Os bolinhos da Vovó Nona

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David Nordon Arte:

Gelson Salvador • �yco �aki • �runo PAstore • Lúcio do Nascimento Além da professora Juliane Karin Pfersich e alunos da 6a série EMEF Leonardo Villas Boas Parceria: CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)

COLEçÃO

histórias contadas nos muros da cidade


Os Boli nho sd

ona N ó ov V a

São Paulo · SP Campo Limpo

O bairro Campo Limpo fica na Zona Sul da cidade de São Paulo. Foi lá que este conto foi projetado e pintado nas paredes externas das casas dos moradores. O projeto contou com a parceria do CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes), de alunos da EMEF Leonardo Villas Boas e de grafiteiros da região.


Os Contos de Fadas,

ou fábulas,

consagrados por abordarem questões culturais e transmitidos de geração para geração são um grande sucesso até hoje. Com o passar dos anos, porém, têm o desafio de tornarem-se atuais. Por isso, deixe de lado o que quer que já tenha ouvido falar. David Nordon apresenta os personagens como pessoas comuns em situações inusitadas. Aqui, o protagonista poderia ser você ou seus familiares, contando histórias que aconteceram no seu bairro ou na sua escola. O Projeto teve ações nos muros de escolas, ruas e instituições que receberam os grafites sobre as histórias criadas no faz-de-conta! Leia e surpreenda-se com esses Contos de Fadas Urbanos.



S

eu nome ninguém sabia. Os clientes a chamavam de vovó; os netos, de Nona, vovó em italiano, criando um gigantesco pleonasmo no nome daquela boa velhinha. Vovó Nona viera

da Itália havia muito, muito tempo, e logo abrira uma Quituteria, na

Rua das Flores, nº 47. Era uma loja modesta, quem via não dava muito por ela; sua entradinha singela, com uma porta de madeira e a frente de vidro sobre a pequena cerca, permitia acesso ao estabelecimento. Logo depois, anda-

va-se um pouquinho, e lá estavam algumas mesinhas redondas, com toalhas xadrez vermelhas. Quatro cadeiras em volta de cada uma das cinco mesinhas, com um vaso de flores sobre cada uma delas.

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Amplas janelas com cortinas simples mostravam o exterior da loja. Do lado oposto a elas, o balcão de madeira, atrás do qual ficavam as pias e mesas para se preparar tudo. Um bule de café, um fogão para fazer o que quer que precisasse, um expositor dos doces e algumas frutas. Sem luxo algum, mas muito limpo, impecável. Todo mundo adorava a Vovó Nona. Mas ela só começou a fazer sucesso mesmo, depois de um dia de chuva, em 1935. A água literalmente jorrava do céu, inundando todo o caminho, impossível de se andar. Por isso, algumas pessoas pararam na Quituteria, onde Vovó Nona cuidava de seus netinhos.

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Já que era um dia chuvoso mesmo, ela resolveu fazer um prato de acordo: bolinhos de chuva. E deu alguns para os clientes provarem. E eles não só provaram como aprovaram! Afinal, os bolinhos eram uma tentação! Ia bolinho atrás de bolinho, com café, suco, leite, o que quer que fosse. Mais gente vinha, e mais bolinhos ela fazia. Cada cliente comia um, depois mais dois, mais três, mais quatro, mais sete, mais dez! Comiam até não aguentar mais. E quando não aguentavam mais, ainda comiam mais um, de "choro". Ela fazia


a massa na hora; batia, formava as bolinhas, jogava na panela, passava no açúcar com canela e entregava, fresquinhos, para depois fazer mais e mais... E a Quituteria da Vovó Nona ficou famosíssima por toda a cidade. Pessoas vinham de todos os lugares para provar os bolinhos de chuva, mesmo que estivesse aquele sol do deserto do Saara. Na verdade, a loja ficou tão famosa que teve de aumentar. Vovó Nona diminuiu um pouco sua casa no andar de cima, e usou parte dele para colocar mais mesas para os clientes, que não paravam de chegar.

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E foi, mais ou menos em 1937, que tudo aconteceu. Parece até uma história de máfia. Todo mundo queria a receita que fazia os bolinhos da Vovó Nona tão especiais. Prometiam pagar milhares, milhões pela receita, e pagariam ainda mais por uma franquia da loja, qualquer coisa. Mas Vovó Nona não contava para ninguém, de jeito nenhum; era segredo de família, que passava de avó para neta, havia muito tempo. E chegou um dia, se não me engano, 12 de julho de 1937, que um carro, daqueles bem velhos, grandões, faróis enormes, bancos de couro, estepe atrás, estilo Al Capone, e atirou contra a pobre loja da Vovó Nona. Por sorte, ela se escondeu embaixo do balcão e lá ficou, sem se machucar, até que o carro fosse embora.

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No dia seguinte, todos ainda estavam chocados. Quem faria uma coisa dessas? Ela, por mais assustada que estivesse, no entanto, continuou a trabalhar. Uma rodinha de "detetives" amadores, entre uma cesta de bolinhos e outra, discutia sobre o assunto, tentando descobrir quem seria. Por fim, deram um conselho para ela: — Escute só, Vovó Nona, eu, se fosse a senhora, registraria a receita destes bolinhos. Assim, quem quisesse fazê-los, que os fizesse, mas teriam que pagar uma parte para a senhora. E todo mundo ficaria feliz! A boa velhinha concordou, e mais cestas de bolinhos foram trazidas, às braçadas, em comemoração.

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No dia seguinte, registrado no Departamento de Patentes, estava:

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Claro, no lugar destes "xis", estavam os ingredientes de verdade. E não demorou muito para vários irem lá requerer a receita para fazer seus próprios bolinhos. Uma loja, a de Bolinhos de Chuva do Al, abriu exatamente em frente à dela. Mas que ousadia! Porém, os clientes antigos continuavam a frequentar a Quituteria da Vovó Nona, afinal, ela era a dona desde o começo. Fora que ela era muito mais agradável que um cara com chapéu de aba mole, charuto e terno, cicatrizes na cara, servindo bolinhos.

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Com raiva por não conseguir competir com a Vovó, Al baixou os preços. Alguns ainda foram, mas o bolinho não era tão bom quanto o da Vovó. Então, pagando umas pessoas, Al organizou uma verdadeira greve de bolinhos. Homens carregando placas com os dizeres:

Iam se acumulando à porta da Quituteria da Vovó Nona. Era impossível entrar lá. Os clientes olhavam indecisos, sem saber o que fazer. E começaram a gritar: 17


E ela os atendeu, jogando os bolinhos de sua varanda, em uma verdadeira chuva, para que todos pegassem. Enquanto isso, Al literalmente comia o seu chap茅u de tanta raiva. Ah, se ele pegasse a Vov贸 Nona! Ficou a elaborar um plano... 18



No dia seguinte, a varanda da loja da VovĂł havia sido eficientemente tapada com uma placa gigantesca, na qual estava a cara de Al, apontando para a sua loja, dizendo:

AlĂŠm disso, brutamontes cobriam as portas e janelas. Os clientes nĂŁo sabiam o que fazer e, viciados por bolinhos, tiveram de comer os do Al, ainda que contra a vontade. 20


Vovó Nona também estava sem saber o que fazer, cuidando de seus netinhos, mas estava tranquila; sabia que havia algo especial na sua receita, que ninguém conseguiria imitar e, não tardaria para que todos voltassem à sua lojinha. E não demorou mais que dois dias para que os clientes se revoltassem e fizessem uma marcha por toda a rua, com placas como: Quando a marcha irrompeu

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pela rua, uma metade de cada lado, e se encontrou no meio, onde ficava a loja, os brutamontes se assustaram e fugiram. A placa foi derrubada. Quando todos entraram na Quituteria, Vovó Nona já tinha cestas e mais cestas de bolinhos de chuva preparadas. Tudo por conta da casa! E todos comeram, felizes, os bolinhos de chuva da Vovó Nona. — Ah, que delícia! Mas a Vovó não era vingativa, não; ela logo seguiu para o lado oposto, onde Al comia já o paletó, inconformado, e lhe entregou um bolinho, que, desiludido, o homem comeu. E adorou!

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— Ora, mas Vovó Nona, que bolinho delicioso! Por que os meus não ficaram tão bons assim? — Ora, porque faltou o ingrediente principal. — Qual? Eu segui toda a receita direitinho! — Não, há algo que está na receita, mas que ninguém se deu ao trabalho de executar:

"Misture tudo com uma pitada de amor e leve aos fregueses com um sorriso no rosto" 24


E o senhor Al se juntou à Vovó Nona na produção de bolinhos de chuva. A loja de Al fechou, enquanto que a da Vovó Nona continua lá, singela e pequenina, com dez mesinhas para acomodar seus queridos clientes. Você pode até dar uma passadinha. Quem sabe eles não lhe oferecem um bolinho para experimentar?

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Recontar os contos A Coleção Contos de Fadas Urbanos é composta por seis histórias, ilustradas em três comunidades do Rio de Janeiro e três de São Paulo. Foram muitas pessoas, instituições locais e artistas envolvidos e interessados em incentivar a leitura e a vivência de cada um dos livros! Este conto foi ilustrado em Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo, em parceria com o CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes) e a EMEF Leonardo Villas Boas. Reunimos quatro artistas, uma professora de Artes e alunos da 6ª série da escola durante três aulas. Fizemos a leitura do conto e nos dividimos em grupos. Cada grupo ficou com uma parte do livro e responsável por criar uma cena desenhada. 27


Ayco, ingressou nas artes através do contato com a "pixação", formando seu olhar mais poético e político. Desde 2006, pinta pela cidade, trazendo sentimentos materializados em imagens. Multiplica suas experiências com adolescentes e crianças em oficinas de Graffiti e Arte, e produz em uma residência artística. Bruno Pastore escritor, agente cultural e emancipador intelectual. Desde 2004, desenvolve intervenções urbanas. Atualmente, media encontros em instituições de São Paulo e publica seus escritos no blog Documentos Para Um Estudo da Alma.

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Gelson Salvador, grafiteiro há mais de dez anos, artista multimídia e Arte Educador com licenciatura em Artes Visuais. Ministrou palestras para cursos superiores em Artes Visuais e Design de Moda e atividades em escolas. Atualmente, ministra oficinas de arte em parceria com instituições, que utilizam a arte como meio de transformação social.

Lucio Nascimento, grafiteiro, empreendedor social, atua em projetos sociais desde 2004. Envolvido com empreendimentos sociais, utiliza ferramentas e tecnologias para incentivar e fomentar jovens a criarem seus próprios empreendimentos.


Optamos por fazer um grande painel em um muro próximo à escola, para que os alunos pudessem brincar com este grande "livro-vivo". Um livro-vivo são imagens e histórias em espaços urbanos. Fazem com que pessoas participem desta narrativa e possam (re)contá-las e vivê-las no seu dia a dia. Também criamos cartões postais para a história e preparamos os desenhos para o dia da pintura! As crianças puderam pendurar seus cartões em árvores na praça, intervenções de teatro com a galera do CITA e os artistas reproduziram no muro o painel criado pelas crianças!

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DAVID NORDON | autor Começou a escrever pequenos jornais aos 9 anos e seu primeiro livro veio aos 14 anos. Desde então, não parou mais. Hoje já passa de uma dúzia de livros publicados. Equilibra sua profissão de médico com seu hobby — uma "hob-

bissão" — de romancear crônicas, contar romances, cronicar contos e trançar rimas — os limeriques, seus favoritos! Por seu trabalho literário, David já ganhou o 2º lugar do 5º Concurso Literário Ben Gurion (2010).

Gabriele VALENTE | co-criadora Empreendedora social, artista-educadora da alegria, animadora de redes, idealizadora do movimento Liberte seus Sonhos e engajada na construção de novos paradigmas para a educação.

MARIANA FARCETTA | co-criadora Artista-educadora, movida pelo desejo de viver um mundo mais humano, colorido e menos excludente. Desde 2004, atua nas áreas da educação e saúde, tendo a arte como instrumento interdisciplinar para novas relações e saberes.


Editora Evoluir Título Original

Os bolinhos da vovó Nona

Autor

David Nordon

Coordenação editorial

Chico Maciel, Fernando Monteiro e Flávia Bastos

Produção

Gabriele Valente e Mariana Farcetta

Arte (graffitis)

Gelson, Salvador, Ayco Daki, Bruno Pastore, Lucio do Nascimento

Ilustrações

Profª Juliane Karin Pfersich e alunos da sexta série da EMEF Leonardo Villas Boas

Parceiro

CITA (Cantinho de Integração de Todas as Artes)

Fotografias

Daniela Pinheiro

Projeto gráfico

Gisela Dias e Chico Maciel

Diagramação

Gisela Dias

Letterings e capa

Fernanda Machado e Guilherme Reis Machado

Revisão de texto

Lilian Rochael

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Nordon, David Os bolinhos da vovó Nona / David Nordon. — São Paulo : Evoluir, 2014. — (Coleção contos de fadas urbanos) Vários ilustradores. 1. Contos — Literatura infantojuvenil I. Título. II. Série. ISBN 978-85-8142-050-9 14-12018 CDD-028.5 Índice para catálogo sistemático: 1. Contos : Literatura infantil 2. Contos : Literatura infantojuvenil

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Este livro atende às normas do acordo ortográfico em vigor desde janeiro de 2009.

Evoluir Cultural · FBF Cultural Ltda. Tel: (11) 3816-2121 · evoluir@evoluircultural.com.br www.evoluircultural.com.br · facebook.com/evoluircultural Rua Aspicuelta, 329 · Vila Madalena, São Paulo-SP · CEP 05433-010


Papel capa Papel miolo Fonte Edição Tiragem Impressão

Diamond telado 180g/m2 sobre papelão 18 Offset 120g/m2 Duper OT, LunchBox e Whitney 1ª edição, novembro de 2014 1.200 (segunda impressão, maio de 2015) XXX

Esta obra é licenciada sob uma Licença Creative Commons 4.0 Internacional que permite que você faça cópias e até gere obras derivadas, desde que não as use com fins comerciais e que sempre as compartilhe sob a mesma licença.



O livro conta a história da “quituteria” da vovó nona, a “loja de doces da vovó” que ficou famosa em um dia de chuva. O doce que fazia mais sucesso era o bolinho de chuva. Coincidência? A receita da delícia era "segredo de estado". Mas a vovó se viu obrigada a registrá-la após muita confusão envolvendo até tentativas de assassinato. Uma lição de amor é dada ao leitor no final do conto, deixando clara a verdadeira razão do sucesso dos doces da Vovó Nona. projeto

realização

contosdefadasurbanos.com.br


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