se acabar.
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GARÇA BAILARINA A garça quer ser bailarina, dançando na beira de um rio. O vento todo dia a ensina um salto com um rodopio. A garça quer ser bailarina, dançando de frente à maré. O sol todo dia a ensina um giro na ponta do pé. A garça quer ser bailarina, dançando na praia de areia. A onda todo dia a ensina, um salto com virada e meia.
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MAMANGAVA 4 Mamangava é uma abelha. Mamangaba não faz mel. Sua ferroada é uma centelha, amargosa como fel. Um ovo de mamangava, é tão difícil de achar. Eu vi uma mamangaba na flor do maracujá. E saiu voando baixo, como um negro avião. E depois pousou no cacho da flor de um jacatirão4 . 16
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TECE ARANHA Tece aranha sua teia em um magnífico tear. Entre tramas feito rendas, mãos de damas entre fendas prontas para apanhar. Sente o vento, pega o orvalho, hábil e lento. É o seu trabalho: sonhos de arquitetar. 18
URUBU Urubu fez festa quase lá no céu. Voa, de um lado a outro sem bater as asas. Voa sobre as casas, rios e montanhas. Quando está no alto, nunca ele esta só.
Quando está na terra, não tira o paletó. Voa muito alto, mais que uma pipa feita de varetas, linha e carretel! Urubu fez festa quase lá no céu. 19
VAGA-LUME Vaga-lume chorou, vaga-lume chorou. Em uma noite sem lua bateria acabou.
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TARTARUGA Tartaruga foi comprar farinha, para fazer um peixe com pir達o. Saiu de casa bem de manh達zinha, e s坦 voltou com a escurid達o.
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O GAFANHOTO CANHOTO Um gafanhoto canhoto comendo das folhas todo o broto. Com seus joelhos t達o altos, t達o altos... Fugindo, fugindo, em grandes saltos.
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O BESOURO Um besouro de armadura entre pedras ele se enterra, sua casca ĂŠ tĂŁo dura igual a um monte de pedra. 23
O ELEFANTE QUE QUERIA VOAR O elefante queria voar. Não se contentava no chão a pisar. Ele imaginava o azul do céu, feliz como uma pipa de linha e papel. Ele fez um trato com um velho urubu. — Me empreste suas asas, vou voar para o Sul. E, a partir de hoje, eu vou te deixar toda minha força para você usar! Em um passe de mágica, ele conseguiu duas enormes asas e no céu sumiu. Mas deixou na selva o velho urubu, que vivia quieto sempre jururu. 24
E ganhou uma força, nem sabia usar. Obrigou os bichos todos a dançar. Foi uma alegria, uma confusão! Só que, viver só de festa, não dá certo não. Pois aquela festa não queria parar. Todos enjoaram de tanto cantar.
Mas, o urubu pôs-se a gritar: — Só se para a festa quando eu mandar!
Foi ficando chato o que era bom. Ninguém aguentava aquele mesmo som.
Pois eu sou mais forte, sou o valentão, meia tonelada seguro na mão.
E a bicharada começou a gritar o nome do elefante só para ele voltar. O elefante já estava entediado, já voara o céu de tudo quanto era lado. Estava com saudades dos seus pés no chão, ainda mais: ter asas dava um trabalhão!
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O SABIÁ SABIA Sabiá sabia mais de mil canções; mal raiava o dia, logo bem cedinho cantava sozinho para os corações. Estava em uma paineira, na grande cidade e cantava triste, sempre com saudade de ver novas árvores, de acenar para o rio, que de tanta sede já está vazio!
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O SAPO O sapo quis formar uma banda para cantar em um grande festival; mandou chamar o canário da terra e um convidado internacional.
Ele pediu que o sapo convidasse o curió de canto harmonioso, o bicudo com seu canto clássico, o trinca-ferro5 com seu canto forte e o coleiro5 de canto de paz.
A cerimônia foi em uma figueira toda enfeitada para a ocasião; e tinha bichos da floresta inteira só para ver o rouxinol do Japão.
E essa banda fez tanto sucesso com canto doce feito puro mel; que o Criador, de tanto ouvir, os convidou para um festival no céu.
Ele chegou de forma cautelosa saudou a todos com educação; mas, só cantaria na banda do sapo se aceitassem sua condição.
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METAMORFOSE Mandarová6 é outra coisa, antes de ser mariposa. A lagarta é imperfeita, antes de ser borboleta. O girino é um peixinho, pouco antes de ser sapo. O marreco diz que voa, uma légua mais que o pato. Borboleta leu a carta, para voltar a ser lagarta. O sapo quer ser menino, mas não quer ser mais girino. 28
O pato brigou com éco, ao gritar: — Não sou marreco! Pernilongo foi uma pupa, antes de ser um mosquito. E a libélula voa alto: mas que bicho esquisito! Joaninha cor-de-ouro, o tesouro ela: um besouro. A ninfa trouxe a guitarra, antes de ser uma cigarra. E você, quer ajudar a amarrar o cadarço nos mil pés da centopeia? 29
Curiosidades (1) Cambuci | A Corrida Você conhece o cambuci? É uma árvore nativa da Mata Atlântica e seus frutos são usados para sucos e doces. O nome cambuci surgiu devido ao formato de seus frutos, que têm aparência de vasos ou potes utilizados pelos índios. (2) Araçá | Borboleta Amarela O araçá é fruto do araçazeiro e é muito comum no Brasil, estendendo-se pela região da Mata Atlântica desde a Bahia até o Rio Grande do Sul. É uma fruta muita parecida com a goiaba, rica em vitamina C e deliciosa! Também é muito apreciada pela fauna silvestre, que se encarrega de espalhar as sementes. (3) Araçari | Araçari e o Tucano Os araçaris são aves parecidas com tucanos, geralmente de tamanho médio, e o que mais chama a atenção é a diversidade das cores de suas penas. Essas aves gostam das copas mais altas das árvores e comem frutos como das figueiras e goiabeiras. Coquinhos de palmeiras e frutos da pimenta malagueta também são seus “pratos” prediletos. (4) Mamangava e Jacatirão | Mamangava Mamangavas são abelhas grandes e pertencem à várias famílias. São muito importantes para a agricultura no processo de polinização. A origem do nome Mamangava vem do Tupi ( Mamã ´gab). Mas, você sabia que pode ser escrito de fomas diferentes? É correto tanto mamangava como mamangaba.
Você conhece o Jacatirão? É uma árvore abundante na Mata Atlântica, também conhecida como quaresmeira, nhacatirão e quaresma-branca. Seu nome científico é Tibouchina trichopoda. (5) Trinca-ferro e Coleiro | O Sapo O trinca-ferro é um dos pássaros silvestres mais apreciados no Brasil, especialmente pelo seu belíssimo canto. Existem cerca de oito formas do gênero bem parecidas. Também é chamado de bico-de-ferro, tempera-viola, papa-banana, titicão, tiachica, chama-chico e joão-velho. Você já viu um coleiro? É um pássaro muito conhecido e criado no Brasil, e vive em campos abertos e capinzais. Muitos o conhecem como coleirinho, papa-capim, papa-arroz ou coleiro tuí-tuí. O macho possui um colar branco e negro ao lado da garganta; a fêmea é de cor parda, mais escura nas costas. (6) Mandarová | Metamorfose Você sabia que o mandarová é o estado larval da mariposa? E que essa é uma expressão usada para definir lagartas? O mandarová é, portanto, uma lagarta, geralmente peluda, e muitos a repudiam por ser venenosa e queimar a pele de quem a toca. É também conhecida como mandruvá, mandarová ou marandová.
Evoluir Cultural, 2015 Esta publicação foi realizada com recursos do Edital de Apoio à Coedição de Livros de Autores Negros, da Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República SEPPIR/PR.
Este livro atende às normas do novo Acordo Ortográficos da Língua Portuguesa, em vigor desde janeiro de 2009. Título original Autor Ilustração Coord. Editorial Design gráfico Revisão
No Balanço da Maré Julio Cesar da Costa Edson ikê Flávia Bastos e Lilian Rochael Gabriela Ferreira Lilian Rochael
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Presidência da República Dilma Rousseff
Costa, Julio Cesar da No balanço da maré / Julio Cesar da Costa ; [ilustrações Edson Ikê]. -- 1. ed. -- São Paulo : Evoluir ; Rio de Janeiro : Fundação Biblioteca Nacional, 2015.
Fundação Biblioteca Nacional
1. Poesia - Literatura infantojuvenil I. Ikê, Edson. II. Título.. 15-00337
ISBN | Evoluir ISBN | FBN
Renato Lessa
CDD-028.5
Índices para catálogo sistemático: 11. Poesia : Literatura infantil 2. Poesia : Literatura infantojuvenil
Ministério da Cultura Juca Ferreira
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Presidência da República
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Julio Cesar da Costa nasceu em Miracatu, estado de São Paulo. Foi atleta e graduou-se em Educação Física. Mas, foi no universo da poesia que descobriu um novo caminho, escrevendo e declamando poemas que falavam de sua realidade e de seu cotidiano, marcando passagens de sua vida. Isso o incentivou a desenvolver trabalhos com literatura e a participar de movimentos literários em sua região. Para transformar sua obra em algo mais lúdico e divulgar aspectos culturais do Vale do Riberia, através de música, poesia e eventos culturais, criou o Grupo Cultural Batucajé do Vale, em parceria com o compositor Antonio de Lara Mendes. É autor de outros títulos: “Cacos de Mim”, “Sortilégios e Tesouros: poemas, causos e lendas do Vale do Ribeira” e “Na Ribeira da Poesia”.
Edson Ikê nasceu em 1980, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. O contato com as artes gráficas começou pelo interesse por fanzines, xilogravura e política. Suas ilustrações carregam forte identidade com a cultura negra, a cultura urbana e o cordel nordestino. Os símbolos, os grafismos africanos, indígenas, os ritmos visuais das esculturas e formas são influência direta em seus projetos.Trabalhou em estúdios de comunicação e foi diretor de arte nas revistas Raça e Rap Brasil. Tem outros trabalhos como ilustrador em livros didáticos e infantis, em editoras da capital paulista, e como designer gráfico desenvolve projeto de identidade visual. Seu gosto pela música o fez ilustrar também flyers, cartazes, capas de disco e livros.