Itapina, em Colatina (ES): De importante distrito comercial ao quase esquecimento.

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Itapina, em Colatina (ES): De importante distrito comercial ao quase esquecimento. História, morfologia urbana, paisagem e arquitetura Relatório final da pesquisa intitulada “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Distrito de Itapina, Colatina (ES)” | Ano 2017-2018 |

FABIANO VIEIRA DIAS Mestre pelo PPGAU-UFES. Professor das Faculdades Integradas de Aracruz. Curso de Arquitetura e Urbanismo. Colaboração especial: Arquiteta-Urbanista Danielly Ohnesorge| Geógrafo Marcio Costa Schwenck| Arquiteta-Urbanista Lorena Castiglioni Apoio Institucional: Faculdades Integradas de Aracruz

Grandes Narrativas da Arquitetura e do Urbanismo

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Agradecimentos Esta pesquisa teve a participação de uma série de pessoas e instituições que foram fundamentais em seu desenvolvimento. Agradecemos imensamente as seguintes contribuições feitas: - À Arquiteta-Urbanista Danielly Ohnesorge, formada por nossa IES, pela parceria nessa pesquisa, dedicando seu tempo, conhecimento e informações imprescindíveis sobre a história, as pessoas e a paisagem de Itapina, em Colatina; - Ao amigo e parceiro de longa data Marcio Costa Schwenck, Geógrafo, que com seu conhecimento sobre a geologia capixaba, contribuiu de sobremaneira para a pesquisa com o seu entendimento da geomorfologia da paisagem da região de Itapina; - À Arquiteta-Urbanista Lorena Castiglioni, formada pela UFES e colega dos tempos de mestrado pela mesma, que atendeu nosso convite extemporâneo para participar dessa pesquisa, nos ajudando compreender a história local de Itapina e a formação de seu tecido urbano; - Ao Arquivo Público Estadual do Espírito Santo (APEES) e seus funcionários, pelo apoio dado tanto no atendimento à nossa pesquisa, como na doação de livros publicados pela mesma, que muito ajudaram nessa pesquisa e ajudarão nas posteriores; - À toda comunidade de Itapina, esse pequeno e histórico distrito de Colatina, no Espírito Santo, em nome dos srs. Lourival Jacobosky Machado (o Val) e Arlindo Mantaia Schutz que através de seu apoio logístico para percorrer o trecho do rio Doce, em Itapina, e seus relatos sobre a situação pós-acidente de Mariana, enriqueceram a percepção tanto social como da paisagem que conforma esse lugar; - Às Arquitetas-Urbanistas Dra. Luciene Pessotti, do DAU-UFES e Dra. Andresa Morelato, da Doctum, amigas e parceiras em pesquisas sobre Itapina, que nos acolheram e dividiram seu conhecimento, mostrando que a leitura sobre Itapina é diversa, mas o foco é a melhoria da qualidade de vida dessa comunidade; - E por fim, às Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ), em nome de sua direção e corpo docente que nos apoiam em nossas pesquisas das Grandes Narrativas da Arquitetura e Urbanismo desde 2015.

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Sumário Introdução........................................................................................................................ 16 Cap. I Narrativas em perspectiva: história, historiografia, linguagem e arquitetura.......... 20 Cap. II Arquiteturas singulares. Conceito .......................................................................... 28 2.1.

O caso exemplar do Palácio Anchieta em Vitória (ES).................................................................................................................................................... 31

CAP. III A trajetória de um lugar: história, arquitetura e o sítio de Itapina ........................ 55 3.1.

O contexto histórico da ocupação do Vale do Rio Doce ................................................................................................................................................. 58

3.2.

Itapina: da glória ao quase esquecimento ........................................................................................................................................................................ 146

3.3.

A arquitetura de Itapina e a relação com seu sítio histórico. Arquitetura e morfologia urbana................................................................. 198

Cap. IV Itapina e a geografia de sua paisagem ................................................................ 219 4.1.

Percepção das relações entre as unidades litoestratigráficas e o modelado da região de Itapina ............................................................ 222

4.2.

O relevo e a apropriação do espaço .................................................................................................................................................................................... 241

Cap. V Estruturando a paisagem: a arquitetura, o rio, o trilho, a ponte e o morro de Itapina 5.1.

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O meio natural e urbano na paisagem de Itapina. ......................................................................................................................................................... 255

Conclusão: Por uma nova história de Itapina.................................................................. 277 Anexo: Projeto de extensão “Itapina, Colatina (ES): Uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar”.

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Lista de Figuras Figura 1 - O Palácio Anchieta antes das reformas de 1910 ................................................................................................................................................................. 32 Figura 2 - Inserção do prédio (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória. Atual aspecto do prédio, após as reformas de 1910 que modificaram a tipologia jesuítica, mantendo-se, de forma parcial, o seu pátio central................................................................. 32 Figura 3 – Mapa da Ilha de Vitória, parte continental e do atual Município de Vila Velha, datado de 1767, sobre original de 1761 (autor desconhecido). Em vermelho, marcação do núcleo urbano de Vitória ........................................................................................................................................... 34 Figura 4 – “PLANTA DA VILLA DA VICTORIA situada a 20°15’ de Lat. Sul e 344°45’ de Long.” Mapa da Vila da Vitória, de 1767, atribuído a José Antônio Caldas. À Sudoeste da ilha, a presença da propriedade dos jesuítas, demarcada por cerca, pomar e horta. .................................................... 35 Figura 5 - Na figura acima, Planta da Vila de Vitória, de 1764, também de José Antônio Caldas, com a seguinte legenda: Praças /1- Da Matriz/2Da Misericórdia (antigo Largo Afonso Brás), denominado Terreiro pelos Jesuítas /3- Grande /4- Do Mercado /5- Da Igrejinha /6- Do Carmo /7Velha (antigo Pelourinho)/ Igrejas /A- N. S. da Vitoria (Matriz) /B- Misericórdia /C- S. Tiago (Colégio dos Jesuítas) /D- S. Gonçalo Garcia /E- S. Antonio Convento dos Franciscanos /F- Ordem 3.ª de S. Francisco /G- N. S. do Carmo (Convento do Carmo) /H- Ordem 3.ª de N. S. do Carmo /IS. Luzia/J- N. S. da Conceição (Igrejinha) /K- N. S. do Rosário /Edifícios Públicos /a-Palácio da Presidência e Tesouro /b- Câmara Municipal /cCadeia /População /6:000 almas. ................................................................................................................................................................................................................ 36 Figura 6 – Detalhe da situação da propriedade dos jesuítas na ilha de Vitória, em levantamento feito no séc. XVIII pelo eng. Militar José Antônio Caldas. No pé do platô onde se encontrava o edifício de São Tiago (Ca), o Fortim de Padre Inácio, e, contornando todo o limite, a cerca. Derenzi afirma que o fortim foi chamado inicialmente de São Mauricio, mas este foi “destronado do padroado” (DERENZI, 1971, p. 25). ........................... 38 Figura 7- Desenho da antiga escadaria dos jesuítas, em 1906, que dava acesso ao Cais do Imperador. Autor desconhecido ...................................... 39 Figura 8 – Imagem da Igreja Matriz (em segundo plano), antes de sua demolição para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória. No primeiro plano, a Igreja da Misericórdia (à frente do Palácio Anchieta), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins, prédio que foi, por décadas, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo (à época, chamada Congresso Estadual). ...................................... 41

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Figura 9 – A tríade formada por São Tiago à sudoeste, Santa Luzia à noroeste e Igreja Matriz, à nordeste, na Ilha de Vitória. Entre elas, eixos simbólicos e sagrados, para os usos religiosos das procissões e caminhadas pela fé. E profanos, por se constituírem, no tempo, nos percursos naturais da morfologia urbana que se conformava desde o séc. XVI. ............................................................................................................................................. 43 Figura 10 – Esta imagem originalmente possui a seguinte descrição: “Vista da cidade de Vitória a partir de Capuaba. Gravura do acervo Solar Monjardim do século XIX”. No centro do círculo vermelho, a presença do Complexo de São Tiago e seu entorno edificado do começo do séc. XIX. ........................................................................................................................................................................................................................................................................ 46 Figura 11 - O Palácio Anchieta em 1905, antes das reformas gerais no prédio. Percebe-se claramente a posição da primeira ala, anexa à Igreja de São Tiago (à direita). A igreja, implantada na parte mais plana do terreno. A ala, construída sobre declive acentuado, em direção à Baía de Vitória. ................................................................................................................................................................................................................................................................. 47 Figura 12 – O antigo largo da Igreja, Colégio e Residência de São Tiago (atual Praça João Clímaco), tendo ao fundo o Complexo Jesuítico de São Tiago, ladeados pelo casario ainda existente no começo do séc. XX. Desenho de autoria de André Carloni ..................................................... 49 Figura 13 – Em vermelho, área da implantação da Vila da Vitória a partir de 1551, núcleo original e histórico da atual cidade de Vitória ............. 51 Figura 14 – Vila da Vitória em 1767, mapa atribuído a José Antônio Caldas. Em destaque, o prédio jesuítico de São Tiago ........................................ 51 Figura 15 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, da vista da Vila da Vitória. Em destaque, o prédio de São Tiago. .............................................. 51 Figura 16 – Cartão postal de Vitória do começo do séc. XX (1900), acervo de Carlos Benevides Lima Junior. No centro da imagem, o prédio de São Tiago, já como palácio governamental, mas antes da reforma de 1910 ................................................................................................................................. 52 Figura 17 – O atual entorno adensado e verticalizado do Palácio Anchieta (em destaque). Foto do acervo de Flavio Lobos Martins/Fóton. Ver também Figura 2............................................................................................................................................................................................................................................... 52 Figura 18 – A consolidação de sucessivos aterros na região central da cidade de Vitória, ao longo do séc. XX amplia sua área urbana, adensa suas construções e ao mesmo tempo, promove a possibilidade da valorização das áreas urbanas pela sucessiva verticalização por que passa a região, nesse momento. Em vermelho, o antigo prédio de São Tiago, atual Palácio Anchieta ................................................................................................ 52 Figura 19 - Inserção do atual Palácio Anchieta (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória ........................ 53 Figura 20 – Mapa da Capitania do Espírito Santo até a ponta da Barra do Rio Doce, ano de 1626. Possui a seguinte legenda original: “Demostração da Capitania do Espirito Santo até a ponta da Barra do rio doçe no qual parte com Porto Seguro. mostraçe a Aldea dos Reis magos que admenistrão os padres da Companhia. E do ditto rio pera o Norte Corre a Costa como se mostra ate o rio das Caravelas tudo

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despouoado Com muitos Portos pera Navios da Costa E muitas matas de pao Brasil. Mostraçe pelo rio doçe o caminho que se faz pera a Serra das esmeraldas pasando o rio Guasiçí e maes avante das Cachoeiras o rio Guasiçi miri. E maes avante Como se entra no rio Vna e delle Caminhando pouca terra se entra na lagoa do ponto E da qual dezenbarcão e sobem á serra das Esmeraldas tudo comforme á viagem que fez Marcos dazevedo”. No centro, o rio Doce com a lagoa Juparanã e ao fundo, a tão esperada Serra das Esmeraldas. ............... 59 Figura 21 - O Caminho Novo, que ligava às Minas ao Rio de Janeiro.......................................................................................................................................... 61 Figura 22 -Mapa feito por João Teixeira cosmographo de Sua Magestade, indicando as localizações do Porto do espírito Santo à Ponta do rio Doce (à direita). Ano de 1640. ............................................................................................................................................................................................................ 65 Figura 23 – Sequência de mapas da ocupação territorial do Brasil colonial (Séc. XVI à 1822), com as manchas de urbanização do território e principais vilas e cidades. Nota-se o início da colonização portuguesa pela borda marítima do Atlântico ao longo do primeiro século de colonização, e a expansão urbana e ocupação territorial avançando pelo interior brasileiro a partir do séc. XVII. ........................... 66 Figura 24 – Segundo a legenda de Oliveira: “Este mapa – copiado por Breno Dias Fernandes, com algumas modificações, da Geografia e História do Espírito Santo, de Miguel A. Kill – mostra, à perfeição, o drama do que se poderia denominar a formação territorial do Espírito Santo. A proximidade das minas gerais não lhe permitiu conquistar o próprio território, estabelecido na carta de doação. Impossibilitado de marchar para o Oeste, as áreas proibidas limitaram-lhe a capacidade de expansão, impondo-lhe o papel de barreira protetora do hinterland cobiçado pelo estrangeiro. Os vários detalhes do risco realçam outras tantas figurações que a imaginação do observador pode construir”. ...................................................................................................................................................................................................................... 68 Figura 25 - A planta cadastral do rio Doce e afluentes, de Silva Pontes, em seu levantamento de 1800. .................................................................... 72 Figura 26 – As corredeiras da Cachoeira das Escadinhas, em Baixo Guandu, provavelmente nas primeiras décadas do séc. XX..................... 73 Figura 27 – Conforme legenda original da imagem, quanto aos quartéis da região norte e rio Doce existentes ao longo do séc. XIX: 1 – Primeiro Quartel de Linhares/2 – Quartel do Porto de Souza/3 – Quartel de Regência/4 – Quartel de Anadia/5 – Segundo Quartel de Linhares/6 – Quartel de Aguiar/7 – Quartel de Comboios/8 – Quartel do Riacho/9 – Quartel de Mansarás/10 – Quartel de Aviz. Os quartéis apresentados na figura são somente os localizados do lado capixaba. ................................................................................................................... 75 Figura 28 – Conforme legenda original: “Mapa das nações indígenas existentes no Espírito Santo durante o século XIX” ................................ 76 Figura 29 – Perspectiva da Povoação de Linhares, de 1819, e foto da mesma tirada por Eustyquio D’Olivierda, em 1910 ................................ 79 Figura 30 - Vista do porto e da cidade de São Mateus por volta de 1920. Acervo: Fábio Pirajá.................................................................................... 82

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Figura 31 – Segundo legenda original: “Ilustração baseada na “Planta da Estrada São Pedro d’Alcantara contendo os quarteis com as denominações dadas pelo Cel. Ignacio D. Duarte desde Vianna até o príncipe na margem direita do rio José Pedro.” Fonte: ESPÍRITO SANTO (Estado). Exposição sobre os Negócios do Estado – Jerônimo Monteiro, 1913. Traçado da Estrada do Rubim, a primeira iniciativa de interligação via terrestre entre a capital do Espírito Santo e Ouro Preto, em Minas Gerais (no sentido direita-esquerda).......................... 85 Figura 32 - Carta da província do Espírito Santo, de 1850. Escala 1:500.000. Lê-se no canto direito, após o rio Doce o texto “Mattas Desconhecidas”. .............................................................................................................................................................................................................................................. 87 Figura 33 – Fragmento da Carta chorographica da provincia do Espírito Santo, de E. de La Martinière, de 1861, com o detalhe (em linhas tracejadas) das terras do Dr. Nicolau R. dos Santos França Leite ao longo do rio Doce, indo das proximidades da foz do rio até a região da atual cidade de Baixo Guandu. No centro da imagem, a localização da Vila de Francilvânia, que daria mais tarde, na margem oposta, a cidade de Colatina no séc. XX. .................................................................................................................................................................................................................... 90 Figura 34 – Uma das balsas tipo “gaiola” que navegava pelo rio Doce nas primeiras décadas do séc. XX .................................................................. 93 Figura 35 – O Milagre, um dos vapores que percorriam o rio Doce ........................................................................................................................................... 94 Figura 36 – O Juparanã, vapor impulsionado por rodas d’águas. ................................................................................................................................................ 95 Figura 37 – Construção da Ponte Florentino Avidos, sobre o rio Doce, em Colatina, inaugurada em 1928 pela qual passaria a linha de trem, fato esse que não ocorreu, tornando-se somente uma via de ligação entre Colatina e São Silvano, enquanto a ferrovia cortava por dentro da cidade de Colatina, com estações na cidade e em seu distrito de Itapina (Laje à época). ............................................................................. 96 Figura 38 – Gravura de autoria de Hartt de vista do rio Doce, no ano de 1865. .................................................................................................................... 97 Figura 39 – Vista rio Doce a partir do Porto de Souza. .................................................................................................................................................................... 98 Figura 40 – Fragmento do mapa da Província do Espírito de 1850 (ver Figura 32), ampliado e sobre a região das colônias de Santa Leopoldina e Santa Teresa até a região do rio Doce, com destaque para o relevo local, representado à época. Região essa, percorrida como parte do trajeto que a Princesa Teresa da Baviera fez a partir de Vitória, em 1888, até o rio Doce. ............................................................. 102 Figura 41 – Foto de Joaquim Ayres, por volta de 1882, do Aldeamento do Mutum, às margens do rio Doce. ....................................................... 104 Figura 42 - Legenda original da imagem:”APEES - Planta da parte da Provincia do Espirito Santo em que estã o compreendidas as colônias - organizada na Inspectoria Geral de Terras e Colonisação pelos engenheiros C. Cintra e C. Rivierre e mandado imprimir pelo Exmo. Snr. Consº Thomaz Jose Coelho e Almeida –Rio de Janeiro – 1878. Lith a vapor Angelo& Robin, Rua d’Assembléa” 44. ........................................... 108 Figura 43 – Planta da ex-colônia de Santa Leopoldina, com os lotes desenhados acompanhando as linhas gerais dos cursos d’água........ 111

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Figura 44 – Quatro imagens que resumem as características das primeiras colônias do interior capixaba, de ocupação teuto-italiana: na primeira imagem a Povoação de Santa Teresa e na sequência, colônias em Rio Novo e Santa Leopoldina. Fotos de Albert Richard Dietze de 1869. ........................................................................................................................................................................................................................................................... 113 Figura 45 – Mapa de 1944, apresentado por Egler sobre os fluxos migratórios da região norte do rio Doce. Conforme legenda original: “As principais vias de povoamento da região ao norte do rio Doce. Há dois eixos principais, um partindo do Espírito Santo através de Colatina, e outro partindo de Minas Gerais através de Conselheiro Pena. Ambos confluem em direção a Mantena, a última grande reserva de terras devolutas. A parte leste abrangendo a área pantanosa do baixo rio Doce é praticamente despovoada”. Em destaque, a região do distrito de Itapina e os primeiros fluxos migratórios que chegaram a ela, por volta de 1891. .................................................................................... 115 Figura 46 - Exploração de madeira em Colatina, no começo do séc. XX. ............................................................................................................................... 117 Figura 47 – Toras de madeira de Lei levadas através do rio Doce para serem embarcadas na foz, em Regência. Foto de 1910. .................. 117 Figura 48 – Legenda original da imagem: “Tora de madeira da Mata Atlântica, carregada em vagão ferroviário com 10m comprimento e 2,60m de diâmetro ...................................................................................................................................................................................................................................... 117 Figura 49 - TÍTULO ORIGINAL: "COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S.A. ESTRADA DE FERRO VITÓRIA A MINAS. MAPA GERAL DA LINHA." COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S.A.; ESTRADA DE FERRO VITÓRIA A MINAS; MAPA GERAL DA LINHA. Escala 1:400000. Em destaque a estação de Itapina, ainda chamada à época do mapa de Ita. A data provável do mapa (marcado originalmente como sem data) deve ser o começo da década de 1940, antes da mudança oficial do nome do distrito para Itapina, em 1943. .......................................................................... 119 Figura 50 – A abertura de áreas para a passagem dos trilhos, com serviços de escoramento das encostas, desmontes de rochas, derrubadas de matas etc. Foto do começo do séc. XX. .................................................................................................................................................................. 120 Figura 51 – A rápidas transformações da região do rio Doce com chegada do trem e da civilização ........................................................................ 124 Figura 52 – o trajeto da onda de lama de resíduos tóxicos da Barragem de Fundão, em, Mariana (MG), até a o litoral capixaba, através do rio Doce. Ilustração de Roberto Torrubia (2016) ........................................................................................................................................................................... 134 Figura 53 – A chegada da lama de Mariana à foz do rio Doce, em Regência, Linhares (ES). .......................................................................................... 135 Figura 54 - O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) e os efeitos do desastre da Barragem de Fundão. ................................................. 136 Figura 55 – Segundo a legenda original da foto: “Antes e depois do Rio Doce em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo; a primeira no dia 9 de novembro e a segunda 10 dias depois” ..................................................................................................................................................................................... 137 Figura 56 – Pescadores avistados em subida ao rio Doce, de Itapina em direção à Baixo Guandu. ............................................................................ 139

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Figura 57 – O artesanato do Sr. Arlindo, pescador e morador antigo de Itapina. .............................................................................................................. 141 Figura 58 – Sr. Arlindo e sua vida com o rio Doce, seja na canoa ou na balsa parada (ao fundo). ............................................................................... 142 Figura 59 – O trem de cargas da CVRD levando chapas e lâminas de aço. ............................................................................................................................ 145 Figura 60 – O núcleo urbano de Itapina visto da margem norte (ou esquerda) do rio Doce......................................................................................... 146 Figura 61 – Mapa da Comarca de Linhares de 1912, indo da foz do rio Doce, em Regência, até a divisa com Minas Gerais, em Baixo Guandu., incluindo Colatina (ao centro). Acervo de Altair Malacarne. ................................................................................................................................... 149 Figura 62 - Segundo legenda original: “Detalhe do mapa de 1878 onde está localizada a Colônia de Santa Leopoldina (1856), às margens do rio Santa Maria da Vitória. Ao norte encontrava-se o Núcleo do Timbuhy, atual município de Santa Teresa. Ao sul a colônia expandiase até o rio Jucu, em cuja margem oposta estavam demarcados os lotes da Colônia de Santa Isabel”. ..................................................................... 151 Figura 63 – Fragmento do mapa de Egler, de 1944 (ver Figura 45), tendo em destaque a região de colonização entre Colatina e Baixo Guandu e os ondas imigratórias vindas desde os final do séc. XIX. ......................................................................................................................................... 153 Figura 64 – Planta de 1894 do Núcleo de Antônio Prado (em destaque).............................................................................................................................. 155 Figura 65 – Segundo a descrição de José Luiz Pizzol para essa foto: “Rua principal de Colatina "Velha" em 1908. A primeira construção local foi o Barracão dos Imigrantes, de 1890, demolido nos anos 1950 para a construção da Cadeia Pública. Foto (pormenorizada) de Eutychio d'Oliver. IPHAN ES”.................................................................................................................................................................................................................. 158 Figura 66 – Segundo José Luiz Pizzol: “Colatina "Nova" 110 anos atrás! Essa parte, um bairro da Colatina "Velha", fundada em 1889 e cerca de um quilômetro a leste, surgiu num curto espaço de tempo em torno da Estação Ferroviária, inaugurada em 20-12-1906 e visível ao fundo, com dois trens diante dela. A rua por onde passava os trilhos (até 1975) é a atual Avenida Getúlio Vargas, a principal da cidade. Foto do Álbum Jerônimo Monteiro (1908-1912). .......................................................................................................................................................................... 160 Figura 67 – A Vila de Colatina em 1908, em foto de Eutichio d’Oliver. Ao fundo, a primeira estação de trens de Colatina. ............................. 160 Figura 68 – A cidade de Colatina em 1921. Foto do Álbum Espírito Santo 1922, editado no governo de Nestor Gomes. Acervo de José Luiz Pizzol. ............................................................................................................................................................................................................................................................... 162 Figura 69 – Ponte Florentino Avidos na época de sua construção, em 1926 ....................................................................................................................... 163 Figura 70 – Vista aérea de Colatina, por volta da década de 1950, com a Ponte Florentino Avidos construída e interligando os dois lados da cidade, em margens opostas ao rio Doce. .................................................................................................................................................................................... 164

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Figura 71 - Casa de negócios (café, cereais e madeiras) Mafra & Irmãos, em Lage, por volta das primeiras décadas do séc. XX, que segundo Fábio Pirajá, a página “Memória capixaba”, tinha filiais em Aimorés, Pedra Corrida, Nack, Porto da Pedra Escura em Minas Gerais e Estação da Lage e Estrada de Ferro Vitória a Minas (a empresa também possuía um estabelecimento em Itarana). Acervo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. ................................................................................................................................................................................................................... 165 Figura 72 – Construção da ponte de Itapina, sem data certa. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.......................................................... 166 Figura 73 – Ponte Fontenele, vista rio acima, do lado de Baixo Guandu para Colatina. .................................................................................................. 168 Figura 74 – Foto de Itapina de 1960, tirada por Valverde na margem oposta do rio Doce. ........................................................................................... 170 Figura 75 – Imagem de Itapina no ano de 1986 (comparar com as Figura 60 e Figura 73). Acervo de José Luiz Pizzol. .................................. 172 Figura 76 – Fragmento da Carta de Colatina em escala de 1:100.000, do ano de 1979, destacando a região entre a sede de Colatina e o distrito de Itapina, às margens do rio Doce. ...................................................................................................................................................................................... 174 Figura 77 – imagem do Google Earth® de setembro de 2017, destacando a mancha urbana da sede Colatina, à direita e no extremo esquerdo, a localização de Itapina. ....................................................................................................................................................................................................... 175 Figura 78 – “Planta Funcional” de Itapina, levantada em 1960 por Orlando Valverde para sua pesquisa de campo.......................................... 176 Figura 79 – Imagem aérea da configuração urbana atual de Itapina, às margens do rio Doce ..................................................................................... 177 Figura 80 – Aspecto (parcial) de Itapina em 1920. Foto do acervo de Ariadne Rodrigues Machado ........................................................................ 177 Figura 81 – Itapina em 1964, com imagem da ponte inacabada sobre o rio Doce ao fundo. ......................................................................................... 178 Figura 82 – Transporte em balsa pelo rio Doce, na região de Linhares, por volta de 1950 ........................................................................................... 180 Figura 83 – Porto Belo, entre Colatina e Itapina, Foto do começo do séc. XX. ..................................................................................................................... 182 Figura 84 – Segundo legenda de André Malverdes para a foto (provavelmente da primeira década do séc. XX): “Embarque no Vapor "Milagre" depois do pic nin com direção a Linhares, no município de Colatina. Coleção Jerônimo Monteiro. Acervo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo”. ........................................................................................................................................................................................................................ 184 Figura 85 – Segundo legenda da imagem, descrita por José Luiz Pizzol: “Navegar é (era) preciso! O Juparanã em Colatina no dia de sua viagem inaugural em 22 de setembro de 1927. A navegação a vapor no Doce desempenhou relevante papel de integração e de fomentador da colonização no trecho capixaba do rio, feita com certa regularidade de 1879 a 1955. O Juparanã foi o vapor mais longevo (28 anos em atividade) e o que mais transportou cargas e passageiros, fazendo quatro viagens mensais entre Colatina e Regência e atendendo uma região que à época carecia de outros meios de transporte”. ..................................................................................................................... 184

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Figura 86 - O Barco Juparanã, atracado nas margens do rio Doce, por volta dos anos de 1940. ................................................................................. 184 Figura 87 – Segundo descrição de José Luiz Pizzol, “Colatina 90 anos atrás!!! Trecho da ponte sobre o Rio Doce em final de construção com o vapor Juparanã visto de fundos em abril de 1928”. .......................................................................................................................................................... 186 Figura 88 - o Juparanã, por volta de 1960, adernado às margens do rio Doce, em Colatina Velha. Acervo Foto Yone ....................................... 186 Figura 89 – Balsa utilizada em 1960 para a travessia entre as margens do rio. Foto de 1960. Acervo de José Luiz Pizzol. ............................. 187 Figura 90 – A balsa que era pilotada pelo sr. Arlindo, proibida pela Marinha do Brasil de circular, desde 2018. ................................................ 187 Figura 91 – O acesso de Colatina à Itapina pela Rodovia BR 259 (01), cruzando pelo rio Doce pela Ponte Fontenele (na divisa com Baixo Guandu) (02) e chegando ao distrito pelo Rodovia ES 164 ........................................................................................................................................................ 188 Figura 92 – Segundo descrição de André Malverdes para a imagem: “Auto Viação Itapina. Transporte público utilizado na época. Década de 1960. Fonte: Aurélia Castiglioni in CASTIGLIONI, Lorena de Andrade. Projeto de Graduação I do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. 2010. Projeto Clicar Itapina” ................................................................................................................................. 189 Figura 93 – Segundo legenda da imagem: “Notícia sobre a inauguração da estação de Laje. A "data de hoje" é do jornal e é a de 21/9/1919. (na verdade, "Lage 20" deve ser o dia correto). A data constante no Guia Geral de 1960, no entanto, é a de 20 de outubro desse mesmo ano (Diário da Manhã, 21/9/1919). ........................................................................................................................................................................ 191 Figura 94 – A antiga estação de trens do distrito de Itapina, em meados da década de 1980. Acervo José Luiz Pizzol. .................................... 192 Figura 95 – O atual estado de abandono e ruína da antiga estação de trens de Itapina .................................................................................................. 194 Figura 96 – Um dos poucos prédios comerciais antigos do distrito ainda em funcionamento. ................................................................................... 196 Figura 97 – Mapa do núcleo urbano histórico de Itapina, distrito de Colatina-ES............................................................................................................. 197 Figura 98 - Representação topográfica e inserção do distrito de Itapina nas margens do Rio Doce. ........................................................................ 201 Figura 99 - Representação topográfica e inserção do vilarejo de Itapina nas margens do Rio Doce ......................................................................... 202 Figura 100 - Corte esquemático topográfico demostrando inserção do distrito de Itapina nas margens do Rio Doce. ..................................... 203 Figura 101 – Visão aérea de Itapina, a partir da av. Rosa Castiglioni, mostrando a sua relação com a margem do rio Doce, a linha férrea e o relevo local. .................................................................................................................................................................................................................................................... 204 Figura 102 – Imagem do rio Doce, vista de Itapina, tendo ao fundo o piso do morro que dá nome ao distrito ..................................................... 205 Figura 103 – Planta do núcleo urbano de Itapina. Planta baseada no mapa do perímetro de proteção do sítio histórico de Itapina. ......... 206 Figura 104 - Casas de Antônio Valter Neto, demostrando características e elementos arquitetônicos típicos das casas de Itapina. ........... 209

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Figura 105 – Casario antigo ao longo da via, com as fachadas abrindo diretamente para a mesma. ......................................................................... 210 Figura 106 – Homogeneidade volumétrica nas edificações........................................................................................................................................................ 210 Figura 107 – Alguns exemplares locais de uma arquitetura vernácula de expressão Eclética ..................................................................................... 211 Figura 108 – Exemplares locais de uma arquitetura de inspiração ou expressão do estilo Art Déco. ....................................................................... 212 Figura 109 – Ruínas do antigo hospital do distrito. ....................................................................................................................................................................... 213 Figura 110 – Casarios existentes nos dois extremos do núcleo urbano de Itapina ........................................................................................................... 215 Figura 111 – O uso dos afastamentos laterais como jardins e/ou corredores externos de circulação. .................................................................... 216 Figura 112 – Respectivamente, a estação de Itapina em estado de ruínas, a estação Leopoldina em Vitória, a primeira estação de Colatina e a segunda, em Santa Joana, e, por último a estação de Resplendor em Minas Gerais. Variações tipológicas do edifício pavilhonar. ........ 217 Figura 113 - A fotografia panorâmica ilustra a paisagem observada a partir da margem direita do Rio Doce, tirada da ponte não concluída de Itapina, onde é possível identificar diferentes feições de vertentes na margem oposta, sobre terrenos metamórficos, norteando o uso e ocupação do solo entre pastagens pouco manejadas em relevo com inclinação moderada, à pastagens sujas, mostrando recomposição natural com cobertura de macega, possivelmente devido a declividade de moderada à acentuada que encerram os anfiteatros. ...................................... 220 Figura 114 - Tal campo de visão à montante a partir da cabeceira da ponte não terminada, remete ao observador questões sobre a influência do substrato litoestratigráfico sobre o relevo. Em primeiro plano observam-se colinas suaves cobertas por pastagens bem manejadas que atingem uma forma topográfica aguda, à esquerda da fotografia, saltando aos olhos o marco físico geográfico denominado “Morro Pelado”. Na margem oposta, adjacente ao fluxo fluvial, notam-se colinas mais íngremes, em terrenos metamórficos mostrando interferências do litótipo intrusivo das rochas verdes da “Serra do Mutum” ............................................................................................................................................................................. 223 Figura 115 - Vista dos patamares diversificados do relevo a partir da margem direita do Rio Doce, onde pode-se identificar uma superfície plana junto a sede distrital de Itapina (margem direita), composta por terrenos Holocênicos (a), um degrau na margem esquerda caracterizado por colinas suaves com pastagens bem manejadas, sobre rampas de colúvio com gênese a partir dos processos intempéricos sobre substratos metamórficos (b), sendo tal modelado sombreado pela imponência das serras charnockíticas (c) observadas em segundo plano. ...................... 224 Figura 116 - O controle estrutural sobre o leito do Rio Doce, no trecho ilustrado na fotografia, pode ser constatado com a identificação dos patamares diversificados das formas de relevo que o encerram, identificando os alicerces cristalinos metamórficos, mais antigos, a ilha em

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primeiro plano, além das colinas cobertas por pastagens manejadas (a), as intrusões ígneas granitoides, dentre elas o “Morro Pelado”(b), à esquerda, e a imponência da intrusão charnockítica (c), à direita. ............................................................................................................................................... 226 Figura 117 - A constatação da importância do Pico de Itapina como marco físico geográfico somente pode ser constatada a partir de busca pelo campo de visão de exploradores do século XIX, quando a sua face rochosa nua figura exposta às embarcações deslocando-se pelo Rio Doce ou pelos índios que ai pescavam ou vagavam pelas suas margens. As rochas observadas na margem constatam a proximidade das intrusões ígneas nas matrizes metamórficas existentes no entorno da sede distrital de Itapina. ........................................... 228 Figura 118 – A relação entre Itapina, seu morro e o rio Doce.................................................................................................................................................... 230 Figura 119 – Trecho da Carta de Colatina contendo o distrito de Itapina, seus limites com Baixo Guandu e a posição do “morro pelado” (destacado em verde) ................................................................................................................................................................................................................................ 231 Figura 120 – Vista do rio Doce em direção à Baixo Guandu e presença marcante da forma cônica do morro pelado, ou Itapina. ................ 232 Figura 121 – Respectivamente, imagens do Morro do Penedo visto da região do Centro da Cidade de Vitória, local histórico da origem da colonização do Espírito Santo, em meados do séc. XVI, a partir da Vila da Vitória. O Penedo, morro que marca a entrada da Baia protegida de Vitoria foi por séculos, lugar de proteção e aviso de chegada de navios que aportavam no porto de Vitória .................................................. 234 Figura 122 – Na sequência, desenho feito por D. Pedro II em sua chegada pelo mar à Província do Espirito Santo, no ano de 1860, para visita oficial. Descreve acima do desenho: “Mestre Álvaro do caminho para a foz do rio Santa Maria na altura da casa de Susano - tarde de 28”. E, foto atual tirada da Orla de Camburi, região norte da cidade de Vitória. ................................................................................................................ 235 Figura 123 – As faces cônicas do morro vistas de dentro do núcleo urbano de Itapina (respectivamente, da Av. Dr. José Farah e do campo de futebol na parte alta, acima do núcleo histórico de Itapina). ............................................................................................................................................... 236 Figura 124 - Trecho do mapa geológico do Estado do Espírito Santo, mostrando a localização do Pico de Itapina e as unidades litoestratigráficas......................................................................................................................................................................................................................................... 240 Figura 125 - Vista do Pico de Itapina a partir do Rio Doce mostrando-se como referência visual mesmo que parcialmente obstruído pela Obra de Arte corrente na BR-259.......................................................................................................................................................................................................... 243 Figura 126 - Telha confeccionada a partir de sedimentação Holocênica que formam as jazidas minerais existentes no entorno da sede distrital de Itapina. ...................................................................................................................................................................................................................................... 245 Figura 127 - O Morro Pelado se destaca na paisagem também no campo de visão a partir dos acessos pelas vias não pavimentadas que compõem a malha viária, na margem direita do Rio Doce, que levam à sede distrital de Itapina............................................................................... 248

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Figura 128 - Croqui de representação das principais características físico-geográficas da paisagem da região de Itapina: (A) intrusão de rochas graníticas; (B) Serra do Mutum formado por rochas charnockíticas; e (C) rochas metamórficas do Complexo Nova Venécia. ...... 250 Figura 129 - A fotografia tirada da margem esquerda do rio Doce revela a junção do meio natural, formado pelo relevo e vegetação (A) e pelo rio, que corta o núcleo urbano (B); com o meio social, composto pelo casario (C), pela ponte (D) e, pelos trilhos de trens (E) que margeiam tanto o rio Doce o núcleo urbano de Itapina. Constituindo, portanto, a atual paisagem de Itapina-ES. .............................................. 256 Figura 130 – A antiga estação de trens de Itapina .......................................................................................................................................................................... 258 Figura 131 - Percorrendo o casario do sítio histórico, percebem-se construções com estilos e épocas diferentes. ............................................ 260 Figura 132 – Polígono Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC). APAC - constitui todo urbano e paisagístico a ser preservado, definido pela somatória da poligonal de tombamento com a poligonal de entorno. Na indicação de letras sobre a imagem, tem-se: (A) o núcleo histórico de Itapina; (B) os trilhos de trem; (C) o rio Doce; (D) a ponte inacabada e, (E) o morro de Itapina ou morro pelado. .... 262 Figura 133 – A partir da linha de trens é possível identificar os pontos marcantes do distrito de Itapina, sendo eles: o próprio trilho (A), a ponte (B), o rio (C) e o morro “pelado” (D). Esse conjunto referencial é parte importante da paisagem de Itapina. .......................................... 263 Figura 134 – O trilho da CVRD, antiga EFVM, entre Itapina e o rio Doce............................................................................................................................... 264 Figura 135 - Estrada de Ferro Vitória-Minas, com sua estação original sem uso e manutenção. Ao lado da estação original com estilo contrastante encontra-se o ponto de embarque e desembarque usado atualmente........................................................................................................ 265 Figura 136 – Trecho do rio Doce em Itapina. ................................................................................................................................................................................... 267 Figura 137 - Percorrendo o Rio Doce, é possível identificar os marcos referenciais da figura 36, porém de forma diferente e individualizada. Por essa percepção do navegador podemos perceber que alguns pontos mesmo distantes se tornam mais visíveis e monumentais como é o caso do morro “pelado” (A); e outros podem estar mais perto, porém menos visíveis e oponentes, como é o caso da ponte (B); em muitos casos podem estar encobertos pela vegetação, tornando-se invisíveis em alguns trechos, como exemplo o trilho (C) e temos por fim o rio (D), instrumento de navegação para a percepção dessa paisagem. ...................................................................................... 270 Figura 138 – Imagem da ponte inacabada, vista do rio Doce. .................................................................................................................................................... 271 Figura 139 – Vista do rio Doce pela plataforma da ponte inacabada. Ao fundo, o morro que dá nome ao distrito. ............................................. 272 Figura 140 - Uma das vistas do morro pelado pelo rio Doce...................................................................................................................................................... 274 Figura 141 – Vista do final da av. Dr. José Farah, onde encontra-se o morro em seu eixo. ............................................................................................ 275 Figura 142 - Mapa do núcleo urbano histórico de Itapina, distrito de Colatina-ES. .......................................................................................................... 301

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Figura 143 – Edificações que marcaram a história de Itapina ................................................................................................................................................... 302 Figura 144 – Fachadas de arquitetura eclética, de cunho vernáculo. ..................................................................................................................................... 303 Figura 145 – Prédio do antigo hospital do distrito......................................................................................................................................................................... 304 Figura 146 – Antiga estação de trens de Itapina. ............................................................................................................................................................................ 305 Figura 147 – Conjunto de prédios do distrito .................................................................................................................................................................................. 306 Figura 148 – Exemplo de espaço público com potencialidade para revitalização. ............................................................................................................ 307

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INTRODUÇÃO 16


A

pesquisa busca entender, de forma geral, a formação conceitual do que se denominou na mesma de grandes narrativas da

arquitetura e urbanismo, e tem como meta correlacioná-las em torno de arquiteturas singulares que tenham a capacidade de sintetizar as características dessas narrativas em sua própria história dentro do tecido urbano.

O objetivo dessa pesquisa é o estudo não de uma cidade, mas, de um distrito da cidade de Colatina – Itapina -, no norte do Estado do Espírito Santo. Seu núcleo urbano histórico está tombado pela Resolução Nº 003/2013 do Conselho Estadual de Cultura1 do Estado do Espírito Santo, e a pesquisa tem como fim, estudar não por linhas patrimoniais a história desse antigo distrito de Colatina, mas, através de sua arquitetura, sua morfologia urbana e sua paisagem, entender a própria historia e desenvolvimento urbano da cidade de Colatina e da região do vale do rio Doce, por ter sido este pequeno vilarejo um importante polo comercial às margens do rio Doce e da Estrada de Ferro Vitória-Minas, nos primeiros anos do séc. XX. A pesquisa se baseia em duas premissas básicas: a) O tema das narrativas envolve uma variada gama de disciplinas ligadas pela história, tendo o foco (e o fim) na cidade e sua arquitetura e, b) O próprio conceito de arquitetura (singular) é trabalhado aqui de forma multidisciplinar: não só interessa o edifício construído, suas peculiaridades tipológicas, construtivas, formais e estéticas, mas, o conjunto de espaços urbanos, formados ou não por arquiteturas e por fim, a paisagem que este conjunto constrói ao longo da história. Para a pesquisa sobre o Distrito de Itapina, em Colatina e suas arquiteturas singulares, visitas in loco foram necessárias para anotações e, fotos dos prédios em questão e seu entorno imediato. Estudos históricos da origem desse antigo distrito o conectam com a própria história da

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“Aprova o Tombamento do Conjunto Histórico e Paisagístico de Itapina, Distrito de Colatina, Estado do Espírito Santo e dispõe sobre a regulamentação das diretrizes para intervenções nos espaços públicos, lotes e edificações integrantes da Área de Proteção do Ambiente Cultural de Itapina”.

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ocupação de toda a região do vale do rio Doce, em particular, de seu braço que corta o Estado do Espírito Santo e desagua no Oceano Atlântico. Esse Relatório Final, que organiza todo o material pesquisado sobre o tema “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Distrito de Itapina, Colatina (ES)” está dividido nos seguintes capítulos: - O “Cap. I Narrativas em perspectiva: história, historiografia,

LINGUAGEM E ARQUITETURA”,

trabalha conceitualmente o eixo estruturante da

pesquisa em curso pela FAACZ, especificamente, quanto o conceito das Grandes Narrativas nas disciplinas da Arquitetura e do Urbanismo. A hipótese trabalhada é de que Arquiteturas singulares, incluso aí, espaços urbanos e paisagens, tem o potencial e a possibilidade historicamente, no tempo e no espaço, de contar ou narrar a história urbana das cidades foco da pesquisa; - O “Cap. II Arquiteturas singulares. Conceito” trata especificamente do conceito de Arquiteturas Singulares, arquiteturas, espaços urbanos e paisagens que por conta da construção histórica, física e simbólica, tiveram e ainda possuem valor projetar uma arquitetura é interferir quantitativamente e qualitativamente no espaço urbano, alterando de modo significativo a forma urbana ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que essas alterações formais, estéticas e funcionais também interferem na imagem da cidade, ou em sua paisagem, nesse mesmo tempo. O antigo prédio jesuítico de São Tiago e atual Palácio Anchieta, sede do governo estadual localizado na cidade de Vitória, é utilizado como estudo de caso enquanto arquitetura singular, presente na construção da morfologia e da paisagem urbana da cidade como indutor de sua construção formal e simbólica, desde suas origens coloniais de meados do séc. XVI; - Já no “Cap. III A trajetória de um lugar: história, arquitetura e o sítio de Itapina”, buscou-se entender as origens do núcleo urbano de Itapina a partir da própria história secular da ocupação do vale do rio Doce, que se estende de sua foz, em Regência, Linhares (ES), adentrando as Minas Gerais. Desde meados do séc. XVI o rio Doce era lugar a ser conquistado, caminho mítico de ouro e pedras precisas que se confirma séculos

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mais trade. Ao mesmo tempo, um caminho cheio de obstáculos naturais e humanos, que somente serão transpostos no séc. XX, onde se insere a história Itapina. Em sua história urbana, moldada pelo café, o trilho de trens e pelos imigrantes europeus, principalmente, interessa entender a morfologia urbana e as características de sua arquitetura histórica; - No “Cap. IV Itapina e a geografia de sua paisagem”, tem-se a análise de sua paisagem geográfica, com foco na geologia milenar da região, moldada pelo tempo e pelo próprio rio Doce. Como essa geologia peculiar foi apropriada para a ocupação humana e ainda, tornou-se sua referencial; - E por último o “Cap. V Estruturando a paisagem: a arquitetura, o rio, o trilho, a ponte e o morro de Itapina”, aborda as relações entre a natureza e o construído pelo homem na formação das paisagens singulares de Itapina, através de sua arquitetura, da história dos trilhos de trens da antiga Estrada de Ferro Vitória-Minas, sua ponte inacabada, a marcante presença do rio Doce e do morro que lhe dá nome. Esse trabalho não se encerra em si, como será visto mais à frente. A pesquisa gerará mais pesquisas e também outros projetos de aplicação direta sobre a sítio tombado de Itapina. As mais de 300 páginas desse trabalho servirão de subsídio para novos trabalhos envolvendo a comunidade de Itapina e o meio acadêmico. Essa é a intenção!

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CAP. I

NARRATIVAS

EM PERSPECTIVA: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA, LINGUAGEM E

ARQUITETURA2

O conteúdo desse capítulo foi apresentado, em parte, no artigo publicado pelo autor: DIAS, Fabiano Vieira. Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. In: 4o Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação, 2015, Belo Horizonte. 2

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P

aul Ricouer define as narrativas na história (historiografia), na literatura (história versus estória) e filosofia (filosofia da história), como uma construção temporal que cria, em última instância, a própria experiência humana de sua existência. Para o filósofo, as narrativas só têm sentido ao expressar o tempo; e são, por outro lado, duas metades que “se reforçam mutuamente” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 16)

para descrever o tempo humano: O tempo torna-se tempo humano na medida em que está articulado de modo narrativo: em compensação, a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência humana (RICOUER, 1994, t. 1, p. 15).

As narrativas são acontecimentos descritos pela história, base de fontes literárias interpretativas e substância da filosofia que tem na história os conteúdos morais para o debate; coisas passadas que ligadas ao futuro estabelecem um lugar na história: um “onde” do qual se questiona Santo Agostinho pela interpretação de Ricouer, pois a questão que se põe o primeiro é saber “onde as coisas são”, ou, em que tempo-lugar as coisas acontecem (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26). Esse “sítio” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26) é uma construção presente formada pelo passado e o futuro, “adjetivos”, segundo Ricouer (1994, t. 1, p. 26) de uma qualidade temporal que descrevem as narrativas por meio de acontecimentos que ainda podem acontecer ou já existiram. Na verdade, a narrativa ao predizer “acontecimentos que ocorrem tal como os havíamos antecipado” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 26) estão na origem desses acontecimentos. Elas não são os acontecimentos em si, mas, sua história: os acontecimentos são fatos ocorridos, ou seja, estão na escala do real, na concretude da experiência vivida ao longo de um tempo; as narrativas, por outro lado, são os entrelaçamentos possíveis que deram ou dão origem a esses fatos. Por estas relações, as narrativas também estão na base das construções das memórias das histórias e seus lugares. O passado e o futuro, ou, as memórias de coisas passadas e a espera do porvir – “A história é antes de tudo a memória” (ARGAN, 1998, p. 158) -, estão na mesma medida

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no presente, já que este último, enquanto intermédio, é o lugar do cruzamento de ambos. Essa é por fim, a base da construção narrativa: historiografias que recorrem do passado e constroem o futuro pela interpretação histórica no presente. A história pela definição de Ricouer, “descreve uma sequência de ações e de experiências feitas por certo número de personagens, quer reais, quer imaginários” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 214). Portanto, ao descrever, narra, e ao narrar, através ou pela reinterpretação de fatos e acontecimentos pode recriar a história a partir de uma nova prova, e, a “resposta a essa prova conduz a história à conclusão” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 214). E quanto a essa “história narrativa”, o autor completa: (…) tem como objeto as ações passadas que puderam ser registradas ou que se pode inferir por meio de autos ou de memórias; a história que escrevemos é a de ações cujos projetos ou resultados podem ser reconhecidos como aparentados aos de nossa própria ação; nesse sentido, toda história é um fragmento ou segmento de um só mundo da comunicação (…) (RICOUER, 1994, t. 1, p. 216).

A historiografia, como história narrada, é uma coligação de eventos (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223), ou como explica Barthes, “encadeamentos” de outras histórias. Essa construção da narrativa é também uma reconstrução da história, pois organiza dados que “se relacionam a uma temporalidade” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 243). Para Barthes, a própria temporalidade só se caracteriza como representante do tempo através da narrativa, já que é parte desta como uma “classe estrutural” (BARTHES in BARTHES, 1976, p. 37). O tempo da narrativa é um tempo histórico, descrito por acontecimentos, ou seja, construído (ou reconstruído) por outras histórias que alimentam o eixo central da narrativa. Waisman fala das diferenças entre as temporalidades da historiografia geral e da historiografia que dá conta das artes e arquitetura. Enquanto para a primeira, o objeto “deixou de existir no tempo” (WAISMAN, 2013, p. 11), corroborado pela semiologia de Barthes - já que “do ponto de vista da narrativa, o que chamamos de tempo não existe, ou pelo menos só existe funcionalmente, como elemento de um sistema semiótico”

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(BARTHES in BARTHES, 1976, p. 37) -, para a historiografia das artes e da arquitetura, o objeto “existe por si mesmo, e o trabalho do historiador tem que partir dessa realidade presente” (WAISMAN, 2013, p. 11). A autora ainda argumenta que, enquanto para a historiografia geral o “protagonista” pode ser um “acontecimento, um personagem ou uma cultura que teve lugar no tempo e desapareceu” (WAISMAN, 2013, p. 11) deixando ao longo da história “testemunhos”, na historiografia da arte e arquitetura o protagonista é a própria obra, que passa, portanto, a ser o “testemunho histórico principal e imprescindível” (WAISMAN, 2013, p. 11-12). Ou seja, pegando-se o exemplo de uma obra arquitetônica que estende sua existência ao longo do tempo, tem-se por complemento, que essa arquitetura ultrapassa sua qualidade enquanto tal, ao atribuir-se de uma qualidade maior a qual Waisman chama de “extra-histórica”, quando a arquitetura assune um caráter ou valor artístico enquanto monumento (WAISMAN, 2013, p. 12-13). Mas Ricouer retoma a questão dos acontecimentos para explicar o próprio conceito de história. Para o autor, história é como já dito, um ato de operar coligações, ou seja, ao citar Whewell e Walsh, é “explicar um acontecimento retraçando suas relações intrínsecas com outros acontecimentos e em situá-lo no seu contexto histórico” (WHEWELL e WALSH apud RICOEUR, 1994, t. 1, p. 223). As análises desses acontecimentos se sucedem através de hipóteses, as quais, segundo Ricoeur, não podem ser falsificadas, como ocorrem nas ciências, pois em história, as hipóteses atuam como “guias” e não como referenciais científicos (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223). Dessas são extraídas conclusões a partir de uma “narrativa interpretativa” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223), a qual, por fim, é um juízo e não um método em si, já que a prova não está no fato, mas, ao longo da narrativa “que sustente as conclusões” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 223). Mais à frente, Ricoeur trabalha exatamente o que diferencia Waisman sobre a historiografia geral e a das artes e arquitetura. Para o filósofo, em especial, esta distinção acontece sobre duas linhas da historiografia, referenciando-se à Mandelbaum: a da “história geral” e as das “histórias especiais”. Ricoeur distingue ambas da seguinte forma:

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A história geral tem como tema sociedades particulares, tais como povos e nações, cuja existência é contínua. As histórias especiais têm como tema aspectos abstratos da cultura, tais como a tecnologia, a arte, a ciência, a religião, que, na falta de uma existência contínua própria, só são ligadas entre si pela iniciativa do historiador responsável pela definição do que conta como arte, como ciência, como religião, etc. (RICOUER, 1994, t. 1, p. 278).

Essas são distintas aparentemente, mas estão interligadas por suas questões básicas: na historiografia geral (ou global, como completa Ricouer), a história de sociedades particulares, descrita através dos fenômenos sociais, políticos, econômicos, etc., se notabiliza em mostrar através dessas narrativas, de forma independente ou em conjunto, as “facetas” do seu desenvolvimento histórico (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279). Pelas historiografias especiais (ou especializadas, ainda segundo Ricouer), os diversos matizes culturais se constituem em “classes de atividades” ligadas às áreas da cultura – “técnicas, ciência, arte, literatura, filosofia, religião, ideologia” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279) – como fonte de construção da história narrativa, seja de forma igualmente independente ou em conjunto. Em ambas, suas facetas e classes são, nos termos de Ricouer, “artefatos” metodológicos, pois não se caracterizam como uma “totalidade concreta” (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279). Ricouer ainda conclui que análises de obras de arte, por exemplo, enquanto um artefato cultural de uma historiografia especializada, podem remeter à historiografia global, pois de certa forma, recebem influências dessa última: As obras [de arte] inscrevem-se nas tradições e nas tramas de influências, que marcam seu enraizamento na continuidade histórica das sociedades particulares e recebem desta uma continuidade de empréstimo (RICOUER, 1994, t. 1, p. 279).

É na aparente autonomia de cada historiografia que se encontra a possibilidade de relacioná-las, pois mesmo admitindo-se que a historiografia geral seja mais objetiva que a especial, como argumenta Ricouer, é também possível “ajustar entre eles pontos de vista diferentes sobre o

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mesmo acontecimento ou ajustar entre elas as facetas (política, econômica, social, cultural) dos mesmos acontecimentos” (RICOUER,1994, t. 1, p. 280, nota 25). De forma correlata às narrativas, tem-se que a cidade pode como defende Argan, ser entendida como um conjunto de textos que “realiza um contexto” (ARGAN, 1998, p. 159). Ou seja, ao longo da história urbana das cidades – fixando a atenção nas cidades ocidentais – sua construção foi pautada por uma série de textos – gerais e específicos – que construíram, a partir de suas narrativas, historiografias marcadas por fatos descritos ou acontecimentos, e que invariavelmente, marcaram e ainda marcam a cultura dessas cidades. Além disso, a cidade, sobre esse viés de Argan é “idealmente uma obra de arte” (ARGAN, 1998, p. 159), a qual, além de ser o resultado de um conjunto de textos, é também um artefato ou produto das “técnicas urbanas” (ARGAN, 1998, p. 159), que é por fim, um dos textos da historiografia especializada de Ricouer. As cidades são, em última instância, a sede das narrativas. São tanto o pano de fundo como o próprio constructo de histórias que as marcam no tempo histórico, o qual é por concepção ontológica, o tempo humano. Sua arquitetura se torna produto dessa história, parte de uma narrativa em constante construção. A arquitetura enquanto objeto ou um artefato isolado faz parte da crise por que passa o estágio atual da produção arquitetônica, e em última instância, do projeto. Projetar em arquitetura é construir uma (re) valorização da arquitetura pelas relações entre o objeto projetado e o sujeito que usufruirá da arquitetura (ARGAN, 1998, p. 159). Essa revalorização da arquitetura cria novas ligações, novas histórias e construções narrativas. A arquitetura, então, deixa de ser um mero artefato isolado e alcança o status de um artefato maior, um “superartefato”, nos termos de Najjar (2011, p. 82). Enquanto tal – apropriando-se de um termo arqueológico3 – o objeto arquitetônico é entendido como um todo em sua relação 3

O termo apresentado por Najjar foi retirado do livro de Leone e Potter. Ver em especial: LEONE, Mark P; POTTER JR, Parker B. The recovery of meaning: Historical Archeology in eastern United States. Washington: Smithsonian Institute Press, 1988.

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com o território construído por relações espaço-sociais ou espacialidades, como explica Najjar (2011, p. 82-83), demonstrando as influências recíprocas entre o objeto arquitetônico e seu entorno, não somente físico, mas também social, “refletindo, portanto, o jogo de poder, a fricção social existente entre os grupos envolvidos, e gerando mudanças no seio da sociedade” (NAJJAR, 2011, p. 82). Mas Argan aponta um momento de crise, estabelecido no contemporâneo, e que tem raiz nos valores culturais que definem a sociedade, e por corolário, em sua história. Inclui-se nesse momento de crise a produção artística e de sua arquitetura enquanto “projeto”, ou de uma “vontade de projeto que se manifesta, não somente nas artes [e nem somente na arquitetura], mas em todas as atividades humanas, em toda cultura” (ARGAN, 1998, p. 156). O ato de projetar tem origem no próprio projeto moderno de cultura, desde Brunelleschi, segundo Argan (1998, p. 156), quando, historicamente, se inicia uma “civilização do projeto” (ARGAN, 1998, p. 156), ao se substituir os modelos como referência cultural. Diferente do modelo, que é dado e posto como verdade histórica, o projeto se situa como processo crítico e contínuo, dividido em camadas: Temos então uma primeira camada: o conhecimento histórico. Uma segunda camada, a análise; uma terceira, as críticas; uma quarta, a imaginação” (ARGAN, 1998, p. 158).

Essas camadas se estabelecem como etapas da narrativa própria da arquitetura e do urbanismo enquanto processo de projeto, aquilo que ao mesmo tempo une essas duas disciplinas historicamente, através de uma “dimensão nova e uma escala inteiramente nova” (ARGAN, 1998, p. 159), e as distingue tanto entre si como entre projetos de arquitetura e urbanismo distintos: cada projeto subentende-se uma releitura dessas camadas; cada camada é por definição uma hipótese nova a ser trabalhada e que por fim, gera um projeto diferente. Aldo Rossi ao traçar sua definição de fatos urbanos, fala da cidade como arquitetura total, algo que está além de sua imagem “visível e o conjunto de sua arquitetura” (ROSSI, 1992, p. 60). A cidade para ele, enfim, seria uma construção temporal pela arquitetura. Arquitetura

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entendida aqui como um ente coletivo da sociedade, parte vital das relações humanas e suas vicissitudes: “com toda a carga dos sentimentos de gerações, dos acontecimentos públicos, das tragédias privadas, dos fatos novos e antigos” (ROSSI, 1992, p. 62, tradução nossa). Mas essas narrativas urbanas levarão em conta a realidade da historiografia da arquitetura e urbanismo brasileiros, inseridos na própria realidade latino-americana de ex-colônias que sofreram fortes influências de suas pátrias mães, ao mesmo tempo em que adaptaram as formas europeias ao contexto local e cultural. Waisman explica que o desenvolvimento arquitetônico e urbano latino-americano é um amálgama transcultural, pois as adaptações feitas aqui por interpretações particulares ou circunstâncias “histórico-cultural-tecnológicas locais” (WAISMAN, 2013, p. 59), extrapolaram suas origens pelas influências do “contexto social em todos os seus aspectos” (WAISMAN, 2013, p. 62). Aqui, uma nova narrativa se construiu, mais recente que a europeia e em contínuo desenvolvimento e que por fim, deu origem a outros fatos ou acontecimentos em formato de arquitetura, espaços urbanos, novas paisagens, novos significados. Arquiteturas e cidades que se espelharam na metrópole, mas, que ao fim e ao cabo, são diferentes. Dentre as grandes narrativas de interesse em pesquisas atuais e futuras, têm-se: a) as construções históricas a partir dos estudos da morfologia urbana, b) da tipologia e c) da paisagem; d) as relações entre as similaridades e diferenças nos conceitos de lugar e espaço; e) as relações entre forma e função; f) as relações entre os espaços públicos e privados; g) as formas de composição arquitetônica a partir das escalas e proporções fornecidas pela geometria; e por fim, h) a sustentabilidade como novo discurso e narrativa histórica da arquitetura e do urbano. Temas relevantes, trabalhados em suas particularidades enquanto narrativas de uma historiografia espacializada, serão interligadas através do estudo do que se denomina nessa pesquisa de arquiteturas singulares, escolhidas pela especificidade de sua importância histórica e urbana de cidades capixabas, como será visto mais adiante.

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CAP. II ARQUITETURAS SINGULARES. CONCEITO

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O conteúdo desse capítulo foi apresentado, em parte, no artigo publicado pelo autor: DIAS, Fabiano Vieira. Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. In: 4o Seminário Ibero-americano Arquitetura e Documentação, 2015, Belo Horizonte.

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E

nquanto superartefato, a história de uma arquitetura singular se estrutura por meio de suas relações culturais e sociais, dando-lhe tanto a origem como o desenvolvimento dos significados que esta assumirá ao longo de sua existência. Uma arquitetura singular se define como arquitetura – no aspecto amplo do termo – quando marca acontecimentos, ou faz parte desses, na história. É por si

própria, um acontecimento: um fato descrito ou que descreve momentos singulares na história e que tem, pela situação de sua existência, a possibilidade de permanência em uma história continuada, ou narrada. Para Ricouer, os acontecimentos históricos enquanto narrativas, são postos como singulares, tributários de paradigmas que sustentam sua existência (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295). Além de singulares, na explicação do autor, ainda são contingentes (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295), pois estão na esfera de influência de uma realidade ocorrida ou que pode ocorrer e, também separados (RICOUER, 1994, t. 1, p. 295) por serem singulares; separados no sentido de especiais ou específicos, dentro de um contexto histórico. Uma arquitetura singular se veste dessas características: é singular tanto por sua situação enquanto arquitetura inserida em um meio urbano e é contingente, pois é transformada ao longo da história (ou não) e é ainda, em sua existência e relações, separada, destinta ou mesmo - e de novo - singular do seu contexto; pois mesmo fazendo parte ou compartilhando sua construção, ainda possui sua autonomia, mesmo que não completa. Sua história enquanto arquitetura é construída por narrativas, sejam elas específicas da arquitetura e do urbanismo – as grandes narrativas – ou, gerais da própria história do meio que a originou. Enquanto acontecimento ou fato histórico, a arquitetura é também um fato urbano, inscrito na história da cidade, aproximando-se do que postula Ricouer com a definição de Rossi de fatos urbanos, os quais, como explica o arquiteto, são a “construção última de uma elaboração complexa” (ROSSI, 1992, p. 63). A arquitetura enquanto fato ou acontecimento é a concretude das narrativas a que lhe foram inscritas, expressão de sucessivas camadas históricas, de vieses e matizes diferenciados pelo tempo, escala e significância.

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As grandes narrativas da arquitetura e do urbanismo estão na origem dos fatos urbanos, pois são os modos significativos e simbólicos de construção da arquitetura: valores culturais, sociais, econômicos e políticos que influenciaram a arquitetura, sua inserção urbana e a construção última da cidade. A história construindo a história de cada arquitetura; o tempo datando as transformações de cada momento vivido por essas arquiteturas. O objetivo central da pesquisa é encontrar exemplares capixabas de arquitetura que tenham a possibilidade de participar de modo preponderante na construção das formas urbanas de suas cidades de origem, ao longo da história. Arquiteturas desse tipo têm a capacidade de alterar, promover e induzir transformações urbanas pela influência de seus usos, ao longo da história. As transformações urbanas induzem mudanças espaciais nos tecidos da cidade, com a criação de novos espaços e novos usos. Além disso, podem vir a reboque transformações estilísticas e compositivas, além de novas funções, que demandam um novo caráter para estes espaços. Sendo tais arquiteturas originárias de tipologias, como uma das grandes narrativas estudas, podem, portanto, se adaptar às transformações, com novos usos, sem perder sua essência. Em paralelo às transformações, surgem novas paisagens que definem uma época ou momento histórico. Em resumo, como explica Rossi, “[...] com o tempo, a cidade cresce sobre si mesma; adquire consciência e memória de si mesma. Em sua construção permanecem os motivos originais, mas com o tempo concreta e modifica os motivos de seu próprio desenvolvimento” (ROSSI, 1992, p. 61, tradução nossa). Cada uma das narrativas tem por pressuposto dessa pesquisa, a característica de contar uma história da cidade; e, unidas, especialmente em uma arquitetura singular, tornam-se parte de sua materialidade, de sua existência e significado. Essas características, por fim, dão sentido e valor a arquitetura, em resposta às críticas de Argan ao estado atual do projetar arquitetura: prédios de arquiteturas singulares – nos tecidos

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urbanos e em suas paisagens – como hipótese, serão o pano de fundo para se buscar novas conexões entre as narrativas da arquitetura e do urbanismo. A “arquitetura” se insere aqui como termo amplo, como já dito, pois alberga para si um contexto amplo na mesma medida. Portanto, entendese que as disciplinas da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo (em sua relação próxima com o conceito de paisagem) são partes fundamentais do projetar a arquitetura: projetar uma arquitetura é interferir quantitativamente e qualitativamente no espaço urbano, alterando de modo significativo a forma urbana ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que essas alterações formais, estéticas e funcionais também interferem na imagem da cidade, ou em sua paisagem, nesse mesmo tempo.

2.1.

O CASO EXEMPLAR DO PALÁCIO ANCHIETA EM VITÓRIA (ES)

Ao longo de mais de 400 anos, o antigo complexo jesuítico de São Tiago, na antiga Vila da Vitória, formado por sua igreja e as alas do colégio e residência dos padres, passou por grandes transformações até se cristalizar no atual Palácio Anchieta (Figura 1 e Figura 2); suas funções religiosas foram trocadas pela estrutura governamental (sede do Governo do Estado do Espírito Santo) e espaços culturais, demonstrando o quão se caracterizou a tipologia edilícia jesuítica em sua flexibilidade de usos em terras brasileiras (DIAS, 2014, p. 133).

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Figura 1 - O Palácio Anchieta antes das reformas de 1910

Figura 2 - Inserção do prédio (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória. Atual aspecto do prédio, após as reformas de 1910 que modificaram a tipologia jesuítica, mantendo-se, de forma parcial, o seu pátio central

Fonte: TATAGIBA, 2008

Fonte: GOOGLE/PANORAMIO, 2014

O prédio de grandes proporções arquitetônicas e urbanas para o tecido urbano da cidade de Vitória é um dos exemplos de onde a história se fez por um fluxo contínuo de narrativas variadas: marcou a chegada e implantação dos jesuítas, em meados do séc. XVI participando

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ativamente do florescimento e crescimento urbano da antiga Vila, além de ser exemplar da passagem da vida colonial para o Brasil republicano (DIAS, 2014, p. 133). O lugar escolhido para a edificação acompanha as orientações jesuíticas por um local elevado e “com vista para o mar, a cavaleiro, no penhasco a sudoeste da ilha, defronte à Baía” que circunda a Vila da Vitória, resguardando expressões de Carvalho (CARVALHO, 1982, p. 49). A localização da edificação definitiva frente à Baía de Vitória e “estrategicamente posicionado em relação aos rios Marinho e Santa Maria” (Figura 3), segundo Miranda, oferecia local de fácil proteção e deslocamento para as missões ao interior da capitania (MIRANDA in SOUZA e RIBEIRO, 2011, p. 94). Além disso, a escolha do lugar definitivo e a construção de sua igreja é também a forma de a Companhia de Jesus perpetuar sua presença simbólica e física no lugar: a igreja marca o topo desta colina que avança sobre a baia de Vitória como uma pequena península, rodeada pelo mar e por altos relevos do Maciço Central da Ilha.

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Figura 3 – Mapa da Ilha de Vitória, parte continental e do atual Município de Vila Velha, datado de

1767, sobre original de 1761 (autor desconhecido). Em vermelho, marcação do núcleo urbano de Vitória

RIO SANTA MARIA

Região norte CANAL DE

(continental)

CAMBURI Ilha de Vitória RIO MARINHO Núcleo urbano de Vitória (1761)

BAÍA DE VITÓRIA

Vila Velha

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

Terreno privilegiado pelas visuais, domínio do entorno e facilidade de deslocamento, tanto pelo mar como por terra, foi doação de Duarte Lemos aos padres jesuítas, incluindo-se tanto o local de implantação da Igreja e Colégio, bem como adjacências (DERENZI, 1971, p. 26). Estas

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adjacências, segundo Derenzi, ocupam “três quartas partes da região” (CARVALHO, 1982, p. 49), como se apresentam em levantamentos topográficos feitos no séc. XVIII da Ilha de Vitória, onde claramente estão visíveis os limites (a cerca) da propriedade dos padres, com seu pomar, a Igreja e o Colégio de São Tiago (Figura 4 e Figura 5). Figura 4 – “PLANTA DA VILLA DA VICTORIA situada a 20°15’ de Lat. Sul e 344°45’ de Long.” Mapa da Vila da Vitória, de 1767, atribuído a José Antônio Caldas. À Sudoeste da ilha, a presença da propriedade dos jesuítas, demarcada por cerca, pomar e horta.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

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Figura 5 - Na figura acima, Planta da Vila de Vitória, de 1764, também de José Antônio Caldas, com a seguinte legenda: Praças /1- Da Matriz/2- Da Misericórdia (antigo Largo Afonso Brás), denominado Terreiro pelos Jesuítas /3- Grande /4- Do Mercado /5- Da Igrejinha /6- Do Carmo /7- Velha (antigo Pelourinho)/ Igrejas /A- N. S. da Vitoria (Matriz) /B- Misericórdia /C- S. Tiago (Colégio dos Jesuítas) /D- S. Gonçalo Garcia /E- S. Antonio Convento dos Franciscanos /F- Ordem 3.ª de S. Francisco /G- N. S. do Carmo (Convento do Carmo) /H- Ordem 3.ª de N. S. do Carmo /I- S. Luzia/J- N. S. da Conceição (Igrejinha) /K- N. S. do Rosário /Edifícios Públicos /a-Palácio da Presidência e Tesouro /b- Câmara Municipal /c- Cadeia /População /6:000 almas.

Fonte: MIRANDA in PESSOTI e RIBEIRO, 2011

No ano seguinte à construção da igreja, 1574, Padre Manoel de Paiva – que substitui Padre Brás Lourenço em 1564, por conta de sua ida para Porto Seguro – dá continuidade às obras do complexo, a partir da primeira ala, anexa à igreja (CARVALHO, 1982, p. 47). Dentro da organização espacial e costume jesuítico descrito por Santos, esta primeira ala é reservada à residência dos párocos: os primeiros relatos de padres visitantes, como Cardim e Anchieta, apontam ainda nos fins do séc. XVI, as acomodações ou “cubículos” desta primeira ala, que já possuiria

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seus dois pavimentos – o segundo avarandado – com esses cubículos distribuídos de forma uniforme entre os pavimentos (CARVALHO, 1982, p. 50). A cerca já se encontra definida pelos idos de 1584, como descreve Padre Fernando Cardim, em citação devida a Derenzi, sobre estas etapas das obras de São Tiago: [...] estavam bem acabados com sete cubículos e na cerca há laranjeiras, limeiras, cidreiras, acajá e outros frutos com todo o gênero de hortaliças de Portugal. O terreno descia até o porto, onde havia o cais de embarque privativo (CARDIM apud DERENZI, 1971, p. 26).

Percebe-se, pelo relato de Cardim, que a cerca que delimita a propriedade dos padres abriga horta e pomar, fazendo-se ainda de acesso ao porto privativo dos jesuítas. Este último encontrava-se localizado no pé do platô (Figura 6), de onde zarpam os padres para suas incursões ao interior da Capitania (CARVALHO, 1982, p. 50-51).

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Figura 6 – Detalhe da situação da propriedade dos jesuítas na ilha de Vitória, em levantamento feito no séc. XVIII pelo eng. Militar José Antônio Caldas. No pé do platô onde se encontrava o edifício de São Tiago (Ca), o Fortim de Padre Inácio, e, contornando todo o limite, a cerca. Derenzi afirma que o fortim foi chamado inicialmente de São Mauricio, mas este foi “destronado do padroado” (DERENZI, 1971, p. 25).

Fonte: MIRANDA in PESSOTI e RIBEIRO, 2011. Modificado para o presente trabalho

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Além do seu porto particular, uma grande “escadaria corrida, com patamares amplos e simples” (DERENZI, 1971, p. 29), “velha” por já existir antes da expulsão dos jesuítas, foi construída saindo de dentro de sua propriedade, ligando-a a região dos cais, e no final do séc. XIX ao já Porto de Vitória5. Descia próxima à lateral do prédio (Figura 7), dentro da cerca e pela encosta, vencendo o desnível até o mar, em um único lance de escada. Já prenuncia, na época, a vista privilegiada da Baía de Vitória bem como também resguarda a imponência do prédio que seria, nos séculos seguintes, a principal porta de entrada à cidade, pelo mar6. Figura 7- Desenho da antiga escadaria dos jesuítas, em 1906, que dava acesso ao Cais do Imperador. Autor desconhecido

Fonte: MIRANDA, 2014

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O Porto de Vitória tem suas obras iniciadas em 1908, na gestão de Jerônimo Monteiro, continuando ao longo das décadas seguintes, sendo concluído na década 1940, com as obras de aterros sobre o mar, ampliando sua área de embarque e desembarque e a construção de seus galpões de armazenagem (PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA, 2006). 6 A grande escadaria dos jesuítas assumiria maior destaque no começo do séc. XX, com as reformas do Palácio e seu entorno, incluindo-se a escadaria, acompanhando o novo momento político republicano da história da cidade e do país, como se verá mais à frente.

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A cerca é seu espaço de subsistência, seu local de descanso e seu acesso privativo ao mar. Define, com o complexo edilício jesuítico, o lugar e a presença da Igreja de Roma em suas instâncias que se completam, simbolicamente e fisicamente, com outras construções religiosas da ilha do mesmo século ou dos séculos posteriores (ver nota 7). Essa grande gleba do centro histórico de Vitória manterá seus limites até a expulsão dos jesuítas do território português, quando suas propriedades passarão para as mãos da Coroa e seus novos usos administrativos. O momento de construção da igreja e alas, acompanhado por outras edificações religiosas, marcam o solo da cidade de Vitória, principalmente, pela sua implantação de forte caráter simbólico. A Igreja de São Tiago foi a segunda edificação católica na Ilha (a segunda jesuítica, considerando-se a primeira capela construída como parte das construções primitivas dos padres, quando de sua chegada), pois que a Capela de Santa Luzia já se encontrava de pé, a mando de Duarte Lemos para sua fazenda. A Igreja Matriz (Figura 8), construída ainda no séc. XVI passa por reformas, entre os séculos XVIII-XIX, e é demolida no começo do séc. XX, para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória, obra iniciada em 1914 e somente concluída em 1971, após alterações no projeto original (ALMEIDA, 2009, p. 419).

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Figura 8 – Imagem da Igreja Matriz (em segundo plano), antes de sua demolição para a construção da Catedral Metropolitana de Vitória. No primeiro plano, a Igreja da Misericórdia (à frente do Palácio Anchieta), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins, prédio que foi, por décadas, sede da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo (à época, chamada Congresso Estadual).

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO DO ESPÍRITO SANTO, 2014

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A Vila de Vitória recebe, até o séc. XIX, outras edificações ligadas a Ordens e Irmandades religiosas distintas, que ajudam na definição e orientação do crescimento do espaço urbano da cidade7. Mas Souza traça uma singular relação entre as edificações da Capela de Santa Luzia e do complexo jesuítico de São Tiago, incluindo-se aí a posterior construção da Igreja Matriz. Para a autora, a posição das três edificações religiosas do séc. XVI – reforçada no século seguinte pela construção da Igreja da Misericórdia, à frente de São Tiago (ver nota 7) – cria um desenho geométrico triangular (Figura 9) que liga seus vértices, e remete a uma implantação que leva em consideração a simbologia cristã da Sagrada Trindade. Simbologia presente na Europa medieval desde os séculos XII e XIII, sendo, posteriormente, transpostas para suas novas colônias (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 171-172).

7

Os franciscanos chegam à Ilha de Vitória em 1589 para a construção do seu convento, ao pé do Morro da Fonte Grande, mais de trinta anos após terem construído o primeiro convento, na Vila Velha, primeira sede da Capitania. Em 1682 é erguido o Convento do Carmo, dos carmelitas (descalços), localizada no extremo leste da Ilha, e à frente de São Tiago é erguida a Igreja da Misericórdia (que divide seu adro com os jesuítas), demolida em 1911 para dar lugar ao Palácio Domingos Martins. O séc. XVIII marca a expansão do núcleo urbano e o surgimento de novos templos católicos: neste são construídas a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, da Irmandade do Rosário dos Pretos; e a Igreja da Conceição da Praia, próximas uma da outra. Nos fins do séc. XVIII é construída a Igreja de São Gonçalo, das Irmandades de Nossa Senhora do Amparo e da Boa Morte, que depois se fundem na Irmandade de São Gonçalo, estrategicamente localizada entre São Tiago e Santa Luzia. E por fim, no séc. XIX, é construída a Capela de Nossa Senhora das Neves, ao lado do Convento dos Franciscanos. Ver em especial: ALMEIDA, Renata H. Patrimônio cultural do Espírito Santo. Arquitetura. Vitória: Secult, 2009.

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Figura 9 – A tríade formada por São Tiago à sudoeste, Santa Luzia à noroeste e Igreja Matriz, à nordeste, na Ilha de Vitória. Entre elas, eixos simbólicos e sagrados, para os usos religiosos das procissões e caminhadas pela fé. E profanos, por se constituírem, no tempo, nos percursos naturais da morfologia urbana que se conformava desde o séc. XVI.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

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Este desenho – bem como a disposição das edificações – possui dupla função: uma, do simbolismo intrínseco da presença da Igreja Católica; e outra, como definidora a partir dos eixos criados, de novos percursos e caminhos que serão responsáveis “por uma nova configuração nas morfologias urbanas onde se assentaram as ordens religiosas” (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 172). Além disso, como ressalta Najjar, a própria posição elevada, cuidadosamente escolhida pelos jesuítas de suas edificações, incutia na imagem o poder simbólico de uma ponte entre o espaço profano do exterior e o destino sagrado (NAJJAR, 2011, p. 82). Os acessos – em geral – em aclive aos prédios jesuíticos mostram o caminho que o fiel deveria percorrer, até a salvaguarda espiritual de seu espaço sagrado cristão. Seu largo, pátio externo ou “terreiro”, como diz Oliveira, faz parte de um complexo simbólico, que une fé e os primeiros sopros de civilidade europeia: O espaço vazio do pátio [externo], aliado ao espaço construído da igreja e do colégio, que tem uma escala diferente das construções que lhe fazem vizinhança, possuem uma teatralidade que não é casual [...]. O status transmitido e a mensagem dirigida destes edifícios jesuíticos àqueles que chegam e os vêem é imediatamente a do primeiro símbolo de civilização (OLIVEIRA, 1988, p. 40).

Mesmo marcando o topo da colina do núcleo urbano original de Vitória, São Tiago, não se encontra no local mais elevado. Foram os franciscanos que escolheram instalar seu convento em lugar mais elevado em relação à Ilha, no sopé do Morro da Fonte Grande, e posteriormente, os carmelitas (OLIVEIRA, 1988, p. 38), mais a leste - ambos, fora do núcleo urbano original8. Mas, o lugar escolhido pelos

8

Estas Ordens religiosas – a exemplo de outras cidades coloniais brasileiras – seguiam, segundo SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, a implantação dos jesuítas em busca de defesa e proteção, em um primeiro momento. Segundo os autores, “os religiosos contavam com terrenos amplos, a cavaleiro das encostas, facilmente defensáveis, ao lado das principais vias de comunicação que levavam à Vila, dispondo ainda de generosas áreas para pomares e hortas, e acesso direto aos cursos d`água no sopé da colina. Além disso, a opção por vértices respeita determinação papal de Júlio II, de 1509, estipulando que as ordens religiosas deveriam se instalar a pelo menos 140 vergas (aproximadamente 520 m) umas das outras. Exceção feita apenas aos jesuítas, desde o pontificado de Pio IV” (SIMÕES JUNIOR e CAMPOS, 2013, p. 58).

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jesuítas era o mais estratégico da Ilha de Vitória, na explicação de Carvalho (1982, p. 131). Seu sítio possuía características típicas de uma implantação jesuítica, dentro da urbanística tradicional portuguesa: além de elevado se encontrava na parte mais plana do relevo – considerando toda a gleba definida por sua cerca e o restante do núcleo urbano da Vila – com saída para o mar, de fácil proteção, liberdade de visão de todo o entorno e acesso direto ao centro da Vila, além de ser facilmente visível e distinguível da Baía de Vitória e de sua paisagem circundante. Ou seja, a praticidade do lugar também abria espaços para estratégias simbólicas, pautadas em sua implantação e localização no sítio colonial (Figura 10). A tipologia jesuítica, em sua arquitetura, modo de ocupar o sítio, e em seu simbolismo, se tornava, por fim, como explica Oliveira, um “eixo de referência” para o “entendimento do lugar” (OLIVEIRA, 1988, p. 41). Além disso, reunia em um mesmo lugar, e em sua arquitetura, os interesses da Coroa bem como da Companhia de Jesus (OLIVEIRA, 1988, p. 41).

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Figura 10 – Esta imagem originalmente possui a seguinte descrição: “Vista da cidade de Vitória a partir de Capuaba. Gravura do acervo Solar Monjardim do século XIX”. No centro do círculo vermelho, a presença do Complexo de São Tiago e seu entorno edificado do começo do séc. XIX.

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

A própria distribuição das partes de todo o Complexo de São Tiago foi feita de acordo com os desníveis existentes: a igreja é construída em local mais plano do que as alas de sua quadra (Figura 11). Acompanhando o relevo local, o piso da igreja ficaria o mais nivelado possível em relação ao seu largo criado à frente do prédio do complexo. Espaço público, em um misto e no limite entre o sagrado, o profano e o laico (RIBEIRO in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 207). O largo, como espaço tradicional nas construções religiosas que marcam o período colonial

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brasileiro e lugar dos acontecimentos sociais e políticos (OLIVEIRA, 1988, p. 40), existe na Vila da Vitória tanto como parte da Igreja de São Tiago, como de outras construções religiosas9. Figura 11 - O Palácio Anchieta em 1905, antes das reformas gerais no prédio. Percebe-se claramente a posição da primeira ala, anexa à Igreja de São Tiago (à direita). A igreja, implantada na parte mais plana do terreno. A ala, construída sobre declive acentuado, em direção à Baía de Vitória.

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2014

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Antes de São Tiago, a Capela de Santa Luzia já possuía um largo à sua frente, e posteriormente, também a Igreja Matriz e a Igreja da Misericórdia o tiveram.

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Este espaço de múltiplos significados (Figura 12) fez parte, ao longo dos séculos, de um complexo de espaços públicos da cidade. Importantes tanto para vida social, econômica e urbana, como para os aspectos religiosos que moldaram o espaço urbano de Vitória. Entre o Largo do Colégio, passando pelo Largo da Misericórdia (ambas as igrejas, como visto, dividiram este espaço), chegando-se ao Largo da Matriz, criou-se na Ilha um dos percursos mais importantes para sua vida religiosa10. Grande largo no séc. XVI, pela extensão livre à frente de São Tiago, tem seu espaço delimitado no séc. XVIII, pela construção da Igreja da Misericórdia e pelo casario que se desenvolve no entorno do prédio jesuítico, mantendo-se assim, com poucas alterações, até o séc. XIX (SOUZA, 2004, p. 337). No começo do séc. XX este largo foi transformado em parte, na Praça João Clímaco, mantendo-se a outra parte desocupada, ainda como largo, limitado à frente da antiga Igreja de São Tiago.

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Para se entender a importância desses espaços públicos na vida religiosa, até início do séc. XX, ver em especial: RIBEIRO, Nelson Pôrto. Aspectos da vida urbana e de seus significados simbólicos na Vila da Vitória ao longo do séc. XIX. In: SOUZA, Luciene Pessoti de; RIBEIRO, Nelson Pôrto (org.). Urbanismo colonial: vilas e cidades de matriz portuguesa. Rio de Janeiro: CTRL C, 2009. Ribeiro ainda descreve um segundo percurso, já no séc. XIX, que se estendia – ou se iniciava – até o Cais das Colunas, no sopé do platô do colégio dos jesuítas.

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Figura 12 – O antigo largo da Igreja, Colégio e Residência de São Tiago (atual Praça João Clímaco), tendo ao fundo o Complexo Jesuítico de São Tiago, ladeados pelo casario ainda existente no começo do séc. XX. Desenho de autoria de André Carloni

Fonte: MIRANDA, 2014

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A implantação da igreja é realizada de forma que sua porta principal estivesse voltada para a vila que se formava no séc. XVI – a cavaleiro da Baía, como explica Carvalho (1982, p. 49) e defronte para seu largo – e a construção das alas posteriores, em área voltada para a Baía de Vitória, em declive acentuado e em direção ao mar, fechando-se a quadra aos poucos. Este declive possibilitou a criação de um terceiro pavimento para a quadra, em nível abaixo do templo. A tipologia jesuítica do complexo edilício formado pela igreja e as alas que conformam a tipologia pátio-quadra da arquitetura religiosa jesuítica (DIAS, 2014. P. 184), tem em sua importância histórica a possibilidade de ampliar seu conteúdo originário. O prédio não foi somente sede da Igreja ou não é somente, hoje, sede política do Governo Estadual: foi e é um monumento da história urbana capixaba, em última instância, da cidade de Vitória, desde suas origens coloniais às transformações em que a sociedade passou nos últimos séculos, mantendo-se ainda altivo, símbolo e representante da história que percorreu (DIAS, 2014, p. 133). A tipologia jesuítica de São Tiago é tão importante como indutora do crescimento urbano da antiga Vila, como para a história do complexo paisagístico da capital. Sua escala urbana participa da construção da morfologia de Vitória, marcando a paisagem que se inicia a partir da metade do séc. XVI, até os dias de hoje, em suas diversas escalas (Ver Figura 13, Figura 14, Figura 15, Figura 16 e Figura 17).

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Figura 13 – Em vermelho, área da implantação da Vila da Vitória a partir de 1551, núcleo original e histórico da atual cidade de Vitória

Figura 14 – Vila da Vitória em 1767, mapa atribuído a José Antônio Caldas. Em destaque, o prédio jesuítico de São Tiago

Figura 15 - Desenho de José Antônio Caldas, de 1767, da vista da Vila da Vitória. Em destaque, o prédio de São Tiago.

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

Fonte: SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009

Fonte: REIS FILHO, 2000

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Figura 16 – Cartão postal de Vitória do começo do séc. XX (1900), acervo de Carlos Benevides Lima Junior. No centro da imagem, o prédio de São Tiago, já como palácio governamental, mas antes da reforma de 1910

Figura 17 – O atual entorno adensado e verticalizado do Palácio Anchieta (em destaque). Foto do acervo de Flavio Lobos Martins/Fóton. Ver também Figura 2

Figura 18 – A consolidação de sucessivos aterros na região central da cidade de Vitória, ao longo do séc. XX amplia sua área urbana, adensa suas construções e ao mesmo tempo, promove a possibilidade da valorização das áreas urbanas pela sucessiva verticalização por que passa a região, nesse momento. Em vermelho, o antigo prédio de São Tiago, atual Palácio Anchieta

Fonte: GOVERNO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013

Fonte: MIRANDA, 2014. Modificado para o presente trabalho

Fonte: Planta com Restituição Aerofotogramétrica da Cidade de Vitória (ano de 2000). Modificada para o presente trabalho

A história do atual Palácio (Figura 19) se enquadra como exemplar de três das grandes narrativas pertencentes a esta pesquisa: a tipologia, a morfologia urbana e a paisagem. Enquanto tipologia se baseia nos exemplares mais singelos desenvolvidos pelos jesuítas no início de sua

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estada em terras brasileiras. Um modo simples, fácil e prático de ocupar o lugar que se torna, ao longo do tempo, parte fundamental de uma morfologia urbana colonial: o prédio em quadra, que se adéqua, pelas suas partes ou alas, aos condicionantes topográficos e às necessidades de mais espaço dos padres. Figura 19 - Inserção do atual Palácio Anchieta (centro da imagem) no entorno urbano contemporâneo da cidade de Vitória

Fonte: GOOGLE/PANORAMIO, 2014

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Sua arquitetura, desde sua implantação primitiva, mais afastada da Vila, mas, próxima o suficiente da vida religiosa dos fiéis, foi também fundamental para o desenvolvimento urbano de Vitória, como um dos indutores do crescimento urbano bem como para a construção de seu imaginário colonial. A paisagem que o Complexo Jesuítico de São Tiago ajuda a construir é tradicional dentro da historiografia colonial, parte da iconografia de uma cidade antiga que cresce e se molda ao relevo local. Paisagem urbana que teve em seus prédios religiosos emblemas da fé e proteção espiritual, marcando as alturas de seu sítio e se aproximando do mar, fonte importante para sua vida comercial, econômica e cultural.

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CAP. III A TRAJETÓRIA DE UM LUGAR: HISTÓRIA, ARQUITETURA E O SÍTIO DE ITAPINA 55


I

tapina é um pequeno distrito e sítio histórico do município de Colatina, tombado pela Resolução Nº 003/2013 do Conselho Estadual de Cultura. Em sua origem, era conhecida por Lage por ocupar a região nas proximidades da foz do rio de mesmo nome, que desemboca no rio Doce. Já foi conhecida rapidamente por Ita, por conta de sua estação de trens da linha Vitória-Minas, de onde, de forma muito

marcante (ainda) se avista, ao longe, o morro de cume pontiagudo que sobressai na paisagem. Morro esse que possui uma grande face voltada para o rio Doce, esculpida pelo tempo e pela história, destituída de vegetação, pelada pelas intempéries e por sua constituição geológica. Esse relevo, apontado pela comunidade local como sendo Itapina, morro ou pedra pelada na língua tupi-guarani, é tratado nessa pesquisa como um provável marco-físico-geográfico para os índios Botocudos, nativos ancestrais que ocupavam as margens do rio Doce e para os que usavam o rio como meio de transporte fluvial ou como o mítico caminho das Serras das Esmeraldas, lugar de enormes riquezas minerais cobiçada desde os primeiros tempos da chegada dos portugueses ao território brasileiro. O Distrito de Itapina marca o limite territorial do município de Colatina com seu vizinho Baixo Guandu, através da rodovia ES 164, um dos únicos e atuais meios de se chegar a esse sítio histórico que por décadas, passou de um lugar de rápido florescimento comercial no começo do séc. XX, ao quase total esquecimento de sua história, arquitetura e importância econômica e social para a região norte do Espírito Santo. Sucessivos estudos a partir das primeiras décadas do séc. XXI, culminando no tombamento de seu sítio histórico, em 2013, preservaram as características de sua arquitetura vernácula histórica, marca de uma época de grande florescimento econômico capixaba (e brasileiro) ligado, principalmente, ao cultivo, produção e exportação do café. Itapina foi representante de uma época de rápidas transformações econômicas, sociais e urbanas no Brasil, acelerada pela onda de imigração europeia e de outros cantos do mundo e das migrações internas do território brasileiro, que desde os finais do séc. XIX, ocuparam grandes

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áreas ainda em descoberto do território do Espírito Santo, mudando sua paisagem local. O que era mata ou natureza é transformada e moldada pela mão humana em pastos, em campos agricultáveis e em novos núcleos urbanos. Nesse bojo de transformações, a região da margem norte do rio Doce ainda desocupada pelo homem branco é de uma vez por todas transformada. E, seus donos originais, os Botocudos, aguerridos índios que foram um dos grandes obstáculos a ocupação dessas áreas desde o período colonial, vão sucessivamente sendo expulsos ou morrendo pela presença do homem branco. Em seu lugar, na terra que ocupavam desde tempos ancestrais, cidades surgem ao longo do rio Doce e seus afluentes, novas estruturas viárias são construídas para ligar esses núcleos, criar outros e para escoar a produção agrícola em troca dos produtos industrializados e as novidades do mercado de consumo em expansão. Implantada às margens do rio Doce, a antiga Itapina ainda preserva seu traçado original acomodado ao relevo local, sabiamente escolhido como sítio de seu arruamento e casarios. Sua paisagem é marcada por um misto de elementos (pós) naturais, já há muito modificados pela mão humana, como a vegetação nativa, o relevo local (incluindo o morro Itapina) e o próprio rio Doce pós-desastre de Mariana, de 2015, e por uma série de estruturas de caráter e escala urbanas, como o trilho da Ferrovia Vitória-Minas que marca o momento de grande desenvolvimento econômico da região, a ponte inacabada que, simbolicamente, marca a decadência econômica de Itapina e, por último, a atual conexão com Colatina através da ES 164 (que atravessa a Ponte Fontenelle sobre o rio Doce e se conecta à BR 259), em um misto de precariedade e símbolo de esquecimento. Itapina é, portanto, diversa como é diversa sua paisagem. Ali, se descortina tanto a história geológica e natural do lugar como a história da urbanização acelerada da Natureza pelas mãos humanas. E como lugares criados por essas mesmas mãos podem, de forma também tão rápida, ser relegados quase ao esquecimento. Uma das tarefas dessa pesquisa é, ao contrário, reavivar essa história com novos contornos e olhares, unindo as naturezas originais e a humana em torno do existente. Entender esse lugar é, ao mesmo tempo, reconhece-lo ao ponto de

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enxergar suas estruturas de forma ativa, não congeladas no tempo e na história. As narrativas de sua arquitetura, sua morfologia urbana e a paisagem construída no tempo e na história são, ao fim e ao cabo, subsídios para se estudar o passado de Itapina, ao mesmo tempo que servem para projetar seu futuro11.

3.1.

O CONTEXTO HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO DO VALE DO RIO DOCE

3.1.1 Do mitológico caminho às esmeraldas até o fim do ciclo do ouro O surgimento do histórico distrito de Itapina está vinculado à própria história da ocupação norte do território do Espírito Santo, em especial, a região do Vale do rio Doce que, desde os tempos coloniais, era a sonhada rota de conquista e escoamento fluvial para as riquezas das Minas Gerais (Figura 20). Já em 1573, Sebastião Fernandes Tourinho, no relato de Daemon12 , encontra a foz do rio Doce ao descer da Bahia e adentrar o rio, em busca de riquezas minerais: [...} parte dali com alguns companheiros e dirigindo-se diretamente ao rio Doce até encontrar com um braço do mesmo, a que os indígenas davam o nome de Mandij, ou Mandigi; aí desembarcando, fez por terra o caminho de 120 quilômetros em rumo LS, indo esbarrar em uma grande lagoa que julgamos ser a Juparanã. Ou porque os barcos em que veio fossem destruídos, ou por serem de grande calado, o fato é que com os companheiros construiu na volta quatro grandes canoas das cascas das árvores, podendo algumas conter 20 homens, e subiu pelo rio Doce e tomou o braço a que os indígenas chamavam Aceci, aí saltou em terra e com rumo de norte internou-se nas matas, tendo em suas

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No mês de maio de 2018, foi apresentado ao Comitê de Extensão e Pesquisa das Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ) o projeto “Itapina, Colatina (ES): Uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar”, onde se propõe desenvolver projetos de intervenção urbana e arquitetônica para Itapina, a partir das premissas da resolução de tombamento para o seu sítio histórico. O projeto de extensão apresentado envolve alunos e professores de vários cursos da FAACZ, além de uma série de parceiros externos e toda a comunidade de Itapina, buscando-se pensar o distrito de forma integrada quanto ao desenvolvimento social, ambiental, econômico e de mobilidade urbana, religando-a histórica e simbolicamente a Cidade de Colatina. 12 Ver também em Daemon a nota 102, p. 143 que corrige a data apresentada pelo mesmo em seu texto de origem.

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investigações encontrado grande abundância de ouro, esmeraldas e safiras, perto de uma serra que tem ainda hoje o nome de serra das Esmeraldas; e continuando a viagem chegou até Minas Gerais e seguindo depois o curso de diversos rios desceu o Jequitinhonha e por ele foi seguindo até a Bahia; ali então apresentou-se Sebastião Tourinho ao governador a quem relatou a sua viagem e as descobertas que havia feito (DAEMON, 2010, p. 143) . Figura 20 – Mapa da Capitania do Espírito Santo até a ponta da Barra do Rio Doce, ano de 1626. Possui a seguinte legenda original: “Demostração da Capitania do Espirito Santo até a ponta da Barra do rio doçe no qual parte com Porto Seguro. mostraçe a Aldea dos Reis magos que admenistrão os padres da Companhia. E do ditto rio pera o Norte Corre a Costa como se mostra ate o rio das Caravelas tudo despouoado Com muitos Portos pera Navios da Costa E muitas matas de pao Brasil. Mostraçe pelo rio doçe o caminho que se faz pera a Serra das esmeraldas pasando o rio Guasiçí e maes avante das Cachoeiras o rio Guasiçi miri. E maes avante Como se entra no rio Vna e delle Caminhando pouca terra se entra na lagoa do ponto E da qual dezenbarcão e sobem á serra das Esmeraldas tudo comforme á viagem que fez Marcos dazevedo”. No centro, o rio Doce com a lagoa Juparanã e ao fundo, a tão esperada Serra das Esmeraldas.

Fonte: SPIRITOSANCTO, 2018

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A busca de metais e pedras preciosas estava inscrita em mitos e relatos de aventureiros e religiosos (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 7-8) que viam no novo continente o lugar de incontáveis riquezas minerais, à parte das riquezas naturais já encontradas e rapidamente exploradas e levadas para a Metrópole portuguesa. Além deles, lendas indígenas ligavam o rio Doce ao caminho natural dessas riquezas localizadas na mitológica Serra das Esmeraldas, ou “Sabarabuçu”: Contavam os índios a história de uma serra localizada a leste da cordilheira do espinhaço que despejava no rio pedras de cor amarela, uma montanha resplandecente chamada por eles de ‘Sol da Terra’. No rastro da lenda, apenas cinquenta anos após a chegada dos portugueses, partiu a primeira expedição para o coração do sertão, comandada pelo castelhano Felipe Guillém (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 8)

Daemon ainda relata uma nova expedição, criada logo após a comandada por Sebastião Fernandes Tourinho, a mando do então governador das províncias do norte, Luís de Brito (DAEMON, 2010, p. 144), com o intuito de confirmar os relatos do primeiro. Comandada agora por Antônio Dias Adorno, essa nova expedição sobe “o rio Caravelas com cento e cinquenta homens de comitiva e mais quatrocentos índios e escravos” (DAEMON, 2010, p. 145) em direção à Serra das Esmeraldas, e após encontros com índios locais, o que Adorno encontra, na verdade, são turmalinas de cores verdes e azuis (DAEMON, 2010, p. 145), ao invés das tão preciosas esmeraldas. Nos dois séculos seguintes, o rio Doce ainda é alvo de entradas e bandeiras e a descoberta de diamantes em sua cabeceira e do rio Jequitinhonha, e ouro na Serra do Espinhaço (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 10-11), transforma a rota do rio Doce proibida, escoando as riquezas encontradas em Minas Gerais pelo Rio de Janeiro, desviando-se através da estrada conhecida como Caminho Novo de Garcia Rodrigues Paes (Figura 21). Essa estrada será por fim, segundo Araripe (1954, p. 42), base para a estrada de ferro, inaugurada por D. Pedro II em

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1854, que ligava o Rio de Janeiro às Minas Gerais, a exemplo de outras estradas de penetração do território brasileiro no período colonial, que se transformaram, a partir de meados do séc. XIX, nos trilhos do trem13. Figura 21 - O Caminho Novo, que ligava às Minas ao Rio de Janeiro

Fonte: ANTONIL, 1837, prancha VI

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Segundo Araripe: “Calógeras observou que no traçado da Estrada de Ferro D. Pedro II, inaugurada em 1854, ainda hoje avultam, na linha do Centro, ‘os detalhes da estrada aberta por Garcia Rodrigues Pais, através da Mantiqueira e Serra do Mar’ e no ramal de São Paulo, ‘as balizas do caminho que de Taubaté ia às Minas Gerais dos Cataguás’. O mesmo se observa na antiga Grão Pará (hoje da L. R.), onde se refaz em alguns trechos o caminho trilhado pelo bandeirante”, e ainda completa o autor, citando Calógenas: “São ainda de Calógeras: ‘A solução moderna teve a sua origem na intuição antiga. O Engenheiro contemporâneo obedeceu ao instinto dos antigos autóctones. Variaram apenas as necessidades a satisfazer e os meios de realizar os projetos’" (ARARIPE, 1954, p. 42).

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Os primeiros registros cartográficos do rio Doce aparecem já quase trintas anos antes de sua primeira exploração, em 1540, nos mapas do cartógrafo português Jorge Reinel (DANGELO, 2002, p. 10) e seguirá assim nomeado nos mapas seguintes que o representam. Não se sabe, porém, a origem de seu nome, já que dentro do costume da época das navegações, os acidentes geográficos eram nomeados com os santos do dia14. E muito menos se a origem é indígena: para os índios Aimorés, que ocupavam o interior das terras do rio Doce ele era conhecido como “’Vá-tu’, que no tronco no linguístico Macro Gê, significa algo como a ‘grande queda’” (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 8), mas para os índios do litoral, de origem Tupi, segundo Dangelo, ao contrário, nem nome davam, como deram, por exemplo, para outros rios da costa capixaba, como o Cricaré, Piraquê-açu e o Jucu (DANGELO, 2002, p. 12). Mas, o que aproxima alguns autores é a possibilidade do nome do rio Doce vir de seu encontro com o mar, na foz na região de Regência, onde mesmo à milhas de distância, mar adentro, encontra-se água “doce” como explica Dangelo: Segundo alguns registros, um extenso cordão de areia cobre a boca do rio dando-lhe um sentido norte-sul, “que impede o embate frontal das águas do rio com o mar e a maré não se faz sentir próximo a foz”. Essa é também a razão pela qual, à distância, não é fácil reconhecer a desembocadura do rio. Em 1883, Luiz D’ Arlincourt dizia: “... não obstante o fluxo do mar elle corre sempre para fora, conservando-se a água doce até nos esganadouros, mesmo nas marés grandes” (DANGELO, 2002, p. 12)

E ainda, um importante fato histórico liga a região do rio Doce à capital Vitória, desde os tempos coloniais, como bem lembra o autor: Já em 1573, uma das primeiras referências ao rio foi exatamente o naufrágio de uma embarcação com cinco padres e dois irmãos da Companhia de Jesus, em 28 de abril, quando viajavam para o norte. Tendo perdido tudo, os náufragos retornaram à Vila de Vitória e, segundo o relato de um deles, Inácio Tolosa, foi durante essa longa permanência que os jesuítas deram início à construção de sua imponente igreja "de mais de cem 14

Como fizera Américo Vespúcio em 1501, Segundo Dangelo, ao percorrer a costa brasileira em suas caravelas a mando de D. Manoel e “reconhecer o valor e tensão das novas terras” (DANGELO, 2002, p. 9), e nomear vários rios desse modo, mas, sem haver registrado o rio Doce em seu mapeamento.

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palmos de comprido, fora a capela, e quarenta e cinco de largo", como informa em carta citada por Serafim Leite (HCIB, I, 222). No século XVI, depois de 1550, nos mapas mais antigos, o que ficou do Rio Doce foi um pequeno risco, de poucos milímetros, se tanto. Pouco, muito pouco, para um rio de quase 900 km de extensão, chamado o "Nilo Brasiliense” (DANGELO, 2002, p. 14).

Essa imponente igreja é na verdade o antigo prédio jesuítico do Colégio e Residência de São Tiago, em Vitoria, hoje o atual Palácio Anchieta, como visto no Capítulo II (ver subcapítulo 2.1). O vínculo entre esses dois fatos históricos - o acidente na foz do rio Doce15 com a embarcação dos padres jesuítas e a construção do prédio de São Tiago, em Vitória - ultrapassa a casualidade desse quase trágico naufrágio: a antiga edificação jesuítica constitui um dos exemplares arquitetônicos que a Ordem missionária dos jesuítas implantou em terras brasileiras (DIAS, 2014, p. 92). Seus edifícios religiosos, principalmente os conjuntos arquitetônicos voltados para a catequese e o ensino, não se definiam apenas por sua arquitetura, mas, sobretudo, como estruturas urbanas que fizeram parte ou deram início a vários núcleos urbanos brasileiros (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 168; SANTOS, 1966, p. 34-35). Foram importantes, como explica Reis Filho, para a “manutenção de um quadro urbano permanente” (REIS FILHO, 1968, p. 178) nas cidades onde se implantaram, na medida em que seus clérigos e agregados criaram um amálgama de atividades econômicas, religiosas, culturais e educacionais sempre constantes nestes primeiros núcleos urbanos brasileiros: “Eles desdobravam-se, não havendo ao longo da costa povoação em que não tivessem erguido um de seus estabelecimentos” (SANTOS, 1966, p. 38).

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Em 1949, o capixaba Rubem Braga ainda relatava em suas crônicas as dificuldades de se atravessar de barco a motor – “os mil cavalos de nossos dois motores se esbofam à toa” - a região conhecida como Barra do rio Doce, localizada na foz do rio. Em suas crônicas cita a impressão de vários viajantes ilustres que percorreram o rio Doce no século XIX, que relataram suas impressões sobre o rio, sua fauna e flora e, a força da correnteza de sua foz. E a figura de um dos mais famosos naufrágios da região, o do cruzador Imperial Marinheiro, em 1887, que teve na figura heroica do Caboclo Bernardo o salvador de toda a tripulação à deriva. Ver em especial: BRAGA, Rubem. Crônicas do Espírito Santo. São Paulo: Global, 2013.

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Sua arquitetura, por fim, em uma tipologia de pátio em quadra, ou pátio-quadra jesuítico (DIAS, 2014, p. 184), assume escalas urbanas ao longo de sua construção, por quase dois séculos, na antiga Vila de Vitória. Esse grande edifício religioso e sede de sucessivos governos posteriores, participará, como visto anteriormente, como um dos indutores do crescimento urbano da antiga vila colonial, atraindo e orientando a ocupação ao seu redor, assumindo um papel fundamental na construção da paisagem urbana que se constrói na então Vila de Vitória, em uma clara imagem da urbanística portuguesa dos primeiros séculos de colonização brasileira, marcada pela adaptação ao lugar através do relevo e por suas construções públicas, privadas e religiosas que definem essa paisagem. Em uma perspectiva histórica mais alargada, por quase três séculos, a colonização portuguesa da então Capitania do Espirito Santo resumiu-se à sua faixa litorânea em vilas esparsas16 (Figura 22), sendo a Vila de Vitória sua sede administrativa, seu “principal entreposto comercial e varejista” (CARVALHO, 2010, p. 25), a partir de seu antigo porto de comércio, embarque e desembarque, no sopé da Ilha de Vitória. Vitória foi, historicamente, uma das primeiras quatorze vilas fundadas pelos portugueses (AZEVEDO, 1994, p. 24)17 em sua estratégia de ocupação do território brasileiro a partir de meados do século XVI (Figura 23).

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Segundo Daemon, já em 1612, “é levantada neste ano a primeira carta geográfica desta então capitania, por Marcos de Azevedo, que por ela viajou naquelas eras; nesta carta são demonstrados todos os lugares povoados, havendo, no entanto, faltas, pois que só dá como povoações a Vitória e Reis Magos, quando já existia a vila do Espírito Santo, havendo grandes povoações em Guarapari, Benevente e São Mateus, não falando em Santa Cruz, Serra e Piúma, então Orobó” (DAEMON, 2010, p. 162). 17 As quatorze primeiras vilas coloniais foram, segundo Azevedo: Igaraçú (1536) e Olinda (1537) em Pernambuco; Natal (1599) no Rio Grande do Norte; Porto Seguro (1535), São Jorge dos Ilhéus (1536) e Santa Cruz (1536), na Bahia; São Cristovão (1590) em Sergipe; Espírito Santo (1551) e Nossa Senhora da Vitória (1551) no Espírito Santo; São Vicente (1532), São Paulo (1545), São Paulo de Piratininga (1558), Nossa Senhora de Itanhaém (1561) e São João Batista da Cananéia, em São Paulo; além de três cidades, sendo a cidade de Salvador da Bahia de Todos os Santos (1549), na Bahia; a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (1565, em definitivo em 1567) no Rio de Janeiro e a cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves (1585), na Paraíba.

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Figura 22 -Mapa feito por João Teixeira cosmographo de Sua Magestade, indicando as localizações do Porto do espírito Santo à Ponta do rio Doce (à direita). Ano de 1640.

Fonte: SPIRITOSANCTO, 2018

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Figura 23 – Sequência de mapas da ocupação territorial do Brasil colonial (Séc. XVI à 1822), com as manchas de urbanização do território e principais vilas e cidades. Nota-se o início da colonização portuguesa pela borda marítima do Atlântico ao longo do primeiro século de colonização, e a expansão urbana e ocupação territorial avançando pelo interior brasileiro a partir do séc. XVII.

Fonte: AZEVEDO, 1994, p. 28, 36, 46, e 54, respectivamente. Mapas unificados para esse trabalho.

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Essa estratégia garantia, ao mesmo tempo, a soberania sobre o território conquistado perante aos outros reinos além-mar, como Espanha, Inglaterra e França, como também, criava a primeira linha de defesa, aperfeiçoada ao longo dos séculos seguintes, contra as invasões e ocupações do sertão brasileiro, onde se esperava encontrar ouro, prata e pedras preciosas. As entradas ao sertão e interior brasileiros começam somente no século seguinte à chegada portuguesa, e o tão sonhado ouro, só é descoberto nos finais do século XVII, mudando de vez, a lógica colonizadora portuguesa. O foco era agora a ocupação desse interior, onde vaqueiros, bandeirantes e toda sorte de gente começa a se aventurar pelo planalto brasileiro, ultrapassando os obstáculos naturais e avançando pelos rios a dentro. Foi um processo lento e gradual, onde a Coroa Portuguesa estabeleceu as primeiras diretrizes urbanas das vilas que iam surgindo por sua ordem ou pelas primeiras ocupações que mineiros e desbravadores construiriam em seu caminho. Nesse ínterim, a antiga Capitania do Espírito Santo por conta de sua posição estratégica a frente do território mineiro tem seus acessos às Minas proibidos (Figura 24), desde 1710, pelo Governador Geral da Capitania do Espírito Santo, e a Vila de Vitória, a partir do mesmo século, recebe uma série de novas fortificações de defesa se tornando um bastião de proteção, uma “cabeça-de-ponte” (SOUZA in SOUZA e RIBEIRO, 2009, p. 187), para o que havia sobrado de riqueza no interior do território. Esse processo de isolamento do Espírito Santo, proibido de se desenvolver por força das circunstâncias, vai afetar a ocupação de seu território até o início do séc. XIX, em detrimento ao florescimento interno das vilas e do território das Minas Gerais e sua ocupação populacional: Enquanto Minas Gerais participava intimamente dos rumos nacionais, produzindo riquezas, aproximando pessoas, miscigenando raças, fazendo política, o Espírito Santo vivia um longo período de deliberado alienamento estratégico, decisões trágicas que criaram uma lacuna no mapa, um lapso na memória brasileira (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 7).

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Figura 24 – Segundo a legenda de Oliveira: “Este mapa – copiado por Breno Dias Fernandes, com algumas modificações, da Geografia e História do Espírito Santo, de Miguel A. Kill – mostra, à perfeição, o drama do que se poderia denominar a formação territorial do Espírito Santo. A proximidade das minas gerais não lhe permitiu conquistar o próprio território, estabelecido na carta de doação. Impossibilitado de marchar para o Oeste, as áreas proibidas limitaram-lhe a capacidade de expansão, impondo-lhe o papel de barreira protetora do hinterland cobiçado pelo estrangeiro. Os vários detalhes do risco realçam outras tantas figurações que a imaginação do observador pode construir”.

Fonte: OLIVEIRA, 2008, p. 187

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O status de barreira às Minas Gerais, seguido da histórica luta contra os índios, principalmente os Botocudos no norte, e a inaptidão de uma série de Capitães-mores no governo da Capitania, ao longo do século XVIII, não ajudou em nada a “quase extinta Capitania do Espírito Santo”, nas palavras de D. João VI ao Govenador da Bahia (OLIVEIRA, 2008, p. 231)18, a quem o Espirito Santo era subordinado19. De um lado, a reduzida Capitania capixaba, perdendo no século XVIII parte de seu território ao norte, do que seria hoje a cidade de São Mateus, para a Capitania de Porto Seguro; de outro, os índios que ainda nesse momento ocupavam grandes extensões de mata a dentro do território capixaba, mantendo a população restrita à faixa litorânea em cinco Vilas20; fatos esses que se aliaram ao desleixo administrativo dos que governaram a Capitania do Espírito Santo - “confiada até agora a ignorantes e pouco zelosos capitães-mores” 21, seguindo D. João VI na citação de Oliveira (2008, p. 231).

18

Ver em especial: OLIVEIRA, 2008, p. 231, nota 68, sobre a fala de D. João VI. Como explica Oliveira: “Como todas as antigas donatarias e mais as capitanias criadas depois de D. João III, o Espírito Santo, no fim do século XVIII, pertencia à Coroa. À frente de seu governo, encontrava-se um capitão-mor-governador, subordinado aos governadores e capitães-generais da Bahia. Na prática, o princípio nem sempre vigorava”. (OLIVEIRA, 2008, p. 249-250) 20 Foram elas, a Vila da Vitória, a principal vila da Capitania e sede de seu porto e atual cidade de Vitória e capital do Estado Espírito Santo; a Vila do Espírito Santo, atual cidade de Vila-Velha; a Vila de Guarapari, uma das principais cidades turísticas do estado, a Vila de Nova Almeida, pertencente atualmente a cidade da Serra e Vila de Benevente, hoje, cidade de Anchieta. A administração dessas vilas, dentro da organização colonial, era feito pelas câmaras através de representantes eleitos pelos moradores locais (OLIVEIRA, 2008, p. 250). 21 O cargo de Capitão-mor foi extinto por Dom João VI, ainda enquanto Príncipe Regente, através de decreto no final do séc. XVIII (CARVALHO, 2010, p. 46). Os novos governantes das capitanias, escolhidos pela Coroa, são denominados Governadores, designação essa que se mantém até a Independência do Brasil, em 1822. Com a independência, as Juntas Provisórias elegem os novos governantes, passando a ser designados Presidentes de Províncias (CARVALHO, 2010, p. 57), mudando-se, além disso o status físico e político dos territórios administrativos do Brasil. 19

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Em um século de exploração maciça das minas de ouro e outros minerais e pedras, estagnou sua produção22, ao mesmo tempo em que se começou a repensar as proibições de navegação pelo rio Doce através de atos régios da Coroa portuguesa. Decisões essas, onde a mais importante foi a militarização estratégica do território do Espírito Santo. Até finais do século XVIII, o status quo de barreira às Minas não mudou para a Capitania do Espirito Santo. Em 1773, como explica Oliveira, “o Real Erário expedia uma ordem ao governo de Minas proibindo que qualquer pessoa, sob pretexto algum, passasse pelo rio Doce” (OLIVEIRA, 2008, p. 260). Ao mesmo tempo, Carvalho aponta que essas proibições sobre o território capixaba não foram de todo eficientes, já que as proibições se limitaram ao interior da capitania, ficando o litoral ainda habitado, e, além do mais, essas não foram capazes de impedir o “trânsito de pessoas e mercadorias entre as duas capitanias, seja via Rio Doce, seja pelos caminhos terrestres” (CARVALHO, 2010, p. 48), caracterizando por fim, o conjunto de leis contrárias ao comércio por essa região mais como “ineficácia administrativa” na sua fiscalização (CARVALHO, 2010, p. 48). Em 1800, o primeiro Governador da Capitania do Espírito Santo (CARVALHO, 2010, p. 49), Antônio Pires da Silva Pontes assume o governo com a grande responsabilidade de abrir as comunicações com a Capitania de Minas Gerais pelo rio Doce, dada a ele pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, D. Rodrigo de Souza Coutinho, o Conde de Linhares.

22

O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, em sua segunda visita ao Espírito Santo em 1818, ao percorrendo o rio Doce relata a premente estagnação das minas e terras das Manas Gerais: “[...] já no fim do seculo 18 os mineiros lastimavam o esgotamento de suas minas e o de suas terras em cultura” (SAINT-HILARE, 1936, p. 178), sendo portanto, a doação de “novas florestas” pelo governador da província mineira, Dom Rodrigo José de Menezes, uma solução possível e política para as “lamentações dos seus administrados” (SAINT-HILAIRE, 1936, p. 178).

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Em pouco tempo de governo (1800-1804), enfatiza a importância da militarização do território da Capitania, ao criar o Corpo de Pedestres, o primeiro destacamento militar da Capitania e manda anda edificar uma série de quarteis ao longo rio Doce, cobrindo o que seria hoje, a sua foz em Regência, no município capixaba de Linhares, até a cidade mineira de Aimorés, vizinha a Baixo Guandu, na divisa com o Espírito Santo, com o “firme propósito de abrir um caminho fluvial pelo rio Doce até Minas Gerais, iniciar a povoação de suas margens e criar destacamentos militares para proteger essas finalidades” (ZUNTI, 1982, p. 40). Em seu ousado projeto de ocupar até então a grande área ao norte da capitania ainda despovoada, o Governador Silva Pontes, redefiniu os limites da Capitania do Espírito Santo com Minas Gerais, tendo o rio Doce como divisor, e estabeleceu com a construção dos quarteis ao longo do rio, a possibilidade do comércio e o correio fluvial com as Minas Gerais, ligando-a ao mar, mas, principalmente, a fiscalização desse mesmo comércio, bem como do ouro e das pedras preciosas ainda retiradas das minas e a defesa contra os índios Botocudos (OLIVEIRA, 2008, p. 260261; PONTES, 1999, p. 19).

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Figura 25 - A planta cadastral do rio Doce e afluentes, de Silva Pontes, em seu levantamento de 1800.

Foram erguidos os quartéis (Ver Figura 27) de Regência Augusta na foz do rio Doce, nome em homenagem ao Príncipe Regente D. João (depois, D. João VI); o quartel de Coutins que daria não muito tempo mais tarde, origem ao povoado de Linhares; o de Pancas, na foz do rio de mesmo nome; mais dois quartéis, subindo o rio Doce, sendo o de Porto de Souza, localizado na região de Mascarenhas (ZUNTI, 1982, p. 40), em Baixo Guandu, e o de Lorena, nomeado em homenagem ao “capitão--general de Minas, Bernardo de Lorena”, segundo Daemon e, por último, o quartel de Anádia localizado na foz do rio de mesmo nome com o rio Doce (ZUNTI, 1982, p. 39-40; DAEMON, 2010, p. 264; PORTUGAL, 2018, p. ?). E ainda como parte do processo de domínio dessa área ainda despovoada, Silva Pontes, “Doutor em Matemática pela Universidade de Coimbra, lente da Academia de Marinha de Lisboa, geógrafo experimentado em missão de relevo no Brasil” (OLIVEIRA, 2008, p. 260), sobe o rio Doce e através de suas atribuições de cartógrafo e geógrafo, faz o levantamento do rio e seus afluentes da foz, em Regência até a Cachoeira das Escadinhas, em Baixo Guandu (Figura 25 e Figura 26).

Fonte: BIBLIOTECA DIGITAL LUSO-BRASILEIRA, 2018

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Figura 26 – As corredeiras da Cachoeira das Escadinhas, em Baixo Guandu, provavelmente nas primeiras décadas do séc. XX

Fonte: IBGE, 2018.

Na intenção de povoar a região, Silva Pontes propõe, em carta enviada ao Conde de Linhares em 1800, conceder sesmaria para os “Povoadores do Rio Doce” (POINTES, 1999, p. 32) para a agricultura, principalmente na área da margem sul do rio, região que se estendia, segundo Pontes em português característico da época, “desde asua foz no Occeano, athé aprimeira Serra” (PONTES, 1999, p. 32) em terras apropriadas pera cultivo pelo seu relevo mais plano e mata mesmo cerrada, do que na margem oposta (PONTES, 1999, p. 32). Não poderia, pois, contar com a população da própria colônia, já que como explica na Pré-memória do seu governo, em texto de 1802, A Gente desta Província, se acha toda acomodada, lavrando algodão, e algum assucar, e milhos, com a venda dos quaes gêneros, que exportão para a Bahia, e Rio de Janeiro, suprem as necessidades do Vestuario Europeo, sendo-lhe suficiente a farinha de Mandioca da Provincia, e o peixe

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da sua Costa para se manterem; e sendo rodeada de Gentio Inimigo todo o perímetro da Colonia, desde a Barra do Rio Doce, athe o da Barra da Parahiba do Sul, não se entrarão os Colonos para o Centro do Sertão; além de que pella Riqueza da pesca nos baixos fundos, e esárceis do occeano, e das grandes kagamares, e lamedoens, que acompanhão a Costa, não se Retirão já mais das suas Vizinhanças e se estão desputando sobree Indivisos huns com outros, em Continuo litigio, mas nunca deliberando-se a hir formar estabelecimento, onde os mattos estão sem dono, e abundancia abandonada ao Corpo do Gentio (PONTES, 1999, p. 55-56).

Porém, em seus quatros anos à frente do governo da Capitania, Pontes não conseguiu lograr êxito em seu projeto de povoar a região do rio Doce, no máximo, estabelecer a militarização da região, preceito básico da época para as primeiras povoações. Em seu lugar, assume em 1804 o novo governador, Manuel Vieira d’Albuquerque e Tovar, com a mesma demanda de seu antecessor. Mas, enfrentando maiores dificuldades pessoais na administração do governo e, em especial do povo da Capitania contra o próprio 23, só começa a efetivar a ocupação da região norte, pelo rio Doce, após a chegada e instalação da Família Real no Brasil, em 1808. Nos anos seguintes, o rio Doce receberia uma série de novos quartéis, tanto do lado mineiro como do lado capixaba, que comporiam divisões militares (DMRD) com o objetivo de “dar segurança à navegação, combater os índios e promover o povoamento” (ESPINDOLA, 2018, p. 53). Esses quartéis, ou DMRD (Figura 27), estavam reunidos sob a jurisdição da Junta Militar de Conquista, Civilização dos índios, Colonização e Navegação do Rio Doce (ESPINDOLA, 2018, p. 56), os quais possuíam funções bem definidas na proteção do rio: O Quartel de Mombaça (4ª DMRD) tinha a incumbência específica de patrulhar o rio na direção do Quartel de Belém e, principalmente, do rio acima, até a barra do Rio Casca, porque era nesse trecho que os índios botocudos atravessavam o rio para atacar os colonos de São Domingos do Prata. O Quartel de Baguari (1ª DMRD) patrulharia o curso do rio até o Quartel da Cachoeira Escura e, a jusante, até o primeiro Quartel da 6ª DMRD, abaixo da barra do Suaçuí Pequeno, na Cachoeira de Figueira. As margens do Rio Doce ficaram guarnecidas por 203 divisionários, da

23

Ver em especial: OLIVEIRA, 2008, p. 266-269

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barra do Rio da Casca até a Cachoeira das Escadinhas, onde ficava o Quartel de Lorena, da 6a DMRD. A 3ª DMRD formou uma linha de cooperação, controlando os afluentes do lado direito, enquanto a 5ª DMRD controlava os afluentes da margem esquerda, somando, todas as cinco divisões, 358 homens (ESPINDOLA, 2018, p. 56). Figura 27 – Conforme legenda original da imagem, quanto aos quartéis da região norte e rio Doce existentes ao longo do séc. XIX: 1 – Primeiro Quartel de Linhares/2 – Quartel do Porto de Souza/3 – Quartel de Regência/4 – Quartel de Anadia/5 – Segundo Quartel de Linhares/6 – Quartel de Aguiar/7 – Quartel de Comboios/8 – Quartel do Riacho/9 – Quartel de Mansarás/10 – Quartel de Aviz. Os quartéis apresentados na figura são somente os localizados do lado capixaba.

Fonte: MARINATO, 2007, p. 29.

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Figura 28 – Conforme legenda original: “Mapa das nações indígenas existentes no Espírito Santo durante o século XIX”

A presença dos índios - Botocudos ao norte e os Puris ao sul (Figura 28) - era um dos fatores primordiais, nesse momento da história da Capitania capixaba para o desenvolvimento de seu território, através da colonização de vastas áreas ainda vazias desde o começo da história capixaba e brasileira. A presença dos quartéis na região do rio Doce era uma das formas de se conter a presença dos índios Botocudos e seus ataques constantes aos que teimavam em ocupar sua região de origem. Desde a Carta Régia de doze de maio de 1798, a Coroa portuguesa deixa clara sua intenção quanto aos índios brasileiros, ao torna-los iguais aos colonos e parte do Império. No mesmo ano, segundo Oliveira (2008, p. 263), o Conde de Linhares envia cópia para o Governador Silva Pontes (antes ainda de assumir oficialmente o cargo em terras capixabas) solicitando que a mesma seja atendida quanto a equiparar os índios aos “demais vassalos da monarquia portuguesa”, dando-lhes terras por aforamento, como explica Oliveira (2008, p. 263).

Fonte: EHRENREICH, 2014, p. 23

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Mas, dez anos mais tarde, após a Família Real aportar no Brasil o “paternal interesse pela sorte dos silvícolas brasileiros” (OLIVEIRA, 2008, p. 263), dado pela Coroa desde a Carta Régia de 1798, termina em favor de interesses maiores agora. A partir da Carta Régia de 13 de maio de 1808, é declarada “guerra” contra os índios Botocudos, com o único e exclusivo objetivo de se conquistar mais terras no interior do vale do rio Doce, como explica Moreira: Por intermédio da carta régia de 13 de maio de 1808, foi deflagrada «guerra ofensiva» contra os índios botocudos do rio Doce (que atravessava as capitanias de Minas Gerais e do Espírito Santo) e, além disso, foi permitido o cativeiro indígena por dez anos ou enquanto durasse a «fereza» e a «antropofagia» entre eles (Doc. 1 apud Cunha 1992). Na carta régia datada de 2 de dezembro do mesmo ano, os territórios conquistados foram qualificados de devolutos, afirmando-se a intenção de colonizar o vale graças à guerra e à distribuição de sesmarias aos novos colonos (Doc. 2 apud Cunha 1992) (MOREIRA, 2018, p. ?).

A chegada da Família Real ao Brasil, em 22 de janeiro de 1808, fugida da invasão napoleônica, além de trazer toda a burocracia do Império para sediar na antiga colônia, modifica a dinâmica em torno da colonização do interior do Brasil, em especial as áreas ainda desocupadas pela mão do homem branco, como era o caso do vale do rio Doce. A partir disso, então, a colonização entra em um processo de aceleração para garantir e manter o novo status do antigo Brasil Colônia, agora sede do Império português, como explica Moreira apoiada em outros autores: Ao explicar a política «anti-indigenista» joanina, Carlos de Araújo Moreira Neto apresentou dois cenários fundamentais. O primeiro é o novo panorama econômico do século XIX, quando a ampliação das fronteiras agrícolas implicou a desocupação, via de regra violenta, dos territórios sob o domínio de diferentes grupos e povos indígenas. A historiografia confirma, de resto, a tese do autor, pois a vinda da corte portuguesa para o Brasil incrementou ainda mais a interiorização da metrópole na colônia, tal como argumentou Maria Odila Dias (1972), incorporando e integrando novos territórios à dinâmica da economia colonial. Desse ponto de vista, a guerra e a conquista dos territórios indígenas do Espírito Santo e de Minas Gerais fazem parte do movimento de reorganização do abastecimento comercial da corte implantada no Rio de Janeiro e desintegração econômica do Centro-Sul. O segundo cenário apresentado pelo autor é o político-militar. Na conjuntura conturbada daquele

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momento, a política «anti-indigenista» joanina se apresentava como uma espécie de reação às idéias liberais, revolucionárias e democráticas. Carlos Moreira Neto balizou essa hipótese com a citação da «Memória sobre a civilização dos índios e a distribuição das matas», redigida, em 1816, pelo desembargador José da Silva Loureiro. Nesse documento, ponderava-se abertamente a «[...] possibilidade de uma rebelião em cadeia que, começada entre grupos indígenas autônomos, se estendesse depois aos escravos, mestiços e brancos pobres, podendo chegar, eventualmente, como estava acontecendo em toda a América Espanhola, a uma revolução incontrolável que terminasse pela independência e a República» (Moreira Neto, 1971, 348). Carlos Moreira Neto observou ainda que, em outras fontes históricas do período, a mesma «[...] suposição é alimentada e talvez por ela se possa, em parte, explicar a injustificável brutalidade da repressão dirigida contra pequenos grupos indígenas (MOREIRA, 2018, p. ?).

A Carta Régia de 1808, segundo Zunti (1982, p. 41), teve boa parte de sua motivação pelos sucessivos ataques dos índios na Capitania do Espírito Santo, principalmente após ataques na sequência ao quartel de Porto de Souza e ao de Coutins, destruindo totalmente esse último. Isso motivou ao Govenador Tovar subir o rio para averiguar as condições de segurança de sua navegação e, ao invés de reconstruir o quartel, manda erguer uma vila em seu lugar no ano seguinte, como assim descreve Francisco Alberto Rubim, sucessor de Tovar anos mais tarde em suas Memórias sobrea Capitania do Espírito Santo: Em Outubro de 1809 dèo a donominaçâo de Linhares ao logar em que se havia de levantar a povoação no Rio Doce, e estabe!eceo a linha de destacamentos contra o Gentio em toda a Capitania (RUBIM, 2003, p. 12)

A Povoação de Linhares (Figura 29), nome dado em homenagem ao Conde de Linhares (OLIVEIRA, 2008, p. 269; ZUNTI, 1982, p, 41), logo virou referência para os navegantes do rio Doce, parada obrigatória para os visitantes que vinham de Vitória e adentravam o rio pela sua foz, em

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direção às Minas Gerais. Relatos de vários ilustres visitantes24, desde 1810 dão conta de um pobre vilarejo de tetos de palha que se manterá assim, em sua simplicidade, até o princípio do séc. XX25. Figura 29 – Perspectiva da Povoação de Linhares, de 1819, e foto da mesma tirada por Eustyquio D’Olivierda, em 1910

Fonte: REIS FILHO, 2000/ARQUIVO PÙBLICO DO ESPÍRITO SANTO, 2015

24

Ver em espacial: ROCHA, Levy. Viajantes estrangeiros no Espírito Santo. Brasília: Ebrasa, 1971 Ver em especial Relatório Final da Pesquisa intitulada “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Linhares (ES)”, em desenvolvimento pelo Prof. Mestre Fabiano Dias, das Faculdades Integradas de Aracruz. 25

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Linhares é erguida aos moldes das últimas povoações do período colonial brasileiro, onde a geometria é tomada como princípio organizador e de composição estética do espaço edificado26. Uma vila que rodeia uma praça quadrada, se constituiu sobre o platô do antigo quartel, às margens do rio Doce, que segundo o naturalista francês Saint-Hilaire, em sua visita de estudos pelo rio Doce, em 1818, foi assim descrita: Só existem ahi choupanas; porem, são dispostas com symetria e desenham os 4 lados de uma praça perfeitamente quadrada, coberta de grama; na epoca de minha viagem, estavam acabando a egreja, que será muito bonita; ella occupa o centro, do lado norte da praça; é, entretanto, um pouco afastada das casas e atraz della as mattas formam uma cortina magnifica. Na frente da plataforma que se escolheu para nella se construir Linhares, aprecia-se uma vista imponente e bastante alegre. O rio corre magestosamente em baixo da villa, muitas ilhas se elevam no meio delle e do outro lado da margem se avista o engenho de Bom-Jardim rodeado de terrenos cultivados que contrastam com as florestas virgens. Posto que situada sopre a margem esquerda do Rio Doce, Linhares fórma uma parte integrante da província, do Espirita Santo” (SAINT-HILAiRE, 1936, p. 191).

O processo de criação desse povoado ao norte da Capitania capixaba se deve a dois fatores preponderantes quanto a organização espacial do seu território: Primeiro, ela se insere no bojo da (re) organização dos limites territoriais entre as Capitanias do Espírito Santo, Minas Gerais e Bahia, tendo o rio Doce como referência. O povoado de Linhares, pertencente ao então “districto do Rio Doce” estava assim, incluído em um território delimitado pelas três Capitanias, como descreve Rubin: Pela parte do N. o districto do Rio Doce está demarcado pelo sertáo com a Capitanía de Minas-Geraes (a) pelo Espigáo que corre N-S. entre os rios Guandu aguas vertentes o districto da Capitanía do Espirito-Santo, servido-lhe outro sim da parte do N. do Rio Doce de demarcação a serra

26

Ver em especial: DELSON, Roberta Marx. Novas vilas para o Brasil-Colônia: planejamento espacial e social no Século XVIII. Brasília: Ed. ALVA-CIORD, 1997.

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que está defronte do quartel do Porto de Souza. Beira-mar com a Capitanía da Bahia, não tem ponto determinado (b), ao S. fica a villa de Sáo Mttheus, e a S. d’esta o districto do Rio Doce (c) (RUBIN, 1840, p. 14).

Vale ressaltar, como visto anteriormente, que a Vila de São Mateus (ver Figura 30), nesse momento, não pertencia mais ao território do Espírito Santo, já que desde o ano 1722 havia passado para a Capitania de Porto Seguro. Fato esse, que Silva Pontes, em carta ao Conde de Linhares, ainda em 1801 solicitava a volta da vila para o território capixaba pela abertura das navegações do rio Doce e os empreendimentos realizados (e propostos) pelo seu governo para tal fim: E por quanto no Plano actual da abertura do Rio Doce, conservação de Parque Real de Madeiras, e Guardas, contra os Extravios de Ouro, ou Diamantes, que desção pelo Rio Doce, se faz muito útil anexar aquelle Povo á este Governo. E porque em Cumprimento das Reaes Ordens sobre este Artigo me foi preciso Collocar o Destacamento de São Fernando Portugal, na Barra Seca do Gyparaná, o qual sendo da Villa ou Suburbios dela fica muito próprio para guarda, sem o incómodo das despesas de municiar o Destacamento na Solidão e, que se acha. Portanto creio ser muito conveniente ao Real serviço unirse a Villa de São Matheos, como hé de sua origem pertencente a esta Capotania, e extenderse o Districto ao Rio Mocuri por Norte da Maregm dele, ou Ponta dos Abrolhos (PONTES, 1999, p. 46-47).

A situação somente mudaria um ano após a independência do Brasil, em 1823, por questões políticas da resistência baiana à independência, onde São Mateus com seu ativo porto desde a época colonial, serviu de importante bloqueio dos navios que desciam da província da Bahia ao serem aprisionados pelas tropas enviadas de Vitória. Após esse fato, São Mateus “Em janeiro de 1823, S. Mateus aclamou o novo soberano do Brasil e seus habitantes declararam-se sujeitos ao governo capixaba, atitude que um Aviso ministerial ratificou” (OLIVEIRA, 2008, p. 303)27.

27

Durante o Império, São Mateus será sede de uma das quatro comarcas da Província do Espírito Santo, que segundo Brás da Costa Rubim, em seu Dicionário topográfico da província do Espírito Santo, de 1862, era feita assim a divisão da Província capixaba: “A sua divisão civil é em 12 municípios, tendo 2 cidades e 10 vilas. Na divisão judiciária conta 4 comarcas, e termos judiciais independentes. As comarcas com os seus termos são as seguintes: Vitória, que compreende a cidade deste nome, e as vilas de Viana, Espírito Santo, Serra; Itapemirim, que

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Figura 30 - Vista do porto e da cidade de São Mateus por volta de 1920. Acervo: Fábio Pirajá

Fonte: MEMÓRIA CAPIXABA, 2018

Às demarcações de limites do Espírito Santo com Minas e Bahia, seguiram-se ordens dadas pela Carta Régia de 17 de janeiro de 1814, autorizando o governo a conceder terrenos de sesmarias. No mesmo ano, foi autorizado em 14 de setembro a abertura de estrada que rompesse o “sertáo intermedio d’esta Capitania com a de Minas-Geraes, ficando uma estrada de communicaçáo do Caxoeiro do rio Santa

compreende a vila do seu nome e as de Guarapari e Benevente; Reis Magos, que compreende as vilas de Santa Cruz, Linhares e Nova Almeida; São Mateus, que compreende a cidade deste nome e a vila da Barra de São Mateus” (RUBIM, 2018, p. ?).

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Maria, termo da villa de Victoria, a Villa-Rica da Capitania de Minas-Geraes” (RUBIN, 1840, p. 13), acabando-se com o embargo do Espírito Santo como barreira a região das Minas-Gerais28. E segundo, desde a Carta Régia de 12 de maio de 1798, estabelece-se, ao mesmo tempo destacamentos militares para a região, bem como os novos limites com a Capitania de Minas Gerais, retificados no auto de 08 de outubro de 1800 (RUBIN, 1840, p. 12) 29. A criação do povoado de Linhares, como visto anteriormente é, a exemplo, uma consequência da militarização desse território redesenhado, constantemente atacado pelos “gentios” locais, estabelecendo-se a partir dessa região, “uma linha de destacamentos” (RUBIN, 1840, p. 12) de defesa e controle da Capitania contra os índios Botocudos, bravios contra a presença estrangeira em suas terras. Ao mesmo tempo, com a liberação da comunicação entre o Espírito Santo e Minas Gerais, e a possibilidade do governo local de conceder sesmarias, houve a premente necessidade da presença do Estado na região, através dos quartéis e dos militares 30 para se garantir a segurança e o controle de novos colonos e do comércio que por ventura se instalasse aí. A criação desses destacamentos militares estabelece, por fim, a

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Parágrafo retirado da Pesquisa em andamento intitulada “Narrativas da Arquitetura Capixaba: Arquiteturas singulares, história e cidade. Linhares (ES)”, em desenvolvimento pelo Prof. Mestre Fabiano Dias, das Faculdades Integradas de Aracruz. 29 O auto será aprovado pelas duas Capitanias através da Carta Régia de 04 de dezembro de 1816 (RUBIN, 1840, p. 13). 30 Segundo Paraíso, a presença militar no rio Doce, parte da estratégia de ocupação da região se definia por funções bem específicas: “A necessidade de solução para esses entraves motivou investimentos massivos na abertura das rotas, com seus implementos complementares: a construção de presídios, quartéis e destacamentos e o aldeamento dos Botocudos, além de outros ligados a incentivos para a instalação de colonos. Pelo que se depreende dos documentos relativos ao rio Doce, entendemos que o presídio funcionava como o centro de decisões de uma divisão militar, local onde residia o maior contingente de tropas e os oficiais mais graduados; nos quartéis temos as estruturas intermediárias de decisão, ali residindo tenentes ou alferes e, excepcionalmente, um graduado inferior, como sargento e cabo. Os quartéis têm sob o seu controle alguns destacamentos. A estrutura física do quartel é mais complexa que a dos destacamentos e mais simples que a dos presídios. Finalmente, os destacamentos são estruturas menos complexas de poder e organização. Ali ficavam alocados poucos soldados e, excepcionalmente, graduados, ocupando, na maioria das vezes, uma simples cabana de palha” (PARAÍSO, 1992, p. 415-415).

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independência da Capitania capixaba da vizinha Bahia, pelo Decreto de 12 de setembro de 1810 (RUBIN, 1840, p. 12), dando-lhe maior autonomia no trato de seus problemas de segurança, vigia e controle militar do seu território31. Mas a ocupação do norte, às margens do rio Doce, não foi tão rápida e nem tão vigorosa como esperavam os governantes do Espírito Santo da época. São poucos os que sobem para se aventurar a ocupar a região das “áreas proibidas” (OLIVEIRA, 2008, p. 186, nota 9), agora a descoberto tanto pela abertura do comércio com as Minas Gerais pelo rio Doce, como, posteriormente, pela nova estrada proposta por Francisco Alberto Rubim, que assume o lugar de Tovar na Capitania em 1812, que ligaria Vitória à Vila Rica, mas, como explica Oliveira, “Apesar dos favores fiscais concedidos pela Coroa para o trânsito de mercadorias, a estrada nova do Rubim (Figura 31) não conseguiu atrair a preferência do comércio” (OLIVEIRA, 2008, p. 275)32.

31 Pelo relato de Rubin, sua ascensão

ao governo local em 06 de outubro de 1812 “com patente”, não foi mais sujeitada a anuência do Governador e Capitão-Geral da Bahia, como haviam sido seus antecessores, por doze anos (RUBIN, 1840, p. 13). Parágrafo idem nota 28 32 E ainda segundo Oliveira, “Obra custosa – iniciada em 1814, só em 1820 deu passagem à primeira boiada trazida das pastagens mineiras – exigia, para segurança dos viajantes contra os ataques dos botocudos, guarnições militares dispostas em quartéis que se intervalavam de três em três léguas [...] Em 1830, já era tão reduzido o movimento que o governo pôde retirar as guarnições que mantinha nos quartéis, abandonando os raríssimos tropeiros à própria sorte” (OLIVEIRA, 2008, p,. 275).

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Figura 31 – Segundo legenda original: “Ilustração baseada na “Planta da Estrada São Pedro d’Alcantara contendo os quarteis com as denominações dadas pelo Cel. Ignacio D. Duarte desde Vianna até o príncipe na margem direita do rio José Pedro.” Fonte: ESPÍRITO SANTO (Estado). Exposição sobre os Negócios do Estado – Jerônimo Monteiro, 1913. Traçado da Estrada do Rubim, a primeira iniciativa de interligação via terrestre entre a capital do Espírito Santo e Ouro Preto, em Minas Gerais (no sentido direitaesquerda).

Fonte: FRANCESCHETTO, 2014, p. 53

Ainda no governo de Tovar, em sua campanha de ocupar o rio Doce, começada no governo de Silva Pontes, este somente consegue levar para Linhares, às margens do rio Doce, o fazendeiro João Filipe du Pin Almeida Calmon, que deixando suas terras do sul capixaba com família, constitui fazenda – chamada de Bom Jardim – na margem oposta do povoado33. Os relatos da época dão conta de um comércio pouco expressivo na região ao mesmo tempo em que, em 1812, segundo Oliveira, as primeiras plantações de café do rio Doce já produziam para exportação (OLIVEIRA, 2008, p. 278). E ainda completa o historiador: “Aliás, o lote então 33 Ver em especial sobre a chegada

de João Filipe Calmon a Linhares: ZUNTI, Maria Lúcia Grossi. Panorama histórico de Linhares. Linhares: Prefeitura Municipal de Linhares, 1982, p. 42-44.

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vendido alcançou o preço de 3$000 por arroba. Só mais tarde, entretanto, lá para meados do século, a rubiácea alcançaria o lugar preeminente que vem mantendo no conjunto dos produtos que constituem a riqueza do Estado” (OLIVIERA, 2008, p. 278). Vale destacar que, a agricultura e a criação de animais capixaba, até então, se limitavam à faixa litorânea ou nas suas proximidades (CARVALHO, 2010, p. 142), sendo que sua produção estava voltada à subsistência, comércio e consumos internos tanto da Capitania como do Brasil-Colônia (CARVALHO, 2010, p. 143). Será, pois, o café34 uma das forças motrizes de transformação da região norte do Espírito Santo, a partir de 1850, com a vinda dos imigrantes de várias nacionalidades que chagarão ao rio Doce, ocupando suas margens capixabas, deixando de ser ele, por conseguinte, o histórico limite de ocupação dessa vasta área ao norte, denominada à época como “Mattas Desconhecidas” (ver Figura 32). Esse processo histórico de ocupação do rio Doce, acirrado ao longo do séc. XIX, deixará marcas indeléveis na paisagem dessas

outrora

denominadas matas desconhecidas, pois cobrará um alto preço em nome da expansão populacional, econômica e territorial do Espírito Santo.

34

Em dados colhidos por Carvalho, de 1790 a 1821 o café não chegava a 3% da produção da agricultura capixaba, enquanto a cana-de-açúcar, o algodão e a mandioca praticamente se igualavam em números, sendo os principais produtos de cultivo da Capitania do Espírito Santo; enquanto a pecuária, não chegava a atender toda a demanda interna, sendo necessária a “Capitania importar de outros portos o charque, como complemento da carne-verde produzida localmente” (CARVALHO, 2010, p. 151). Ver em especial: CARVALHO, 2010, p. 143-151.

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Figura 32 - Carta da província do Espírito Santo, de 1850. Escala 1:500.000. Lê-se no canto direito, após o rio Doce o texto “Mattas Desconhecidas”.

Fonte: BIBLIOTCA DIGITAL LUSO-BRASILEIRA, 2018

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3.1.2 Abertura do rio Doce para navegação, comércio, povoação e a chegada da civilização pelos imigrantes: primeiros impactos. Ao longo do séc. XIX, várias foram as tentativas de tornar o rio Doce navegável comercialmente, mesmo que as condições hidrográficas do rio nem sempre contribuíssem para tanto (ZUNTI, 1982, p. 66). A chegada da Família Imperial ao Brasil, em 1808, transforma a situação políticoadministrativa de sua antiga colônia (DANGELO, 2002, p. 80). Não era, pois, entranho pensar na situação unificada tanto da questão indianista do vale do rio Doce, quanto de sua ocupação e navegação comercial. Na lógica Imperial, o domínio dessa região ainda quase que totalmente inexplorada, desde as origens coloniais, era uma questão de estratégia política e territorial. Assim, a partir da Carta Régia de 1808, incrementada por cartas subsequentes (DANGELO, 2002, p. 80) estabelece-se a ocupação da região, enfrentando a presença dos índios Botocudos e estimulando o comércio pelo rio Doce, principalmente, através da criação da Junta de Conquista e Civilização dos Índios, do Comércio e Navegação do Rio Doce35 , como visto anteriormente. Antes da proeminência da produção do café na região do rio Doce, a jovem Povoação de Linhares do começo do séc. XIX torna-se, mesmo de forma ainda incipiente, um entreposto comercial de valia com a província mineira; comércio esse na época, segundo Saint-Hilaire, realizado através de “alguns mulatos de Minas Gerais”, que desciam o rio em pirogas para comprar sal nesse novo povoado capixaba, “ahi deixando queijo, toucinho, e outros gêneros de suas regiões” (SAINT-HILAIRE, 1936, p. 180). A possibilidade de comércio fluvial, demanda antiga e sempre sonhada para a região, estimula iniciativas de navegação pelo rio Doce: incentivadas tanto por essa demanda reprimida pelas primeiras

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Sobre a Junta, ver em especial: SILVA, Tarcísio Glauco. Junta de civilização e conquista dos índios e navegação do Rio Doce: fronteiras, apropriação de espaços e conflitos (1808-1814). 2006. 176 p. Dissertação (Mestrado em História Social das Relações Políticas do Centro de Ciências Humanas e Naturais) – Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006. Disponível em: < http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3415_Tarc%EDsio_Glauco_da_Silva.pdf >. Ver também ESPINDOLA, Haruf Salmen. A navegação do Rio Doce: 1800-1850. Disponível em: < http://revistanavigator.com.br/navig5/art/N5_art4.pdf >. Acessado em: 02 jul. 2018.

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ocupações ao longo do rio, bem como de novos produtos que começam a despontar e posteriormente a marcar a vida econômica da região como o café e o minério de ferro, e toda a logística fabril, de transporte e de comércio exterior ligados à sua produção. Em 1819, surge oficialmente a primeira iniciativa comercial de navegação pelo rio Doce, a partir de investimentos ingleses através da figura de Francisco Joaquim da Silva, que junto ao Imperador Dom João VI, apresenta “os estatutos da Sociedade de Agricultura, Comércio e Navegação do Rio Doce, pedindo o privilégio da navegação naquele rio para a empresa que pretendia presidir” (DANGELO, 2002, p. 80). Questões financeiras com os ingleses impediram, inicialmente, que o empreendimento fosse a frente e, posteriormente, questões burocráticas com o Governo e depois políticas, a impediram de vez (DANGELO, 2002, p. 80). Em 1832 foi tentada nova inciativa, também com capital inglês, mas, a desconfiança com os investimentos estrangeiros inviabilizou o empreendimento (DANGELO, 2002, p. 80). Parece que essa desconfiança não perdurou por muito tempo: em 1837, o Oficial da Marinha, João Diogo Sturz sobe o rio Doce com um barco a vapor ganhando a concessão do transporte, além de terras em sesmarias (ZUNTI, 1982, p. 66). Mesmo recebendo aporte financeiro de capital inglês (ZUNTI, 1982, p. 66-67), o empreendimento, como os anteriores, não foi à frente, terminando em 1841. Em 1857, o Dr. Nicolau R. dos Santos França Leite ganhou contrato para povoar as sesmarias que possuía ao longo do rio Doce (Figura 33), através de imigrantes portugueses, franceses e alemães (DANGELO, 2002, p. 84) que ele pretendia transportar através de um barco de ferro movido à vela (ZUNTI, 1982, p. 67). Funda a Colônia de Francilvânia (ver a Figura 33), na margem norte do rio Doce, próximo à foz rio São João, para onde levaria os imigrantes para trabalharem na agricultura (TEIXEIRA, 1975, p. 16), já que, segundo Hartt, a “sábia” escolha do terreno se deve a fertilidade produtiva dos solos daquela região (HARTT, 1941, p. 124).

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Figura 33 – Fragmento da Carta chorographica da provincia do Espírito Santo, de E. de La Martinière, de 1861, com o detalhe (em linhas tracejadas) das terras do Dr. Nicolau R. dos Santos França Leite ao longo do rio Doce, indo das proximidades da foz do rio até a região da atual cidade de Baixo Guandu. No centro da imagem, a localização da Vila de Francilvânia, que daria mais tarde, na margem oposta, a cidade de Colatina no séc. XX.

Fonte: BIBLIOTECA DIGITAL LUSO-BRASILEIRA, 2018.

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Mas, as dificuldades próprias dessa região em muito inexplorada, as doenças, o clima e os severos ataques dos índios Botocudos à vila, acabaram com o empreendimento que não durou mais do que três anos (TEIXEIRA, 1975, p. 16). Mas, essa vila foi o embrião do que viria a ser, no começo do séc. XX a Vila e depois Cidade de Colatina (DANGELO, 2002, p. 84), da qual o distrito de Itapina faz parte. Porém, sem gente e sem meios de circulação rápidos e eficazes, “nos anos seguintes, tudo voltou a ser como antes, isto é, somente canoas ao longo do rio” (ZUNTI, 1982, p. 67). E a partir da década de 1870, o rio Doce fez parte de um conjunto de empreendimentos de transporte pelos rios capixabas, em um momento onde esse tipo de serviço começou a receber maiores investimentos públicos e privados, como meio de transporte regular de passageiros e cargas, usando para tanto, os recursos naturais das hidrovias fluviais e marítimas e as novas tecnologias dos motores, inicialmente movidos a vapor. O quadro se completa no final do século que deu início às ocupações da região do rio Doce: “Bem animadora era a situação em 1888, quando várias empresas mantinham barcos trafegando nas costas e rios capixabas, além do benefício da navegação para o estrangeiro e demais províncias marítimas brasileiras” (OLIVEIRA, 2008, p. 387). Isso não impediu, por exemplo, que outros empreendimentos fluviais do rio Doce tivessem o mesmo destino que seus antecessores, antes do fim do séc. XIX (ZUNTI, 1982, p. 67).

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O que muda com o novo século que adentra foi a regularidade e a presteza do serviço36, que na medida do possível e da paciência de quem usava as embarcações para se deslocar entre as vilas capixabas do rio Doce, aguentava as quebradeiras e atrasos constantes, e os prejuízos que isso causava (ZUNTI, 1982, p. 68). Nos primeiros cinquenta anos do séc. XX, o transporte fluvial irá dividir espaço com o ferroviário (ver 3.1.3), o qual atingirá maiores distâncias interligando mais cidades que o rio Doce foi capaz em um século desde Silva Pontes. Ambos perderão seu posto de primazia para as estradas e a velocidade e independência dos veículos motorizados, seja o particular, para o transporte de passageiros ou de cargas para o comércio (Figura 34, Figura 35, Figura 36 e Figura 37).

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Segundo Dangelo: “Já no início do século XX, mesmo sem muita regularidade, outros vapores, como o Muniz Freire, o Milagre e o Santa Maria, operaram entre Linhares e Colatina. Depois de 1920 circularam os vapores a diesel Tupi e Tamoio. O navio gaiola Juparanã operou até 1955. Esse trânsito ocasional nas águas do Rio Doce, entretanto, nunca caracterizou a navegação que os visionários do século XIX desejaram” (DANGELO, 2002, p. 84) (ver Figura 34, Figura 35 e Figura 36).

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Figura 34 – Uma das balsas tipo “gaiola” que navegava pelo rio Doce nas primeiras décadas do séc. XX

Fonte: MALACARNEFOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

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Figura 35 – O Milagre, um dos vapores que percorriam o rio Doce

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2018

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Figura 36 – O Juparanã, vapor impulsionado por rodas d’águas.

Fonte: Acervo AMÉRICO GAVA, 2018.

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Figura 37 – Construção da Ponte Florentino Avidos, sobre o rio Doce, em Colatina, inaugurada em 1928 pela qual passaria a linha de trem, fato esse que não ocorreu, tornando-se somente uma via de ligação entre Colatina e São Silvano, enquanto a ferrovia cortava por dentro da cidade de Colatina, com estações na cidade e em seu distrito de Itapina (Laje à época).

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

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Em 1865, o naturalista Charles Frederick Hartt percorre o rio Doce (Figura 38), como parte de seus estudos hidrológicos e geológicos em território brasileiro. Ao descer o rio, a partir do Porto de Souza (Figura 39), relata as formações geológicas locais e as condições dos solos como muito propícias ao cultivo do café, trigo, feijão, rícino (mamona), já que “toda esta região é muito adaptada a fins agrícolas, e um dia deve tornar-se séde de uma população de agricultores; mas os índios ha muito vêm mantendo seu domínio sobre ela” (HARTT, 1941, p. 118). Figura 38 – Gravura de autoria de Hartt de vista do rio Doce, no ano de 1865.

Fonte: HARTT, 1941, p. 121.

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Figura 39 – Vista rio Doce a partir do Porto de Souza.

Fonte: HARTT, 1941, p. 119

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Do relevo, Hartt destaca que essa região, no lado norte do rio Doce é formada por morros altos – “600 a 700 pés de altura” (HARTT, 1941, p. 120), revestidos de matas, sendo que algumas milhas de Mutum (localizado rio abaixo, após o Porto de Souza), se destaca na paisagem, à leste, “atraz do Doce”, um morro denominando de “Morro do Padre”, de paredes lisas e com (na estimativa de Hartt) no “mínimo 2.000 pés de altura” (HARTT, 1941, p. 120). Mais à frente, mas do lado oposto, já na região de Lages, está o Morro do Lage, “entre colinas de gnais” (HARTT, 1941, p. 120), base do morro ao qual, mais de meio século a frente, seria ocupado pela leva de imigrantes europeus e outros que chegam à região de Colatina na última década do séc. XIX e daria passagem ainda aos trilhos da Ferrovia Vitória-Minas e todo o seu desenvolvimento à reboque. Hartt ainda aponta uma questão importante: as matas dessa região são tão densas que as únicas referencias na paisagem são esses relevos que se destacam acima das matas ou nas margens do rio - “[...] a não ser que apareça ocasionalmente um gnais a descoberto, na margem do rio, ou uma colina de gnais lisa sobre o qual pode haver engano, ou a exposição dos depósitos aluviais do rio, não ha outro guia para estudar as características geológicas, senão os perfis topográficos gerais da região” (HARTT, 1941, p. 120). A presença de pequenos núcleos urbanos nos extremos do rio Doce, mesmo que não tenha surtido grandes efeitos colonizadores ao longo do séc. XIX, mostrava as possibilidades de ocupação da região. Entre 1885 e 1886, o inglês William Jacob Steains, outro célebre explorador do rio Doce, percorre o rio e aponta que, ao longo de seu percurso rio acima, chagando ao território de Minas Gerais, somente há três “estabelecimentos” localizados em suas margens, dignos de nota em seu relatório, mas que “nenhum destes se póde dizer que está n’um estado muito prospero” (STEAINS, 1888, p. 225): são elas as vilas de Linhares, Guandu e Figueira (atual Governador Valadares, em Minas Gerais).

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O sal ainda era o principal produto a circular pelo rio, enquanto o café já se somava em importância ao comércio do rio, sendo que Guandu era a que mais se destacava pelo comércio do café com Vitória, enquanto Linhares já tinha produção de açúcar, o arroz, bananas e mandioca (STEAINS, 1888, p. 226) como base de sua economia, além do comércio do sal, e Figueira tinha no algodão um produto que já despontava. As “grandes e espessas florestas virgens, que vestem com inexcedível magniffecencia, aproximadamente, toda a terra banhada pelo Rio Dôce e seus numerosos afluentes” (STEAINS, 1888, p. 218) também se destacavam em seu relatório, bem como a presença ainda dos índios Botocudos não civilizados e a extensa quantidade de madeiras de lei, muito aptas para a exploração comercial. Em 1888, a Princesa Teresa da Baviera se junta ao seleto grupo de exploradores naturalistas estrangeiros que vêm ao Brasil conhecer, estudar e registrar sua fauna, flora e a vida dos povos indígenas, principalmente os Botocudos da Província do Espírito Santo (BAVIERA, 2013, p. 36). Aporta em Vitória em 27 de agosto para os preparativos de sua viagem exploratória, e parte de canoa com sua pequena comitiva pelo rio Santa Maria em direção às terras de colonização. Após parada na região da Serra, seguem em direção à Santa Leopoldina a cavalo e pequena tropa de mulas, passando por Santa Teresa. Mata à dentro, chegam ao rio Doce atravessando a região entre o rio Santa Joana e o rio Lajes, onde vinte anos mais tarde, surgiria a cidade de Colatina e, posteriormente, na foz do rio Lages, o núcleo urbano de Itapina. Em seu trajeto até o rio Doce, por dentro da mata cerrada, além de vislumbrar e relatar de forma detalhada as espécies da fauna e flora da região, se depara com roças e pequenas colônias que na época, representavam o avanço da colonização em direção ao rio Doce: A cada dia de viagem para dentro do território, os trechos cultivados e habitados diminuíam visivelmente e cada vez mais a mata virgem usufruía de seus direitos ainda não questionados. Percebia-se nitidamente como a cultura avançava, vindo da costa e seguindo passo a passo para dentro da floresta virgem (BAVIERA, 2013, p. 71).

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A mata fechada que sombreava o percurso, tão densa que Hartt assevera que “[...] deve estar armado de forte facão-de-mato quem queira nela penetrar” (HARTT, 1941, p. 122), com sua fauna e flora detalhada pela Princesa em todo seu livro foi a máxima de sua viagem: densa, escura e rica ao mesmo tempo. Circundada pela mata fechada, a paisagem se formava quando adentrava alguma região de vales que se abriam livres à visão, das roças que os colonos faziam em plena mata ou, quando transpunha o relevo local. Ao chegar na Serra da Desgraça, próxima ao rio Santa Maria do rio Doce, o vale do rio Doce se abre para a contemplação da Princesa Teresa e sua pequena tropa, e o relevo característico do entorno do rio Doce chama sua atenção: O caminho no levava agora a uma montanha, à esquerda da qual avistamos montanhas ainda mais altas, denominadas Serra da Desgraça. A partir do nosso ponto de observação agora mais elevado, tínhamos uma bela visão para baixo, para um vale amplo, coberto de mata virgem e banhado pelo rio Doce. No meio do vale eleva-se um monte em forma de cone e a sua parte de trás limitava-se por uma elevação coberta de mata (BAVIERA, 2013, p. 71).

Esse relevo, por sinal, de faces onduladas e pontões de destaque na paisagem (Figura 40), é apresentado a partir de seu estudo geomorfológico no Capítulo 4 dessa pesquisa, onde inclui-se o morro de Itapina, que dá nome ao distrito pertencente à Colatina, localizado às margens do rio Doce. O morro, que provavelmente deve ter sido visto pela Princesa a partir do seu ponto elevado de observação, se destaca, como se verá mais à frente, na paisagem observada tanto do rio como de dentro de parte do núcleo urbano do distrito. Pertence a uma cadeia de morros e elevações que compõem e marcam a paisagem desta parte do rio Doce, dos dois lados de sua margem, como explica Egler: O rio Doce, de Colatina para montante, corre entre colinas e montanhas que conferem às suas margens aspecto mais variado. Na região de Colatina estas colinas constituem um nível muito regular, de 80 a 100 metros, no qual se entalhou o rio. Êste nível estende-se com largura variável ao longo de ambas as margens e, em continuação, vão aparecendo outros níveis mais elevados, conferindo à paisagem o aspecto de uma sucessão de patamares (EGLER, 1962, p. 149).

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Figura 40 – Fragmento do mapa da Província do Espírito de 1850 (ver Figura 32), ampliado e sobre a região das colônias de Santa Leopoldina e Santa Teresa até a região do rio Doce, com destaque para o relevo local, representado à época. Região essa, percorrida como parte do trajeto que a Princesa Teresa da Baviera fez a partir de Vitória, em 1888, até o rio Doce.

Fonte: BIBLIOTCA DIGITAL LUSO-BRASILEIRA, 2018

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E a serra de onde a Princesa Teresa da Baviera avistou o vale do rio Doce, na verdade são relevos cônicos ou “cones rochosos, lisos e pelados” (EGLER, 1962, p. 150) como os descritos pela mesma, que alinhados e ligados “algumas vezes” pela base por “lombadas”, segundo Egler, dão a impressão de serem formações geológicas unificadas, mas ao contrário, ”deixam entre si largos colos que permitem livre passagem” (EGLER, 1962, p. 151), por onde, provavelmente passou a Princesa Teresa e seu grupo. Em seu relato pioneiro sobre a chegada ao rio Doce, através da foz rio Lages, Teresa da Baviera apresenta em texto o aspecto original dessa região, praticamente intocada pela mão humana, onde a mata virgem e exuberante (apresentada por ela e por todos outros exploradores do Doce no séc. XIX) recobre todo o lugar, antes da rápida transformação causada pela chegada da colonização e dos trilhos da ferrovia Vitória-Minas: Grandes trechos da margem esquerda do rio Doce em direção ao território são completamente desconhecidos e nunca foram tocados pelo pé de um homem branco. [..] A situação é um pouco diferente nas margens do lado sul, onde alguns povoados formados por não indígenas e alguns postos policiais começam a lutar com os autóctones pela propriedade das terras (BAVIERA, 2013, p. 85).

Partindo de sua entrada pelo rio Lages, Teresa da Baviera percorre o rio Doce e relata também uma série de pequenas colônias ao longo de suas margens formadas por caboclos e índios, parando primeiramente no aldeamento de Mutum (Figura 41) para o objetivo central da expedição - interagir com um grupo de índios Botocudos, rumando em seguida para a Vila de Linhares que, mesmo passados quase oitenta anos de sua construção ainda matinha seu aspecto humilde: “Ela consiste apenas de algumas dúzias de casebres feios, cobertos com telhas, e pitorescas cabanas de barro com teto de palha. As casas, todas de um piso somente, são cercadas em três lados por um gramado enorme e ermo” (BAVIERA, 2013, p. 120).

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Figura 41 – Foto de Joaquim Ayres, por volta de 1882, do Aldeamento do Mutum, às margens do rio Doce.

Fonte: BRASILIANAFOTOGRAFICA, 2018

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Após várias tentativas fracassadas de colonização da região do vale do rio Doce capixaba, a partir do comércio e de sua navegação como motores civilizatórios, a ocupação em definitivo só se dará no final do séc. XIX por outras vias e caminhos, já que o rio Doce se mostrou, com os recursos da época, que adentrá-lo para explorar, dominar e colonizar suas margens não era e nem foi uma tarefa fácil. Historicamente, a ocupação do vale do rio Doce, pelo lado do Espírito Santo, ocorreu por três dos afluentes que deságuam nele: os rios Santa Maria do rio Doce, Santa Joana e Guandu, onde seus vales orientaram a leva de imigrantes estrangeiros que aportaram no Espírito Santo, trazidos ao estado para a colonização de seu interior. O rio Doce, porém, “[...] foi antes um obstáculo que deteve temporariamente a marcha do povoamento, e que servia ao índio como defesa natural contra a invasão do homem branco” (EGLER, 1962, p. 147). A saga da colonização do vale do rio Doce é parte do processo de colonização do interior da então Província do Espírito Santo (Figura 42), através da vinda de grandes levas de imigrantes europeus, fugidos da crise nos campos de seus países e em busca de melhores condições de vida no exterior. As facilidades de transportes mais regulares entre os continentes, a ampliação da área de cultivo e da pecuária para dentro do território, como meio econômico após a “franca decadência” das minas de ouro (ARARIPE, 1954, p. 31) e a necessidade de mão-de-obra especializada que não seja a escrava, abriram caminho para a ocupação das áreas do planalto capixaba, ainda desocupadas graças as dificuldades de seu relevo, da mata densa e serrada (PETRONE, 2004, p. 18) e da presença dos índios no imaginário da época.

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Grandes áreas interioranas do território capixaba (Figura 42), consideradas devolutas por não haverem donos oficiais, além dos índios na legislação da época, se tornam nas mãos do Estado, meios efetivos para trazer colonos de outros países e transformá-las em bens imóveis passiveis de taxação e arrecadação pelo governo, sem que esse tenha grandes gastos na implantação das colônias, pelo contrário. O grupo de imigrantes europeus que chega ao Espírito Santo, a partir de meados do séc. XIX, se mistura aos brasileiros vindos de várias partes do país e criam, no interior do estado, uma série de colônias que darão mais tarde, origens a várias cidades ao sul e ao norte do estado. Ferreira apresenta de forma concisa as colônias que surgiram por todo interior capixaba ao longo da segunda metade do séc. XIX e começo do XX: Havia o território do Núcleo Castello, fundado em 1880, que pode ser considerado como extensão da Colônia Rio Novo, emancipada no mesmo ano. Esse núcleo constituía o VI território colonial e compreendia as seções de Cachoeirinha, Alexandria, Araguaia, Iracema, Carolina, Deserto, Guiomar, Virgínia (Jaciguá), Iracema, Maravilha, Matilde, Maravilha, Iriritimirim, Santa Júlia, Urânia e Vitor Hugo. Abrangia os atuais municípios de Alfredo Chaves, Vargem Alta, Marechal Floriano e Domingos Martins. Outra colônia a surgir no solo capixaba foi a Colônia Santa Leopoldina, em 1857. Ela deu origem a diversos novos núcleos coloniais tais como: a Colônia Nova Trento, município de Santa Cruz (atualmente Aracruz), fundada em 1874; Núcleo Timbuí, que originou Santa Teresa, fundado em 1875; Núcleo de Santa Cruz, fundado em 1877, abrangia os atuais municípios de Aracruz, Fundão e Ibiraçu.

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Havia ainda: o Núcleo Antônio Prado, composto por Santa Maria, São Jacinto, Mutum, Baunilha de Baixo, Baunilha de Cima, Córrego da Ponte e Colatina, fundado em 1887; o Núcleo Accioly Vasconcellos, que iniciou sua construção em 1887, mas só recebeu imigrantes em 1889, situava-se no município de Linhares, às margens esquerda do Rio Pau Gigante; o Núcleo Afonso Cláudio, ficava próximo a um afluente do Rio Jucu e teve grandes dificuldades para se desenvolver devido ao pequeno número de imigrantes que recebeu, foi criado em 1890; o Núcleo de Santa Leocádia, localizado no Vale de São Mateus foi fundado em 1888; o Núcleo Costa Pereira, localizado em terras dos atuais municípios de Costa do Castelo e Muniz Freire, fundado em 1889; cujo objetivo era, em grande parte, abastecer as áreas das lavouras de café do vale do Itapemirim; o Núcleo do Espírito Santo do Rio Pardo, município de Muniz Freire, fundado em 1889; Núcleo Demétrio Ribeiro, situado nas divisas do Rio Doce com o Rio Piraqueaçu, fundado em 1891; Núcleo Nova Venezia, localizado no Vale de São Mateus, fundado em 1892; Núcleo Muniz Freire, junto ao Rio Doce, em terras do atual município de Linhares, fundado em 1894; e o Núcleo da Fazenda do Centro, município de Castelo, fundado em 1909. Vale ressaltar, outro núcleo colonial fundado em território capixaba, o de São Pedro de Venda Nova, atual município de Venda Nova do Imigrante, fundado em 1891 (FERREIRA, 2008, p. 72-73).

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Figura 42 - Legenda original da imagem:”APEES - Planta da parte da Provincia do Espirito Santo em que estão compreendidas as colônias - organizada na Inspectoria Geral de Terras e Colonisação pelos engenheiros C. Cintra e C. Rivierre e mandado imprimir pelo Exmo. Snr. Consº Thomaz Jose Coelho e Almeida –Rio de Janeiro – 1878. Lith a vapor Angelo& Robin, Rua d’Assembléa” 44.

Fonte: FRANCESCHETTO, 2014, p. 47

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Em 1840, alemães e austríacos chegam ao vale do rio Guandu e vales próximos, ocupando a região (ARARIPE, 1954, p. 31). Sete anos mais tarde, as primeiras ocupações da região de Santa Teresa e Santa Leopoldina por imigrantes alemães não dão o resultado esperado (ARARIPE, 1954, p. 31-32), mas, abrem caminho para a expansão do território do planalto capixaba, em direção ao rio Doce (PETRONE, 2004, p. 27). Dez anos mais tarde, outra leva de imigrantes alemães e suíços que chegam ao Porto de Vitória, são distribuídos pelas várias “seções” da colônia que se formava e se fixava na região de Santa Leopoldina. A partir daí, inicia-se o processo de colonização que se aproximará do rio Doce, década mais tarde: [...] a área colonial expandiu-se, por contiguidade das sucessivas partes ocupadas, para todo o alto vale do [rio] Santa Maria de Vitória e seus afluentes; em seguida transbordou para vales vizinhos ao norte, e exemplo do alto Timbuí, e para as cabeceiras dos afluentes do Doce, a exemplo do Santa Maria do rio Doce (PETRONE, 2004, p. 28-29).

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Essas colônias, na verdade, eram parcelas de terras distribuídas aos novos colonos com meio de assentamento e cultivo. Em seu desenho usual, como ocorreu em outras partes do país (PETRONE, 2004, p. 28), essas parcelas ou lotes que tinham inicialmente 50 hectares 37, acompanhavam o alinhamento dos fundos dos vales formados pelos rios locais (Figura 43), tendo a “testada para o curso d’água e com os fundos para as cumeeiras dos interflúvios” (PETRONE, 2004, p. 28). Ao longo do tempo de ocupação dos vales a partir dessas “linhas” (PETRONE, 2004, p. 28), os lotes foram diminuindo de tamanho até chegarem ao padrão de 25 hectares (PETRONE, 2004, p. 33). Mas, processos opostos de criações de “fazendas” (PETRONE, 2004, p. 33) com colonos adquirindo mais terras com áreas de até de 200 hectares e, de outro lado, o surgimento de “minifúndios” (PETRONE, 2004, p. 35), com áreas menores do que os padrões de 25 hectares, que “já são pequenos, muitas vezes mal chegando para possibilitar a subsistência de uma família com 6 a 8 membros” (PETRONE, 2004, p. 35-36) cria uma situação social de emigração do colono ou descendente deste para novas áreas, ainda desocupadas em direção a região do rio Doce.

37

1 Hectare = 10.000 m²

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Figura 43 – Planta da ex-colônia de Santa Leopoldina, com os lotes desenhados acompanhando as linhas gerais dos cursos d’água.

Fonte: PETRONE, 2004, p. 31

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Soma-se a isso os relatos de Hartt sobre a hidrologia e geologia do território do rio Doce: suas observações em 1865, já apontavam fatos que se tornaram base da ocupação da região do vale do rio Doce, a partir das colônias da região central do Espirito Santo (ver Figura 44). Primeiro, a rápida ocupação da região de Santa Leopoldina pela imigração alemã que para se estabelecer no seu vale, usou do “costume nacional de preparar o solo para o primeiro cultivo, a machado e a fogo” (HARTT, 1941, p. 104) destruía a fina camada de solo, já pouco fértil existente no local, situação geológica diferente por exemplo, das regiões sul e norte da Província que eram muito mais férteis e próximas dessa região, como as terras ainda desocupadas do rio Doce de meados do séc. XIX, que “distam somente umas sessenta milhas” (HARTT, 1941, p. 105-107). A chegada dos colonos italianos, porém, em 1875, foi decisiva para a definitiva ocupação do rio Doce. Com Santa Leopoldina estabelecida38 e servindo de passagem obrigatória para Santa Teresa, colônia de forte formação italiana desde sua origem, abre caminho para a colonização da restante da região serrana ao sul do rio Doce (PETRONE, 2004, p. 29) que se estabelece a partir de “elementos teuto-italianos”, segundo Petrone (2004, p. 29), direcionados pelo relevo local, principalmente os vales de rios tributários do rio Doce, rota mais fácil de penetração pelo território, bem como de ocupação: A partir de Santa Teresa as ‘linhas’ coloniais cobriram todo o alto vale do Timbuí e vales afluentes, estenderam-se em direção ao baixo Timbuí e, em seguida, ao Santa Maria do rio Doce; este, profundo e estreito, orientou o povoamento para o norte de forma que no fim do século [XIX] já havia sido atingido o rio Doce, na área de Colatina. Ao mesmo tempo, vales inteiros, ou secções de vales paralelos ao Santa Maria do rio Doce, a exemplo de Pau Grande, Santa Joana ou Guandu, foram sendo ocupados por elementos germânicos e italianos (PETRONE, 2004, p. 29). 38

Em 1888, a Princesa Teresa da Bavieira descreve assim o que viu da Colônia de Santa Leopoldina por conta de sua passagem em direção à Santa Teresa e depois, o rio Doce: “Era uma das colônias fundadas em 1856 pelo governo, em cujo território vivem atualmente 11.000 pessoas. Essa população é constituída de tiroleses, alemães, suíços, holandeses, belgas, franceses, italianos, poloneses e luso-brasileiros. Depois que os primeiros camponeses tiveram que lutar contra muitas adversidades, parece que as pessoas do lugar usufruem agora de uma vida no mínimo modesta, sendo para alguns até mesmo confortável. Com o apoio do governo da província, ocorrem contínuas imigrações. No ano passado, em 1887, foram demarcadas algumas centenas de porções de terra na ex-colônia de Santa Leopoldina, destinadas em parte a novos imigrantes ou a filhos de antigos camponeses, luso-brasileiros, e outros lotes para camponeses, cuja porção de terra já não era suficiente para a família que havia se tornado muito numerosa” (BAVIERA, 2013, p. 53).

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Figura 44 – Quatro imagens que resumem as características das primeiras colônias do interior capixaba, de ocupação teuto-italiana: na primeira imagem a Povoação de Santa Teresa e na sequência, colônias em Rio Novo e Santa Leopoldina. Fotos de Albert Richard Dietze de 1869.

Fonte: BIBLIOTECA NACIONAL DIGITAL, 2018.

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Ainda segundo autor, foram os mesmos elementos que “juntamente com os mineiros, contribuíram para efetivar, já neste século [XX], a ocupação do solo ao norte do rio Doce” (PETRONE, 2004, p. 29-31). A ocupação iniciada em meados do sec. XIX, rapidamente alcança o vale do rio Doce em 1891 (Figura 45), dando início, já nos primeiros anos do séc. XX a Vila de Colatina, impulsionando e impulsionada pela chegada da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), consolidando de vez a ocupação de toda a região e a expansão ao norte do rio Doce da colonização com a criação de novas vilas que chegaram nos limites entre o Estado do Espírito Santo com seus vizinhos, Minas Gerais e Bahia, e que viriam, no último século, a ser transformadas em cidades de forma muito rápida, em nome da ocupação do interior capixaba. Mais à frente, no subcapítulo 3.2, será visto com mais detalhes a efetiva ocupação da região capixaba do rio Doce, a partir do final do séc. XIX, principalmente em Colatina, inicialmente, e a criação do distrito de Itapina como um de seus reflexos do começo do séc. XX.

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Figura 45 – Mapa de 1944, apresentado por Egler sobre os fluxos migratórios da região norte do rio Doce. Conforme legenda original: “As principais vias de povoamento da região ao norte do rio Doce. Há dois eixos principais, um partindo do Espírito Santo através de Colatina, e outro partindo de Minas Gerais através de Conselheiro Pena. Ambos confluem em direção a Mantena, a última grande reserva de terras devolutas. A parte leste abrangendo a área pantanosa do baixo rio Doce é praticamente despovoada”. Em destaque, a região do distrito de Itapina e os primeiros fluxos migratórios que chegaram a ela, por volta de 1891.

Fonte: EGLER, 1962, fig. 8

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O café será o mote propagador da colonização, e a região do vale do rio Doce, desde os primórdios do séc. XIX apresentava as condições climáticas e geológicas ideais para a implantação de cultura. Para a chegada ao rio Doce, descendo pelo vale do rio Santa Maria do rio Doce, foi necessária a construção do barracão de apoio aos imigrantes, conhecido como Barracão de Santa Maria ou de Petrópolis. E a efetiva ocupação da região de Colatina, se entendendo até o território de Minas Gerais, às margens do rio Doce, só acontecerá anos mais tarde, com a chegada da ferrovia Vitória a Minas, vinda de Vitória (ARARIPE, 1954, p. 32). Grandes proporções de áreas de matas quase virgens estavam ainda por ser efetivamente ocupadas e exploradas nas margens do rio Doce e afluentes. Terras férteis de relevo propício à ocupação, cultivo e exploração, principalmente na margem sul do rio Doce já eram apontadas por Silva Pontes, desde o início do Séc. XIX, e corroboradas por naturalistas europeus que percorreram suas margens, como visto anteriormente. A pouca distância relativa entre as regiões das colônias de imigração e os rios tributários do Doce, facilitaram e incentivaram a procura de terras mais férteis rio acima. E ainda, prevendo o inevitável, Hartt aponta o que viria a acontecer meio século depois: “Quando se dér uma próspera colonização do vale do rio Doce, uma estrada de ferro dirigindo-se a alguns pontos desse rio poderá ser facilmente construída, tanto quano o exijam as dificuldades físicas encontradas” (HARTT, 1941, p. 107). Como se verá mais a frente, a chegada da colonização à região do vale do rio Doce, nos finais do séc. XIX impulsionou, conjuntamente com a descoberta de jazidas de minério na região de Itabira, Minas Gerais, a construção da rede ferroviária norte, interligando Vitória à região das jazidas de minério de ferro, tendo porém, a margem sul do rio Doce como base para a construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas e, de todo o rápido florescimento econômico e urbano da região.

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3.1.3 O séc. XX e a rápida e drástica transformação da região do Vale do rio Doce. As primeiras décadas do séc. XX sentem desde já os efeitos da rápida ocupação do Vale do rio Doce e da forma agressiva e tão ou mais rápida do extrativismo de seus recursos minerais e florestais. A exploração da madeira que abria espaço e que era, ao mesmo tempo, consequência da agricultura e da pecuária iniciou-se como a primeira riqueza natural local. De lá, toras e mais toras de madeira de Lei desciam pelo rio Doce escoados pela foz, em Regência e em pouco tempo, pela ferrovia Vitória-Minas (Figura 46, Figura 47 e Figura 48). Figura 46 - Exploração de madeira em Colatina, no começo do séc. XX.

Figura 47 – Toras de madeira de Lei levadas através do rio Doce para serem embarcadas na foz, em Regência. Foto de 1910.

Figura 48 – Legenda original da imagem: “Tora de madeira da Mata Atlântica, carregada em vagão ferroviário com 10m comprimento e 2,60m de diâmetro

Fonte: ALTAIR MALACARNE/ARQUIVO PÚBLICO DO

Fonte: EUSTYQUIO D OLIVIER/ARQUIVO PÚBLICO DO

Fonte: MORRO DO MORENO, 2018.

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

ESPÍRITO SANTO, 2015.

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A construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, nos primeiros anos do séc. XX (Figura 49 e Figura 50), foi um enorme exercício de engenharia. Primeiro, a descoberta de minério de ferro no final do séc. XIX em Itabira, em Minas Gerais induz a uma nova orientação do traçado da ferrovia que ligaria, anteriormente Vitória a Diamantina, subindo pelo rio Santo Antônio (ARARIPE, 1954, p. 91), passando agora pelas partes baixas de Santa Leopoldina e Santa Teresa, “ultrapassando gargantas em cotas diferentes e atravessando os rios Santa Maria de Vitória em Queimados, o Timbuí, o Fundão, o Itapirá, o Taquaruçu, o Piraquê-Açu, o Pau Gigante, o Baunilha, o Precioso, o Catuá, para alcançar o rio Doce em Barbados, 6 quilómetros abaixo de Colatina” (ARARIPE, 1954, p. 73). Os estudos levaram em condição as áreas planas das margens do rio Doce na região de Colatina que se estendem rio acima, até adentrar Minas Gerais: O traçado seguindo o Vale do Rio Doce tornou-se fácil, mantendo sempre as mesmas condições técnicas. Do Km. 154 até o Km. 475, margeia a linha o rio Doce; dêste quilómetro até o Km. 561 acompanha o rio Piracicaba e depois, até o Km. 601, o rio do Peixe e o seu afluente Agua Santa (ARARIPE, 1954, p. 74).

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Figura 49 - TÍTULO ORIGINAL: "COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S.A. ESTRADA DE FERRO VITÓRIA A MINAS. MAPA GERAL DA LINHA." COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S.A.; ESTRADA DE FERRO VITÓRIA A MINAS; MAPA GERAL DA LINHA. Escala 1:400000. Em destaque a estação de Itapina, ainda chamada à época do mapa de Ita. A data provável do mapa (marcado originalmente como sem data) deve ser o começo da década de 1940, antes da mudança oficial do nome do distrito para Itapina, em 1943.

Fonte: ARQUIVO PUBLICO DE MINEIRO, 2018.

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Figura 50 – A abertura de áreas para a passagem dos trilhos, com serviços de escoramento das encostas, desmontes de rochas, derrubadas de matas etc. Foto do começo do séc. XX.

Fonte: ESTAÇÃO CAPIXABA, 2018.

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Em 1905, o então jovem engenheiro capixaba Ceciliano Abel de Almeida39 adentra as matas do rio Doce como parte da equipe de implantação e construção dos trilhos do ramal ferroviário da Estrada de Ferro Vitória-Minas (a E.F.V.M.), que chegaria à Colatina e depois avançaria beirando às margens do rio Doce, para dentro do Estado de Minas Gerais, até Itabira, anos mais tarde. O que encontra, segundo seu relato é a mesma imagem de 100 anos atrás apresentada nas descrições dos viajantes que se aventuraram pelo rio Doce e suas matas cerradas, as quais, segundo ele, ainda continuavam indevassáveis (ALMEIDA, 1959, p. 4-5), principalmente na margem esquerda do rio, a partir de Linhares até Colatina: [...] no Rio Doce as matas tumultuárias, desordenadas, na diversidade de seus gêneros, de suas famílias, em que se encontram troncos gigantescos, de portes variados, de copas floridas, erguidos em solo prodigioso de topografia movimentada, revelam contrastes inesperados que agradam, enlevam e dominam (ALMEIDA, 1954, p. 33).

A chegada da estrada de ferro que cortou a região, margeando boa parte do rio Doce até a região de Colatina é relatada com grande entusiasmo, na mesma medida do “estardalhaço” das locomotivas, sinônimo na época do avanço e progresso nessa região que por séculos ficou quase que intocável, muito por conta da presença dos bravios índios Botocudos, que ainda no tempo de Almeida passavam pelo processo de aculturação e “civilização” às vezes drástico, às vezes trágico e por fim, consentido, mas nunca sem deixar sequelas na história desse povo originário:

39

Sobre a biografia de Ceciliano Abel de Almeida ver em especial: MORRO DO http://www.morrodomoreno.com.br/materias/ceciliano-abel-de-almeida.html >. Acessado em: 29 jun. 2018.

MORENO.

Ceciliano

Abel

de

Almeida.

Disponível

em:

<

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À ponta dos trilhos avizinhava-se de Colatina. Breve, o estardalhaço das locomotivas, com apitos curtos como assobios de tucanos ou prolongados como ornejos de asno, com rangeres e remuneios de suas peças, afugenta a caça, alvoroça o indígena, reboa, ao longe, anunciando a penetração, Rio Doce acima, nas florestas virgens paludosas. Vai ser devassado o caudal em seu curso médio. Profundas alterações sofrerá a região. Inauguradas, até Figueiras, hoje Governador Valadares, as estações mineiras, cuidou o Govêrno Federal de criar postos de atração às tribos botocudas. Pacificadas estas, foram dominadas as matas desconhecidas. Na área por elas ocupada apareceram os agricultores, tiradores de madeira, exploradores de pedras cotadas, pecuaristas e negociantes (ALMEIDA, 1959, p. 5-6).

O relato de Ceciliano Abel de Almeida mostra, à época, as primeiras ocupações da região das margens do rio Doce, que misturam toda a sorte de gente que se fixam no lugar, atraídos por essas terras ainda devolutas, com os índios apaziguados, com o trem cortando a mata e interligando cidades, vilarejos e criando outros: Breve, da Catita40 ao Rio Lajes sucedem-se, a cavaleiro do caudal, os acampamentos encravados nos claros de mata virgem ou de capoeirões frondosos. Depois das ave-marias, o repenicar dos cavaquinhos, o toque das harmônicas, a emissão de sopro nos búzios e as cantigas dolentes

40

Em pesquisas feitas sobre onde se localizaria a tal Catita no rio Doce, constante (mais de uma vez) no relato de Ceciliano Abel de Almeida, encontrou-se uma mais antiga, que data de 1902, de Orville A. Derby que relata em artigo publicado no American Journal Science, a descoberta de John Gordon de uma amostra de minério monazítico na Fazenda Catita, no baixo rio Doce, no Espírito Santo, que foi apresentada no Rio de Janeiro no mesmo ano. Segundo ele, “The ore fragmente consist of a coarsely crystalline mixture of magnetite and ilmenite vith adherent remnants of kaolinized feldspar and biotite, wich show it to have been a segregated mass of oxides in the midst of a coarsely granular rock, probably a mica-syenite”. Ver em especial: DERBY, Orville A. On the Occurence of Monazite in Iron Ore and in Graphite. American Journal of Science (1880-1910), Vol. 13. New Haven: Ed. 75, 1902, p. 211. Disponível em: <https://search.proquest.com/openview/90a06c3c7f9ad328b30afe84c5d5cc0f/1?pqorigsite=gscholar&cbl=42176>. Acessado em: 12 jul. 2018. Derby, seria, por sinal, incumbido pelo Governo brasileiro, seis anos depois, a mapear o território nacional em busca de jazidas minerais e, exatamente em Minas Gerais, foram encontradas jazidas de minério de ferro de três bilhões de toneladas: “Os estudos apontaram uma grande reserva de ferro e manganês na região de Mariana, Conselheiro Lafaiete, Sabará e, sobretudo em Itabira” (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 41). Isso levou, segundo Cassius e D’alessio (2010, p. 42) a “aquisição das terras na região do quadrilátero ferrífero a preços muito baixos, por causa do desconhecimento dos proprietários locais quanto a riqueza mineral que havia em suas propriedades. Esses grupos de investidores garantiram a posse das terras até chegar o momento ideal para a exploração e auferir os

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casam-se e misturam-se. São os precursores dos apitos das locomotivas, desabusadas, chiantes e barulhentas, que representarão a vitória desses brasileiros resignados, laboriosos e atrevidos, ocupantes das choças daquelas aldeotas efêmeras, minguadas de bem-estar” (ALMEIDA, 1954, p. 194).

O trem e seus trilhos modificam tudo; trazem consigo toda uma carga de transformações para assentar a nova leva da civilização que chega à região de forma rápida e drástica (Figura 51). Colatina, por sua vez, de pequena vila no começo do séc. XX, rapidamente se transforma na mais importante cidade do norte do Espírito Santo, muito por conta da estrada de ferro que a corta no começo do séc. XX. Linhares, ao contrário, ainda dependente de comunicação por mar e pelo rio Doce, perde rapidamente um posto que nunca conseguiu alcançar desde sua criação, no começo do século anterior até a década de 1940: “A estrada de ferro a Vitoria a Minas, que o dr. Nolasco diz foi executada para servir o Rio Doce, alterou o problema da solução do desenvolvimento do Municipio de Linhares. A séde e Regencia definhavam, emquanto Colatina tomava vulto” (CALMON, 1934, p. 191). E, em 1928 a ponte sobre o rio Doce, em Colatina, que liga a cidade à capital Vitória cristaliza sua posição na região.

lucros advindos das atividades”. Catita aparece marcada também, no mapa de Colatina da Figura 76, localizada na região de Porto Belo, nas proximidades do córrego Esperança.

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Figura 51 – A rápidas transformações da região do rio Doce com chegada do trem e da civilização

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2018

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Nesses primeiros anos de conquista e desenvolvimento da região pelos trilhos de trens, a vegetação originária, bem como sua fauna e flora ainda se mantinham vigorosos, mas, no mesmo tempo foram se extinguindo na mesma velocidade dos trens e barcos à vapor (e depois movidos à diesel), da urbanização sobre a mata e da venda de seus recursos e as queimadas para o pasto e para a agricultura. Em sua estada como engenheiro da E.F. V. M. já presenciava tamanha transformação e seus impactos: áreas até então consideradas insalubres na época, “onde reinava o paludismo” (ALMEIDA, 1959, p, 6) foram limpas e transformadas em prósperas cidades; o fogo fez a vez da limpeza das matas para a pecuária e, por conseguinte, “o solo empobrecia-se. A erosão aumentava. A fauna decrescia” (ALMEIDA, 1959, p. 6). A outrora riqueza aurifica da região do Vale do Norte do rio Doce fora substituída pelos seus outros recursos naturais e pela própria riqueza das terras, enquanto base do agronegócio: “Serras, como a do Ibituruna, perderam suas belezas naturais. Os zebus bem nutridos, soltos, passeiam por elas sobranceiros. De Governador Valadares para cima muita madeira foi extraída e convertida em carvão. A indústria assim o exigia” (ALMEIDA, 1959, p. 6-7). O desmatamento dessa mata ao longo do rio Doce, espanto de vários viajantes do séc. XIX pelo tamanho de sua diversidade, foi rápido e prolongado pelas décadas do séc. XX, primeiro para a entrada do homem civilizado, capixaba, de outras regiões do Brasil e dos imigrantes, como fonte de energia para os trens à vapor e para os dormentes de seus trilhos e, por último, “como preciosas madeiras de lei, cuja exploração continuava até a eliminação completa das espécies” (ARARIPE, 1954, p. 64). Dez anos mais tarde, subindo o rio Doce, Ceciliano Abel de Almeida, apoiando-se também nos relatos de 1905 do Capitão de Corveta Veríssimo Costa, que navegou o rio a bordo do vapor Milagre e de viajantes do séc. XIX, ainda encontra as espantosas matas virgens, mas que já passavam por rápidas transformações pela ocupação humana, estrangeira ao lugar. Nesse ponto, seu relato é interessante por apontar em sua passagem pela foz do rio Lages (Lajes à época), sua fauna local e, uma pequena ocupação abandonada, uma “tapera”, acompanhada nas

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proximidades de um “desmatamento”, o que evidencia as primeiras ocupações do lugar que seria mais tarde, no final da mesma década de sua travessia de barco à vapor pelo rio Doce, a região de Itapina. Descreve assim, o antigo engenheiro, esse avistamento do rio Lages: Um desmatamento, uma tapera, e um rio chama a atenção dos viajantes. É o modesto desaguar do Laje. E que vêem? Cabeças que rápido, emergem e imergem. Nas emersões bufam, guincham. Nas imersões deslocam-se reaparecendo em outros pontos, fugindo. “São ariranhas”, esclarece um entendido. Os guinchos são dos filhotes, das lontrinhas. É difícil caçá-las. E é de lamentar-se porque o couro é bem cotado” (ALMEIDA, 1959, p. 52).

Mais à frente do médio rio Doce, Ceciliano já presenciava a força da ocupação humana sobre esse resquício de mata histórica: Do Pôrto da Esperança a até a barra do Manhuaçu as matas virgens não alcançam a margem direita do rio. Dela se afastam, geralmente, de mais de meio quilômetro. Há lavouras, capoeiras e capoeirões (ALMEIDA, 1959, p. 55)

Em 1949, Salm de Miranda, descrevia assim a “exuberante” mata das margens do rio Doce, das quais se entendiam infinitas na época: A mata, formada pelas mais variadas essências, é densa, escura, profunda e de alto porte; dela saem há séculos, sem esgotá-la nunca

[grifo

nosso], madeiras preciosas para todos os fins industriais, jacarandás de três variedades, perobas rosa e do campo, pau brasil, primeiro para a tinturaria, depois para a indústria, particularmente para a fabricação de violinos; canelas de duas dezenas de variedades, cedro, louro, vinhático, guarabús roxo e o rajado mais conhecido por Gonçalo Alves, ipê, copaíba e plantas medicinais diversas (MIRANDA, 1949, p. 22).

O autor (talvez arrependido na apresentação de seu livro) descreve assim os o rastro de destruição ambiental e humana do rio Doce, deixada pela maciça extração de minério de ferro e pedras semipreciosas, como berilos, turmalinas, águas-marinhas, topázios (após o esgotamento dos diamantes, esmeraldas e safiras):

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O ferro industrializado sobe pelos trilhos da Central do Brasil, depois de deixar devastadas as matas até o meio da bacia. O minério desce para o Porto de Vitória, onde enche o bojo insaciável de frotas mercantes; os donos estrangeiros contentam-se com o levá-lo, os donos brasileiros, regiamente instalados, resignam-se em contemplar de longe os seus latifúndios e com o pavonear no Rio, em Vitória ou em Belo Horizonte as sobras que lhe trocaram. Cortadas a eito para alimentar Monlevade, Sabará e Congêneres; empobrecidas pela extração, há mais de um século, de madeiras de lei para a exportação; dizimadas pelas queimadas, onde se perdem incalculáveis riquezas, as matas do rio Doce, aquele imenso patrimônio nacional, tão precioso quanto o ferro, o ouro ou o petróleo, que já foram mais densas do que a própria floresta amazônica, estão hoje rarefeitas e reduzidas a menos da metade. Sai o ferro, sai o ouro, saem as pedras, queimam-se as matas; não se defende o homem contra as endemias, nem contra as doenças da pobreza, não lhe proporcionam condições próprias ao rendimento do seu trabalho; não se cogita com seriedade da entrada de novos contingentes humanos para a ocupação e a valorização da gleba; não se organiza, nem se incentiva devidamente a produção agropecuária, nem se cogita do surto dos fatores necessários às industrias; nada se faz de real para a fixação do homem à terra! Fica o deserto. E a insatisfação. E o desalento (MIRANDA, 1949, p. 12-13).

Salm de Miranda ainda descreve como a ocupação dessa vasta área do Vale do Rio Doce foi, em grande medida, algo sem planejamento prévio, uma “migração espontânea” (MIRANDA, 1949, p. 37) ocorrida ao arrepio da sorte e dos fatos que se sucederam e motivaram novos, como foram a chegada dos imigrantes ao rio Doce, a descoberta das minas de minério de ferro de Itabira, a conexão entre Vitória e Minas Gerais pela estrada de ferro para a exportação do minério, e que motivou mais levas de imigrantes e outras tantas de brasileiros etc.: Não havia, e se o houve não se tentou executá-lo, um plano de povoar e fazer produzir aquela imensa área de terreno opimos recobertos de tão ricas matas, cortadas por abundantes águas, naquela situação geográfica. A sua venda era pelo sistema do biscate... procurando alguém que ocasionalmente tivesse um pé de meia para alargar o que possuía, buscando apanhar algum desgarrado que passasse pela estrada, tentando

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interessar capitalistas do Rio, de S. Paulo, até da Europa por meio de intermediários, na compra de um latifúndio que lhes daria juros dobrados, com a valorização em vista, baseada matematicamente no fator tempo, nos séculos vindouros (MIRANDA, 1949, p. 65)

A fase inicial da colonização do interior capixaba ainda se deu sob os auspícios do Império, onde, pelo direito à época, todas terras devolutas pertenciam à Coroa e sob ela estavam seus cuidados. A chegada das primeiras levas de imigrantes ao Vale do rio Doce, ao contrário, pegam exatamente esse momento conturbado de transição do Império à República, a partir do golpe militar de 1889. As primeiras décadas do governo republicano forma conturbadas se comparadas aos anos finais de um governo imperial já estabelecido desde 1808 e pós 1822. A conquista do interior da Província do Espírito Santo é projeto do governo desde Silva Pontes, no começo do séc. XIX. As colônias de imigração de Santa Leopoldina e Santa Teresa, ratificam uma ocupação, de certa forma, minimamente planejadas através das colônias distribuídas ao longo dos rios do planalto capixaba. Algo muito diferente da ocupação do rio Doce iniciada na última década do séc. XIX e nas primeiras décadas do século seguinte: “Não foi planejada e organizada uma colonização que trouxesse ao Rio Doce, e consequentemente ao país, os proveitos enormes de um aumento de população, ou de elevação econômica da região...” (MIRANDA, 1949, p. 65). Desde a última década do séc. XIX, o governo do estado tinha o Serviço de Terras e Colonização, um resquício da Inspetoria-Geral das Terras e Colonização, criada ainda no período Imperial, 1876. No período republicano, esse órgão ganha novos contornos e atribuições até sua extinção: Com a Proclamação da República, observa-se inicialmente uma ampliação nos serviços da inspetoria voltados para demarcação, colonização e imigração, em virtude da reorganização administrativa instituída pelo decreto n. 603, de 26 de julho de 1890. Esse ato criou, no âmbito do órgão, a Repartição Central das Terras e Colonização, sediada na Capital Federal, e previu o estabelecimento de delegacias, agências e comissões técnicas nos estados da União. O decreto ainda colocou sob sua subordinação as hospedarias de imigrantes, além de ampliar para quatro o número de seções em sua estrutura.

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Porém, essa aparente ampliação dos serviços durou pouco tempo. Em 1892, as delegacias regionais foram regulamentadas pelo decreto n. 927, de 5 de julho, e meses depois, a lei orçamentária n. 126-B, de 21 de novembro, transferiu a responsabilidade do serviço de colonização aos estados, reduzindo a Inspetoria-Geral das Terras e Colonização a uma repartição estritamente destinada a recepção, agasalho e transporte dos imigrantes. Com a perda de competências, o órgão acabou sendo extinto pela decisão n. 166, de 9 de dezembro de 1896, e suas competências foram absorvidas pela Secretaria de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas (GABLER, 2016, p. ?)

Em seu romance histórico, Canaã, Graça Aranha situa a chegada de um de seus principais personagens, Milkau, ao Porto do Cachoeiro, atual Santa Leopoldina, “povoação apertada entre a montanha e o [rio] Santa Maria [do Rio Doce]” (ARANHA, 2013, p. 21). Chegando ao povoado, Milkau procura do Sr. Roberto Schultz, importante comerciante da região com uma carta de apresentação. Desaconselhando o jovem rapaz de origem alemã, recomenda o mesmo procurar se firmar nas “novas terras do rio Doce, que vão se abrir aos imigrantes” (ARANHA, 2013, p. 24). Os “prazos”41, ou seja, terras concedidas pelo Estado a quem quisesse ocupá-las sob pagamento de uma “quantia anual, em numerário ou em produtos” (ARANHA, 2013, p. 24, nota 7), seriam distribuídas a partir de um edital público de chamamento dos interessados em ocupar essas novas áreas: “O juiz comissário mandou pregar o edital para as medições e arrendamentos; o agrimensor, o Sr. Felicíssimo, está no Porto Cacheiro, de viagem para as terras” (ARANHA, 2013. P. 24). Encontrando com Felicíssimo, o agrimensor, este dá as recomendações à Milkau para se adquirir terras na região do rio Doce: É só combinar tudo e quando chegar lá não haver demora. O negócio é fácil, o senhor requer o prazo, e o juiz comissário, que está agora para os lados do Guandu, despacha, mas não precisamos dele para fazer a medição. Na sua ausência estou autorizado a tudo, até mesmo a entregar os

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Os prazos, resquícios da época do governo da Cora, eram bens do Estado cedidos à terceiros para usufruto, concessões sob pagamento de tributos reais: “De facto, os prazos conformavam-se como um instrumento de administração do território e dos seus habitantes, delegada nos foreiros” (RODRIGUES, 2014, p. ?).

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lotes aos colonos que vão trabalhando... Entre nós as coisas não são feitas com luxo... Não temos formalidades... Tudo se arranja e legaliza depois. O que é preciso é pagar logo as custas... (ARANHA, 2013, p. 27).

O fato relevante quanto a qualquer tipo de planejamento dessa região é a chegada dos trilhos de trens da E.F.V.M que orientam a ocupação, abrem caminho na mata para o transporte e comércio da madeira, do café e do minério de ferro e, por conseguinte, para áreas de ocupação que atraem e levam novos colonizadores para ocuparem essa região às margens do rio Doce. E assim foi feito, tendo-se como base os recursos naturais disponíveis e sem donos do entorno do rio: Ali, sem nenhum planejamento, sem nenhum trabalho prèviamente organizado, as matas vão caindo ao passo trado da rotina: extrai-se o que a natureza criou, sem nenhuma elevação do teor econômico daqueles recantos literalmente lembrados, para onde se voltam muitas ambições, que têm dado muitas fortunas, mas que cada vez se empobrecem. Saiu o jacarandá desde o tempo do Brasil-Colônia, saiu o cedro, sai a peroba, o jequitibá, as canelas de múltiplas variedades, tôda a gama das madeiras de lei: as plantas medicinais, que iam diretamente aos laboratórios alemães; sai o carvão vegetal para as usinas siderúrgicas locais. Como compensação, fica o deserto...Dolorosa compensação, que abre sombrias perspectivas ao futuro de uma região que, podendo evolver de florestal para agro-pecuária, a caminho do desenvolvimento industrial, é despojada das suas riquezas naturais e permanece sem esperança de recuperação, pelo homem incapaz que a domina (MIRANDA, 1949, p 66-67)

Além da estrada de ferro, o governo do Estado, como foi no caso o governo de Bernardino de Souza Monteiro (1916-1920) investiu em estradas pelo interior do estado, principalmente no período entre os anos da Primeira Guerra Mundial quando houve escassez de material, interferindo diretamente no Brasil, a exemplo da paralisação das obras da Ferrovia Vitória-Minas, forçando o estado capixaba investir tanto em obras de estradas de rodagem nas localidades existentes como em estradas de penetração, para dar continuidade à expansão colonizadora.

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Neste ínterim, na região norte estavam planejadas estradas entre a “Barra de Lage” (atual Itapina) e “Boa Família” (atual Itaguaçu) que não foi executada pela possibilidade da construção por “concessão” da estrada da Barra de Santa Joana (em Colatina) à Vila de Boa Família (MONTEIRO, 1919, p. 11). Em livro de 1954, o Engenheiro Delecarliense de Alencar Araripe relata a história da estrada de ferro Vitória-Minas, de seu início em 1904 até o ano da publicação do seu livro. Além dos aspectos técnicos, relativos a execução das obras desse longo trecho que saia de Vitoria, no Espírito Santo, indo até a cidade de Itabira, em Minas Gerais, margeando o rio Doce, ele também presenciou a devastação das matas do rio, tanto pelo avanço civilizatório a qual representava a estrada de ferro, a agricultura e pecuária, como também da ganância destrutiva sobre suas riquezas naturais: O Caboclo, na sua inconsciência, queimava a mata a fim de obter um pedaço de chão para plantar; quando a terra se mostrava exausta, queimava outra porção e, assim, sucessivamente. Ajudando a essa devastação, vinha o madereiro ganancioso, que na ânsia de fazer fortuna rápida, não trepidava em abater as essências mais belas que povoavam as matas, com o sacrifício ainda das madeiras sem aproveitamento. A mentalidade destruidora ainda não arrefeceu, porque a essas calamidades devastadoras veio se juntar a da fabricação, em grande escala, do carvão vegetal para a siderurgia. Até hoje ainda não foi dado incremento ao reflorestamento da bacia do rio Doce; o que lá existe é um arremêdo sem feição dirigida. As matàs da região, dentro de um lustro, serão um mito, e aquilo que florescia no princípio do século está se transformando num deserto (ARARIPE, 1954, p. 64, nota de rodapé).

Quase vinte anos depois, a devastação ainda era pior e calamitosa. Em discurso proferido para formandos da Universidade Federal do Espírito Santo, do ano de 1964, o cronista capixaba Rubem Braga, deixa uma séria advertência aos jovens formandos sobre as grandes transformações ambientais por que passou a região do rio Doce, ao longo dessas primeiras décadas do séc. XX, com clara tristeza em suas palavras:

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A advertência é sobre a excepcional responsabilidade que vai pesar sobre os vossos ombros. Ides exercer o vosso ofício em um momento muito especial da História do Brasil e particularmente da História do Espírito Santo. Minha geração assistiu e está assistindo à fase final da ocupação efetiva da terra pelo homem do Espírito Santo. Quando eu era menino ainda se derrubava matas, no sul do Estado, para plantar café. Depois as serrarias começaram a emigrar para Colatina e os pastos substituíram os cafezais do morro, na minha paisagem natal (BRAGA, 2013, p. 204).

Ainda para o cronista capixaba de renome nacional, se a “aventura desbravadora” na região do rio Doce já tinham findado na época desse seu discurso, as marcas indeléveis deixadas modificaram o território para sempre: “Conheci as matas do rio Doce na pompa e no mistério de sua pujança. Quando voltei lá, há pouco tempo, o que encontrei em muitos sítios foi uma capoeira rala, uma vegetação pobre e salteada a lembrar o sertão do nordeste” (BRAGA, 2013, p. 204). Os efeitos do acelerado desmatamento das margens do rio Doce para a ocupação humana pela cidade, agricultura e pecuária, além do extrativismo das madeiras de lei, vai cobrar em pouco tempo, um preço caro a essa rápida expansão para o norte capixaba. Medeiros, em longo artigo de 1977, relata o impacto de décadas de desmatamentos das matas ao longo do Doce, a partir da constatação de pesquisadores e cientistas, dentre eles, o capixaba Augusto Ruschi, que passou décadas lutando constantemente pela defesa das matas nativas. Itapina por sinal, como se verá mais à frente, tem em sua base econômica a pesca como um dos principais modos de vida da população desse distrito ribeirinho e já em 1977, como apresenta Medeiros, os impactos desse rápido processo de desmatamento já traziam consequências para essa atividade: Um robalo, com 30 centímetros, 6 quilos, morre em Itapina, na rota foz do rio Doce a Porto Final, após mal-sucedida viagem desova. Foi recolhido, todo ferido, pela bióloga Teresa Bucci, do programa de Desenvolvimento Pesqueiro do Brasil, incumbida de estudar a freqüência dos peixes do rio Doce. "Ele foi muito imprudente, pois peixes com mais de 3 quilos não tem condições de navegar neste rio" disse. O que aconteceu com rio Doce entre 1894 e 1977? (MEDEIROS, 2018, p.?).

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Nesse recorte de tempo da pergunta de Medeiros, do final do séc. XIX onde se começou, de forma efetiva, a navegação do rio Doce por vapores e embarcações que adentraram o século seguinte, até a proeminência logística da estrada de ferro e das rodovias estaduais e federais, Medeiros toma de Ruschi a resposta para os atuais problemas ambientais da região, já alardeados por Salm de Miranda e Rubem Braga, e do acirrado assoreamento do rio, iniciado pelo extrativismo mineral das Minas Gerais, séculos atrás, e muito piorado com o rápido desmatamento de suas margens, desde os finais do séc. XIX: A completa erradicação da Floresta rio Doce foi responsável pela destruição do rio e desertificou toda a região de sua influência segundo o cientista capixaba Augusto Ruschi: "Acabaram com as suas esponjas laterais, pois nas folhas das arvores ficam 10% da água das chuvas, e o resto se infiltra no lenço freático. Agora a água cai bruscamente em cima da terra, correndo imediatamente para o rio, provocando enchentes, transportando suas margens para o leito, assoreando o rio" (MEDEIROS, 2018, p.?).

3.1.4 O séc. XXI e o desastre de Mariana (MG) e seus efeitos sobre o rio Doce Em 05 de novembro de 2015, a barragem de detritos de mineração de Fundão, na cidade de Mariana (MG) se rompeu, causando um dos maiores desastres ambientais da história brasileira. O rastro de destruição e os impactos ambientais chegaram ao litoral capixaba, através do rio Doce, por onde toda a lama residual e tóxica, que estava contida na barragem, fluiu até o mar pela sua foz (Figura 52). Ações governamentais pelo Estado do Espírito Santo foram iniciadas rapidamente através do seu órgão ambiental, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), atuando, em um primeiro momento, no regaste da fauna local, intervenções de engenharia sobre a fluidez do rio e monitoramentos constantes do desastre e suas consequências (IEMA, 2018, p.?). Soma-se a isso, a posteriori, uma série de Autos de Intimação contra a Samarco, empresa responsável pela barragem, a criação do Comitê Gestor da Crise Ambiental na Bacia do Rio Doce (CGCA/Rio Doce), pelo Decreto Estadual nº 3.896-R/2015 e uma outra série de portarias para a criação de grupos de trabalho e ações socioambientais nas

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comunidades atingidas pelo desastre, pelo lado do Espírito Santo, além de uma Ação Civil Pública com o estado de Minas Gerais, na esfera federal (IEMA, 2018, p.?). Figura 52 – o trajeto da onda de lama de resíduos tóxicos da Barragem de Fundão, em, Mariana (MG), até a o litoral capixaba, através do rio Doce. Ilustração de Roberto Torrubia (2016)

Fonte: REVISTA PIAUÍ, 2016.

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Figura 53 – A chegada da lama de Mariana à foz do rio Doce, em Regência, Linhares (ES).

Fonte: EL PAIS, 2016.

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Figura 54 - O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG) e os efeitos do desastre da Barragem de Fundão.

Mesmo com todas as ações práticas e legais para contornar o desastre, todo esse processo não escapou de sérias críticas por parte de especialistas da ONU, em 2016, um ano após o desastre. Em seu teor, o documento apresentado, critica as ações tomadas, pois “não correspondem à dimensão do desastre e às consequências socioambientais, econômicas e de saúde”, além das ações diretas sobre as comunidades indígenas e ribeirinhas afetadas pelo desastre (REVISTA PIAUÍ, 2018, p. ?) (Figura 54 e Figura 55).

Fonte: AGÊNCIA BRASIL, 2017.

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Figura 55 – Segundo a legenda original da foto: “Antes e depois do Rio Doce em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo; a primeira no dia 9 de novembro e a segunda 10 dias depois”

Fonte: Viviane Machado e Vando Fagundes/ G1, 2018a.

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Vários relatórios paralelos e independentes já foram realizados, principalmente quanto aos impactos socioambientais causados às comunidades ribeirinhas do rio Doce. Esses, relatam de uma forma ou de outra, como a lama de detritos da mineração, estocados na barragem de Mariana, contaminou não só o leito do rio Doce, mas, a vida autossustentável dos moradores das margens do Doce, afetando tanto seu sustento econômico, baseado na vida e relação com o rio, como na percepção da fragilidade dessa mesma vida ribeirinha. O trabalho realizado pelo LEMM/LEIDETEC/GIAIA (Laboratório de Estudos do Movimento Migratório/Laboratório de Estudos de Identidades e Tecnociência/Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental) levantou, em 2016, a situação de vinte e uma comunidades ribeirinhas da região do rio Doce, focando nos impactos e narrativas da população de quatro delas, localizadas no baixo rio Doce42: Regência (Linhares), Maria Ortiz e Itapina (Colatina) e Mascarenhas (Baixo Guandu) (LEMM..., 2016, p. 5-6), pós desastre de Mariana. Em Itapina, especificamente, os relatos colhidos apresentaram um quadro de desalento com o futuro da prática mais comum de muitos que viviam da vida do rio: a pesca. Parte da cultura local, a pesca de peixes do rio Doce envolvia uma série de atividades que iam da subsistência ao comércio do pescado, chegando ao uso religioso, como atenta a equipe do LEMM/LEIDETEC/GIAIA: Na vila havia uma prática cultural da pesca, com objetivos e usos diversos. De acordo com os entrevistados, encontravam-se pescadores que consumiam e comercializavam o pescado; que pescavam para consumo e complemento da renda; e aqueles que pescavam apenas para lazer. Mas a pesca também tinha papel importante para as mulheres que faziam o uso da “pedra da corvina” para simpatias, confeccionavam redes de pesca e, como pescadoras, acompanhavam os maridos na pescaria (LEMM..., 2016, p. 42).

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O rio Doce é comumente dividido da seguinte forma: o alto rio Doce, região que vai de suas nascentes, nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, até encontrar o rio Piracicaba, em Minas Gerais; o médio rio Doce, região que abrange a confluência dos rios Doce e Piracicaba, indo até a divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo; e por último, o baixo rio Doce, sendo a região da divisa de Minas Gerais com o Espírito Santo até a sua foz, em Regência, na cidade de Linhares, onde desagua no mar do Oceano Atlântico. Ver em especial: A TRIBUNA. Suplemento Especial Navegando os Rios Capixabas – Rio Doce. Disponível em: < http://www.morrodomoreno.com.br/materias/rio-doce-o-gigante-pede-socorro.html >. Acessado em: 06 jun. 2018.

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Uma das etapas aqui realizadas pela equipe de pesquisa das Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ), foi subir o rio Doce, até o limite com Baixo Guandu, para avistar o morro que dá nome ao distrito, o Morro Itapina e perceber a relação do núcleo urbano com seu entorno natural (ver em especial os Capítulos IV e V). Nesse percurso, avistou-se nos bancos de areia existentes (sazonais com as cheias, secas e movimentos do rio) um número considerável de pescadores, em grupo ou isolados, que estavam acampados por dias nesses lugares. Isso atesta que, mesmo passados quase três anos do desastre de Mariana, a pesca ainda é um elemento importante para o distrito e seu entorno, com fortes tendências à exploração turística dessa atividade. Figura 56 – Pescadores avistados em subida ao rio Doce, de Itapina em direção à Baixo Guandu.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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De uma forma ou de outra, a pesca como atividade cultural e econômica do distrito foi atingida pelo desastre. Vista como prática de lazer ou de turismo, não necessariamente, como atestado na visita, mas, com certeza pelo lado social e, principalmente, econômico, através da prática da pesca como subsistência e comércio, ela tenha recebido maior impacto já que a lama tóxica afetou diretamente os peixes do rio. Em quase 20 dias do desastre ocorrido, já se tirava do rio Doce mais de duas toneladas de peixes mortos, e não só isso: Mais de duas toneladas de peixes mortos já foram recolhidos ao longo do leito do Rio Doce no Espírito Santo, segundo o Ibama, até esta terçafeira (24). Somente na foz, foram recolhidos 700 animais neste domingo (22) e 170 nesta segunda-feira (23) (G1, 2018b, p. ?) .

As visitas a campo feitas pela equipe de pesquisa da FAACZ deram oportunidade de conversar com alguns moradores mais antigos do distrito, ouvir suas falas e sentir, por exemplo, entre outras coisas, como foi o impacto do desastre de Mariana sobre suas vidas. A simples fala do Sr. Arlindo Mantaia Schutz, morador antigo de Itapina e pescador local ao dizer que a lama “atrapalhou muito”, resume o problema. Sem muito o que fazer e nem se arriscar a pescar para vender, o Sr. Arlindo passa o tempo ocioso, pelo menos em algo culturalmente produtivo: o artesanato de pequenas canoas (Figura 57), feitas de pedaços de madeiras encontradas na região que relembram e celebram sua vida no rio Doce (Figura 58). Por sinal, esse mesmo sr. Arlindo, por anos foi o prático responsável pela única barca a motor existente na região, que fazia o transporte pelo rio Doce, ligando uma margem a outra. Recentemente, como relatou o mesmo à equipe da pesquisa, ele foi proibido pela Marinha do Brasil a navegar com a barca, por não possuir registro e nem autorização no órgão. A barca desde 2018, então, não opera mais.

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Figura 57 – O artesanato do Sr. Arlindo, pescador e morador antigo de Itapina.

Fonte: FABIANO DIAS, 2018

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Figura 58 – Sr. Arlindo e sua vida com o rio Doce, seja na canoa ou na balsa parada (ao fundo).

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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Já para o sr. Lourival Jacobosky Machado, conhecido como Val e um dos mais ativos moradores do distrito, o impacto do desastre sobre sua vida e de seus conterrâneos atingiu de forma drástica a pesca, base de sua economia e da ligação direta com o rio Doce: Depois que essa lama chegou, muita coisa mudou em nossas vidas, a gente via a lama chegando, os peixes pulando e depois de um período você via vários peixes mortos. A gente vivia da pesca, pescava e comia, mas o mais prazeroso era estar ali pescando, o prazer de pegar o peixe, ele batendo no anzol. Além de ser prazeroso, era uma coisa que gostávamos de fazer, era a minha renda e dos colegas que pescavam e viviam da pesca. Então é muito triste, ver o rio na situação que está. Eu levantava às 4 da manhã para poder sair para o rio e pescar, porque se gente armava a armadilha na parte da tarde e tinham alguns peixes que quando malhavam na boca da noite, não aguentavam ficar até mais tarde, por isso tinha que sair de madrugada. Tinha a traíra que estragava fácil, o robalo, alguma corvina que a gente pegava também, o bagre-africano, então ele malha e logo morre, então tem que levantar cedo para pescar e olhar a armadilha. E hoje em dia a gente não pode nem comer o peixe contaminado por vários produtos químicos no rio, e não só o peixe, mas também a água, que está imprópria para beber. Mesmo com o tratamento eu não tenho confiança de tomar essa água. Era a rotina da gente estar todo dia ali no rio, tirando nosso sustento. A sardinha, época que mais dava dinheiro, a gente pegava de 100 a 150 kg por dia. Eu vendia a R$ 5,00 o kg, saindo de casa em casa, pois quem queria comprar e revender pagava R$ 2,00 a R$ 3,00 o kg. Então eu saía e tinha os compradores certos, nas lojas e mandava pra fora também. Hoje olho para o rio querendo comer um peixe e não tenho confiança de comer. A gente procurou fazer outras coisas, depois da lama nunca mais voltei no rio para pescar. A gente tomava banho no rio também. É muito triste. Eu tinha prazer de estar ali no rio, de pegar aqueles peixes. Afetou não só a mim, mas a todos os pescadores, e os nossos fregueses não têm coragem de comer os peixes 43.

Mas, de todos os impactos causados pelo desastre de Mariana sobre as comunidades ribeirinhas do rio Doce, o que mais se torna intangível é a percepção de quão é, e sempre foram sensíveis as relações entre essas comunidades e o rio, na longa história de exploração dos seus recursos naturais, como já visto aqui anteriormente: 43

Entrevista do sr. Lourival Jacobosky Machado realizada pela Arquiteta-Urbanista Danielly Ohnesorge, no dia 07 de junho de 2018.

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Os ribeirinhos se colocam numa condição de incertezas diante da questão socioeconômica e ambiental com a passagem do rejeito. Porém, com a tragédia, evidenciou-se a degradação do rio que já vinha ocorrendo, acentuando a percepção deles diante desta questão: sempre experimentaram abusos de uso do recurso, e apesar da degradação, nada vinha sendo efetivamente feito para a recuperação do Doce. Ao contrário, diversos atores na ocupação das margens da bacia hidrográfica vinham agindo, antes do rompimento da barragem, com negligência na utilização do solo (CARVALHO, 2008). Os ribeirinhos ainda afirmam: os problemas que mais ameaçavam a pesca nestas comunidades eram a escassez de recursos pesqueiros, devido a ações como a pesca predatória, o represamento e o assoreamento dos rios, o desmatamento das matas ciliares e a introdução de espécies exóticas” (LEMM..., 2018, nota 61, p. 53).

O que resta à Itapina está ainda inscrito no futuro. No presente, sua vida pacata reflete a relação dessa comunidade com a paisagem do entorno, marcada pelo rio Doce, pelo que restou de vegetação nativa e pelo morro, que mesmo ao longe e perceptível de modos diferentes tanto do núcleo urbano como do rio, lembra a todo instante as origens de seu último e definitivo nome. Do silêncio que molda o sítio histórico, somente a passagem diária do trem da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) (Figura 59), levando cargas e gente, lembra que esse pequeno e quase esquecido núcleo urbano teve uma vida movimentada por um curto tempo histórico. E mesmo curto, esse tempo deixou marcas no lugar e em sua paisagem, como veremos a seguir.

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Figura 59 – O trem de cargas da CVRD levando chapas e lâminas de aço.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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3.2.

ITAPINA: DA GLÓRIA AO QUASE ESQUECIMENTO44

O núcleo urbano de Itapina (Figura 60), distrito pertencente a Colatina e localizado na divisa com Baixo Guandu, surge de uma conjuntura de fatos históricos e geográficos que tem no rio Doce, o ponto de origem. Na verdade, a história de Itapina se mistura a história de ocupação do vale do rio Doce nos finais do séc. XIX, em especial, da região de Colatina e, principalmente, a partir das ondas imigratórias de novos colonos estrangeiros, vindos pelos rios tributários do rio Doce, localizados na região central do Espírito Santo, e que se juntam aos brasileiros vindos de várias partes do país. Figura 60 – O núcleo urbano de Itapina visto da margem norte (ou esquerda) do rio Doce.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

A própria história de Itapina e a importância comercial e social que esta teve, ao longo de mais de cinquenta anos do séc. XX, é carente de dados consistentes, pois o que se tem (e o que foi conseguido para essa pesquisa) está fragmentado em livros sobre a história do rio Doce, da

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O conteúdo desse subcapítulo foi desenvolvido e adaptado especialmente para essa pesquisa, a partir de texto elaborado por Lorena de Andrade Castiglioni, Arquiteta-Urbanista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, em 2010 e mestra pelo PPGAU-UFES em 2014.

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cidade de Colatina ou em trabalhos e pesquisas de cunho científico, onde a base histórica desse distrito veio de relatos orais de antigos moradores ou de seus descendentes. Para entender sua história, a história que seu núcleo preservado conta enquanto narrativa, é necessário concluir a inserção desse pequeno território colatinense na fase final de ocupação do vale do rio Doce, e todas as transformações que o mesmo passou desde o séc. XIX, como visto anteriormente. Itapina é um reflexo dessas transformações, uma consequência registrada em seu casario e desenho urbano preservados, de uma época onde a presença do homem civilizado, puxados pelo poder econômico do café e favorecidos pela terra (originalmente) fértil e pela estrada de ferro, tiveram tamanha força de transformação em uma paisagem primitiva de matas cerradas. As sucessivas e malogradas tentativas de colonizar a região pelo Estado ou por empreendedores quase aventureiros, através do comércio e do transporte fluvial do rio, não resultou em efetivas ocupações de suas margens. O relevo do interior capixaba, as matas densas, a histórica braveza dos índios Botocudos, as doenças, o medo do desconhecido e a própria navegabilidade do rio que nem sempre favorecia aos que buscavam subir suas águas, foram obstáculos naturais que afugentaram por séculos a ocupação da região. Mas, a necessidade fez a urgência: colonos imigrados da Europa, de origem teuto-italiana, principalmente, que ocupavam as terras do planalto capixaba desde meados do séc. XIX, foram empurrados para terras em direção ao rio Doce, pela rápida deterioração do solo de suas propriedades. Ali ainda havia a oportunidade de conquista de grandes extensões de terras desocupadas, mais férteis para o plantio, para a pecuária e para a exploração de madeira, tendo o rio Doce, em um primeiro momento, como estrada fluvial natural para o comércio e pequenos povoados implantados nas margens do trecho capixaba, já consolidados ou em fase de consolidação como Linhares e Baixo Guandu. O processo de ocupação por imigrantes estrangeiros e ainda por brasileiros de estados vizinhos, nos finais do séc. XIX e começo do XX foi acelerado pela chegada da estrada de ferro que ligou Vitória à Minas Gerais, ampliando as trocas comerciais entre ambos estados, bem como

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com o mundo exportador e importador, através do Porto de Vitória. E no meio do caminho, floresceram as pequenas vilas, povoados e núcleos urbanos já existentes ou que surgiram por conta desse fluxo comercial e de gente: Com o avançamento da linha, foram se fixando núcleos nas estações inauguradas, surgindo as cidades e povoados, tais como: Itapina (Lage), Baixo Guandú, Aimorés, Itueta, Resplendor, Lajão (Conselheiro Pena de hoje), Cuieté, Cachoeirinha (hoje Tumiritinga), Figueira (Governador Valadares) e Coronel Fabriciano (ARARIPE, 1954, p. 32).

Pelos mesmos trilhos que se levavam a produção de café, as toras de madeira, e no começo do séc. XX os vagões cheios de minério de ferro da cidade mineira de Itabira, também se transportavam pessoas em busca de uma nova vida, brasileiros e estrangeiros, que misturaram cultura, costumes e modos de viver nesses novos núcleos urbanos. O distrito de Itapina surge, portanto desse afluxo de pessoas, da produção de café, da madeira extrativista e do minério de ferro, tendo no trilho dos trens o meio rápido de escoar essa produção, de trazer novos produtos das cidades vizinhas, da capital e do mundo e, ao mesmo tempo atrair mais e mais levas de colonos a se aventurarem por essas matas tropicais do rio Doce, que rapidamente deixaram de ser virgens e desocupadas. A região do rio Doce foi por parte do séc. XIX pertencente, territorialmente e administrativamente, à Vila e depois município de Linhares45 localizada no baixo rio Doce. Esse território se estendia de Regência, na foz do rio, até a região de Mascarenhas, em Baixo Guando, no limite com Minas Gerais, chegando ainda ao limite norte com São Mateus (TEIXEIRA, 1975, p. 23) (Figura 61). Os extremos capixabas do rio são ocupados muito por conta de sua posição militar – Linhares que surge no começo do séc. XIX a partir da destruição do quartel de Coutins pelos

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Até 1827, Linhares e toda a região do rio Doce faziam parte do distrito de Reis Magos, passando à Vila com câmara empossada em 1833, quando são definidos os limites de seu território que abrangia todo o rio Doce, até a divisa com Minas Gerais e as terras ao norte, no limite com São Mateus (COLATINA ON LINE, 2018, p. ?).

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índios Botocudos e, Baixo Guandu e sua posição entre o Porto de Souza e a divisa mineira, enquanto que o intermédio continuou praticamente desocupado por quase todo o séc. XIX. Figura 61 – Mapa da Comarca de Linhares de 1912, indo da foz do rio Doce, em Regência, até a divisa com Minas Gerais, em Baixo Guandu., incluindo Colatina (ao centro). Acervo de Altair Malacarne.

Fonte: (original) Carta Graphica do Espírito Santo, Gráphica Pimenta de Mello e Cia, Rio de Janeiro, 1912

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A efetiva ocupação da região capixaba do rio Doce, por colonos brasileiros de outros estados e das áreas de colonização antiga de Santa Teresa e Santa Leopoldina (Figura 62), além das novas levas de imigrantes que chegam à região mais tarde, começa em 1866: migrantes fluminenses e mineiros ocupam as “terras altas e baixas” do rio Guandu, se espalhando pela região sul e norte do rio Doce, margem à dentro. Espalham-se tanto pela região da atual cidade de Baixo Guandu, ao sul do rio Doce, como pelo lado norte, na região da atual cidade de Pancas (TEIXEIRA, 1975, p. 16) (ver Figura 45). Uma primeira leva de imigrantes europeus chega à região, levados pelos povoadores fluminenses, em 1889. Nesse meio tempo, chegam famílias de colonos italianos pelo rio Doce à Guandu, aproveitando-se das iniciativas e navegação do rio, mas, nem um pouco fáceis46 (TEIXEIRA, 1975, p. 16).

46

Segundo Teixeira, a família de Francisco Tagarro e a “caravana Fortunato Barbosa de Menezes, sua esposa e três filhos” tiveram uma quase trágica viagem de Regência à Guandu, em 1879, a bordo do vapor São João em sua viagem inaugural (TEIXEIRA, 1975, p. 17).

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Figura 62 - Segundo legenda original: “Detalhe do mapa de 1878 onde está localizada a Colônia de Santa Leopoldina (1856), às margens do rio Santa Maria da Vitória. Ao norte encontrava-se o Núcleo do Timbuhy, atual município de Santa Teresa. Ao sul a colônia expandia-se até o rio Jucu, em cuja margem oposta estavam demarcados os lotes da Colônia de Santa Isabel”.

Fonte: FRANCESCHETTO, 2014, p. 49

151


A subida dos colonos europeus em direção ao rio Doce (Figura 63) começa a partir de 1876, com ocupação da região dos rios 25 de Julho e 5 de Novembro, ambos em Santa Teresa “no rumo do rio Doce”, segundo Teixeira: Desde então, por todos os caminhos possíveis, penetravam colonos, imigrantes ou descendentes deles, e brasileiros, principalmente do sul do Estado, nas densas matas, pelos vales dos rios e córregos, em busca de localização de suas propriedades agrícolas. A fama das terras, a fartura de madeira, o surto cafeeiro, a abundâncias das águas correntes, tudo atraia colonos ambiciosos de prosperidade (TEIXEIRA, 1975, p. 17) 47.

47

Mas, mesmo antes dessa ocupação originária às margens do rio Doce, na região da atual cidade de Colatina, já recebiam visitas de caçadores, madeireiros e tropas de comerciantes – como relata a Princesa Teresa da Baviera em seu percurso em direção ao rio Doce (BAVIERA, 2013, p. 77-86), ao passar pelo rio (“ribeirão”) das Lage, além da presença de Oficiais do Estado, como apresenta Bussato, sobre o trabalho do engenheiro Cristiano Boaventura da Cunha Pinto, que em 1877 demarcou áreas na foz do rio Santa Maria do rio Doce, onde nos dizeres do engenheiro, “plantou-se um marco de madeira de lei com as formalidades do estilo, na extremidade da língua de terra que separava as águas do rio Doce das do Santa Maria” (BUSSATO, 2002, p. ?). Vale lembrar ainda, que na “Carta chorographica da provincia do Espírito Santo, de E. de La Martinière, de 1861” (ver Figura 32), a região de Lages, onde mais tarde daria origem ao distrito de Itapina, aparece demarcada como propriedade do Dr. Nicolau R. dos Santos França Leite, como parte das sesmarias do rio Doce que recebeu para colonização em 1857, empreendimento que não vingou, como visto antes. Na própria Planta da Província do Espírito Santo, de 1878, onde estão demarcadas as colônias de imigração, a região da foz do rio Lage aparece novamente demarcada, conforme legenda da planta, como “Terreno de particulares”, dentre outras áreas do rio Doce (Figura 62), mas, sem a identificação do proprietário (até o momento não foi possível identificá-lo).

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Figura 63 – Fragmento do mapa de Egler, de 1944 (ver Figura 45), tendo em destaque a região de colonização entre Colatina e Baixo Guandu e os ondas imigratórias vindas desde os final do séc. XIX.

Fonte: EGLER, 1962, fig. 8.

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Em 1887, é fundado o núcleo colonial Senador Antônio Prado48 entre os rios Mutum e Santa Maria do rio Doce (Figura 64), área ao sul do rio Doce, com a demarcação de lotes pela então Inspetoria Especial de Terras e Colonização da Província (IBGE, 2018, p. ?). Nos anos seguintes, a expansão em direção ao rio Doce é continuada com a criação de novas colônias: “Demétrio Ribeiro (1891), nas divisas entre os afluentes do rio Doce e do rio Piraquê-Açu, e Moniz Freire, em 1894, na margem sul do rio Doce, entre as atuais cidades de Colatina e Linhares” (FRANCESCHETTO, 2014, p. 62).

48

Em Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, em “nas terras devolutas que se encontravam na várzea do ribeirão Preto e do córrego Retiro”, também foi criado um núcleo colonizador de imigrantes estrangeiros com o nome de Núcleo Colonizador Senador Antônio Prado, no ano de 1887. Aos moldes do núcleo em terras capixabas, o mesmo foi implantado em terras devolutas da província paulista, a partir do surto da produção cafeeira no Brasil do fim do séc. XIX. Ver em especial: MANHAS; MANHAS, 2011. E ao longo da história da colonização do interior do Brasil por colonos estrangeiros, as colônias Antônio Prado do Espírito Santo e São Paulo, não foram os únicos exemplares com esse nome, não se esquecendo, por exemplo, do atual município de Antônio Prado no Estado do Rio Grande Sul, originário de uma colônia de imigrantes em 1886 (ver em especial o site da prefeitura de Antônio Prado: http://www.antonioprado.rs.gov.br/secao.php?id=1 .

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Figura 64 – Planta de 1894 do Núcleo de Antônio Prado (em destaque)

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO, 2019.

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Em 1888, chega uma leva de imigrantes italianos que ocuparão Antônio Prado. Essa ocupação inicial, se estende até 1891, período conturbado, como dito anteriormente, da passagem do Império à República. Em relatório da época, o coronel Augusto Nogueira da Gama, enviado a mando do então Governador do Estado Afonso Cláudio de Freitas Rosa, expõe a penúria em que ficaram essas colônias, sem o apoio estatal nesse momento de transição político-administrativo: Nos dois últimos meses os colonos ali localizados sofreram grandes provações motivadas pela falta absoluta de gêneros alimentícios com que provessem a sua subsistência, produzindo essa falta desagradável impressão no espírito de todos que dela tiveram conhecimento, de modo que convém por todos os meios fazê-la cessar de vez a fim de não fazer abortar o povoamento de uma zona tão prometedora de grandes vantagens para os colonos que nela se estabelecerem e de imenso futuro para a prosperidade deste Estado, confiado hoje ao vosso alto critério e alevantado patriotismo, o qual hoje mais do que nunca, precisa pôr em ação todos os recursos de que é dotado (BUSSATO, 2002, p. ?).

Mesmo assim, o núcleo de Antônio Prado dá origem a oito seções que se distribuem ao longo da região, até às margens do rio Doce. São elas: Santa Maria, São Jacinto, Mutum, Baunilha, Baunilha de Baixo, Baunilha de Cima, Córrego da Ponte e Colatina. Essas seções se distribuíam, segundo Bussato, das nascentes dos rios até sua foz (BUSSATO, 2002, p. ?). Após um ano de fundação da Colônia de Antônio Prado, Colatina surge do barracão implantado nas proximidades do encontro da foz do rio Santa Maria com o rio Doce, na parte mais alta das margens do Doce (ver Figura 65), onde no começo do séc. XX surgiria a primeira povoação de Colatina. Após a construção da estrada de ferro Vitória Minas e da primeira estação, em área fora da vila, essa rapidamente seria chamada de Colatina Velha, já que uma nova povoação surgiria em volta da estação, unindo-se mais tarde com a área mais antiga e original. O Barracão de Santa Maria, como ficaria conhecido o edifício de passagem dos novos colonos, recebe o nome de Colatina em homenagem à esposa do então Governador do Estado do Espírito Santo, Moniz Freire. Rapidamente a região da hoje Colatina, com seu barracão de imigrantes próximo às margens do rio Doce, assume-se como sede principal do Núcleo Antônio Prado, formalizando a ocupação de toda essa região.

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A transformação do barracão em vila se inicia com a demarcação dos primeiros lotes urbanos, a partir de edital público do Governo do Estado, de 1° de julho de 1893, convocando os requerentes dos lotes da antiga área do Barracão de Santa Maria (BUSSATO, 2002, p. ?). Ao longo do processo, que durou pouco mais de um ano, e a troca de requerentes por outros interessados, lotes com dimensões de 10 metros de frente por 15 metros de fundos foram demarcados (BUSSATO, 2002, p. ?), mas as ocupações dos mesmos foram lentas, mas apresentaram desde o início, uma composição cultural eclética, segundo Bussato (2002, p. ?), pela mistura dos novos moradores e suas origens: italiana, alemã, poloneses, brasileiros e de outras partes do mundo que vão chegando à região ao longo das primeiras décadas do séc. XX.

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Figura 65 – Segundo a descrição de José Luiz Pizzol para essa foto: “Rua principal de Colatina "Velha" em 1908. A primeira construção local foi o Barracão dos Imigrantes, de 1890, demolido nos anos 1950 para a construção da Cadeia Pública. Foto (pormenorizada) de Eutychio d'Oliver. IPHAN ES”.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2017

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O desenvolvimento da Vila de Colatina é acelerado com a chegada da estrada de ferro e a construção de sua primeira estação de paragem: A vila de Colatina crescia, espalhando casas e diminuindo a distância entre os dois focos de seu crescimento, margeando o rio Doce. Tinha sua padaria, sua escola [...], seu comércio prosperando e dando vida à localidade. Inaugurada sua estação de ferroviária, a 20 de dezembro de 1906 [...], a modesta vila ganha importância extraordinária, pois passa a ter comunicação direta com a capital do Estado, tendo, a partir de então, meio de transporte rápido e barato para suas produções e seu comércio já intenso (TEIXEIRA, 1975, p. 20).

Ainda enquanto vila e pertencente ao município de Linhares, Colatina assume prominência sobre a sede Linhares por conta do expressivo comércio que passa a exercer com Minas Gerais e Vitória, através da ferrovia. Tirando de Linhares a importância comercial e política da região (TEIXEIRA, 1975, p. 21), assume em 1907 o posto de sede49 do município e, em 1921, é transformada em munícipio ao mesmo tempo em que Linhares e todo seu território fazem parte agora do município de Colatina (TEIXEIRA, 1975, p. 21). Linhares somente irá recuperar o posto de município em 194350, ao ser desmembrada de Colatina.

49

“Em 1907, Colatina torna-se, legalmente, a sede do município, que anteriormente era Linhares. Colatina continuava como Vila, com a Câmara Municipal de Linhares e a sede da Comarca com todo o aparelhamento judiciário. Linhares continuava a ser a sede do município e da Comarca, apenas nominalmente. Toda a sua administração concentrava-se em Colatina.” (TEIXEIRA, 1975 p. 21). 50 Historicamente essa mudança de status administrativo ocorreu da seguinte maneira: De freguesia, em 1818, Linhares foi transformada em Vila em 1833. Em 1895 o distrito de Mutum é anexado à Vila de Linhares ; em 1905 é criado o distrito de Acioli de Vasconcelos e anexado também a Linhares; dois mais tarde, o Colatina é anexada a Linhares como seu distrito. Em 1915 é criado o distrito de Baixo Guandu e anexado à Linhares. Baunilha, em Colatina, é também anexada à Linhares em 1917. Em 1920, Linhares é alçada a categoria de município, possuindo oito distritos (Linhares, Acioli de Vasconcelos, Regência, Baixo Guandu, Baunilha, Colatina, Mascarenhas, Mutum e Regência). Um ano depois, pela já importância de Colatina, o município de Linhares muda de nome para Colatina, ficando Linhares subordinada como distrito. E, somente em 1943 que Linhares é desmembrada de Colatina, assumindo o posto de cidade até os dias de hoje, contando, agora com nove distritos (Linhares, Bebedouro, Desengano, Farias, Pontal do Ipiranga, Povoação, Regência, Rio Quartel e São Rafael) (IBGE, 2018).

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Figura 66 – Segundo José Luiz Pizzol: “Colatina "Nova" 110 anos atrás! Essa parte, um bairro da Colatina "Velha", fundada em 1889 e cerca de um quilômetro a leste, surgiu num curto espaço de tempo em torno da Estação Ferroviária, inaugurada em 20-12-1906 e visível ao fundo, com dois trens diante dela. A rua por onde passava os trilhos (até 1975) é a atual Avenida Getúlio Vargas, a principal da cidade. Foto do Álbum Jerônimo Monteiro (1908-1912).

Figura 67 – A Vila de Colatina em 1908, em foto de Eutichio d’Oliver. Ao fundo, a primeira estação de trens de Colatina.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÌRITO SANTO, 2018

Fonte: ALTAIR MALACARNE MALACARNE/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2017

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A então cidade de Colatina (Figura 68) toma novo impulso com a construção da Ponte Florentino Avidos (ver Figura 69 e A construção da Ponte Florentino Avidos, por fim, foi a indutora do surgimento de novas áreas de ocupação nas matas da margem norte do rio Doce, através da entrada desses novos colonos que deram origem, anos mais tarde, aos núcleos urbanos de São Domingos do Norte, Pancas, Marilândia, Alto Liberdade, Novo Brasil, São Gabriel da Palha, São Rafael, Rio Bananal entre outros (SARTÓRIO, 1996, p. 158), se transformando, no caso de alguns desses núcleos iniciais, em novos municípios do norte do Espírito Santo nas décadas seguintes. Figura 70),

em 1928, que ligará as duas margens do rio, criando assim, um novo ramal viário entre a capital Vitória e toda a região norte do

Espírito Santo, incluindo São Mateus. Além disso, a ponte que nos planos originais daria passagem também aos trilhos de trem (plano não concretizado, por sinal), abriu caminho para a entrada de novas levas de imigrantes alemães e poloneses, incluindo-se brasileiros na colonização da margem norte do rio Doce (ARARIPE, 1954, p. 32), outra antiga e histórica conquista de colonização do vale do rio Doce, desde a malsucedida iniciativa do Dr. Nicolau R. dos Santos França Leite, em 1857, e sua Francilvânia (lugar que deu, nesse momento, origem ao bairro de São Silvano em Colatina).

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Figura 68 – A cidade de Colatina em 1921. Foto do Álbum Espírito Santo 1922, editado no governo de Nestor Gomes. Acervo de José Luiz Pizzol.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2015.

Aliada a estrada de ferro, a rodovia estadual que atravessa a Ponte Florentino Avidos amplia a importância comercial e econômica e, por tabela, política de Colatina em relação à região norte/noroeste do Estado do Espírito Santo: A construção da ponte sôbre o Rio Doce, começada no governo de Carlos Lindenberg, foi concluída no fim do período do Governador Jones e completará a obra necessária para o pleno desenvolvimento dessa região ubérrima. A cidade carinhosamente cuidada pelas administrações municipais cresce rápida e singularmente (ALMEIDA, 1959, p. 21).

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Figura 69 – Ponte Florentino Avidos na época de sua construção, em 1926

Fonte: ARQUIVO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018

A construção da Ponte Florentino Avidos, por fim, foi a indutora do surgimento de novas áreas de ocupação nas matas da margem norte do rio Doce, através da entrada desses novos colonos que deram origem, anos mais tarde, aos núcleos urbanos de São Domingos do Norte, Pancas, Marilândia, Alto Liberdade, Novo Brasil, São Gabriel da Palha, São Rafael, Rio Bananal entre outros (SARTÓRIO, 1996, p. 158), se transformando, no caso de alguns desses núcleos iniciais, em novos municípios do norte do Espírito Santo nas décadas seguintes.

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Figura 70 – Vista aérea de Colatina, por volta da década de 1950, com a Ponte Florentino Avidos construída e interligando os dois lados da cidade, em margens opostas ao rio Doce.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

Trinta anos depois, uma segunda ponte começou a ser construída no distrito de Itapina (Figura 72, Figura 80 e Figura 81), então uma das localidades mais prósperas da região, com um comércio ativo e variado desde as primeiras décadas do séc. XX (Figura 71), fruto da produção e exportação do café, que via nessa ponte uma nova e mais rápida ligação com a sede Colatina e, para alguns, necessária para a expansão de municípios vizinhos, como Baixo Guandu, Pancas, Itarana, Itaguaçu, Afonso Cláudio e Santa Maria do Jetibá (TARDIN, 2014, p. 15). Mas a obra que ligava as duas margens do rio Doce - saindo de dentro do núcleo urbano de Itapina, a partir da Av. Eliza Castiglione Rosa e chegando à margem oposta,

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na atual BR 259 - nunca foi concluída e oficialmente nada foi apresentado como justificativa para a paralisação das obras em 1958. Somente sabe-se que para o Governo Federal ela está concluída, e que a história conta que o abandono da obra pela construtora ocorreu por “erros de alinhamento na estrutura” (TARDIN, 2014, p. 15). Figura 71 - Casa de negócios (café, cereais e madeiras) Mafra & Irmãos, em Lage, por volta das primeiras décadas do séc. XX, que segundo Fábio Pirajá, a página “Memória capixaba”, tinha filiais em Aimorés, Pedra Corrida, Nack, Porto da Pedra Escura em Minas Gerais e Estação da Lage e Estrada de Ferro Vitória a Minas (a empresa também possuía um estabelecimento em Itarana). Acervo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

Fonte: ANDRE MALVERDES/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2016

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Figura 72 – Construção da ponte de Itapina, sem data certa. Arquivo Público do Estado do Espírito Santo

Fonte: CLICARITAPINA, 2018

É fato comum atribuir na história de Itapina a sua estagnação econômica, em parte, motivada pela não conclusão dessa ponte. Com certeza, com sua construção a ligação com Colatina, hoje tão distante, seria reduzida, facilitando tanto o comércio entre ambos os núcleos urbanos

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como com os municípios vizinhos. Sua construção foi autorizada em 1953 pelo Governo Federal, através do Ministério da Viação, através da Circular 200/53 (SARTÓRIO, 1996, p. 418), e fazia parte do Plano de Valorização Econômica do governo estadual, onde estavam inclusas a pavimentação de rodovias estaduais e federais e a construção de pontes em concreto armado (SARTÓRIO, 1996, p. 543-544). Uma terceira ponte, anos mais tarde, foi construída sobre o rio Doce (Ponte Fontenele) no limite entre os municípios de Colatina e Baixo Guandu (Figura 73). E mais recentemente ainda, uma última ponte foi criada, na entrada da cidade de Colatina, ligando as duas margens do rio Doce pela BR 259, que contorna a cidade pela região de São Silvano, indo em direção à Baixo Guandu ao retornar à margem sul do rio Doce pela Ponte Fontenele. Hoje, Itapina se ressente de seu desligamento com a sede Colatina. A distância entre ambas e a dificuldade de comunicação viária, ampliou o isolamento desse antigo distrito de sua história compartilhada de progresso e crescimento com Colatina, desde meados do séc. XX.

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Figura 73 – Ponte Fontenele, vista rio acima, do lado de Baixo Guandu para Colatina.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

O distrito de Itapina (Figura 79, Figura 80 e Figura 81) é fruto tanto da expansão colonizadora da região de Colatina, que desbravou as regiões entre os rios Santa Maria do rio Doce e Santa Joana, afluentes do rio Doce, chegando até à foz do rio Lages, como do próprio caminhar da implantação dos trilhos de trens que margeavam o rio. Em pesquisa de campo realizada pelo geógrafo Orlando Valverde, no ano de 1960, sob encomenda da F.A.O. (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o mesmo percorreu e registrou uma gama variada de aspectos físicos, geográficos e históricos de três distritos “meridionais” do município de Colatina: Itapina, Boapaba e Baunilha. Em Itapina, valendo-se da pesquisa em campo e relatos de outros geógrafos, como Egler, por exemplo, que percorreu a região de Colatina nos finais da

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década de 1940 e, principalmente, de informações históricas de moradores locais, o autor tenta construir os fatores que deram origem a ocupação da região de Itapina, além dos outros distritos trabalhados em seu livro51. Analisando tanto a zona rural como o núcleo urbano às margens do rio Doce, Valverde identifica as origens da ocupação da região de Itapina, partir da década de 1920, pelo aspecto dos cafezais ainda existentes em 1960, ao se apresentarem velhos ou mortos (VALVERDE, 1960, p. 20). O café trouxe os primeiros colonos à região, a procura de terras mais férteis; mas essas terras – antigas matas derrubadas para o plantio, como as das colônias de imigrantes, rapidamente se esgotaram transformando-se, em um segundo momento, em pastos para o gado, que se misturam ainda na paisagem local com o café, a agricultura de subsistência e a mata “brocada” no alto dos morros (VALVERDE, 1960, p. 21). E essa paisagem, no relato de Valverde, já não demonstrava mais uma realidade de prosperidade que um dia houve no distrito, mas apresentava, pelo contrário, um sério problema social ligado ao campo: Esta paisagem, que tem certa beleza e poesia, não reflete, de modo algum, sua situação econômica próspera. A única fonte de receita regular do sitiante52 é o café. [...] Ora, tal situação não é brilhante, sob nenhum aspecto. Se levarmos em conta que o sitiante tem geralmente família grande, devemos considera-lo um homem pobre. Se sobreviver qualquer doença na família, a sua situação será de miséria. Ele só possui, de fato, um minguado capital: a terra, que, entretanto, vai sendo esgotada progressivamente pelas práticas agrícolas semibárbaras (VALVERDE, 1960, p. 21).

51

. Ver em especial: VALVERDE, Orlando. Os distritos meridionais do município de Colatina Espírito Santo. Rio de Janeiro: Serviço Social Rural, 1960.

52

A autor ainda faz uma comparação com a situação social local do distrito de Itapina e da região rural de Colatina, com as experiências vividas na região da Zona da Mata, com ricas florestas devastadas e o solo esgotado pela agricultura e as relações de trabalho e serventia entre os produtores rurais: “Nas zonas em que as fazendas de café predominam, a estrutura social e econômica se complica. No meio da escala social, está o sitiante; no extremo inferior, fica o meeiro; no superior, o fazendeiro” (VALVERDE, 1960, p. 22). Itapina, hoje, administrativamente encontra-se na zona rural de Colatina, enquanto um de seus seis distritos: a sede Colatina, Baunilha, Boapaba, Ângelo Frechiani, Graça Aranha e, Itapina.

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Figura 74 – Foto de Itapina de 1960, tirada por Valverde na margem oposta do rio Doce.

Fonte: VALVERDE, 1960, p. 32

170


O relevo local foi um dos facilitadores da ocupação das áreas do rio Doce por onde margeia a região de Colatina. Para Valverde e outros como Egler, Hartt e Silva Pontes, a relação entre a formação geológica local, aliada a séculos de erosões causadas pelo rio Doce sobre o relevo criaram platôs, elevações regulares, ou terraços (VALVERDE, 1960, p. 8) nos alargamentos das margens do rio que possibilitaram, após a derrubada das matas, a civilização da região e a implantação da infraestrutura urbana e viária: a abertura de estradas, a construção dos núcleos urbanos e seus casarios etc. Mas, segundo o autor, a variação nas larguras das margens do rio Doce em Colatina não possibilitou uma ocupação por igual, já que na sede, por exemplo, a ocupação em direção leste do rio Doce subiu os morros pelo estreitamento do leito do rio, criando duas situações singulares nessa região: o desenvolvimento de Itapina (Figura 75) que “aproveitou um alargamento dos terraços, raro em suas vizinhanças, no alvéolo da confluência do Laje com o Doce” (VALVERDE, 1960. P. 8), em contrapartida da situação de Porto Belo (ver Figura 83 ), ocupação mais antiga que Itapina, mas que pela situação de estreitamento do leito do rio Doce nessa região, não teve por onde se desenvolver (VALVERDE, 1960, p. 8).

171


Figura 75 – Imagem de Itapina no ano de 1986 (comparar com as Figura 60 e Figura 74). Acervo de José Luiz Pizzol.

Fonte: REVISTA NOSSA/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

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Itapina encontra-se distante da sede do município em 25 Km. Percebe-se nas Figura 76 e Figura 77, que ainda hoje a ocupação das margens do rio Doce em Colatina manteve a lógica da ocupação inicial, ao tirar partido do relevo mais plano para se expandir, enquanto as margens mais estreitas e com menos áreas em terraço serviram no máximo para a passagem das estradas, sejam de rodagem ou de ferro, com as devidas adaptações que se fizeram necessárias ao longo da décadas. A ocupação da sede se desenvolveu por entre vales e subindo os morros para dentro do território, nos dois lados das margens do rio Doce. Já que o relevo que se desenvolve entre a sede e Itapina, não ajudou no espalhamento do tecido urbano entre os dois núcleos (ver Figura 76 e Figura 77),

ao longo do último século. Isso, de certa forma, favoreceu o isolamento de Itapina (Figura 78) da sede Colatina, já que os acessos ou

eram via o rio ou por estradas muito precárias, dificultando a comunicação entre ambos os núcleos.

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Figura 76 – Fragmento da Carta de Colatina em escala de 1:100.000, do ano de 1979, destacando a região entre a sede de Colatina e o distrito de Itapina, às margens do rio Doce.

Fonte: MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E COORDENAÇÃO GERAL /IBGE, 1979

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Figura 77 – imagem do Google Earth® de setembro de 2017, destacando a mancha urbana da sede Colatina, à direita e no extremo esquerdo, a localização de Itapina.

Fonte: GOOGLE EARTH®, 2018.

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Figura 78 – “Planta Funcional” de Itapina, levantada em 1960 por Orlando Valverde para sua pesquisa de campo.

Fonte: VALVERDE, 1960.

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Figura 79 – Imagem aérea da configuração urbana atual de Itapina, às margens do rio Doce

Figura 80 – Aspecto (parcial) de Itapina em 1920. Foto do acervo de Ariadne Rodrigues Machado

Fonte: LENE SOUZA/ITAPINA DO FUNDO DO BAÚ, 2018.

Fonte: CLICARITAPINA, 2016.

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Figura 81 – Itapina em 1964, com imagem da ponte inacabada sobre o rio Doce ao fundo.

Fonte: ANDRÉ MALVERDES/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2016

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Nas primeiras décadas do século XX, o distrito de Itapina ganhou notoriedade pela produção do café. Contudo, outras atividades também sobressaiam, como a extração de madeira, comércio de tecidos, serviços de hospedagem, clubes, lojas de carros importados, cinema e hospital. Também era grande o número de caminhões que trafegavam na região, transportando moradores, alimentos e mercadorias em geral, como exemplo de prosperidade dessa comunidade. De acordo com dados enviados pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (2010)53 e entrevistas com moradores mais idosos da região, em torno da década de 1930, grande parte de Itapina já era servida de luz elétrica, com fornecimento oriundo da propriedade de Aurélio Pavan, a partir da represa no rio Lage que o mesmo havia construído. O povoado crescia à passos largos, acompanhando o desenvolvimento da região, principalmente após a chegada dos trilhos de trens e a construção de suas estações de embarque e desembarque. Lajes (ou Lages e até Lage, dependendo da grafia da época), antes de ser chamada de Ita e, por fim, Itapina, começava a ser referência em serviços locais já no final da década de 1910, como relata Miranda, em uma passagem curiosa da época, que diz muito da situação em que vivia a grande maioria dos imigrantes que chegavam a região, desde o princípio do séc. XX: - “Seu” Moreira, eu prefiro não tomar. Injeção é muito caro e quem é pobre não precisa destas coisas. Se eu fôr tomar injeção, lá se foi metade da peroba que eu vendi... O farmacêutico de Laje fêz questão de dar injeção na mulher de um camarada do Bonn, que estava apanhando café e foi mordida no pulso por uma surucucú-patioba; êles não queriam, mas o homem insistiu, fêz mêdo e deu a injeção; botou na agulha três vidrinhos de remédio, cada um duzentos mil réis, cem pelo trabalho e cobrou setecentos mil réis, que a pobre ainda hoje está pagando (MIRANDA, 1949, p. 90).

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Informação colhida de material enviado à Arquiteta-Urbanista Lorena Castiglioni, em 2010, enquanto ainda estudante de arquitetura e urbanismo da UFES e durante o desenvolvimento de seu projeto final de graduação.

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A navegação no Rio Doce foi, em um primeiro momento, fator crucial para a prosperidade econômica e social de Itapina, por sua localização privilegiada em região elevada na margem sul do rio Doce. Após um século de tentavas de tornar o rio rota navegável entre o Espírito Santo e Minas Gerais, somente nas primeiras décadas do séc. XX isso se efetivou, mas em parte, já que suas condições e os obstáculos naturais ainda impediam o avanço desse projeto antigo. Em parte, pois, ao longo dos primeiros cinquenta anos do séc. XX efetivou-se somente a ligação fluvial mais curta entre as Vilas de Linhares (Figura 82) e de Mascarenhas (depois, Baixo Guandu), e em pouco tempo, encurtando-se ainda mais, entre Linhares e Colatina. Figura 82 – Transporte em balsa pelo rio Doce, na região de Linhares, por volta de 1950

Fonte: JOSÉ LUIZ PIZZOL/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

Ao longo desse trecho, foram naturalmente se constituindo portos, se assim podiam ser chamadas as paradas de pedestres e cargas, ou ainda de abastecimento de lenha para as embarcações à vapor, localizadas ao longo da margem sul do rio Doce. Na verdade, eram áreas da margem

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do rio mais suscetíveis à atracação das embarcações, apoiadas por pranchas dos barcos maiores que faziam o translado entre o barco e terra (quase) firme (ver Figura 86), e próximas o suficiente dos pequenos núcleos que se desenvolviam nas primeiras décadas da ocupação do rio Doce: “Desamarram-se os cabos que mantêm o gaiola encostado à barranca do rio, e retiram-se as pesadas pranchas que são os planos inclinados, auxiliares da modesta estiva do precário pôrto fluvial” (ALMEIDA, 1959, p. 49). Não era de se estranhar, portanto, que muitos desses “portos” fluviais, fossem próximos ou estivessem na mesma localização das estações de trens que surgiram ao longo da linha férrea, aproveitando-se do relevo plano da região, que orientou tanto o traçado da linha até Minas Gerais, como lugar de atracagem das embarcações e, por fim, a constituição dos núcleos urbanos que começaram a surgir nesse período. Da mesma forma que era comum o desvio do barco de seu trajeto, para atender os moradores ribeirinhos que acenavam de qualquer ponto do rio com algum pano branco, lanterna, lamparina ou tição de fogo (BRAGA, 2013, p. 180), e o barco atracar na “barranca humilde” (BRAGA, 2013, p. 181) ou ainda fazer o transbordo de gente, cargas e correspondência das canoas que vinham ao seu encontro. A rota de navegação era realizada por uma variada tipologia de embarcações existentes (ver Figura 34, Figura 35, Figura 36, Figura 85 e Figura 86 ), que cobria a foz do rio do porto em Regência e logo depois, rio adentro, passando pelo porto de Linhares, indo até Mascarenhas (atual Baixo Guandu) nos Portos da Esperança e, logo após, o Porto Final situado antes da histórica região do Porto de Souza, “aí, até onde pode ir um gaiola, é o ponto terminal de navegação em qualquer época do ano” (ALMEIDA, 1959, p. 57). E entre esses dois extremos capixabas do rio Doce, estavam algumas das paradas de Colatina: em Santa Joana, Catita (para lenha) (ALMEIDA, 1959, p. 51), Porto Belo54 (Figura 83) e Itapina.

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Segundo Ceciliano Abel de Almeida, sobre Porto Belo: “O batel atinge a embocadura do Ribeirão de Pôrto Belo. Em sua margem direita, em um altiplano, há uma cabana muito aprazível, coberta de tabuinhas com quatro cômodos. É a residência de Dr. Hermann Tautfeus Belo quando, raramente, lá passa alguns dias. Na esquerda fica uma choupana ocupada por um homem

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Figura 83 – Porto Belo, entre Colatina e Itapina, Foto do começo do séc. XX.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018

Mas, segundo informações históricas de José Luiz Pizzol, o tráfico de barcos à vapor até Guandu durou pouco tempo, por conta da chegada da estrada de ferro e a construção de uma de suas estações locais: [...] depois de inaugurada a Estação Ferroviária de Mailasky (Mascarenhas) em 08-08-1907, não havia mais razão para os vapores navegarem até lá, uma vez que o local já estava conectado diretamente com Vitória via férrea. Assim, foram se rareando as viagens fluviais de Colatina para oeste, ficando os serviços restritos apenas na direção leste, de Colatina para Linhares e Regência, única opção de transporte na época (PIZZOL in FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018, p. ?). prêto e família. Em frente está a ilha do Dr. Belo, onde há uma desenvolvida criação de cabras” (ALMEIDA, 1959, p. 52), e ainda completa o autor em nota sobre o Dr. Belo: “Era um dos agrimensores, chefe de terras do Espírito Santo, já falecido” (ALMEIDA, 1959, p. 52, nota 98).

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Outro grande inconveniente era a distância entre os trechos: da foz do rio Doce, em Regência de onde partiam as embarcações que adentravam o rio, até Colatina, já eram longos e penosos 130 Km que levavam horas à fio para vencer a distância, a correnteza e os obstáculos naturais do rio. E além das dificuldades naturais, havia também a pouca periodicidade desse transporte segundo Pizzol: “[...] o Juparanã, o maior de todos e o que navegou por mais tempo, fazia apenas o trecho Colatina-Regência-Colatina em 4 viagens mensais” (PIZZOL in FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018, p. ?). A navegação pelo rio Doce ganha impulso, principalmente a partir de 1927, quando o Governo do Estado compra o Vapor Juparanã (Figura 85 e Figura 86),

construído na Alemanha e montado em Colatina (BRAGA, 2013, p. 181) um ano antes, e reformado no final da década de 1940

(BRAGA, 2013, p. 179). Nos primeiros anos do séc. XX, já circulavam, segundo descrição de Almeida, uma “flotilha” de vapores sediada em Regência, em Linhares, para o transporte fluvial, “constituída pelos vapôres Muniz, de Viana e Cia., e Milagre (Figura 84) e Santa Maria, subvencionados pelo govêrno do Espírito Santo, da firma Mascarenhas, Costa e Cia.” (ALMEIDA, 1959, p. 13), além dos vapores que faziam o trajeto entre Vitória e Regência em “outras praças”, como o União e o Rio São João (ALMEIDA, 1959, p. 13). Juntaram-se a esses, anos mais tarde, os Vapores Tupy e Tamoio, que navegaram durante décadas as águas do Rio Doce.

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Figura 84 – Segundo legenda de André Malverdes para a foto (provavelmente da primeira década do séc. XX): “Embarque no Vapor "Milagre" depois do pic nin com direção a Linhares, no município de Colatina. Coleção Jerônimo Monteiro. Acervo Arquivo Público do Estado do Espírito Santo”.

Figura 85 – Segundo legenda da imagem, descrita por José Luiz Pizzol: “Navegar é (era) preciso! O Juparanã em Colatina no dia de sua viagem inaugural em 22 de setembro de 1927. A navegação a vapor no Doce desempenhou relevante papel de integração e de fomentador da colonização no trecho capixaba do rio, feita com certa regularidade de 1879 a 1955. O Juparanã foi o vapor mais longevo (28 anos em atividade) e o que mais transportou cargas e passageiros, fazendo quatro viagens mensais entre Colatina e Regência e atendendo uma região que à época carecia de outros meios de transporte”.

Figura 86 - O Barco Juparanã, atracado nas margens do rio Doce, por volta dos anos de 1940.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2016

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2017

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Esse meio de transporte e locomoção pelo rio não chega a rivalizar com o trem, pelo contrário. A escala, o alcance, a constância e a rapidez de deslocamento que o sistema ferroviário disponibilizava na época, principalmente para quem quisesse ir à capital ou, da capital até Minas Gerais, nunca foi possível em sua totalidade pelas embarcações que navegavam pelo rio Doce, principalmente quando conseguiam transpor a foz do rio com o mar55: O timoneiro obedece – e olhamos em silêncio para a proa. A corrente está fortíssima, e maré inda está baixa. Em nossa frente o rio Doce despeja toda sua massa de água cor de lama, de um quilômetro de largura, em um estreito canal. Temos que passá-lo (BRAGA, 2013, p. 151).

A última embarcação a cruzar o Doce foi também a que ajudou a cristalizar esse antigo projeto. O velho Juparanã, com seu motor de 80 cavalos, quer carregava até 300 pessoas ou até 25 toneladas de carga, foi desativado em 1955 e deixado à deriva na margem de Colatina e lá mesmo, enterrado para sempre (Figura 88). A estrada de ferro, a construção da Ponte Florentino Avidos e a chegada da estrada ligando Colatina com Vitória e toda a região ao norte do Espírito Santo (Figura 87), foram tirando aos poucos a praticidade e a necessidade desse meio de transporte para a vida urbana local, em franco desenvolvimento através desses dois últimos modais.

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Ficou famosa a história do Caboclo Bernardo no final do séc. XIX, e seu ousado esforço em salvar a tripulação do cruzador Imperial Marinheiro, da Marinha de Guerra brasileira, que não conseguiu ultrapassar a Barra do rio Doce, na região de Regência em Linhares, pois adentrou a foz do rio Doce sem condições de navegabilidade por conta de um “raivoso sudoeste” (BRAGA, 2013, p. 159). Ver em especial BRAGA, Rubem. Crônicas do Espírito Santo. São Paulo: Global, 2013, pág. 159-165.

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Figura 87 – Segundo descrição de José Luiz Pizzol, “Colatina 90 anos atrás!!! Trecho da ponte sobre o Rio Doce em final de construção com o vapor Juparanã visto de fundos em abril de 1928”.

Figura 88 - o Juparanã, por volta de 1960, adernado às margens do rio Doce, em Colatina Velha. Acervo Foto Yone

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

Fonte: JOSÉ LUIZ PIZZOLFOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2016.

Em Itapina, porém, o uso do transporte fluvial ainda fez parte de sua vida até poucos anos atrás, como visto anteriormente (vide 3.1.4). Por décadas, pequenas barcas de fundo chato (ver Figura 89 e Figura 90), fizeram a travessia de suas margens ligando o distrito à BR 259, do outro lado do rio Doce. Foi e é um percurso muito mais curto cruzar o rio e chegar à margem oposta, do que a volta dada pelo encontro que a BR 259 faz com a ES 164, através da Ponte Fontenele (ver Figura 91). E isso somente aconteceu por conta da não conclusão da ponte sobre o rio Doce que sairia de Itapina encontrando a margem oposta, sobre a BR 259.

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A longa volta, a pouca opção e horários do sistema de transporte público de Colatina à Itapina através de ônibus – que já circulavam entre Itapina e Colatina desde a década de 1960 (Figura 92), e a precariedade da ES 164 que ainda se mantém como estrada de terra batida, tinha nas balsas uma opção muito mais prática e rápida para os moradores do distrito. Melhor seria se as balsas circulassem diretamente entre a sede e o distrito, diminuindo as distâncias físicas, simbólicas e até sentimentais entre ambas. Querendo-se ou não, o isolamento por que passa Itapina com Colatina, desde a década de 1970, poderia ser mitigado por novas conexões de transportes, além do ferroviário com seus únicos dois horários diários, e o rodoviário, onde somente o carro particular ou o ônibus (com poucos horários diários e uma única), ligam Itapina à sede Colatina. Figura 89 – Balsa utilizada em 1960 para a travessia entre as margens do rio. Foto de 1960. Acervo de José Luiz Pizzol.

Figura 90 – A balsa que era pilotada pelo sr. Arlindo, proibida pela Marinha do Brasil de circular, desde 2018.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2017.

Fonte: Levantamento de campo...de 2018

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Figura 91 – O acesso de Colatina à Itapina pela Rodovia BR 259 (01), cruzando pelo rio Doce pela Ponte Fontenele (na divisa com Baixo Guandu) (02) e chegando ao distrito pelo Rodovia ES 164

02

03

01

Fonte: GOOGLE EARTH, 2018. Adaptado pelo autor.

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Figura 92 – Segundo descrição de André Malverdes para a imagem: “Auto Viação Itapina. Transporte público utilizado na época. Década de 1960. Fonte: Aurélia Castiglioni in CASTIGLIONI, Lorena de Andrade. Projeto de Graduação I do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo. 2010. Projeto Clicar Itapina”

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2016.

Mas, Itapina tem sua história urbana iniciada nos primeiros anos do séc. XX. Segundo informações históricas colhidas por Valverde, em Itapina de 1960, tendo como base dados orais locais, os que primeiro chegaram a região foram Oswaldo Costa e Antônio Felisberto, vindos de Minas Gerais (VALVERDE, 1960, p. 24). Juntam-se a eles outras levas de migrantes do país e posteriormente, uma leva bem variada de imigrantes: primeiramente, alemães e italianos, e pouco mais tarde suecos, holandeses, turcos, sírios e libaneses. Segundo Valverde, a maior ocupação da

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região se inicia entre os anos de 1915 e 1916, mas é a partir de 1917, com a chegada de “um tal coronel João Albuquerque” 56 (VALVERDE, 1960, p. 24) que Itapina começa a se desenvolver pelas mãos do mesmo. Entre 1915 e 1919, durante a Primeira Guerra Mundial, as obras da Estrada de Ferro Vitória-Minas são interrompidas, “graças a escassez de material ferroviário importada da Europa” (CASSIUS; D’ALESSIO, 2010, p. 55). E os investimentos somente retomam após 1919. E com a construção de sua estação de trens nesse ano, a localidade de Itapina se oficializa. Na década de 1920, Colatina já começa florescer enquanto importante cidade comercial do norte do Espírito Santo. Itapina acompanha os passos da sede, tornando-se distrito de Colatina pela Lei Estadual n.º 1.381, de 04 de julho de 1923, sendo denominada de Distrito de Lage (IBGE, 2018, p. ?). A estação ainda hoje existente (mas em estado de ruínas) (ver Figura 95) foi denominada, primeiramente, Estação de Lages, seguindo a toponímia do rio que desemboca no rio Doce e do qual está a poucos metros de distância. E sua construção foi celebrada pelos representantes locais em jornal da época (Figura 93).

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Sobre realmente quem foi esse coronel João Albuquerque, para o que veio ou por quem foi enviado, até o momento a pesquisa não encontrou dados suficientes que esclarecessem esses fatos. O nome do mesmo aparece em duas publicações (VALVERDE, 1960; TEIXEIRA, 1975), mas as mesmas também não esclarecem quem seja o coronel e sua função no núcleo, somente afirmando que foi importante para o desenvolvimento do mesmo.

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Figura 93 – Segundo legenda da imagem: “Notícia sobre a inauguração da estação de Laje. A "data de hoje" é do jornal e é a de 21/9/1919. (na verdade, "Lage 20" deve ser o dia correto). A data constante no Guia Geral de 1960, no entanto, é a de 20 de outubro desse mesmo ano (Diário da Manhã, 21/9/1919).

Fonte: ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DO BRASIL, 2018

Interessante notar no texto do jornal da Figura 93, que os nomes de João Albuquerque (provavelmente o J. Albuquerque grafado) e de Antonio Felisberto, citados por Valverde como figuras centrais na origem do núcleo urbano de Itapina, constam como parte do grupo que assina o texto no jornal em comemoração da inauguração da estação de Lage. Pelo teor do texto, percebe-se a importância econômica do grupo na região. Ainda no mesmo ano a estação (Figura 94) já era conhecida como Ita (ou Itá) e como localidade de comércio expressivo de “exportadores”,

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segundo Miranda (1949, p. 73), junto com Colatina. O termo Ita, ou Itá (pedra, em Tupi-Guarani), provavelmente se origina do morro de Itapina57, presença mais do que marcante para quem embarcava ou desembarcava na estação (ver Figura 95). Figura 94 – A antiga estação de trens do distrito de Itapina, em meados da década de 1980. Acervo José Luiz Pizzol.

Fonte: FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

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Segundo Altair Malacarne, em comentário sobre Itapina na página do Facebook “Fotos Antigas do Espírito Santo”, no ano de 2016, apresenta a seguinte definição para as mudanças de nome do distrito: “O nome antigo de ITApina era 'LAGE' (com "G") vertido para o Tupi-Guarani, como muitos outros, na época do INDIGENISMO embutido no MOVIMENTO MODERNISTA de 1922”. Ver em especial: https://www.facebook.com/groups/fotografovix/search/?query=lage. Como será visto no Cap. IV, o morro de Itapina está localizado verdadeiramente em Baixo Guandu, que na época (entre 1928-32), ainda pertencia à Colatina, tornando-se município somente em 1935.

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A estação passou a ser denominada de Ita (ou Itá) entre 1928 e 1932 (ESTAÇÕES FERROVIÁRIAS DO BRASIL, 2018, p.?) e, por fim, Itapina, a partir de 1943, ano no qual a EFVM passou para as mãos da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), e que as cidades de Colatina e Linhares foram desmembradas pela Lei Estadual n.º 15.177, de 31 de dezembro de 1943 (IBGE, 2018, p. ?). Lei essa que ao mesmo tempo alterou os nomes de alguns distritos de Colatina, inclusive modificando o antigo nome do distrito de Lage para o atual Itapina. A partir de 1928, como apresentado anteriormente, Colatina recebe uma nova leva de imigrantes que ocuparão a margem norte do rio Doce, após a conclusão das obras da Ponte Florentino Avidos, que ligou os dois lados do rio e o norte capixaba, com todo o restante do estado pela rodovia. Valverde ainda aponta que em 1929 ocorre um novo impulso de crescimento em Itapina, ligando-o ao “ritmo do povoamento da região circunvizinha” (VALVERDE, 1960, p. 24). Por sinal, a região de Itapina prospera rapidamente: “Itapina foi um dos primeiros aglomerados da região a receber água encanada e luz, em tôda a cidade. A água é captada na serra, de onde vem pura, sem necessidade de tratamento” (VALVERDE, 1960, p. 24).

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Figura 95 – O atual estado de abandono e ruína da antiga estação de trens de Itapina

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

Posteriormente, após os anos de 1940, Itapina entra em uma fase de esvaziamento. Este processo ocorreu, sobretudo, devido à crise de 1929, momento em que a produção cafeeira entra em decadência, principalmente após a política de erradicação dos cafezais em âmbito nacional (LIRA, 2014, p. 31), afetando diretamente o Estado. Em escala local, a crise do Café afetou principalmente o pequeno agricultor baseado em uma economia de subsistência. Em Itapina, a exemplo, trabalhadores acabaram por perder seu recurso primordial de renda: O Espírito Santo, que notadamente era conhecido pelo café de baixa qualidade, foi o estado mais afetado por essa política, tendo 53,8% de seus cafezais erradicados, contra 26,0%, 28% e 33,3% de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, respectivamente (SIQUEIRA, 2001). É importante frisar que 70% da área “liberada” pelo café foi ocupada por pastagens/pecuária (ROCHA; MORANDI, 1991), atividades que

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demandam uma quantidade bem menor de mão de obra. Estima-se que 60 mil pessoas ficaram sem emprego, pois não havia nenhuma cultura que pudesse substituir o café nesses termos. (LIRA et al., 2014, p. 31)

Nesse sentido, ocorreu um processo migratório em busca de novas oportunidades de emprego, em meio ao processo de industrialização da Grande Vitória e outros municípios, colaborando para o processo de esvaziamento de regiões que dependiam da produção cafeeira, liberando um grande contingente populacional no meio rural. Assim, o Distrito de Itapina, que passou por todo esse processo, deparou-se com um declínio econômico em que os comerciantes que ali residiam deslocaram-se para outras regiões. Um marco deste momento de decadência é a desativação da estação ferroviária e o descaso em relação ao valor histórico-arquitetônico da região. Além disso, como dito por Valverde acima, no final da década de 1950 ocorreu a paralisação das obras da ponte sobre o Rio Doce, deixando Itapina fora de importantes rotas comerciais, como já apontava Valverde em 1960: Em tempos recentes, o comércio de Itapina decaiu. Atividades comerciais que, nos outros lugares, são, via de regra, lucrativas, aí fecharam suas portas, como sucedeu o único cinema. [...] As causas a que atribuem a decadência comercial a cidade [Itapina] são: falta de estradas de rodagem e de ponte sôbre o rio Doce. Esta foi iniciada, mas teve sua construção interrompida. Em consequência da falta de rodovias, os lavradores, sempre que podem, levam suas mercadorias para Colatina. Saí resulta que a verdura produzida nas redondezas é vendida em Itapina mesmo, porém os legumes que suportam transporte mais longo, são vendidos para Colatina (VALVERDE, 1960, p. 24).

Atualmente a localidade (Figura 96) encontra-se com um comércio pouco expressivo e uma pequena população residente e, resistente ao isolamento do distrito. Muitos moradores vivem de vendas locais, pequenos bares, produtos artesanais (ver Figura 57), pesca (como visto em 3.1.4) ou deslocam-se para Colatina a trabalho. Outros estão já aposentados e muitos estudantes acabam por mudar para outras localidades para ingressar no ensino superior.

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Figura 96 – Um dos poucos prédios comerciais antigos do distrito ainda em funcionamento.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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Um fato importante é que no ano de 2013, o Conselho Estadual de Cultura aprovou a resolução 003/2013 que reconheceu a importância do Sítio Histórico de Itapina, e esta regulamentação dispõe as diretrizes para intervenções nos espaços públicos, lotes e edificações integrantes da Área de Proteção do Ambiente Cultural. A partir desse momento é possível iniciar um novo processo de reativação da economia local a partir do turismo e da história local. Figura 97 – Mapa do núcleo urbano histórico de Itapina, distrito de Colatina-ES.

Fonte: DIÁRIO OFICIAL DOS PODERES DO ESTADO, 2013, P. 23, ANEXO IV

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3.3.

A ARQUITETURA DE ITAPINA E A RELAÇÃO COM SEU SÍTIO HISTÓRICO. ARQUITETURA E MORFOLOGIA URBANA58

A colonização das margens do rio Doce, como visto, foi um processo longo e demorado. As primeiras edificações que surgiam aqui e acolá, não passavam de simples choupanas, habitações precárias construídas com poucos recursos existentes no local. E isso mudou com a chegada das levas de imigrantes que subiram os rios do planalto capixaba em direção ao Doce e dos povoadores brasileiros, vindos de Minas e do Rio de Janeiro, que se encontram na região de Colatina, povoando seus altiplanos. Desde o começo do séc. XIX, já se conheciam as potencialidades dessa região para fins de ocupação. Propondo o povoamento da área, Antônio Pires da Silva Pontes, então Governador da Capitânia do Espírito Santo, em carta enviada ao Conde de Linhares, em 11 de novembro de 1800, propõem a ocupação das margens do rio Doce, a partir de suas características naturais, após percorrê-lo até os limites com Minas Gerais: Falta-me também inda a Real decisão sobre o modo deconceder as terras aos Povoadores do Rio Doce, por que segundo asInstrucçõens não devo conceder, senão astres legoas de distancia de hua, e outra Margem as Sesmarias para as Lavouras. Por outra parte, como aNatureza do Rio parece ter decidido, por que aMargem Boreal toda hé deterras altas, soberbas Mattas de Construcção, variadas de quasi todas asMadeiras conhecidas noBrasil, aomesmo tempo, que aMargem Austral doRio, desde asua doz no Oceano, athé aprimeira Serra, que se encontra na dita Margem do Sul, que denominei da Carapinha hé toda deVarzeas, eTerras frescas, e deMattas cobertas deDolichos, Butuas, Passifloras, eoutras Trepadeiras, são as ditas Terras próprias para aCultura deArrosaes, Lavouras inteiramente semelhantes as Lizirias do Tejo, mas sem criar asMadeiras de Ley, que vegetão nas terras enxutas, elevantadas do plano do Rio… (PONTES, 1999, p. 32).

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O conteúdo desse subcapítulo foi desenvolvido e adaptado especialmente para essa pesquisa, a partir de texto elaborado por Lorena de Andrade Castiglioni, Arquiteta-Urbanista formada pela Universidade Federal do Espírito Santo, em 2010.

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E ainda reforça sua proposta, ao designar funções apropriadas para a ocupação de cada margem do rio, principalmente após a criação de uma grande reserva florestal, pioneira na história do Brasil, se fosse efetivada: Perece pois conveniente ao Real serviço concederem-se ao Povos nadita Margem Austral, as terras, que lhe são necessárias para a cultura, com a exclusiva de alguas Madeiras, ou Páos Reaes, que ahi existirem, eque toda aMargem Boreal, desde afoz athé com os fundos, que vão athé S. Matheos, denominado = O PARQUE REAL DA REGENCIA AUGUSTA = por ser este onome da Povoação da Barra doRio Doce eNovo Porto que se estabelesceo dentro das Aguas do mesmo Rio, conservando ao mesmo tempo aMemoravel Hepocha do Reynado de S.A.R. Muitas são as conveniências, que julgo concorrerem , para fazer adoptar este plano de seconservar privativa para Sua Alteza Real aquella Margem; tanto aboa guarda dela, e seevitarem denuncias, econflictos, como para ter Sua Alteza serventes para as mesmas Mattas em qual quer parte que queira estabelecer os Cortes de Madeiras, achando-se defronte naMargem opposta moradores, que facilitem, e coadjuvem aos Pedestres, Indios, ou Escravos, que se aplicarem por conta da Real Fazenda (PONTES, 1999, p. 32-33).

Em sua carta, Silva Pontes, “geógrafo experimentado em missão de relevo no Brasil” (OLIVEIRA, 2008, p. 260), assinala que a margem sul (Austral) era mais propícia para as ocupações de sesmarias, por conta do relevo de terras mais planas das várzeas e da vegetação menos fechada, do que a área de matas ao norte (Boreal) e seu relevo mais acidentado “deterras altas”. Essas áreas planas, principalmente na região de Colatina se conformam, segundo Valverde como “terraços aluviais, a 20 e 10 metros acima do nível do rio” (VALVERDE, 1960, p. 8). Esses, por fim, facilitaram tanto o desenvolvimento das ocupações locais, que adentraram a mata nos finais do séc. XIX, subindo os rios que desaguam no Doce e ao chegarem às suas margens, encontraram terrenos favoráveis tanto para colonizar, como para abrir caminhos e as primeiras ruas dos núcleos urbanos. Ao mesmo tempo, esse relevo mais plano facilitou e foi indutor da passagem da estrada de ferro Vitória Minas, orientando seu percurso até as Minas Gerais.

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Itapina surge sobre uma especificidade desse lugar: ao longo de todo o percurso sinuoso do trecho capixaba do rio Doce, seu leito se alarga ou estreita entre as elevações das margens, criando áreas planas de maior ou menor largura que possibilitaram, no caso de Itapina (ver Figura 98), a uma rara situação geológica para seu desenvolvimento, segundo Valverde (1960, p. 8). Os altiplanos da região da barra da foz do rio Lage com o rio Doce criaram uma situação favorável para a construção do núcleo urbano de Itapina: implantada em paralelo à margem do rio Doce, de forma elevada e protegida das enchentes (Figura 98 e Figura 99), o pequeno e histórico núcleo urbano prosperou de forma rápida, como entreposto comercial seguro, principalmente para o escoamento da produção do café. Além disso, a implantação do núcleo nas proximidades do rio Lage, possibilitou ainda nas primeiras décadas, que se utilizassem desse pequeno rio para a geração de energia elétrica, na propriedade de Aurélio Pavan, como visto anteriormente, sendo Itapina, uma das primeiras regiões de Colatina a ser servida tanto por eletricidade quanto por água encanada, segundo Valverde (1960, p. 24).

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Figura 98 - Representação topográfica e inserção do distrito de Itapina nas margens do Rio Doce.

Fonte: CASTIGLIONI, 2010

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Figura 99 - Representação topográfica e inserção do vilarejo de Itapina nas margens do Rio Doce

Fonte: CASTIGLIONI, 2010

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A estrutura formal do núcleo urbano de Itapina desenvolve-se ao longo das linhas dos altiplanos aluviais existentes em Colatina, a partir da foz do rio Baunilha, onde o rio Doce se alarga, formando “leito maior” (VALVERDE, 1960, p. 8). Essas linhas acompanham paralelamente o rio em alturas regulares, escalonando o relevo a partir da margem, até o morro que emoldura o núcleo de Itapina (Figura 100). Figura 100 - Corte esquemático topográfico demostrando inserção do distrito de Itapina nas margens do Rio Doce.

Fonte: CASTIGLIONI, 2010

A forma urbana de Itapina é uma conjunção entre sua função e as características de seu relevo: seguindo as análise de Valverde e suas pesquisas anteriores, Itapina se configura tanto como uma vila europeia típica de um “Stadtplatz” (VALVERDE, 1960, p. 23), ou seja, um núcleo desenvolvido a partir do comércio, como também de uma “Strassendorf”, uma vila que se desenvolve de forma linear. Esse tipo de ocupação urbana de origem europeia e vernácula caracteriza-se pela implantação linear das edificações, ao longo de uma estrada única ou principal do núcleo urbano, e que acompanha a geologia local (VALVERDE, 1955, p. 33, nota 10). Itapina desenvolve sua morfologia urbana de casarios, ruas e espaços abertos ao longo da faixa alargada do rio Doce, encrustada entre o rio e o morro, em plano elevado e protegido (vide Figura 100 e Figura 101), com uma privilegiada visão de todo o entorno do rio (Figura 102).

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Figura 101 – Visão aérea de Itapina, a partir da av. Rosa Castiglioni, mostrando a sua relação com a margem do rio Doce, a linha férrea e o relevo local.

Fonte: LENE SOUZA/ITAPINA DO FUNDO DO BAÚ, 2018

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Figura 102 – Imagem do rio Doce, vista de Itapina, tendo ao fundo o piso do morro que dá nome ao distrito

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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Originalmente, Itapina desenvolveu-se pela sua primeira rua, a antiga Florentino Avidos. Hoje, essa rua que ligava os dois extremos do núcleo urbano de Itapina, foi renomeada em outras três vias: do extremo leste até a praça central do distrito, e chamada de Av. Dr. José Farah; da praça até as proximidades da ponte não concluída, a via foi denominada de av. Elisa Castiglioni Rosa e, da ponte até o extremo oeste do núcleo, rua da Laje. Essa longa via conecta o núcleo a sede Colatina tanto pela Rodovia Estadual ES-164, à oeste, na entrada de Itapina, quanto por uma precária estrada que se inicia no extremo leste do sítio urbano, e chega a sede pela ES-446, serpenteando o relevo às margens do rio Doce (Figura 103). Figura 103 – Planta do núcleo urbano de Itapina. Planta baseada no mapa do perímetro de proteção do sítio histórico de Itapina.

Fonte: SECULT, 2010.

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Pelo mapa de Itapina de 1960, desenvolvido por Valverde (ver Figura 78), percebe-se que o traçado original do núcleo urbano é composto por três fortes linhas longitudinais: a primeira, de cota mais baixa, é o próprio contorno da margem esquerda do rio Doce, local de embarque e desembarque dos vapores que vinham, principalmente de Linhares e Colatina e, nos últimos anos, da balsa que ligava as duas margens do rio; a segunda, intermediária, é a antiga linha da Estrada de Ferro Vitória à Minas, hoje pertencente à Companhia Vale do Rio Doce, por onde passam os trens de transporte de minério e chapas de aço e os trens de passageiros, em dois horários; e a última, em cota mais alta, é a antiga rua Florentino Avidos, denominada anos mais tarde de av. Rosa Castiglioni, por onde se desenvolveu originalmente o núcleo urbano. Entre a margem e os trilhos do trem, na época do mapa, Valverde identifica algumas construções/residências que o mesmo classifica como pobres e outras como miseráveis, com destaque para uma serraria entre a estação de trens de Itapina e a ponte paralisada. A quantidade de construções precárias nessa região, às margens do rio Doce, já aponta a penúria por que passava o distrito em 1960, como criticado por Valverde à época. Provavelmente, a proximidade com o rio facilitava tanto a ocupação dessas moradias em terras desocupadas da região, como também o acesso à água, à pesca e às trocas comerciais que ainda eram presentes pelo rio Doce, até meados da década de 1950. Entre o a linha ferroviária e a antiga rua Florentino Avidos é marcante a presença da estação de trens do distrito, de 1919. A construção da estação, como dito anteriormente, oficializou a existência do núcleo de Lage/Itá/Itapina e, a partir dela, como porta de entrada e saída de mercadorias desenvolveu-se o distrito. Acima da linha, em paralelo a ela e a margem do rio, está a antiga rua Florentino Avidos, por onde grande parte do casario original foi construído. Ali, se concentraram o comércio e as famílias de maior poder aquisitivo da região. Por essa longa via, floresceu o comércio de Itapina, lastreado pela compra e venda do café para exportação. Esse forte comércio que marcou a região do vale do rio Doce no começo do séc. XX foi indutor da instalação de todo tipo de novos empreendimentos comerciais locais, bem como, da fixação das primeiras famílias que constituíram e desenvolveram o núcleo urbano de Itapina. Ali estava presente um dos primeiros

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cinemas da região, o hospital do distrito, hotel, farmácia, uma agência de carros – segundo relatos de moradores locais, comércio varejista e atacadista... Por essa antiga rua estão preservados exemplares arquitetônicos de uma época áurea do distrito e da região de Colatina, onde a riqueza gerada pelo café era estampada nos casarios e em suas fachadas decoradas (Figura 104). A arquitetura do distrito é justamente o resultado da mescla de culturas, com referência a arquitetura popular do imigrante europeu juntamente com a arquitetura vernácula brasileira daquela época (CASTIGLIONI, 2010, p. 36). Essa, era baseada sobretudo na herança advinda do imigrante, que era adaptada ao clima e materiais do lugar, enriquecida pelas contribuições de outras culturas e saberes existentes no Estado. Também se incluía manifestações de arquitetura erudita, ao passo que procurou-se reproduzir a produção dos profissionais especializados da época, mesmo que de forma simplificada.

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Figura 104 - Casas de Antônio Valter Neto, demostrando características e elementos arquitetônicos típicos das casas de Itapina.

Fonte: CASTIGLIONI, 2010

Dentre algumas características da arquitetura popular italiana no Espírito Santo, que correspondeu a grande parte dos que vieram para o Estado, estão uma arquitetura basicamente artesanal, contudo com diversidade de soluções: assimilação de técnicas locais, conforto ambiental que era realizado com conhecimentos e tradições transmitidos de gerações a gerações e, a integração com o meio e paisagem local. A arquitetura vernácula, que estava diretamente ligada aos recursos oriundos do ambiente e materiais naturais, pode se relacionar em harmonia com a arquitetura e saberes do imigrante, que soube se adaptar à nova realidade.

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Relacionada a topografia local, as edificações foram implantadas paralelas à antiga rua Florentino Avidos (Figura 105 e Figura 106), com suas portas e janelas abrindo-se diretamente para rua. A paisagem urbana, constituída por uma certa homogeneidade volumétrica, é bem característica na arquitetura do núcleo histórico de Itapina: o ritmo das fachadas, marcadas pelos vãos e aberturas similares; implantação no lote bem característica, de forma a realçar a continuidade do conjunto como um todo; e ainda as coberturas com telha cerâmica tipo francesa e as platibandas arrematando os frontões dos telhados com seus elementos decorativos que se desenvolvem por toda a fachada. Figura 105 – Casario antigo ao longo da via, com as fachadas abrindo diretamente para a mesma.

Figura 106 – Homogeneidade volumétrica nas edificações.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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A arquitetura histórica e preservada do núcleo urbano de Itapina caracteriza-se por uma série de edificações residenciais e comerciais, e algumas ruinas, de uma gama variada de estilos, de cunho prioritariamente vernácula, sem a identificação de autoria de seus projetos. Nas primeiras décadas do séc. XX, o Ecletismo (Figura 107) ainda era o estilo em voga, de forte teor historicista e que marcou os primeiros anos da República, bem como, oficialmente, as construções públicas do Governo do Estado do Espírito Santo, como o Palácio Anchieta (vide o subcapítulo 2.1). Mas, nas décadas de desenvolvimento de Itapina, a partir de 1919, novos estilos foram surgindo no cenário cultural brasileiro, copiados e adaptados pelas mãos de arquitetos ou de simples construtores que faziam suas versões vernáculas dos estilos que vinham da Europa e chegavam aqui de forma rápida, inclusive em Itapina, como sinônimo de alinhamento cultural com o exterior. Figura 107 – Alguns exemplares locais de uma arquitetura vernácula de expressão Eclética

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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Além de arquiteturas de teor eclético, outros estilos históricos estão presentes na arquitetura vernácula de Itapina, como no caso do Art Déco (Figura 108): estilo inovador que procurou evitar formas historicistas de períodos anteriores, criando seu próprio significado baseado em inovações tecnológicas daquele período. Para tanto, as arquiteturas desse estilo buscavam a purificação formal como retorno à uma simplicidade geométrica. Percebe-se, por exemplo, na composição de suas fachadas, volumes escalonados, elementos geométricos simplificados, camuflagem do telhado através da platibanda, contenção de ornamentos extravagantes etc. Figura 108 – Exemplares locais de uma arquitetura de inspiração ou expressão do estilo Art Déco.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

O Proto-modernismo, estilo arquitetônico dos anos de 1930 também possui exemplares vernáculos que buscaram nesse estilo, referenciais para suas composições (Figura 109). O recorte histórico de introdução e propagação desse estilo arquitetônico em terras capixabas, correspondeu ao período da intervenção getulista ao começo da industrialização de médio porte no Estado do Espírito Santo (CASTIGLIONI; MIRANDA, 2007, p.02). Apesar de ser um período relativamente curto, assumiu importância por quebrar o paradigma do Ecletismo e buscar

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novas formas de representar a imagem do seu tempo, caracterizando-se por um momento anterior a vinda do Modernismo de fato. A diversidade de atributos desse período ocorreu justamente por ser uma etapa de transição da arquitetura mundial. O Proto-Modernismo agregou manifestações como Art Noveau, Art Déco, Escola de Chigaco, dentre outros. Figura 109 – Ruínas do antigo hospital do distrito.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

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Relacionada a inserção no lote, algumas observações podem ser feitas. Evidencia-se que as casas estão inseridas no local de duas formas principais: as “casas coladas” sem nenhuma inserção lateral (vide Figura 104) e outras que possuem abertura lateral em um ou mais lados (vide, por exemplo as Figura 105 e Figura 106). Não foram constatadas casas do tipo “porão alto”. As ruas estão construídas em um aspecto uniforme, sendo que a Rua Elisa Castiglioni Rosa é a via principal, próxima a linha de trem e à margem do Rio Doce, e com a maior concentração do casario antigo. O Distrito consta de forma geral, de casas térreas e sobrados, que geralmente estão alinhados sobres as vias públicas e muitas sobre os limites laterais do terreno. Nos extremos da av. Dr. José Farah e rua da Laje, e nas outras ruas perpendiculares e paralelas ao antigo e histórico eixo viário de Itapina, situados nas cotas mais altas do distrito59, encontram-se casarios mais recentes, de arquitetura mais simples, às vezes de aspecto precário (Figura 110).

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São elas as Rua Galdêncio Souza, que continua a av. Dr. José Farah de forma mais elevada; a Rua Doutora Louders Becalli e Rua Eugênio Rubin, perpendiculares na malha urbana do distrito, e a Travessa Julio Castiglioni que sai em ângulo da rua Eugênio Rubin. No extremo leste, estão as ruas Santana, Projetada, 23 de Maio, Maria Ortiz e José Pereira com ocupações mais recentes. E ainda no meio do núcleo urbano há uma larga escadaria que dá acesso às quadras mais acima do sítio, onde se encontram mais residências, o campo de futebol de terra batida local, a escola municipal e o cemitério do distrito.

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Figura 110 – Casarios existentes nos dois extremos do núcleo urbano de Itapina

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

Apesar de grande quantidade de casarios não possuírem inserção lateral, outros constam com discreto afastamento lateral em apenas um lado em relação à casa vizinha. Em outras, pode-se notar afastamentos laterais em ambos os lados em relação aos vizinhos. Outro esquema de implantação analisado em relação aos afastamentos laterais foi o da inserção de jardins (ver Figura 111). Esses jardins laterais tem um bom êxito como elementos paisagísticos na arquitetura residencial, além de oferecer um arejamento e uma iluminação de melhor qualidade para o interior da edificação. Já em casos de alguns sobrados, constatou-se entradas na fachada lateral, sendo a introdução à casa realizada pelo segundo andar (muitas vezes o primeiro andar constava com pequenas lojas comerciais e vendas), inserindo dessa forma uma escada que é visível no lote, pela rua.

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Notável ainda na questão de limites dos lotes, aquelas moradias que agregam pequenos afastamentos em um dos lados, ligam-se a rua por pequenos portões de ferro ou madeira, alguns com pequenos adornos, que criam um corredor visível dentro do lote, percorrendo até os fundos do terreno (Figura 111). Algumas casas constam com maior distanciamento nos fundos, constituindo pequenos pomares, hortas e criação de animais de pequeno porte. Figura 111 – O uso dos afastamentos laterais como jardins e/ou corredores externos de circulação.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

Não é possível finalizar essa análise (e nem esgotá-la) sem falar de uma de suas primeiras construções: a estação de trens de Itapina. Historicamente, sua edificação é mais importante do distrito por ter sido, a partir de construção em 1919 pela companhia da Estrada de Ferro Vitória à Minas (E.F.V.M.), que o núcleo urbano começou a se desenvolver através do comércio do café. Itapina se tornou rapidamente um importante entreposto comercial cafeeiro, com a presença logo cedo de exportadores do produto, os quais, como já visto foram importantes propulsores do desenvolvimento local.

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A construção em si da estação não se apresenta com grandes qualidades arquitetônicas, mesmo se comparada com suas irmãs em outras cidades ao longo da linha férrea. Ela faz parte de uma grande família tipológica de estações construídas pela EFVM (Figura 112) a partir dos primeiros anos do séc. XX: um longo galpão em formato pavilhonar, com telhado cerâmico em duas águas, sendo uma das águas esticada sobre a plataforma de embarque e desembarque, fazendo o papel de um grande beiral ou alpendre suspenso por mãos-francesas de madeira. São prédios simples, de poucas decorações que às vezes se limitavam ao arremate de paredes e telhados apoiados em altas lajes de concreto. O antigo prédio branco com sua barra vermelha resistiu bravamente por décadas e hoje se encontra em ruínas e fechado. A estação agora se resume a uma estrutura metálica simplória que ser no máximo como um guarda-chuva para os dois trens de passageiros que param nela todos os dias. Figura 112 – Respectivamente, a estação de Itapina em estado de ruínas, a estação Leopoldina em Vitória, a primeira estação de Colatina e a segunda, em Santa Joana, e, por último a estação de Resplendor em Minas Gerais. Variações tipológicas do edifício pavilhonar.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018/FOTOS ANTIGAS DO ESPÍRITO SANTO, 2018.

A qualidade da arquitetura do sítio tombado de Itapina é inegável, pois em um pequeno espaço urbano desenvolvem-se uma miriáde de estilos arquitetônicos representativos das primeiras décadas do séc. XX, adaptadas ao lugar por mãos populares. Em um mesmo lugar, passeia-se pela

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história da época áurea do café e sua força econômica como indutora de cidades, de arquiteturas e de cultura local. O poder que a arquitetura possui em ser um museu em pedras da história passada e vivida, dá ao antigo núcleo urbano de Itapina a exata mediada do que representa a mescla de tradições diversas de todos os povos que colonizaram e desenvolveram essa região, com o poder simbólico do capital econômico derivado do café, que possibilitou esse lugar. Em poucas décadas da história do séc. XX, esse pequeno núcleo urbano foi da glória ao quase esquecimento. Mas, sua arquitetura originária, quase intacta, sobreviveu em grande medida para contar essa história. Ou, para narrá-la!

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CAP. IV ITAPINA E A GEOGRAFIA DE SUA PAISAGEM

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O conteúdo desse capítulo foi desenvolvido e adaptado especialmente para essa pesquisa, a partir de texto elaborado por Marcio Costa Schwenck, Geógrafo formado pela UFES, em 1997.

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U

ma contemplação mais profunda da paisagem pode tanto fornecer respostas para eventos responsáveis pela diversidade de uso e ocupação do solo, característico da região em estudo, quanto abrir o leque dos questionamentos à cerca dos mecanismos responsáveis pelas transferências energéticas entre os estratos atmosféricos que modelam/modelaram a litologia e geraram, por

fim, as feições de relevo perceptíveis e marcantes da paisagem observada (Figura 113). Figura 113 - A fotografia panorâmica ilustra a paisagem observada a partir da margem direita do Rio Doce, tirada da ponte não concluída de Itapina, onde é possível identificar diferentes feições de vertentes na margem oposta, sobre terrenos metamórficos, norteando o uso e ocupação do solo entre pastagens pouco manejadas em relevo com inclinação moderada, à pastagens sujas, mostrando recomposição natural com cobertura de macega, possivelmente devido a declividade de moderada à acentuada que encerram os anfiteatros.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

Estudos do meio físico explicam que a evolução de uma paisagem ocorre numa escala de tempo própria, e valem-se da identificação minuciosa do embasamento geológico e da tectônica, dos fatores climáticos anteriores e atuais para o entendimento das formas de relevo existentes em determinada região, que são, ao fim e ao cabo, responsáveis pelos tipos pedológicos ou consequência destes. Ou, de forma objetiva e sintética, temos que “os mecanismos e condicionantes originados pelas forças da natureza se apresentam por variações de longas datas e explicam a formação de paisagens” (DOS SANTOS, 2007, p. 3). Além disso, como nos ensina Milton Santos, a paisagem pertence ao “domínio do visível” (SANTOS, 2012, p. 67), ou seja, tudo aquilo que nossos olhos enxergam. Esse é um primeiro contato que temos com a paisagem: aquilo o que enxergamos e delimitamos com nossos olhos. A parte do substrato geológico e/ou botânico e hidrológico, modificado ou não pela interferência da mão humana, responde a indagação de

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nosso olhar sobre as origens do que vemos, nos explica, em último caso, tecnicamente, o significado do que escolhemos e admiramos (e até criticamos) culturalmente enquanto paisagem. O recorte que define a paisagem pode ser mutável pelo gosto vigente que também define o olhar, mas, mesmo sendo o meio físico mutável pelo tempo histórico das transformações naturais, algo ainda se mantém estável e duradouro quando a análise dessa paisagem parte para a composição de seus substratos. O campo do visível também pode ser entendido como o lugar dos sentidos. A paisagem em um primeiro momento é observada, captada e assimilada pelo órgão da visão e o seu caminho à racionalização passa pelos outros sentidos: “A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos sentidos”, como desenvolve de forma continuada Milton Santos (2012, p. 68) ao definir o conceito de paisagem. Para o autor, esse primeiro momento da visão e dos sentidos como percepção precisa ser ultrapassado para não ficarmos no campo das aparências ou de interpretações que segundo o mesmo, não são ainda “o conhecimento” (SANTOS, 2012, p. 68). Desta forma, para a análise da paisagem de Itapina neste capítulo, buscou-se a identificação do substrato geológico do sítio desse distrito histórico de Colatina e seu entorno, através da descrição das unidades litoestratigráficas observadas e as unidades geomorfológicas responsáveis pela geodiversidade regional, apresentadas no texto como meio de entendimento da paisagem existente e seus significados posteriores. Essa análise da paisagem tem como base tanto a percepção do visto e sentido pela equipe de pesquisa desse trabalho, ao percorrer o sítio urbano de Itapina e navegar pelo rio Doce em canoas locais até o limite com o município vizinho de Baixo Guandu, bem como o uso de cartas geológicas do Espírito Santo plotadas pela Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - Serviço Geológico do Brasil (ou CPRM), além de trabalhos técnicos do Instituto Jones do Santos Neves (IJSN) para análise do substrato dessa mesma paisagem. Assim, unem-se em uma mesma abordagem a percepção e os dados geológicos locais como meio de entendimento da paisagem formada. Essa construção do conhecimento ou

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reconhecimento, se assim podemos dizer, da paisagem de Itapina também se baseia, de forma comparativa, ao histórico relato feito pelo geógrafo e botânico Walter Alberto Egler, que a serviço do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 1949 e 195161, percorre a zona pioneira do norte do vale do rio Doce, em franco desenvolvimento e ocupação de suas áreas nativas a sua época, descrevendo de modo objetivo às transformações que toda essa região, que vai de Colatina, no Espírito Santo até Governador Valadares, em Minas Gerais, passou desde as primeiras décadas do último século. Seu rico relato une às bases da geografia física à humana ao descrever, historicamente, como as paisagens dessa vasta região, pouco conhecida e desbravada até os finais do século XIX, foram sendo transformadas rapidamente pela ação humana.

4.1.

PERCEPÇÃO DAS RELAÇÕES ENTRE AS UNIDADES LITOESTRATIGRÁFICAS E O MODELADO DA REGIÃO DE ITAPINA

Tomando-se como ponto de partida o divisor de águas não natural caracterizado pela barragem de Mascarenhas 62, responsável por domar as sazonalidades hidrológicas do rio Doce, pode-se observar a partir da suave mudança de direção no seu talvegue, marco hidrográfico descrito nos relatados de Walter Alberto Egler sobre sua expedição nos meados de século XX63, as agruras inerentes à paisagem que contém o distrito de Itapina; essa mesma paisagem pode ser descrita pautando-se em denominações geológico-geomorfológicas reconhecidas e amplamente difundidas nos trabalhos realizados no campo das geociências no presente século. 61

Ver em especial EGLER, Walter Alberto. A Zona Pioneira ao Norte do Rio Doce. In: Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 223-264, 1951. A Barragem de Mascarenhas faz parte do complexo da Usina Hidrelétrica de Mascarenhas, construída em 1974. Sua construção foi feita na histórica região das cachoeiras das Escadinhas do rio Doce, no Porto de Souza (ou Porto Final), aglomerado de rochas do rio que dificultaram por séculos a transposição de embarcações que subiam o rio em direção às Minas Gerais. Ver em especial: MEDEIROS, Rogério. O amargo rio Doce. Disponível em: < http://seculodiario.com.br/19931/10/reportagem-especialbro-amargo-rio-doce-1>. Acessado em: 23 maio 2018. Há o relato histórico do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire que, em sua visita de estudos ao Brasil, sobre o rio Doce em 1818, e descreve assim, as escadinhas que existiam à época: “Acima do Guandú começam as famosas Escadinhas. E' um seguimento de rapidos e de pequenas cascatas que embaraçam, por completo, a navegação do rio. Ellas se prolongam numa extensão de 3/4 de légua” (SAINT-HILARE, 1936, p.172). 63 Idem nota 61. 62

222


O traçado do leito do Rio Doce é comandado por estruturas condicionadas à dinâmica geológica responsável pela geodiversidade observada nos terrenos que o confinam, considerando a diversidade observada nos terrenos cristalinos entre os municípios de Baixo Guandu e Colatina (Figura 114 e Figura 115), até sua foz no município de Linhares. Figura 114 - Tal campo de visão à montante a partir da cabeceira da ponte não terminada, remete ao observador questões sobre a influência do substrato litoestratigráfico sobre o relevo. Em primeiro plano observam-se colinas suaves cobertas por pastagens bem manejadas que atingem uma forma topográfica aguda, à esquerda da fotografia, saltando aos olhos o marco físico geográfico 64 denominado “Morro Pelado”. Na margem oposta, adjacente ao fluxo fluvial, notam-se colinas mais íngremes, em terrenos metamórficos mostrando interferências do litótipo intrusivo das rochas verdes da “Serra do Mutum”

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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Esse termo foi cunhado das aulas e orientações do saudoso mestre, biólogo e professor da UFES Jayme Emílio Borgo, que ensinou em meados da década de 1990 arquitetos, geógrafos e engenheiros a olharem a Natureza, em suas aulas de paisagismo e de ecologia, também como elementos estéticos a serem admirados pela sua beleza, sua existência na história e no tempo e em seu contexto ambiental.

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Figura 115 - Vista dos patamares diversificados do relevo a partir da margem direita do Rio Doce, onde pode-se identificar uma superfície plana junto a sede distrital de Itapina (margem direita), composta por terrenos Holocênicos (a), um degrau na margem esquerda caracterizado por colinas suaves com pastagens bem manejadas, sobre rampas de colúvio com gênese a partir dos processos intempéricos sobre substratos metamórficos (b), sendo tal modelado sombreado pela imponência das serras charnockíticas (c) observadas em segundo plano.

c b a

Fonte – Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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As colinas observadas a partir de Mascarenhas mostram vertentes suaves a partir de um observador postado em uma das margens do leito do rio Doce; tais vertentes são seccionadas por anfiteatros65, cuja gênese remonta a sazonalidades climáticas pretéritas, bem como reentrâncias lineares escavadas pela micro-drenagem atual. Tais fisionomias de relevo foram geradas pelo combate entre as forças exógenas e as características litológicas do alicerce gnáissico do Complexo Nova Venécia66. Essas formas de relevo de vertentes suavizadas figuram como um anteparo ao observado no nível das margens do rio Doce, impedindo a identificação das feições intrusivas imponentes que se destacam na margem esquerda, com sinonímia Alto Mutum, mostrando um relevo íngreme com maciços rochosos desprovido de elúvio67 em seus cumes e faces com declividade acentuada. Tal aspecto imponente está diretamente ligado à composição mineralógica da associação de diferentes tipos rochosos que recebem a denominação técnica de Maciço Itapina (Figura 116).

65 São feições erosivas com forma de "meia lua" sem ramificações, desenvolvidos em rampas de alúvio-colúvio delimitadas por cabeceiras em hollows (fundos) côncavos planos. 66 A associação de rochas paragnáissicas que constituem o Complexo Nova Venécia identificadas na região de Itapina foi formada por sedimentos pelíticos peraluminosos, metamorfizados em fácies anfibolito-

granulito, com idade aproximada em 608 Ma (NOCE et al., 2004, PEDROSA-SOARES et al., 2006, PEDROSA-SOARES et al., 2007a, apud CPRM, 2015, p. 51). Esses paragnaisses peraluminosos, comumente são classificados com Sillimanita-granada-cordierita-biotita gnaisse bandado, com intercalações de rochas calcissilicática e cordierita granulito (GRADIN et al., 2006, apud CPRM, 2015, p. 51), com abundância de grãos detríticos de zircão datados entre 630 e 590 Ma (NOCE et al., 2004, apud CPRM, 2015, p. 51). Essas são as rochas mais antigas da região de Itapina, sendo uma sequência pelito-arenocarbonática constituída predominantemente por granada-sillimanita (cordierita) gnaisses, mostrando estruturas deformacionais pontuais em função das intercalações de gnaisses calcissilicáticos, biotita-granada xistos, muscovitaxistos e quartzitos (CPRM, 2015, p. 52). 67 Depósito residual de solo com nenhum ou pouco transporte, podendo ser diferenciado dos solos autóctones devido à perda por erosão, das partículas finas das famílias das argilas e siltes.

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Figura 116 - O controle estrutural sobre o leito do Rio Doce, no trecho ilustrado na fotografia, pode ser constatado com a identificação dos patamares diversificados das formas de relevo que o encerram, identificando os alicerces cristalinos metamórficos, mais antigos, a ilha em primeiro plano, além das colinas cobertas por pastagens manejadas (a), as intrusões ígneas granitoides, dentre elas o “Morro Pelado”(b), à esquerda, e a imponência da intrusão charnockítica (c), à direita.

c b a

a a

Fonte – Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

226


Mesmo que não observável a partir da planície de inundação, o “Alto Mutum” é uma associação geológica reconhecida mesmo em mapeamento de pequena escala, face à rusticidade física das vertentes que desde antes do tempo de Egler68 se mostravam inóspitas à formação de uma paisagem produtiva, remanescendo até hoje uma cobertura vegetal natural que só não é primitiva devido às interferências indiretas das técnicas produtivas adotas nas áreas adjacentes. No entanto, a engenhosidade humana foi responsável por domar as asperezas das feições topográficas, se apropriando de recursos naturais não renováveis através de técnicas minerarias que ainda alimentam o setor de rochas ornamentais no Estado do Espírito Santo. Um explorador se aventurando séculos atrás, pelo leito do rio Doce ou percorrendo suas margens no trecho entre Colatina e Baixo Guandu tem, independente do atual vislumbre da obra de engenharia da ponte Fontenelle, na BR-259 (ver Figura 125) e da obstrução visual imposta pelos terrenos gnáissicos marginais, o impacto ao se deparar com o marco físico geográfico que dá nome ao distrito de Itapina, ou, em língua tupi-guarani, pedra ou morro pelado69. É notório como suas feições, mesmo que diminuídas pela imponência da Suíte Intrusiva Aimorés com seus charnickitos70, se destacam ao observador, principalmente a partir da margem direita do rio Doce. Sua presença no panorama geológico

68

Ibidem nota 63 Ver PELLIZZARO, 2011, p. 20. Em vários dicionários consultados sobre a língua tupy-guarani, base das povoações originais locais do Vale do rio Doce, em especial os índios Botocudos, procurou-se o significado de Itapina para uma correta tradução e contextualização nessa pesquisa. Optou-se, porém, por uma tradução que mais se aproximasse com o campo ou campos de estudo dessa pesquisa, sendo “morro pelado” a terminologia escolhida (e usada também pelos locais, como o relatado nas visitas ao distrito) pelas formações geomorfológicas locais que constroem parte do imaginário da paisagem local. 70 No presente trabalho será considerada a denominação “Maciço Itapina” seguindo a integração geológica apresentada em CPRM (2015, p. 123). No entrono da sede distrital de Itapina as rochas que compõem a Unidade Litoestratigráfica do Maciço Itapina podem ser observadas a leste da barragem de Mascarenhas englobando o Morro Pelado, possuindo forma alongada de direção NW-SE, estreitando ao sul (BALTAZAR, 2009 apud CPRM, 2015 p. 123), fazendo contato, a sul, leste e sudoeste com os gnaisses quartzosos do Complexo Nova Venécia. Segundo Tuller (1993, apud CPRM, 2015, p. 123) “à medida que aumenta o teor do feldspato, o relevo da região começa a se tornar mais elevado, chegando mesmo a formar campos de “pães de açúcar” típicos da área, observando-se faces rochosas desprovidas de camada eluvial, onde a matriz se torna praticamente inexistente e, consequentemente, há o domínio quase que por completo dos K-feldspatos”. As feições positivas geradas pela litologia tiveram influência direta na forma como é identificado esse morro no contexto de paisagem percebida, seja em percurso pelo rio Doce até a região de Mascarenhas em Baixo-Guandú, ou de dentro do sítio urbano de Itapina em pontos estratégicos. O morro em si, não consta com toponímia nas cartas geológicas e 69

227


local não pode ser negligenciada como marco visual ou referencial de orientação espacial, principalmente em épocas passadas, em que distância e tempo eram unidades dependentes de pelo menos dois pontos reconhecíveis na paisagem (Figura 117). Figura 117 - A constatação da importância do Pico de Itapina como marco físico geográfico somente pode ser constatada a partir de busca pelo campo de visão de exploradores do século XIX, quando a sua face rochosa nua figura exposta às embarcações deslocando-se pelo Rio Doce ou pelos índios que ai pescavam ou vagavam pelas suas margens. As rochas observadas na margem constatam a proximidade das intrusões ígneas nas matrizes metamórficas existentes no entorno da sede distrital de Itapina.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

geográficas da região (somente seu relevo e altura aparecem em cartas de escalas variadas), mas a identificação do mesmo, perante a paisagem estudada, foi por conta de relatos de moradores locais que o apontaram e identificaram para o grupo de pesquisa, seja de dentro do sítio ou do rio Doce.

228


Mesmo com a relevância da Serra do Mutum71, com sua complexa associação de rochas verdes cuja composição mineralógica é responsável pela resistência aos agentes intempéricos atuantes desde tempos imemoriais, a intrusão granitóide que deu nome ao distrito de Itapina em Colatina, está posicionada junto com o distrito na margem oposta do Rio Doce (Figura 118), mas, legalmente encontra-se dentro do território do município de Baixo Guandu (Figura 119). Esse relevo, identificado e relatado por moradores locais nas visitas in loco como sendo o que nomeia o distrito, chama atenção por sua configuração cônica, diferente daquelas litologias análogas, com sua face orientada no sentido NWSE, postando-se tangente ao fluxo fluvial, tornando inquestionável sua importância como marco físico geográfico local (Figura 118, Figura 119 e Figura 120).

71

De acordo com CPRM (2015, p. 123), foram individualizados os seguintes litótipos neste maciço: Charnockito (hiperstênio-granito porfirítico), microclina granito e diorito. O charnockito (ck) (hiperstênio-granito porfirítico) ocupa a porção norte da intrusão e macroscopicamente trata-se de uma rocha de granulação grossa, matriz fina a média, cor cinza-escura com tonalidade esverdeada, isotrópica, rica em cristais de plagioclásio euédricos, chegando a atingir até 5 cm de comprimento ou mais, distribuídos aleatoriamente (CPRM, 2015 p. 123).

229


Figura 118 – A relação entre Itapina, seu morro e o rio Doce

Fonte: Modificado de Google Earth: Image©2018 DigitalGlobe; ©2018 Google

230


Figura 119 – Trecho da Carta de Colatina contendo o distrito de Itapina, seus limites com Baixo Guandu e a posição do “morro pelado” (destacado em verde)

Fonte: Sistema de Projeção UTM - zona 24S. DATUM SIRGAS2000. IBGE/GEOBASES Elaboração/ IDAF/DTCAR/SEGE

231


Figura 120 – Vista do rio Doce em direção à Baixo Guandu e presença marcante da forma cônica do morro pelado, ou Itapina.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

232


É possível, porém, fazer uma correlação dessa situação do referencial geológico de um lugar pertencer a outro, como a exemplo do Morro do Penedo e do Mestre Álvaro, vistos pela capital Vitória. Ambos, presentes de forma marcante na paisagem da capital capixaba pertencem, na verdade, territorialmente a dois municípios vizinhos: o Penedo, a cidade de Vila-Velha e o Mestre Álvaro, a cidade da Serra (Figura 121 e Figura 122). Ambos foram desde os tempos coloniais para os que navegavam pelas costas capixabas, marcos físicos-geográficos de orientação

marítima, como caso do Mestre Álvaro (COSTA, 2018, p. ?), visto ao longe pelo mar72, como de proteção, no caso do Penedo73, base de artefatos de proteção militar no período colonial para a entrada na Baia de Vitória.

72

Costa assim descreve o Mestre Álvaro: “A montanha do Mestre Álvaro é o mais setentrional e importante dos "Monadnocks" da costa brasileira. Durante milhões de anos, a erosão vai aplainando terrenos, destruindo as montanhas. Há, contudo, rochas mais resistentes, de granito ou gnaisse, e quando a erosão é muito intensa, restam montes isolados. O exemplo de um maciço isolado no Espírito Santo é o da Serra do Mestre Álvaro”, e ainda completa comparando-o outro marco histórico geológico brasileiro: “A altura do Mestre Álvaro é de 833 metros, conforme a Diretoria de Geodesia e Cartografia - Superintendência de Cartografia do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE. O monte Pascoal, avistado por Pedro Álvares Cabral e sua tripulação no dia 22 de abril de 1500, data do descobrimento do Brasil, possui apenas 536 metros de altura, ou seja, 297 metros a menos que a montanha do Mestre Álvaro” (Ver em especial COSTA, Ricardo Brunow. A Propósito do Mestre Álvaro (fragmento). Disponível em: < http://www.morrodomoreno.com.br/materias/mestre-lvaro.html>. Acessado em: 28 maio 2018). 73 Assim descreve Levy Rocha, por exemplo, sobre a entrada da comitiva de navios de D. Pedro II utilizou para sua visita oficial à Província do Espírito Santo, no ano de 1860: “Antes que o Apa atingisse o começo da garganta que a baía forma em frente ao Penedo ou Pão de Açúcar e à fortaleza de São João, antiga guardiã das entrada da capital, disparava esta os seus canhões, cuja mudez permitia a familiaridade das teias de aranhas, ramos de matos e camaleões” (ROCHA, 2008, p. 59).

233


Figura 121 – Respectivamente, imagens do Morro do Penedo visto da região do Centro da Cidade de Vitória, local histórico da origem da colonização do Espírito Santo, em meados do séc. XVI, a partir da Vila da Vitória. O Penedo, morro que marca a entrada da Baia protegida de Vitoria foi por séculos, lugar de proteção e aviso de chegada de navios que aportavam no porto de Vitória

Fonte: Respectivamente, INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES/LEGADO VITÓRIA, 2018; e FABIANIO DIAS, 2010

234


Figura 122 – Na sequência, desenho feito por D. Pedro II em sua chegada pelo mar à Província do Espirito Santo, no ano de 1860, para visita oficial. Descreve acima do desenho: “Mestre Álvaro do caminho para a foz do rio Santa Maria na altura da casa de Susano - tarde de 28”. E, foto atual tirada da Orla de Camburi, região norte da cidade de Vitória.

Fonte: Respectivamente, ROCHA, 2008, p. 12 e FABIANO DIAS, 2017.

O Morro Pelado, ou Itapina, apontado pelos moradores, mesmo estando localizado em Baixo Guandu por uma questão de divisão territorial entre Colatina e seu vizinho, possui sua face marcante escavada em rocha pelo tempo e as intempéries voltada para o rio Doce (vide Figura 118) e seu cume se descortina tanto do distrito, em lugares estratégicos, como da paisagem circundante (vide Figura 120 e Figura 123).

235


Uma observação atual do Morro Pelado pode ser constatada a partir do arruamento central da sede distrital de Itapina, em especial aquela que acessa o campo de futebol, à sul, e o ginásio de esportes, à norte, com alinhamento com o cone granitóide 74, alinhamento esse certamente ocorrido ao acaso. Nesse campo de visão (Figura 123), a fisiografia cônica não mais chama atenção pela face lisa de rochas exposta, como aquela vista a partir do rio, entretanto, ainda destoa da paisagem circundante pela forma cônica completamente única na paisagem local. Figura 123 – As faces cônicas do morro vistas de dentro do núcleo urbano de Itapina (respectivamente, da Av. Dr. José Farah e do campo de futebol na parte alta, acima do núcleo histórico de Itapina).

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

74

O granito porfirítico pode ser observado na porção sul da Unidade Litoestratigráfica Maciço Itapina como pequenos corpos situados próximos à cidade de Itapina, sendo que, em apreciação macroscópica de amostras de mão, trata-se de uma rocha de granulação grossa, matriz fina, cor cinza-clara à rósea. Em campo podem ser encontrados xenólitos de supracrustais alongados, decimétricos, além de diques de pegmatoides centimétricos, de matriz fina com pórfiros de feldspato euédricos de até 8 cm de comprimento (CPRM, 2015 p. 123).

236


Apesar do controle morfoestrutural das unidades litoestratigráficas que alicerçam a paisagem, são as cicatrizes deixadas pelos eventos climáticos em suas infinitas intensidades ao longo do tempo que saltam aos olhos do observador em seu primeiro contato com o espaço geográfico no qual está contido. As forças dos agentes intempéricos necessitam de nada mais do que o tempo para a desagregação física e transformações químicas dos minerais agregados de um tipo rochoso - apesar da energia potencial necessária à condução e acúmulo das partículas minerais nas superfícies mais deprimidas da paisagem -, criando as condições apropriadas à gênese de uma unidade geológica de idade mais recente, como as Coberturas Detrítico-lateríticas. As feições positivas no relevo, ou seja, as litologias que formam os pontões e as serras mostram-se mais resistentes aos agentes intempéricos que os gnaisses mais antigos, esses com topografias menos acentuadas que na região de Itapina encontram-se sotopostos Nessa unidade litoestratigráfica pode-se incorporar às análises do meio físico uma revisão quanto aos processos pretéritos que interferiram na escultura do relevo da região de Itapina, pois algumas feições ainda são reconhecíveis na paisagem incorporando suas formas aos processos atuais de evolução das vertentes. No entanto, a gênese das unidades Cambriana e Ediacariana se restringem a mineralogia, não apresentando feições geomorfológicas singenéticas reconhecíveis atualmente, restringindo-se a descrição das suas composições mineralógicas que por si são responsáveis pela maior ou menor resistências aos agentes intempéricos ativos desde o Pleistoceno. Partindo-se da identificação das mudanças ambientais ocorridas no final do Pleistoceno75, onde a linha da costa encontrava-se bastante deslocada para leste, provavelmente no limite da atual plataforma continental, as superfícies dos tabuleiros com características litológicas 75

As mudanças ambientais acarretadas pelas oscilações climáticas materializaram-se com a subida do nível do mar no evento Flandriano, impondo modificações fisiográficas à planície deltaica, na época guardando semelhanças com as feições atuais, destacando as elevações do Arquipélago de Abrolhos, que foram aos poucos cobertas pelo mar. À montante do delta do Rio Doce, os vales abertos no ciclo erosivo eram colmatados por depósitos fluviais e marinhos transgressivos. Quando a linha da costa atingiu a posição mais elevada que a atual, os lagos de barragem compostas por sedimentos Pleistocênicos, estavam completamente formados: “Este ciclo transgressivo, com a formação das lagoas do baixo Rio Doce, segundo Le BLANC &

237


similares àquele localizado a sul do distrito de Itapina, que se estendiam mais para leste, apresentavam-se escavada por profundos vales ao longo do rio Doce e alguns de seus afluentes (CPRM, 2015, p. 165)76. Ainda de acordo com CPRM (2015 p. 165), com idade situada no Terciário-Quaternário, os sedimentos areno-argilosos que constituem os pequenos platôs situados adjacentes as margens do rio Doce, identificados no entorno de Itapina, localmente recobrem litótipos relacionados ao Complexo Nova Venécia, recebendo a denominação litoestratigráfica de Coberturas detrito-lateríticas. Tais sedimentos areno-argilosos mostram granulometria mal selecionada, com coloração de branca a branco-amarelada, eventualmente apresentando cores variadas devido a lixiviação de compostos contendo óxido de ferro.

BERNARD (In: KANE 1959) decorreu entre 25.000 e 5.000 anos atrás aproximadamente, quando se estabilizou o nível do mar” (CPRM, 2015, p. 165), e “Após essa invasão marinha, o mar começou a regredir, primeiro e mais intensamente na foz do Rio Doce, compelido pela carga sedimentar carreada do continente, num trabalho conjunto realizado pelo rio, ondas e correntes litorâneas. Atualmente o mar se encontra na parte mais larga da planície costeira, deslocado 27 km a leste de sua posição anterior foi contínua e acompanhada por erosões locais, processo ativo ainda hoje, caracterizando aquela fase regressiva, pela formação das lagoas costeiras nas depressões inter-tributárias, nas cavas e pequenos canais costeiros barrados a leste pelos cordões marinhos” (CPRM, ,2015, p. 165). Após essa invasão marinha, o mar começou a regredir, primeiro e mais intensamente na foz do Rio Doce, compelido pela carga sedimentar carreada do continente, num trabalho conjunto realizado pelo rio, ondas e correntes litorâneas. Atualmente o mar se encontra na parte mais larga da planície costeira, deslocado 27 km a leste de sua posição anterior foi contínua e acompanhada por erosões locais, processo ativo ainda hoje, caracterizando aquela fase regressiva, pela formação das lagoas costeiras nas depressões inter-tributárias, nas cavas e pequenos canais costeiros barrados a leste pelos cordões marinhos (CPRM, ,2015, p. 165). 76 “A calha de drenagem regional principal correu, primeiramente, pela região do Paleocanal Sul do Rio Doce, sendo barrado pelas areias quartzosas marinhas inconsolidadas, provenientes da transgressão, seguindo pelo rompimento do novo caminho através da planície, ao longo do Paleocanal Norte, onde foi novamente impedido, passando a correr em seu curso atual, que sofreu ainda ligeiras modificações, citando-se entre elas, seu desvio para sul na altura da Lagoa Monsarás, por onde passou. Atualmente, no trecho compreendido entre sua foz e a Fazenda Império, está solapando ativamente areias marinhas na margem esquerda e depositando na direita, presumindo-se por isto que o próximo rompimento ocorrerá na altura da localidade de Povoação” (CPRM, 2015, p. 165).

238


Na área em estudo as Coberturas detrito-lateríticas nas cotas mais baixas exibem, sobrepostos aos litotipos da Unidade Litoestratigráfica Maciço Nova Venécia, uma textura mais lisa de um relevo escarpado nas bordas, de drenagem dendrítica e uma vegetação arbustiva competindo com áreas de cafezais e pastagens. No entanto, em cotas mais elevadas é possível ver um relevo de textura lisa, pobre em drenagem, e sugere-se que a gênese daquele material argiloso esteja relacionada à decomposição de granulitos ou aos gnaisses paraderivados sotopostos, originando feições elúvio-coluvionares autóctones, com uma vegetação dominantemente de mata densa, cuja grande parte cedeu lugar ao plantio de cafezais e pastagens (CPRM, 2015, p. 165) Uma observação da paisagem ao redor de sede distrital de Itapina promove a compreensão do quanto a paisagem mostra-se dependente das limitações impostas pelas características morfoestruturais, mesmo que sejam mais facilmente reconhecidas as cicatrizes deixadas por eventos exógenos, mesmo que pretéritos, a capa superficial sob os pés das ocupações humanas mostram-se férteis, quando da intemperização de rochas cristalinas na formação de Latossolos, ou com a manutenção de uma cobertura vegetal próxima à natural, quando da declividade acentuada por Pães-de-Açucar ou terrenos terciários que pouco se prestam à agricultura. Na área de estudo desde a sede municipal de Baixo Guandu a unidade litoestratigráfica holocênica pode ser observada, ao longo do rio Doce e seus tributários, estando mapeados apenas na margem direita até a cidade de Itapina, como observado no Mapa Geológico do Espírito Santo (Figura 124). Entretanto, numa escala de maior detalhe tais litologias ocorrem como material detrítico77 que entulha as calhas de drenagem nos trechos com menor energia de transporte, tanto dos tributários quanto do próprio rio principal.

77

Os depósitos aluvionares na região de Itapina são constituídos de areias quartzosas grossas, de grãos angulosos mal selecionados, conglomeráticas, micáceas, com intercalações argilosílticas e argilosas, que correspondem à aluviões e terraços recentes, ocorrendo em cotas inferiores principalmente à noroeste da sede distrital, com formas possivelmente relacionadas à dinâmica pretérita do Rio Doce, bem como a sazonalidade de cheias que abastece com nutrientes suas planícies de inundação. Nas demais áreas em que ocorrem, as aluviões mostram uma

239


A Figura 124 é parte do Mapa Geológico do Estado do Espírito Santo com a identificação da sede distrital de Itapina, a localização do marco físico geográfico denominado Morro Pelado e as unidades litoestratigráficas que compõem o complexo morfoestrutural que alicerça as formas de relevo. Figura 124 - Trecho do mapa geológico do Estado do Espírito Santo, mostrando a localização do Pico de Itapina e as unidades litoestratigráficas.

3

1

2 7

LEGENDA

4 1

5

M

7

4

I

6

1-Rochas graníticas intrusivas; 2- Rochas cristalinas – charnockitos; 3-Gnaisses – Complexo Nova Venécia; 4-Ortognaisse Santa Tereza; 5- Complexo Nova Venécia; 6-Cobertura detrito-laterítica; 7-Depósitos quaternários; M

Morro Pelado

I

Itapina

Fonte: CPRM, 2015.

composição com mais cascalho, areia e argila, sugerindo processos gerados a partir de fluxos mais rápidos com maior energia, capazes de transportar seixos milimétricos até centimétricos (CPRM, 2015, p. 168).

240


4.2.

O RELEVO E A APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

Em análise geomorfológica preliminar, a região em estudo caracteriza-se pelo uso e ocupação do solo regido pela determinação dos locais com melhores traçados e menores impactos físicos e ambientais para alocação de grande parte da infraestrutura existente, desde a escolha dos empreendimentos rodoviários implantados até mesmo a locação do projeto da ponte de Itapina, não concluído ao longo da história do distrito78. O aspecto variado observado no entorno de Itapina remete à diversidade morfoestrutural responsáveis pela falta de monotonia ao relevo na área. Apesar das associações entre a fisiografia do modelado e o alicerce geológico já identificado, numa escala de maior detalhe podemos compreender a interferência direta daquela na forma de ocupação da paisagem, através das facilidades de manejo ou equívocos na gestão do uso e ocupação dos espaços, ora com o abandono de glebas outrora desmatadas para atividades agropastoris, ora com a identificação dos custos elevados de manutenção da capacidade produtiva de culturas implementadas nos fracos terrenos terciários de características pedológicas arenosas. A sede distrital de Itapina localiza-se numa área de transição entre classes de relevo sobrepostas as unidades litoestratigráficas anteriormente identificadas, e estas promovendo grande influência na gênese dos Maciços Plutônicos, feições mais comumente identificadas a partir da margem esquerda do rio Doce, destacando-se pela ocorrência de grandes massas intrusivas predominantemente ácidas de idades diferentes,

78

Outro setor de grande importância regional, diretamente relacionado ao tema, é a agricultura que possui correlação direta com a forma do relevo na qual está inserida, sendo o café cultivado em diferentes unidades geomorfológicas, com diferentes espécies, justamente pela influência que a forma do relevo exerce sobre suas respectivas produtividades, além da pecuária cujo manejo das áreas de pastagem depende também das características das condições topográficas e pedológicas.

241


como as rochas metamórficas do Complexo Nova Venécia e granitoides que compõem o Maciço Itapina na área em estudo, correspondentes a suítes intrudidas em rochas proterozóicas de litoestruturas variáveis (IJSN, 2012 p. 8). O trecho do rio Doce a partir da barragem de Mascarenhas, à montante da divisa entre os municípios de Baixo Guandu e Colatina, corre sobre substrato litológico cristalino metamórfico, dissecando a paisagem a partir da desagregação do nível de base local, evidenciando a compartimentação geocronológica entre as rochas mais antigas sotopostas às colinas marginais, à norte pelas intrusões das rochas verdes da Serra do Mutum, e a sul, os granitoides que compõem o Morro Pelado (Figura 125), esse saltando aos olhos do viajante mesmo que obscurecido pela imponência do bloco charnockítico do Mutum.

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Figura 125 - Vista do Pico de Itapina a partir do Rio Doce mostrando-se como referência visual mesmo que parcialmente obstruído pela Obra de Arte corrente na BR-259.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

A partir da margem direita da calha de drenagem principal ocorre a Faixa de Dobramentos Remobilizados caracterizadas pelas evidências de movimentos crustais, com marcas de falhas, deslocamentos de blocos e falhamentos transversos, impondo nítido controle estrutural sobre a morfologia atual, sobrepondo as unidades Proterozóicas anteriormente descritas (IJSN, 2012 p. 8). O modelado é predominantemente de dissecação diferencial marcada pelo controle estrutural definido pelo aprofundamento diversificado da drenagem visto que a densidade é controlada pela tectônica e pela litologia. Entretanto, podem ser observados modelados de acumulação

243


principalmente nos vales com preenchimento aluvial, apresentando uma feição plana resultante de acumulação fluvial sujeita a inundações periódicas, correspondentes as áreas de várzeas do rio principal bem como córregos componentes das microbacias marginais ao Rio Doce. Em escala de maior detalhe, permite-se vislumbrar que as regiões geomorfológicas identificadas se mesclam na paisagem do entorno de Itapina, estando as feições dos Planaltos Soerguidos observados a partir da ponte inacabada para oeste, onde podem-se observar os afloramentos rochosos intrusivos do Maciço de Itapina. Os modelados de acumulação podem ser compreendidos de maneira mais clara deixando-se a análise de pequena escala, responsável pela compartimentação geomorfológica do Estado do Espírito Santo (IJSN, 2012, p. 11), observando-se as microbacias hidrográficas afluentes do leito principal, particularmente o Laje que deságua à oeste da sede de Itapina, na margem direita do Rio Doce. Localmente, as áreas de acumulação remetem a condições climáticas pretéritas, como o entulhamento de anfiteatros ou migrações dos leitos da microdrenagem encerrados por terraços não mais ativos, que limitam paleoplanícies79 de inundações em nível mais elevado que aquelas afetadas pelas sazonalidades das cheias atuais. Não apenas nas calhas de microdrenagem podemos compreender as áreas de entulhamento. Eventos sazonais do próprio rio Doce promoveram no tempo geológico recente áreas de acúmulo em inúmeras reentrâncias de suas margens, promovendo ao longo da história do distrito a utilização das argilas para a confecção de telhas outrora largamente utilizadas (Figura 126).

79

Essas áreas são afetadas por agentes erosivos principalmente relacionados a oscilações climáticas e variação de níveis de base dos rios envoltos. Constituem-se de maciços residuais elevados assinalados por pontões rochosos e localmente por restos de topos parcialmente conservados (IJSN, 2012, p. 9).

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Figura 126 - Telha confeccionada a partir de sedimentação Holocênica que formam as jazidas minerais existentes no entorno da sede distrital de Itapina.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

As formas de relevo a partir das margens do rio Doce, a partir de Itapina tanto para o Norte quanto para o Sul, remetem a lembranças das dificuldades encontradas pelos imigrantes que, mesmo desconsiderando a cobertura pretérita de florestas intransponíveis, as formas

245


transicionais das litologias impuseram ao relevo formas de colinas pouco íngremes sobrepostas as rochas metamórficas, a partir dos terraços terciários remanescentes em suas margens, até colinas acentuadas tendo sotopostos as intrusões ígneas tanto granitoides quanto charnockíticas, para Norte, sendo que para sul, a partir de sua margem direita, tais agruras do relevo culminam ao bloco montanhoso característico aos municípios de Itaguaçu e Santa Teresa80. A transição para a região dos Planaltos da Mantiqueira Setentrional é gradual, mesclando feições típicas de formação planáltica possuindo aspecto montanhoso com modelado fortemente dissecado, incluindo altitudes variadas dispostas geralmente em níveis altimétricos relacionados com as fases de dissecação comandadas pelos rios, adaptados às fraquezas litológicas e estruturais (IJSN, 2012, p. 9). Numa análise em escala de detalhe as feições de acumulação se restringem ao sedimento aluvial dos vales entulhados com inundações periódicas, além das feições geológicas de acúmulo ao longo do Holocêno, sendo tais modelados de acumulação somente identificados para os sistemas drenantes das microbacias hidrográficas afluentes do canal principal do Rio Doce, ou identificados na calha de drenagem do mesmo. Os aspectos físicos geográficos observados na região limítrofe entre os municípios de Baixo Guandu e Colatina, sugerem um entendimento indelével de sua importância para o passado recente do distrito de Itapina. Desde os relatos de Egler sobre a ocupação da Zona Pioneira do Norte do Rio Doce, como mencionado anteriormente, pode-se observar a influência da paisagem física no estabelecimento desse histórico 80

Em uma escala analítica da paisagem, no que se refere as características do relevo capazes de comandar as ações socioeconômicas locais, pode-se identificar à norte de Itapina a Unidade Geomorfológica Bloco Montanhoso Central o aspecto montanhoso apresentado pela área deve-se ao realce dos diversos núcleos plutônicos da Unidade Litoestratigráfica do Maciço Itapina a partir de retomadas erosivas devido ao abaixamento dos níveis de base da drenagem em consequência de oscilações climáticas e movimentações estruturais pretéritas. Também de maneira não abrupta a transição desta com a Unidade Geomorfológica Patamares Escalonados do Sul Capixaba pode ser observada entre a margem esquerda do Rio Doce, à Norte para aquela, e para Sul onde se diferencia das demais áreas da região Sul Capixaba por ressaltar níveis de dissecação escalonados formando patamares, delimitados por frentes escarpadas adaptadas a falhas voltadas para noroeste e com caimento topográfico para sudeste, sugerindo blocos basculados em decorrência de impulsos epirogenéticos relacionados com a atuação dos ciclos geotectônicos (IJSN, 2012, p. 10).

246


distrito e sua importância como centro comercial regional. Pautando-se nos conhecimentos atuais sobre as diversidades fisiográficas locais, seria possível prever que Itapina surgisse como um importante centro urbanizado que perdurou até meados do Século XX, em função de uma série de aspectos socioeconômicos norteados pela diversidade geoambiental da região. Segundo Egler (1951, p. 223), o Rio Doce manteve seu status de divisor entre as terras colonizadas do Sul das terras inóspitas localizadas a partir de sua margem esquerda até meados do século passado. Eis o primeiro aspecto de interferência do meio físico sobre o uso e ocupação do território. A montante de Itapina, a região mineira drenada pelo Rio Doce já havia sido apropriada pelos fluxos de colonização, restando apenas às dificuldades encontradas desde Governador Valadares, quando o leito tende para o Sudeste, até a divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Esse aspecto físico deixou a foz do rio Laje no aguardo do surgimento das fundações históricas do povoado de Laje, visto que, estando os colonizadores mineiros impedidos de manter ou fluxo migratório a jusante, o ambiente natural permaneceu à espera dos primeiros colonizadores impelidos a partir da Zona Serrana pelos vales dos rios Santa Maria, Santa Joana e Guandu (EGLER, 1951, p. 223), condicionados pelas características geológicas, cujas feições geomorfológicas apresentadas, quase um século mais tarde, receberia a denominação de Unidade Geomorfológica dos Patamares Escalonados do Sul Capixaba (IJSN, 2012, p. 16). Uma especulação surge a partir das análises das características físicas observadas, em especial no que se refere ao marco físico geográfico cuja toponímia deu nome à Itapina. O Morro Pelado figura como uma referência visual para aqueles que navegaram e ainda navegam ou margeiam pelo Rio Doce, mostrando-se em destaque apesar de suas dimensões modestas em comparação a serra chanockítica à Norte, muito devido a sua forma cônica que destaca-se do relevo dissecado (Figura 127) que encerra as margens do Rio Doce no trecho de Itapina.

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Figura 127 - O Morro Pelado se destaca na paisagem também no campo de visão a partir dos acessos pelas vias não pavimentadas que compõem a malha viária, na margem direita do Rio Doce, que levam à sede distrital de Itapina.

Fonte: Levantamento de campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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Desde tempos arcaicos a ocupação humana, em suas diferentes maneiras de apropriação do espaço natural, é influenciada pela diversidade do meio físico tornando-se apreciável a partir das tipologias de formas do relevo alicerçadas por associações geológicas nem sempre identificáveis na paisagem. Movimentos crustais a muito extintos foram responsáveis pela tendência das drenagens regionais, em especial importância àquelas que deságuam na margem direita do rio Doce, dissecarem a região serrana de Santa Teresa e Itaguaçú mostrando-se um alinhamento de seus talvegues numa direção SSW-NNE quase retilíneos, propiciando a chegada dos fluxos colonizadores da virada dos séculos XIX e XX (ver Figura 45).

As percepções das formas de uso do solo também são regidas naturalmente pelas características impelidas pelo substrato geológico, porém não isoladamente, e sim após os incontáveis embates entre as diferentes resistências impostas pelas inúmeras mineralogias que compões as associações de rochas, e os fluxos energéticos advindos de climas pretéritos, visto que o tempo é crucial para a gênese do modelado de uma região. Daí áreas com rochas do embasamento cristalino promovem uma associação pedológica81 normalmente propícia às cultivares, no entanto, limitadas pelas formas de relevo dissecadas que caracteriza uma limitação física de uso. Outra forma observável na região de Itapina são as superfícies suaves adjacentes às margens do Rio Doce, podendo-se identificar patamares com acúmulo aluvial, raramente bem delimitada e sobreponto rochas proterozóicas82, como as áreas de extração de argila outrora muito úteis

81

Associação de diferentes tipos de solos formados a partir do intemperismo das rochas. Considerando a escala de tempo geológico, o Proterozoico, do grego (proteros = anterior, e zoikos = de animais) é o éon que está compreendido entre 2,5 bilhões e 542 milhões de anos, abrangendo quase metade do tempo de existência da Terra. 82

249


para o aquecimento da economia do distrito de Baixo Guandú, localizadas à sombra das associações intrusivas que contém o Morro Pelado (Figura 128). Figura 128 - Croqui de representação das principais características físico-geográficas da paisagem da região de Itapina: (A) intrusão de rochas graníticas; (B) Serra do Mutum formado por rochas charnockíticas; e (C) rochas metamórficas do Complexo Nova Venécia.

Córrego Goiabal

A

Rio Laje

C

B

Fonte: Modificado de Google Earth: Image©2018 DigitalGlobe; ©2018 Google.

250


Podemos seguramente vislumbrar que a fundação da sede distrital de Laje, hoje Itapina, foi impelida por fatores físico-geográficos que por séculos aguardavam as facetas socioeconômicas que promoveram a chegada da ocupação no final do século XIX e início do XX, redundando na importância regional de Itapina, ponto de referência espacial para a confluência dos fluxos colonizadores vindo do sul a partir das bacias hidrográficas do Guandu e Santa Joana, e daqueles que desciam o Doce a partir das terras ocupadas das Minas Gerais.

251


CAP. V ESTRUTURANDO A PAISAGEM: A ARQUITETURA, O RIO, O TRILHO, A PONTE E O MORRO DE ITAPINA83

83

O conteúdo desse capítulo foi desenvolvido e adaptado especialmente para essa pesquisa, a partir de texto elaborado por Danielly Ohnesorge, Arquiteta-Urbanista formada pelas Faculdades Integradas de Aracruz, em 2015.

252


C

omo visto nos capítulos anteriores, a geografia onde se insere o histórico distrito de Itapina é fundamental para a própria história de sua existência. Seus morros, principalmente o que lhe dá nome, o rio Doce e a história de ocupação de seu vale, são marcas físicas gravadas na história desse sítio histórico. A ocupação de Itapina se deu acompanhando tanto às margens do Doce como o relevo

ascendente paralelo ao mesmo. Na cota mais baixa, próxima ao rio os dois meios de transportes originais do distrito se estabeleceram: o fluvial, pelas barcas que percorriam os dois sentidos do rio, e o trilho de trem, com a estação de Itapina, uma de várias desse corredor ferroviário histórico brasileiro. A paisagem em que se descortina Itapina é um misto do que Milton Santos chama de Natural e Artificial (SANTOS, 2012, p. 71-72): é tanto uma adaptação humana ao lugar de inserção como uma adaptação desse mesmo lugar às necessidades produtivas da existência humana. Historicamente, desde os séculos do período colonial a região do vale do rio Doce tinha os índios Botocudos como seus donos originais, divididos em tribos dispersas ao longo das margens do Doce e seus afluentes, vivendo da pesca e da caça. As sucessivas tentativas de entrada do homem branco nesse território inóspito pelos bravios Botocudos e as doenças locais, seguraram esse avanço, em maior número e grau, até meados do séc. XIX. A chegada de imigrantes à região, para a expansão da agricultura (principalmente, a cafeeira), do gado e da extração da madeira de Lei, mudaram definitivamente essa paisagem natural intocada por séculos, tão presente nos relatos de vários viajantes exploradores estrangeiros e brasileiros, que desde o começo do séc. XIX, registraram em textos, desenhos e depois fotografias a exuberância das matas locais, sua fauna e flora e, lógico, os contatos com os índios locais e sua cultura ancestral (ver em especial 3.1). Esse Natural e Artificial é marcante a partir do ponto de vista em que se percebe a paisagem da região de Itapina: por um lado, a ocupação do sitio histórico e seu tecido urbano tombado e o mais recente construído, que se moldam ao relevo local em vias largas, paralelas à margem do rio e às curvas do terreno. Terreno esse trabalhado aos poucos para acomodar as edificações com implantação cuidadosa, próximas umas das

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outras ou coladas nos lotes. Sua posição estratégica perante o rio Doce, em cota elevada e protegida de enchentes, lhe deu primazia no desenvolvimento do comércio fluvial em um primeiro momento e, posteriormente, esse mesmo comércio foi reforçado com a chegada da Estrada de Ferro Vitória-Minas (E.F.V.M.) e a implantação de sua estação de trens. Além disso, a estrutura em ruínas de uma ponte inacabada que cortaria o Doce e diminuiria a distância entre Itapina e Colatina, e ao restante do território norte capixaba, foi o prenúncio de um fim anunciado de prosperidade econômica desse histórico distrito, um dos mais importantes polos comerciais dos primeiros cinquenta anos do último século da região norte, perdendo rapidamente esse posto para a Colatina. De outro lado, a natureza presente de forma variada no contexto onde se insere esse sítio: sua geomorfologia esculpida pelo tempo e rasgada pelo rio Doce; suas matas ainda restantes de um tempo anterior à chegada do homem branco; seu morro pelado, referencial na paisagem principalmente de quem navega pelo Doce ou o margeia; e o próprio rio, que foi desde o descobrimento dessas terras no séc. XVI, alvo de tentativas de se adentrar o interior dos sertões brasileiros à procura de ouro e pedras preciosas; tentativas históricas impedidas pelos índios, pelos rápidos da Cachoeira das Escadinhas, pelo excesso de extrativismo de madeira e das minas que assorearam seu leito com passar do tempo e, nesse último século, o desastre de Mariana e seu impacto sobre a vida e a economia local de cada comunidade ribeirinha do Doce, inclusive a de Itapina. É uma natureza em constante e rápida transformação, desde os princípios do séc. XIX. De lugar intocado e perigoso no imaginário do homem civilizado, é hoje parte da história de sua conquista sobre essa mesma natureza. E nessa natureza formada pela dualidade que o pequeno núcleo urbano de Itapina se insere como um de seus elementos transformadores, criando e selecionando em meio ao natural e o artificial, paisagens com histórias a contar. É uma paisagem feita de contrates de uma história

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da própria Terra, de seu solo, seus recursos hídricos, fauna e flora e a chegada da civilização moderna, com seu maquinário, sua engenharia, suas estruturas e sua forma estética de construir uma segunda natureza: a cidade84.

5.1.

O MEIO NATURAL E URBANO NA PAISAGEM DE ITAPINA.

Para entender a atual paisagem do distrito de Itapina, foi preciso vivenciar esse ambiente formado pelo construído e o contexto natural já há muito modificado pelas mãos do homem, buscando-se, por fim, caracterizá-lo, como explica Afonso (2006, p. 35), como “[...] um conjunto dinâmico articulado por processos e relações”. Para o autor, essas relações são apresentadas como uma “estrutura sistêmica, estando organizada em subsistemas, natural e social” (AFONSO, 2006, p. 35). Esses subsistemas, no caso de Itapina, estão presentes através do relevo, da vegetação e do Rio Doce, enquanto subsistema natural e, como subsistema social através do casario, do trilho da ferrovia e da ponte inacabada (vide Figura 129), já que: O subsistema natural, composto por clima, solos, águas, relevo e vegetação em interação contínua, busca sempre a manutenção da sua estabilidade, flexibilidade e eficiência. Já o subsistema social, composto pelos fatores econômicos, políticos, administrativos, culturais e demográficos da sociedade humana, é comandado pelo modo de produção dominante em adaptação ao meio local (AFONSO, 2006, p.35).

84

Quanto a cidade enquanto uma segunda natureza criada pelo homem, ver em especial: PIANO, Renzo et al. Renzo Piano: sustainable architectures = arquitecturas sostenibles. Barcelona: G. Gili; Corte Madera, CA: Gingko Press, 1998. 63 p.

255


Figura 129 - A fotografia tirada da margem esquerda do rio Doce revela a junção do meio natural, formado pelo relevo e vegetação (A) e pelo rio, que corta o núcleo urbano (B); com o meio social, composto pelo casario (C), pela ponte (D) e, pelos trilhos de trens (E) que margeiam tanto o rio Doce o núcleo urbano de Itapina. Constituindo, portanto, a atual paisagem de Itapina-ES.

A C

E

D

B

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

Esse ambiente, descrito por Afonso, é “fundamentalmente, espaço” (AFONSO, 2006, p. 31). É possível contemplar as marcas deixadas através das transformações ocorridas nesse mesmo espaço, pois de acordo com Milton Santos, “o espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções” (SANTOS, 1980, p. 127).

256


Nesse ponto, a arquitetura histórica de Itapina exerce papel fundamental na construção espacial da paisagem local, enquanto estruturante e representante de memórias das relações sociais (e não somente delas), através dos usos e funções do antigo casario do distrito, divididos, principalmente entre residências e comércios. A antiga estação de trens, hoje em ruínas, é a marca histórica das primeiras construções desse pequeno lugarejo; dela e através dos trilhos de trens que separam o núcleo do rio Doce, chegaram os primeiros moradores que ocuparam a região, a partir do início da segunda década do séc. XX. Substituta por uma versão simplória, a estação original faz parte de uma extensa família tipológica de antigas estações ao longo da linha Vitória-Minas, e ainda mantém suas características originais como referência singular na paisagem construída de Itapina. Deslocada do núcleo e em cota mais baixa, era a principal porta de entrada do distrito, seu lugar de chegadas e partidas, de trocas, de comércio e de barulhos do trem chegando (Figura 130).

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Figura 130 – A antiga estação de trens de Itapina

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018

O sítio de Itapina tem em seus exemplares vernaculares de arquitetura eclética, art decó, proto-moderna etc, a marca urbana de uma paisagem construída tanto pelo poder econômico da época – o café, quanto pelas condições de sua topografia e, pela cultura local, principalmente de

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forte influência da imigração europeia, que chegou à região no começo do séc. XX. Subsistem à história somente as funções residências; há muito, o café deixou de ser o mote propulsor econômico do distrito, mas a riqueza gerada pelo mesmo está inscrita em suas fachadas. O conjunto arquitetônico (vide Figura 104, Figura 105, Figura 106, Figura 107, Figura 108 e Figura 109), alinhado a uma morfologia urbana de vias simples e longas quadras (vide Figura 103), que acompanham o relevo em terraços da região (vide Figura 98, Figura 99 e Figura 100), criam um panorama silencioso, de vida pacata e tranquila; muito diferente de outrora, de um núcleo urbano movimentado pelo dinheiro do café, pelas novidades trazidas da cidade grande e pela circulação de pessoas que não se limitavam somente aos moradores do distrito. Essa arquitetura silenciosa, de caráter histórico é a conexão entre o passado de florescimento do distrito e sua decadência econômica posterior, e sua preservação posta em curso após o tombamento de 2013, ajudou a cristalizar a memória histórica desse lugar. O conjunto arquitetônico histórico de Itapina é, pois, o que defende Pallasmaa quanto a arquitetura ser um meio, junto com a paisagem, de “reconciliação e mediação da memória humana”: Arquitetura é essencialmente uma forma artística de reconciliação e mediação, e, além de nos inserir no espaço e lugar, as paisagens e edificações articulam nossas experiências de duração do tempo entre as polaridades do passado e do futuro. Na verdade, ao longo do corpus inteiro da literatura e das artes, as paisagens e os prédios constituem a mais importante externalização da memória humana (PALLASMAA, 2018, p. 14).

Ao mesmo tempo, a paisagem urbano-histórica-arquitetônica desse pequeno distrito é expressão de narrativas culturais e da tradição local, de forte origem dos imigrantes europeus chagados ali, que orientam histórica e espacialmente quando suas ruas são percorridas (Figura 131), ou como explica Pallasmaa, “Toda paisagem e toda edificação é um mundo condensado e uma representação microcósmica de nosso lugar dentro dele” (PALLASMAA, 2018, p. 15).

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Figura 131 - Percorrendo o casario do sítio histórico, percebem-se construções com estilos e épocas diferentes.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

Outro fator importante para a análise da paisagem, é que ela pode ser reconhecida através dos sentidos humanos, e cada indivíduo possui formas diferentes de percepção, fazendo com que uma mesma paisagem se torne única por olhares distintos. Por isso Besse, trata a paisagem como uma produção cultural, onde:

260


As significações culturais que ela contém, e que são como projeções da cultura sobre o país, não podem ser reduzidas unicamente a significações estéticas: é preciso também fazer jus a outros olhares culturais lançados sobre a natureza, a outros universos de significação, a outros conceitos e a outras práticas que, tanto quanto a estética, são investidas no território. Há o olhar do cientista, o do médico, o do engenheiro, o do religioso ou do peregrino etc. Em cada caso, o território é afetado por qualidades paisagísticas particulares, próprias ao interesse daquele que o considera (BESSE, 2014, p. 62).

Durante a pesquisa, foram percebidos referenciais na paisagem presentes no entorno imediatos de Itapina, que se constituem como seus elementos singulares, particularidades do lugar ou marcos, se tomarmos de Kevin Lynch as referências conceituais para essa análise, já que, para o autor “o seu uso implica a sua distinção e evidência, em relação a uma quantidade enorme de outros elementos” (LYNCH, 1980, p. 59). Têm-se, portanto, importantes marcos visuais que constituem a paisagem de Itapina: o trilho, o rio, a ponte e o morro “pelado”. Esses, se completam ao conjunto arquitetônico do sítio histórico do distrito, estando dentro do perímetro de tombamento do sítio histórico de Itapina, como um conjunto cultural maior, composto tanto por elementos naturais como construídos da paisagem (Figura 132).

261


Figura 132 – Polígono Área de Proteção do Ambiente Cultural (APAC). APAC - constitui todo urbano e paisagístico a ser preservado, definido pela somatória da poligonal de tombamento com a poligonal de entorno. Na indicação de letras sobre a imagem, tem-se: (A) o núcleo histórico de Itapina; (B) os trilhos de trem; (C) o rio Doce; (D) a ponte inacabada e, (E) o morro de Itapina ou morro pelado.

D E

C A

B

Fonte: SECULT/RESOLUÇÃO CEC Nº 003/2013. Modificado para esse trabalho.

Os trilhos fazem parte da vida cotidiana de Itapina, não mais como sinônimo de boas novas do mundo exterior ou da capital, mas como uma reminiscência dessa mesma época. Hoje, Itapina é passagem do minério e dos produtos acabados das siderurgias. E em dois horários, de passageiros que ainda usam o trem para desembarcar no distrito. Na paisagem (Figura 131), é tanto parte de sua composição física como sonora, a mais alta por sinal, com a passagem dos trens pelos trilhos com seus vagões, em um tipo de repique que termina ao longe.

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Figura 133 – A partir da linha de trens é possível identificar os pontos marcantes do distrito de Itapina, sendo eles: o próprio trilho (A), a ponte (B), o rio (C) e o morro “pelado” (D). Esse conjunto referencial é parte importante da paisagem de Itapina.

D B C A

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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Os trilhos (Figura 134) estão à margem do núcleo; passam ao longo da margem do rio e do distrito. Conectam Colatina e as outras cidades de Vitória à Minas Gerais. Fazem o intermédio entre o rio Doce, mais a baixo e o distrito, acima. São parte fundamental da conquista de toda a região do vale do rio Doce, iniciada nos primeiros anos do séc. XX. Acelerou a chegada de pessoas, de mantimentos, de novos produtos e do escoamento da riqueza do café. Agora é do minério de ferro. E pode ser porta importantíssima para políticas futuras de um turismo histórico e cultural para o distrito. Figura 134 – O trilho da CVRD, antiga EFVM, entre Itapina e o rio Doce

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

A construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM) foi fator transformador da paisagem local. Acelerou tanto a chegada de novos colonos para a região como o processo da rápida transformação de sua paisagem histórica, como explica Teixeira:

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A construção iniciada nos primeiros anos do século XX, foi fator determinante para a alteração da paisagem das regiões do médio e baixo rio Doce, seja pela consolidação de localidades já existentes, que experimentaram um fluxo migratório - sazonal ou definitivo - grandemente ampliado, seja pela formação de novos núcleos urbanos” (TEIXEIRA, 2013, p. 16).

Com o advento da ferrovia, Itapina, pôde escoar seus produtos, em especial o café, e a localidade rapidamente prosperou como grande exportadora do produto, trazendo com isso, a reboque, a riqueza e seus dividendos para o incipiente núcleo urbano que formava nas primeiras décadas do séc. XX. Sua velha estação em ruínas é marca dessa época, onde matas se transformaram em cidades ( Figura 135). Figura 135 - Estrada de Ferro Vitória-Minas, com sua estação original sem uso e manutenção. Ao lado da estação original com estilo contrastante encontra-se o ponto de embarque e desembarque usado atualmente.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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O rio Doce, por sua vez, também margeia o distrito; está ali, ao largo, correndo em maior ou menor velocidade em direção ao mar, atravessando cidades e lugarejos que dele se orientaram. Fonte primeva de subsistência, teve seus recursos naturais rapidamente transformados pela chegada do homem branco. Suas paisagens naturais de densas matas, tão elevadas em qualidades por todos os viajantes estrangeiros que navegavam por ele, teve nas crônicas de Rubem Braga e de tantos outros contemporâneos a constatação da rápida transformação das matas em madeira de corte, pastos para o gado, fazendas e plantações de café. Hoje, restam resquícios de um e de outro tempo. Watu (Figura 136), um de seus nomes sagrados ancestrais dado pelos índios botocudos, teve e tem papel fundamental para a história de Itapina. Foi por décadas lugar de subsistência da população local, além de ser, antes do desastre, fonte de renda de tantos outros, que viviam da pesca. Sua história remonta as primeiras entradas para o interior do Brasil, iniciadas em meados do séc. XVI. As várias tentativas malogradas de navega-lo só deram frutos a partir do séc. XX, fato que ajudou a impulsionar a região, mas rapidamente a navegação foi trocada pela estrada de ferro e as rodovias. Sua existência desde milênios atrás, marcou o relevo, transformando no vale que se conhece hoje.

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Figura 136 – Trecho do rio Doce em Itapina.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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O desastre de Mariana de 2015 expõe o rio e todas suas comunidades ribeirinhas a um novo momento de crise ambiental, mas agora de enorme impacto. Essa relação, porém, entre rios e cidades é, segundo Costa, historicamente conflituosa (COSTA, 2006, p. 10). A autora afirma que “os rios têm tido suas margens ocupadas por habitações informais ou irregulares, e suas águas transformadas em coletores de lixo e de esgoto doméstico e industrial” (COSTA, 2006, p. 10). E ainda segundo Costa, fatores diversos determinam o risco ambiental que correm os biomas fluviais: [A] situação de risco ambiental é uma decorrência da interação entre processos ambientais (características geofísicas do sítio, clima, pluviosidade, etc.), processos econômicos (existência de indústrias poluidoras ou de equipamentos ou infraestruturas sujeitas a acidente) e processos sociais (características da população, como renda, escolaridade, etc.) (COSTA, 2006, p. 18).

Dos Santos complementa que “o desastre é, então, o resultado de um ou mais eventos adversos sobre um espaço vulnerável que podem ser de origem natural ou provocado pelo homem” (DOS SANTOS, 2007, p. 18). Esse processo econômico caracterizado por Costa, tem causado diversos efeitos negativos às cidades ribeirinhas do rio Doce, ampliados de forma exponencial, principalmente nos últimos anos, devido ao rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais, de responsabilidade da empresa mineradora SAMARCO, ocorrido no dia 05 de novembro de 2015. O distrito de Itapina é um dos locais que sofre diretamente com a tragédia, por ser uma das várias localidades ribeirinhas do rio Doce (como visto em 3.1.4). Além de mudar significativamente a paisagem do rio, por conta da alteração da coloração da água, os moradores também sofreram com a poluição do rio, afetando sua renda, sua alimentação e seu abastecimento de água. Navegando-se pelo rio Doce tem-se uma outra percepção da região, como dever ter sido o visto e tão relatado por todos os seus visitantes, exploradores e cronistas, desde o começo do séc. XIX - guardadas as devidas proporções. Suas matas não são mais densas nem serradas. Sua fauna e flora tão diversa e comparada ao Amazonas, já não tem os mesmos encantos, faz 100 anos. Os núcleos urbanos se organizam em suas

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margens, em locais mais propícios e adaptados a estes. O que se mantém, porém, é seu relevo altivo, quase que inalterado, considerando-se o tempo do homem na terra, e o tempo de ocupação dessa região. Em sua descrição, Egler relata que “o rio Doce, de Colatina para montante, corre entre colinas e montanhas que conferem às suas margens um aspecto mais variado” (EGLER, 1951, p. 226). O autor destaca ainda que [...] na região de Colatina estas colinas constituem um nível muito regular, de 80 a 100 metros, no qual se entalhou o rio e que este nível estende-se com largura variável ao longo de ambas as margens e, em continuação, vão aparecendo outros níveis mais elevados, conferindo à paisagem o aspecto de uma sucessão de patamares (EGLER, 1951, p. 226).

Ele ainda complementa que “ao longo da divisa com o Estado de Minas Gerais, a região serrana prolonga-se ao norte do rio Doce” (EGLER, 1951, p. 226), onde pontões se destacam na região do vale, indo até Pancas e seus famosos pontões. É nesse prolongamento de territórios que se destaca em meio à paisagem o morro “pelado”, que mesmo pertencendo territorialmente ao município de Baixo Guandu, se destaca como marco referencial do distrito de Itapina. Seja do rio (Figura 137) e/ou em pontos de dentro do distrito que orientam o olhar (ver Figura 141), o morro é uma presença forte na paisagem.

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Figura 137 - Percorrendo o Rio Doce, é possível identificar os marcos referenciais da figura 36, porém de forma diferente e individualizada. Por essa percepção do navegador podemos perceber que alguns pontos mesmo distantes se tornam mais visíveis e monumentais como é o caso do morro “pelado” (A); e outros podem estar mais perto, porém menos visíveis e oponentes, como é o caso da ponte (B); em muitos casos podem estar encobertos pela vegetação, tornando-se invisíveis em alguns trechos, como exemplo o trilho (C) e temos por fim o rio (D), instrumento de navegação para a percepção dessa paisagem.

C

B

A

D Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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A ponte inacabada (Figura 138) é também parte integrante da formação da paisagem de Itapina. Sua construção trouxe enormes expectativas de um maior crescimento para a região, principalmente quanto ao comércio, pois ligaria de forma mais rápida com Colatina e com a região norte do estado. Iniciada no governo de Juscelino Kubitschek, sua construção nunca chegou a ser concluída. Problemas estruturais entre outros, como visto anteriormente, marcaram a história dessa obra. Atualmente, seu esqueleto tornou-se um marco do que Itapina poderia ser. A estrutura corta a paisagem do rio de forma incompleta; seus arcos apoiados no rio e em ilhotas, servem de lembrete de sua história e sua plataforma interrompida, ganhou uma função peculiar: um mirante de onde a paisagem de todo o entorno do Itapina, se descortina (Figura 139). Figura 138 – Imagem da ponte inacabada, vista do rio Doce.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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Figura 139 – Vista do rio Doce pela plataforma da ponte inacabada. Ao fundo, o morro que dá nome ao distrito.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

Para alguns moradores, e já caracterizado como um importante fato histórico do distrito, uma das principais causas do declínio de Itapina deve-se a não conclusão dessa ponte, fazendo com que Itapina perdesse sua estrutura econômica, para Colatina, por exemplo. Em relato à equipe de pesquisa, um de seus moradores mais antigos, conhecido como Barra Limpa, 77 anos, diz o seguinte sobre essa ponte: “[...] se ela

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fosse terminada, eu te garantia, Itapina seria, quem sabe, até municipalizada.” Outro morador, conhecido como Seu Abel, 63 anos, ainda acrescenta “[...] Itapina não estaria como está [...] estaria bem melhor do que está hoje, em questão de comércio com certeza, hoje você pode observar que quem mora do outro lado do rio, apesar de ter a travessia da balsa, prefere pegar a condução e ir à Colatina (...) que é preferível, pois o centro é maior”. As palavras dos moradores só reforçam o quanto o distrito de Itapina era próspero, porém, por questões diversas já apontadas aqui, o distrito e sua vida econômica e social foi se esvaziando rapidamente, puxada por essa ponte incompleta e apelo avanço econômico das regiões vizinhas que sobrepujaram sua importância. Mesmo sem dados concretos da origem do termo Itapina, que nomeia o distrito desde 1943, como visto anteriormente, especula-se que sua origem tupi-guarani possa ter relação com a história dos índios botocudos da região. Em épocas passadas, antes mesmo do homem branco chegar à região, os índios dominavam às margens e o interior do vale do rio Doce. A mata densa e fechada gerava poucos referenciais e o morro, de dentro da mata, provavelmente poderia ser um referencial físico-geográfico de orientação para os índios. Em todos os relatos lidos sobre os visitantes estrangeiros, que interagiram com os índios no séc. XIX, ou mesmo, os mais recentes sobre a construção da estrada de ferro, não se menciona esse morro. Mas, perguntando aos atuais moradores de Itapina quem é o morro ou pedra pelada, apontam para essa formação geológica que se encontra, geograficamente, no município vizinho de Baixo-Guandu. Dessa forma, se o que se especula não for real, pelo menos, para a história atual desse distrito, o morro Itapina ou da pedra pelada, é para todos os efeitos, um de seus referenciais na paisagem. Visto tanto do rio (Figura 140) como de pontos específicos do núcleo urbano (Figura 141), o morro, incontestavelmente, faz parte da memória dos moradores de Itapina.

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Figura 140 - Uma das vistas do morro pelado pelo rio Doce.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em marรงo de 2018.

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Figura 141 – Vista do final da av. Dr. José Farah, onde encontra-se o morro em seu eixo.

Fonte: Levantamento em campo realizado pela equipe multidisciplinar em março de 2018.

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Por fim, o que se constata é que a paisagem de Itapina une, em um mesmo lugar, elementos naturais e os construídos pelo homem que a tornam singular. É uma paisagem de forte contexto histórico, onde rápidas transformações pela mão do homem branco civilizado, alteraram de forma definitiva a natureza local. A partir daí essa natureza é trabalhada aos moldes humanos para sua simples adaptação ao lugar. Ela conta e/ou narra histórias diversas, tanto particulares quanto coletivas que formam a paisagem de Itapina, pois, através de sua visibilidade e estudo, o passado histórico do sítio pode ser narrado, fazendo-se recordar o seu momento de apogeu, e levando-se a compreender, de certa forma, o momento e as circunstâncias de seu declínio e ajudar em seu futuro: [...] herdamos as paisagens terrestres como um território de convívio e atuação. Sem dúvida, nosso objetivo não é fazer parte da história da Terra como interventores agressivos dos caminhos que ela traçou. Pelo contrário, devemos observar que as paisagens representam um patrimônio coletivo, que deve permanecer como herança dos seres que a habitam, possibilitando a continuidade da história evolutiva (DOS SANTOS et al, 2007, p. 21).

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CONCLUSÃO: POR UMA NOVA HISTÓRIA DE ITAPINA 277


A

pesquisa sobre esse antigo e histórico distrito colatinense de Itapina mostrou, ao final, que sua história é maior do que sua existência. Faz parte de todo um contexto histórico de desbravamento dos últimos rincões do território capixaba, que se insere em algo maior ainda: escapa do território capixaba ao mesmo tempo em que se relaciona com a história das riquezas encontradas nas Minas Gerais,

desde os finais do séc. XVII, conecta-se diretamente com a Europa de meados do séc. XIX, a partir da levas de imigrantes que aportam no Brasil e no Espírito Santo, que atraídos vem ajudar a disseminar a produção e a exportação do café no mercado mundial, e no apagar das luzes desse mesmo século, descobre-se enormes jazidas de minério de ferro em Itabira, Mina Gerais, criando-se novas relações comerciais entre Minas e o Espírito Santo. E no meio do caminho, desenvolve-se a partir de todo esse contexto, o pequeno núcleo de Itapina. Sua exata origem, como se estruturou o núcleo urbano nas primeiras décadas do séc. XX, só não são baseadas em especulações por conta dos dados colhidos, mas ainda faltam dados mais precisos que essa pesquisa ainda não alcançou. Sabe-se, porém, que dois foram os motes propulsores do surgimento de Itapina, que estão atrelados intimamente com a histórica ocupação de toda a região do vale do rio Doce: o café e a imigração europeia. Seguiram-se paralelamente a isso, a chegada da estrada de ferro, como meio de comunicação com Itabira em Minas Gerais e o esforço de ampliar esse comércio e o do café, como produtos de grandes divisas pela exportação. O reflexo disso, é o rápido florescimento da região, ao longo do séc. XX, tendo Itapina como um de seus importantes polos comerciais, pelo menos nos primeiros 50 anos do século passado. A estruturação urbana do núcleo espelha essa época: desenvolve-se em área plana às margens do rio Doce, na divisa entre Colatina e BaixoGuandu, ao lado da foz do rio Lage, afluente do Doce. Em seus terraços, organizam-se as estruturas: as atracações dos vapores na margem do rio Doce, que fazem os percursos de Colatina à Linhares; os trilhos de trens e a estação de Itapina mais acima, interligando o núcleo a Colatina, Vitória e a Minas Gerais e, o núcleo urbano, propriamente dito, com suas poucas ruas, por onde desenvolve-se grande parte das edificações históricas, formadas por residências e comércios, que tem na sua organização espacial e na decoração de sua arquitetura vernacular, forte influencia europeia. A paisagem daí resultante é um misto entre o que outrora fora natural com a intervenção humana e suas construções. Essa relação cria uma singularidade para o lugar. Sua arquitetura histórica preservada, seus aspectos culturais desenvolvidos ao longo de um século, a natureza do

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entorno – o rio, os relevos e o que sobrou de vegetação nativa – formam uma sequência de histórias, narrativas do lugar que podem ser lidas de maneira particular ou como um conjunto interligado, como um todo cultural da história de Itapina. Se Colatina desenvolveu-se a passos largos ao longo do séc. XX, seu pequeno distrito no extremo oeste, congelou-se no tempo, deixando para a posteridade, marcas históricas em sua arquitetura. Em um pequeno território ao norte do Espírito Santo, uma rica arquitetura de cunho vernacular histórica foi preservada e tombada em 2013. Ela remonta um período de efervescência cultural capitaneada pela economia do café. Cada edificação em sua particularidade compõe um todo histórico que, se não foi planejado, foi pelo menos construído de forma sensível, cuidadoso ao ponto de ainda, em sua grande maioria, resistir à passagem do tempo. Essa sensibilidade, esse esmero com o ambiente construído é uma das fortes características desse quase bucólico lugar, não fosse o seu atual esvaziamento. Por conta disso, essa pesquisa não se restringiu as suas mais de 300 páginas de escritos. Ampliou seu leque de atuação, propondo, a partir de todas as informações colhidas e, principalmente de conversas com moradores locais, a criação de uma segunda fase: a extensão do trabalho de pesquisa, atuando diretamente com a comunidade local. Desde o tombamento do sitio histórico em 2013, a comunidade de Itapina vem aguardando propostas de melhorias de seu núcleo. Problemas estruturais, prédios históricos fechados, péssima qualidade de mobilidade urbana de sua população para Colatina tem travado qualquer possibilidade de crescimento econômico do núcleo, piorando o esvaziamento do lugar. Ainda mais agora, após o desastre de Mariana, quando a comunidade viu suas perspectivas pioraram. Propõe-se, como apresentado no projeto de extensão “Itapina, Colatina (ES): uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar”, em anexo a esse trabalho, que propostas sejam desenvolvidas para a melhoria econômica, social e urbana do distrito. A ideia é que esse projeto de extensão seja um intermédio entre a comunidade de Itapina e o Poder Público. Que através dos diagnósticos desenvolvidos, subsidiem projetos de intervenção arquitetônica, urbana e de mobilidade que ajudem Itapina a se planejar para o futuro. Que una preservação de seus bens tombados com o crescimento social, econômico e participativo de sua comunidade. Que ajude na fixação de sua gente ao disponibilizar condições de trabalho local, que gire e diversifique sua economia.

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A partir daí, espera-se com isso, que Itapina ganhe uma nova história a ser contata, a começar pelas suas origens, seus casarios e comércios, seu grande florescimento até meados do século passado, a tristeza do desastre de Mariana e a esperança de um futuro melhor.

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http://portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_3415_Tarc%EDsio_Glauco_da_Silva.pdf >. Acessado em: 01 jul. 2018. SPIRITOSANCTO. Disponível em: < http://spiritosancto.org/>. Acessado em: 31 maio 2018. SOUZA, Luciene Pessotti de. Vila de Nossa Senhora da Vitória: por uma perspectiva urbana colonial. In SOUZA, Luciene Pessotti; RIBEIRO, Nelson Pôrto (org.). Urbanismo colonial: vilas e cidades de matriz portuguesa. Rio de Janeiro: CTRL C, 2009. STEAINS, William John. O vale do Rio Doce. In: Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Tomo IV, Anno de 1888, 3° Boletim, p. 213-226, 1888. TARDIN, Nilo. Obra inacabada em Colatina: Ponte iniciada há 58 anos nunca foi usada. Jornal A Tribuna, Vitória, p. 15, 16 de nov. 2014 TEIXEIRA, Fausto. Colatina ontem e hoje. Colatina: Prefeitura Municipal de Colatina/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1975 TEIXEIRA, Tamara Lopes. Estrada de Ferro Vitória a Minas: elementos para a gestão da paisagem ferroviária. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Centro de Artes, Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2013.

289


VALVERDE, Orlando. Os distritos meridionais do município de Colatina Espírito Santo. Rio de Janeiro: Serviço Social Rural, 1960. ________________. Excursão a região colonial antiga do Rio Grande no Sul. In: Boletim Geográfico. Rio Grande do Sul, n. 1, ano 1, p. 25-53, 1955. Disponível em: < https://revistas.fee.tche.br/index.php/boletim-geografico-rs/article/viewFile/3355/3892>. Acessado em: 18 set. 2018. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro, v. 13, n. 2, p. 223-264, 1951 ZUNTI, Maria Lúcia Grossi. Panorama histórico de Linhares. Linhares: Prefeitura Municipal de Linhares, 1982. WEIMER, Günter. Arquitetura popular brasileira. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012.

290


291


ANEXO: PROJETO DE EXTENSÃO “ITAPINA, COLATINA (ES): UMA INVESTIGAÇÃO SOBRE A HISTÓRIA DE SUA GENTE E SUAS PERSPECTIVAS PARA O LUGAR”.

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DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA PROPOSTA Projeto

Itapina, Colatina (ES): Uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar.

Instituição

Faculdades Integradas de Aracruz

Direção Acadêmica

Adriana Recla

Coordenação do Projeto

Prof. Mcs. Fabiano Vieira Dias e Mcs. Ivana Souza Marques Fabiano Dias / Ivana Souza Marques / Andrea Curtiss Alvarenga

Professores envolvidos

/ Gilton Luis Ferreira / Arismar Menéia / Karina Sousa da Silva / Andrea Curtiss Alvarenga / Julimara Zampa Bitti Blank / Evandro Abreu / Felipe Coelho de Freitas

Início das atividades Alunos envolvidos Profissionais envolvidos

Agosto de 2018

Vigência

Diretos

10

Indiretos

40

01 ano

Danielly Ohnesorge (Arquiteta-Urbanista) / Lorena Castiglioni (Arquiteta-Urbanista) / Marcio Costa Schwenck (Geógrafo) Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFES / Curso de

Parceiros envolvidos

Arquitetura e Urbanismo da DOCTUM / Secretaria de Cultura do Estado do Espírito Santo / Prefeitura Municipal de Colatina

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RESUMO Itapina, distrito da cidade de Colatina (ES) teve seu sítio histórico tombado pelo Conselho Estadual de Cultura do Estado do Espírito Santo, através da Resolução Nº 003/2013 (Figura 142). Desde então, a comunidade de Itapina vem demandando intervenções pontuais no núcleo urbano de forma desconexa com o valor histórico de seu singelo tecido urbano e da arquitetura que o forma. O distrito, localizado às margens do rio Doce, possui belos exemplares de arquitetura eclética vernacular (Figura 143 e Figura 144) ainda das primeiras décadas do séc. XX e seu traçado urbano mantém intacta sua morfologia. O projeto de extensão " Itapina, Colatina (ES): Uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar” surge das constatações feitas em visitas in loco ao distrito e das demandas que essa comunidade possui, ligadas, principalmente, a revitalização e requalificação tanto de seus prédios, como de seu espaço urbano. Para tanto, o projeto de extensão visa (re) qualificar esse espaço através de projetos arquitetônicos e urbanos-paisagísticos que, dentro dos parâmetros das diretrizes de tombamento específicas para o sítio, retomem uma ligação já há muito perdida com a cidade de Colatina, seja pelo lado cultural, social ou urbano. A proposta desse projeto foca na integração entre pesquisa, extensão e ensino ao trabalhar de forma interdisciplinar o envolvimento de cursos diferentes das Faculdades Integradas de Aracruz (FAACZ), seus alunos e professores, a partir de investigações realizadas nesse sítio histórico desde o ano de 2017.

294


A. HISTÓRICO E IMPLEMENTAÇÃO

Em 2017, através de pesquisa de Iniciação Científica do professor Fabiano Dias85, do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faacz, iniciou-se investigação sobre a história urbana de Itapina, e sua relação com a paisagem local. Nas várias oportunidades que os membros da equipe de pesquisa tiveram de conversar ou trocar informações com os moradores locais, percebeu-se a carência que a comunidade possui de apoio técnico para suas demandas urbanas e arquitetônicas. Representantes locais, em várias ocasiões, recorreram aos poderes públicos da cidade para solicitar melhorias para sua comunidade, mas sem o apoio de um projeto que consolidasse suas demandas e, ao mesmo tempo, vislumbrasse as potencialidades do lugar (sociais, turísticas, ambientais e culturais) dificilmente viam um retorno satisfatório de suas necessidades. A partir disso é que o projeto de extensão " Itapina, Colatina (ES): Uma investigação sobre a história de sua gente e suas perspectivas para o lugar” se estrutura, em etapas baseadas em cinco eixos de atuação, tendo a participação da comunidade local como linha de ação: a) Diagnóstico Sócio-ambiental: levantamento das demandas locais, das características sociais dos moradores, de sua cultura e, principalmente, após o desastre de Mariana, no final de ano de 2015, qual impacto ambiental e na vida econômica e social o mesmo trouxe para Itapina.

85

No momento, a pesquisa intitulada "Itapina, em Colatina (ES): De importante distrito comercial ao quase esquecimento. História, morfologia urbana e arquitetura" está em fase de conclusão. Ver em especial: http://fabianovdias.wixsite.com/gnau/pesquisas

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b) Diagnóstico Urbano-paisagístico: levantamento das características urbanas do sítio, de seus elementos naturais e construídos que compõem a paisagem local e histórica do distrito. Levantamento também das características e potencialidades da mobilidade urbana atual e futura. c) Diagnóstico dos bens tombados: levantamento cadastral (e se possível, seguido de topografia) de imóveis no sítio histórico, principalmente os que estão sem uso atualmente (Figura 145, Figura 146 e Figura 147), e que possam ganhar novas funções de acordo com os levantamentos realizados no eixo anterior. Nesta linha deverão ser analisados também critérios legais com relação ao entendimento das possibilidades de intervenção e uso dos bens tombados. d) Diagnóstico da capacidade produtiva e de gestão: A partir do levantamento da organização produtiva e comunitária dos moradores, serão analisadas as capacidades de gestão e produção de futuras demandas que possam surgir das diretrizes de intervenção. e) Propostas de Intervenção: A partir dos dados coletados, seja por pesquisa ou em campo, serão desenvolvidas propostas de intervenção urbana e paisagística e reformas das edificações levantadas, com possibilidade de novos usos. Além disso, os levantamentos prévios apontarão diretrizes sócio-ambientais, bem como alternativas econômicas e turísticas que apoiem a autosustentabilidade do distrito, ao mesmo tempo em que promovam a (re) integração do distrito com a cidade de Colatina. B. ATIVIDADES As etapas serão assim desenvolvidas a partir dos eixos de diagnóstico e propostas:

a) Diagnóstico Sócio-ambiental: - Caracterização social e econômica da população;

296


- Caracterização ambiental do sítio e entorno, incluindo impactos nos mesmos, bem como na população de Itapina, pelo desastre de Mariana de 2015; - Levantamento das demandas da comunidade por obras, serviços e atividades que recuperem ou revitalizem/requalifiquem Itapina. - A partir do diagnóstico sócio-ambiental, definir possibilidades de programas e usos compatíveis com as edificações. b) Diagnóstico Urbano-paisagístico: - Caracterização de espaços públicos e privados com potencial de serem transformados em espaços coletivos com uso público (Figura 148), através de levantamentos planialtimétricos e cadastrais dos mesmos; - Caracterização dos meios de mobilidade urbana existentes no distrito e a possibilidade de revitalizar meios tradicionais, como p. ex., o rio Doce; - Apresentação da síntese do Diagnóstico Urbano-paisagístico, apontando as principais diretrizes de intervenção urbana e valorização da paisagem circundante. c) Diagnóstico dos bens tombados: - Cadastro e levantamento de edificações de interesse para requalificação com propostas para usos que venham contribuir com a vida social, econômica e cultural do distrito de Itapina. d) Diagnóstico da capacidade produtiva e de gestão: - Levantamento e análise da existência de lideranças comunitárias organizadas; - Entendimento das dinâmicas produtivas existentes ou com potencial para serem desenvolvidas. e) Propostas de intervenção:

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- Etapa que unificará os diagnósticos realizados, concretizados em projetos desenvolvidos pelos alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Faacz, com a orientação dos professores envolvidos; - Os projetos serão desenvolvidos em disciplinas diferentes do curso, de forma interdisciplinar; - As propostas desenvolvidas serão apresentadas à comunidade de Itapina para subsidiar, perante o poder público e/ou a iniciativa privada, a discussão de suas demandas, inclusas em um projeto marco de intervenção urbano, paisagístico e arquitetônico, que tome a revalorização cultural da cidade como premissa. Desse modo, as propostas apresentadas não serão definitivas em si, mas meios de discussão com a comunidade e, por fim, da comunidade com representantes públicos e privados. C. RESULTADOS (DE INCLUSÃO SOCIAL/AMBIENTAL/ DESENVOLIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL/MEMÓRIA CULTURAL E ARTÍSTICA) Espera-se que esse projeto de extensão seja um meio que a comunidade de Itapina tenha para concretizar suas demandas locais, de ter voz perante o poder público com uma ou mais propostas que, principalmente, religuem esse histórico distrito com a cidade de Colatina através de novos meios de mobilidade urbana, de novas atividades culturais e econômicas. Para tanto, como meta, têm-se abaixo uma lista de atividades complementares necessárias para a realização das etapas apresentadas anteriormente: - A participação da comunidade de Itapina nas decisões e concepções de projeto, interagindo alunos, professores e moradores locais; - A criação de consciência da auto-gestão da comunidade de seu espaço histórico, a partir de projetos que viabilizem sua participação em decisões e metas conjuntas para seu ligar; - Religar tanto a cidade de Colatina com seu distrito histórico e mais antigo, bem como também, religar os próprios moradores com seu sítio, (re) criando um sentimento de pertença e de memória afetiva a ser preservada com esses novos projetos; - A interdisciplinaridade se faz necessária por conta da dinâmica própria desse tipo de projeto, que envolve questões Sociais, Ambientais, de Patrimônio Histórico, de Urbanismo, Arquitetura e engajamento político e social dos envolvidos;

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- A participação dos alunos desenvolvendo projetos para a comunidade como atividade complementar, acadêmica e até com reflexos na vida profissional, com um escopo holístico de problemáticas a serem trabalhadas em projeto, não se restringindo somente ao espaço de sala de aula, mas atuando in loco nas propostas. - E a concepção de que um espaço histórico e tombado não deve ser visto como algo congelado no tempo, mas que, respeitando suas origens, cultura e história possa, através de novas ideias, revigorar seu espaço de forma sustentável economicamente, socialmente e culturalmente. D. RESULTADOS/ IMPORTÂNCIA DA DIPLOMAÇÃO Esse projeto é uma experiência impar no currículo desses jovens estudantes e futuros arquitetos. Ao trabalhar em um sítio histórico e tombado, não só os alunos envolvidos trabalharão questões ligadas à memória, ao Patrimônio Histórico, mas também a cidade, sua arquitetura, seu entorno e contexto. De forma interdisciplinar, os alunos irão desenvolver propostas para um sítio respeitando sua história, seus condicionantes ambientais, físicos-geográficos e simbólicos. Para tanto, é imprescindível a participação de professores de áreas distintas, que orientem os alunos e os auxiliem na geração de seus resultados, tendo como meta o empoderamento da comunidade local de Itapina. Esse projeto alinhará as disciplinas do Curso de Arquitetura e Urbanismo da FAACZ nos semestres vigentes de sua atuação, a partir dos professores pertencentes ao quadro do curso. Propõe-se a seguinte distribuição de professores e suas áreas de atuação para esse projeto no quadro abaixo:

PROFESSORES

ÁREA DE ATUAÇÃO

Fabiano Dias Coordenação do projeto Ivana Souza Marques Ivana Souza Marques

Urbanismo/ Patrimônio Histórico

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Andrea Curtiss Alvarenga Gilton Luis Ferreira Sócio-ambiental Arismar Menéia Fabiano Dias Karina Sousa da Silva

Arquitetura

Andrea Curtiss Alvarenga Gilton Luis Ferreira Capacidade de Gestão Edivan Guidoti Ribeiro Evandro Abreu Infra e supra estrutura arquitetônica e urbana

300


REGISTROS FOTOGRÁFICOS Figura 142 - Mapa do núcleo urbano histórico de Itapina, distrito de Colatina-ES.

Fonte: DIÁRIO OFICIAL DOS PODERES DO ESTADO, 2013, P. 23, ANEXO IV

301


Figura 143 – Edificações que marcaram a história de Itapina

302


Figura 144 – Fachadas de arquitetura eclética, de cunho vernáculo.

303


Figura 145 – PrÊdio do antigo hospital do distrito.

304


Figura 146 – Antiga estação de trens de Itapina.

305


Figura 147 – Conjunto de prÊdios do distrito

306


Figura 148 – Exemplo de espaço público com potencialidade para revitalização.

307


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