Exedra Nº5

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Nยบ 5 - 2011



exedra • nº 4 • 2010

Corpo Editorial Director Ana Sarmento Coelho Conselho Científico Pedro Balaus Custódio - Educação/Formação Maria Cláudia Perdigão Andrade - Comunicação e Ciências Empresariais Francisco Moutinho Rúbio - Artes e Humanidades

Comissão editorial José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) Margarida Paiva Oliveira (CDI) Carla Matos Dias (CDI)

Produção edição online - José Carlos Pacheco (CIC/NDSIM) - Carla Matos Dias (CDI) logo - Agostinho Franklim Carvalho/Pedro Coutinho Lopes projecto gráfico - Agostinho Franklim Carvalho/José Carlos Pacheco

Ficha Técnica EXEDRA: Revista Científica Publicação electrónica semestral da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Coimbra Periodicidade: Semestral ISSN 1646-9526

Copyright A reprodução de artigos, gráficos ou fotografias da Revista EXEDRA só é permitida com autorização escrita do Director.

Contactos e endereço para correspondência e envio de artigos: EXEDRA: Revista Científica Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar 3000-329 Coimbra - Portugal Tel: +351 239793120 - Fax: +351 239 401461 exedra@esec.pt www.exedrajournal.com

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Revisores do presente volume aos quais manifestamos o nosso agradecimento: Dina Soeiro (ESEC - IPC) Jorge Gato (FPCE - UP) Madalena Teixeira (ESES - IPS) Manuel Guerra (ESEC - IPC) Maria do Amparo Monteiro (ESEC - IPC) Nat谩lia Pires (ESEC - IPC) Paulo Os贸rio (UBI) Sara Meireles (ESEC - IPC)


07 Editorial 09-26 Ignacio Vázquez Reflexiones sobre el infinitivo conjugado portugués desde la perspectiva española

27-36 Filipe Clemente & Rui Mendes Aprender o jogo jogando: uma justificação transdisciplinar

37-56 Maria do Rosário Rodrigues & João Grácio Os putos também fazem filmes?

57-76 Marisa Matias, Andreia Silva & Anne Marie Fontaine Conciliação de papéis e parentalidade: efeitos de género e estatuto parental

77-92 Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral Cidadania e participação dos alunos nos contextos escolares

93-102 Delfim Paulo Ribeiro As convenções dramáticas como instrumento estético-pedagógico

103-116 María José Cuesta Aguilar & Egidio Moya García Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI

117-134 Sónia Pereira Estudos culturais de música popular – uma breve genealogia

135-144 Gorete Marques A multimodalidade ao serviço da representação: análise de uma brochura empresarial


Missão e objectivos A Revista EXEDRA, propriedade da Escola Superior de Educação de Coimbra, (ESEC) assume-se, tal como a etimologia do seu nome, como um espaço de encontro e conversa entre homens e mulheres de saber. Pretende servir a sociedade e a cultura portuguesas através da promoção do intercâmbio científico, académico e artístico entre instituições e elementos representantes da comunidade educativa nacional e internacional. A EXEDRA aceita trabalhos académicos originais(1), sendo os artigos publicados, da exclusiva responsabilidade do (s) seu (s) autor (es). Os trabalhos situam-se nas áreas científicas da Educação/Formação, das Artes e Humanidades, da Comunicação e das Ciências Empresarias sob a forma de artigos, revisões de investigação e de críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. Os artigos enviados pelos seus autores à EXEDRA serão objecto de apreciação, numa primeira fase, pelo Director e Conselho Científico da Revista e, numa segunda, serão alvo de avaliação por dois “referees” independentes e sob a forma de análise “duplamente cega”. Neste caso, a aceitação de um e a rejeição de outro obrigará a uma terceira consulta. A revista Exedra publica números genéricos com numeração sequencial de acordo com a sua periodicidade semestral e números temáticos extra-numeração.

Forma e preparação de manuscritos Os trabalhos podem ser escritos em português, espanhol, francês e inglês no formato Word, em Arial, corpo de letra 12, com duplo espaço, não devendo ultrapassar as 40 páginas A4 (3 cm de margem). As notas, de fim de página, em Arial 10 com um espaço entre linhas, deverão figurar no final do trabalho. As figuras (em formato jpg, png, ou gif) no corpo do texto devem aparecer em numeração árabe pela ordem de apresentação do texto, com título curto na parte inferior e, a negrito, em Arial 10. Os quadros deverão ser incluídos no corpo do texto com título curto na parte superior, a negrito, em Arial 10, espaço simples e no mesmo formato das figuras. Os artigos devem ter um título conciso, ser acompanhados de um resumo de 1000 caracteres, incluindo espaços, em Arial 10, espaço duplo, em português e em inglês, acompanhados das respectivas palavras-chave (4 a 6). Os artigos devem ainda ser acompanhados da identificação do (s) autor (es) (nome, morada, mail e filiação 6


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institucional). Na primeira página do artigo (capa) deverão constar o título do artigo, o(s) nome(s) do(s) autor(es) (excluindo graus académicos), a filiação institucional, a morada e o mail. Deve também ser indicada em qual das áreas científicas da revista o manuscrito se insere: Educação/Formação, Artes e Humanidades ou Comunicação e Ciências Empresarias. Referências bibliográficas A lista de referências bibliográficas deverá ser incluída no final do texto, em Arial 10. No caso de mais de três autores devem ser todos indicados (não utilizar a expressão “et al”). A lista deverá ser organizada por ordem alfabética dos apelidos dos autores obedecendo ao formato dos seguintes exemplos: a) Livro: Bandura, A. (1977). Social learning theory. Oxford: Prentice-Hall. b) Referências de artigos on-line: Kuhn, P.S. (1987). Alternative paradigms. Journal of Teaching, 34 (3), 7-56. Consultado em Janeiro 2005, htpp://www.apa.org/ journals/kuhn.html c) Capítulo de livro: Hughes, D. & Galinsky, E. (1988). Balancing work and family lives: research and corporate applications. In A. E. Gottfried & A. W. Gottfried (Eds), Maternal employment and children’s development (pp. 233-268). New York: Plenum. d) Artigo: Hoyt, K. B. (1988). The changing workforce: a review of projections from 1986 to 2000. The Career Development Quarterly, 37, 31-38. Para esclarecer os casos não considerados nestes exemplos, os autores deverão consultar as normas de publicação da American Psychological Association (APA), última versão. Citações As citações deverão ser apresentadas com indicação de autor, data e localização (página).

Submissão de artigos para publicação A submissão de artigos para a EXEDRA deverá ser efectuada via e-mail, anexando o ficheiro contendo o manuscrito em processador de texto Microsoft Word (*.doc) com as figuras e quadros numeradas de acordo com o formato solicitado

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Editorial A EXEDRA – Revista Científica da Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) começou a ser publicada em 2009, tendo como objectivo principal promover a divulgação de conhecimento científico diferenciado, disseminado pelas secções da Educação/ Formação, das Artes e Humanidades, e da Comunicação e Ciências Empresariais. Com periodicidade semestral, a EXEDRA publica resultados de investigação, estudos teóricos, artigos de revisão, críticas de literatura, sínteses, estudos de caso, comentários e ensaios. A multiplicidade de visões, e a interdisciplinaridade que ela pode gerar, constituem traços distintivos desta Revista que, como comprovam as anteriores edições, pretende avançar sobre a divisão estanque do conhecimento em distintas disciplinas académicas, e contribuir para acentuar a natureza contingente e histórica das áreas disciplinares e, naturalmente também, dos campos profissionais. É, aliás, esta visão tendencialmente transdisciplinar do saber que a EXEDRA pretende recuperar da matriz institucional que lhe dá forma: a ESEC. Com efeito, esta unidade de ensino superior assume, há largo tempo, a diversidade multidisciplinar, científica e pedagógica, como um complexo campo de saberes. São eles que estruturam, de modo nuclear e articulado, os seus planos de formação inicial e avançada. Essa heterogeneidade formativa é, em simultâneo, um dos seus cunhos institucionais e um dos objectivos da sua missão educativa e académica. Na ESEC sabemos, por experiência, ser nas fronteiras dos territórios disciplinares (que inevitavelmente se organizam no seu interior) que se situam os contributos mais valiosos para os planos de formação. Julgamos, também, que a formação de cariz profissionalizante implica um sério desafio às lógicas disciplinares canónicas e tradicionais e a uma visão racionalizante do conhecimento. É imperioso assumir, hoje, que a formação tem que dotar os futuros profissionais da capacidade de gerar soluções criativas e adequadas às situações singulares, complexas e incertas dos mundos profissionais. Não sendo a abordagem interdisciplinar um critério de selecção dos artigos propostos para publicação, acreditamos que a natureza polifónica da Revista favorece a acomodação das tendências contemporâneas de inter e multidisciplinaridade entre todas as áreas de conhecimento, e desejamos que a EXEDRA se vá consolidando como um projecto ao serviço do pensamento e da capacidade interpretativa e integradora do leitor. É, pois, com particular satisfação que agora se convida à leitura de mais um dos 9


números regulares desta Revista (o primeiro de 2011), no qual se reforça um dos seus desideratos que é, consabidamente, a sua abertura ao “exterior”, para que este espaço editorial se possa, de modo gradual, expandir e ultrapassar as fronteiras da sua instituição matriz.

Ana Maria Sarmento Coelho Pedro Balaus Custódio


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Reflexiones sobre el infinitivo conjugado portugués desde la perspectiva española Ignacio Vázquez

Universitat de Barcelona

Resumo Tenta-se neste trabalho demonstrar como a diacronia é capaz de ajudar a entender o uso do infinitivo pessoal, tomando como ponto de partida a aprendizagem que dele faz um espanhol. Este tempo verbal é inexistente em castelhano e mesmo entre os portugueses gera alguns problemas. A gramática portuguesa apresentou-o sempre do ponto de vista estilístico; sendo um dos temas mais polémicos e conflitivos. O seu uso é restrito à subordinação, sendo a oração completiva o elemento que nos cria, a nós espanhóis, maiores dificuldades devido às limitações impostas pela semântica dos verbos na sua origem latina. Palavras-chave Português, Espanhol, Infinitivo pessoal, Subordinação

Abstract The purpose of this work is to demonstrate how diachronic considerations may help to understand the usage of the so called infinitivo pessoal (personal infinitive), taking as a starting point the learning process of this subject by Spanish students. This verb tense does not exist in Spanish and causes not few problems among Portuguese speakers. Portuguese grammar has always approached it from the stylistic point of view and it is one of the most controversial subjects. It is used in subordination and, specifically, completive clauses are the most difficult ones (for Spanish people) because of the restrictions imposed by the semantics of those verbs with Latin origin. Keywords Portuguese, Spanish, Personal infinitive, Subordination

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0. Introducción Tal y como ya he afirmado en otros trabajos de índole comparativa entre la lengua española y la portuguesa, y como docente de esta última en España, creo que es muy importante explicar a los alumnos españoles los conceptos portugueses desde la óptica lusa y no desde la española. Para ello, se deben tener claros los de la lengua propia, y los de la extranjera han de presentarse bien especificados, y no es el caso en el punto que nos ocupa. Centrándonos en la gramática, el uso del llamado infinitivo conjugado o pessoal provoca enormes problemas entre los estudiantes españoles. Principalmente por dos razones: -la primera y más evidente por la inexistencia en español de tal tiempo verbal, -la segunda, derivada de la anterior, porque el uso de ese infinitivo remite directamente a la subordinación (con verbos en indicativo y subjuntivo), aspecto que los alumnos deberían conocer bien. Se trata del infinitivo invariable al que se le añaden desinencias personales que permiten conocer formalmente su sujeto interno en determinadas condiciones (sobre las que no se ponen de acuerdo las gramáticas portuguesas). Las desinencias del infinitivo conjugado, flexionado o pessoal son las siguientes: -(r) -(r)es -(r) -(r)mos -(r)des -(r)em

[Eu] cantar [Tu] cantares [Ele, ela (você, o/a senhor/a)] cantar [Nós] cantarmos [Vós] cantardes [Vocês] cantarem

-(r)em

[Eles, elas (os/as senhores/ras)] cantarem

Además de saber quién es el sujeto del infinitivo, se enfatiza y evitan ambigüedades, pero, sobre todo, economiza el segmento [que+vfinito]1:

Es necesario hacer eso

É necessário [fazer] isso

Es necesario que hagamos eso

É necessário [que façamos] isso É necessário [fazermos] isso

Era necesario que hiciésemos eso

Era necessário [que fizéssemos] isso Era necessário [termos feito] isso

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Con todo, no siempre funciona la sustitución de [que+vfinito] por el [infinitivo conjugado]:

Quiero hacer2 eso

Quero [fazer] isso

Quiero que hagamos eso Quería que hiciésemos eso

Quero [que façamos / fazermos] isso Queria [que fizéssemos / termos feito] isso

Formalmente, la estructura de las oraciones completivas es igual, y los estudiantes españoles tienden a sustituir cualquier frase sustantiva por el infinitivo conjugado:

Sabemos [que vivís] en Oporto ↔ Sabemos [que vocês moram / morarem] no Porto Dudo [que lleguen] mañana ↔ Duvido [que cheguem / chegarem] amanhã Quería [que vieses] mi casa ↔ Queria [que visses / veres] a minha casa

Las restricciones que se producen son difíciles de explicar funcionalmente si no se recurre a la historia de la lengua, como se verá más adelante. La subordinación presenta tres grandes grupos según el tipo de explicación o complementación que la oración subordinada precisa: -subordinación sustantiva, también llamada completiva o integrante (cuando la subordinada funciona como un sustantivo respecto de la principal), -subordinación adjetiva o relativa (cuando la subordinada funciona como un adjetivo respecto de la principal) y -subordinación circunstancial (cuando la subordinada expresa una circunstancia determinada respecto de la principal). A pesar de lo que pudiese parecer a priori, creo que las más complicadas de explicar son las del primer grupo, las completivas, porque se establece una íntima relación entre el verbo de la principal y el de la subordinada. Como ya he dicho, dicha relación sólo se puede explicar a través de criterios históricos. Las funciones sintácticas que puede desempeñar una completiva son las de sujeto, complemento directo y en menor medida los restantes complementos preposicionales. Veamos unos ejemplos:

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Conviene que salgáis temprano → [Que salgáis temprano]sujeto conviene Pedro dice que tenéis hambre → Pedro dice [que tenéis hambre]c.directo Juan dice que vayas a verlo → Juan dice [que vayas a verlo]c.directo María confía en que aprobarás → María confía en [que aprobarás]c.regido

Las más habituales son las que funcionan como complemento directo, por lo tanto, en una estructura transitiva en la que se produce la transposición sintáctica de un sustantivo o pronombre (Pedro dice eso = [que tenéis hambre]). Esa transposición se da con verbos que ponen de manifiesto las facultades de la psique humana, clasificados tradicionalmente3 del siguiente modo:

español

cuadro 1

portugués

-neutralidad [+indicativo]: Verbos de percepción sensorial: ver, sentir, oír… Verbos de percepción intelectiva: saber, entender, percibir, sentir… Verbos de lengua: decir, declarar, hablar, afirmar… Verbos de presencia y manifestación: demostrar, explicar, mostrar, probar, reflejar… lamentar4 Verbos de pensamiento y juicio: admitir, apoyar, calcular, considerar, creer, imaginar, pensar… Verbos de adquisición, posesión y pérdida de información: aprender, conocer, averiguar, leer, olvidar, recordar…

-neutralidade [+indicativo]: Verbos de percepção sensorial: ver, ouvir, sentir... Verbos de entendimento: saber, entender, perceber, sentir... Verbos de língua: dizer, declarar, afirmar, comunicar... Verbos de presença e manifestação: demonstrar, explicar, mostrar, provar, refle(c)tir... Verbos de pensamento e juízo: admitir, apoiar, calcular, considerar, achar, crer, imaginar, pensar... Verbos de aquisição, posse e perda de informação: aprender, conhecer, averiguar, ler, esquecer, lembrar…

-intencionalidad [+subjuntivo]: Verbos de duda o desconocimiento: dudar, ignorar, extrañar, no creer…

-intencionalidade [+conjuntivo]: Verbos de dúvida ou desconhecimento: duvidar, ignorar, não admirar, não crer, não achar... Verbos que exprimem desejo, temor, emoção: desejar, amar, temer, agradecer, suportar, (lamentar)... Verbos de vontade e proibição: querer, mandar, ordenar, rogar, solicitar, proibir, (dizer)...

Verbos de afección (deseo, temor, emoción): desear, amar, temer, agradecer, soportar, (lamentar)… Verbos de voluntad y prohibición: querer, mandar, ordenar, rogar, solicitar, prohibir, (decir)…

Como se observa, el modo también tiene importancia debido a la neutralidad (indicativo) o intencionalidad (subjuntivo) del mensaje, dato que, en gran medida, priva a las completivas en función de complemento directo de ser sustituidas por el infinitivo 12


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conjugado; pero no por el uso del subjuntivo en sí, sino por el tipo de oración en el que aparecía en latín. Vayamos ya a las razones que nos proporciona la historia de la lengua. El latín expresaba de la siguiente manera la sintaxis subordinada:

Sujeto Comple-tivas CD

quod

orac. infinitivo ut

Relativas

+ subj.

Quod ad me attinet; Lo que me concierne / Aquilo que me concerne Volo te venire; Quiero que vengas Volo ut venias; Quiero que vengas / Quero que venhas

qui, quae, quod

Imitamur quos cuique visum est; Imitamos a los que nos parece / Imitamos os que nos parece

cum + ind./ subj. ut + ind. quando + ind.

Cum Caesar venit; Cuando César llegó / Quando César chegou Ut rosam videt; Cuando ve una rosa / Quando vê uma rosa

modal

quomodo + subj. ut + ind.

Ut diximus…; Como dijimos… / Como dissemos

final

ut + subj.

Miserunt legatos ut peterent pacem; Enviaron legados para que pidieran la paz / Enviaram legados para que pedissem a paz

condi-cional

si + ind. si + subj.

Si hoc dicis, erras; Si dices eso, te equivocas / Se (de facto) dizes isso, erras Si hoc dixisses, erravisses; Si hubieses dicho eso, te habrías equivocado / Se dissesses isso, errarias

consecu-tiva

ut + subj.

Ita haec bene fecerat ut proemium accepisset; Lo había hecho tan bien que recibió un premio / Tinha-o feito tão bem que recebeu um prémio

concesiva

tametsi... + ind quamvis, ut… + subj.

Tametsi in ipso magna vis animi erat…; Aunque dotado de gran energía de carácter… / Embora dotado de grande energia de carácter… Ut sis sapiens…; Aunque seas sabio… / Embora sejas sábio…

quod + ind./ subj. cum + subj.

Quod rem perdiderat, profectus est; Partió porque había perdido su fortuna / Partiu porque tinha perdido a sua fortuna

temporal

Circunstanciales

+ ind.

causal

Observamos que, salvo las condicionales, las relativas/completivas y parcialmente las temporales, no hemos heredado en portugués ni en español ninguna conjunción subordinante latina: 13


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a) el quod (forma neutra del relativo) que actuaba como nexo completivo en función de sujeto se confundió con el que(m) relativo en la Edad Media; b) la oración de infinitivo con sujeto en acusativo fue muy productiva en la época clásica, pero ya en el latín vulgar dejó de usarse, pasando [ut+subj] a designar cualquier sustantiva. Cabe decir que existían matices en el uso, la oración de infinitivo se utilizaba en los verbos de lengua y percepción (modalidad declarativa) –que se amplió posteriormente a algunos volitivos–, al tiempo que los verbos de voluntad, temor, duda, etc., se construían con la conjunción ut y un verbo finito en subjuntivo (modalidad impresiva). Con el tiempo, cayó ut en el latín vulgar pasando a ser quod el nexo. c) lo mismo ocurrió en las circunstanciales: casi todas presentaban ut, que al caer en las completivas de CD, causó la desaparición en todos los casos, siendo quod el conector principal en todas ellas. Se produjo un proceso de sincretismo en el que la conjunción que5 (estadio en el que se encontraba la confusión entre quod, que[m], qui) se convirtió en la partícula subordinante universal. Al respecto dice Tarallo (1990:167):

“O sistema português, assim, no que toca aos processos hipotáticos de conexão sentencial, passou por um estágio de afunilamento (no sentido de que ter assumido basicamente todos os mecanismos hipotáticos existentes no latim) e de ampliação (com o florescimento das locuções conjuncionais)”.

A lo que añade Mattos e Silva (1994:115):

“É o que, entretanto, o elemento mórfico que estará na base das numerosas locuções conjuntivas que se constituíram no português, como nas outras línguas românicas: des que (arc), desde que, sem que, ante que (arc), antes que, assim que, ainda que, já que, por tal que, tanto que; de modo que, de sorte que; visto que, etc.” El infinitivo, por otro lado, se puede comportar como un sustantivo, por lo tanto, puede ir tras una preposición. De ahí que existan tantas locuciones subordinantes acabadas en preposición que aceptan un infinitivo y que son afines a una conjunción con el verbo finito (aunque = a pesar de / embora = a pesar de; después de que = después de / depois de que = depois de; si = en caso de / se = no caso de, etc.). Con toda esta información, podemos enfrentarnos ya al infinitivo conjugado, que en buena parte responde a su uso canónico debido a las peculiaridades históricas descritas.

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1. Usos del infinitivo conjugado En 1971, Vázquez Cuesta y Mendes da Luz escribían lo siguiente:

“El uso del infinitivo flexionado portugués es uno de los puntos más difíciles de la sintaxis portuguesa. […] La elección en la práctica de uno u otro infinitivo suele tener valor estilístico, y estar determinada por el interés del hablante en hacer resaltar el sujeto, bien por claridad, bien por énfasis” (Vol. II, pág. 212).

Algunos años más tarde, en 1981, Chaves de Melo escribía: “constitui o infinitivo flexionado o mais importante idiomatismo morfológico e sintático da língua portuguesa” (pág. 116). El filólogo brasileño recoge en el mismo capítulo los diferentes intentos llevados a cabo para sistematizar su uso aunque, finalmente, acaba diciendo: “No mais, emprego facultativo (nos casos, é óbvio, em que não se impõe o uso do pessoal), estilístico, comandado pelo seguinte critério: infinitivo não flexionado = vago e geral; infinitivo flexionado = concreto, vivo e dinâmico” (pág. 121).

En 1984, Celso Cunha y Lindley Cintra afirmaban que

“O emprego das formas flexionada e não flexionada do infinitivo é uma das questões mais controvertidas da sintaxe portuguesa. Numerosas têm sido as regras propostas pelos gramáticos para orientar com precisão o uso selectivo das duas formas. Quase todas, porém, submetidas a um exame mais acurado, revelaram-se insuficientes ou irreais. […] Os escritores viram--se, sempre, no acto da escolha, influenciados por ponderáveis motivos de ordem estilística. […] Por tudo isso, parece-nos mais acertado falar não de regras, mas de tendências que se observam no emprego de uma e de outra forma do infinitivo” (pág. 482).

Y aún en 1994, Juan M. Carrasco escribió que

“No hay reglas fijas para saber de antemano cuándo debemos utilizar el infinitivo personal y el infinitivo impersonal. Cualquiera de ellas, incluso las que se recomiendan como de cumplimiento inexorable, acaban por encontrar en la práctica casos de excepción. Más que de reglas habría que hablar de tendencias en la frecuencia de uso” (pág. 148). Estas opiniones se recogen de forma escueta en Nakayama/Galembick (2009:38) sin tener en cuenta los valores estilísticos: “O infinitivo flexionado corresponderia, no uso, exatamente ao infinitivo invariável, apenas com a diferenciação de contar com um sujeito eminente”. Y para empezar, baste con que un español sepa eso; pero no es suficiente para 15


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hablar bien la lengua portuguesa, ya que, en la plática cotidiana, el infinitivo pessoal está totalmente institucionalizado; en determinadas ocurrencias la fórmula [que+vfinito] carece de uso. Por todo ello, intentaré describir los casos en los que se utiliza habitualmente6, conjugando la perspectiva formal y la semántica. Veamos los casos en oraciones completivas, relativas y circunstanciales.

1.1. Completivas a) En función de sujeto: el quod latino neutro relativo era igual a una estructura del tipo [el hecho de que / el hecho de = o facto de] posibilitando que apareciese un infinitivo en las segunda y tercera fórmulas7. Aparece el infinitivo conjugado como sujeto de una estructura copulativa, de una intransitiva y en menor frecuencia de una transitiva. Véanse los siguientes ejemplos en los que se sustituye el sintagma [que+Vsubj 1-2-4 / ind 3]:

1 Sujeto de estructura copulativa

2 Sujeto de estructura intransitiva 3 Sujeto de estructura transitiva

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español

portugués

Lo más importante es (el hecho de) [que sean / ser] buenas personas Es necesario (el hecho de) [que digan / decir] la verdad Es una pena (el hecho de) [que no vayáis / no ir] a la fiesta ¡(El hecho de) [Que quieran / querer] eso no está bien! ¡(El hecho de) [Que me traten / Tratarme] así!

O mais importante é (o facto de) [que sejam / serem] boas pessoas

Conviene (el hecho de) [que salgamos / salir] temprano Basta (el hecho de) [que hablen / hablar] con ella Los chicos parecía [que miraban] el perro (El hecho de) [Que digan / Decir] eso, no tiene sentido

É necessário (o facto de) [que digam / dizerem] a verdade É pena (o facto de) [que não venham / não virem] à festa (O facto de) [Que queiram / Quererem] isso não está bem! (O facto de) [Que me tratem / Tratarem-me] assim! Convém (o facto de) [que saiamos / saírmos] cedo Basta (o facto de) [que falem / falarem] com ela Os rapazes parecia [que olhavam / estarem a olhar] para o cão (O facto de) [Que digam / Dizerem] isso, não faz sentido

En (1), (2) y (4) se destaca el sujeto del infinitivo para evitar ambigüedad o para enfatizarlo. Son las orações reduzidas de infinitivo. En (4), además, el verbo fazer no está utilizado en su naturaleza de ‘producir, fabricar’, junto al sustantivo sentido <fazer sentido> adquiere otra semántica y se convierte en un verbo de los presentados arriba 16


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en que entra la psique. En (3) se tiene que tener en cuenta la naturaleza del verbo parecer, en su uso intransitivo. Se enfatiza la frase. En todas ellas, la lengua española utiliza el infinitivo no flexionado (el único que hay) sin que por ello se pierda el significado, aun a costa de la mayor vaguedad de la frase. En portugués también sería posible para demostrar abstracción: Es necesario decir la verdad (general, abstracto) =/= Es necesario que digáis la verdad (vosotros y no otros, mayor concreción) É necessário dizer a verdade (geral) =/= É necessário dizerem a verdade (vocês)8 b) En función de complemento directo: como ya se ha insinuado, el obstáculo fundamental que ven los estudiantes está en el uso del subjuntivo, aunque el problema real es la mezcla que se hace al querer utilizar el infinitivo pessoal para sustituir una frase completiva con función de CD con los verbos de la psique. Formalmente, la frase completiva es igual en todas las oraciones pero su historia interna es diferente. Enseñar esa diferencia es lo que precisa el estudiante, y en este punto la historia de la lengua da la ayuda necesaria. Actúan restricciones históricas que no permiten que algunos de los verbos agrupados en el cuadro 1 conmuten [que+verboconjugado] por [infinitivo flexionado]. Cuando expresan neutralidad, las únicas que pueden sustituir el sintagma [que+Vind] son las que se construían en latín con verbos de percepción sensorial (ver, ouvir, sentir...) y de presencia y manifestación (demonstrar, explicar, mostrar, provar, refle(c)tir, lamentar…) y cuya sintaxis empleaba la [oración de infinitivo]:

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español

portugués

He oído [que decían / decir] que vive en Oporto Se ve [que corren / correr] los caballos He visto [que los caballos corrían / correr los caballos] Sentí [que el invierno llegaba / llegar el invierno]

Ouvi [que diziam / dizer(em)] que mora no Porto Vê-se [que correm / correr(em)] os cavalos Vi [que os cavalos corriam / os cavalos correr(em)] Senti [que o inverno chegava / chegar o inverno]

En (5), el uso más común es [vpercep+infinno flex] en la construcción impersonal, pero dado que la lengua portuguesa (igual que la española) puede usar la tercera persona del plural para indicar impersonalidad, puede emplear el infinitivo conjugado a fin de ensalzar la expresión: Dicen que va a llover; Se dice que va a llover; He oído decir que va a llover 17


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Dizem que vai chover; Diz-se que vai chover; Ouvi dizer(em) que vai chover

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El profesor demuestra [que los alumnos saben] la lección Han probado [que su teoría] era cierta

O professor demonstra [que os alunos sabem / os alunos saberem] a lição Provaram [que a teoria deles era certa / ser certa a teoria deles] Lamento [que não venham / não virem] à festa

Lamento [que no vengáis] a la fiesta

No son susceptibles de conmutación las oraciones que se construyen en el modo neutral con los verbos restantes, cuya sintaxis en latín usaba [ut+vfinito]: –Verbos de lengua: dizer, declarar, comunicar, esclarecer, afirmar, comentar, mencionar, repetir, responder... (en latín clásico se construían con la [oración de infinitivo] pero muy pronto fueron asumidas en latín vulgar a [ut]).

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Decía [que no tenías] hambre Declara [que hemos comprado] todo Comunicó [que llegaban] tarde Aclaró [que tenían problemas] Afirmaron [que estás preparado] Comenté [que no podíais ir] a clase No mencionaste [que él la conocía]

Dizia [que não tinhas] fome Declara [que comprámos] tudo Comunicou [que chegavam] atrasados Esclareceu [que tinham] problemas Afirmaram [que estavas] pronto Comentei [que não podiam] ir às aulas Não mencionaste [que ele a conhecia]

–Verbos de percepción intelectiva: saber, entender, perceber, sentir, pressentir, lembrar…

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Sabemos [que vivís] en Évora He oído [que él tenía] una hermana He sabido [que ha vuelto] de Canadá

Sabemos [que vocês moram] em Évora Percebi [que ele tinha] uma irmã Soube [que voltou] do Canadá

–Verbos de pensamiento y juicio: admitir, apoiar, calcular, considerar, crer, achar, imaginar, pensar…

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Admito [que tuvimos] problemas Calculo [que reciben] el sueldo estipulado por ley Creo [que Miguel es] ingeniero Imaginó [que sabíais] quién era

Admito [que tivemos] problemas Calculo [que recebem] o ordenado estipulado por lei Acho [que o Miguel é] engenheiro Imaginou [que sabiam] quem era

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Ignacio

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infinitivo

conjugado

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la

perspectiva

española

–Verbos de adquisición, posesión y pérdida de información: aprender, conhecer, averiguar, ler, esquecer, lembrar, saber…

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Aprendimos [que sólo importa] la felicidad Averiguaron [que se llamaba] Juan Olvidaste [que conocemos] a tu madre

Aprendemos [que só importa] a felicidade Averiguaram [que se chamava] João Esqueceste [que conhecemos] a tua mãe

Cuando expresan intencionalidad, no conmuta en ninguna oración el segmento [que+Vconj], construidas también con [ut]: –Verbos de duda o desconocimiento: duvidar, ignorar, não crer, não achar...

11

Dudo [que lleguen] mañana Dudo [que venga] No creo [que tenga] paciencia

Duvido [que cheguem] amanhã Duvido [que venha] Não acho [que tenha] paciência

–Verbos de afección (deseo, temor, emoción): desejar, amar, temer, agradecer, odiar, suportar, sofrer, sentir...

12

Deseaba [que sus hijos estudiasen] medicina Odiaba [que hablasen] sin parar Sentimos [que no comáis] más

Desejava [que os filhos estudassem] medicina Odiava [que falassem] sem parar Sentimos [que não comam] mais

En estos casos, puede aparecer bajo la forma de una oración simple: Que tenhas sorte! ([Desejo] que tenhas sorte!).

–Verbos de influencia (voluntad y prohibición): querer, mandar, ordenar, rogar, dizer, solicitar, proibir, permitir...

13

Ordenó [que todos saliesen] Quería [que vieseis] mi casa Quiero [que hagas] eso Les rogué [que pararan] las obras Mandó [que fueses] a la panadería

Ordenou [que todos saíssem] Queria [que vissem] a minha casa Quero [que faças] isso Roguei-lhes [que parassem] as obras Mandou [que fosses] à padaria

19


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Con los verbos que rigen un infinitivo como deixar, poder, permitir y los causativos (fazer, ocasionar, provocar), aparece el infinitivo conjugado cuando el sujeto es diferente: Deixa os meninos saírem (Deja a los niños que salgan) A crise fez os preços aumentarem (La crisis ha hecho que aumenten los precios)9

No obstante, y a pesar de lo dicho, se verifican casos en estos grupos donde funciona el infinitivo conjugado en una oración de relativo.

1.2. Relativas El complemento directo del verbo de la oración relativa es una oración completiva copulativa (ser y estar) bajo la forma del infinitivo pessoal. He corroborado todos estos verbos en la base de datos www.corpusdoportugues.org10, restringiendo la búsqueda a textos de los siglos xix y xx y he aquí los resultados:

GRUPO 6 Na ideia do antigo isso significa cumprir os ritos, as práticas, as fórmulas, que uma longa tradição demonstrou serem [<que são] as únicas que conseguem fixar a atenção dos Deuses e exercer sobre eles persuasão ou sedução (Eça de Queirós, A correspondência de Fradique Mendes, 1900). GRUPO 7 […] esse em que Vitoria diz serem [<que são] lágrimas os seus versos (Tomás Figueiredo, Noite das Oliveiras, 1965). As flores que Teresa dizia serem [<que eram] crisântemos (Osman Lins, O Fiel e a Pedra, 1961). A presidente do movimento, Cecília Coimbra, disse que é preciso tomar oficialmente os depoimentos das pessoas que afirmam terem sido [<que têm sido] torturadas (Folha de São Paulo, 1994). GRUPO 8 Maneco e outros dois, que anos depois soube serem [<que foram] Monteiro, o motorista que levava os guerrilheiros para o Vale, e Lavechia (Marcelo Rubens Paiva, Não És Tu, Brasil, 1996). 20


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GRUPO 9 […] onde ferviam as ideias que o Gonçalo achava serem [<que eram] as mais decisivas para o conhecimento do homem (Alçada Baptista, Os nós e os laços, 1985). Descobriu vasos capilares e identificou os receptores sensoriais (papilas) da língua, que pensava serem [<que eram] terminações nervosas (Malpighi, Biblioteca Universal Portuguesa, 2010). GRUPOS 10, 11, 12 y 13 Ninguna ocurrencia.

1.3. Circunstanciales Dado que el infinitivo está capacitado para aparecer tras una preposición como ya se ha afirmado, el grupo de las oraciones circunstanciales suele construirse en una frecuencia de uso muy elevada con una estructura preposicional [+inf.

flexionado]

equivalente semánticamente a la conjunción subordinante [conj+(que)+Vsubj/ind]. Modal

14 14*

español

portugués

No salgáis sin [que hayamos llegado / haber llegado] Ahí están hablando y riendo

Não saiam sem [que tenhamos chegado / termos chegado] Lá estão eles a falarem e a rirem

Condic

15

[En el caso de que no puedas / En el caso de no poder], llámame [Si puedo ir / En el caso de poder ir], te aviso

[Caso não possas / No caso de não poderes], liga-me [Se puder ir / No caso de poder ir], aviso-te

Causais

16

Sorríamos [porque obtivemos / por termos obtido] o prémio Foram detidos [porque conduziam / por conduzirem] bêbados

Finais

17

Sonreíamos [porque obtuvimos / por haber obtenido] el premio Fueron detenidos [porque conducían / por conducir] borrachos He comprado este libro [para que leas] Les pido [que se callen / callarse]

17*

C o n cess

18

T e m porais

19

¿Es para llevar(telo)? [Aunque has cambiado / A pesar de cambiar], no has convencido [Aunque estuviese lloviendo / A pesar de estar lloviendo], fui a la playa [Cuando lleguéis / Al llegar], telefonead [Apenas acabéis / Después de acabar], telefonead

21

Comprei este livro [para que leias / para leres] Peço-lhes [que se calem / para se calarem] É para levares? [Embora mudasses / Apesar de teres mudado], não convenceste [Ainda que estivesse a chover / Apesar de estar a chover], fui à praia [Quando chegarem / Ao chegarem], telefonem [Mal acabem / Depois de acabarem], liguem


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Los usos españoles en los que aparece el infinitivo en cursiva no producen, en principio, ambigüedad dado que el contexto soluciona la cuestión. Sin embargo, en portugués, se especifica formalmente el sujeto del infinitivo sin que se genere en ningún caso duda. En relación a los ejemplos portugueses, se aprecian los siguientes usos estilísticos: 14*. Dependen de una estructura de gerundio, casi siempre sin expresar el verbo estar (estão a falar), y de esta manera se enfatiza el sujeto. 17. Comprei este livro para ler (en general, para ser leído sin especificar quién). 17*. Subyace la idea de la completiva con CD, (el portugués no acepta preposición ante dicho complemento, se reviste de finalidad con para): <Peço-lhes [que se calem]> = <Peço-lhes isso> → <Peço-lhes para se calarem>. Finalmente, cabría hablar de ciertas restricciones que se producen, en general, sobre el uso del infinitivo flexionado: a) cuando el sujeto es el mismo en la oración principal y en la subordinada:

Queremos comer; [Queremos comermos / Queremos que comamos]

b) en las perífrasis, por el mismo motivo:

Temos de ir embora; [Temos de irmos embora]

Podes ficar em minha casa; [Podes ficares] em minha casa

c) cuando se generaliza la acción:

Comer e coçar é só começar

d) en complementos regidos:

Falaram em ir ao cinema; [Falaram em irem] ao cinema

2. Conclusiones En la actualidad, se verifica el infinitivo pessoal en los siguientes contextos, teniendo en cuenta que su función primordial es la de especificar su sujeto interno: a) como sujeto en construcciones copulativas, intransitivas y transitivas en las que se percibe elidido el sintagma [o facto de <quod] (grupos 1 a 4): O pior era [o facto de] serem pequenos ladrões, ladrões de rio, salteadores de casas (Eça de Queirós, Alves&Companhia, 1925).

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Todos nós havemos de morrer; basta [o facto de] estarmos vivos (Machado de Assis, Memórias póstumas de Bras Cubas, 1881). b) como complemento directo en oraciones transitivas regidas por verbos tradicionalmente relacionados con la psique humana cuando en latín clásico se construían con una [oración de infinitivo] (verbos de percepción sensorial, de presencia y manifestación); modernamente, los de lengua no aceptan esa construcción porque ya en el latín vulgar se asimilaron a la fórmula [ut+vfinito] (grupos 5 y 6): Viu atribuírem-lhe competências, das quais ele podia jurar que não dispunha: viu darem-lhe a paternidade de fatos de grande tática política (Aluísio Azevedo, Filomena Borges, 1884). Quase não se salva era o que ouvia dizerem sempre (Joyce Cavalcante, Inimigas íntimas, 1993). c) como complemento directo de los restantes verbos construyéndose éste como un atributo en una oración relativa: A par dos dispersos que disse serem [<que eram] a obra de Guilherme (Fialho de Almeida, Gatos 5, 1857-1911). […] desenhando pássaros que não via, mas que sabia estarem [<que estavam] escondidos (Lídia Jorge, O vale da paixão, 1998). Pretenderia acabar com os privilégios dos que julgava serem [<que eram] filhos ilegítimos de meu pai (Mª Isabel Barreno, O senhor das ilhas, 1994). d) en cualquier oración circunstancial en la que la conjunción se pueda sustituir por una locución preposicional con el mismo sentido (se añaden aquí las modales): Ia acompanhado de alguns vigilantes e escravos, cedidos por seus amos, sem saberem [que soubessem] para que efeito (Mário de Carvalho, Um deus passeando pela brisa da tarde, 1994) [modal]. Conta Sandrinha que a espreitavam através das cortinas franzidas de uma tenda e que, apesar de estarem [embora estivessem] cumprindo o seu papel, esperando que ela se recompusesse, não ocultavam a sofreguidão (Hélia Correia, Insânia, 1996) [concesivo] Faria asco se estivesse noutro espaço, asilada entre outras perdidas por estarem [porque estavam] dispostas juntas (Maria Velho da Costa, Missa in albis, 1988) [causal]. No salão do Metrópole, Salustiano encontra Chinita e a aperta, com certa violência, contra o peito, convidando-a para darem [para que dessem] uma volta lá fora (Érico Veríssimo, Caminhos cruzados, 1935) [final].

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Y, como consecuencia y en general, tras cualquier construcción preposicional en la que se quiera enfatizar el sujeto: Então não significam nada os vapores de chumbo que os intoxicam, a esses pobres rapazes que você acusa de fazerem [que esses pobres rapazes fazem] horas extraordinárias? (Tavares Rodrigues, Os Insubmissos, 1976). Alparecida e Adelaide saíram da igreja a tempo de verem [que Alparecida e Adelaide vissem] Alcides e alguns meninos empurrando o Corcel (José Louzeiro, Devotos do Ódio, 1987). Por feliz me dou eu em terem [que eles tenham] tirado dos ombros esta canseira (Júlio Dinis, Os Fidalgos da Casa Mourisca, 1871). No admiten el infinitivo conjugado las oraciones que se construían en latín con la conjunción [ut]. En algunos casos, con verbos muy usuales como los de lengua (en latín con oración de infinitivo) podría hablarse incluso de un proceso de gramaticalización tal como defienden algunos autores11. En definitiva, pretendo simplemente esclarecer algunas razones que indican, aun predominando el uso estilístico, las situaciones más habituales en las que se encuentra el infinitivo pessoal. Y como se ha visto, recurrir a la historia de la lengua continúa siendo la mejor opción para ese esclarecimiento.

Bibliografía Carrasco González, J. M. (1994). Manual de iniciación a la lengua portuguesa. Barcelona: Ariel. Chaves de Melo, G. (1984). Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao livro técnico. Cunha, C., & Cintra, L. (1984). Nova gramática do português contemporâneo. Lisboa: Edições João Sá da Costa. Ernout, A., & Thomas, F. (1964). Syntaxe latine (2nd ed.). Paris: Klincksieck. Heine, B. (1991). Grammaticalization: a conceptual framework. Chicago: The University of Chicago Press. Huber, J. (1986). Gramática do português antigo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian (traducción del original alemán: Alportugiesisches Elementarbuch, 1933). Iordan, I., & Manoliu, M. (1989). Manual de lingüística románica. Madrid: Gredos, 2 vols. Lausberg, H. (1981). Lingüística românica (2nd ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian (traducción del original alemán: Romanische Sprachwissenschaft, 24


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conjugado

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desde

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perspectiva

española

1963). García Cornejo, R.(2006). Morfología y sintaxis de “que” en la Edad Media. Sevilla: Universidad de Sevilla, Secretariado de Publicaciones. Marmelotta, M., & Votre C. [Coords.] (1996). Gramaticalização no português do Brasil: uma abordagem funcional. Rio de Janeiro: Tempo brasileiro. Mattos e Silva, R. V. (1994). O português arcaico. Morfologia e sintaxe. São Paulo: Universidade Federal da Bahia; Contexto. Nakayama, M. A., & Galembeck, P. T. (2009). Infinitivo flexionado: origem e uso. Boletim 57 - Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, 27-54. Posner, R. (1998). Las lenguas romances. Madrid: Cátedra. Real Academia Española (2009). Nueva gramática de la lengua española. Madrid: Espasa, 2 vol. Tarallo, F. (1990). Tempos lingüísticos, itinerário histórico da língua portuguesa. São Paulo: Ática. Vázquez Cuesta, P., & Mendes da Luz, Mª A. (1971). Gramática portuguesa. Madrid: Gredos, 2 vols. Votre, S.J. (1998). Marcação e iconicidade na gramaticalização de construções complexas. Gragoatá. Revista do Instituto de Letras da UFF. No 5, Niterói, EdUFF, 41-58.

Notas 1 Aunque el subjuntivo tiene plena vitalidad en la lengua portuguesa, tiende a evitarse en ciertas estructuras. Al respecto, y aplicado a otras lenguas románicas, Posner (1998:211) dice lo siguiente: “Parece que la gramaticalización de la distinción entre subordinación de infinitivo y oracional cuajó bastante tarde en la historia de las lenguas. Durante la Edad Media el infinitivo todavía se comportaba más como un nombre. En las lenguas modernas, las construcciones de infinitivo suelen contender con las oraciones en subjuntivo, y son, sobre todo en francés y en italiano, una manera de evitar el subjuntivo. A veces tienen un tono ligeramente libresco y liberan de las torpes complejidades morfológicas asociadas a las cláusulas conjugadas: Il lui faut le savoir / Il faut qu’il le sache; Es necesario que él lo sepa”. 2 Posner (1998:211): “En la mayoría de las lenguas romances se prefiere un infinitivo a una cláusula con verbo conjugado cuando el sujeto de la subordinada es el mismo que el de la cláusula principal o cuando el sujeto del verbo subordinado es el objeto del verbo principal. En el caso contrario, se prefiere una cláusula con verbo conjugado introducida por un complementador qu”. 3 Dada la gran variedad de tipología existente, me he basado en los criterios de la RAE en su Nueva gramática de la lengua española de 2009 publicada en Madrid por la editorial Espasa. 4 Algunos de estos verbos, lógicamente pueden pertenecer a dos grupos, como es el caso de lamentar, que figura en los verbos de afección pero también en los de manifestación (ya que su contenido semántico no es el mismo que desear, amar, etc.), continúa manifestando una información.

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exedra • nº 5 • 2011 5 Léase: García Cornejo, Rosalía (2006). Morfología y sintaxis de “que” en la Edad Media. Universidad de Sevilla, Secretariado de Publicaciones. 6 No entraré en el origen de la forma verbal. Léase: Nakayama & Galembeck (2009): “Infinitivo flexionado: origem e uso” in Boletim, nº57, Revista da Área de Humanas. Londrina: EDUEL, pp. 2754. 7 En todos los casos, evito frases en las que coincidan los dos sujetos ya que en ambas lenguas se usa el infinitivo invariable (ej.: El profesor demuestra saber la lección [el profesor demuestra que él mismo y no otro sabe la lección] =/= El profesor demuestra que los alumnos saben la lección). 8 A continuación, algunos verbos muy usuales (transitivos e intransitivos) que suelen construirse con una completiva en función de sujeto: aborrecer, agradar, angustiar, animar, comover, confundir, contrariar, culpabilizar, desagradar, desgostar, desinteressar, emocionar, entristecer, humilhar, implicar, impressionar, incomodar, interessar, maçar, ofender, perturbar, preocupar, seduzir, supor, surpreender, transtornar. [Que fales / Falares] sempre do mesmo, aborrece as pessoas [Que saiam / Saírem] cada noite, angustia a mãe [Que tragas / Trazeres] esses cabelos, desagrada ao teu pai [Que ele fale / Ele falar] cinco línguas, impressionou o júri 9 Verbos que suelen construirse con una completiva en función de complemento directo: aceitar, achar, acreditar, acrescentar, admitir, afirmar, alegar, assegurar, calcular, compreender, concluir, concordar, confessar, consentir, considerar, certificar, crer, declarar, decidir, descobrir, desculpar, desejar, dizer, duvidar, entender, esperar, exigir, fingir, ignorar, imaginar, insinuar, insistir, jurar, observar, ordenar, ousar, pensar, preferir, pregar, pretender, prever, proclamar, prometer, recear, reconhecer, sugerir, supor, temer, tencionar, tentar. Afirmo [que tudo é certo] Confessaram [que tinham roubado] o dinheiro Jura [que não fez nada] Prefiro [que não venhas] Reconheço [que me enganei] 10 “Este corpus é constituído de mais de 45 milhões de palavras que vêm de pouco menos de 57,000 textos. Tem 20 milhões de palavras do século XX, 10 milhões do século XIX, e 15 milhões de palavras dos séculos XIII-XVIII. No século XX, o corpus contém seis milhões de palavras de ficção, seis milhões de jornais e revistas, seis milhões de textos acadêmicos, e dois milhões de textos orais. Para cada um destes quatro gêneros e, portanto, na sua totalidade, os textos do século XX estão igualmente divididos entre textos de Portugal e do Brasil”. Georgetown University. 11 Léanse Heine (1991), Martelotta (1996) y Votre (1998).

Correspondência Ignacio Vázquez

ivazquez@ub.edu Universitat de Barcelona

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Aprender

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jogo

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justificação

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ã

o

transdisciplinar

Aprender o jogo jogando: uma justificação transdisciplinar Filipe Clemente

Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física – Universidade de Coimbra Rui Mendes

Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo A contemporaneidade científica no que respeita à aplicação de métodos de ensino tem vindo a debruçar-se sobre a necessidade de aumentar o maior enfoque cognitivo na aprendizagem de habilidades desportivas. Este tipo de teoria baseia-se na complexificação da tarefa e valorização da variabilidade como elemento fundamental da aprendizagem. O presente artigo visa avaliar as teorias que justificam o modelo dos Teaching Games for Understanding, e a sua real importância para o aprendiz. Palavras-chave Aprendizagem motora, Táctica, Ensino de jogos para a compreensão

Abstract The contemporary scientific knowledge as regards the application of teaching methods has been to address the need to increase stronger focus on cognitive learning of Physical Education. This type of theory is based on task complexity and variability of recovery as a fundamental element of learning. This article aims to evaluate the theories that lie behind the Teaching Games for Understanding, and its real importance to the student / apprentice. Keywords Motor learning, Tactics, Teaching games for understanding

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Introdução O processo ensino-aprendizagem no âmbito do desporto e da Educação Física tem sido abordado de formas bastante diferenciadas, segundo períodos histórico/políticos, na perspectiva de proporcionar aos alunos as melhores oportunidades/procedimentos para a sua aprendizagem. Numa taxonomia simplicista, as modalidades desportivas poderão ser agrupadas em individuais e colectivas. Embora com alguns pontos de intercepção, o facto é que os domínios em si encerrados são diferenciados, o que constitui, na óptica do professor e treinador, a necessidade de averiguar as melhores estratégias de ensino para responder às necessidades contextuais. Desde há alguns anos a esta parte, a perspectiva com que o professor se enquadra no processo ensino-aprendizagem, tende a ajustar-se às novas correntes de investigação e ao contexto social. Se associarmos o preconizado pelo currículo escolar de carácter aberto, no qual o professor tem maior abertura para aplicar distintos métodos de ensino, com os pressupostos teóricos sobre o controlo e aprendizagem motora, e as práticas a si inerentes, surge uma janela de oportunidade para a possibilidade de potenciar a aprendizagem dos aprendizes de formas diversificadas. É relevante que, embora existam correntes que justificam a metodologia do ensino do jogo através do jogo, não existe uma justificação transdisciplinar agregando as áreas da pedagogia/didáctica, controlo motor e aprendizagem e metodologia do treino desportivo. Nesta perspectiva, surge o presente trabalho que visa justificar, de forma sumária, os pontos de intercepção entre áreas do saber que justifiquem a necessidade de promover o ensino do jogo através do jogo.

Do simples analítico para a variabilidade do complexo Previamente, ao encarar da variabilidade com um factor positivo do jogo, as teorias cognitivistas entendiam a variabilidade de movimentos como ruído ou factor negativo na aquisição de habilidades, tendo sido indesejada em todas as fases da aprendizagem (Davids, et al., 2006). Este pensamento surgia da consequência de que se encarava a prática repetida ao longo do tempo (automatização) como factor indispensável para memorização de padrões motores estanques (Davids, Araújo & Shuttleworth, 2004). O mesmo pensamento baseava28


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transdisciplinar

se nos pressupostos teóricos da existência de programas motores genéricos armazenados no sistema nervoso (Temprado & Laurent, 1999). De facto, a grande importância era concedida aos processos internos do sujeito (Araújo, Davids & Serpa, 2005). Porém, o processo de automatização (estabilização da performance) não explica a causalidade que leva a que dois sujeitos diferentes, em fase de consolidação do gesto, apresentem performances consideravelmente distintas em jogo. O facto é que, dominar a técnica, não significa que, em situação de jogo formal, com constrangimentos de diversa ordem, garanta, só por si, o sucesso. Embora, usualmente, o nível de habilidade seja inferido do desempenho na ausência de perturbação, não há dúvida de que a capacidade de adaptar-se às perturbações constitui-se um elemento decisivo na sua avaliação (Tani, 2005). A sobredosagem de métodos analíticos descontextualizados da essência táctica dos desportos colectivos não cumpre os pressupostos de representatividade do jogo, por outras palavras, a especificidade (Vilar, Castelo & Araújo, 2010). Para Garganta (2002), no método analítico, em que o gesto técnico é privilegiado, a abordagem do jogo é retardada até que as habilidades alcancem o rendimento desejado. Outra desvantagem do método é a de não ocorrerem os processos de tomada de decisão, pois o aluno possui conhecimento do movimento a ser realizado (Gama Filho, 2001; cit in Costa & Nascimento, 2004). Além disso, os exercícios repetitivos não estimulam a motivação dos participantes (Costa & Nascimento, 2004). Assim, o sucesso no desporto não deve ser atribuído apenas ao gesto técnico, devendo-se adoptar, simultaneamente, uma efectiva tomada de decisão que inclui, por exemplo, antecipação, reconhecimento de padrões e reconhecimento de sinais relevantes (McPherson, 1994; Poolton, et al., 2005; Matias & Greco, 2010). É importante desenvolver nos praticantes uma disponibilidade motora e mental que transcenda largamente a simples automatização de gestos e se centre na assimilação de regras de acção e princípios do espaço de jogo, bem como de formas de comunicação e contra comunicação entre os sujeitos (Garganta, 1995). O treino não deve ser caracterizado como uma associação entre estímulos e respostas constrangidas por regras ou verbalizações decoradas pelo atleta/aluno, mas sim pela organização funcional de actividades práticas (Araújo, et al, 2009) que promovam a aquisição das qualidades, mesmo em principiantes (Araújo, Davids & Passos, 2007). Numa perspectiva do professor, a apropriada manipulação dos constrangimentos pode dirigir a atenção dos aprendizes para fontes relevantes de informação, agindo de modo a usar a informação que permita atingir os objectivos (Araújo, et al., 2005). O grande papel do professor e treinador deverá passar por percepcionar, identificar e manobrar os constrangimentos mais importantes que influenciem a auto-organização do 29


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sistema de acção e como a interacção de constrangimentos concorre para a emergência de comportamento específico de jogo (Vilar, Castelo, & Araújo, 2010). Desta forma, o treinador terá que analisar e reconhecer as características dos seus alunos relevantes para a tarefa, o objectivo da actividade e quais os constrangimentos essenciais a serem explorados de forma a que decorra uma sucessão de alterações progressivas na tarefa, para facilitar e guiar o processo de aprendizagem (Davids, et al., 2004). Para tal, uma das possibilidades de explorar os constrangimentos no processo de aprendizagem passa por simplificar regras, reduzir o número de jogadores, reduzir o espaço do terreno de jogo (Figueira & Greco, 2008) e focalizar a prática em determinados objectivos, não alterando os padrões essenciais do jogo (especificidade). Neste sentido, os exercícios devem ser direccionados para a promoção de uma abordagem que invoque a oposição e a gestão da desordem como base da sua evolução didáctica (Gréhaigne, et al., 1997). Adaptar essa metodologia implica optimizar as capacidades cognitivas desde idades precoces, para suprimir a divisão do processo de ensino-aprendizagem em técnica e táctica, habilidades e capacidades (Figueira & Greco, 2008).

A importância da táctica no desenvolvimento do sujeito A táctica é a inter-relação dos factores do jogo: espaço, tempo, colega, bola, adversário, na dependência directa do objectivo final do desporto e dos objectivos tácticos gerais e específicos da acção (Bayer, 1986). O conhecimento táctico é o conhecimento em acção, que possibilita ao praticante tomar decisões tácticas (Garganta, 2006). A capacidade táctica do praticante é constituída pela interacção dos processos cognitivos que desencadeiam tomadas de decisão, as quais objectivam a execução motora direccionada à obtenção da meta desejada (Matias & Greco, 2010). Assim, nas modalidades desportivas colectivas, a componente cognitiva centra-se nos processos de selecção de resposta e, desta forma, através da cognição, o praticante realiza a leitura de jogo (Matias & Greco, 2010). O conhecimento táctico facilita a selecção e codificação de sinais relevantes e, também, a tomada de decisão, já que conduz à redução do tempo necessário para a discriminação do estímulo (McPherson, 1994; Williams et al., 2003). Segundo Greco (2006a) são identificados dois tipos de conhecimento táctico: 1) o conhecimento táctico declarativo e; 2) o conhecimento táctico processual. Para os mesmos autores, o conhecimento táctico declarativo refere-se à capacidade do praticante de saber o que fazer, ou seja, conseguir declarar de forma verbal e/ou escrita qual a melhor decisão a ser tomada e o porquê da mesma. Quanto ao conhecimento táctico processual, referese ao como fazer, sendo a capacidade do praticante operacionalizar a acção, estando 30


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o

jogo

jogando:

uma

justificação

transdisciplinar

intimamente relacionado com a acção motora. Nas modalidades desportivas colectivas, os atletas mais experientes possuem um conhecimento táctico declarativo e processual superior aos praticantes com menor experiência, bem como um conhecimento mais estruturado e organizado que possibilita tomar decisões mais rápidas e exactas, verificando-se uma correlação positiva entre conhecimento e performance (McPherson, 1994; Greco, 1995; Costa et al., 2002; Matias et al., 2004; Matias, et al., 2005; Greco, 2006b). Nos praticantes experientes, os níveis de conhecimento declarativo e processual apresentam uma maior proximidade enquanto que, nos praticantes de nível inferior, denota-se um desfasamento entre os dois conhecimentos para a performance (Matias & Greco, 2010). Perante o exposto, existem diferenças entre os praticantes experientes e inexperientes quanto à acção táctica ressalvando-se, de entre outros, um maior conhecimento declarativo e processual; um conhecimento organizado e estruturado; uma maior objectividade nos processos de procura visual; uma melhor selecção dos sinais relevantes; uma maior capacidade de auto-regulação táctica ou; uma maior capacidade para planear as acções antecipadamente (Williams, 2000; Mann, et al., 2007).

Teaching Games for Understanding O modelo de ensino Teaching Games for Understanding (TGfU) é originário dos autores Bunker e Thorpe que em 1982 publicaram o artigo A Model for the Teaching of Games in Secondary Schools. Este método de ensino pode ser encaixado na perspectiva do trabalho táctico como suporte essencial para a aprendizagem, justificado anteriormente. O TGfU orienta-se por quatro princípios pedagógicos (Griffin & Butler, 2005): 1) a selecção do tipo de jogo; 2) a modificação do jogo por representação; 3) a modificação por exagero e; 4) o ajustamento da complexidade táctica. Neste método, o jogo, objectivado numa forma modificada concreta, é a referência central para o processo de aprendizagem, sendo ele que confere coerência a tudo quanto se faz de produtivo na aula (Graça & Mesquita, 2007). Assim, todos os momentos de aprendizagem centralizam-se no jogo e nos seus aspectos constituintes, como a tomada de consciência táctica, tomada de decisão, a exercitação necessária, entre outros. O TGfU não nega a necessidade do ensino da técnica, apenas sustenta que o trabalho específico da técnica surja após a apreciação do jogo e a contextualização da sua necessidade a partir de situações modificadas de jogo (Graça & Mesquita, 2007). Hopper e Bell (2001) referem-se ao agrupamento dos jogos pela sua classificação enquanto semelhanças estruturais, sendo elas: jogos de alvo; jogos de rede/parede; jogos de batimento e jogos de invasão ou territoriais. Assim, a componente táctica relativa a cada grupo, é um 31


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elemento fundamental para a aprendizagem transversal dos alunos. Com isto pretendese dizer que, praticando um jogo de invasão, os alunos irão aprender competências tácticas relativas a todas as modalidades que envolvam esse tipo de elemento. O papel do professor na aplicação deste método (Turner & Martinek, 1999) reside em: a) o professor estabelece a forma de jogo; b) o professor observa o jogo ou a exercitação; c) o professor e os alunos investigam o problema táctico e as potenciais soluções; d) o professor observa o jogo e intervém para ensinar; e) o professor intervém para melhorar as habilidades. Nesta perspectiva, é importante que o professor, na selecção da forma de jogo apropriada, se preocupe em apresentar formas de jogo que tenham em conta as concepções que os alunos trazem para a situação de aprendizagem e que possam ser vistas por parte dos alunos como formas de jogo credíveis e autênticas (Graça & Mesquita, 2007). Segundo os mesmos autores, a compreensão emerge como uma interface entre a forma de jogo adoptada e o conceito de jogo, cuja função é focar a atenção do professor sobre como ajudar os alunos a estabelecer a ligação entre os propósitos do jogo e a forma modificada de jogo proposto. Estudos sobre o TGfU (Mitchell & Oslin, 1998; Wallhead & Deglau, 2004) mostram o seu real valor enquanto método de ensino. No caso do estudo de Mitchell e Oslin (1998), foi mostrado a capacidade de transferibilidade da aprendizagem, constatando que a compreensão táctica adquirida nas aulas se transferia para a compreensão de novos jogos relacionados. Noutro estudo, Wallhead e Deglau (2004) investigaram a motivação dos alunos quando sujeitos ao método TGfU. Os resultados revelaram que o modelo proporcionou uma experiência positiva, não ameaçadora para aceitar desafios, gratificante pela aquisição de competência táctica e intrinsecamente motivante pelo prazer proporcionado pelas actividades de jogo. Apesar dos efeitos positivos que este método de ensino potencia, o facto é que em Portugal existe, ainda, pouca investigação sobre a aplicabilidade do método e quais as formas correctas de a fazer.

Conclusão Diversos campos do saber têm-se debruçado sobre a necessidade de encarar o ensino da educação física e do desporto com uma perspectiva complexa e, cada vez mais, com um enfoque cognitivo maior. Assim, o controlo motor e aprendizagem através da sua abordagem em relação à variabilidade, em consonância com as novas metodologias de treino e com as suas

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preocupações tácticas, formam o suporte teórico que justifica, concretamente, a necessidade de incorporar, como prática recorrente, o ensino do jogo através do jogo. O método Teaching Games for Understanding, caminha em direcção às teorias de aprendizagem motora, no entanto, a parca investigação em Portugal sobre a temática não revela a frequência de utilização deste método, nem a aceitação por parte dos professores. Parece pertinente, em próximos estudos sobre a temática, aferir o estado de aplicação deste método, verificando se, de facto, é uma hipótese válida para os profissionais que no âmbito do desporto e da educação física pretendem o desenvolvimento integral dos aprendizes.

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Correspondência Filipe Clemente Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física Estádio Universitário de Coimbra, Pavilhão 3 3040-156 Coimbra filipe.clemente5@gmail.com

Rui Mendes (Centro Interdisciplinar de Estudos da Performance Humana) Escola Superior de Educação de Coimbra Praça Heróis do Ultramar – Solum 3030-329 Coimbra rmendes@esec.pt

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Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Setúbal João Grácio

EB1/JI do Afonsoeiro, Montijo

Resumo Este artigo analisa a metodologia de ensino e aprendizagem adoptada numa sala de 3º e 4º ano de 1.º Ciclo de Ensino Básico (CEB) e a inclusão das tecnologias nesse contexto. O professor optou por uma metodologia de carácter construtivista, centrada no trabalho dos alunos e na exposição do seu trabalho aos colegas e à crítica do grande grupo. Em todas as fases do trabalho se registou a presença das tecnologias que se constituíram como uma ferramenta de suporte à aprendizagem dos astros mas, cuja utilização, proporcionou também o desenvolvimento de competências de utilização das próprias tecnologias. O desenvolvimento destas competências tem cada vez mais importância, não só pela presença das tecnologias no quotidiano do século XXI e pela importância que podem ter nas profissões futuras destes alunos, mas também pelo valor que lhes atribuem as recentes metas de aprendizagem publicadas pelo Ministério da Educação. Palavras-chave TIC, Tecnologias, 1.º ciclo de ensino básico, Multimédia, Aprendizagem Abstract This article intends to analyse the teaching and learning methodology adopted in a 3rd and 4th grade classroom (1.º Ciclo) and the use of technologies involved. The teacher has chosen a constructivist methodology approach centralized on the students’ work and its presentation to their colleagues’ appreciation and critique. Along the work, we were not only able to see the presence of technology as a support to the chosen learning content [space and stars] but it has also permitted the development of technologies’ skills itself. The development of such skills comes forward as being of high contemporary relevance either due to its present increasing importance in personal, education and work contexts and, consequently, its useful role in the student’s future, as well as the significant value given to these skills by the Portuguese Ministry of Education. Keywords ICT, Technology, Primary school, Multimedia, Learning 37


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Introdução O presente artigo surge no âmbito de um projecto de doutoramento em curso e constitui-se como uma oportunidade de reflexão conjunta entre a investigadora e o professor da turma sobre uma experiência concreta que foi objecto de observação não participada. Os alunos da turma não tinham experiências, em anos lectivos anteriores, de utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na sala de aula, mas iniciaram o ano com um professor novo que assume que a aprendizagem se efectua melhor se os alunos se sentirem responsabilizados por ela e se a resposta às mais diversas questões for da sua iniciativa, tendo como orientador o professor que abandona a postura de centralidade na formação, para adoptar um papel de gestor das aprendizagens dos alunos. Neste contexto de trabalho, orientado por pequenos projectos, a utilização das TIC surge naturalmente integrada, como instrumento de acesso a informação, pesquisa, selecção, produção e publicação de trabalhos, na perspectiva de contribuir para a aprendizagem dos alunos nas mais diversas áreas curriculares. Na fase em que este trabalho foi efectuado, os alunos estavam já familiarizados com as ferramentas de produção do Microsoft Office e o desafio lançado pelo professor foi que utilizassem o PhotoStory1 para, em pequeno grupo, construírem um produto multimédia sobre um astro. Uma vez construído o produto, o grupo partilhava-o e discutia-o com todos os colegas da turma, permitindo assim que toda a sala ficasse com algum conhecimento sobre todos os astros tratados. As experiências anteriores de construção de produtos multimédia destes alunos eram constituídas por textos ilustrados ou apresentações efectuadas com o PowerPoint. O artigo inicia-se com a caracterização do contexto onde a experiência ocorreu, onde se procurará clarificar as condições tecnológicas da escola, e as características da sala, em particular no que se relaciona com competências tecnológicas dos alunos. Na fase seguinte procuraremos clarificar, à luz da investigação, as opções metodológicas efectuadas que levam à inclusão das TIC como ferramenta do dia-a-dia dentro da sala de aula e, finalmente, descreveremos e reflectiremos sobre a experiência efectuada.

1. Caracterização do contexto Com a caracterização do contexto pretende-se dar a conhecer as condições tecnológicas da escola e da turma em que decorreu esta experiência. Do ponto de vista da escola, parece-nos importante clarificar as condições físicas de acesso à Internet e do 38


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ponto de vista da turma não só pretendemos referir essas condições como a experiência anterior dos alunos na utilização das tecnologias. A experiência decorreu na EB1/JI do Afonsoeiro que pertence ao concelho de Montijo, Distrito de Setúbal. A escola pertencia, na época, ao Agrupamento de Escolas de Afonsoeiro e Sarilhos Grandes e possui oito salas de aula, funcionando uma delas como espaço de Tratamento e Educação de Crianças Autistas e com Perturbações da Comunicação - Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children (TEACCH). As restantes sete salas destinam-se ao 1.º Ciclo do Ensino Básico. A escola possui um sistema de acesso à Internet por Wireless que permite aceder a esta rede em qualquer uma das salas. A turma era constituída por vinte alunos com uma grande heterogeneidade, não só por ter dois anos de escolaridade (3.º e 4.º), mas também por ter crianças de várias idades (8 a 11 anos) e por ter integrada dois alunos com espectro de autismo. Se um desses alunos está na sala TEACCH, indo apenas à sala por períodos de 30 minutos, o outro estava integrado na sala a tempo inteiro. Todas estas características obrigavam a trabalho diferenciado a ser desenvolvido na sala ao mesmo tempo, tendo o professor um papel regulador da e na aprendizagem. Outro dos alunos que integrava esta turma, chegou no início do ano lectivo, de um país lusófono, com pouco contacto com a língua portuguesa falada e escrita. Isto fez com que fosse preciso realizar uma adaptação à língua e aos costumes do país de acolhimento. Alguns dos restantes elementos da turma eram alunos com uma retenção ao longo do seu percurso escolar. No início do ano, com a aplicação das fichas de avaliação diagnóstica, pôde-se constatar várias lacunas ao nível de todas as áreas curriculares. Com o trabalho que foi desenvolvido, algumas dessas dificuldades foram superadas ou minoradas, apesar de alguns alunos terem ainda uma baixa expectativa face à escola e ao seu desenvolvimento pessoal. Na sala existem dois computadores fixos, ambos ligados à Internet, e uma impressora. Nem todos os alunos possuem o computador Magalhães mas existem unidades suficientes para permitir trabalho em pequeno grupo com um computador. Mesmo quando os grupos de trabalho são constituídos por dois alunos é possível que cada grupo disponha de um computador, quer seja um Magalhães, quer seja um dos computadores fixos. Até ao início do ano lectivo, a relação da turma com as tecnologias era bastante pobre. Apesar de vários alunos terem o computador Magalhães, este era apenas utilizado uma vez por semana, para realizar algumas cópias em Word de textos que entretanto tinham produzido, e como bónus por ter sido acabado algum trabalho antes do tempo. 39


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Assim, os alunos não tinham hábitos de utilização do computador e pensavam nas tecnologias como uma forma de brincadeira. No início do ano lectivo, os alunos tinham desenvolvido poucas competências tecnológicas e as experiências de utilização da Internet eram muito pobres, limitandose a pesquisa de informação sem quaisquer cuidados na selecção da informação e sem preservar a propriedade intelectual.

2. A opção pelas tecnologias Nos últimos anos têm surgido muitos autores a referir as potencialidades das TIC na melhoria dos processos de aprendizagem e alguns referem mesmo reflexos positivos na aprendizagem dos alunos (Gulek & Demirtas, 2005, p. 83). No ano civil de 2007, a equipa multidisciplinar Computadores Redes e Internet nas Escolas (CRIE), em colaboração com o Ministério da Educação lançou o projecto “Iniciativa, Escolas, Professores e Computadores Portáteis”, que se constituiu como o primeiro projecto que, em Portugal, permitiu a utilização de computadores portáteis na sala de aula do 2.º e 3.º Ciclo do Ensino Básico e do Secundário. O relatório de avaliação deste projecto (Ramos, Espadeiro, Carvalho, Maio, & Matos, 2010) também concluiu que a utilização dos portáteis teve reflexos positivos na aprendizagem dos alunos, particularmente no desenvolvimento de competências no uso das tecnologias, o interesse e motivação dos alunos pelos temas do currículo, o comportamento e a autonomia dos alunos na sala de aula. Apesar das vantagens referidas, o conhecimento que possuímos do modo como os professores utilizam as tecnologias, aponta para um uso pouco frequente com os alunos, em sala de aula, à semelhança do que Paiva (2002) descreveu no seu estudo e que levou a autora a concluir que as razões associadas a essa baixa frequência se relacionam com a “falta de oportunidades para usar os computadores”, (p.48). Batista (2010), citando Roschelle & Pea (2002), considera que é necessário existir uma maior liberdade de acesso aos computadores por parte de professores e alunos para que haja uma passagem de um uso ocasional para um outro mais frequente. O Plano Tecnológico de Educação (PTE) tem promovido a disponibilização de equipamentos nas escolas, pelo que esta maior liberdade de acesso aos computadores pode estar a sofrer alterações. Mas não basta haver tecnologias nas escolas, como se afirma no projecto Teaching and Learning Research Programme (2004), desenvolvido no Reino Unido, onde se concluiu que os professores percepcionavam o apoio às TIC na educação como sendo a colocação de tecnologias na escola e os autores consideram que o apoio prioritário é ao ensino e à aprendizagem. O facto de dispormos de tecnologia na sala e mesmo de recursos que sugiram formas para a sua integração não bastará para uma efectiva integração 40


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das TIC (Prensky, 2006). A disponibilização dos equipamentos às escolas é, do nosso ponto de vista, um passo simples no sentido da sua utilização frequente na didáctica das várias disciplinas, quando comparados com os esforços necessários para os colocar efectivamente ao serviço da aprendizagem dos alunos. Sem equipamentos nada mais se poderá fazer, mas o apoio aos professores na sua utilização é fundamental, como referem Rodrigues & Moreira (2009) ao considerar que um dos aspectos positivos do projecto Internet@EB1 foi a colocação de equipamentos nas escolas, seguida de formação aos docentes e apoio à sua utilização. De entre as iniciativas do PTE, a que mais importância teve no 1º CEB foi a iniciativa Magalhães, que contribuiu decisivamente para o acesso às tecnologias porque permitiu aos alunos adquirir, a baixo custo, um computador portátil. No entanto, a iniciativa não proporcionou esses equipamentos a professores e a formação disponibilizada para professores de 1º CEB foi constituída, por uma sessão de sensibilização junto dos coordenadores Equipa de Recursos e Tecnologias Educativas/Plano Tecnológico da Educação (ERTE/PTE) do Ministério da Educação e mais tarde, pela divulgação de um conjunto de módulos de apoio a workshops de formação destinados a formadores, com algumas actividades e recomendações sobre a utilização das tecnologias na sala de aula e junto da família (Ministério da Educação, 2009). Apesar desta formação de professores nos parecer escassa, os equipamentos existentes permitem a sua utilização na sala de aula, o que não acontecia anteriormente. Os computadores portáteis, com acesso à Internet, podem proporcionar outras formas de aprender mas podem também preencher lacunas de recursos nas escolas. Com eles ficam disponíveis meios de representação (por exemplo calculadoras e processadores de texto), ferramentas para actividades criativas, acesso e manipulação de fenómenos (Batista, 2010). Com eles fica também acessível uma imensa biblioteca, a Internet, e um contexto de aprendizagem rico em recursos e em ferramentas de manipulação, criação e divulgação de informação (Figueiredo, 2002). Mas as alterações provocadas pela entrada do computador na sala de aula podem também afectar as metodologias utilizadas pelo professor e os papéis que ele desempenha na gestão da sala de aula. Weckelmann & Almeida (2009) desenvolveram um estudo sobre o projecto “Iniciativa, Escolas, Professores e Computadores Portáteis” no qual concluem que os professores envolvidos destacam mudanças na organização do trabalho docente, na planificação das sessões e nos papéis desempenhados pelo professor, que passam agora a ter funções de orientador e de parceiro na construção do conhecimento e na construção de propostas de trabalho. Segundo Squires & McDougall (1994), com a utilização das TIC na sala de aula, o professor terá também outros papéis: como disponibilizador de recursos, efectuará a recolha e selecção de materiais para as actividades; como gestor, 41


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deverá conhecer e perspectivar as diversas possibilidades de utilização do software pelos alunos na sala de aula, e deverá também gerir o tempo de uma aula que, em consequência das interacções, poderá ser consideravelmente mais difícil de gerir do que numa aula tradicional; como supervisor, efectuará acompanhamento de trabalho dos pequenos grupos; como investigador, ver-se-á confrontado com as dificuldades de aprendizagem dos alunos, sugerindo um papel de “investigador”; como facilitador, não deverá esquecer o seu papel tradicional de contribuir para que os alunos desenvolvam as suas aprendizagens. Observou-se que, durante o trabalho de pequeno grupo dos alunos, o professor desempenhou todos estes papéis sugeridos por Squires & McDougall (1994). O professor da turma tem uma visão semelhante à destes autores. Segundo ele:

“o papel do professor mudou completamente e os alunos gostam de ter um papel mais activo na sala de aula, sendo eles a fazer pesquisa e a construir pequenos projectos. É claro que o professor tem um papel muito importante na orientação das aprendizagens, mas deve deixar os alunos procurar o conhecimento e não ser ele a transmiti-lo”. O professor da turma afirma também que gosta de trabalhar segundo uma metodologia de trabalho de projecto que, de acordo com Castro & Ricardo (1993) “é um método que requer a participação de cada membro do grupo, segundo as suas capacidades, com o objectivo de realizar um trabalho conjunto, decidido, planificado e organizado de comum acordo” (p. 9). Esta definição é coerente com as observações que efectuámos. O professor, numa fase inicial, procura que os alunos se envolvam no trabalho, elaborando com eles o plano e os objectivos a atingir. Depois, produz algum documento de apoio, se o considerar pertinente, e propõe trabalho de grupo com as fases de pesquisa e selecção de informação e construção de um documento que é apresentado à turma e discutido em grande grupo. A fase final inclui uma reflexão do pequeno grupo sobre o trabalho que efectuaram e, eventualmente, a reformulação das suas produções. Em todas estas fases as tecnologias estão presentes e ficamos com a ideia de que elas ajudam a promover os papéis que os alunos desempenham neste contexto. Segundo Squires & McDougall (1994), a utilização das tecnologias leva os alunos a tornarem-se mais activos e participativos nas suas aprendizagens, no desenvolvimento do pensamento, adquirindo maior responsabilidade nas suas próprias aprendizagens do que nas aulas tradicionais. No contexto que estudámos parece-nos que este apelo à participação e à responsabilização dos alunos nas actividades é feito não só com a tecnologia mas também com a metodologia de trabalho adoptada.

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2.1. Competências tecnológicas As TIC desempenham um papel muito importante na sociedade contemporânea e os alunos estão muito próximos das formas de comunicação, de acesso à informação e de produção de conhecimento que elas propiciam. Mas elas constituem também um forte potencial para a promoção da sociedade e dos indivíduos e são, portanto, muito importantes também na missão que a escola deve desempenhar (Ministério da Educação, 2010). A importância que as tecnologias possuem na sociedade e a sua inclusão na missão da escola devia passar por orientações da tutela. Nos Estados Unidos da América existe um modelo com a definição sobre as competências tecnológicas que os alunos devem adquirir (International Society for Technology in Education, 2007). Esta definição tem como objectivos a adaptação do ensino às exigências de competências tecnológicas da sociedade e pretende que os alunos consigam utilizar as TIC para resolver problemas, para desenvolver projectos e para complementar as competências de modo criativo. Este modelo organiza-se em cinco grandes temas: 1) criatividade e inovação, 2) comunicação e colaboração, 3) fluência na pesquisa de informação, 4) pensamento crítico, resolução de problemas e tomada de decisão e 5) cidadania digital. No conjunto de temas do modelo estão incluídos os conhecimentos sobre as tecnologias mas também a sua contextualização como extensão das capacidades humanas, nomeadamente no sentido de produção de documentos e resolução de problemas, duma forma crítica e no respeito pela cidadania. Em Portugal, existem algumas referências à utilização das tecnologias nas orientações curriculares (Ministério da Educação - Departamento de Educação Básica, 2001) mas têm um carácter de recomendações gerais e possuem pouca clareza. Essa falta de orientações claras pode conduzir ao abandono das tecnologias por parte do professor, mas pode também permitir a sua utilização nos mais diversos contextos (Ramos, 2007). No fundo, os critérios de utilização das TIC na sala de aula, em Portugal, são da quase exclusiva responsabilidade do professor. Belchior e colaboradores (1993) enunciam os objectivos gerais da utilização das TIC na Educação, que incluem: •

Enriquecer e aprofundar a aprendizagem ao longo do currículo usando as TIC como suporte no trabalho de grupo, no trabalho individual e no reforço da aprendizagem de todos os alunos;

Adquirir confiança e prazer no uso das TIC, familiarizando-se com as aplicações do diaa-dia, sendo capazes de avaliar as potencialidades e as limitações das mesmas;

Criar nos alunos autonomia e responsabilidade pela sua própria aprendizagem e dar-lhes oportunidade de decidirem da pertinência, ou não, da utilização das TIC na

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exedra • nº 5 • 2011 realização dos seus projectos.

O Ministério da Educação publicou recentemente as metas de aprendizagem (2010), que se propõem ser uma estratégia de desenvolvimento do currículo, onde as TIC surgem como uma área transversal e que pode contribuir para a inclusão das tecnologias nos vários ciclos de ensino. Sem currículo próprio, as metas na área das TIC foram construídas numa perspectiva transversal e em estreita articulação com as restantes áreas científicas e têm, portanto uma perspectiva horizontal ao currículo. O documento das metas de aprendizagem considera que é no 1.º CEB "que se constroem as bases estruturantes do conhecimento científico, tecnológico e cultural, fundamentais para a compreensão do mundo, a inserção na sociedade e a entrada na comunidade do saber". Estas metas têm como propósito servir de orientação a todos os intervenientes no processo educativo e são constituídas por indicadores de desenvolvimento de competências à saída dos vários ciclos, e no caso do 1.º CEB, possuem ainda indicadores intermédios. As metas em TIC para o 1º CEB estão organizadas em quatro grandes áreas: informação, comunicação, produção e segurança. Na área da informação pretende-se que o aluno utilize recursos digitais para pesquisar, seleccionar e tratar a informação; no que se relaciona com a comunicação pretende-se que o aluno interaja com outras pessoas, usando ferramentas de comunicação síncrona e assíncrona e respeitando as regras de conduta subjacentes; na área da produção, pretende-se que o aluno desenvolva trabalhos escolares com recurso a ferramentas digitais; e na área da segurança opta-se por comportamentos elementares de segurança com ênfase nos direitos de autor e, consequentemente no cuidado com situações passíveis de serem consideradas plágio. Estas orientações estiveram presentes ao longo desta experiência. A utilização do processador de texto e do PhotoStory como ferramentas de produção, do email como ferramenta de comunicação professor/alunos e entre os alunos, a pesquisa na internet e a publicação online de trabalhos dos alunos faz parte integrante da dinâmica desta sala de aula e tem como objectivos principais o enriquecimento do seu contexto de aprendizagem e sua consequente melhoria, o desenvolvimento de competências de utilização das TIC e a co-responsabilização dos alunos no processo de aprendizagem. As TIC podem também ser vistas como ferramentas naturais na educação uma vez que a aprendizagem se baseia em lidar com informação. Ouvir, falar, ler, escrever, pensar, avaliar, síntese e análise, resolução de problemas matemáticos e memorizar versos ou capitais de países, são exemplos de processamento de informação em educação. Mas talvez mais importante seja o acesso a informação que antes era marginal na escola e que progressivamente se foi tornando mais importante como o planeamento de projectos e a procura de informações para além das incluídas nos manuais escolares (UNESCO, 2005).

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O projecto curricular de turma, que segundo o Decreto-lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro, visa adequar ao contexto da turma as estratégias de concretização e desenvolvimento do currículo nacional e do projecto curricular de escola, previa que os recursos informáticos são “um excelente contributo para a realização dos projectos dos alunos, durante a qual terão a possibilidade de pesquisar informações, bem como de as tratarem…” e “…os computadores serão também utilizados como forma de motivar os alunos para a escrita e de superar as dificuldades sentidas a este nível…” (Grácio, 2009, p. 42). Assim, a utilização dos recursos tecnológicos como pretexto de melhorar as aprendizagens dos alunos nas diferentes áreas curriculares, de efectuar projectos com uma forte autonomia dos alunos e de desenvolvimento das suas competências tecnologias foi desde o início do ano, um dos objectivos deste professor e esta experiência pretende ser um contributo nesse sentido.

3. Utilização do PhotoStory A utilização que este professor faz da tecnologia com os seus alunos insere-se com alguma naturalidade num contexto onde se procura dotar os alunos de autonomia e responsabilidade na sua aprendizagem. No nosso entender, é adoptada uma metodologia predominantemente construtivista de ensino e aprendizagem que se observa por vários indícios. Segundo Marques (2007), citando Vygotsky (1978), a única aprendizagem significativa é a que ocorre através da interacção entre o sujeito, o objecto e outros sujeitos (colegas ou professores) ou seja é a que se baseia no processo de construção do conhecimento por parte dos alunos. Refere ainda que esse processo de construção é tanto melhor conduzido quanto melhor o professor for capaz de criar ambientes de aprendizagem que potenciem a interacção entre alunos. Assim, no dia-a-dia desta turma, o tempo de aula expositivo, onde o professor tem um papel central e os alunos se limitam a um papel passivo de ouvintes tem uma duração curta e é utilizado no início da aula para as actividades iniciais, para pontos de situação ao longo do trabalho de grupos e para as actividades de encerramento onde se procura, com frequência, uma reflexão sobre o trabalho efectuado e sobre as aprendizagens adquiridas. Os recursos distribuídos aos alunos têm um valor acrescido para enriquecimento do contexto de trabalho dos alunos e são frequentemente construídos ou selecionados pelo professor e distribuídos por email, em formato digital. Todos os dias, pela manhã, os alunos recebem um email enviado pelo professor com um anexo onde consta o plano de aula desse dia. É interessante observar os comportamentos matinais dos alunos que entram na sala e ligam os computadores para lerem o email, procedimento que já se 45


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tornou rotineiro e que fazem com autonomia, sem recomendação do professor. Durante a maior parte do tempo, os alunos trabalham em projectos, em pequenos grupos e o professor tem tarefas de orientador das aprendizagens dividindo o seu trabalho no apoio aos vários grupos. Os trabalhos de projecto desenvolvidos pelos alunos utilizam, com frequência, a Internet como uma enorme biblioteca à distância de um click e o processador de texto ou um programa de apresentações electrónicas à semelhança da opinião de Ainley, Enger, & Searle (2008) que analisaram vários estudos efectuados em diversos países europeus sobre a utilização das tecnologias por alunos do ensino secundário, e referem que as competências dos alunos em TIC estão a aumentar no que se relaciona com a utilização rotineira da Internet, com a criação ou edição de um documento ou com o envio de um email. No entanto, os mesmos autores referem que uma pequena percentagem dos estudantes indica que se sente confortável a executar, sem assistência, tarefas de ordem superior, como a criação de uma apresentação multimédia ou a construção de uma página da web. Foi com um raciocínio semelhante a este que o professor lançou aos seus alunos o desafio de construírem um filme sobre um astro, utilizando o programa PhotoStory.

3.1. Objectivos da experiência Os objectivos desta experiência relacionaram-se, como todas as outras desenvolvidas até ao momento, com algo específico do currículo. Neste caso, os astros e o conhecimento dos planetas, do Sol e da Lua, foi o ponto de partida para este trabalho. Assim, pretendiase que os alunos ficassem a conhecer este tema e que depois idealizassem e construíssem uma apresentação para os colegas para que todos ficassem com mais informação sobre o tema. Em vez de termos uma aula expositiva, onde o professor fala sobre a matéria e os alunos são apenas ouvintes e onde se limitam a tirar apontamentos, optou-se por uma metodologia de carácter mais construtivista e pretendeu-se que fossem os alunos a pesquisar informação sobre o tema e com esses dados, utilizando o programa PhotoStory, fossem capazes de construir um pequeno filme onde inserissem textos e imagens que considerassem importantes sobre o astro que iam estudar. Tivemos então vários objectivos com esta proposta: - Pesquisa de informação usando a Internet; - Selecção da informação pertinente e importante; - Compreensão da informação e tratamento para apresentação aos colegas; - Utilização do programa PhotoStory (construção de conteúdos); - Apresentação final aos colegas;

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- Auto e hetero avaliação do trabalho.

Estávamos conscientes das dificuldades inerentes a estes desafios, não só pela complexidade das próprias tarefas, mas também pelo facto de ser a primeira vez que os alunos manipulavam uma aplicação que funciona segundo o paradigma do filme. Mas, os desafios, para serem interessantes, devem ter um grau de dificuldade, que devendo ser ultrapassável, se constitua como um factor de interesse para a tarefa. Tal como afirma Papert “As crianças, tal como todas as outras pessoas, não preferem a facilidade, querem o desafio e o interesse, o que implica dificuldade” (1997, p. 83).

3.2. Como foi colocada em prática No início da actividade, o professor explicou os objectivos a atingir. Os alunos teriam de construir, em pequeno grupo, um trabalho sobre um astro usando o programa PhotoStory. Procedeu-se então à organização dos alunos em grupos ficando, cada um deles, responsável por um planeta outro pelo Sol e outro pela Lua. Uma vez organizados os grupos, o professor sugeriu que abrissem o email uma vez que tinha enviado um tutorial que acompanharia o projecto. Este tutorial foi construído com o objectivo de, em caso de dúvida, os alunos o poderem consultar autonomamente. Para além disso, o professor, numa primeira fase, foi explicando passo a passo o trabalho a desenvolver recorrendo ao datashow, com exemplos práticos. Depois de uma explicação sobre criação de pastas e como se poderiam guardar documentos ou imagens, os alunos partiram para o trabalho de pesquisa, posteriormente para a leitura e compreensão da informação e finalmente para a esquematização do trabalho a apresentar. O guia referia, em detalhe, duas fases do trabalho: uma primeira com informação relativa à organização do próprio trabalho e uma segunda com algumas informações sobre o PhotoStory. No que se refere à organização da informação, o guia incluía informação sobre os seguintes tópicos: •

criar pasta para organização da informação sobre o astro;

consultar, seleccionar e recolher informação;

utilizar o processador de texto para organizar a informação recolhida e reescrevê-la com vista à sua inclusão no filme;

guardar as imagens relevantes sobre o astro.

A informação sobre o programa PhotoStory incluía: •

inserir e retocar imagens;

incluir texto;

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formatar texto para facilitar a leitura;

definir transição entre imagens;

incluir música.

O trabalho de produção dos textos e de recolha das imagens foi efectuado pelos alunos utilizando, em alternância, uma janela com o guia, uma com um navegador na Internet e outra com o processador de texto onde ia sendo organizada a informação. Registouse uma grande autonomia dos alunos que, quase sem dúvidas de carácter tecnológico, conseguiram gerir o trabalho e organizar-se nesta diversidade de informação. O acompanhamento que o professor efectuou nesta fase do trabalho permitiu perceber alguns contratempos que descreveremos brevemente. •

Alguns alunos tiveram dificuldade em guardar as imagens na pasta criada para o efeito. Esta operação era, para quase todos eles, uma novidade porque estavam habituados a copiar a informação da Internet e colá-la no processador de texto. Como o PhotoStory não permite colar imagens, elas têm que ser importadas, este constitui-se como um primeiro problema que a maioria dos alunos resolveu sem grandes dificuldades. Os que estiveram desatentos ao guia e à explicação do professor tiveram dificuldades acrescidas, que o professor procurou ultrapassar com apoio aos pequenos grupos.

Do ponto de vista tecnológico, não houve problemas de maior. Os alunos utilizaram as ferramentas incluídas no PhotoStory para alterar o aspecto da imagem ou a formatação do texto, mas a pouca diversidade de imagens e a grande quantidade de texto que colocaram sobre algumas delas gerou problemas de contraste difíceis de resolver.

Uma vez terminado o trabalho de cada grupo era agora tempo de apresentação à turma dos produtos desenvolvidos. Esta tarefa exigia não só a apresentação do produto mas também alguma reflexão do grupo sobre as aprendizagens efectuadas e ainda uma apreciação da turma sobre aquele trabalho e as aprendizagens que com ele adquirira. Yoon, Ho, & Hedberg (2005) afirmam que o modo como as TIC são utilizadas pelo professor na sala de aula é determinado pelo que ele considera ser uma aprendizagem efectiva. Neste caso, terminado o trabalho de grupo, o produto desenvolvido devia ser entregue ao professor. Assim, cada um dos grupos enviou o seu trabalho anexado a uma mensagem de email para o professor, o que se constitui como mais uma oportunidade de utilizar as tecnologias de modo útil e contextualizado. Todos os grupos apresentaram um filme2, com as imagens escolhidas, o texto seleccionado, as transições entre imagens e uma música de fundo (um dos trabalho não tinha música). No entanto, verificaram-se alguns problemas.

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Figura 1 – Exemplo de uma das imagens incluídas pelos alunos.

Alguns grupos tinham muita informação (frases muito grandes) e apenas duas fotografias enquanto outros tinham muitas fotografias e pouca informação. Alguns dos alunos referiram dificuldade em encontrar imagens dos astros e, mesmo quando encontravam várias, eram muito semelhantes o que lhes levantou problemas na construção de uma sequência de imagens. Apesar desta dificuldade generalizada, houve um grupo que optou por repetir uma mesma imagem, numa postura criativa que lhes foi útil para ultrapassar este problema. No que se relaciona com a informação escrita, alguns dos produtos tinham boa qualidade e um aluno referiu mesmo que o trabalho de grupo tinha sido muito útil: “Acho que o trabalho esteve bem, recolhemos toda a informação possível sobre o astro e gostei de fazer o trabalho com o meu amigo” e, nessas referências incluíam reflexões associadas ao modo como pesquisaram, recolheram e trataram a informação textual que, posteriormente, colocaram sobre as imagens “Fomos buscar a informação, debatemos e chegámos a conclusões”. Uma das preocupações que o professor tem, neste tipo de trabalhos, relaciona-se com a compreensão, por parte dos alunos, da informação que recolhem da Internet. Neste trabalho, no entanto, subsistiram casos em que a informação foi copiada da Internet sem um tratamento cuidado. Isto demonstra que os alunos têm ainda dificuldade em seleccionar a informação importante a partir de um universo tão vasto como é a Internet, não conseguem ainda trabalhá-la de forma consistente e apropriar-se do seu significado o que lhes provocou insegurança na apresentação do trabalho ao grande grupo. Muitos dos problemas detectados, pelos alunos, no processo de auto e hetero avaliação parecem relacionados com o paradigma do filme, que era uma novidade para eles. Os alunos 49


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pareciam estar no paradigma das apresentações electrónicas, feitas em PowerPoint, onde o tempo de exposição de cada diapositivo, se nada for dito em contrário, depende no utilizador. Uma vez que não tinham recolhido muitas imagens e como não tinham optado por controlar o tempo de exposição de cada uma delas, a duração dos filmes era muito curta, tudo se passava muito depressa e não permitia e leitura da informação. Este problema foi detectado pelos alunos que chegaram a pedir ao professor, durante a projecção dos filmes “Professor pare lá, ali na pausa, para podermos ler”. Os indícios parecem apontar para que não se apropriaram da ideia que o filme se desenrola sozinho, sem a nossa intervenção. A consequência imediata foi a dificuldade em perceberem os trabalhos dos colegas que tiveram de rever múltiplas vezes.

3.3. Contributos do trabalho para a turma Ao analisarmos à posteriori o trabalho que foi realizado, poderemos dividi-lo em duas partes. Se olharmos apenas para o produto final, poderemos ser levados a pensar que a maior parte não tem qualidade suficiente para ser considerado um filme, tendo em conta aquilo a que nos propusemos no início do trabalho. A maior parte dos filmes tem um tempo de duração curto, apresenta demasiada informação sobre cada uma das imagens e a mensagem, que se propunha partilhar o conhecimento adquirido, não passou da melhor forma. Se, por outro lado, nos centrarmos no processo e nos inspirarmos em Seymour Papert (1980), que escrevia há 30 anos:

“Na minha perspectiva, é a criança que deve programar o computador e, ao fazê-lo, ela adquire um sentimento de domínio sobre um dos mais modernos e poderosos equipamentos tecnológicos e estabelece um contacto íntimo com algumas das ideias mais profundas da ciência, da matemática e da arte de construir modelos intelectuais” (p. 8), podemos ser levados a pensar que este trabalho atingiu alguns dos objectivos iniciais. A forma como os alunos trabalharam, utilizando várias aplicações em simultâneo, o trabalho de pesquisa elaborado, a tentativa de construção de um produto final, tendo de analisar toda a informação disponível e a discussão e partilha que houve durante a apresentação dos trabalhos e na reflexão final, faz-nos concluir, a partir da observação efectuada, que a turma evoluiu bastante, uma vez que apesar de já terem realizado alguns trabalhos, ainda não tinham experimentado discussões que, por terem um aspecto de insucesso (os produtos finais) os tinham obrigado a reflectir sobre os processos de trabalho. A partir deste trabalho, pensamos que os alunos desenvolveram inúmeras 50


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competências ao nível da utilização das TIC e ao nível da construção do saber partilhado e discutido. As críticas que foram feitas aos diferentes grupos foram sendo analisadas por todos e serviram de base para uma conclusão final que permitiu ver o que tinha corrido bem e o que podia ser melhorado. Vendo a realização deste trabalho desta forma, houve, na nossa opinião, um percurso rico que foi feito pelos alunos. Uma das grandes preocupações deste professor à semelhança de Bruner (1966) que afirma que o aluno selecciona e transforma a informação, constrói hipóteses e toma decisões, utilizando, para isto, a sua estrutura cognitiva e que é essa mesma estrutura cognitiva (esquemas, modelos mentais) que fornece significado e organização para as experiências e permite ao indivíduo “ir além da informação dada” é que os alunos sejam capazes de participar activamente na sua aprendizagem e que sejam capazes de compreender o que já sabem fazer e o que necessitam de trabalhar mais, que sejam presentes e activos e que sejam capazes de se desenvolver como intervenientes no seu próprio processo de crescimento enquanto indivíduos e enquanto pessoas pertencentes a uma comunidade, com todas as regras e direitos que isso implica. A partir da discussão realizada, os alunos foram convidados a alterar aquilo que tinha sido apontado pelos restantes colegas como menos positivo, facto esse que foi realizado por todos os grupos. Para além disso, esta discussão permitiu que os trabalhos que se realizaram posteriormente tivessem sido igualmente ricos em discussão, mas muito melhores, na nossa opinião, em termos de produto final. Deste modo, para a turma, foi apenas um passo para o seu desenvolvimento mas contribuiu decisivamente para a melhoria das aprendizagens e do espírito de grupo/ turma.

Conclusões A reflexão sobre o sucesso desta experiência deve ser efectuada tendo em conta os objectivos para ela traçados. No entanto, antes de entrar nas conclusões relativas à experiência efectuada, gostaríamos de referir que a mesma nunca poderia estar a ser descrita nem nunca poderia ter sido efectuada se os alunos não possuíssem o Computador Magalhães. Na nossa opinião e segundo um relatório publicado pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação (2009), o Magalhães é já um sucesso entre os alunos do 1.º CEB. Para além disso, a iniciativa abriu um vasto leque de oportunidades económicas, sociais e políticas, podendo constituir uma importante componente da exportação de tecnologia, de conteúdos e de know-how. Os alunos, a partir da Magalhães, têm acesso a conteúdos que antes lhes eram impossíveis de alcançar 51


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pelo equipamento deficitário que existia nas escolas, como afirma o mesmo relatório, preenchendo de forma eficaz uma lacuna que existia até à sua introdução nas mesmas. Relativamente à experiência efectuada, os três primeiros objectivos relacionavamse com a pesquisa da informação, sua recolha e tratamento. Apesar de alguns alunos terem referido dificuldades em encontrar informação sobre o astro que lhe foi atribuído, consideramos, a partir da observação efectuada, que todos conseguiram recolher informação pertinente, mas nem todos a conseguiram tratar convenientemente. Surgiram ainda, por exemplo, casos em que os alunos utilizaram termos que não conheciam e que, do nosso ponto de vista, significa que não houve uma apropriação da informação que recolheram. A recolha de informação da Internet exige a referência às fontes utilizadas, que a maioria dos alunos já parece efectuar sem dificuldade, mas a reescrita do texto apresentase ainda como uma tarefa muito difícil para vários alunos, havendo alguma tendência para copiar o que encontram sem sentido crítico. Este é um aspecto que deve continuar a ser tratado com estes alunos. O objectivo seguinte relacionava-se com a construção de conteúdos e verificou-se que os alunos efectuaram o seu filme. Apesar do programa utilizado ser uma novidade, os alunos mostraram, no nosso entender, facilidade na sua utilização, transferindo as suas competências tecnológicas para este novo contexto. A partir da observação efectuada, parece-nos que falhou o paradigma de funcionamento do programa, o que teve como consequência que o objectivo de aprendizagem do grupo turma sobre os vários astros não tenha sido atingido, como é notório na avaliação de um dos alunos “Gostei da música e das imagens, mas não consegui perceber nada”. Na fase de avaliação conjunta do trabalho um dos alunos focou o problema do paradigma quando afirmou “Era preciso dar mais tempo”. Foi o pretexto para tratar o assunto. Os alunos perceberam este outro funcionamento e já o conseguiram utilizar, com sucesso, numa outra proposta de trabalho posterior, como já referimos anteriormente. Finalmente, gostaríamos de referir a utilização que o professor faz das tecnologias em contexto de aula e que na nossa opinião, vai ao de encontro do ao que é preconizado, relativamente à utilização do Computador Magalhães, pela Direcção de Inovação e Desenvolvimento Curricular. O professor é capaz de utilizar os meios informáticos à sua disposição no sentido de perspectivar formas diferentes de ensinar e de construir um currículo inovador e mais adaptado às necessidades específicas dos alunos e às exigências de uma sociedade em contínua evolução. Para além disso, faz com que as actividades realizadas com o computador tenham significado para o aluno e para a vida da turma enquanto espaço de aprendizagem, de produção e de partilha de conhecimentos e recursos

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uma vez que surgem enquadradas nas competências que os alunos têm de atingir, sendo por isso pertinentes e contextualizadas. Relativamente às metas de aprendizagem em TIC, pensamos que merece a pena referir que quase todas elas foram tratadas. A utilização de recursos digitais (meta 1) foi frequente, em particular as pesquisas na Internet, para seleccionar e tratar informação de acordo com os objectivos definidos pelo professor. Do ponto de vista da comunicação (meta 2) registou-se a utilização do email, mecanismo de comunicação assíncrona. Os utilitários de produção (meta 3) foram também utilizados com frequência, nomeadamente o processador de texto e o PhotoStory. Finalmente, houve o cuidado de promover nos alunos uma utilização responsável da Internet (meta 4), com múltiplas referências ao tratamento da informação recolhida, à utilização de várias fontes para garantir e fiabilidade da informação e à preservação da autoria dos textos.

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Notas 1 Este software livre, que pode ser obtido na Internet a partir do endereço http://www.microsoft. com/windowsxp/using/digitalphotography/photostory/default.mspx, que está já incluído no computador Magalhães, que os alunos obtiveram, através da iniciativa e-escolinhas, é uma espécie de PowerPoint, onde os mesmos podem colocar imagens e voz, criando, de uma forma prática e acessível, um filme que poderão facilmente transformar numa extensão compatível com DVD ou WMV. 2 Os trabalhos desenvolvidos pelos alunos estão disponíveis em http://turma6a1.eb1-afonsoeiro. rcts.pt/noticias.htm

Correspondência Maria do Rosário Rodrigues Escola Superior de Educação de Setúbal rosario.rodrigues@ese.ips.pt João Grácio EB1/JI do Afonsoeiro, Montijo joaogracio@gmail.com

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Conciliação de papéis e parentalidade: efeitos de género e estatuto parental Marisa Matias, Andreia Silva e Anne Marie Fontaine

Universidade do Porto Resumo A participação feminina no mercado de trabalho e as dificuldades em compatibilizar trabalho e família são considerados como alguns dos principais factores responsáveis pelo decréscimo da natalidade em Portugal (Cunha, 2005). Este estudo, realizado junto de 404 participantes (58% do sexo feminino), procura analisar diferenças de género e estatuto parental na forma como as famílias de duplo-emprego conciliam os seus múltiplos papéis e no modo como se posicionam face à decisão de ter um (outro) filho. Verificou-se que a existência de filhos constitui a variável com maior valor preditivo da decisão de ter um outro filho, sendo também relevante para a escolha de modos de conciliação. Apesar de não se detectarem efeitos principais da variável género, verificase que os homens sem filhos usam mais características pessoais como estratégias de conciliação e que os homens com filhos reportam mais cedências profissionais das suas companheiras. Coloca-se em evidência que uma análise que considere a influência do género e estatuto parental simultaneamente torna-se mais completa na explicação dos mecanismos associados à gestão de papéis, apontando para a necessidade de implementar medidas de apoio à conciliação e à natalidade dirigidas em particular a mulheres e a famílias com filhos. Palavras-chave Conciliação de papéis, Motivação para a parentalidade, Género, Estatuto parental

Abstract Female labour market participation and difficulties in managing work and family responsibilities have been known to contribute to fertility decrease in Portugal (Cunha, 2005). This work intends to analyse gender and parental status differences on workfamily reconciliation strategies and on motives for and against having a child in a sample of 404 individuals belonging to dual-earner families (58% female). Being already parent has been found to be the main determinant to the decision to have a child. This factor was also found to be relevant in the engagement of work-family reconciliation strategies. Though there were no main gender effects, men without children use more their individual characteristics to conciliate work and family and men who are already parents perceive their female partners has having to compromise more on their work investments. An integrated analysis including gender and parental status simultaneously allows for a richer understanding of the mechanisms underlying work-family decisions. 57


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Results point to the need of implementing work-family balance and fertility policies specially designed for women and families with children. Keywords Work-family, Reconciliation strategies, Motives for and against having a child, Gender, Parenting status

Conciliação de papéis e parentalidade: efeitos de género e estatuto parental Nas últimas décadas, a nossa sociedade tem sido palco de inúmeras transformações sociais, económicas e culturais. Uma das maiores transformações com impacto na temática da conciliação do domínio profissional e familiar relaciona-se com a elevada presença de mulheres no mercado de trabalho. Em Portugal, 46,9% da população empregada são mulheres1 com uma ocupação maioritariamente a tempo inteiro (84,5%)2 (INE, 2010). O percurso profissional destas mulheres é também caracterizado por ser contínuo e com poucas interrupções mesmo na presença de filhos (70,1% de mulheres com um filho estão empregadas, 67,7% das mulheres com dois filhos estão empregadas; Eurostat 2010). A forte presença feminina no mercado de trabalho implicou mudanças ao nível do funcionamento, da organização e da estrutura familiar, levantando simultaneamente um conjunto de questões relacionadas com a gestão dos tempos entre responsabilidades profissionais, domésticas e familiares (Perista, 2002). Se no passado, o homem era a figura central pelo sustento monetário da família, actualmente, verificamos que tanto os homens como as mulheres desempenham um papel profissional activo, pelo que se poderia esperar um maior equilíbrio nas decisões familiares e responsabilidades domésticas. Apesar das famílias de duplo emprego serem o modelo mais frequente no contexto português (Wall, 2005), é possível constatar que, na esfera familiar, a participação e divisão de responsabilidades entre os sexos ainda não é equilibrada. As mulheres tendem a realizar mais trabalho doméstico e de cuidado aos filhos do que os homens numa situação similar (Fontaine, Andrade, Matias, Gato & Mendonça, 2007; Perista, 2002), continuando a existir uma maior acumulação de tarefas e consequente sobrecarga das mulheres, que cumprem assim uma “dupla jornada de trabalho” (Fontaine et al. 2007). Para além da evidente discrepância de género nos tempos de trabalho não pago, coexistem na sociedade portuguesa atitudes de género contraditórias. Por um lado, uma participação equilibrada entre homens e mulheres no mercado de trabalho é valorizada, mas por outro, na esfera familiar defende-se ainda uma visão mais tradicional do papel de género em que cabe à mulher a principal responsabilidade no desempenho de tarefas da esfera privada ou familiar, nomeadamente na prestação de cuidados aos filhos e exercício de trabalho doméstico (Aboim, 2010). Assume-se que estas estão mais 58


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bem preparadas para o desempenho destas tarefas. Contudo, é também presente uma assumpção de que os homens deveriam participar mais neste cuidado aos filhos (Wall, 2007). Esta ambivalência nas representações associadas aos papéis de género reflecte-se na divisão efectiva e desigual das tarefas. Este contexto torna mais difícil a conciliação dos papéis familiares e profissionais para as famílias de duplo-emprego, em particular por parte das mulheres. De facto, estudos realizados quer em Portugal quer noutros contextos culturais, verificam que para ajustar a vida profissional, pessoal e familiar, as famílias necessitam adoptar diversas estratégias de conciliação, nomeadamente ceder ou desinvestir profissionalmente (Andrade, 2010; Eby, Casper, Lockwood, Bourdeaux & Brinley, 2005; Haddock, Ziemba, Zimmerman & Current, 2001; Matias, Fontaine, Simão, Mendonça & Oliveira, 2010). A participação feminina no mercado de trabalho e as dificuldades em compatibilizar trabalho e família são vistas como alguns dos principais factores responsáveis pelo decréscimo da natalidade (Cunha, 2005; O’Laughlin & Anderson, 2001). Efectivamente, nos últimos anos, o adiamento da parentalidade, a limitação e até a renúncia a ter filhos são tendências demográficas da sociedade portuguesa (INE, 2008). Entre 1980 e 2009, a idade média da mulher no nascimento do primeiro filho aumentou de 23,6 para 28,6 anos de idade e o índice de fecundidade diminuiu de 2,25 para 1,32 no mesmo período (INE, 2010). Também a percentagem de casais sem filhos aumentou de 20,1% em 1992 para 23% em 2010 enquanto a percentagem de casal com filhos diminui de 45,5% para 39,6% (INE, 2010). Ora, sabe-se que uma divisão de tarefas desequilibrada e uma maior participação no mercado de trabalho reduz a intenção de ter um filho (Cavalli & Rosina, 2011; Vitali, Billari, Prskawetz & Testa, 2009). Deste modo, é importante clarificar, em casais de duplo-emprego, a forma como estes gerem os seus múltiplos papéis, bem como quais as suas motivações para ter ou não ter (mais) um filho.

Conciliação de papéis No âmbito da literatura sobre o modo como os casais de duplo-emprego gerem papéis familiares e profissionais, podemos encontrar resultados bastante divergentes (para uma revisão ver Matias & Fontaine, 2011). Questões metodológicas, culturais, bem como o facto da relação entre o domínio profissional e familiar ser bastante dinâmica e sensível às condições do meio envolvente poderão estar na base dessas divergências. No contexto português podemos salientar dois estudos. O primeiro focalizou-se numa perspectiva antecipatória, junto de jovens adultos, e identificou dois tipos principais de estratégias de conciliação: estratégias de concessão pessoal, familiar e profissional e estratégias de negociação entre o casal e partilha de tarefas (Andrade, 2010). O segundo, junto de uma amostra de casais de duplo-emprego, identificou cinco tipos de estratégias de conciliação 59


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principais: apoio emocional mútuo, atitude positiva face aos múltiplos papéis e à situação de duplo-emprego da família, uso de características individuais, cedências profissionais e uso de apoio institucional (Matias & Fontaine, 2011). Considerando o papel do género na temática da gestão de papéis profissionais e familiares, espera-se que homens e mulheres façam uso de diferentes estratégias para lidar com as exigências colocadas pela conciliação. Contudo, os estudos de género sobre esta temática apresentam resultados pouco consistentes. De acordo com a sobrecarga resultante da acumulação de vários papéis a que as mulheres estão mais sujeitas, podia esperar-se que estas sintam maior conflito e portanto procurem fazer uso de mais estratégias para a sua gestão. Alguns autores demonstram que, de facto, as mulheres experimentam mais stress e tensão pela participação em múltiplos domínios mas que utilizam estratégias de coping menos eficazes que os homens (Marshall & Barnett, 1993; Hill, 2005). Por outro lado, há evidências que as mulheres são mais capazes de gerir as transferências negativas (Kirchmeyer, 1993). O enquadramento destes estudos centra-se numa perspectiva negativa e de conflito que defende que os recursos individuais (como o tempo, a atenção e a energia) são limitados, pelo que o indivíduo ao confrontar-se com várias exigências (profissionais e familiares) experimentaria, inevitavelmente, conflito (Greenhaus e Beutell, 1985). Contudo, apesar das dificuldades inerentes à gestão de múltiplos papéis, muitas famílias de duplo-emprego retiram benefícios deste estilo de vida (Haddock et al., 2001; Marshall & Barnett, 1993; Torres, 2004). De facto, a maioria de homens e mulheres percepciona mais benefícios do que custos pela sua participação simultânea em papéis profissionais e familiares (Barnett & Rivers, 1996 citado por Haddock & Ratenborg, 2003; Torres, 2004). Estamos assim perante uma abordagem da promoção dos papéis, isto é através da participação em vários domínios os indivíduos recolhem recompensas e desenvolvem competências que contribuem para a gestão das diversas responsabilidades (Grzywacz & Marks, 2000). Assim, num estudo qualitativo em Portugal com famílias de duplo-emprego com filhos em idade pré-escolar verificou-se que, de modo geral, as mulheres tendem a usar um maior número de estratégias de conciliação do que os homens e referem usar mais estratégias relativas a divisão de tarefas em casa, maior uso de estruturas de apoio à infância ou a ajuda de familiares e mais cedências na carreira profissional do que os homens (Matias, Fontaine, Simão, Mendonça & Oliveira, 2010). Parece assim que a tarefa de conciliação é mais assumida pelas mulheres. O estatuto parental dos indivíduos poderá ser também um factor importante na escolha de determinadas estratégias de conciliação. O nascimento do primeiro filho corresponde ao início de uma nova etapa, que exige reorganização e implica transformações e adaptações significativas passando por uma definição e redefinição de papéis parentais (Relvas, 2000). Um filho implica mudanças nas rotinas, maiores responsabilidades e diminuição do tempo do casal um para o outro, podendo originar 60


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tensões conjugais. O homem e a mulher que eram somente parceiros adquirem os novos papéis de pai e mãe (Canavarro, 2001). Assim, a introdução na parentalidade requer uma adaptação que pode resultar num desequilíbrio (perspectiva do conflito de papéis), mas ao mesmo tempo no desenvolvimento e aquisição de competências psicológicas e sociais (perspectiva da promoção de papéis) (Araújo e Canavarro, 2001; Monteiro, 2005). De facto, por um lado, os pais são menos satisfeitos com as suas vidas e sentem maior tensão do que os indivíduos sem filhos. Mas, por outro lado, ser pai traz crescimento pessoal, activa laços sociais e promove o auto-conceito (Nomaguchi & Milkie, 2003). Alguns estudos sugerem que o papel parental é de facto as principal fonte de tensão para as mulheres, devido à sobrecarga a que estão sujeitas com a execução das tarefas familiares (Milkie & Peltola, 1999). Deste modo, as estratégias usadas para conciliar poderão ser distintas consoante o género e o estatuto parental.

Motivação para a parentalidade A decisão de ser-se pai/mãe é vista, na literatura, como uma decisão racional onde os prós e contras são considerados. Esta decisão é dificultada pela complexidade e exigências dos múltiplos papéis de vida (O’Laughlin & Anderson, 2001). A forma como os papéis familiares e profissionais são geridos no dia-a-dia afecta a decisão de ter um filho, bem como a análise de custos e benefícios associados a esta decisão. De facto, Cavalli & Rosina (2011) referem que, em especial quando os apoios à infância são escassos, como é o caso em Portugal (Torres & Silva, 1998) e quando a participação masculina nas tarefas também é limitada (Amâncio, 2007) os efeitos da conciliação de papéis na decisão de ter um filho são elementos chave. A abordagem da fertilidade de Becker também assume que o nível educativo e a participação laboral das mulheres (que têm vindo a aumentar) são os principais factores de redução da fertilidade, precisamente porque estas mulheres sofreriam maiores custos relativos a oportunidades profissionais se tivessem filhos (Klein & Eckhard, 2007). Deste modo, o papel da conciliação na decisão de ter filhos parece ser influenciado por factores como o género e o nível educativo. Segundo dados do INE (2007), são sobretudo as mulheres que consideram que a dificuldade de conciliar a vida profissional e familiar é uma razão importante para não quererem ter filhos ou mais filhos. Num estudo de painel desenvolvido na Holanda por Liefbroer (2005) com homens e mulheres que no primeiro momento (1987) não tinham filhos verificou-se que as mulheres tendem a perceber maiores desvantagens e menores vantagens do que os homens na decisão para ser mãe. Outros estudos mostraram que as mulheres percepcionam, mais do que os homens, que a parentalidade terá impacto nas oportunidades de emprego e de carreira (O’Laughlin & Anderson, 2001). De facto, elas tendem a atrasar mais a decisão de ter 61


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um primeiro filho (somente 15% dos indivíduos neste estudo já possuíam filhos) até estabilizarem profissionalmente. Esta percepção de interferência na carreira parece ser realista uma vez que são as mulheres quem fica mais sobrecarregada com o cuidado aos filhos (Nomaguchi & Milkie, 2003). Por seu lado, os homens consideram que ser pai melhorará a sua relação conjugal (Nomaguchi & Milkie, 2003). Adicionalmente, o facto de se tratar de ter o primeiro ou o segundo filho (diferenciação em função do estatuto parental) pode afectar a valorização dos custos e benefícios. Stöbel-Richeter, Beutel, Finck & Brähler (2005) verificaram que, nos casais sem filhos, as mulheres manifestam maior intenção de ter filho, enquanto que nos casais que já têm um filho, não surge esta diferença de género. Contudo, os pais manifestaram maior intenção de ter filhos do que os indivíduos sem filhos. Quanto aos motivos subjacentes a esta intenção, o estudo de O’Laughlin & Anderson (2001) mostrou que a percepção de benefícios não parece ser afectada pela experiência de parentalidade, no entanto a percepção de custos, nomeadamente maior tensão financeira e perda de liberdade é superior nos indivíduos que já têm filhos. Estudos que analisem o papel dos motivos na decisão de ter um (outro) filho são, no entanto, ainda escassos. De facto, uma análise completa deverá distinguir os motivos subjacentes à intenção de ter ou não um filho do comportamento efectivo. Contudo, vários estudos induzem motivos a partir de um comportamento observado, o que não o explica de forma adequada, uma vez que um mesmo comportamento pode ter origem em diferentes motivos (Klein & Eckhard, 2007). Neste estudo, centramo-nos nos motivos (custos e benefícios) que subjazem à decisão de ter um filho destacando-se não só os custos associados à compatibilização de papéis profissionais e familiares mas também os benefícios percebidos da intenção de ter um filho.

Estudo Actual Partindo do enquadramento apresentado, este trabalho pretende analisar o papel do género e do estatuto parental no uso de estratégias de conciliação e na percepção de custos e benefícios em ter um filho em famílias em que ambos os membros do casal exercem uma actividade profissional (famílias de duplo emprego). Como se pôde verificar uma análise combinada de género e estatuto parental no uso de estratégias de conciliação e na adopção de motivos a favor e contra ter um filho são escassos, pelo que se pretende colmatar esta falha. Os estudos existentes dão indicações de que as mulheres parecem estar mais sobrecarregadas com a gestão de múltiplos papéis do que os homens e portanto farão uso de maior número de estratégias de conciliação do que estes e tenderão a percepcionar mais custos associados a ter um filho. Por outro lado, o exercício efectivo do papel parental poderá implicar maior tomada de consciência da necessidade 62


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de diversificar as estratégias de conciliação, pelo que os pais poderão usar estratégias distintas dos não pais. Adicionalmente, a experiência do papel parental poderá fazer com que os que já o exercem percepcionem mais benefícios na parentalidade do que os não pais. Este estudo pretende assim responder às seguintes questões de investigação: Q1: Quais as estratégias de conciliação que homens e mulheres de famílias de duploemprego usam? Que diferenças existem no uso dessas estratégias em função do género e estatuto parental (já possuir ou não filhos)? Q2: Quais são os custos e benefícios associados à decisão de ter um filho que homens e mulheres pertencentes a famílias de duplo-emprego referem? Que diferenças existem na percepção desses custos e benefícios em função do género e estatuto parental?

Método Participantes e procedimento Os participantes deste estudo foram indivíduos e casais pertencentes a famílias de duplo emprego, isto é, famílias em que ambos os elementos do casal desempenham uma actividade profissional. No sentido de uniformizar as experiências dos participantes foram estabelecidos a priori um conjunto de critérios de participação. Assim, para tomar parte do estudo os/as participantes e os/as seus/as companheiros/as deviam desempenhar uma actividade profissional com a duração de pelo menos 15h por semana, deviam viver no mesmo ambiente familiar e, no caso das mulheres, ter idade inferior a 45 anos. Caso tivessem filhos, pelo menos um deles devia ser menor de 18 anos e viver no agregado familiar. Pretendia-se com este último critério seleccionar famílias em que exista uma relação de dependência/cuidado aos filhos. A recolha de dados ocorreu através de um questionário em suporte de papel e através de preenchimento informático. Os contactos com os participantes decorreram em diversos locais: instituições de ensino e formação profissional, empresas, serviços e estruturas desportivas. Recolheram-se dados válidos de 404 participantes, (58% do sexo feminino), com idades compreendidas entre os 21 e os 52 anos, com uma média de 34 anos. Em 22,8% das situações os dados diziam respeito a elementos singulares (o cônjuge não participa no estudo) enquanto em 77,2% das situações os dois elementos do casal participaram no estudo. Relativamente à situação familiar, a grande maioria encontra-se casada ou em união de facto (76%). A maior parte dos participantes já tem pelo menos um filho (64%), sendo 1 a média de filho por casal e a idade média do primeiro filho é de 8 anos. Cerca de 41% dos participantes refere não querer ter (mais) um filho, 46% afirma esta intenção e 11,4% não tem decisão definida. A partir da análise do nível socioeconómico (inclui parâmetros relativos à escolaridade, profissão exercida e salário liquido) verificou-se que 63


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cerca de 38% da amostra pertence a um nível sócio económico baixo, 27% ao médio e 35% ao alto. Em média, por semana, o total dos indivíduos trabalha numa actividade remunerada cerca de 55,06 horas (56,86 horas - homens; 53,79 horas – mulheres).

Variáveis e instrumentos No sentido de responder às questões de investigação levantadas as variáveis consideradas neste estudo foram as estratégias de conciliação usadas por famílias de duplo-emprego para harmonizar as responsabilidades profissionais e familiares; as motivações a favor e contra (custos e benefícios) apontadas para ter um filho e as variáveis demográficas sexo e estatuto parental, avaliado através da existência ou não de filhos. Para analisar a primeira variável fez-se uso da Escala de Estratégias de Conciliação Trabalho-Família desenvolvida por Matias & Fontaine (2011) junto de famílias de duploemprego. A escala é composta por um total de 31 itens e cinco subescalas relativas ao uso de estratégias para lidar com as responsabilidades associadas ao desempenho de múltiplos papéis: apoio emocional mútuo, perspectiva positiva sobre situação de duploemprego, uso de características pessoais, cedências profissionais e apoio institucional. Uma vez que esta escala foi desenvolvida junto de uma população semelhante à que se usou neste estudo (famílias de duplo-emprego), tendo sido desenvolvida no contexto português e cumprindo os vários procedimentos de construção de escalas, considerouse que seria uma boa opção para dar conta das variáveis em questão. No entanto, a subescala relativa ao apoio institucional só pode ser preenchida por indivíduos com filhos. Uma vez que este estudo inclui famílias sem filhos, esta subescala não foi usada nas análises subsequentes. O apoio emocional mútuo traduz-se no companheirismo, na troca entre os membros do casal de apoio emocional, atitudes e sentimentos positivos que permitem o equilíbrio entre o trabalho e a família. Esta subescala é formada por 10 itens (α = .87) (e.g. “Lidamos juntos com os problemas”, “Conversamos um com o outro e partilhamos os nossos sentimentos”) A perspectiva positiva sobre a situação de duplo-emprego refere-se à adopção de uma visão favorável quanto ao facto da família ser de duplo-emprego e quanto ao facto do individuo desempenhar múltiplos papéis. É composta por 6 itens (α = .71) (e.g. “Considero que ter responsabilidades profissionais e familiares dá variedade à minha vida”, “Ter responsabilidades profissionais e familiares torna-me uma pessoa mais experiente”). A subescala características pessoais é composta por 5 itens (α = .65) referentes ao uso de características individuais como ser flexível, persistente ou compreensivo, para promover a conciliação entre as responsabilidades dos dois domínios (e.g. “Calculo, de forma realista, o tempo necessário para cada uma das actividades”, “Tenho a capacidade de ser flexível em diversas situações familiares 64


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e profissionais”). A subescala de cedências profissionais compreende o abdicar de investimentos profissionais em prol das responsabilidades familiares levados a cabo quer pelo próprio quer pelo/a companheiro/a. É constituída por 6 itens (α = .68) (e.g.”Reduzi o número de horas ou a intensidade do meu trabalho profissional”, “O meu companheiro mudou para um emprego com mais flexibilidade”). Na segunda questão de investigação pretendia-se analisar os custos e benefícios associados à decisão de ter um filho. Por um lado pretendia-se analisar as recompensas e vantagens associadas a ter um filho e por outro analisar os custos, nomeadamente os custos associados às dificuldades de compatibilização de papéis profissionais e familiares. Assim, fez-se uso da Escala de Motivação para a Parentalidade (Matias & Fontaine, 2009). A escala é composta por 30 itens e quatro subescalas, duas relativas a custos ou motivações contra a decisão de ter um filho: antecipação de problemas e interferência no estilo de vida e duas relativas a benefícios ou motivações a favor da decisão de ter um filho: enriquecimento emocional e reconhecimento social. O enriquecimento emocional salienta motivos relacionados com crescimento pessoal, possibilidade de manifestar afecto ou a procura de desafios. É composta por oito itens (α = .74) (e.g. “Para ter uma vida mais rica/preenchida”, “Para ter alguém a quem amar incondicionalmente”). O reconhecimento social realça motivos ligados a questões de conformidade a normas sociais ou padrões familiares tradicionais e é constituída por oito itens (α = .69) (e.g. “Para ter alguém que herde o que eu for construindo ao longo da vida”, “Porque só se é completamente aceite na sociedade quando se tem filhos”). A interferência no estilo de vida destaca a possibilidade de um filho interferir na vida pessoal, profissional e conjugal da pessoa. É constituída por nove itens (α = .84) (e.g. “Teria de mudar o meu estilo de vida”, “Há outras coisas que quero fazer primeiro”). A antecipação de problemas é composta cinco itens (α = .51) e salienta motivos relacionados com dificuldades no desenvolvimento da futura criança, como doenças ou problemas de comportamento (e.g. “Poderia transmitir-lhe uma doença”, “Ele/a poderia vir a desiludir-me”). Dado o valor de consistência interna desta última subescala ser baixo, esta não foi utilizada nas análises subsequentes. Finalmente usou-se a informação recolhida através das questões acerca do sexo e número de filhos para as variáveis sexo e estatuto parental, respectivamente.

Estratégia de análise de dados Para analisar as questões de investigação colocadas efectuou-se uma análise multivariada da variância (MANOVA) para verificar o efeito principal do género e estatuto parental, bem como a interacção entre ambos sobre as variáveis dependentes: estratégias de conciliação e motivação para a parentalidade. O pressuposto da homogeneidade de 65


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variâncias-covariâncias em cada grupo foi avaliado com o teste M de Box (Maroco, 2007). Dada a inexistência desta homogeneidade recorreu-se à medida mais conservadora (traço de Pillai) na análise dos efeitos principais e de interacção (Maroco, 2007; Tabachnik & Fidell, 2001). Quando se verificaram efeitos estatisticamente significativos, procedeu-se à análise de variância (ANOVA) para as variáveis dependentes em questão.

Resultados O primeiro conjunto de análises refere-se aos efeitos de género e estatuto parental sobre as estratégias de conciliação. Não foi detectado efeito principal de género (Traço de Pillai = 0.23; F(4,395) = 2.35; p = .053; ηp2 = .02; Potência = 0.68); mas verificou-se um efeito do factor estatuto parental (Traço de Pillai = 0.04; F(4,395) = 3.70; p = .006; ηp2 = .04; Potência = 0.88). Procedeu-se então à ANOVA univariada para cada uma das variáveis dependentes, verificando-se somente diferenças na perspectiva positiva sobre a situação de duplo-emprego (F(1,398) = 6.62; p = .010; ηp2 = 0.02; Potência = 0.73). Assim, indivíduos com filhos (M = 4.75, DP = 0.05) adoptam uma perspectiva mais positiva do que aqueles que não têm filhos (M = 4.53, DP = 0.07). O efeito de interacção entre o género e o estatuto parental foi significativo sobre as estratégias de conciliação (Traço de Pillai = 0.04; F(4,395) = 4.31; p = .002; ηp2 = .04; Potência = 0.93), nomeadamente sobre o uso de características pessoais (F(1,398) = 4.0; MSE = 0.79; p = .025; ηp2 = .01; Potência = 0.61) e cedências profissionais (F(1,398) = 5.16; MSE = 0.68; p = .024; ηp2 = .01; Potência = 0.62). As ANOVAS subsequentes mostram que os homens sem filhos (M = 4.21, DP = 0.77) usam mais características pessoais do que as mulheres nas mesmas condições (M = 3.91, DP = 0.86) (F (1,142) = 5.12; p = .025). De entre os pais (F(1,256) = 8.10; p = .005), os homens (M = 2.08, DP = 0.98) referem maiores cedências profissionais para conciliar o trabalho com a família do que as mulheres (M = 1.77, DP = 0.81). Uma vez que esta variável relativa a cedências profissionais compreende cedências profissionais dos diversos membros da família, isto é cedências do próprio e do/a companheiro/a, procurou-se distinguir estes itens e apurar a quem esta diferença nas cedências se reportava. Uma ANOVA univariada (F (1,256) = 12.89; p < .001) revelou que, de facto, os homens com filhos (M = 2.12, DP = 1.12) percepcionam mais cedências profissionais por parte das suas companheiras do que elas reportam sobre os seus companheiros (M = 1.65, DP = 0.98). Ou seja, os homens com filhos referem usar mais estratégias de cedência profissional do que as mulheres, contudo estas cedências correspondem ao desinvestimento das companheiras. Relativamente aos vários motivos a favor e a decisão de ter um filho, verificou-se novamente uma ausência de efeito principal de género (Traço de Pillai = 0.02; F(3,392) = 2.42; p = .066; ηp2 = .02; Potência = 0.60) e a presença de um efeito principal de 66


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estatuto parental (Traço de Pillai = 0.09; F(3,392) = 12.34; p < .001; ηp2 = .09; Potência = 1.00). Este efeito do estatuto parental revela-se em todas as dimensões consideradas [reconhecimento social (F(1,398) = 4.78; MSE = 0.53; p = .029), enriquecimento emocional (F(1,398) = 11.80; MSE = 1.11; p = .001), interferência no estilo de vida (F(1,398) = 25.90; MSE = 1.12; p < .001)]. Como se pode verificar na tabela 1, os indivíduos com filhos apresentam valores mais elevados em ambas as motivações para ter um outro filho (reconhecimento social e enriquecimento emocional). Pelo contrário, indivíduos sem filhos apresentam uma maior percepção de interferência no estilo de vida, caso venham a ter um filho, em comparação com os casais com filhos. Deste modo, os casais com filhos mostram-se mais motivados para voltar a ser pais, destacando-se as médias do enriquecimento emocional, enquanto os casais sem filhos revelam maiores motivações em desfavor de ter um filho.

Motivações a favor e contra a decisão de ter um filho em função do estatuto parental dos participantes Indivíduos com filhos (n=256)

Indivíduos sem filhos (n=142)

Enriquecimento emocional

M

4.22

3.84

(DP)

(0.07)

(0.09)

Reconhecimento social

M

2.30

2.13

(DP)

(0.05)

(0.06)

Interferência no estilo de vida

M

2.52

3.09

(DP) (0.07) (0.09) Nota: As médias, na mesma linha, são todas significativamente diferentes entre si.

Finalmente, a interacção entre género e estatuto parental sobre estes motivos não apresentou um efeito estatisticamente significativo (Traço de Pillai = 0.01; F(3,392) = 0.08; p = .973; ηp2 = .00; Potência = 0.06).

Discussão O principal objectivo deste trabalho era o de caracterizar as diferenças em função do género e do estatuto parental nas estratégias de conciliação e nas motivações para ter um filho de indivíduos pertencentes a famílias de duplo-emprego com e sem filhos. Os resultados evidenciaram que, de facto, as famílias de duplo-emprego não podem ser vistas como uma categoria homogénea e que, de acordo com factores como a existência ou não de filhos, a adopção de estratégias de conciliação e os motivos que subjazem à 67


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decisão de ter um filho são distintos. Numa primeira análise podemos verificar que os processos de gestão das responsabilidades familiares e profissionais, bem como as decisões relativas a ter um filho são essencialmente um processo que ocorre ao nível familiar, nomeadamente através do uso de estratégias de conciliação de natureza conjugal. A ideia de que a conciliação se passa essencialmente ao nível conjugal já havia sido demonstrada em estudos prévios (Matias et al., 2010). De facto, homens e mulheres tendem a usar estratégias de conciliação emocionais, como o uso de apoio emocional do companheiro e a adopção de uma perspectiva positiva sobre os múltiplos papéis, evitando desinvestir profissionalmente. De salientar, no entanto, que a ausência de efeito de género já não se verifica se o analisarmos em função do estatuto parental. Deste modo, uma análise que relacione estes dois factores torna-se mais rica e mais completa na explicação dos mecanismos associados à gestão de papéis. Assim, homens sem filhos parecem fazer mais uso de características pessoais para conciliar do que as mulheres sem filhos. Isto é, os homens para gerir as responsabilidades profissionais e familiares, fazem mais uso de características próprias como ser flexível, planear antecipadamente o seu dia-a-dia e a segmentação entre o domínio profissional e familiar. Constata-se que os homens tendem a usar mais estratégias ligadas à separação dos domínios profissional e familiar enquanto as mulheres tendem a integrar os diferentes papéis (Gutek, Searle & Klepa, 1992). No caso dos homens, existe uma ruptura mais clara entre o trabalho pago e o trabalho não pago, enquanto que para as mulheres parece existir uma continuidade entre estas duas esferas (Messing, 2000). Se considerarmos que o papel de género masculino está também associado a competências mais instrumentais e o papel de género feminino a competências expressivas, poderemos melhor perceber este resultado (Parsons & Bales, 1956/2002). O uso de características pessoais, tal como é avaliado neste estudo, remete para competências práticas, orientadas para o atingir de uma eficaz gestão das responsabilidades, ao contrário de outras estratégias como o apoio emocional mútuo ou a perspectiva positiva sobre a situação de duplo-emprego que remetem para competências essencialmente emocionais. È importante notar que esta diferença se esbate no caso de famílias com filhos. O nascimento de um filho implica maiores exigências e responsabilidades com forte investimento emocional, logo poderá ser necessário usar uma maior diversidade de estratégias. Adicionalmente, sendo esta uma alteração na vida do casal as competências de planeamento, flexibilidade, ajuste e a segmentação poderão passar a ser estratégias de natureza mais familiar do que individual. Um efeito importante encontrado junto de famílias com filhos refere-se ao facto dos homens, nestas famílias, percepcionarem mais 68


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cedências ao nível do papel profissional. Contudo, uma análise mais detalhada deste resultado permitiu verificar que estas cedências não correspondem ao desinvestimento do próprio, mas ao da companheira. Assim, nas famílias com filhos os homens percepcionam que as suas companheiras desinvestem mais profissionalmente para gerir os múltiplos papéis. Este dado vai, mais uma vez, de encontro aos papéis de género tradicionais que assumem a principal responsabilidade pelo cuidado aos filhos como sendo da mulher. Efectivamente, após o nascimento dos filhos os papéis de género tornamse mais tradicionais (Katz-Wise, Priess & Hyde, 2010) e são geralmente as mulheres que desinvestem das suas carreiras em caso de incompatibilidade ou dificuldades na conciliação (Milkie & Peltola, 1999). Isto reforça a noção de coexistência de atitudes de género quer tradicionais quer modernas na nossa sociedade. Se por um lado, a presença feminina é inquestionável no mercado de trabalho português, é também consensual que, quando existem filhos, sejam as mulheres a abdicar profissionalmente (Aboim, 2010). Continuamos a estar perante uma situação em que o papel de mãe e trabalhadora parecem contraditórios. De facto, apesar de actualmente existirem maiores expectativas para que os homens cuidem dos filhos, esta participação é ainda bastante limitada no contexto português (Amâncio, 2007) A experiência da parentalidade evidenciou-se como o melhor precursor de uma motivação favorável para ter um filho. Os pais, no nosso estudo, valorizam mais os benefícios associados à parentalidade e desvalorizam mais os custos do que os não pais. A experiência no papel parental parece permitir antecipar as dificuldades e satisfações que poderão surgir, enquanto que, para os potenciais pais, esta será uma situação desconhecida e por isso pautada por maior incerteza e ambivalência (O’Laughlin & Anderson, 2001; Stöbel-Richet et al., 2005). Apesar dos custos associados à parentalidade, ser capaz de ultrapassar esses desafios permite encarar um outro filho com maior optimismo e valorizar mais os benefícios oriundos desta experiência. De referir ainda que de entre os dois tipos de benefícios associados à parentalidade, os benefícios emocionais são os mais valorizados, enquanto o reconhecimento social é a recompensa menos referida, tal como foi encontrado em estudos prévios (Stöbel-Richet et al., 2005). Quanto aos motivos contra ter um outro filho, não foram encontradas diferenças de género, apesar dos maiores custos de oportunidade para as mulheres. Parece assim que o que subjaz à decisão de ter um filho é idêntico para os homens e as mulheres de duplo-emprego. Este resultado poderia ser explicado pelo facto da maioria das mulheres em Portugal trabalhar a tempo inteiro e possuir um percurso contínuo no mercado de trabalho que uniformiza as experiências e oportunidades profissionais entre os sexos. No entanto, tendemos a discordar desta visão uma vez que os dados relativos à segregação profissional ainda se manifestam em desfavor das mulheres (Casaca, 2010). Outra explicação poderá advir do facto da decisão de ter um filho ser essencialmente uma decisão de casal onde os 69


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motivos a favor e contra são pesados por ambos os elementos. Deste modo, a decisão de ter um filho parece ser afectada pela regra da “média de ouro” postulada no modelo de Jansen & Liefbroer (2006). Segundo esta regra as atitudes de ambos os elementos do casal afectam de igual modo as suas decisões. Assim ao invés do elemento com mais poder na relação (aquele que possui mais recursos económicos, educacionais ou sociais) influenciar a decisão, os dois elementos procuram um compromisso entre as preferências de ambos quando decidem ou não ter um filho. Este tipo de decisão constitui ainda uma distinção face a decisões baseadas na regra da “esfera de interesse principal”, que postula que homem e mulher têm esferas de interesse predefinidas em função do papel de género, assim as decisões do casal são afectadas pela atitude do cônjuge que detém o maior interesse no domínio da decisão. Nesta perspectiva, decisões do domínio familiar, como tornar-se pai/mãe seriam mais influenciadas pela mulher. Parece assim que as alterações do papel do homem na família estarão a aumentar o seu protagonismo na decisão de parentalidade. Efectivamente, a participação e envolvimento dos homens na esfera familiar tem-se manifestado essencialmente no cuidado aos filhos e os homens desejam participar de forma mais sistemática neste âmbito (Aboim, 2010; Torres e Silva, 1998). O processo de decisão de ter ou não um filho deve por isso ser analisado ao nível do casal. Investigar somente as razões e motivações de um dos elementos não permite compreender os processos de influência e neste âmbito as intenções reprodutivas dos homens têm sido descuradas (Cavalli & Rosina, 2011). O facto dos homens portugueses assinalarem elevados índice de stress devido à falta de tempo para a família é um indicador de como a questão da conciliação e da parentalidade é cada vez mais uma preocupação de muitos homens (Guerreiro & Carvalho, 2007). Uma linha interessante seria a de investigar mais pormenorizadamente o modo como os cônjuges se influenciam nesta decisão. Adicionalmente, enquanto alguns dos custos da parentalidade parecem estar claramente relacionados com a dinâmica estabelecida entre o domínio profissional e familiar, como por exemplo custos ao nível da carreira profissional, outros custos e recompensas não têm sido estudados na sua relação com a gestão de papéis. Poderá ser relevante analisar de que modo as práticas de conciliação afectam a decisão de se tornar pai/mãe. Estudos preliminares sobre o tema têm mostrado que o conflito das mulheres na gestão de papéis afecta negativamente a intenção de ter filhos dos seus companheiros (Shreffler, Pirretti & Drago, 2010). Este estudo constitui um contributo para uma análise mais integrada das formas como os indivíduos de famílias de duplo-emprego conciliam e se posicionam face à possibilidade de ter ou não um (outro) filho, embora com algumas limitações. O facto de nos centrarmos em famílias de duplo-emprego limita a generalização destes resultados a outro tipo de famílias que poderão possuir outras formas de conciliação, 70


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nomeadamente núcleos familiares monoparentais. Neste tipo de famílias a gestão dos papéis profissionais e familiares é distinta, passando-se de um paradigma de conciliação ao nível do casal para uma conciliação mais individual, o que inevitavelmente implica uma reestruturação e reorganização das várias estratégias. Adicionalmente, como ficou demonstrado, a própria família de duplo-emprego é bastante heterogénea. Outro aspecto a salientar refere-se a possíveis diferenças quer no uso de estratégias de conciliação quer no posicionamento face à paternidade/maternidade em função de características do papel profissional que não foram aqui contempladas, nomeadamente constrangimentos nos horários de trabalho ou graus de responsabilidade e autonomia de determinadas profissões. Ainda neste contexto seria particularmente relevante analisar o modo como os indivíduos que desempenham profissões típicas do sexo oposto actuam na conciliação. De facto, mulheres que desempenham profissões tipicamente associadas ao sexo masculino demonstram maior dificuldade em ser reconhecidas enquanto profissionais (Castelhano, Santos & Lacomblez, 2006) pelo que poderão ter necessidade de realizar ajustamentos distintos para gerir as suas múltiplas responsabilidades. Finalmente, por razões metodológicas excluímos o papel do apoio institucional neste estudo, no entanto, o uso de recursos formais na conciliação tem sido evidenciado como um aspecto crucial em vários estudos (Kossek & Ozeki, 1998; Torres & Silva, 1998). Parece, todavia, importante distinguir a existência e o uso de medidas de flexibilidade e apoio nas entidades empregadoras. Dados recentes mostram que cerca de 55% dos empregados afirma não ter a possibilidade de gerir o seu horário de trabalho ou o seu trabalho de forma a poder ausentar-se dias completos por razões familiares (INE, 2007). Este estudo demonstrou a preponderância de factores intra-familiares na decisão de ter um filho. Efectivamente, as razões subjacentes a ter um filho são partilhadas por homens e mulheres o que parece mostrar o carácter negociado desta decisão. De forma semelhante, as estratégias de conciliação que implicam apoio mútuo ou emocional são também valorizadas por homens e mulheres, contudo na presença de filhos as estratégias de conciliação surgem como distintas para pais e mães, denotando-se uma influência dos papéis de género tradicionais, uma vez que é a mulher quem mais desinveste profissionalmente. Parece assim que a chegada de um filho activa estes papéis de género contribuindo para a maior sobrecarga feminina. Apesar dos nossos resultados terem demonstrando a preponderância das estratégias de conciliação de natureza familiar, é importante que uma intervenção nesta temática responsabilize quer organizações quer a sociedade pelo apoio a estas famílias, dando particular atenção às mulheres que se tornam mães. Estas politicas são ainda mais relevantes se considerarmos o resultado de que são os indivíduos que já têm filhos os mais predispostos para terem um outro filho e aqueles que mais valorizam os aspectos positivos da parentalidade. No entanto, como estudos anteriores em Portugal já verificaram, existe um desfasamento entre a 71


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descendência desejada e a concretizada (Cunha, 2005). Assim, as famílias com filhos mostram ter dificuldades em concretizar a sua intenção de te um outro filho, pelo que beneficiariam de apoios para a gestão das responsabilidades profissionais e familiares. No caso particular das mulheres, apoios que não passassem pelo desinvestimento profissional. De facto, a necessidade de serem realizados estes ajustes aos investimentos nos papéis profissionais pode constituir uma causa adicional de sobrecarga para as mães pois não lhes permite a concretização efectiva da conciliação. Esses apoios poderão revestir-se de medidas formais e informais de apoio à família implementadas pelas organizações, bem como medidas implementadas pelo estado e comunidade como o alargamento das estruturas de apoio à infância. Contudo, uma actuação ao nível da formação e sensibilização colectiva para a partilha dos papéis dentro e fora da família entre homens e mulheres é bastante relevante na medida em que ainda prevalece a ideia de que as mulheres são as mais bem equipadas para o cuidado à família e aos filhos e que são elas quem deve sacrificar a carreira em prol da família.

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Notas 1 A taxa diz respeito à percentagem de mulheres empregadas do total de empregados. É considerado empregado o indivíduo com idade mínima de 15 anos que, no período de referência, se encontrava numa das seguintes situações: a) tinha efectuado trabalho de pelo menos uma hora, mediante pagamento de uma remuneração ou com vista a um benefício ou ganho familiar em dinheiro ou em géneros; b) tinha um emprego, não estava ao serviço, mas tinha uma ligação formal com o seu emprego; c) tinha uma empresa, mas não estava temporariamente ao trabalho por uma razão específica; d) estava em situação de pré-reforma, mas encontrava-se a trabalhar no período de referência (INE, 2010). 2 A taxa diz respeito à percentagem de mulheres empregadas cujo período de trabalho tem uma duração igual ou superior à duração normal de trabalho em vigor na empresa/instituição, para a respectiva categoria profissional ou na respectiva profissão (INE, 2010).

Correspondência Marisa Matias, Andreia Silva e Anne Marie Fontaine A correspondência acerca deste artigo deverá ser endereçada para Marisa Matias: Centro de Psicologia Diferencial, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto Rua Dr. Manuel Pereira da Silva, 4200-392 Porto, Portugal. marisa@fpce.up.pt Nota dos autores Centro de Psicologia Diferencial, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade do Porto. Este estudo insere-se numa bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e Tecnologia concedida à primeira autora (SFRH/BD 35963/2007). 76


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Cidadania e participação dos alunos nos contextos escolares Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Coimbra

Resumo Sabe-se que a prática de experiências democráticas escolares desenvolve nos alunos uma maior consciência e atitudes cívicas. Os planos curriculares e os projectos educativos de escola apresentam hoje mais áreas de formação cívica e de cidadania mas, serão as escolas verdadeiros contextos facilitadores de vida democrática? Terão as escolas, uma verdadeira e naturalizada cultura de cidadania? E, por sua vez, os professores, estarão preparados, conscientes e “autorizados” a prepararem os seus alunos para serem sujeitos comprometidos em todos os contextos escolares? Entrevistas feitas a professores e alunos do 2º e 3º ciclos do ensino básico relatam uma dupla e divergente opinião mas com a comum certeza quanto à relevante e necessária presença dos alunos nos organismos de decisão da escola. Palavras-chave Experiência escolar, Participação, Cidadania participativa dos alunos, Percepções e práticas docentes

Abstract It is well known that democratic experiences in school develop students’ conscience and civic attitude. Today, curricula and educational school projects have a wider component of civic and citizenship training, but are schools truly facilitating a more democratic way of living? Do schools have a true established culture of citizenship? Are teachers ready, aware and “empowered” to prepare their students to become committed citizens in all school contexts? Interviews with 2nd and 3rd cycle basic school students and teachers show different opinions, however with a common certainty as to what concerns the relevant and necessary presence of students in school decision-making bodies. Keywords School experience, Participation, Students’ participative citizenship, Perceptions and teaching practices

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Introdução

«(as exigências da democracia) não se mantém a um nível puramente teórico, antes, se traduzem nas estruturas e nas normas mas, sobretudo, encarnam nos comportamentos e nas atitudes dos protagonistas» Guerra (2002, p.30)

A pensar na relevância que a experiência social tem vindo a assumir no conhecimento da vida das pessoas, enquanto acção social e enquanto subjectividade, procuraremos aqui relevar o papel da escola, enquanto espaço e tempo facilitadores de uma autoconstrução de si enquanto indivíduos comprometidos e participativos nos diferentes contextos escolares. Na verdade, é premente que a escola não mais “fabrique” actores enquanto produtos do funcionamento de regras intrínsecas à instituição mas que, através das suas práticas, desenvolvam a capacidade de dominar as suas experiências escolares sucessivas. Porque, no ver de alguns autores (Dubet, 1994; Dubet & Martuccelli, 1996), esta dimensão subjectiva do sistema escolar, tendo-se perdido pelo modelo técnico-científico de racionalidade instrumental que afastou o aluno da sua condição de sujeito de si e da avaliação, torna-se fundamental para a participação colectiva e responsável do aluno nos espaços escolares. E, considerando as várias funções da educação em geral, e especificamente da educação escolar (desenvolvimento de competências, capacidade crítica, autonomia, empoderamento, etc), verificamos, à semelhança de outros autores (Galston, 2004; Haste, 2004; Biesta, & Lawy, 2006), a relação que esses objectivos educativos têm com o envolvimento político e o exercício da cidadania democrática por parte dos alunos. Neste contexto, a escola, providenciando oportunidades de desempenho de papéis e de construção de relações formais e informais de vária ordem, deve pressupor o fomento de experiências participativas essenciais para o desenvolvimento de uma consciência e de uma atitude cívicas. Para tal, e para o cumprimento de tais desígnios, todos os intervenientes, inclusivamente os alunos, devem ser responsabilizados preconizando e incentivando uma maior participação e presença, nomeadamente na tomada de decisões. Aos professores, para além de outras funções, pela sua acção, cabe despertar, promover e incentivar nos alunos a necessidade e a vontade de se envolverem em práticas de cultura cívica, num quadro de participação formal e informal, levando-nos a questionar até que ponto estão, eles (os professores), preparados e munidos de meios 78


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e estratégias adequadas para responderem a esse novo requisito que é a educação de cidadãos reflexivos e participativos social, política e culturalmente. E, para que tais exigências da democracia no âmbito escolar sejam devidamente operacionalizadas deve-se apostar naquilo que realmente importa, isto é, na preparação dos jovens para “abandonarem o papel passivo de consumidores do conhecimento e a assumirem o papel activo de construtores de significados” (Apple & Beane, 2000, p. 41). Nesse sentido, por um lado, espera-se que as escolas sejam contextos facilitadores de uma vivência democrática, possibilitando aos alunos oportunidades de participação nos mais variados espaços e momentos (quer formais como informais) onde a sua presença possa garantir a concretização do que está preconizado pela Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986 (cf. Artigos 2º e 7º). Por outro lado, que cada escola expresse a sua autonomia, valorizando a sua identidade específica, através dos Projectos Educativos e Projectos Curriculares, enquanto concretização da liberdade de ensinar e aprender e da própria democracia participativa. Neste artigo, partindo do pressuposto de que a escola actual continua a formar cidadãos com um perfil passivo, através da análise de conteúdo de entrevistas realizadas a professores e alunos do 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico, pretendemos tomar conhecimento, por um lado, das percepções que os primeiros revelam ter relativamente ao exercício da cidadania e participação dos alunos nos contextos escolares e, por outro lado, das reais potencialidades destes no exercício de uma cidadania activa e participada. Além disso, e porque a actual legislação do sistema educativo prevê a conversão da escola numa comunidade educativa, consagrando a participação de todos os seus membros na tomada de decisões e acções relacionadas com a vida da mesma, também questionamos até que ponto esse novo modelo de escola, concretizado por uma maior intervenção estratégica por parte dos professores, promove experiências de vivência democrática nos seus alunos. Porque, para que a democracia seja algo mais do que um conjunto de procedimentos formais, para que se concretize numa autêntica cultura cívica, cujos valores democráticos se naturalizam nas práticas quotidianas, é necessário nutri-la de forma permanente através da educação.

1. Escola e experiências de cidadania participativa Na tentativa de melhor percebermos a acção educativa que desempenha a escola temos, segundo Dubet & Martuccelli (1996), de centrar a nossa atenção nas experiências escolares e na forma como os indivíduos se envolvem, compondo e articulando as diversas dimensões do sistema, com as quais constroem as suas próprias experiências e se constituem a si mesmos. No entanto, esta é uma tarefa que não se prende apenas 79


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com os alunos mas, possivelmente, com todos os envolvidos no processo educativo nomeadamente os professores de quem se espera, pela formação, profissionalismo e humanismo, que se mostrem sempre atentos e capazes de fomentar uma cada vez mais comprometida participação dos seus alunos. Estes, por sua vez, crescem numa multiplicidade de dimensões muitas delas incontroladas pelo sistema escolar, mas sempre segundo lógicas de acção que giram à volta de um princípio de integração, que lhes é imposto levando a que a sua experiência escolar se forme em torno de uma tensão entre, por um lado, uma lógica de subjectivação adolescente e, por outro lado, um conformismo escolar e familiar traduzido, muitas vezes, num descontentamento que se reflecte na não aceitação das expectativas dos adultos. Assim, num registo de exaltação de uma certa informalidade verifica-se a necessidade de promover uma atitude mais participativa recorrendo a outro tipo de situações mais informais, tais como, a criação de espaços, locais, actividades e órgãos intermédios que permitam um maior envolvimento dos jovens na tomada de decisões da vida da escola apelando, à criatividade de cada escola na lógica da autonomia definida no seu regulamento interno (segundo Decreto Lei 115-A/98, art.º41, nº2). Deste modo, tanto na sala de aula como em todos os outros espaços e momentos mais informais - onde a intencionalidade educativa e formativa pode não estar em primeiro plano mas que complementa a acção educativa formalmente estruturada -, e extrapolando para todos os contextos sociais onde, ao longo do tempo, se vai formando o seu percurso de vida enquanto cidadãos comprometidos, vão construindo uma democracia mais real porque tornada natural nas suas quotidianas práticas em sociedade. E, se, actualmente, se vive num clima de exaltação da vida privada acompanhada de uma grande indiferença relativamente à vida pública e ao compromisso com o colectivo, tal tem implicações ao nível do papel socializador das instituições tradicionais, nomeadamente da família, comprometendo os processos de socialização e de integração, bem como a própria participação na vida política. Daqui, ressaltamos a importância em reencontrar o papel criador e produtor do sujeito, superando o seu papel passivo assumindo, também, um papel activo capaz de controlar o meio que o rodeia mediante o exercício consciente da sua liberdade e responsabilidade. Sentimento profundamente ético que Touraine (1996, p. 185) associa à democracia e que pressupõe o seu entendimento como “condição institucional indispensável à criação do mundo por actores particulares, diferentes uns dos outros, mas que produzem em conjunto o discurso nunca completado, jamais unificado, da humanidade”.

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2. Da sujeição passiva às práticas de ensujeitamento dos alunos Na escola, a relação estratégica que os alunos estabelecem com a organização escolar traduz-se, como sublinha Perrenoud (1995), pela sua capacidade de utilizar as regras e, ao mesmo tempo, de agir sobre elas, construindo diferentes tipos de estratégias, com graus variáveis de eficácia, com a finalidade de “proteger os seus interesses, a sua tranquilidade e a sua liberdade, contra as exigências dos adultos e, em particular, dos professores” (p.100). Segundo este autor, se, por um lado, o comportamento dos alunos, na escola, é susceptível de ser analisado a partir do modelo de “actor social”, por outro lado, e percebendo que a escola, constitui um meio de vida onde o aluno aprende a ser social, adquirindo e desenvolvendo um conjunto de competências susceptíveis de mais tarde, enquanto adultos, serem transferidas para outros tipos de organizações sociais de que irão fazer parte (empresas, organizações sindicais, partidos políticos), devemos procurar perceber de que forma a escola atribui tempos e espaços para que os alunos experienciem, desde logo, o que é a vida em sociedade. Nas palavras de Dubet (1994, p.58) “a experiência social é a actividade pela qual cada um de nós constrói uma acção cujo sentido e coerência não são mais dados por um sistema homogéneo e por valores únicos”. Assim, redescobre-se um indivíduo cada vez mais autónomo na reivindicação da liberdade de ser o dono de si e dos seus projectos, mas também cada vez mais capaz de evitar viver em tensões e conflitos. E, descobre-se uma outra ideia de sociedade caracterizada pela justaposição de elementos heterogéneos, pela separação das esferas económicas e culturais, proporcionando o aparecimento da subjectividade no seu quotidiano. Deste modo, reconhecemos que a experiência social, como maneira de perceber o mundo, é “uma construção inacabada de sentido” que permite construir-se através do envolvimento na acção colectiva e “construir o mundo social” através de uma combinação de lógicas diferentes, porque cada indivíduo é diferente. Por sua vez, a experiência escolar definida por Dubet & Martuccelli (1996, p. 62) “como a maneira de os actores, individuais ou colectivos, combinarem as diversas lógicas de acção que estruturam o mundo escolar”, tem uma dupla natureza. Por um lado, é constituída por cada indivíduo que constrói uma identidade, uma coerência e um sentido, num conjunto social que não possui a priori mas cujo processus de socialização e formação é fundamental na construção da sua experiência de aluno (passando pelos vários níveis de ensino que têm de frequentar). Por outro lado, as lógicas de acção que se combinam na experiência não pertencem, no entanto, aos indivíduos, elas correspondem aos elementos do sistema escolar que são impostos aos actores enquanto desafios que eles não escolhem. Tais lógicas de acção correspondem às várias funções1 que socialmente

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são atribuídas à escola e que são a operacionalização daquilo que podemos entender como missão a cumprir daquela instituição, na qual se continua a depositar a esperança de um futuro com certezas. Nesta linha, Canário (2008) problematizando o futuro da escola refere que esta terá de desenvolver e aprofundar o gosto pelo saber como forma de intervenção na sociedade e deve constituir-se como um espaço onde a política e a democracia sejam vivenciadas de forma a criar uma espécie de cidadania plena. O mesmo autor, refere ainda que, dado que a realidade escolar é de difícil transformação e, uma vez que, muitas aprendizagens significativas são hoje feitas fora do contexto escolar, importa que a escola chame a si novas práticas conducentes à criação de espaços que fomentem o prazer da aprendizagem e que se coadune com um projecto de sociedade verdadeiramente democrática. E, professores, alunos e todos os outros intervenientes devem concorrer para esse projecto comum. Assim, salientando o fundamental papel que é esperado os professores desempenharem, no sentido de que a acção dos alunos não seja meramente passiva e de sujeição a tudo o que lhes é permitido pela escola, mas que se torne cada vez mais activa e de maior ensujeitamento, promovendo a sua própria condição de sujeitos; os alunos, tendo opinião e perspectiva crítica relativamente às suas próprias experiências escolares democráticas tornam-se, também eles, e cada vez mais, propulsores de uma cultura de cidadania querendo e valorizando a sua presença em espaços e contextos onde tal lhes seja possível (permitido), passando a zelar pelos seus direitos e não sendo tolerantes com injustiças, exercendo e usufruindo o direito à palavra e reflectindo cada vez mais sobre o mundo diário em que vivem e intervêm. Embora sejam uma realidade, os planos curriculares e os projectos educativos de escola contemplarem cada vez mais áreas de formação cívica e de cidadania, no entanto, e volvido um quarto de século após a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, continua a verificar-se uma certa descoincidência entre o designado novo modelo formativo de alunos, e de docentes, e a prática do quotidiano escolar caracterizada por uma quase total ausência dos alunos nos órgãos de administração, planificação, orientação e funcionamento dificultando-lhes o acto de se fazerem ouvir relativamente ao seu potencial contributo para a implementação de mudanças positivas. Na verdade, a partir da análise dos discursos dos alunos, das entrevistas que realizámos, verificámos que a actual estrutura escolar tem, ainda, um certo caminho a percorrer no sentido de reconhecer e fomentar o envolvimento significativo dos alunos enquanto actores emergentes de intervenção social, política e cultural.

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3. O estudo: breve descrição O estudo que aqui se apresenta, sendo parte de uma pesquisa mais alargada e que se encontra ainda a decorrer, situa a sua metodologia na investigação qualitativa crítica. Este é um género de pesquisa que inclui todas as formas de investigação que procuram preservar a forma e o conteúdo do comportamento humano analisando-o sem o submeter a fórmulas matemáticas ou a outro tipo de transformações formais (Lindlof, 1995). Tal tipo de pesquisa pressupõe uma postura diferenciada implicando, entre outros aspectos, que o investigador tenha um planeamento global que lhe permita adaptar-se a cada novo estímulo do meio e que tenha particular atenção aos momentos em que deve observar, em que deve ouvir e em que deve agir (Lindlof, 1995). Assim, partindo do pressuposto de que cada aluno tem uma história pessoal enquanto sujeito activo e, considerando os comportamentos e atitudes dos alunos, nomeadamente o comprometimento, a responsabilidade e a autonomia, relativamente à escola, à sua relação com o saber escolar e com os outros (pares e adultos), na nossa pesquisa, tal como a investigação qualitativa sugere, optámos por formular algumas questões gerais e flexíveis, permitindo-nos, assim, evitar possíveis enviesamentos e eventual perda de aspectos importantes das várias situações consideradas relevantes (Carspecken, 1996). Entre tais questões referimos as seguintes: 1) O que pensam e sentem os alunos relativamente à sua ausência em determinados espaços escolares? 2) Como reagem os alunos a determinadas decisões tomadas pelos órgãos dirigentes da escola? 3) Na perspectiva dos professores como actuam os alunos de modo a alcançarem mais oportunidades de participação (formal e informal) na escola? Para responder a tais questões analisaram-se várias entrevistas realizadas a grupos de alunos com idades compreendidas entre os 10 e os 19 anos de idade, de uma escola do 2º e 3º ciclos do ensino básico do distrito de Coimbra bem como entrevistas realizadas a professores a leccionarem nessa mesma escola há, pelo menos, 10 anos.

4. A voz e participação dos alunos Considerando que a educação escolar precisa mostrar ao aluno o que ele ainda não viu, expandindo o seu mundo, tornando-se mais rico internamente, e na sua acção nos diferentes contextos escolares, os alunos, quando questionados sobre a sua participação na tomada de decisões relativas a si enquanto sujeitos pertencentes à instituição, de modo geral, mostram-se descontentes. Mas, um descontentamento resignado a uma certa impotência para alterar tal situação.

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“ Normalmente as decisões partem do Conselho Executivo e são postas em prática sem nos perguntarem nada. Mas … sempre foi assim…” (Aluno, 8ºano) “ É assim, nós respeitamos e temos de cumprir mas … há aqui pessoas que não nos respeita, e até temos a nossa opinião.” (Aluno do 9º ano)

Além disso, pudemos aferir alguma tomada de consciência de que podiam ter mais iniciativa, propondo e sugerindo possíveis formas e oportunidades de participação tanto em espaços formais como informais da escola.

“ Quando podemos contribuir com as nossas opiniões é positivo para nós e para a escola … porque … se reclamamos é porque alguma coisa, normalmente, está mal. Se a escola mudar e melhorar isso acaba por valorizar a escola. … e assim não andamos cá contrariados.” (Aluna do 8º ano) “ Ás vezes até costumamos pedir ao Executivo … por exemplo, chegámos a fazer um jornal da escola, um de parede e outro em papel para vender aos familiares e amigos” (Aluno 8º ano)

E, uma constatação importante é que os alunos sentem que a escola é deles e para eles, pelo que também se mostram seguros de que devem sempre fazer algo mais para que aquele espaço e tempo escolares se tornem, então, mais significativos, para si, para as suas famílias e, de modo geral, para a sua comunidade.

“ …, mas acho que a escola também tem de ser um espaço nosso, acima de tudo porque quem vai estar mais tempo na escola e quem vai viver mais para a escola, são os alunos. Se a escola não for uma segunda casa para os alunos não vale a pena.” (Aluno, 8º ano)

Generalizado sentimento de pertença que os alunos entrevistados demonstraram ter mas que, na prática, não se parece concretizar para além do espaço e do tempo de aula.

5. Percepções e práticas dos docentes Também questionámos os professores sobre as capacidades dos seus alunos no exercício da cidadania, especificamente no que respeita à sua participação activa e empenhada nos momentos e espaços que lhes são reservados para tal. E, segundo eles, essa é uma necessidade e uma boa medida que, aliás, se encontra formalmente consagrada2 nos Conselhos de Turma, pela figura do Delegado e Sub-delegado de turma,

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na Assembleia de Delegados de Turma e Assembleia de Alunos, em termos definidos no regulamento interno da escola (segundo o Decreto Lei 115-A/97, artº41, nº2).

“ … isso é extremamente importante, aí dá-lhes de facto mais consciência, de que eles também estão a construir o ambiente onde estão a trabalhar, fazem parte dessa construção e, portanto, eu penso que sim, penso que é importante para eles se houvesse mais participação. Embora, de forma geral, nesta escola, os alunos participam nas actividades que também são propostas.” (Professor M M)

No entanto, em termos práticos, e pelo que nos foi possível aferir, esta participação “nas actividades que também lhes são propostas” resume-se a situações pontuais relacionadas com os conteúdos programáticos de algumas disciplinas (nomeadamente a Formação Cívica e a Área de Projecto) que, na maior parte das vezes, acabam por não ter o impacto na comunidade educativa, que seria de esperar. O que, e na perspectiva de alguns docentes, pode dever-se, muitas vezes, ao facto de serem actividades propostas (impostas) sem a devida e necessária negociação por parte dos alunos.

“ Está a decorrer um concurso de fotografia, que até têm um prémio, mas que até hoje ainda ninguém aderiu, e até é uma coisa que eles gostam, porque andam por aí a fotografar com os telemóveis e tal … mas, depois, quando se lhes pede para participarem numa actividade, não … parece que é pedido é logo negado”. (Professora A P)

Além disso, tal também se pode explicar pela falta de iniciativa que, de modo geral, caracteriza esses mesmos alunos.

“ … tenho um exemplo, perguntei-lhes se queriam fazer uma campanha, a nível de escola, que fosse tratada como formação cívica. E até final do 1º período não apresentaram iniciativa nenhuma. Então perguntei-lhes “e que tal a recolha de tampas de plástico?” E eles disseram: “Sim, sim”. E gostaram da ideia mas, no final pergunto:”Quem é que está a recolher as tampas?”Ninguém.” (Professora A P)

Por outro lado, os professores também descrevem os alunos como sendo demasiado infantis e sem maturidade suficiente para terem uma participação mais activa em espaços que, até então, não lhes têm sido disponibilizados.

“ (…) Os alunos do 2º ciclo não têm essa capacidade, vêm nitidamente ainda

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muito infantis, extremamente infantis, não têm capacidade crítica nenhuma” (Professora L D) “ (…) e aqui isso é muito complicado porque eu acho que eles são muito irresponsáveis. (…) até é nomeada, com eleição e tudo, uma comissão de finalistas e, na verdade, se não houver sempre dois professores que são nomeados para os acompanhar, isto é caótico.(…)” (Professora I P) “ (…) Leva-me a pensar que a autonomia (dos alunos) é muito reduzida e a responsabilização também é, porque quando se pede coisas para trabalhos autónomos raros são os alunos que os trazem feitos” (Professora T C-R)

O que, aliás, se traduz numa grande debilidade e falta de consistência com que se reveste a participação dos alunos em alguns órgãos e cargos de mera formalidade, como por exemplo o caso do Delegado de Turma e da própria Associação de Estudantes3. Que, por sua vez, nos confirma a ideia prévia de que os alunos não têm, em si mesmos, desenvolvida uma tradição de participação democrática, mesmo quando a lei lhes permite (cf. Art.º 14º da Lei nº 39/2010 de 2 de Setembro).

“ Acabavam por ser os bons alunos, geralmente os outros nem para isso estão prontos” (Professor A G) “ Eles só por si dizem logo que não estão interessados, eles próprios não gostam de participar. (…) E quando são solicitados para desempenharem alguma actividade, para participarem a maior parte recusa-se. (… ). (Professora F V)

Situação que se deve, e muito, ao facto de a escola não reconhecer, ainda, a relevância de uma maior participação activa e efectiva dos alunos, nos vários contextos onde são, de facto, peça fundamental da engrenagem do sistema escolar.

“ E aí, a escola falha muito porque também não está preparada para corresponder às necessidades dos alunos. Daí eles também se desmotivarem um pouco.” (Professora F V) “ Mas a escola tem uma forma de estar em que nunca criou … nunca lhes deu essa … digamos oportunidade (…) não há nenhuma estrutura a nível da escola onde os alunos se possam envolver na vida da escola, de forma mais activa …” (Professora D)

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No entanto, não apenas identificamos um novo modelo de prática docente definido por uma maior atenção e atribuição de sentido de pertença a todos quantos compõem a comunidade escolar4, mas também um modelo de prática discente onde os alunos são, de modo geral, cada vez mais entendidos como elementos fundamentais para uma dinâmica de escola bem sucedida.

“ É importante eles (alunos) sentirem que têm alguma coisa para dar, há muitos miúdos que têm um sentido de responsabilidade muito grande já, neste momento e, lá está, a escola tem de desenvolver esse sentido de responsabilidade, esse sentimento de responsabilidade, e há muitas formas de os poder colocar como colaboradores. (…) eles são também peças da organização da dinâmica da escola.” (Professor J F) “ Eles são muitos e não podemos esquecê-los, eles coabitam este espaço connosco e eles também devem ser chamados a avaliar e a dar sugestões. Atendendo à idade deles há sugestões que são impraticáveis, mas deve haver duas ou três que até podem ter algum sentido e ter algum interesse pensar sobre elas. Ás vezes, eles sentem que estão aqui e a escola serve para eles mais como indicando-lhes as carteiras e pouco mais.” (Professor J F)

Por outro lado, os professores, por sua vez, conscientes de que podiam fazer mais e melhor no que respeita a uma acção educativa de maior participação em contextos informais de formação em geral e também para a promoção da democracia cívica, reconhecem-se institucionalmente limitados.

“ A pessoa até sente que podia fazer melhor, mas não tem como. Não tem condições. Por exemplo, uma pessoa quer criar um clube, mas não tem salas, não tem espaço físico … e criar um clube, sei lá, a nível da história que se propõe trazer vídeos, trazer coisas de casa, … mas não tem como, inclusivamente os horários dos alunos não lhes permitem participar. Então, o que se pretende com este ensino?” (Professora L D)

Sendo a participação o princípio básico da democracia, este não é “um direito mas um dever onde todos os protagonistas das deliberações, revestindo a participação não apenas uma função organizativa ou funcional mas, também educativa, o que pressupõe a assunção do aluno-cidadão, comprometido com as decisões e responsabilidades em matéria de vida escolar” (Guerra, 2002, p. 67). Assim, propomos que as escolas devem fomentar sempre uma atitude mais participativa recorrendo a outro tipo de situações

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mais informais, nomeadamente, a criação de espaços, de locais, de actividades e órgãos intermédios que promovam um maior envolvimento dos jovens na tomada de decisões de vida da escola. Só assim, e nas palavras de Canário (2008, p. 80) “a escola poderá assumir-se, para todos, como um lugar de hospitalidade” onde o processo de alunização das crianças e jovens dê lugar a um processo de transformação dos alunos em pessoas.

Concluindo … O confronto destas duas perspectivas levam-nos a reconhecer uma dupla e divergente opinião mas comum quanto a uma relevante e fundamental presença e participação dos alunos nos organismos de decisão da escola. Tal constatação é concordante com o que a literatura também nos tem vindo a mostrar, nomeadamente no que respeita ao facto de a um maior envolvimento dos alunos com a escola corresponder percepções positivas por parte destes relativamente às actividades escolares e de aprendizagem que lhes são propostas na escola, tanto formais como informais (Furlong et al, 2003; Jimerson, Campos, & Grief, 2003; Covell, 2010). Por sua vez, a escola deve ser, em si mesma, uma comunidade democrática, devendo, por conseguinte, transforma-se num modo excelente de modificar a sociedade. Viver uma experiência democrática possibilita não apenas que os indivíduos a possam reproduzir noutros contextos, mas também os tornará críticos para descobrir e denunciar as ciladas que a tornam inviável e comprometidos para exigir as condições que a tornam possível (Guerra, 2002). A participação não é um direito mas um dever e, neste sentido, à semelhança de Pereira & Pedro (2009, p. 161) defendemos que importa mais aprender “na cidadania” do que “para a cidadania”. Nesta linha, e à semelhança de Gâmboa (2004, p. 42), podemos considerar que “a educação não é a preparação para a vida é a própria vida” pois, tal “como os fins da vida se identificam com o processo que a serve (viver), a educação realiza-se realizandose”. Assim, a educação em geral e, especificamente, a educação escolar, deve ser, cada vez mais, entendida como potenciadora de uma cultura cívica, ancorada no fomento de uma educação pelas práticas quotidianas de cidadania em vez de uma educação para a cidadania activa e responsável.

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Bibliografia Apple, M., & Beane, J. (2000). Escolas democráticas. Porto: Porto Editora. Barroso, J. (2004). Cultura, cultura escolar, cultura de escola. In A. F. Ferreira (Orgs.), Escolas, culturas e identidades, Comunicações do III Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, Vol. 2, (pp. 103 -112). Coimbra: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, Biesta, G., & Lawy, R. (2006). From teaching citizenship to learning democracy: overcoming individualism in research, policy and practice. Cambridge Journal of Education, 36(1), 63 - 79. Canário, R. (2008). A escola: das “promessas” às “incertezas”, Educação Unisinos, 12(2), 73 - 81. Consultado em Março 2011, http://sossirb.jigsy.com/files/documents/ Rui%20Can%C3%A1rio.pdf. Carspecken, P. (1996). Critical ethnography in education research: a theoretical and pratical guide. London: Routledge. Covell, K. (2010). School engagement and rights-respecting schools. Cambridge Journal of Education, 40(1), 39 - 51. Dubet, F. (1994). Sociologie de l’expérience. Paris: Seuil. Dubet, F., & Martuccelli, D. (1996) A l’école. Sociologie de l’expérience scolaire. Paris: Seuil. Ferreira, J., & Estêvão, C. (2003). A construção de uma escola cidadã. Braga: Externato Infante D. Henrique. Furlong, M., Whipple, A., St. Jean, G. Simental, J., Soliz, A., & Punthuna, S. (2003). Multiple contexts of school engagement: moving toward a unifying framework for educational research and practice. The California School Psychologist, 8, 99 113. Galston, W. (2004). Civic education and political participation. Political Science and Politics, 37, 263 - 266. Gâmboa, R. (2004). Educação ética e democracia. A reconstrução da modernidade em John Dewey. Lisboa: ASA. Guerra, M. (2002). Os desafios da participação – desenvolver a democracia na escola. Porto: Porto Editora. Haste, H. (2004). Constructing the citizen. Political Psychology. 25( 3), 413 - 439. Jimerson, S., Campos, E., & Grief, J. (2003). Toward an understanding of definitions and measures of school engagement and related terms. The California School Psychologist, 8, 7 – 27. 89


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Lindlof, T. (1995). Qualitative communication research methods. London: Sage. Lobrot, M. (1995). Para que serve a escola? Lisboa: Terramar. Pereira, C., Cardoso, M. Rocha, F. & Pedro, A. (2009). Escola, democracia e participação dos alunos do 3º ciclo, Actas do I Encontro de Sociologia da Educação Contextos Educativos na Sociedade Contemporânea, Vol.1 (pp. 156-162). Lisboa, Edição da Secção de Sociologia da Educação da Associação Portuguesa de Sociologia, Publicação electrónica disponível em http://www.aps.pt/cms/imagens/ficheiros/ FCH4b11c4088da30.pdf Perrenoud, Ph. (1995). Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar. Porto: Porto Editora. Touraine, A. (1996). O que é a democracia? Lisboa: Instituto Piaget.

Legislação citada Lei de Bases do Sistema Educativo - Lei 46/86 de 14 de Outubro, alterada pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro, pela Lei nº 49/2005, de 31 de Agosto e pela Lei nº 85/2009 de 27 de Agosto. Decreto Lei 115-A/98 de 4 de Maio, alterado pela Lei nº 24/89 de 22 de Abril (Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de ensino da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário). Lei nº 30/2002, de 20 de Dezembro, alterada pela Lei nº 3/2008 de 18 de Janeiro e pela Lei nº 39/2010 de 2 de Setembro (Aprova o Estatuto do aluno do Ensino Básico e Secundário).

Notas 1 Lobrot (1995) pesquisou em textos saídos do sistema oficial francês, publicados desde a instituição da obrigação escolar em 1881 e, tendo em conta as várias correntes de opinião, considerou serem cinco as grandes funções da educação escolar, a saber: 1) cultura geral; 2) aquisição de automatismos elementares; 3) preparação para a vida activa; 4) formação profissional e 5) desenvolvimento pessoal e social. 2 Segundo o Artº 14º da Lei nº39/2010 de 2 de Setembro, enquanto 2ª alteração ao Estatuto do Aluno dos Ensinos Básico e Secundário, este aprovado pela Lei nº30/2002, de 20 de Dezembro, e alterado pela Lei nº 3/2008, de 18 de Janeiro. 3 A qual, nos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico tem menor, ou mesmo nula, concretização, contrariamente ao Ensino Secundário, que, por sua vez, também se mantém com generalizada fraca presença em termos participativos nos órgãos de gestão e de organização e com pouca visibilidade em termos de acção estudantil. 4 Nomeadamente os alunos e suas famílias mas também todos os funcionários e administradores que, com o seu exemplo prático de empenho e zelo no desempenho das suas funções e responsabilidades, educam profissional, social e civicamente.

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Correspondência Sílvia Maria Rodrigues da Cruz Parreiral Escola Superior de Educação Praça Heróis do Ultramar 3030-329 Coimbra scruzp@esec.pt

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As convenções dramáticas como instrumento estético-pedagógico Delfim Paulo Ribeiro

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Resumo O conhecimento das convenções dramáticas revela-se central na pedagogia e didáctica do drama na educação, apresentando-se como um importante referencial teórico e metodológico da disciplina. Este artigo assume que o uso das convenções dramáticas, para além de dever ser entendido como um elemento imprescindível da literacia artística, promove a reflexão metodológica necessária ao enriquecimento e diversificação das práticas educativas relacionadas com o drama na educação. Palavras-chave Drama na educação, Convenção dramática, Didáctica, Metodologia

Abstract The knowledge of dramatic conventions is indispensable in the actual pedagogy and didactics of drama in education. This article assumes that the reflection on dramatic conventions promotes the methodological thinking essential for the enrichment and diversification of drama in education. Keywords Drama in education, Dramatic conventions, Didactics, Methodology

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Introdução Como se pode verificar em qualquer dicionário, a palavra convenção, de uma forma geral e na linguagem corrente, é usada para designar uma reunião entre pares ou um comportamento protocolar normativo. No âmbito específico do léxico teatral, a mesma palavra é utilizada para referir “o conjunto de pressupostos ideológicos e estéticos, explícitos ou implícitos, que permitem ao espectador receber o jogo do actor e a representação”Pavis (1996,71). Mesmo no que diz respeito à arte teatral, o conceito convenção apresenta-se muito abrangente, englobado o vasto conjunto de técnicas, processos e estratégias que permitem manipular os elementos dramáticos do tempo, do espaço e da presença humana. De uma forma geral, a “suspensão do descrédito” é assumida como a convenção mais básica e universal do teatro (e.g. Heathcote, 1971, Hornbrook, 1991, Flemming, 2003). Entende-se por “suspensão do descrédito” a capacidade do ser humano imergir no “faz-de-conta”; capacidade essa que permite aos espectadores vivenciarem as situações imaginárias como se fossem reais. Por exemplo, ao assistirmos, no palco ou no cinema, a um assassinato cruel ou a uma paixão avassaladora tendemos a reagir como se estas situações estivessem realmente a acontecer. O terror e o suspense são exemplos claros de propostas dramáticas assentes na suspensão do descrédito, cuja manifestação só ocorre com base no “acordo implícito” bem firmado entre o criador e o público. Na arte teatral, como facilmente se depreende, as convenções não são estáticas ou universais, visto dependerem das culturas, épocas e géneros artísticos a que se reportam. Sabemos que as estéticas teatrais baseiam-se deliberadamente em determinadas convenções, tipificando os géneros dramáticos. A Commedia Dell`arte, por exemplo, é tradicionalmente elaborada com base em determinadas convenções que dão significado às máscaras, aos personagens e aos enredos (Fo, 1999). Por seu lado, o teatro asiático Noh deriva de um conjunto de tradições e convenções normalmente incompreensíveis para o público ocidental. A dança teatral indiana (Kathakali) baseia-se em gestos muito precisos com as mãos, chamados mudras, que possuem uma grande multiplicidade de significados e metáforas culturalmente específicas (Barba, Savarese, 1991). Podemos ainda referir, como apontamento histórico, que no teatro Isabelino do Século XVI, estava genericamente convencionado serem os actores masculinos a representar as personagens femininas, tal como é retratado no filme “A Paixão de Shakespeare” do realizador John Madden. Contudo, a convenção do travestismo masculino continua a ocorrer nos dias de hoje no teatro Noh japonês, onde, tradicionalmente, o palco está vedado às mulheres. O próprio naturalismo ou realismo teatral do início do séc. XX (cujas metodologias de formação de actores e de representação ainda perduram nas produções televisivas da actualidade) pode, de certo modo, ser entendido como uma eficaz tentativa 94


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de destronar as convenções de estilização que se interpõem entre a representação e a vida real. No século passado, para alcançar o naturalismo, os encenadores recorreriam frequentemente à convenção da quarta parede. Posteriormente, e de modo a ultrapassar a estética naturalista então vigente, o teatro épico brechteniano e outras formas do teatro moderno e pós-moderno, ainda que com intuitos muito diversificados, passaram a manipular e a combater as convenções do realismo teatral, evidenciandoas e desmistificando-as perante o público, dando origem a novas convenções. Ou seja, a história do teatro, e de um modo geral a história da arte, está repleta deste tipo de dialéctica: das convenções formam-se normas que se generalizam, sendo posteriormente violadas pela invenção de novas convenções que formam novas normas e assim sucessivamente (Pavis, 1996). Podemos considerar que o conhecimento das convenções é primordial tanto para a criação como para a fruição teatral. Podemos mesmo concluir que o conhecimento das convenções e das técnicas teatrais, conjuntamente com noções históricas, psicológicas e filosóficas sobre as problemáticas humanas dramatizadas, são o que verdadeiramente possibilita a criação e a fruição da arte teatral. Porém, não devemos deixar de notar que, embora as convenções sejam usadas intencionalmente pelos profissionais do teatro como as ferramentas mestras que permitem manipular a acção e o impacto dramático, encontraram-se frequentemente mais veladas do que explícitas, estando de tal modo interiorizadas pelos artistas e pelo público que por vezes são somente decifráveis após um esforço de análise e interpretação (Flemming, 2003). Ao direccionarmos a nossa atenção para o campo pedagógico, somos levados a inferir que a relatividade cultural das convenções teatrais apresenta algum paralelismo com o trabalho educativo. De forma semelhante ao teatro, algumas convenções dramáticas são mais facilmente aceites do que outras, visto serem veiculadas pela cultura a que as crianças têm acesso, nomeadamente pela televisão. Esta constatação poderá ajudar-nos a compreender o motivo porque as crianças tendem a adoptar o estilo naturalista de representar e a usar implicitamente a convenção da quarta parede. Do mesmo modo se poderá justificar a aparente facilidade com que as crianças aceitam a convenção do flash-back e adoptam papéis imaginários. É facilmente compreensível que a suspensão do descrédito surja naturalmente nas crianças, visto ter a sua génese nas experiências precoces e espontâneas do brincar simbólico. Sobre este assunto Flemming (2003) chega mesmo a admitir que a origem natural e espontânea de algumas convenções dramáticas poderá ter contribuído para que o ensino do drama seja tão subestimado em muitas escolas. Segundo a sua opinião, isto decorre da percepção impressionista e limitada, por parte de alguns responsáveis educativos, de que as habilidades dramáticas surgem naturalmente nas crianças, não necessitando, por isso, de ser ensinadas. No entanto, sabemos por experiência própria que as crianças não aceitam todas as convenções de 95


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igual modo; o que nos permite afirmar que a introdução às convenções dramáticas, assente na praxis, deve fazer parte do trabalho escolar. Só deste modo os alunos poderão efectivamente alcançar um maior nível de compreensão e controlo da arte dramática.

As convenções no âmbito do drama na educação Ainda que, a seu modo, os autores pioneiros se esforçassem por edificar os princípios teóricos e as metodologias que consideravam servir o drama e o teatro em contexto escolar, temos de admitir que não conseguimos vislumbrar a palavra convenção no léxico inicial da disciplina. Sabemos que as elaborações teóricas e metodológicas mais antigas do drama na educação não emergiram da arte teatral, até porque, de uma forma geral, os primeiros estudiosos defendiam, intransigentemente, o afastamento da arte infantil de qualquer referência cultural e técnica externa. Durante a primeira metade do séc. XX, o campo epistemológico do drama na educação alimentava-se essencialmente das teorias do jogo e da psicologia dinâmica, teorias que influenciavam transversalmente as correntes pedagógicas mais inovadoras da época. Muitas teorias de cariz psicológico relacionadas com o drama na educação foram criadas, nos anos 60, por Brian Way. A sua obra, Development Through Drama, publicada em 1967, tornou-se extremamente popular na altura, visto oferecer uma metodologia passível de ser aplicada na sala de aula. A justificação desenvolvimentista do drama e a sua estruturação com base em actividades bem delimitadas e com objectivos precisos, tal como foi proposto por Way, generalizou-se nas produções bibliográficas, fazendo com que os professores começassem progressivamente a encarar o jogo dramático como a forma mais controlável de implementar o drama em contexto escolar. Porém, nos anos 70, essencialmente sob influência de Heathcote e Bolton, deu-se um salto qualitativo no modo de conceber e implementar o drama nas escolas. O drama na educação tornouse sobejamente mais complexo. Ainda que estes autores não introduzissem o texto ou a produção de espectáculos como possibilidades curriculares; especialmente Dorothy Heathcote idealizou processos de intervenção educativa baseados na sua experiência como actriz, fomentando metodologias onde os professores desempenhavam um papel activo e primordial na condução dos enredos. O drama na educação passou a ser encarado por muitos professores generalistas, principalmente pelos que não possuíam grande experiência na arte dramática, como difícil, senão mesmo impossível de implementar. Apesar disso, esta renovada forma de conceber o drama na educação, genericamente designada por “drama processual”, foi prontamente adoptada por diversos praticantes e académicos, de entre os quais destacamos Jonothan Neelands, pela eficaz síntese que produziu nas obras Making Sense of Drama, de 1986, e Structuring Drama Work : A Handbook of Available Forms in Theatre and Drama (2000; 1ª Edição 1990). A última obra, 96


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escrita em parceria com Tony Goode, apresenta como finalidade ajudar os professores a melhor compreenderem e dominarem a complexa arte do drama na educação. O livro, ou melhor o manual, é constituído por uma série de fichas onde as diversas convenções dramáticas e teatrais são descritas e classificadas tendo em conta os seus propósitos educativos. A incorporação de conceitos e processos teatrais no campo epistemológico do drama na educação, juntamente com a evolução da própria arte teatral e do concomitante desenvolvimento do drama aplicado, promovido, só para dar dois exemplos, pelo Fórum Teatro de Augusto Boal e pelo Sociodrama de Jacob Moreno, acrescentada ainda das propostas curriculares baseadas no texto promovidas por David Hornbrook nos anos 90, enriqueceram extraordinariamente o campo curricular e a didáctica do drama na educação. As propostas de organização curricular baseadas nas convenções dramáticas e teatrais têm vindo a destacar-se no âmbito da educação, apresentando-se actualmente como um importante tópico da literatura especializada para todos os níveis de ensino e uma metodologia referida nos curricula dos países onde o drama e o teatro se encontram mais desenvolvidos como disciplinas educativas. De uma forma lata, no âmbito do drama na educação, o termo convenção tem sido usado para referir o modo como os participantes são organizados nas oficinas, como se utilizam determinadas actividades auxiliares (e.g. a escrita ou a imagem) e como se incorporam as técnicas dramáticas e teatrais nas aulas e nos projectos educativos. Devemos apontar que a última dimensão, a que diz respeito à descrição e implementação das técnicas dramáticas e teatrais, é a mais comum na literatura, embora, como facilmente se depreende, todas as outras lhe sejam interdependentes.

Caracterização e classificação das convenções dramáticas e teatrais Segundo Neelands e Goode (2000, pp. 3-8) o uso pedagógico das convenções deve reflectir os valores do drama e do teatro enquanto disciplina educativa, designadamente através das seguintes orientações: •

Acentuando o cariz participativo e interactivo do teatro, onde os papéis de espectador, actor e encenador se interligam e fundem;

Acentuando a concepção do teatro como um processo de pesquisa que se direcciona para si-próprio e para as experiências humanas mais significativas, podendo ser ou não comunicadas através do espectáculo;

Acentuando a concepção do drama e do teatro como processos de investigação e descoberta que decorrem da necessidade básica do ser humano interpretar e exprimir o mundo de forma simbólica;

Acentuando a noção de que o drama e o teatro assentam as suas raízes mais básicas no

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exedra • nº 5 • 2011 brincar espontâneo e no jogo, tornando-se progressivamente mais refinados, complexos e poéticos através da interacção dialéctica dos conteúdos com as convenções.

A sistematização dos processos dramáticos com base em actividades delimitadas e com nome próprio (convenções) oferece múltiplas vantagens. Para além de tornar o drama pedagogicamente mais rico, menos misterioso e mais fácil de implementar, promove o planeamento e a avaliação do seu ensino. Ainda que, por necessidade de sistematização, as convenções sejam normalmente apresentadas de forma compartimentada, na realidade, elas sobrepõe-se e inter-relacionam-se. Ou seja, a experiência dramática e teatral desenvolve-se com base no fluir articulado das diversas convenções, cuja interrelação dinâmica é o que verdadeiramente estrutura o ritmo e a coerência interna das propostas estéticas e pedagógicas. Acima de tudo, devemos perceber que a própria semiótica teatral - que tem por base o tempo, o espaço e os personagens dramáticos emerge da articulação progressiva e orgânica das convenções. Podemos então assumir que o conhecimento e a manipulação das convenções são os factores que possibilitam aos professores e aos alunos melhorarem as suas propostas dramáticas de modo a tornarem as situações de aprendizagem mais ricas e significativas. No entanto, devemos chamar a atenção para o facto de que a utilização imponderada das convenções e a indulgência na sua escolha pode resvalar para a intervenção pedagógica inconsequente; visto não levar em linha de conta a profundidade do trabalho dramático e as progressões que devem determinar a riqueza educativa das experiências; isto é, o uso das convenções, per si, não pode ser entendido como condição suficiente para a validade do trabalho pedagógico, nem deve comprometer a possibilidade de existir outro tipo de proposta curricular baseada no drama e no teatro, como são, por exemplo, os trabalhos baseados no texto dramático ou na apreciação artística. É também necessário entendermos que a verdadeira qualidade do trabalho educativo baseado nas convenções jamais se alimenta da quantidade. Assenta sim, na ponderada escolha das convenções tendo em conta os momentos e os contextos específicos da sua aplicação, procurando adequa-las às necessidades e experiências dos grupos, aos conteúdos dramáticos escolhidos e às oportunidades de aprendizagem que se pretendam fomentar. Após termos introduzido algumas ressalvas que devem informar a didáctica baseada nas convenções, elaboramos seguidamente um quadro síntese com algumas das convenções dramáticas e teatrais mais usuais em educação.

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dramáticas

como

instrumento

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Quadro 1 - Resumo das convenções dramáticas. Adaptado de Neelands e Goode (2000). Categorias da Acção Dramática (Modos)

Construção do contexto

Narrativo

Poético

Reflexivo

Funções

Necessidades

Exemplos de Convenções

Apresentar e enquadrar os personagens, a cena e o enredo. Acrescentar informação às situações dramáticas enquanto estas decorrem

Partilhar a compreensão do lugar, do tempo, das personagens assim como de outros dados contextuais cruciais para o entendimento e participação no drama

Visita guiada; Escultura humana; Personagem na parede; Objectos do personagem; Desenho colectivo…

Enfatizar determinadas dimensões do enredo ou o que irá acontecer a seguir Fomentar o potencial simbólico do drama através do uso selectivo da linguagem e do gesto Fomentar a exploração do pensamento subjacente ao drama

Aumentar a curiosidade sobre o desenrolar da história e criar um sentido de imanência das acções motivadas pelos que actuam e/ou pelos que observam Permitir olhar para além da superfície do enredo , reconhecendo e criando as dimensões simbólicas dos trabalhos Fomentar a reflexão sobre os significados e temas que emergem durante o drama

Um dia na vida; Cadeira quente; Reuniões; Jogos; Professor como personagem; Mantle of Experts; Reportagem Acção narrada; Mímica, Ritual; Máscaras; Montagem Dar o testemunho; Percursos do pensamento; Vozes na cabeça;

Tal como podemos verificar na tabela acima apresentada, as diversas convenções podem ser classificadas em quatro categorias de acção ou modos dramáticos (construção do contexto, narrativo, poético e reflexivo). Embora admitamos que esta classificação possui utilidade sistemática, revela-se, tal como muitas outras, bastante discutível. Analisemos, por exemplo, a famosa actividade da cadeira quente que Neelands e Goode (2000) incorporam no modo narrativo. Sabemos que esta convenção, chamemos-lhe assim, consoante a forma como é orientada, pode cair mais no modo da construção do contexto ou no modo reflexivo. Se, durante a realização da actividade, a personagem focada, que está na cadeira-quente, for estimulada a responder sobre as suas características mais evidentes (profissão, idade, hábitos, objectivos de vida, etc.) estaremos, sem dúvida, a mover-nos predominantemente no âmbito da construção do contexto. Se, por outro lado, a actividade for orientada para respostas mais introspectivas, abrangendo os sentimentos e a reflexão sobre um determinado assunto, estaremos a trabalhar no modo dramático reflexivo. Este tipo de consideração é extensível às outras convenções. Aceitamos também, 99


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com alguma reserva, que Neelands e Goode (2000) considerem os jogos e o professorcomo-personagem como convenções claramente delimitadas a uma só categoria – modo narrativo. Sabemos que o jogo, entendido de forma abrangente, revela uma tal variedade de funções e objectivos que dificilmente admite ser classificado de um modo preciso. No mesmo sentido, o professor-como-personagem, e principalmente o Mantle of experts, também revelam um tal leque de possibilidades dramáticas e educativas que, segundo a nossa opinião, são melhor entendidos como metodologias do que como convenções strito senso. É de referir que os próprios autores, Neelands e Goode (2000), afirmam que a sua taxonomia “somente ilustra o uso das convenções tendo em conta um propósito determinado e particular” (p.8), sendo por isso a sua classificação limitada quanto à precisão e mútua exclusividade das categorias. Admitimos, tal como Milgral e Kishino (1994), que um dos objectivos mais importantes de uma taxonomia é estruturar as nomenclaturas de forma a poder dar lugar a discussões, tanto teóricas como práticas, que possam conduzir a investigação para as temáticas pertinentes. Deste modo, e com as reservas acima referidas, não deixamos de aceitar, neste trabalho, a classificação das convenções proposta por Neelands e Goode (2000), visto acreditarmos na sua utilidade enquanto plataforma comum de sistematização e estudo. Acima de tudo, aceitamos esta organização pela riqueza pedagógica e didáctica que lhe está subjacente. Tendo em conta que as convenções estão amplamente descritas na bibliografia especializada, não as iremos abordar de forma extensiva, remetendo o leitor para a consulta das obras de Neelands e Goode (1990), Winston e Tandy (2001) e Fleming (2003). Em vez de se basear nas convenções, a taxonomia das actividades dramáticas tem sido frequentemente realizada com assento no discorrer temporal das oficinas, utilizando a terminologia de “actividades de abertura, desenvolvimento e fecho” (assunto amplamente explorado por nós em trabalhos prévios; e.g. Ribeiro, 2005). A classificação das actividades dramáticas baseada na estruturação temporal não deixa de revelar grande utilidade para o professor, permitindo-lhe estruturar as oficinas de um modo progressivo, assim como analisar e avaliar o trabalho educativo com base em estruturas e raciocínios organizativos de referência. Ao longo da nossa prática temos vindo a usar as estruturas do tempo, do grupo e do espaço como enquadramentos de referência. Os vários instrumentos que temos idealizado e as discussões com colegas e alunos em cursos de pós-graduação permitem-nos concluir que a reflexão sobre a progressão e a estruturação das práticas pode ser realizada de forma profícua tendo como referência a adequação temporal, grupal e espacial das actividades, considerando, obviamente, os propósitos educativos e as dinâmicas que se pretendem alcançar numa determinada sessão (Ribeiro, 2005). Embora a classificação com base na estrutura temporal seja complementar e de certo modo sobreponível com a sistematização de Neelands e Goode (2000), a classificação das actividades dramáticas com assento nas convenções, revela-se mais característica do 100


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drama, introduzindo um campo lexical profícuo e estimulante. Acima de tudo, podemos concluir que as convenções dramáticas possibilitam aos professores reflectirem com maior profundidade sobre os processos artísticos e educativos subjacentes ao drama na educação.

Bibliografia Barba, E., & Savarese, N. (1991). A dictionary of theatre anthropology: the secret art of the performer. London: Routledge. Fleming, M. (2003). Starting drama teaching (2nd ed.). London: David Fulton. Fo, D. (1999). Manual mínimo do ator (2nd ed.). São Paulo: Senac. Heathcote, D. (1971). Drama and education: subject or system? In N. Dood, & W. Hickson, (1984) Drama and theatre in education (pp.42-62). London: Heinemann. Heathcote, D., & Bolton, G. (1995). Drama for learning: Dorothy Heathcote`s Mantle of the expert approach to education. Portsmouth: Heinemann. Hornbrook, D. (1991). Education in drama: casting the dramatic curriculum. London: Falmer Press. Milgral, P., & Kishino, F. (1994). A taxonomy of mixed reality displays. IEICE Transactions on Information Systems. Vol. E77-D, N. 12, December. Neelands, J. (1986). Making sense of drama. Oxford: Heineman. Neelands, J. (1998). Beginning drama 11-14. London: David Fulton Publishers. Neelands, J., & Goode, T. (2000). Structuring drama work ­a handbook of available forms in theatre and drama (2nd ed.). Cambridge: Cambridge University Press. Pavis, P. (1996). Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva. Ribeiro, D. (2005). Movimento e drama criativo na animação de grupos: cinco questões para uma prática fundamentada. Animarte, 13(55), I-VIII. Winston, J., & Tandy, M. (2001). Beginning drama 4-11 (2nd ed.). London: David Fulton.

Correspondência Delfim Paulo Ribeiro Instituto Piaget Av. Principal 1318, nº 8. 3510-602 Couto de Cima rdelfim@viseu.ipiaget.org

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María Cuesta Aguilar & Egidio Moya García • Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI

Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI María José Cuesta Aguilar Egidio Moya García

Área de Análisis Geográfico Regional - Universidad de Jaén

Resumo As perspectivas das cidades desenvolvidas no século de XVI foram moldadas pelo esplendor que o gênero coreográfico adquiriu no Século Dourado espanhol. Durante o reinado de Felipe II a coreografia e a pintura foram postas a serviço da coroa e o objetivo principal era demonstrar a grandiosidades da Monarquia Habsburgo. Nesse marco de referência se situa a demanda que fez o Rey fez ao pintor flamengo Anton Van der Wyngaerde, para realizar uma série de esboços panorâmicos das diversas cidades espanholas, entre as quais se encontrava Jaén. Nessa perspectiva o artista combina elementos topográficos, urbanos e paisagísticos, e tenta representar o aspecto mais humano e quotidiano da cidade. A interpretação e análise detalhadas da mesma oferecem um grande panorama de um núcleo urbano e seu contexto geográfico que acaba sintetizando uma obra de grande valor documental. Palavras-chave Anton Van den Wyngaerde, Perspectiva, Desenho urbano, Coreografia, Panorama, Jaén

Abstract The views of towns realized in XVIth Century are framed in the splendor that the chorographic genre acquires in the Spanish Golden Century. During the reign of Phillip II the chorography with the painting was at the service of the Crown, and its main objective was to devote itself to the demonstration of the Habsburg Monarchy´s grandeurs. In this framework it was situated the charge that the king made to the Flemish painter Anton Van den Wyngaerde to realize a series of panoramic draws of several Spanish towns, like Jaén. In this view the artist combine topographic, urban and landscape elements, and he try to show the aspect more human and quotidian of the city. The detailed analysis of this work allows us to recognize which are the components that represent the political and religious powers and the economic strengths of the town. Keywords Anton Van den Wyngaerde, Views, Drawing, Chorography, Jaén, Power 103


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1. Introducción Las vistas de ciudades españolas realizadas en el siglo XVI hay que enmarcarlas en el esplendor que adquiere el género corográfico en el Siglo de Oro. Es un género casi inseparable de las historias de las ciudades y las vistas que acompañaban a estas descripciones eran un complemento fundamental de la obra. El origen del término se encuentra en la Geografía de Ptolomeo, quien distingue entre ésta, que se ocupa de las regiones y sus rasgos generales, y la corografía, cuyo objeto eran únicamente las particularidades, hasta las localidades más pequeñas concebibles. Apiano, geógrafo al servicio del Emperador Carlos V lo interpretaba de forma similar, decía que la corografía es la misma cosa que topografía, la qual se puede dezir traza de lugar, describe y considera particulares lugares por su parte, sin consideración ni comparación de sí mismos, ni dellos con otros. Empero con gran diligencia considera todas las particulariades y propiedades, por mínimas que sean, que en tales lugares se hayan de notar, como son puertos, lugares, pueblos vertientes de ríos y todas las cosas semejantes, como son los edificios, casas, torres, murallas y cosas tales. El fin de la corografía es pintar un lugar particular, como si un pintor pintasse una oreja,o un ojo, y otras partes de la cabeza de un hombre (Kagan, 1995). Afianzando esta idea, encontramos la consideración de la corografía de Sebastián de Covarrubias, en su Tesoro de la lengua castellana, que entiende como topografía: vale descripción de lugar, pero también en su acepción de describir, que es narrar o señalar con la pluma algún lugar o caso acontecido, tan al vivo como si lo dibuxara. La descripción, escribe Covarrubias, es la tal narración o escrita o delineada, como la descripción de una provincia o mapa (Kagan, 1995). En España, el género se desarrolló en varias direcciones a la vez. En manos de cosmógrafos y geógrafos, como Hernando Colón, Lucio Marineo Sículo, o Pedro de Medina, pronto se incluyó en grandes compendios geográficos, entre los cuales destaca el Libro de las grandezas y cosas memorables de España, escrito por Medina y dedicado al joven Felipe II. Esta obra ofrecía descripciones corográficas de varios centenares de municipios españoles y portugueses, a fin de presentar al príncipe los reinos que había de heredar. En este marco encuadramos el encargo, por parte de Felipe II, al pintor flamenco Antón van den Wyngaerde de realizar una serie de vistas topográficas de las ciudades principales de los reinos hispanos. Podemos decir que la corografía junto con la pintura durante el reinado de Felipe II, se pusieron al servicio de la Corona, y su principal objetivo era dedicarse a la demostración de las grandezas de la monarquía de los Austrias. Las ciudades se convertían en porciones esenciales de la misma, y constituían un producto mas del entorno cultural humanista de esta centuria. Se intentaba elaborar modelos arcádicos que se aproximasen lo mas posible a 104


María Cuesta Aguilar & Egidio Moya García • Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI

la ciudad ideal o mas bien a la República Ideal, según el modelo clásico, y a la Ciudad de Dios, según el cristiano-justiniano (Aranda, 1999). Factores que se consideraban importantes para contribuir a la grandeza de la nobleza urbana eran la piedad y la caridad, cualidades demostradas a través de largas descripciones de los templos, ermitas, conventos, hospitales y cofradías, como tendremos la oportunidad de analizar en la vista objeto de estudio. Sin embargo tenían poco interés por describir los restos de la época musulmana, o la presencia de indicios judíos o mudéjares en la ciudad. En este sentido, son reveladoras las palabras de Aranda cuando afirma “…representar es buscar, construir y propagar una identidad social, o lo que es lo mismo, simbolizar activamente, llevar a cabo estrategias simbólicas que refuercen el estado y el rango social de un grupo, comunidad o clase. La representación es como una teatralización de la vida social, a la vez que un intento de manipulación o incluso de ocultamiento –en su caso- de determinadas realidades, todo lo cual busca imponer una coacción interiorizada que a su vez suponga respeto y hasta sumisión” (Aranda, 1999).

2. Wyngaerde, pintor de la corte de Felipe II A mediados del siglo XVI Felipe II requirió al pintor flamenco Anton Van den Wyngaerde para encargarle la elaboración de una serie de dibujos panorámicos de las principales ciudades españolas, entre las que se encontraba Jaén. En total realizó 62 vistas de pueblos y ciudades, todas ellas firmadas entre 1563 y 1570. Se trataba de unas obras que hoy día constituyen unas magníficas piezas de arte, pero además suponen unos documentos gráficos de gran valía como fuente para el conocimiento historiográfico debido a la información que nos aportan sobre diversos aspectos de estas ciudades, tanto para el estudio de aspectos urbanísticos, como sociales, económicos o culturales. Además su exquisita técnica dio como resultado unos dibujos panorámicos con un efecto plástico evidente, claramente diferenciado de otros coetáneos suyos como J. Deventer, H. Schedel y F. Hogenberg (Galera i Monegal, M., 1998). Wyngaerde fue pintor, especialista en vistas de ciudades y crónicas gráficas de las victorias militares de los Habsburgo. Se dispone de pocos datos de su biografía, básicamente se conoce su origen flamenco y la llegada a Madrid en 1561 cuando ya había realizado gran parte de su obra en Europa. Su reconocido prestigio como paisajista está fundamentado en el gran desarrollo que este género adquirió en los Países Bajos (Pardo González, J.C.,1998). En la corte española pasó la última década de su vida, durante la cual realizó trabajos de campo por territorio aragonés y castellano. Murió en mayo de 1571 en Madrid. 105


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Es conocido el método de trabajo empleado que consistía en la realización de un boceto en el campo, donde anotaba detalles y apuntes, primero de la muralla y después de la configuración interior de los edificios. Posteriormente, en el taller rehacía el dibujo teniendo en cuenta las notas tomadas. El encargo de Felipe II a este artista constituye un ejemplo mas de los intentos del rey por recopilar los datos necesarios para enseñar su propia grandeza y a la vez para conocer los recursos con que contaba la monarquía y obtener una imagen lo mas real posible de sus territorios. Estas representaciones urbanas nos hablan del progresivo papel de las ciudades como focos de poder y crecientes polos económicos, gracias a que la monarquía hispánica era la gran potencia hegemónica mundial y constantemente debía afrontar numerosas problemáticas. Tenía que mantener constantemente el prestigio como potencia líder en la escena internacional, y para ello se encontraba con múltiples frentes por cubrir, desde el freno constante a los intereses territoriales ingleses en el Atlántico, hasta otros de tipo religioso intentando frenar en Europa el ascenso del protestantismo, las rebeliones independentistas de los Países Bajos y el avance de los turcos. La vista que nos brinda el pintor sobre la ciudad de Jaén en la segunda mitad del siglo XVI forma parte de la colección mencionada, entre las que se encuentra por ejemplo la del Puerto de Santa María, Tarifa, Granada, Antequera, Toledo, Zaragoza, Córdoba, etc. (Caballero, M. A., 2008 ). En todas ellas aparecen unas pautas similares que nos permiten comprobar la exactitud de las mismas, compararlas con otras fuentes escritas, analizar las técnicas utilizadas, y contrastar los resultados con los de otras ciudades dibujadas por él en esos mismos años. 3. La vista de la ciudad de Jaén de Van den Wyngaerde Entre las ciudades objeto del encargo del rey al pintor, encontramos Jaén entre otras localidades andaluzas, lo que se justifica por ser una de las más populosas de la región, como lo pone de manifiesto el doctor Salcedo y Aguirre cuando estimaba una población para la urbe de 22.380 habitantes en 1595 (Pardo, 1978). En estos años, Jaén era una de las principales ciudades meridionales de España, constituía un núcleo estratégico para la articulación territorial del sur del país ya que tradicionalmente era lugar de paso de viajeros desde la Meseta y también un territorio de interés económico, dada su importante producción agrícola de la que se abastecía toda la zona circundante. En el caso que nos ocupa, la vista de la ciudad representada por Van den Wyngaerde viene a ser una fuente crucial para conocer ciertos aspectos urbanísticos y algunos de las construcciones más destacadas de la época que han provocado distintas versiones sobre la imagen mas o menos fidedigna de la localidad en ese momento. Basándonos en las 106


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numerosas fuentes documentales existentes donde se describe pormenorizadamente los principales edificios y construcciones existentes, y conociendo el método de trabajo empleado, sabemos que el dibujante realizó un boceto mas o menos detallado a modo de apunte general. Posteriormente completó el dibujo dándole un acabado personal e hipotético que no coincide exactamente con la realidad, en particular completó la muralla que rodeaba la ciudad, rematando el contorno de la misma en su totalidad para darle mayor realce al aspecto defensivo de la ciudad-fortaleza, aunque sabemos que en realidad la muralla no se encontraba en tal estado, sino que faltaban algunos trozos. El artista combina elementos topográficos, panorámicos y paisajísticos e intenta representar el aspecto más humano y cotidiano de la ciudad. Con todo ello nos ofrece un resultado en el que se aprecia la imagen de una núcleo urbano amplio y alargado, estéticamente armoniosa y de carácter noble, como indica su extensa muralla rematada con un castillo en su punto mas elevado. Dibuja la localidad y su entorno desde un lugar elevado, situado en una colina desde la que obtiene un encuadre que le permite dibujarla al completo. Él mismo se representa en primer término, sentado y de espaldas, junto a los restos de una columna que le sirve como punto de referencia. A la derecha de la misma indica los puntos cardinales para localizar la imagen espacialmente. Desde el punto de vista cronológico, el autor nos aporta la fecha de realización (1567) bajo la base de la columna junto a su firma. En el centro del dibujo aparece el casco urbano de la ciudad de Jaén que se extiende por la izquierda hasta el antiguo camino que se dirigía hacia el reino de Granada, y por la derecha hasta las huertas y tierras de labor situadas en la salida hacia Córdoba y atravesadas por el camino que circunvala la ciudad y que la conecta con la red de vías que comunican aquél con la Meseta.

Figura 1 - Dibujo de la vista de la ciudad de Jaén

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Al fondo y en el centro de la panorámica, el cerro de Santa Catalina coronado por el castillo homónimo, en cuyos laterales se grafía el nombre de la ciudad dividiendo el término en dos partes, una a la izquierda del castillo con las letras JA-, y otra a la derecha donde aparecen las letras -EN, dejando en medio la figura de la fortaleza que el artista quiere resaltar como hito genuinamente giennense.

Figura 2 - Detalle del Castillo de Santa Catalina

Los extremos laterales vienen marcados por la línea de puertas y torres de la muralla que, como ya indicamos, dibuja como un contorno completo que rodea toda la ciudad, aunque para ello se inventa parte de la misma que realmente nunca existió. De esta forma representa una visión general del Jaén de la segunda mitad del siglo XVI como una urbe con recursos, fuerte, baluarte y símbolo de una ciudad española del Siglo de Oro. Podemos considerar, por tanto, que el artista intentaba conseguir un objetivo con su obra, el que seguramente pretendía Felipe II al hacerle este encargo, ofrecer dar una imagen de ciudad fortaleza que ha permanecido como imagen propia de Jaén durante años. Si analizamos la vista con detalle, se aprecian varios planos en los que se divide el dibujo. Existe un primer plano formado por la colina elevada donde está situado el pintor, otro intermedio en el que se extienden las huertas y los caminos que rodean la ciudad extramuros en su flanco de contacto con la campiña del Guadalquivir y un plano final en el que aparece representada la ciudad dentro de la muralla y protegida por las Serranías Béticas al sur.

Los tres planos de la vista La leyenda que incluye Wyngaerde resulta difícil de interpretar fundamentalmente porque se destruyó un lateral en el que se señalaba una serie de los elementos

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María Cuesta Aguilar & Egidio Moya García • Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI

representados. Sin embargo se conservan dos columnas de nombres más, que ayudan al la interpretación y valoración del análisis de la vista de la ciudad.

Figura 3 - Leyenda del dibujo

Es una característica propia de Wyngaerde representarse a sí mismo en sus dibujos. En el primer plano aparece su figura sentada mientras realiza el dibujo junto a la columna y los elementos formales comentados. A la derecha del autor se representa la rosa de los vientos con los puntos cardinales, hecho que deja patente el interés por buscar la exactitud y la precisión, y el intento explícito por facilitar la localización de la vista al espectador. Las iniciales empleadas para designar cada punto cardinal son: S, Septentrional; M, Meridional; L, Levante y P, Poniente.

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Figura 4 - Representación del pintor Anton Van den Wyndaerden y detalle de los puntos cardinales

En el plano intermedio Wyngaerde representa con detalle los distintos caminos que parten de la ciudad y confluyen en otro de más longitud que se extiende paralelamente a la zona amurallada, que en la actualidad se corresponde en el flanco izquierdo del dibujo con la antigua carretera de Granada que continúa por el inicio de la avenida de Madrid y se alarga hasta el lateral derecho del dibujo. En la intersección de ambas vías destaca la localización de una capilla que actualmente pudiera corresponder a la existente en el cementerio viejo de San Eufrasio. Paseando por los caminos, representa figuras de viandantes que dibuja a un tamaño mucho menor que la figura que lo representa a él mismo. De esta forma consigue una buena perspectiva y hace ver al espectador la lejanía de este plano respecto al anterior. 110


María Cuesta Aguilar & Egidio Moya García • Una mirada a la imagen urbana de Jaén en el siglo XVI

En la escenografía de este plano le da especial importancia a la gran extensión de terreno dedicado a la producción de cultivos hortícolas, frutales, olivos y sobre todo las moreras utilizadas para la industria sedera, que ha tenido un papel importante en el desarrollo comercial y económico de la ciudad. Estos terrenos dedicados a la agricultura eran especialmente fértiles gracias a la abundancia de agua que procedía de los raudales de Santa María y de La Magdalena, cuyas aguas eran canalizadas y aprovechadas para el consumo de la población mediante aljibes, caños y pilares. Junto a ello, se sumaba el caudal de numerosos arroyos que partían desde el cerro de Santa Catalina y confluían en la zona baja de la ladera transformando el paisaje en una frondosa vega. En conclusión, se quiere destacar que el desarrollo urbano de la ciudad se encuentra determinado por una fortificación que ofrece seguridad, una actividad productiva que avala el abastecimiento de la población y unas vías de comunicación que posibilitan los intercambios y el transporte. En el tercer plano encontramos la ciudad en toda su extensión rodeada de la muralla, en la que destacan algunas puertas históricas como son de oeste a este, la puerta del Arco del Consuelo, puerta Barrera, puerta del Sol , puerta Llana, puerta de Martos, puerta del Aceituno, etc., junto a otras que no existe certeza absoluta de su existencia pero que Wyngaerde dibuja para cerrar el contorno de la muralla, como es el caso de la torre situada en el extremo izquierdo del dibujo y la iglesia contigua que señala en la leyenda con el nombre de Nuestra Señora de la Cabeza que se integró posteriormente en el Convento de Capuchinos, actualmente desaparecido. También parece una aportación propia del pintor las numerosas torrecillas que dibuja en la ladera occidental que une la ciudad con el castillo.

Figura 5 - Detalle de la Puerta del Ángel

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Representa también un gran número de edificios religiosos existentes en la ciudad, tanto iglesias (San Eufrasio, San Andrés, San Lorenzo, San Ildefonso,…), como conventos (Las Bernardas, Santa Clara, …). Destaca el autor como primer inmueble de la leyenda, remarcada con la letra A, la catedral, que se aprecia como se encontraba en proceso de construcción.

El desarrollo urbano de la ciudad Para contar con una descripción de los edificios de la ciudad, disponemos con los signos de la leyenda que incorpora el autor a la vista. Ellos son el primer punto de atención en el que nos fijamos para conocer aquello a lo que se ha querido dar mayor relevancia en la representación pictórica de la ciudad. Los símbolos escogidos por Wyngaerde son las letras del abecedario en las dos columnas iniciales de la leyenda, la primera de las cuales no conocemos porque se destruyó del original, y una relación numérica del 1 al 12 en la tercera y última columna. Lo cierto es que el dibujo final de Anton Van den Wyngaerde, al margen de los edificios más representativos, mantiene en el apartado urbanístico un interés indudable tanto por aquellos elementos que se destacan en la leyenda explicativa del dibujo, como son el castillo, las iglesias, los conventos y las puertas y arcos comentados anteriormente, como por aquellos otros que, aunque representados, no se encuentran referenciados. Éste es el caso de un elemento singular que aparece también dibujado en otras vistas de ciudades de las que es también autor, como es la picota o rollo de justicia de la ciudad del que no se tienen datos de su existencia.

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Figura 6 - Detalle de la picota o rollo de justicia

La picota o rollo es el “hito que indica la jurisdicción bajo la que se encuentra una ciudad y donde tenían lugar el escarmiento público de las penas impuestas a los malhechores” (Caballero Sánchez, M. A., 2008). La picota de Jaén, al igual que la de otras ciudades estaba formada por una base circular compuesta en varios niveles formando peldaños y ensamblada en ella, una columna rematada por una especie de capitel del que sobresalen varias molduras que finalizan en un pequeño pináculo. En el recorrido que hicieran los reos desde la ciudad hasta la picota saliendo por la puerta del Angel, nos encontramos una cruz como símbolo religioso que antecede al posterior castigo. La ubicación podría estar en torno al actual parque de la Alameda. Extramuros de la ciudad, Wyngaerde se esfuerza en mostrarnos una extensa y fértil campiña que rodea la ciudad que se extiende a los pies del cerro de Santa Catalina. A un extremo y otro de este espacio agrícola se articula la red de caminos que conducen a la entrada o que salen de la ciudad. Comparando con los dibujos de otras ciudades, podemos observar que el autor dibuja con detalle los distintos cultivos como los de 113


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huerta, algunas parcelas preparadas para sembrar, o de manera mas pormenorizada representa unas masas arboladas compuestas de árboles de porte bajo, tronco grueso y copa espesa que parecen ser olivos, hecho que nos muestra la importancia que ya tenía este cultivo en la época. La producción de aceite era en estos años una fuente esencial para la economía local. Para retratar este paisaje rural, nada mejor que hacer nuestras las palabras que escribiera Ruiz de Cortázar en 1764 cuando describía las campiñas andaluzas como “campiña poblada de huertas, arboledas, viñas y olivares representan un país hermoso y apacible” (Ruiz de Cortázar, A., 1764)

4. Conclusiones El creciente interés por la imagen de la ciudad que se suscita a finales del medioevo alcanza su culmen en el siglo XVI, y evidencia de ese desarrollo es la gran cantidad de imágenes y vistas de ciudades españolas que encontramos fechadas en el Siglo de Oro. Un elemento recurrente de estas representaciones urbanas son las murallas, como uno de los símbolos de fortaleza y seguridad que ofrecen las ciudades españolas, características de una nación que vive años de estabilidad y desarrollo económico. Es el caso que nos ocupa, ya que como ciudad de realengo se han destacado los símbolos relacionados con la Corona, que en este caso son el castillo de Santa Catalina y la muralla que protege la ciudad. La vista de la ciudad de Jaén realizada por van den Wyngaerde en 1567 es representativa de este rasgo peculiar. El estudio urbanístico que nos permite el análisis pormenorizado del dibujo nos demuestra el gran valor documental que presenta la obra de este artista que nos enseña una gran panorámica de un núcleo urbano y su entorno geográfico. La representación de las edificaciones, los hitos y las referencias geográficas y orográficas que detalla nos indica la labor exhaustiva del dibujante y su empeño por mostrar la localización exacta y precisa de los elementos mostrados y en consecuencia, el valor del dibujo como una fuente documental de primer orden. Nota: este trabajo se inscribe dentro de los resultados parciales del proyecto Historias ciudadanas del Reino de Jaén. Manifestaciones y discursos de poder de las elites urbanas jiennenses (siglos XV-XVIII). HAR2008-04597.

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Correspondencia María José Cuesta Aguilar Egidio Moya García Universidad de Jaén. Área de Análisis Geográfico Regional Paraje de las Lagunillas s/n. 23071-Jaén (España) mjcuesta@ujaen.es emoya@ujaen.es

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Estudos culturais de música popular – uma breve genealogia Sónia Pereira

Faculdade de Ciências Humanas - Universidade Católica Portuguesa

Resumo Este ensaio traça uma breve genealogia dos estudos culturais de música popular enquanto campo académico, dispondo sob análise os desafios com que esta área interdisciplinar se tem deparado na afirmação da legitimidade do seu objecto de estudo e igualmente na sua complexidade, reconhecendo as recentes transformações ocorridas nas dimensões social, política, económica e tecnológica e as implicações que estas têm manifestado nos processos de produção, circulação e consumo de música. O impacto da pós-modernidade nesta área é debatido à luz da crescente fragmentação de géneros e públicos, das consequências da globalização e da crescente complexidade da relação entre o local e o global, e das transformações nos processos e instituições da criação musical através do desenvolvimento das tecnologias digitais. Pretende-se, assim, contextualizar os actuais debates na área dos estudos culturais de música popular, tomando esta como parte fundamental da cultura popular contemporânea. Palavras-chave Música popular, Estudos de cultura, Pós-modernidade, Globalização, Tecnologia

Abstract This essay traces a brief outline of the recent development of popular music studies as an academic field, accompanying the broader studies of popular culture and the challenges it has faced in terms of affirming the validity of its object of study and dealing with its complexity, acknowledging the recent transformations at social, political, economic and technological level and the implications they have had in the processes of music production, circulation and consumption. The impact of postmodernity in the current debates around popular music is also referred, namely the growing fragmentation of genres and audiences, the consequences of globalization and the complexities involved in the interplay between the local and the global, and the transformations in music processes and institutions caused by the development of digital technologies. The aim is, thus, to contextualize the discussion of popular music as an integral and crucial element of contemporary popular culture. Keywords Popular music, Cultural studies, Postmodernity, Globalization, Technology 117


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1. Introdução Raymond Williams afirmou acerca do vocábulo cultura que considerava tratar-se de uma das palavras de mais difícil definição de toda a língua inglesa, encontrando uma justificação para esse facto no percurso da própria cultura como conceito da maior relevância para um conjunto diversificado de disciplinas académicas e distintos sistemas de pensamento (Williams, 1995: 25). Por esse mesmo motivo, a afirmação dos estudos de cultura como uma área de investigação independente, ainda que sempre interdisciplinar, não se revelou tarefa fácil, por encontrar desde logo essa dificuldade primeira que consistia na própria definição do seu objecto de estudo. De igual modo, os estudos culturais de música popular1 depararam-se com semelhante obstáculo a partir do momento em que se iniciou o processo de constituição de um campo específico de análise votado às questões ligadas a este elemento particular da cultura popular. Na verdade, a afirmação do desenvolvimento da investigação académica da música popular apenas terá sido alcançada na sequência de um longo e muitas vezes complexo processo decorrido ao longo das últimas décadas e, em diversos sentidos, acompanhando a área mais vasta dos estudos de cultura, dos quais se poderá afirmar constituírem uma parte relevante e inseparável. As implicações dessa ligação revelar-seão, antes de mais, no facto dos estudos da música popular terem vindo a ser abordados através da inclusão das mesmas questões, problemáticas e perspectivas que enformam num sentido lato o estudo da cultura, entendendo que também a música deverá ser analisada como um fenómeno social sujeito a um desenvolvimento histórico particular, cuja observação terá de ser sempre situada e contextualizada. Com um percurso ainda muito recente, a área dos estudos culturais da música popular incorpora hoje um conjunto diversificado de debates que indubitavelmente reforçam a relevância do seu objecto de estudo na sociedade contemporânea.

2. A música popular como objecto de estudo Para que a constituição dos estudos culturais de música popular se pudesse afirmar como um campo de investigação dotado de autonomia e reconhecimento académico, a primeira grande dificuldade que se viu forçado a ultrapassar foi a do preconceito que envolvia o seu objecto de estudo, que tendia a ser visto como um fenómeno do qual se esperava apenas a capacidade de proporcionar prazer e entretenimento de forma previsível e despretensiosa, e que, como tal, seria à partida pouco compatível com o território da análise académica rigorosa. Do mesmo modo que a categoria da cultura popular encontrou considerável resistência no seu processo de integração nos estudos consagrados à cultura, também a música popular se viu forçada a enfrentar um conjunto de equívocos, preconceitos e ideias erróneas de natureza estética e social, que 118


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a pretendiam ver circunscrita aos limites de uma experiência simplista e comercial de lazer, à qual faltaria a necessária complexidade e autenticidade para que pudesse ser observada de modo sério e científico como uma forma artística. Esta visão elitista seria, no entanto, lentamente desconstruída, à medida que, por um lado, toda a cultura popular foi adquirindo crescente proeminência e conquistando um espaço próprio no conjunto de debates desenvolvidos no âmbito de uma diversidade de disciplinas na área das ciências sociais e humanas, e, por outro lado, a própria música popular se constituiu como um fenómeno à escala global, envolvendo processos cada vez mais dinâmicos e complexos de produção, distribuição, circulação e consumo. É precisamente acompanhando esta tendência de complexificação que emergem os estudos culturais da música popular, envolvendo investigadores das mais diversas áreas – incluindo os estudos culturais, a sociologia, a musicologia, a etnomusicologia ou as ciências da comunicação – que se reúnem sob o propósito comum de, a partir de diferentes perspectivas, investigar o papel central da música popular em relação a formações sociais e culturais mais vastas. Mas haveria ainda uma segunda dificuldade assumida para a constituição dos estudos culturais de música popular, que se prendia com a própria delimitação do seu objecto de estudo específico. Se a definição do que constitui a cultura popular foi durante décadas – e é-o ainda hoje – alvo de muitos e extensos debates, a definição da música popular não o foi menos. As diferentes tradições e perspectivas que ao longo das últimas décadas determinaram a análise da cultura popular, incluindo a concepção elitista que distingue “high” / “low culture”, as teses da cultura de massas, a abordagem culturalista, o estruturalismo e, mais recentemente, a visão pós-moderna, todas elas manifestaram a sua influência na elaboração de um enquadramento teórico no interior do qual se tem vindo a processar o estudo da música popular, assumindo desde logo que, tal como o conceito lato de cultura popular, como hoje o entendemos, trata-se de um fenómeno que emerge na sequência da industrialização e que apresenta uma relação próxima com o advento dos dispositivos tecnológicos. Se a música pode ser vagamente definida como uma forma artística que consiste na combinação de sons e silêncios que se propagam no tempo, a adição do termo popular vem complicar substancialmente a distinção das formas de música que poderão, ou não, ser incluídas nessa categoria. A um nível superficial, dir-se-á do popular que consiste naquilo que é amplamente reconhecido e apreciado por um público vasto e disperso, mas uma determinação desta natureza, traduzida em critérios quantitativos mensuráveis, dificilmente poderá responder às muitas implicações que se abrigam no interior da categoria da música popular, não só reduzindo-a um objecto meramente passível de se adquirir e medir em números, mas também originando questões de difícil ou mesmo 119


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impossível resposta, a começar desde logo pela interrogação do critério pelo qual medir a separação entre o popular e o não-popular, ou seja, como definir pelo menos de modo aproximado o número pelo qual seria possível traçar essa fronteira. De igual modo, e de acordo com esse padrão quantitativo, seria decerto complicado perceber de que modo categorizar aqueles artistas que, mesmo situando a sua criação no domínio da música clássica, alcançam grandes níveis de popularidade à escala global, vendendo discos na ordem dos milhões e conquistando significativa notoriedade. O padrão de mensurabilidade poderá, de facto, ter alguma relevância na definição daquilo que será considerado popular no domínio da música, mas só por si não será de modo algum suficiente para o determinar. O conceito de música popular tem sido frequentemente usado também para referir o oposto da música clássica – ou música erudita, para a qual é muitas vezes reivindicado o estatuto de arte por oposição ao alegado estatuto de entretenimento da música popular, e que deriva de uma longa tradição situada na música secular e litúrgica ocidental que se distingue pelo seu sistema de notação em partituras – e da música folk – ou tradicional, que encontra as suas raízes numa tradição oral de origem rural e pré-industrial, sendo normalmente associada a uma comunidade específica que a executa e partilha sem grande recurso à escrita, dela se socorrendo também para registar diferentes elementos da sua história e de aspectos que a distinguem. Embora estas categorizações não deixem de ser problemáticas, a música popular distinguir-se-ia de ambas não só por ter como principal dispositivo de registo e circulação a gravação áudio – e hoje igualmente visual – em suporte tecnológico, mas também pelo facto de ser produzida em massa e distribuída de acordo com as regras do mercado de livre circulação de bens para um público global. De facto, uma verdadeira análise da música popular não poderá nunca deixar de ter em consideração ambas as dimensões que nela se encontram, incluindo, por um lado, as forças sociais e económicas que integram os seus processos de produção, circulação e consumo, e, por outro lado, a complexidade da música propriamente dita e dos géneros segundo os quais esta tem sido categorizada, não de modo definitivo mas sempre em constante mutação, o que de algum modo impede que se lhes possa atribuir uma estrutura musical rigorosamente definida. Neste sentido, é desde logo tornada manifesta aquela que tem sido uma das aparentes contradições mais notáveis no âmbito das discussões em torno da música popular, que se prende com as possibilidades de nela coexistirem, em simultâneo, os elementos autênticos, artísticos e criativos da experiência da música, e os mecanismos de comercialização que operam no sentido de a tornar acessível a um público. A música popular constitui, inegavelmente, uma forma cultural produzida e distribuída no interior de uma lógica comercial e, nessa condição, encontra-se também ela 120


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sujeita às regras e pressões do mercado, destinando-se ao consumo por um público vasto, cada vez mais geograficamente disperso. Por outro lado, a categoria de música popular integra uma miríade de géneros que evidenciam características estéticas diversificadas e percorrem diferentes caminhos dependentes do grau de exposição e apelo comercial que conseguem conquistar no interior de uma determinada formação. Os próprios processos de emergência, desaparecimento, fusão e mistura de géneros e sub-géneros, que trazem ao cenário global da música permanentes transformações, demonstram, de facto, como a música popular é também ela uma categoria historicamente contingente, cujo significado e implicações terão de ser sempre descortinados no interior de um contexto específico.

3. O percurso dos estudos culturais de música popular Um dos momentos mais definitivos na história da emergência dos estudos culturais de música popular como uma área de investigação académica teve lugar no ano de 1981, com a fundação da International Association for the Study of Popular Music (IASPM, hoje consistindo já numa extensa rede internacional com mais de 700 membros) e o consequente lançamento de diversas publicações regulares, como o Journal of Popular Music Studies (da responsabilidade da própria IASPM) ou o Journal of Popular Music (da Cambridge University Press). No entanto, este não foi de forma alguma o primeiro momento em que a música popular se constituiu como objecto de estudo, sendo possível encontrar já várias décadas antes significativas contribuições para a sua análise. Uma das maiores contribuições, em muitos sentidos pioneira e ainda hoje de relevância inegável, foi oferecida por Theodor Adorno, que tentou desde cedo perceber as implicações da relação da música popular com as suas próprias formas estéticas e os seus modos de produção. Autor notável da Escola de Frankfurt, Adorno desenvolveu, em parceria com Max Horkheimer, uma crítica feroz à cultura de massas a partir das décadas de 1930 / 1940. Ambos os autores (alemães de origem judaica) viveram durante anos em exílio nos Estados Unidos da América, a isso forçados pela ameaça do Nazismo, e aí tiveram a oportunidade de observar de perto o desenvolvimento da sociedade de consumo, o crescimento exponencial do impacto dos meios de comunicação e a proliferação do cinema, da televisão, da rádio e das publicações periódicas. Neste contexto, Adorno e Horkheimer observaram que a produção cultural se encontrava submetida por completo aos interesses de ordem comercial, desenvolvendo a partir dessa perspectiva a sua teoria das indústrias culturais, que entendiam constituírem um elemento crucial das sociedades capitalistas modernas, dotadas do poder de sustentar mecanismos de controlo social, promover o conformismo e a homogeneização, e induzir o consentimento colectivo, impedindo em simultâneo a emancipação individual e a possibilidade de resistência a esse poder dominante. Formas culturais como o cinema 121


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ou a televisão, argumentavam, socorriam-se assim de estereótipos e fórmulas repetitivas no sentido de, por um lado, promoverem a aceitação da realidade que reproduziam como se esta fosse natural, dado o modo como o público se familiarizava com ela, e, por outro lado, criarem falsas necessidades no indivíduo, cuja satisfação era prometida mas eternamente adiada pelo próprio sistema capitalista responsável pela sua criação e pela forma como estas vieram ocupar o lugar das verdadeiras necessidades do homem, de liberdade e verdade, de felicidade e autenticidade. Uma das formas culturais sobre as quais Adorno mais se debruçou foi precisamente a da música popular, tendo observado aquilo que designou como tendências de “commodification” e “reification” impostas pelas novas formas de produção e distribuição da música, que entendia privarem-na das suas qualidades estéticas e converterem-na numa mercadoria cujo valor se mediria, sobretudo, em termos económicos, de troca e não de uso. Também a música estaria assim, segundo Adorno, a contribuir para a disposição desse conformismo social ao recorrer a um conjunto de fórmulas constantemente repetidas, ao ponto de ser apenas através desse sentido de familiaridade que o ouvinte reagia à própria criação musical, operando esta como «(…) a surrogate for the quality ascribed to it. To like it is almost the same thing as to recognize it. (…) everything is so completely identical that preference in fact depends merely on biographical details or on the situation in which things are heard» (Adorno, 1991: 30). Adorno acreditava que os processos de estandardização que se verificavam nas sociedades capitalistas através das indústrias culturais conduziam a música popular não só a uma perda das suas qualidades estéticas e submissão a um “commodity fetishism” que objectificava experiências culturais em termos de valor económico e social, mas também ao prevalecer das funções de entretenimento, lazer e fuga sobre aquelas que deveriam ser as verdadeiras ambições da criação artística, destinada a proporcionar ao homem uma experiência de liberdade e autenticidade. Ao invés, a música popular estaria, para Adorno, a restringir as capacidades do ouvinte em dois sentidos, ao conduzi-lo à perda de capacidades comunicativas e igualmente de capacidades auditivas, reduzindo-o ao silêncio e em simultâneo impedindo-o de verdadeiramente escutar. A consciência do ouvinte adapta-se, assim, a esta música fetichista: «It listens according to formula, and indeed debasement itself would not be possible if resistance ensued, if the listeners still had the capacity to make demands beyond the limits of what was supplied» (Adorno, 1991: 45). Em consequência, Adorno identifica uma tendência que designa de “listening regression”, que implica que os ouvintes perdem «(…) along with the freedom of choice and responsibility, the capacity for conscious perception of music» (Adorno, 1991: 46). Os “regressive listeners” seriam, assim, indivíduos que, mesmo dispondo de considerável tempo livre, não dispunham de verdadeira liberdade, já que pareciam submeter-se a um sistema que os aprisionava num conjunto de elementos ilusórios que nada mais 122


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proporcionavam a não ser uma forma de pseudo-entretenimento, pré-formatado de modo a corresponder às exigências do mercado que o converte numa “commodity”. Esta visão algo redutora e unidimensional de Adorno, que nega por completo ao indivíduo a possibilidade de, de algum modo, resistir ao poder destes instrumentos de controlo social oferecidos pelas indústrias culturais e à sua manipulação, foi naturalmente alvo de críticas ao longo das décadas que se seguiram, mas nem por isso as suas teorias perderam importância. Antes pelo contrário, é absolutamente incontornável, ainda hoje, o significativo contributo oferecido por Adorno para a compreensão dos fenómenos das indústrias e produtos culturais, e para a sua análise em relação com o sistema económico e político capitalista em que se desenvolvem, permitindo conceptualizar a cultura como parte integrante e fundamental dos processos económicos, sociais e políticos. Os debates que no período pós-guerra se desenvolveram, sobretudo em território norte-americano, em torno das preocupações com os possíveis efeitos nefastos da cultura de massas, chegaram também a abordar as questões da música popular. O sociólogo David Riesman, em particular, conduziu uma pesquisa de natureza empírica que visava compreender os hábitos dos jovens ouvintes de música, a partir da qual conceptualizou uma distinção entre aquele que considerava ser um público maioritário passivo, cujos hábitos de audição poderiam ser caracterizados como indiscriminados encontrandose na base da sua motivação o mero acto de consumo, e um público minoritário activo, cujos hábitos de audição derivariam antes de uma postura discriminatória e criticamente desenvolvida. Esta distinção de comportamentos do público viria, aliás, a ter uma influência duradoura nos trabalhos de pesquisa que se desenvolveriam nos anos seguintes. Durante as décadas de 1960 e 1970, e acompanhando o emergência dos estudos culturais2 que vieram proporcionar uma nova visão sobre a relevância da cultura popular nas sociedades modernas, a música popular conquistou igualmente um novo estatuto enquanto objecto de análise e discussão. Stuart Hall, uma das figuras mais proeminentes da disciplina, publicou então, juntamente com Paddy Whannel, a obra The Popular Arts (1964), onde procurava estabelecer a definição de um método crítico para a análise da cultura popular, dedicando considerável atenção ao fenómeno da música. Na sua investigação, Hall e Whannel admitiam a existência de uma clara distinção entre a forma como o público utiliza um produto ou texto cultural e a utilização pretendida pelos seus produtores, o que abria desde logo um espaço à acção do indivíduo, até então frequentemente negada. Esta noção de agência individual é explorada por Hall e Whannel em relação ao público jovem e à cultura da música pop, entendendo que neste conceito há espaço não só para a música propriamente dita mas também para todos os fenómenos associados, incluindo os concertos, festivais, revistas ou filmes, e sustentando a noção 123


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de que nesta interacção se encontra também implícita a construção de um sentido de identidade, oferecido através de um espaço privilegiado onde é, por um lado, permitida a projecção de crenças e emoções pessoais reflectidas no colectivo e, por outro lado, enfatizada a distância em relação à categoria da idade adulta, através das características acentuadamente rebeldes do conjunto de elementos que integram esse sentido de estilo colectivo3. Esta abordagem inicial ao universo da música popular em relação com a juventude, as subculturas e o estilo, que mais tarde será profundamente desenvolvida por diversos autores na área dos estudos culturais, não encontrou aqui maiores repercussões pelo facto de Hall e Whannel se encontrarem ainda demasiado preocupados com a necessidade de procederem a avaliações de carácter qualitativo quanto às características dos diferentes elementos da cultura popular, nomeadamente a música. Embora críticos da visão elitista dos seguidores de Leavis, que tendencialmente opunham a riqueza e as virtudes de uma high culture aos perigos e debilidades de uma cultura popular, bem como das generalizações operadas pelos debates em torno da cultura de massas que não ofereciam ao indivíduo qualquer possibilidade de acção e resistência, Hall e Whannel revelavam aqui um ainda excessivo enfoque na necessidade de produzir juízos de valor e julgamento de gosto, ao invés de avaliarem as reais funções dos fenómenos culturais. O seu objectivo, admitiam, consistia ainda em desenvolver «a critical method for handling (…) problems of value and evaluation» (Hall e Whannel, 1964: 15). Neste sentido, e embora admitissem a possibilidade de bons e maus elementos dentro da própria cultural popular, não a rejeitando liminarmente à partida mas antes insistindo na ideia de que seria necessário desenvolver junto do público o devido “training in discrimination” que permitisse identificá-los como tal4, Hall e Whannel enfatizavam ainda particularmente distinções de valor, revelando alguma desconfiança relativamente a determinados elementos da cultura popular. Esta percepção da música popular seria significativamente alterada nas décadas que se seguiram, graças, em particular, aos desenvolvimentos obtidos em torno da teoria das subculturas5, oferecidos por autores como Paul Willis, Phil Cohen, Angela McRobbie o próprio Stuart Hall6 e, principalmente, Dick Hebdige, que publicou em 1979 o seminal Subculture: The Meaning of Style. Revelando um conjunto de influências devedoras do estruturalismo, da análise semiótica e da concepção de hegemonia tal como preconizada por Gramsci, Hebdige procura examinar um conjunto de subculturas, incluindo os teddy boys, beatniks, hipsters, mods, skinheads, glam e glitter rockers, dreads e punks, observando o modo como estas se constituem a partir de grupos que se encontram em posições subordinadas e buscam não apenas um modo de resistir ao sistema dominante de valores, mas igualmente de construir uma identidade através da fabricação de um estilo que comunica intencionalmente um significado. Esta comunicação intencional, 124


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sustenta Hebdige, pertence a uma ordem distinta, já que se destina claramente a ser lida e interpretada: «Style in subculture is, then, pregnant with significance. Its transformations go “against nature”, interrupting the process of “normalization”. As such, they are gestures, movements towards a speech which offends the “silent majority”» (Hebdige, 1979: 18). O estilo nas subculturas torna-se, assim, um desafio à própria coesão social e ao mito do consenso, sendo necessário procurar as mensagens que se encontram inscritas sob a sua superfície para descortinar os mapas de significado que representam aquelas contradições que procuram, em simultâneo, resolver. Um dos elementos presentes nestas subculturas é, claramente, o da música, que embora referido por Hebdige, nunca chega a ser objecto de análise profunda. As diversas críticas posteriormente apontadas a Hebdige fizeram notar um conjunto de potenciais fragilidades na sua abordagem, incluindo o facto de o autor ter negligenciado as múltiplas possibilidades de influência exercidas pelos interesses comerciais e pelo poder que estes detêm na manipulação dos públicos; o facto de ter enfatizado em excesso a categoria de classe, mas ter, em contrapartida, negligenciado as questões de género e etnia; a tendência para perspectivar os processos de reprodução social e de coesão de um modo demasiado circunscrito, e a forma algo simplista como traçava o retrato de um conjunto de subculturas alegadamente opositoras e simbolicamente resistentes, mas efectivamente desprovidas de real poder, por oposição a um público maioritário indiferenciado7. Desenvolvimentos subsequentes na área da investigação dos públicos da música popular conduziram a um afastamento progressivo do conceito de subculturas, substituindo-o antes pelo de tribos, neo-tribos ou cenas musicais8, reconhecendo, antes de mais, os traços de composições colectivas muito mais fluidas, fragmentadas e temporárias na associação de indivíduos sob essas designações, e permitindo em simultâneo um processo de múltiplas identificações que operam no contexto de uma sociedade pós-moderna onde os percursos e opções em termos de estilos de vida se têm vindo a diversificar. No mesmo sentido, uma das preocupações fundamentais em termos da forma como o público se relaciona com a música popular na era da pós-modernidade tem sido a de analisar as consequências e implicações da omnipresença da música popular na vida quotidiana9, onde esta pode ser sentida num conjunto de actividades, funções, lugares e produtos que incluem, por exemplo, a televisão (onde a música se encontra incluída em praticamente todo o tipo de programas) e o cinema, passando pela rádio e os jogos de vídeo, os iPOds e os computadores, a casa, o carro, o telefone, as lojas, os elevadores – dificilmente se encontrará um espaço onde a música não encontre hoje algum tipo de presença, tornando óbvio que se uma canção nunca constituiu um objecto isolado, hoje 125


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sê-lo-á ainda menos, estando inevitavelmente associada a um conjunto de outras práticas e produtos que de algum modo influenciam o seu percurso de circulação e consumo. Em estreita relação com a investigação dos públicos e a sua ligação com os fenómenos da música popular encontram-se também os debates em torno da questão da identidade, que rapidamente constituiu um foco de atenção primordial nos estudos da cultura. O abandono das concepções essencialistas da identidade, substituídas pela noção de que esta é activamente construída através de um conjunto de articulações que não têm carácter de permanência mas antes de constante mudança, tornou necessário o entendimento das identidades «(…) as produced in specific historical and institutional sites within specific discursive formations and practices, by specific enunciative strategies» (Hall, 1996: 4). Neste sentido, ao examinar a relação entre a música popular e a construção da identidade não será mais possível afirmar que a música se limita a reflectir o indivíduo, mas antes que o constrói também em igual medida. Como observa Simon Frith a propósito, «Music constructs our sense of identity through the direct experiences it offers of the body, time and sociability, experiences which enable us to place ourselves in imaginative cultural narratives» (Frith, 1996a: 124). Inevitavelmente associadas a estas discussões em torno da identidade, também as temáticas do género, da sexualidade, da raça e da etnicidade foram adquirindo maior relevância no estudo da música popular (acompanhando assim as próprias transformações decorridas no campo mais vasto dos estudos de cultura), todas elas contribuindo para a compreensão das diversas formas como as identidades culturais intervêm na mediação dos significados da música popular através de complexos processos de articulação que envolvem o artista, o público, a criação musical, a indústria de produção e distribuição, e o próprio contexto social, económico, político e cultural10. Mas não é só na esfera do consumo que se têm concentrado as atenções dos estudos culturais de música popular ao longo das últimas décadas; também na área da produção musical, e sobretudo das forças económicas que subjazem à sua estruturação, se têm feito notar relevantes contribuições para a compreensão da complexa dinâmica que enforma a relação entre as práticas de «commercial manipulation and spontaneous creativity» (Negus, 1996: 22). Neste sentido, as análises em torno dos mecanismos próprios de funcionamento da indústria discográfica têm dirigido as suas atenções para as consequências das indústrias culturais nos processos de estandardização, comodificação e cooptação; para o estudo das instituições envolvidas na produção e distribuição de música e respectiva organização e políticas; para a diferenciação entre as editoras independentes e as multinacionais, observando as suas diferentes práticas e estratégias; para a constituição dos espaços distintos do mainstream e do underground, procurando observar os comportamentos diferenciados de instituições e públicos no seu interior; e para o constante debate sobre a relação entre as tendências de controlo corporativo, por um lado, e a autonomia criativa e autenticidade por outro. 126


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Ainda neste âmbito, também a questão dos processos de mediação tem ocupado considerável espaço de debate, sendo possível neles considerar vários níveis distintos, nomeadamente o dos intermediários que intervêm na organização da distribuição da música (incluindo figuras como a dos DJs, jornalistas, funcionários das editoras discográficas ou programadores de canais de televisão especializados), o dos meios tecnológicos que facilitam a transmissão (procurando compreender, por exemplo, o papel da rádio e da televisão na mediação da música e os seus modos próprios de funcionamento, mas também o papel da imprensa escrita e da figura do crítico de música na construção de fenómenos mediáticos), e, finalmente, o das relações sociais, onde intervêm sobretudo as dinâmicas das relações de poder e influência11. Curiosamente, e apesar da sua relevância como ponto central de referência no processo de classificação da música, o conceito de género musical não tem constituído um alvo prioritário de significativos investimentos teóricos. Na verdade, o conceito de género tem sido utilizado como um dispositivo organizador fundamental na análise de diferentes textos e práticas da cultura popular, nomeadamente nas áreas do cinema e da literatura, mas igualmente no campo da música, permitindo estruturar o modo como concebemos e percebemos a cultura, e estabelecendo um conjunto de formatos de acordo com os quais o conhecimento partilhado é apresentado e as expectativas são construídas. Isso não significa, no entanto, que as taxonomias do género operem no campo da cultura como rótulos objectivos e rígidos; pelo contrário, elas serão, cada vez mais, fluidas e mutáveis, sujeitas a especificidades históricas e sociais à medida que viajam diacrónica e sincronicamente, através do tempo e do espaço, de diferentes contextos académicos, sociais e mesmo nacionais. Na esfera da música popular, a definição de géneros que permitem a identificação de uma determinada peça musical como parte integrante de uma categoria particular que é distinta de todas as outras, tem permitido a organização dos processos de produção, distribuição, mediação e consumo da música. Em cada um destes processos, que envolvem um conjunto de actores diversos incluindo os elementos da indústria discográfica, dos media e dos públicos, a definição das categorias de género e dos princípios que orientam a sua emergência, disposição, transformação, fusão ou desaparecimento têm sido frequentemente objecto de contestação e debate. De facto, a distinção de géneros pode constituir uma parte integrante da experiência da música, envolvida em todas as práticas que a compõem, mas o desenvolvimento de uma abordagem sustentada à sua natureza instável e descontínua não tem sido uma tarefa consensual. Nos discursos da música popular, e de modo semelhante ao que tem sido comum nos discursos dos estudos literários ou fílmicos, o conceito de género tem sido utilizado no sentido da definição de um espaço onde se desenvolvem práticas culturais específicas. 127


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Nesse sentido, um género musical pode ser identificado pelo conjunto de sons, técnicas, estilos e linguagens que inclui, mas isso não é suficiente para o definir; pelo contrário, um género musical também abrange os textos, os seus temas, objectos e conteúdos; é dependente de um contexto específico, que pode ser mais ou menos geograficamente situado; e envolve um conjunto de códigos, práticas e valores que são partilhados por todos aqueles que participam nos diferentes estádios dos processos de produção, distribuição e consumo da música. Um género musical será assim constituído não apenas como uma delimitação de uma série de peças musicais, mas dentro das especificidades de um espaço social, no qual diferentes agentes participam na sua emergência e transformação. No entanto, e provavelmente devido em parte à natureza mutável da própria música, ao carácter polissémico das suas significações e também à óbvia complexidade das relações nela implícitas com um vasto contexto social, não foi até hoje possível estabelecer uma sistematização definitiva e rigorosa dos géneros musicais, tal como não tem sido especialmente prolífero o trabalho desenvolvido no sentido de sistematizar teoricamente a questão dos géneros no âmbito dos estudos de música popular. Entre os autores que desenvolveram trabalho pioneiro nesta área encontra-se o musicólogo italiano Fabio Fabbri, que ainda na década de 1980 afirmou que «A musical genre is “a set of musical events (real or possible) whose course is governed by a definite set of socially accepted rules”» (Fabbri, 2004: 7). Sustentando uma abordagem interdisciplinar, Fabbri observou algumas das regras que determinariam a delimitação de géneros musicais, incluindo o domínio formal e técnico da música, mas também o semiótico, o comportamental, o social e ideológico, e o comercial e jurídico. Apesar da sua perspectiva excessivamente determinista, Fabbri mostrava consciência das possibilidades de transgressão e ambiguidades que sempre se abrigavam no interior da formação de géneros, procurando compreender os mecanismos que integram os seus processos de codificação. Também atento a essas ambiguidades, mas observando-as sobretudo a partir da perspectiva dos processos de organização da circulação da música, Simon Frith fez notar a forma como a categorização de géneros se tornou central no modo de operar da indústria discográfica, ao permitir com maior facilidade a transformação da música numa commodity. No entanto, também salientou em simultâneo que, entre todos os actores intervenientes na experiência da música, raramente se encontrará um consenso na definição dos limites de um género, resultando em categorizações que serão sempre inconsistentes e pouco claras. Nesse sentido, admitiu que «(…) the genre labelling process is better understood as something collusive than as something invented individually, as the result of a loose agreement among musicians and fans, writers and disc jockeys» (Frith, 1996b: 88).

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Numa análise mais aprofundada do conceito de géneros na música popular, Fabian Holt desenvolveu recentemente uma teorização que procura compreendê-los como espaços de prática cultural, constituídos em lugares e momentos específicos, mas viajando depois nas suas múltiplas práticas através de uma série de relações dialécticas com vários contextos sociais. Assim, um género musical deverá envolver no momento da sua fundação (e codificação) inicial uma comunidade delimitada de intervenientes que formam uma rede social de indivíduos que partilham um conjunto de códigos, valores e práticas que sustentam a sua definição desse género; mas após este momento inicial, todos os géneros percorrem um processo de constante negociação (e re-codificação) envolvendo outras esferas culturais com as quais a comunidade inicial irá interagir. Diferentes géneros musicais poderão constituir redes sociais diferenciadas em termos de dimensão, organização e poder, mas todos integrarão necessariamente práticas musicais e sociais, condicionadas pelos valores e códigos, bem como dispositivos tecnológicos, da complexa realidade social envolvente. Mais recentemente, e acompanhando algumas das tendências em torno dos debates da pós-modernidade, bem como, naturalmente, das transformações ocorridas no domínio da própria música, diferentes preocupações têm sido incorporadas nesta área de estudo da música popular. Bennett, Shank e Toynbee (2006) identificaram na base destas recentes alterações que têm produzido mudanças significativas no cenário da música um conjunto de três factores fundamentais, que incluem a fragmentação dos hábitos de consumo, reflectidos numa maior diversidade de mercados e estilos; a globalização e respectivas consequências a nível da produção e consumo de música; e o advento da tecnologia digital e seus efeitos em todas as dimensões da indústria discográfica. Ao longo de pouco mais de uma década, o impacto de cada um destes factores tem-se feito sentir de tal forma que novas abordagens têm sido necessárias por parte dos estudos de música popular no sentido de tornar possível a compreensão daquilo que é hoje a música popular, o que mudou e para onde se poderá ela dirigir agora. No âmbito do impacto da fragmentação, que se tornou uma característica incontornável das condições de vida na pós-modernidade, é possível constatar hoje a existência de uma multiplicidade de estilos e géneros, reflectindo uma igualmente vasta diversidade de mercados disponíveis para um público que se encontra também ele muito mais disponível para se mover entre um fluxo constante de opções que lhe são oferecidas e em relação às quais ele não sente já a necessidade de se comprometer com uma opção específica, de gosto ou de estilo. Naturalmente, esta percepção da tendência de fragmentação implica antes de mais novas concepções do processo de construção da identidade e do papel que os fenómenos da música nele desempenham, bem como um renovado entendimento da utilização da noção de capital cultural.

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Por seu turno, os fenómenos da globalização têm revelado algumas consequências complexas que não correspondem propriamente a alguns dos efeitos lineares que lhe foram inicialmente atribuídos, incluindo, por exemplo, a previsão de que poderia vir a funcionar apenas como um veículo de reforço da homogeneização promovida por um certo imperialismo cultural ocidental, sobretudo norte-americano. Na verdade, muitas formas locais de expressão musical têm encontrado novos públicos dispersos por todo o globo, oferecendo novas possibilidades de fusões, misturas e combinações fluidas que se movem e dispersam por contextos geograficamente (e também, consequentemente, política, económica, social e culturalmente) distintos. Assim, a análise de diferentes formas de hibridismo, o papel desempenhado pelas comunidades diaspóricas, os movimentos dos fenómenos musicais através do espaço e do tempo, e a complexa interacção entre a dimensão do local e do global assumem agora uma posição central nas questões que mais preocupam os estudos de música popular. Por fim, a dimensão económica envolvida na produção, distribuição e consumo da música tem sofrido também grandes transformações em virtude dos desenvolvimentos tecnológicos operados na última década, que trouxeram à indústria musical dificuldades acrescidas com as quais esta nem sempre tem conseguido lidar. Ao nível da distribuição e consumo, essas dificuldades colocam-se sobretudo em termos do cada vez mais generalizado acesso à internet e às opções de downloading e file-sharing que esta oferece, trazendo para a indústria significativas quebras de vendas nos suportes tradicionais. A reacção tem passado, sobretudo, por tentativas de reforço das leis que regem os direitos de autor, ao mesmo tempo que muitas editoras discográficas foram obrigadas a uma reestruturação profunda de modo a poderem garantir a sua sustentabilidade. Adicionalmente, o impacto das novas tecnologias trouxe também transformações profundas ao nível dos processos de gravação – com o advento de novas ferramentas e dispositivos (de que o sampler será apenas o exemplo mais evidente) a tornarem cada vez mais ténues as linhas que separam os produtores dos consumidores de música –, bem como da organização dos públicos, cujas formas de associação e relacionamento passam agora muito mais por novas comunidades virtualmente concebidas do que geograficamente localizadas. A incerteza relativamente ao sentido em que estas mudanças irão conduzir a música, os seus públicos, criadores e mediadores é ainda grande, e não permite antever uma resolução simples para nenhum dos debates que suscita, mas a diversidade das questões que se colocam no momento presente em torno da música e das suas implicações ao nível das formações sociais e culturais mais vastas em que se integra, em contextos simultaneamente locais e globais, apenas reforça a centralidade da tarefa que os estudos culturais de música popular hoje enfrentam.

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Bibliografia Adorno, T.(1991). The culture industry. London: Routledge. Adorno, T. (2002). Essays on music. Berkeley: University of California Press. Benett, A. (2006). Subcultures or neotribes?: Rethinking the relationship between youth, style and musical taste. In A. Bennet, B. Shank, & J. Toynbee, (eds.). The popular music studies reader (pp. 106-113). London: Routledge. Fabbri, F. (2004). A theory of musical genres: two applications. In S. Frith (ed.), Popular music: critical concepts in media and cultural studies, Vol. 3, (pp. 7-35). London: Routledge. Frith, S. (1996a). Music and identity. In S. Hall, & P. Du Gay (eds.), Questions of cultural identity (pp. 108-127). London: Sage. Frith, S. (1996b). Performing rites: on the value of popular music. Harvard: Harvard University Press. Grossberg, L.(2002). Reflections of a disappointed popular music scholar. In R. Beebe, D. Fulbrook, & B. Saunders (eds.), Rock over the edge: transformations in popular music culture (pp. 25-59). Durham: Duke University Press. Hall, S., & Whannel, P. (1964). The popular arts. London: Hutchinson Educational. Hall, S. (1996). Who needs identity‘? In S. Hall (ed.), Questions of cultural identity (pp. 1-17). London: Sage. Hall, S., & Jefferson, T. (eds.) (2004). Resistance through rituals: youth subcultures in postwar Britain. London: Routledge. Hebdige, D. (1979). Subculture: the meaning of style. London: Methuen & Co. Hesmondhalgh, D. (2002). Popular music audiences and everyday life. In D. Hesmondhalgh, & K. Negus, Popular music studies (pp. 117-130). London: Arnold. Holt, F. (2007). Genre in popular music. Chicago: University of Chicago Press. Huq R. (2006). Beyond subculture: pop, youth and identity in a postcolonial world. London: Routledge. Maffesoli, M. (2005).The emotional community: research arguments. In K. Gelder (ed.), The subcultures reader (pp. 193-210). London: Routledge. Negus, K. (1996). Popular music in theory: an introduction. Cambridge: Polity Press. Riesman, D. (1964). Listening to popular music. In B. Rosenberg, & D. M. White, (eds.), Mass culture: the popular arts in America (pp. 408-417). New York: Free Press. Shuker, R. (2001). Understanding popular music. London: Routledge. Williams, R. (1995). The sociology of culture. Chicago: University of Chicago Press. 131


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Notas 1 A noção de música popular deverá aqui ser entendida na sua acepção anglo-saxónica, e não no sentido que lhe é comummente dado em território português, onde tem sido tomada como um equivalente de formas de música tradicionais da cultura nacional. 2 Os estudos culturais (cultural studies) emergiram entre o final da década de 1950 e a década de 1960, graças ao contributo de autores como Richard Hoggart, E. P. Thompson, Raymond Williams e Stuart Hall, que, adoptando uma perspectiva assumidamente interdisciplinar que reunia influências da sociologia, da antropologia, da filosofia, da economia política, da psicanálise, da literatura e da comunicação, visavam aprofundar a percepção pública e académica dos fenómenos da cultura. Para o desenvolvimento desta disciplina, muito contribuiu a fundação (pelas mãos de Richard Hoggart) do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) em Birmingham. 3 Observando as características do relacionamento entre os jovens e a cultura popular, observavam que «Teenage culture is a contradictory mixture of the authentic and manufactured: it is an area of self-expression for the young and a lush grazing pasture for the commercial providers» (Hall e Whannel, 1964: 276). 4 A sua preocupação passava assim pela assunção de que «(…) we should be seeking to train a more demanding audience» (Hall e Whannel, 1964: 35). Um público assim educado, acreditavam, escolheria ouvir jazz e não música pop, sendo que ambas constituiriam opções dentro da música popular. 5 O conceito de subculturas foi originalmente concebido nas primeiras décadas do século XX pelos sociólogos da Escola de Chicago, que desenvolveram o estudo dos fenómenos sociais nos novos contextos de urbanidade. O termo subcultura foi então utilizado para referir grupos marginais ou desviantes que operavam no interior de uma estrutura social mais vasta, tendo essa conotação de marginalidade persistido até aos dias de hoje. 6 Stuart Hall foi, em parceria com Tony Jefferson, responsável pela edição, em 1976, de Resistance Through Rituals: Youth Subcultures in Postwar Britain, uma das principais obras de referência para Dick Hebdige, que incluía contribuições de Simon Frith, John Clarke ou Iain Chambers. 7 Rupa Huq comentou a propósito que o desenvolvimento da teoria das subculturas segundo a abordagem privilegiada pelos autores do CCCS encontrou três problemas fundamentais interrelacionados: «(…) omissions, structural overdetermination and methodological problems» (Huq, 2006: 10). 8 Os conceitos de tribo e neo-tribalismo foram recentemente recuperados no contexto de uma pósmodernidade onde se assistiu ao colapso das grandes narrativas e à consequente fragmentação, quer do indivíduo quer das próprias referências culturais, veiculando precisamente o sentido de novas redes de associações progressivamente distanciadas da esfera pública dominante e constituídas de modo frágil, pela sua durabilidade temporária, instável e descontínua. No entanto, nessas mesmas neo-tribos será possível reconhecer um forte investimento emocional por parte dos indivíduos a ela associados (Maffesoli, 2005). Por seu turno, o conceito de cenas musicais tem sido utilizado para referir sobretudo fenómenos geograficamente localizados. 9 David Hesmondhalgh chama a atenção para a necessidade de compreender antes de mais esse conceito de “everyday life” naquilo que representa de mais concreto, sólido e rotineiro do quotidiano, admitindo que para os estudos de música popular na actualidade «(…) the most urgent task may be to fill the void in studies of ordinary, banal musical experience; but if we lose sight of the historical circumstances in which we experience music, and in which we live our everyday lives, then there is a risk of evading questions concerning history, power and meaning» (Hesmondhalgh,

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2002: 128). 10 Nesta área, muitos estudos têm sido produzidos, procurando compreender, por exemplo, as categorizações de música branca e música negra e suas implicações, nomeadamente em termos de relações de poder, a produção de géneros específicos geograficamente localizados e a possível articulação com uma identidade nacional, ou a questão do masculino e feminino no interior de diferentes géneros de música. 11 Keith Negus sustenta a ideia de que esta mediação das relações sociais «(…) is more frequently understood as referring to how power and influence is exercised through such mediated relationships and how this has a direct impact on the creation and reception of manufactured objects, particularly works of art» (Negus, 1996: 69). Nesta dimensão das relações sociais, deverão ser incluídas as categorias de classe, género, raça e etnicidade, todas elas marcando algum sentido de influência. «It is due to such factors» afirma Negus, «that no music will ever simply ‘reflect’ a society but instead be caught within, arise out of and refer to a web of unequal social relations and power struggles» (Negus, 1996: 70).

Correspondência Sónia Pereira Universidade Católica Portuguesa – Faculdade de Ciências Humanas Rua Filipe Magalhães, nr. 39 – 2º dto., 1170-125 Lisboa spereira667@gmail.com

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A multimodalidade ao serviço da representação: análise de uma brochura empresarial Gorete Marques

Escola Superior de Tecnologia e Gestão - Instituto Politécnico de Leiria/ ILTEC Resumo Num mercado empresarial competitivo, a imagem, os produtos e serviços das empresas são cada vez mais divulgados em diferentes géneros multimodais como os sítios Web ou as brochuras. Pretende-se, neste artigo, analisar algumas práticas discursivas multimodais (sistemas verbal e visual) numa brochura de uma empresa portuguesa, considerando que as empresas se constroem pelas representações de significados, produzidos e reproduzidos em diferentes sistemas semióticos. Para a prossecução deste objectivo, seguem-se os princípios da Linguística Sistémico-Funcional (Halliday 1994, 2004) e da Semiótica Social (Kress e van Leeuwen, 1996, 2006). A tendência de representação aponta para uma construção coerente entre os dois sistemas semióticos e para a expansão de significados. Conclui-se que o principal participante é o produto (obras, processos e fases), representado no universo do ser (relacional) e do fazer (material). Palavras-chave Linguística sistémico-funcional, Semiótica social, Representação, Multimodalidade

Abstract In a competitive business market, image, products and services of companies are widely published in different multimodal genres such as websites or brochures. We intend to analyze some discursive multimodal systems (verbal and visual) in a Portuguese company brochure, considering that companies construct themselves through representations of meanings, produced and reproduced in different semiotic systems. To accomplish this objective, we follow the principles of Systemic Functional Linguistics (Halliday 1994, 2004) and of Social Semiotics (Kress and van Leeuwen, 1996, 2006). The trend of representation points to a consistent construction between the two semiotic systems and the expansion of meanings. We conclude that the main participant is the product (works, processes and stages) represented in the relational and material worlds. Keywords Systemic functional linguistics, Social semiotics, Representation, Multimodality 135


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Introdução A brochura empresarial é um dos géneros textuais frequentes na divulgação de produtos e serviços das empresas. Concretiza diferentes objectivos, nomeadamente informar, persuadir ou educar, podendo ser considerado no domínio de escrita das relações públicas (Oketch, 2006; Newson e Haynes, 2004). Aliás, Askehave (1998: 137) sustenta que este tipo de brochura pode agir como adjuvante na criação de relações, representando uma empresa como parceiro qualificado, para demonstrar as suas qualidades e as suas potencialidades nas parcerias. Seguindo a perspectiva de Fairclough (2001), o uso da linguagem como prática social é o discurso que constrói a sociedade, é construído por ela e, com base nele, se constroem as identidades e as relações sociais dos participantes discursivos. Deste modo, entende-se que o discurso das brochuras também constrói a identidade das empresas. Como prática social, veicula sistemas de valores, atitudes, relações simbólicas bem como a imagem institucional das empresas. O presente artigo centra-se no estudo semiótico-discursivo de uma brochura de uma empresa localizada na região Centro de Portugal que desenvolve a sua actividade industrial no fabrico e montagem de estruturas metálicas. Pretende-se analisar algumas práticas discursivas multimodais, nomeadamente linguagem verbal e visual (imagens), e as representações que daí resultam, de forma a responder às seguintes questões: (i) o que revelam as escolhas semióticas sobre a empresa? (ii) que dimensões do significado são construídas pelos sistemas semióticos verbal e visual? Para responder a estas questões, segue-se uma análise baseada nos princípios da Linguística Sistémico-Funcional (Halliday 1994, 2004) e da Semiótica Social (Kress e van Leeuwen, 1996, 2006) aplicados ao Discurso Empresarial (Silvestre, 2003). No ponto 1, delimita-se, de forma sucinta, a fundamentação teórica e instrumental que subjaz à análise multimodal da produção de significados no corpus. No ponto 2, descreve-se o corpus em análise e, bem assim, a metodologia seguida. Segue-se, no ponto 3, a discussão da análise e dos seus resultados e, finalmente, as considerações finais.

1. Enquadramento teórico e instrumentos analíticos A análise que se propõe é de cariz interdisciplinar por se basear na Linguística Sistémico-Funcional (Halliday, 1994, 2004) e na Semiótica Social (Kress e van Leeuwen, 1996, 2006). A Linguística Sistémico-Funcional é, por um lado, sistémica, pelo facto de a linguagem ser representada na forma de um sistema de redes e não como um inventário de estruturas e, por outro, funcional porque questiona de que forma o falante usa a 136


Gorete Marques • A multimodalidade ao serviço da representação: análise de uma brochura empresarial

língua e como esta é estruturada no seu uso. As suas escolhas léxico-gramaticais veiculam significados através dos quais simultaneamente se constroem experiências (metafunção ideacional), se negoceiam relações (metafunção interpessoal) e se organizam mensagens (metafunção textual). Profundamente influenciada pela primeira, concretamente pela concepção sóciosemiótica da linguagem (Halliday, 1978), a Semiótica Social postula que a produção e a troca de significados estão estreitamente ligadas ao contexto social e cultural (Hodge e Kress,1988; Kress e van Leeuwen, 2001, 2006; van Leeuwen, 2005, 2008). Almeja, assim, estudar os sistemas semióticos humanos, por serem intrinsecamente sociais nas suas condições e conteúdo. Nos seus estudos relativos à análise da semiótica visual (Gramática do Design Visual), Kress e van Leeuwen (1996, 2006), adaptam as metafunções de Halliday, sem pretenderem, no entanto, uma transposição directa entre as estruturas linguísticas e visuais (Kress e van Leeuwen, 2006: 19). Uma mesma imagem representa o mundo (significado representacional), estabelece uma relação com o leitor (significado interaccional) e com os seus próprios elementos (significado composicional). Para estudar a representação da empresa pela brochura, centra-se a presente análise na metafunção ideacional e na metafunção representacional, sendo utilizados como instrumentos analíticos o Sistema da Transitividade e as Estruturas de Representação, respectivamente. O Sistema da Transitividade inter-relaciona categorias semânticas, através da análise de processos (grupos verbais), participantes nos processos (realizados grupos nominais e sintagmas preposicionais) e circunstâncias associadas aos processos (realizadas por grupos adverbiais e preposicionais), as quais representam linguisticamente o mundo. Os processos são o elemento fulcral da oração que especifica, por sua vez, o participante e são divididos em seis tipos (Halliday, 2004: 170). Pela sua divisão, compreende-se que as escolhas do falante podem implicar representações distintas da realidade (e.g. ao nível da transformação, identidade, emoção, cognição). Observe-se os seguintes enunciados: (1) A empresa é inovadora; (2) A empresa crê em projectos inovadores; (3) A empresa inova nos seus projectos. Representam-se aqui diferentes realidades: em (1) a empresa é dotada de uma qualidade; em (2), salienta-se o seu carácter mental e, em (3), a empresa age, concretiza. Estão aqui representados os três principais tipos de processos: (i) relacionais, que relacionam experiências, classificam e identificam (e.g. ser, ter, estar) e que podem ser classificados em atributivos (a é atributo de x) e identificativos (a é a identidade de x). Nos primeiros, o Portador tem um Atributo (uma qualidade, posse ou circunstância); nos segundos, o Identificador identifica o Identificado; (ii) mentais, que representam o mundo interior, o cognitivo, o querer, o saber, a emoção (e.g. pensar, desejar, precisar; saber; sentir). O Experienciador experiencia um Fenómeno; (iii) materiais, do mundo exterior, do fazer (e.g. crescer; chegar; fazer; jogar). O Actor realiza acções, opcionalmente dirigidas a uma Meta. Outros 137


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três processos partilham características dos anteriores: processos comportamentais, verbais e existenciais, que, pela natureza deste artigo e do corpus em análise, não são explicitados. As Estruturas de Representação concebidas por Kress e van Leeuwen (1996, 2006) repartem-se entre a representação narrativa e a conceptual. A primeira descreve acção ou transformação enquanto a segunda é estática e descreve os participantes como eles são, no que respeita à sua essência. O vector (indicador de direcção) é o elemento que está sempre presente na representação narrativa. A partir do tipo de vector e do número de participantes constroemse diferentes processos accionais: não-transaccionais (participante único, Actor e/ou vector); transaccionais unidireccionais (com dois participantes, um Actor e uma Meta para onde se dirige o vector) ou transaccionais bidireccionais (bidireccionalidade entre os participantes – Interactores); acções em que o Actor é anónimo ou está apagado, existindo apenas o vector e a Meta. Os processos reaccionais representam a direcção do olhar do Reactor que forma o vector o qual se pode (processos transaccionais) ou não dirigir-se a um Fenómeno (processos não-transacionais). Outros processos são descritos nesta estrutura, como os de conversão e de simbolismo geométrico, aqui omitidos. A representação conceptual divide-se em processos analíticos, classificacionais e simbólicos, não sendo estes últimos aqui objecto de desenvolvimento. Os processos analíticos representam a estrutura Parte-Todo, i.e., um Portador (Todo) e os seus Atributos (Parte). São processos que se subdividem estruturas não-estruturadas (representação apenas dos Atributos) e estruturadas temporais (participantes representados numa dimensão temporal, numa linha real ou imaginária), espaciais (processos exaustivos – representação exaustiva - e inclusivos – representação parcial) e espácio-temporais. Dentro dos processos espaciais, outros processos ocorrem como topográficos (em relação a uma escala) ou topológicos.

2. Descrição do Corpus e metodologia O corpus em questão cinge-se a uma brochura de uma empresa portuguesa, dirigida aos seus clientes ou ao público em geral. Constituída por doze páginas e produzida em 2006, a brochura apresenta textos sobre a empresa e a sua produção bem como fotografias das suas obras. Tendo em conta as ferramentas analíticas já explicitadas (sistema da transitividade e estruturas de representação), segue-se uma metodologia de base qualitativa. Este corpus faz parte de um estudo mais abrangente que envolve corpora multimodais diversificados de um grupo empresarial ao qual pertence a empresa.

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3. Análise semiótico-discursiva da brochura Da análise da transitividade, realça-se, no primeiro texto verbal da brochura, o facto de a empresa nunca ser apresentada como participante. Aliás, repetem-se as nominalizações, portadoras de processos relacionais, do mundo do ser, cuja função é classificatória atributiva (e.g. “Neste quadro a construção metálica e/ou mista (betão/ aço) apresenta-se como a mais vantajosa a todos os níveis.”). Dá-se, efectivamente, uma transformação da dinâmica da acção em relações estáticas cuja natureza e função nos textos cabe aqui especificar, por ser recorrente. Veja-se como Halliday resume, em traços gerais, este fenómeno da nominalização:

Nominalizing is the single most powerful ressource for creating grammatical metaphor. By this device, processes (congruently worded as verbs) and properties (congruently worded as adjectives) are reworded metaphorically as nouns; instead of functioning in the clause, as Process or Attribute, they function as Thing in the nominal group. (Halliday, 2004: 656)

A partir do conceito supra exposto, esclarece-se que a nominalização é uma metáfora gramatical que implica uma mudança gramatical. Há lugar a um realinhamento dos elementos da frase de acordo com o qual, segundo Thompson (2004: 226), um processo pode ser expresso como Coisa, ou seja, como entidade referida, em termos da realização da estrutura. Acrescente-se ainda que, ao possuir uma forma nominal, o processo assume alguma qualidade de uma entidade (Banks, 2008: 14). Decorrente da mudança gramatical, dá-se uma mudança semântica, que pode dar lugar a uma nova configuração na transitividade. A representação dos mundos material e mental não é feita por agentes humanos. Observe-se os seguintes enunciados: (i) (ii)

As interpretações arquitectónicas trazem novas formas volumétricas (…) As grandes construções exigem uma execução mais rápida, estruturas mais leves e versáteis.

Em (i), “As interpretações” são o Actor, i.e., a entidade que age, ligada a uma Meta, “novas formas volumétricas”, através do processo trazer. Não obstante a inexistência de um envolvimento humano, a escolha recai sobre um processo material ao qual se associa um Actor abstracto. Na sequência desta observação, pode-se afirmar que as entidades abstractas realizam acções à semelhança das pessoas, pelo uso incongruente da gramática. Em (ii), é conferida consciência às “grandes construções” que aparecem 139


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como Experienciador do processo mental desiderativo “exigem”. Repare-se que, em ambos os exemplos, a empresa não só se exclui totalmente da dinâmica da construção como atribui qualidades humanas a entidades abstractas. A importância atribuída à modernidade arquitectónica das construções metálicas encontra-se não só no texto verbal como na fotografia que representa uma estrutura metálica inovadora. Pela análise da representação visual, considera-se que a fotografia é conceptual analítica inclusiva. O Atributo é parte de uma construção metálica realizada pela empresa que se conjuga com o Portador, representado pelo logótipo da empresa.

Na segunda página, ao texto composto unicamente por processos materiais, com recurso a nominalizações, e à fotografia de representação analítico-temporal, junta-se uma fotografia narrativa accional que exprime mais particularmente uma acção transaccional unidireccional. Observam-se dois participantes: o Actor (colaborador) e a Meta (máquina), ligados por um vector que une o colaborador à máquina (cf. Figura 1). Neste conjunto, é dada ênfase à acção como se dá um rosto humano à empresa, por via do Actor, um colaborador.

Figura 1 - Segunda página da brochura

Na página seguinte, “Produção” (cf. Figura 2), onde a narrativa do visual se conjuga sobretudo com os processos relacionais associados ao equipamento, observa-se uma sequência visual:

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Figura 2 - Recorte da terceira página da brochura

A figura 2 permite uma análise dupla, ao nível individual e geral, suportada pela película que representa a cor da empresa. Nesta figura, e partindo da observação individual, a representação é narrativa e segue processos materiais diferentes: as máquinas que laboram com o apagamento ou anonimato do Actor (processos materiais) e os Actores que procedem a uma acção dirigida a uma Meta (processos materiais transaccionais unidireccionais). A análise geral fornece elementos de narrativa adicionais considerando que um leitor procurará um fio condutor entre as imagens, lendo-as da esquerda para a direita. A segunda parte da brochura é constituída por uma sequência de fotografias subordinadas ao título “Obra” acompanhado por diferentes sub-títulos, de acordo com as suas especificidades, como no exemplo: “Obra estruturas auxiliares”. Ao longo desta parte, observam-se fotografias onde domina a realidade estática, conceptual, ocupando páginas inteiras ou em diferentes jogos de composição. Entende-se que a natureza representacional se expressa de forma conceptual analítica, embora não haja lugar à presença directa do Portador. Na realidade, as fotografias representam os Atributos da empresa, as obras, de forma inclusiva, o que se justificará pelo tamanho das obras representadas. Não obstante essa representação geral, encaixa-se, em vários casos, uma representação narrativa, à semelhança da representação das “Obras” no sítio Internet. Veja-se o exemplo abaixo:

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Figura 3 - Recorte de uma página da brochura

A Meta, a obra em construção, é enfatizada em relação ao Actor (colaboradores) que se encontra numa dimensão reduzida, apagada e, em certos casos, quase anónima. Na parte da final da brochura, a fotografia com a fachada do edifício da empresa vem representar um processo analítico inclusivo. Na verdade, a fachada do edifício da empresa é parte do Atributo do Portador presente quer nas bandeiras, quer na própria fachada. No final da brochura, um mapa de localização que aí se encontra remete para um processo analítico topográfico. Da capa e da contra-capa da brochura, evidenciam-se dois aspectos: a indicação do logótipo ISO 9001 e o logótipo da empresa. A certificação de qualidade representa credibilidade junto do cliente no sentido em que, por possuir essa certificação, a empresa pode concorrer a obras públicas. Com efeito, a inclusão de logótipos de apoio e de certificação consubstancia o carácter interpessoal da brochura, veiculando-se a mensagem de credibilidade.

Considerações finais A partir da análise realizada sobre a representação verbal e visual das brochuras, conclui-se, de forma geral, que a empresa se representa verbalmente sobretudo por referência à qualidade dos materiais e dos processos utilizados e pela lista de clientes. Ao nível visual, o grupo representa-se por: (i) fotografias de equipamentos de produção e da fachada do edifício do grupo; (ii) pelo produto, ou seja, pela dimensão das construções realizadas e (iii) reconhecimento institucional (Certificado de Qualidade). Compreende-se que a escolha do principal participante é o produto da empresa, i.e., a obra, a sua construção, fases e processos. Mais do que a sua descrição, é conferida à obra uma dinâmica de acção e de reflexão pois, afinal, as construções exigem qualidade.

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Para além do mais, a inovação é um valor assumido para essas construções, quer no visual, quer no verbal. A representação verbal directa da empresa, pela sua designação, ocorre uma só vez, estando, no entanto representada pelo seu logótipo. A cor (laranja) presente em toda a brochura é Atributo Sugestivo que veicula a identidade do grupo. Num estudo interaccional, poder-se-á analisar a função da cor (laranja) como marcador da dimensão de modalidade do significado visual interpessoal e, nessa medida, entendêla como representante da empresa. Em suma, a dualidade entre o mundo do ser e o mundo do fazer ocorre em ambos os sistemas semióticos que interagem semioticamente em termos ideacionais. As escolhas realizadas mostram que as escolhas da empresa para a sua representação se situam, tanto no verbal como no visual, no seu produto. Não se trata de uma relação de dependência entre sistemas, como tradicionalmente assumido, mas da co-ocorrência de sistemas. Conclui-se que, nesta brochura, pela co-ocorrência do visual e do verbal, se verifica uma resemiotização e uma expansão de significados. Tal significa que, no primeiro caso, se constroem os mesmos significados num e noutro sistema e que, no segundo caso, se expandem significados (e.g. nas páginas constituídas por o título “Obra” e por fotografias).

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AGRADECIMENTOS À Fundação para a Ciência e Tecnologia, pela atribuição da bolsa parcial SFRH/ BD/47459/2008.

Correspondência Gorete Marques Instituto Politécnico de Leiria/ILTEC - Escola Superior de Tecnologia e Gestão Morro do Lena – Alto do Vieiro Cacifo D. 53 2411- 901 Leiria gorete.marques@ipleiria.pt

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