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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO - a diáspora guineense em PortugalMaria João Carreiro (autora)

Carlos Sangreman (coordenador)

Edição Fundação Portugal – África 1


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ARQUITECTOS DE UM ESPAÇO TRANSNACIONAL LUSÓFONO - a diáspora guineense em Portugal -

Autora | Maria João Carreiro Coord. | Carlos Sangreman ISBN: Título: Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a diáspora guineense em Portugal – Autora: Maria João Carreiro Coordenador: Carlos Sangreman Fotografia de capa: Marta Jorge Ilha de Keré, Arquipélago dos Bijagós, Guiné-Bissau, Outubro de 2009 Edição: Fundação Portugal África Organização da edição: Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento Criação gráfica: Depósito Legal n.º

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AGRADECIMENTOS

À Fundação Portugal África, na pessoa do Dr. Hélder de Oliveira, pelo reconhecimento da pertinência científica e política da migração africana em Portugal, que se traduziu no apoio institucional e financeiro disponibilizado a esta investigação. Ao Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA), nomeadamente ao Professor Dr. Carlos Sangreman, pela preciosa, metódica e incansável coordenação científica que orientou todas as etapas do trabalho. Ao Dr. Nelson Lopes e ao Dr. Miguel Barros, que assistiram e facilitaram a componente de investigação no terreno, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau e cujo contributo foi inestimável para garantir a quantidade e qualidade dos dados obtidos. A todos os guineenses, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau, cuja generosidade em ceder o seu tempo e em partilhar os seus percursos, sonhos e perspectivas, tornou este trabalho possível. Às pessoas de sempre, pelo encorajamento e apoio inesgotáveis.

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ÍNDICE

PREFÁCIO INTRODUÇÃO ……………..…………......................................................….. 9 1. ENQUADRAMENTO 1.1 Geral……………………………………………………………… 11 1.2 Especifico ………………………………………………………… 18 2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO 2.1 Uma Epistemologia Histórica das Migrações ………………….... 21 2.2 Migração e Globalização ………………………………………... 25 2.3 Origens, tipos e modos de incorporação actuais ……………….... 28 2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento ……..… 31 3. TRANSNACIONALISMO MIGRANTE ………………………………… 39 4. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO …………………………….. 43 5. A MIGRAÇÃO GUINEENSE ……………………………………………... 51 6. AS DINÂMICAS E OS IMPACTOS DO TRANSNACIONALISMO MIGRANTE DOS GUINEENSES RESIDENTES EM PORTUGAL 6.1 Os resultados obtidos em Portugal ……………………………….. 61 6.2 Pistas de transnacionalismo sócio-cultural ………………………. 66 6.3 Pistas de transnacionalismo económico ………………………..... 83 6.4 Pistas de transnacionalismo político ……………………………… 93 6.5 Os resultados obtidos na Guiné-Bissau ………………………… 102 6.6 Impactos do transnacionalismo sócio-cultural …………………. 105 6.7 Impactos do transnacionalismo económico ……………………. 115 6.8 Impactos do transnacionalismo político ……………………….. 130 7. OS CAMINHOS DA DIÁSPORA GUINEENSE ………………………... 137 8. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ………………………………… 149 9. BIBLIOGRAFIA ……………………………………………………………. 161 7


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PREFÁCIO

A Fundação Portugal - África prossegue um conjunto de objectivos que, genericamente, têm em vista preservar a memória da presença secular de Portugal no Continente Africano e analisar em que em que medida a correspondente experiência, no que envolve de positivo e de negativo, pode potenciar formas de cooperação que se traduzam em vantagens, particularmente, para os habitantes do espaço dos Países de Língua Portuguesa. Considerando que a presença portuguesa no mundo não se limitou ao Continente Africano, a Fundação tem, em várias circunstâncias, alargado o espaço geográfico da sua intervenção, dominantemente de carácter cultural, a outros Continentes. Tendo em conta os objectivos estatutários que prossegue a FPA tem levado a cabo um conjunto de projectos que resultam de iniciativas próprias e, simultaneamente, entende prestar o apoio possível a iniciativas de terceiros que se possam enquadrar naqueles objectivos. Um dos projectos que tem norteado a acção da Fundação tem a ver com o estudo e apoio a iniciativas que tendam a identificar a natureza e o potencial das diásporas dos diversos países que integram o espaço da Lusofonia. Como se afirma na introdução ao presente trabalho é hoje reconhecido que as dinâmicas transnacionais possuem um grande potencial para os países de origem e de acolhimento. Para Portugal as ligações estabelecidas pelos migrantes africanos com os seus países de origem traduzem-se em uma importância politica e económica estratégica, tanto no contexto da União Europeia como no âmbito da CPLP, que interessa conhecer e valorizar. 9


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O presente trabalho, cuja qualidade nos apraz registar, elaborado por investigadores do Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento, enquadra-se no projecto sobre a diáspora africana que a Fundação está a prosseguir. Dado tratar-se de um trabalho de natureza académica, em que a liberdade dos métodos de investigação foi escrupulosamente respeitada, as conclusões e as opiniões que nele são registadas apenas responsabilizam os seus autores. Espera-se, em breve, dar início a outros trabalhos que, enquadrados no mesmo projecto, permitam trazer novas luzes, cientificamente fundamentadas, aos movimentos migratórios que ocorrem nos Países da CPLP, em particular, no interior do espaço geográfico descontinuado em que tais Países se integram.

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INTRODUÇÃO

A presença de Portugal no mundo é resultado de um longo percurso histórico e traduz-se em inúmeras afinidades sócio-culturais entre portugueses e povos de muitas regiões. A partilha desse património comum tornou Portugal um destino de eleição para muitos migrantes, que desde a década de 60 têm escolhido o país para trabalhar e viver, sendo a comunidade africana uma das mais substantivas e a que possui o tempo de instalação mais antigo. O advento das novas tecnologias e a banalização dos transportes aéreos tem permitido a esses migrantes africanos manterem-se ligados de uma forma regular e multiforme – em grande medida inédita – aos seus países de origem. Essas ligações, que podem materializar-se de formas diversas e traduzir-se em impactos sociais, culturais, políticos e económicos, têm vindo a ser denominadas de transnacionalismo migrante. É hoje reconhecido que as dinâmicas transnacionais possuem um grande potencial para o desenvolvimento dos países de origem e de acolhimento, bem como para o reforço das relações entre os países envolvidos. Para Portugal, o potencial das ligações estabelecidas pelos migrantes africanos com os seus países de origem possui uma importância política e económica estratégica, tanto no contexto da União Europeia como no âmbito da CPLP, que interessa ao país conhecer e valorizar. A Fundação Portugal África, em parceria com o Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento, do Instituto Superior de Economia a Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, pretende contribuir para o debate político e académico nesta matéria. O projecto “Arquitectos de um Espaço Transnacional Lusófono” investiga as relações transna-

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cionais estabelecidas pelos migrantes oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), propondo, a partir dos resultados obtidos, medidas e políticas que capitalizem o potencial económico, social, cultural e político identificado. A primeira deste conjunto de investigações tratará dos migrantes guineenses em Portugal e das relações entre estes e a Guiné-Bissau. Pela sua ligação histórica e multidimensional, Portugal e Guiné-Bissau configuram já um espaço transnacional consolidado, alimentado por ligações e fluxos de bens e pessoas que constituem, inequivocamente, um elemento fundamental do património destes países. No entanto, os contornos deste espaço e das dinâmicas dos seus actores não se encontram ainda devidamente caracterizados, e consequentemente, as suas potencialidades nos diversos domínios permanecem aquém das múltiplas possibilidades de concretização. Neste âmbito, a presente investigação tem como objectivo geral contribuir para uma caracterização do espaço transnacional lusófono criado pelos migrantes guineenses, orientada para a elaboração de uma estratégia futura por parte dos Estados envolvidos, de capitalização do potencial oferecido pelas suas dimensões culturais, sociais, intelectuais, políticas e económicas. São ainda objectivos específicos do projecto, (1) identificar as dinâmicas transnacionais, existentes ou potenciais, protagonizadas pelos migrantes guineenses; (2) reflectir sobre o potencial de desenvolvimento inerente a essas dinâmicas, nas suas múltiplas dimensões; (3) propor estratégias concretas que permitam capitalizar o potencial identificado e (4) divulgar, junto das diásporas e Estados envolvidos e outros actores interessados o conhecimento e estratégias elaborados.

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1. ENQUADRAMENTO 1.1 Enquadramento geral A época em que vivemos é caracterizada por um fluxo de informação, de bens, de serviços e naturalmente, de pessoas. É a “era das migrações”, e embora os fluxos não tenham aumentado em número relativo – mantendo-se perto dos 2,9% da população mundial, tal como no final do séc.XIX (GCIM, 2005) - , a sua composição e orientação tem vindo a alterar-se em função das mudanças das sociedades, tanto de origem como de acolhimento. As formas que assume e as causas e consequências que acarreta materializam-se em grande medida de forma inédita. Num mundo crescentemente globalizado, e à semelhança do que se verifica com outro tipo de actores sociais, as comunidades migrantes têm procurado adaptar-se de forma consonante com as suas características e necessidades. A natureza e especificidade dos mecanismos desenvolvidos pelas comunidades migrantes contemporâneas têm conduzido a uma acesa discussão na comunidade científica a nível internacional. E, apesar das muitas divergências, é hoje reconhecido que não é possível compreender a migração contemporânea sem compreender a força, influência e impacto dos laços que alguns migrantes mantêm com as respectivas comunidades de origem (Glick Schiller et al, 2004:1002). São migrantes que desenvolvem estratégias de vida duplamente ancoradas. Ainda que parte integrante das suas sociedades de acolhimento, muitos migrantes entretecem laços que os mantém “presentes, ainda que ausentes”, nos seus países de origem. Este fenómeno recentemente identificado é vulgarmente denominado de transnacionalismo migrante. O transnacionalismo migrante pode materializar-se de diversas formas, dependendo tanto dos contextos de saída e de acolhimento, como das características dos próprios migrantes. As remessas constituem a sua expressão mais antiga – e a mais conhecida – mas o advento dos meios 11


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de comunicação e de transporte tem permitido o desenvolvimento de outras modalidades de transnacionalismo que revelam que a ligação dos migrantes com as respectivas comunidades de origem ultrapassa largamente o aspecto financeiro das remessas. Migrantes que desenvolvem dinâmicas empresariais suportadas pelas suas ligações privilegiadas com os seus países de origem; migrantes que se envolvem em campanhas ou iniciativas políticas em prol da democratização dos seus países ou reivindicando direitos civis para minorias religiosas ou étnicas; migrantes que apoiam – e muitas vezes revitalizam – tradições culturais ou religiosas; migrantes envolvidos em dinâmicas de migração circular, frequentemente ao nível das profissões mais qualificadas; migrantes que apoiam projectos de desenvolvimento, iniciativas de micro-crédito ou promovem cooperativas para grupos desfavorecidos… Qualquer uma destas iniciativas revela que “people leave their countries because of development conditions there, yet they continue to engage with their homelands at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond territorial boundaries” (Orozco, 2003:13). A constatação do carácter transnacional da migração contemporânea enfatizou a ligação indissociável entre a migração e o desenvolvimento, não só dos países de acolhimento mas também dos países de origem. Face a esta evidência, muitos países, bem como algumas organizações internacionais, têm vindo a ensaiar políticas e iniciativas com vista à capitalização do potencial de desenvolvimento trazido pela migração. Em países com um historial de imigração mais antigo, já existe uma reflexão teórica e política bastante consolidada sobre a temática. A Holanda foi o primeiro Estado europeu a desenvolver uma política nesta matéria, em 1974. O programa REMPLOD (Reintegration of Emigrant Manpower and Promotion of Local Opportunities for Development) tinha como principal objectivo testar formas a partir das quais os migrantes pudessem contribuir para o desenvolvimento dos seus países de origem e 12


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assim combater as causas da emigração. Foi implementado um programa que apoiava financeiramente o retorno de migrantes que desenvolvessem iniciativas empresariais, e em paralelo foram estabelecidos acordos bilaterais com países emissores, como Marrocos, Tunísia e Jugoslávia para o desenvolvimento de projectos nos quais os migrantes retornados ocupassem lugares de destaque. O REMPLOD terminou no final da década de 80, e avaliado como uma iniciativa pouco eficaz, na medida em que o seu fim último – encorajar o retorno e promover o desenvolvimento na origem para diminuir a pressão migratória no destino – não foi, de todo, alcançado. Actualmente, a política do governo holandês centra-se no reforço da coerência entre as políticas de migração e as de desenvolvimento através de diferentes estratégias. Embora continuem a existir mecanismos de apoio ao retorno, o enfoque é agora colocado na migração circular entendida como um processo que beneficia, simultaneamente, o país de origem, de destino e o próprio migrante. Foi criado um órgão consultivo onde as associações de migrantes são chamadas a opinar sobre as políticas de migração (particularmente no que diz respeito às questões da integração), mas também de desenvolvimento. E por fim, foi ainda incentivada a diminuição do custo de transferência de remessas e encorajada a sua utilização de uma forma produtiva nos países de origem (De Haas, 2006). No Reino Unido, o Department for International Development (DFID), há muito que desenvolve estudos que procuram identificar o impacto das dinâmicas transnacionais dos migrantes no desenvolvimento dos seus países de origem. Esse trabalho tem influenciado as políticas britânicas que assentam sobretudo na facilitação da transferência de remessas, entendidas como uma estratégia privilegiada para o combate à pobreza nos países de origem. O papel das diásporas é claramente reconhecido tendo sido criada, por iniciativa governamental, uma entidade interlocutora junto das comunidades migrantes, a Connections for Development. Paralelamente, as actividades promovidas pelas associações de migrantes em prol do desenvolvimento das respectivas comunidades

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de origem têm recebido um apoio financeiro significativo. A tónica é colocada na migração temporária, particularmente facilitada no quadro dos países da Commonwealth. Tal como a Holanda e o Reino Unido, também a França tem já uma longa experiência de políticas que procuram interligar as dinâmicas transnacionais dos migrantes e o desenvolvimento dos respectivos países de origem. As primeiras iniciativas vêm ainda da década de 70, assentes na promoção do retorno, complementado numa segunda fase com o apoio à reinserção no país de origem, sobretudo através do apoio técnico e financeiro a iniciativas empresariais. Em 1997, estes programas adquiriram um sólido corpo teórico através do trabalho de Samir Nair e a emergência do conceito de co-desenvolvimento. O co-desenvolvimento sustenta que os migrantes têm um papel fundamental para o desenvolvimento dos seus países de origem, que se pode traduzir no retorno assistido, em dinâmicas de migração temporária ou circular, em projectos de desenvolvimento de iniciativa de associações de migrantes ou nas tradicionais remessas. A perspectiva utilitarista dos migrantes e a subordinação das políticas de cooperação ao controlo dos fluxos foram as principais críticas levantadas à implementação da teoria do co-desenvolvimento. Progressivamente, a política francesa de co-desenvolvimento foi redireccionada, tendo como prioridades actuais: (1) facilitar o envio das remessas e promover o seu uso em actividades produtivas e (2) mobilizar as elites da diáspora em prol do desenvolvimento dos seus países de origem. Por fim, por iniciativa do Estado francês foi criada uma Plataforma de Associações de Migrantes que entre outras actividades funciona como órgão consultivo junto do Alto Conselho para a Cooperação Internacional e da Comissão da Cooperação para o Desenvolvimento (De Haas, 2006). Em países com um perfil de imigração mais recente, como no caso de Itália ou Espanha, tanto a reflexão como as práticas políticas neste campo encontram-se menos desenvolvidas. No caso italiano, não existe uma 14


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coerência de políticas ao nível nacional, sendo que as iniciativas existentes são promovidas no quadro regional. Existem algumas actividades desenvolvidas em parceria entre as autoridades locais e as associações de migrantes, que incluem a criação de bases de dados, apoio financeiro a iniciativas empresariais, a cooperativas agrícolas e a canalização de remessas para iniciativas de micro-crédito. Em 2005, o Ministério dos Negócios Estrangeiros italiano criou o projecto “Desenvolvimento & Circuitos Migratórios: Pesquisa, Trabalho em Rede e Iniciativas Públicas para Capitalização de Sinergias entre a Gestão das Migrações e a Cooperação para o Desenvolvimento”. Esta iniciativa assenta em três estratégias, (1) parcerias transnacionais para o co-desenvolvimento; (2) migração e bem estar transnacional e (3) gestão sustentável das migrações em África, tendo como ponto de partida a investigação sobre as dinâmicas transnacionais dos migrantes, a promoção de redes e a informação e sensibilização da sociedade italiana para a temática. No caso de Espanha, tal como em Itália, as iniciativas e políticas existentes encontram-se descentralizadas, sendo as regiões com maior número de imigrantes as que apresentam maior dinamismo nesta área. Alguns projectos têm sido desenvolvidos com ONG, autoridades locais e associações de migrantes, sobretudo na área de construção de infra-estruturas nos países de origem das comunidades envolvidas. Por fim, também o governo espanhol começa a demonstrar interesse no potencial das dinâmicas transnacionais protagonizadas pelos migrantes: o mais recente “Plan Director de la Cooperación Española” enfatiza claramente a relevância da migração circular ou temporária para a melhoria das condições de vida dos países de origem. Também ao nível das organizações internacionais se verifica uma atenção crescente ao tema. O PNUD foi a organização pioneira ao criar, em 1977, o programa TOKTEN (Transfer of Knowledge through Expatriate Nationals), considerado o mais antigo e mais bem sucedido programa de transferência de competências, que tem por base uma lógica de mi15


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gração circular que não implica um retorno definitivo (De Haas, 2006). Em cerca de 30 anos, o TOKTEN já colocou mais de 5000 migrantes em cerca de 49 Países em Vias de Desenvolvimento. Os serviços prestados são voluntários, em regime de consultoria, não exigindo uma permanência no país de origem superior a 2 meses. Como aspecto menos positivo refira-se que a participação dos migrantes neste programa acaba restringido aqueles cujas situações profissionais e legais lhes permitem ausentar do país de acolhimento pelo tempo necessário, bem como a disponibilidade financeira necessária para trabalhar pro bono. O percurso da OIM nesta área foi menos linear. Durante mais de 20 anos, a OIM promoveu o Programa AVR (Assisted Voluntary Return), a partir do qual mais de 3,5 milhões de migrantes regressaram para cerca de 160 países. Este programa assenta no retorno definitivo e tem servido principalmente para migrantes em situação irregular. Por isso, as principais críticas ao AVR centraram-se na sua finalidade primordialmente “reguladora” da imigração ilegal em detrimento da ligação, aliás inexistente, com as questões de desenvolvimento. Já no virar do século, a OIM lança o Programa MIDA (Migration for Development in Africa), que aposta na “potential synergy between the profiles of African migrants and the demand of countries, by facilitating the transfer of vital skills and resources of the African diaspora to their countries of origin” (OIM, 2001). Não pressupõe o retorno definitivo, enfatizando sobretudo estratégias de retorno temporário, de meio-termo ou virtual, que não prejudiquem o estatuto legal do migrante no seu país de acolhimento. Ainda que menos criticado, o MIDA tem sido pouco apoiado do ponto de vista financeiro, pelo que o seu impacto é bastante reduzido. Já no quadro da União Europeia, têm sido notórias as dificuldades em harmonizar uma “Política Migratória Comum” relativa a Estados Terceiros, embora a questão permaneça no topo da agenda política da UE há mais de uma década. Até recentemente, a articulação das questões do desenvolvimento com a migração era perspectivada numa lógica de regula16


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ção dos fluxos: “closer economic cooperation, trade expansion, development assistance and conflict prevention are all means of promoting economic prosperity in the countries concerned and thereby reducing the underlying causes of migration flows” (Conselho Europeu, Sevilha, 2002). O objectivo primordial seria o de controlar as fronteiras, expulsar os migrantes em situação irregular e promover o retorno definitivo. Neste âmbito, e claramente inspirada na primeira versão do co-dévellopement francês, tanto os acordos económicos como as políticas de cooperação para o desenvolvimento constituíam instrumentos que tinham como fim último a diminuição da pressão migratória. No entanto, em 2005, na sua comunicação “Migration and Development: some concrete orientations”, também a Comissão reconhece a ligação indissociável entre migração e desenvolvimento, ao propor um conjunto de medidas concretas que procuram articular os dois processos: a facilitação das remessas, o encorajamento da migração circular e da circulação de “cérebros”, a diminuição do brain drain e o reconhecimento formal do potencial das diásporas, incluindo a promoção de órgãos representativos das comunidades migrantes quer junto dos governos dos Estados-Membros, quer junto das instituições europeias. Como se verifica, são diversas as reflexões, as políticas e as estratégias encetadas pelas organizações internacionais e pelos vários Estados-Membros em matéria de migração e desenvolvimento na medida em que foram determinadas por culturas políticas, perfis migratórios, relações com países terceiros e entendimentos do processo distintos. Apesar das diferenças, é possível identificar algumas tendências comuns. A tónica transferiu-se progressivamente do retorno, mesmo que assistido, para a migração circular ou temporária. Há tentativas, mais ou menos interventivas, de baixar os custos das transferências dos migrantes e de fomentar o seu uso em actividades produtivas. Multiplicam-se as iniciativas governamentais para criar e encontrar interlocutores junto das associações de migrantes para as questões da integração e do desenvolvimento. E, por fim, porque aumenta o reconhecimento da pertinência científica e política da relação

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entre migração e desenvolvimento, enfatiza-se a necessidade de aprofundar o conhecimento teórico e empírico sobre as dinâmicas transnacionais promovidas pelos migrantes e sobre a natureza e dimensão dos seus impactos no desenvolvimento dos países de origem.

1.2 Enquadramento Específico O perfil migratório de Portugal é claramente marcado pelo seu passado colonial, constituindo por isso um destino de eleição para os imigrantes oriundos dos PALOP e do Brasil, ainda que esta tendência tenha sido diversificada pelo recente incremento da migração com origem nos países da Europa de Leste. No entanto, Portugal mantém-se ainda e predominantemente um país de saída. Possuindo esta dupla vocação, e integrado num espaço comunitário alargado e na CPLP, são numerosos os desafios mas também as potencialidades com que o país se depara. E embora desde há muito os migrantes, num e noutro sentido, sejam verdadeiros eixos de ligação que aproximam Portugal do mundo, o reconhecimento do seu potencial enquanto actores de desenvolvimento e de reforço das relações entre Portugal e outros países é bastante recente. Data de 2005 o reconhecimento formal por parte do Estado Português do impacto que as dinâmicas transnacionais desenvolvidas pelos migrantes podem ter nos seus países de origem. No documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa” refere-se que “as associações de imigrantes são outro actor frequentemente esquecido. Contudo, trata-se de agentes que em muitos casos, para além de serem fontes de recolha de dados sobre potencialidades na prossecução destes objectivos, desenvolvem projectos de cooperação para o desenvolvimento com os seus países de origem e que devem ser enquadrados em estratégias de coordenação. As associações de imigrantes, em particular 18


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as dos PALOP, são agentes que promovem a capacitação e promoção económica dos seus países de origem”1. Também no quadro da CPLP esta temática começou recentemente a ganhar protagonismo. Na Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Oficial Portuguesa que teve lugar em Bissau, em Julho de 2006, foi considerado que “o papel das diásporas no processo de desenvolvimento (...) dos países de origem está a ganhar crescente importância política e económica”, e “que a migração cria possibilidades do desenvolvimento do capital humano nos países de origem por meio de fluxos de migração circular”, ou ainda “que a integração nos países de acolhimento deve ser encarada nas suas várias vertentes (...) e como factor essencial para o envolvimento das diásporas no desenvolvimento do país de origem”, decidindo-se encorajar “os países de origem e de acolhimento a identificar e implementar estratégias concretas e transversais de envolvimento das suas diásporas nos seus processos de desenvolvimento”. Apesar do crescente interesse manifestado pela temática, carece-se de informação substantiva e contextualizada que permita, antes de mais, conhecer as modalidades de transnacionalismo desenvolvidas pelos migrantes que habitam no espaço lusófono. Como refere o actual Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação “a facilidade de comunicações e transportes, que é um dos aspectos mais significativos da época contemporânea, produz a necessidade de uma colaboração mais intensa entre todas as partes envolvidas, e uma forte preocupação com a informação recolhida e a sua análise” 2 onde refere ??. Esse conhecimento deverá assim ser objecto de uma reflexão não só teórica como também política que suporte o desenvolvimento de medidas concretas que permitam potenciar o capital económico e político 1 Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa, Cooperação Portuguesa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2005, pp.47/48. 2 Cravinho, João (2006), “A Lusophone Community, Multinational Alliances, Multiple Belongins, paper apresentado na Conferência Metropolis, Lisboa, 5 de Outubro de 2006 19


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que Portugal possui, tanto no quadro das relações com a CPLP, como no contexto da União Europeia. Um dos instrumentos que se encontra já a ser desenvolvido é um enquadramento para a migração circular no espaço da CPLP, que procura flexibilizar a movimentação de trabalhadores, reconhecido que é o seu poder de transferência de conhecimentos e capacidades. A preocupação, por parte do actual Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, em articular as políticas de educação e formação com a nova lei da imigração, é mais um exemplo do amadurecimento que a questão começa a adquirir no panorama nacional. O protagonismo da temática foi claramente confirmado ao surgir destacado nas prioridades definidas pelo Governo Português para a Presidência da UE, no 2º semestre de 2007, para a área do Desenvolvimento. Juntamente com a questão dos Estados Frágeis, foi seleccionada a temática “Migrações e Desenvolvimento”, centrada no “aumento da coerência das políticas de migração e desenvolvimento”. O objectivo era “promover uma gestão global eficaz dos fluxos migratórios, abrangendo a sua natureza multidimensional – internacional, regional e nacional – e maximizar os benefícios potenciais das migrações”. E ainda que “será dada particular atenção ao potencial das comunidades imigrantes para o desenvolvimento dos seus países de origem, tendo em consideração o papel das diásporas e a necessidade de apoiar uma capacidade institucional dos fluxos migratórios e de refugiados Sul-Sul, que afectam especialmente alguns países africanos.”3 Ainda assim, quando comparado com outros países europeus, constata-se que Portugal ainda tem um longo caminho a percorrer nesta matéria. Mas o crescente enfoque político aliado ao recente desenvolvimento de investigações científicas centradas na questão “migração e desenvolvimento”, demonstram que o país se encontra no momentum ideal para abraçar e para evoluir neste desafio. 3 Programa de 18 Meses da Política de Desenvolvimento das Presidências da UE da Alemanha, Portugal e Eslovénia. 20


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2. MIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO A história da migração é tão antiga como a da Humanidade. Os primeiros espécimes humanos deslocavam-se recorrentemente, em busca de condições de vida mais favoráveis. O nomadismo – de maior ou menor escala e periodicidade - foi o garante de sobrevivência da espécie por muitos séculos. E mesmo os novos estilos de vida trazidos pela revolução agrícola e pelo sedentarismo que esta permitiu não impediram que as populações se continuassem a deslocar até hoje. Milhares de anos passados e muito pouco mudou. Hoje, como dantes, as pessoas deslocam-se em permanência. De diferentes naturezas, motivações, origens, destinos e graus de voluntarismo, as migrações são, inquestionavelmente, companheiras de jornada no trilho da História da Humanidade. E ainda que diferentes regiões do planeta tenham sido afectadas de forma distinta pelos movimentos migratórios, um facto é inquestionável: nenhuma ficou de fora.

2.1 Uma epistemologia histórica das migrações Ainda que sempre tenham tido representatividade e impacto, as migrações nas suas diferentes versões, só adquiriram protagonismo político e “corpo” nas ciências sociais a partir de meados do séc. XIX. Essa época é um marco fundamental para as migrações, não porque seja um momento de viragem nas dinâmicas migratórias propriamente ditas, mas sim porque nele se inscreve um outro processo, que hoje percebemos como estrutural para a percepção e estruturação dos fenómenos migratórios desde então e até aos dias de hoje: o nascimento, institucionalização e difusão do modelo de Estado-Nação.

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O período que medeia entre 1870 e a Iª Guerra Mundial foi, segundo Wimmer e Glick Schiller (2003:586), “a time that was simultaneously one of nation state building and of intense globalization”. A consolidação e difusão da revolução industrial criaram uma prosperidade económica sem precedentes, à qual a recém criada classe trabalhadora respondia segundo as leis de mercado: deslocando-se para onde havia deficit de mão-de-obra. A percepção dos processos migratórios nesta fase torna-se clara quando se analisa a primeira abordagem sistemática no estudo das migrações, realizada por Ravenstein, em 1889. O autor não distingue, para fins analíticos, entre migrações internas e migrações internacionais. Na verdade, ambas são perspectivadas como sendo o mesmo fenómeno, regido pela mesma dinâmica e orientação: das regiões mais pobres para as mais ricas; dos meios rurais para os urbanos (Ravenstein, 1889:286)1. A génese do Estado-Nação, exactamente neste contexto, “would dramatically affect migration and alter the way in which social scientists thought about migration” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:587). É o nascimento das migrações internacionais tal como as entendemos hoje. E com elas, finda o princípio “cívico” de cidadania, gerado no Iluminismo e materializado nas Revoluções Americana, Francesa e Haitiana, em que se considerava como cidadão todo aquele que partilhava os mesmos direitos e obrigações num determinado território. O Estado-Nação traz consigo o princípio “étnico” e/ou “racial” da cidadania, e a pertença cidadã surge alicerçada na partilha de uma origem, de uma história e de um território comuns. À medida que se confirma a transição da lógica cívica para a lógica nacionalista da cidadania, a par e passo com a consolidação da ideia base do Estado-Nação – um território, um povo, uma cultura – a percepção da migração começa a ganhar novos contornos. Embora continue sem restrições no dealbar do século XX, a migração começa a ser entendida como um desafio à lógica de unicidade e homogeneidade que se dese1 Ravenstein, E.G. (1889), “The Laws of Migration”. Second Paper, Journal of Regional Statistical Society, 52 (2), pp.241:30 22


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nhou nesse novo entendimento do mundo, dividido em múltiplos povos, compartimentados em Estados-Nação. A Iª Guerra Mundial pôs fim a esse período de intensa circulação de pessoas. O mundo de 1918, devastado económica e demograficamente, via surgir novos Estados-Nação, fechava vigorosamente as suas fronteiras, e afirmava de forma cada vez mais intransigente as afiliações nacionais. O sucesso da Revolução Russa, a Grande Depressão e a ascendência de regimes totalitários na Europa confirmaram a plausibilidade da unidade nacional, que se afirmava contra o estrangeiro, o “outro” ameaçador. Surgem os sistemas de controlo formal de fronteiras, são criados os vistos de entrada e os passaportes – surgindo assim, formalmente, a figura do imigrante irregular. Wimmer e Glick Schiller (2003) consideram que o período iniciado na Iª Guerra Mundial e que se arrastou até ao dealbar da Guerra Fria, confirmou o Estado-Nação como unidade de referência central, inclusive para as ciências sociais, e encontra o seu corolário, no que diz respeito à migração, na teoria produzida pela Escola de Chicago: “they established a view of each territorialy based state as having its own, stable population, contrasting them to migrants who were portrayed as marginal men living in a liminal state, uprooted in one society and transplanted into another” (2003:591). É também este o contexto em que se desenvolvem as primeiras teorias assimilacionistas. A migração é agora vista como uma ameaça à harmonia e à homogeneidade social, cultural e política inerente à unidade naturalizada que é agora o Estado-Nação. E, por fim, “even the fact that there had been a period of free labour migration (…) was soon forgotten” (idem, 2003:592). A Guerra Fria contextualiza uma terceira fase na epistemologia histórica das migrações. Esta fase compreende não só a consolidação dos modelos de Estado-Providência na Europa, mas também a consolidação de blocos ideológicos, o que agudizou os controlos de fronteiras. Nesse mundo bipolar, a migração tornou-se ainda mais problemática, pois “to cross the Iron Curtain, one had to be a political refugee” (Wimmer e Glick Schil23


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ler, 2003:593). Mesmo os países que necessitavam fortemente de mão-de-obra viravam-se para as suas antigas colónias, para outros países europeus, ou no caso dos Estados Unidos, para os seus países limítrofes. È criada e banalizada a figura do “trabalhador-convidado”. Esta noção, com a inerente alienação do migrante como ser também cultural, social e político, demonstra claramente a consolidação de uma estratégia que permitia satisfazer “the needs of industry while minimizing the challenge to the concept if not the practice of national closure, naturalized and normalized by social science” (Wimmer e Glick Schiller, 2003:593). Os movimentos sociais que puseram fim à segregação racial nos Estados Unidos marcam o fim de uma era e tiveram também ecos do outro lado do Atlântico. Juntamente com as crises petrolíferas do início da década de 70 indiciam o início de um novo período, caracterizado pelo final da Guerra Fria e por uma intensa globalização, sem precedentes na História, com os consequentes impactos nas dinâmicas migratórias. Hoje, as migrações colocam problemas e desafios de uma complexidade e amplitude sem precedentes. À medida que se afirma a retórica do Estado-Nação – mesmo com a consolidação de instituições supra-nacionais, como a União Europeia ou talvez por isso mesmo – instituem-se os movimentos anti-migração, que dão respostas simplistas a problemas que se foram tornando estruturais nas sociedades desenvolvidas. Assim, em paralelo com políticas de migração “zero”, com a interrupção abrupta dos programas de “trabalhadores-convidados” e com o discurso da racionalização e gestão dos fluxos, persiste a incontornável necessidade de mão-de-obra, quer qualificada, quer indiferenciada, nos países desenvolvidos, e, acima de tudo, acentuam-se as desigualdades no acesso a oportunidades e na qualidade de vida – o eterno motor dos processos de migração. Em 2005, os processos migratórios envolviam directamente 200 milhões de pessoas, correspondendo a 2,9% da população mundial (GCIM, 24


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2005:80). Em termos percentuais, este valor não difere do que se verificava no início do séc. XX. Assim sendo, embora “the public interest in migration in the early 1990s represented a shift in perception rather than in the real significance of the phenomenon” (Castles, 2000:1144), o que há de novo nas migrações contemporâneas, que levou autores como Castles e Miller (2003) a designar o mundo contemporâneo de “era das migrações”? Acima de tudo, mais do que uma mudança no processo, houve sobretudo uma mudança de contexto. E esse novo contexto, cujos contornos ainda se estão a definir e cujas implicações só agora se começam a tornar perceptíveis, é de forma generalizada designado por globalização.

2.2. Migração e Globalização Mesmo os defensores das teorias de Wallerstein concordarão que talvez antes o mundo tenha sido atravessado por processos de globalização, mas nunca de forma tão profunda e tão velozmente como agora. E nunca, em épocas anteriores, foi esse processo de mudança tão transversal como é hoje. “There is a general consensus that contemporary globalization processes seem more potent in their degree of penetration into the rhythms of daily life around the world” (Held et al, 1999). Portanto, embora não seja novo enquanto fenómeno, o processo de intensa globalização que o mundo atravessa desde o início da década de 70, consubstancia um novo contexto que resulta, mas que é simultaneamente causador, das migrações actuais. Como nota Castles, a interconexão entre globalização e migração é tão veemente “that it makes it vital to understand the causes and characteristics of international migration as well as the processes of settlement and societal change that arise from it” (2002:1144). O conceito de globalização pode ser definido de uma forma bastante simplista como a “proliferation of cross-border flows and transnational networks” (Castles, 2002:1143). No entanto, como faz notar o mesmo autor “glo25


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balization is not just an economic phenomenon: flows of capital, goods and services cannot take place without parallel flows of ideas, cultural products and people” (Castles, 2002:1146). A migração é portanto, um elemento sistémico desta equação, tal como sempre foi. Fases de intensa globalização decorreram sempre em paralelo com grandes movimentações de populações. E assim sendo, tal como a migração também a globalização questiona profundamente alguns dos aspectos estruturantes do Estado-Nação, uma vez que implica uma mudança na lógica de compreensão do mundo, “from a space of places to a space of flows” (Castells, 1996:Ch.6). A forma como as migrações contemporâneas se articulam com o contexto de globalização actual pode ser explicada em larga medida a partir dos elementos que a consubstanciam: os avanços tecnológicos nos meios de comunicação e nos transportes, que os tornam acessíveis, rápidos e/ou imediatos; a liberalização e autonomização do capital, que agora transcende a esfera de acção do Estado-Nação e a consequente desterritorialização dos meios de produção; a ascensão dos mass media como “quinto poder” e a penetração de modelos de vida alternativos nas sociedades a uma velocidade e com uma intensidade sem precedentes; o desenvolvimento de organismos e de movimentos mundiais – materializando a constatação de que num mundo tão interconectado como este, problemas e soluções têm, uns e outros, uma dimensão planetária… para referir apenas os mais imediatos. Neste contexto, as migrações actuais: 1. Tendem a aumentar em número absoluto não só porque as disparidades a nível económico e social entre países pobres e ricos permanecem, mas também porque os fluxos de comunicações o incentivam e porque a penetração de diferentes estilos de vida cria novas expectativas junto das populações; 2. São também Sul - Norte, embora a maioria continue a ser Sul - Sul2 2 A este respeito ver Bakewell e de Haas (2007) 26


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3. Adquirem novas lógicas, que transcendem a dicotomia do retorno vs migração definitiva, uma vez que os desenvolvimentos nos transportes incentivam migrações temporárias, circulares e repetidas (Castles, 2002: 1146); 4. Podem ser experienciadas de uma forma inédita, sendo crescente o número de migrantes que estrutura a sua vida em articulação com familiares e/ou eventos em dois ou mais países (Castles, 2002:1146); 5. São impossíveis de gerir de uma forma unilateral, antes exigindo a concertação entre os diversos actores envolvidos: Estados de origem e de destino, mas também de trânsito; sociedades civis e governos nuns e noutros; as próprias comunidades migrantes; 6. São influenciadas quer por acontecimentos globais (criação ou dissolução de blocos políticos ou regionais, crises financeiras, conflitos e terrorismo) quer por entidades de natureza internacional, como as grandes empresas ou as organizações internacionais (FMI, ONGD, Banco Mundial, …); 7. Renovam os desafios às lógicas de integração, assimilação ou de multiculturalismo, por um lado; mas também de capital humano, gestão de remessas ou dinâmicas familiares, por outro…ou, em suma, aos processos de Desenvolvimento; 8. Têm impacto a nível global – os processos migratórios afectam não só sociedades de acolhimento e de destino, mas num mundo interconectado, afectam os países limítrofes, os países em trânsito, os países com quem existem relações; e são transversais a todos os domínios das sociedades; 9. Influenciam outras áreas de política, determinam acordos entre Estados, lógicas de Cooperação para o Desenvolvimento, estratégias de política externa, …; 10. Interpelam as democracias ocidentais e o seu sentido Humanista, enfatizando as responsabilidades colectivas, à semelhança de questões como o Ambiente ou o Nuclear.

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Espelho e condutor das sociedades em que se inscrevem, as ciências sociais não permaneceram indiferentes às mudanças, oportunidades e ameaças trazidas pelo actual processo de globalização. Passada uma vaga inicial que preconizava a globalização como o fim do Estado-Nação (Soysal, 1994) e que contrastava este mundo globalizado como algo de híbrido e complexo por oposição à homogeneidade cultural do antigamente (Wimmer e Glick Schiller, 2003), começam a cristalizar-se algumas ideias-chave. Estabiliza-se a ideia de que os Estados-Nação continuam a ser actores fundamentais no mundo actual, ainda que trespassados por dinâmicas transfronteiriças; reconhece-se a coexistência da multiplicidade de lealdades e de identidades pluri-referenciadas dos migrantes que não são forçosamente, mutuamente excludentes; e reconhece-se a necessidade de quadros conceptuais mais alargados para a compreensão de fenómenos com causas e consequências crescentemente mais complexas.

2.3. Origens, tipos e modos de incorporação actuais Tal como discutido no ponto anterior, é evidente que a intensidade e direcção dos movimentos migratórios não podem ser dissociadas do sistema mundial económico e político que influencia a vida de todos os indivíduos. Decisões tomadas por governos, por agências de desenvolvimento ou por organizações internacionais determinam a vida de pessoas a milhares de quilómetros de distância – quer falemos de subsídios à agricultura, de investimentos económicos, da criação de empresas ou da protecção de direitos humanos. Os três tipos de migração tradicional continuam a ser esmagadoramente representativos: a migração económica altamente qualificada, a migração económica indiferenciada e os movimentos de refugiados, também denominados de migração forçada (Castles, 2002). Destes, de28


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correm também os processos de reunificação familiar. Embora estes sejam os tipos clássicos de migração, hoje em dia esta categorização é sobretudo um exercício teórico, uma vez que as condições actuais fazem com que “all forms of migration have become closely linked and interdependent. Officialy encouraged flows tend to stimulate irregular movements. Permanent and temporary migration cannot be separated and tend to stimulate each other” (Castles, 2002:1153). Igualmente desafiantes, os modos de incorporação actuais são distinguíveis do ponto de vista teórico, mas bastante opacos na maior parte dos casos, na prática. Entre as diversas tipologias possíveis, a de Castles (2002), considera três tipos: a assimilação; a exclusão diferencial (ou integração parcial) e o multiculturalismo. Enquanto teoria, a assimilação encontra as suas primeiras formulações conceptuais na Escola de Chicago na década de 40, pressupondo uma natural “diluição” dos migrantes na sociedade de acolhimento ao longo do tempo. O grau de assimilação dos migrantes decorria da relação de proximidade da sua raça (race) com a do país de acolhimento (Park, 1950). Hoje, “assimilation means encouraging immigrants to learn the national language and to fully adopt the social and cultural practices of the receiving country. This involves a transfer of allegiance from the place of birth to the new country and the adoption of a new national identity” (Castles, 2002: 1155). Um outro modo de incorporação é a exclusão diferencial, também denominada de integração parcial. Segundo esta perspectiva, o migrante deve integrar-se numa parte, mas não em todas as dimensões da sociedade de acolhimento, e tendencialmente de uma forma temporária: “It means that migrants are integrated temporarily into certain societal sub-systems such as the labour market and limited welfare entitlements, but excluded from others such as political participation” (Castles, 2002:1155). É o modelo subjacente aos programas de trabalhadores convidados na Europa do pós IIª Guerra Mundial, à lógica de gestão de fluxos migratórios através de quotas e é também a aborda29


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gem que justifica que os migrantes não tenham acesso a determinados direitos, como por exemplo o exercício do voto. O terceiro modo de incorporação definido pelo autor é o de multiculturalismo ou pluralismo étnico. Surgiu na década de 70, na sequência do fracasso dos esforços de assimilação e das consequências inesperadas dos programas de trabalhadores convidados, que tendiam ao sedentarismo e ao reagrupamento familiar. O multiculturalismo “implies abandoning the myth of homogenous and mono-cultural nation-states. It means recognizing rights to cultural maintenance and community formation, and linking these to social equality and protection from discrimination” (Castles, 2002:1156). Os três modos de incorporação enunciados têm em comum a ideia de que a migração não deverá acarretar mudanças significativas no tecido sociocultural das sociedades de acolhimento, tendo assim implícita uma perspectiva unilateral da integração dos migrantes. E embora na prática as migrações tenham impactos substanciais ao nível demográfico, económico, político, social e cultural, há uma certa resistência em reconhecer o potencial de evolução resultante. Por esta razão, mesmo o modelo do multiculturalismo alicerça-se na coexistência pacífica das diferenças socioculturais entre as comunidades em presença, mas não na sua interacção ou síntese. Outros modos de incorporação mais sofisticados, como a interculturalidade3, estão longe de ser comuns, quer nos discursos quer nas práticas, embora haja já algumas tendências relevantes nesse sentido, oriundas em particular do Conselho da Europa.

3 Propondo-se como definição de interculturalidade: “o reconhecimento das diferenças, promoção e integração dos diversos actores. Não se trata de uma assimilação ou de um abandono de valores de um grupo a favor de outro, mas de uma dinâmica de confrontação e de síntese. Assim, as identificações num contexto de interculturalidade não conduzem a uma sobreposição de identidades étnicas mas à negociação de múltiplas afinidades e oposições, de proximidade e de distância, para constituírem uma nova realidade portadora de identidade”, in Dictionaire de l’alterité et des relations multiculturelles. 30


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2.4 Perspectivas teóricas sobre Migração e Desenvolvimento O discurso produzido em torno do binómio migração e desenvolvimento quer na academia quer na política, tem sido até à data maioritariamente pautado por uma lógica economicista e centrado na perspectiva do país de acolhimento. Assim sendo, quando se procura reflectir sobre a ligação entre migração e desenvolvimento de uma forma integrada e contemplando os vários actores do processo, deparamo-nos com uma surpreendente ausência quer de dados credíveis, quer de um modelo que relacione as várias dimensões da migração com o desenvolvimento, como notou o DFID (2004) “it was noticeable that several experts witnesses (...) were unable to provide an evidence based answers to what one would think were basic questions” (DFID, 2004: 25). Porém, se nos cingirmos à dimensão estritamente económica dos processos de desenvolvimento, é possível avançar com alguns dados estatísticos. Por exemplo, os fluxos globais anuais de Ajuda Pública ao Desenvolvimento rondam os 63 US$ biliões por ano. Segundo as estimativas das Nações Unidas, os Objectivos do Milénio poderiam ser alcançados se este valor atingisse os 100 US$ biliões por ano. Uma ligeira flexibilização das normas de deslocação de pessoas, aumentando a proporção de migrantes para os 3% nos países desenvolvidos, geraria ganhos globais na ordem dos 150 US$ biliões. Se considerarmos ainda as remessas, os montantes enviados pelos migrantes por canais oficiais rondam os 93 US$ por ano. Incluindo as estimativas em torno dos canais informais, este valor ascende aos 300 US$ biliões por ano (DFID, 2004). O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano do PNUD (2009) confirma que “o grosso dos benefícios recai sobretudo nos indivíduos que migram, mas uma parte vai para os residentes do local de destino, assim como para aqueles no local de origem, através de fluxos financeiros e não só. Em pesquisas realizadas para este relatório, as estimativas apu-

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radas com base num modelo de equilíbrio geral da economia mundial sugeriram que os países de destino teriam cerca de um quinto dos benefícios a partir de um aumento de 5% no número de migrantes nos países desenvolvidos, ascendendo a cerca de 190 mil milhões de dólares americanos” (p.84). O mesmo Relatório avança com factos que questionam uma das questões mais delicadas da migração e desenvolvimento no país de destino, nomeadamente o impacto da imigração na disponibilidade e qualidade do emprego. Segundo Ortega and Peri (2009), num estudo que abrangeu 14 países da OCDE, entre 1980 e 2005, “a imigração aumenta o emprego, não havendo evidências de que haja pressões sobre a população local”, inclusive durante tempos de crise económica (p.84). Em momentos de estabilidade económica, a imigração contribui para criar emprego. Os dados revelam que na sequência da chegada de 10 imigrantes, o mercado de trabalho expande-se para 17, ou seja, criam-se 7 postos adicionais de trabalho que podem agora ser ocupados pela população local (Ortega e Peri, 2009: 27). Em termos de produção de riqueza, a relação é igualmente positiva: um aumento de 1% na população migrante leva a um aumento de 1% no PIB per capita, em tempos de estabilidade económica. Em momentos de estagnação económica a mesma percentagem de aumento da população migrante leva a um aumento de 0,6% no PIB (idem:28). Na prática, a imigração aumenta as economias dos países de acolhimento, sem que se verifique qualquer impacto negativo nos salários ou na produtividade laboral, tanto no curto prazo (1 ano) como a médio prazo (5 anos), (Ortega e Peri, 2009: 28). Os sistemas fiscais também beneficiam, havendo um retorno positivo que advém das contribuições dos migrantes, por um lado, e por um baixo uso dos serviços de protecção social, por outro. Por último, também o impacto da migração na capacidade de inovação dos Estados de acolhimento é igualmente positivo. Investigações realizadas nos Estados Unidos, por exemplo, revelam que um aumento de 1,3% na taxa de 32


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licenciados migrantes correspondeu a um aumento de 15% no número de patentes per capita (PNUD, 2009:84).

Remessas e Desenvolvimento Os montantes das remessas atraíram desde há muito as atenções, havendo já um debate político substantivo, bem como um construto teórico desenvolvido em torno do impacto das remessas no desenvolvimento dos países de origem. Em síntese, poderão ser articuladas duas perspectivas de fundo: a “escola optimista” e a “escola pessimista” (Alarcón, 2000:29). Existem diferenças significativas entre ambas as correntes, também do ponto de vista metodológico, uma vez que a “escola pessimista” recorre predominantemente a métodos etnográficos e a “optimista” aos métodos quantitativos. O conjunto de dados empíricos (Alarcón, 2000) que sustentam a “escola pessimista” aponta em três direcções. A primeira é a de que a maior parte das remessas são gastas em bens de consumo e em diversão, não promovendo o desenvolvimento de actividades económicas que permitam romper com o ciclo de pobreza. A segunda, é que provoca dinâmicas de dependência, não só porque os que não migram sobrevivem em grande medida a partir das remessas enviadas, mas também porque tendem a não procurar formas suplementares ou substitutivas desses rendimentos, contribuindo para anestesiar ainda mais as economias locais. Por fim, as remessas tendem a acentuar as desigualdades sociais dentro das comunidades, porque nem todas as famílias são beneficiadas da mesma forma, podendo mesmo ter efeitos inflacionários nas economias locais. No outro extremo, situa-se a escola optimista. Autores como Durand, Parrado e Massey (1996) defendem que a visão pessimista não confere a importância merecida aos investimentos produtivos dos migrantes

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nem toma em consideração o efeito indirecto das remessas na promoção do desenvolvimento económico, através do estímulo ao consumo. Também Zarate-Hoyos (1999) defende que os investigadores da escola pessimista ignoram “the potential stimulus of remittances to indigenous industries, which in turn generate a multiplier effect on aggregate demand, employment and capital investment in excess of the original expenditure”. Adicionalmente, estes autores fazem notar que as remessas não são utilizadas exclusivamente para aquisição de bens de consumo, mas também, e muito mais frequentemente, em bens básicos. Famílias que recebem remessas têm acesso facilitado a uma educação de melhor qualidade, a cuidados médicos e a um apoio acrescido para superar as dificuldades, sobretudo em contextos de grande fragilidade dos serviços públicos como é o caso da Índia, Bangladesh, Filipinas e da própria Guiné-Bissau. No entanto, mesmo os defensores da escola “optimista” reconhecem que apesar dos efeitos multiplicadores das remessas, elas não eliminam no imediato as dependências de dinheiros ganhos no estrangeiro. Para mais, o reconhecido “sindroma da migração” demonstra que as remessas geradas pela migração efectivamente melhoram as condições de vida, mas que em contrapartida também alimentam a necessidade de manter essa qualidade de vida, pelo que provocam mais migração.

Migration hump O “migration hump” constitui um dos modelos que procuram articular a migração com o desenvolvimento, ainda que numa perspectiva estritamente economicista. Embora o conceito de desenvolvimento subjacente ao modelo do “migration hump” seja entendido como sinónimo de rendimento per capita, é ainda assim útil para a compreensão da relação entre o nível de desenvolvimento de um país e a sua taxa de 34


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emigração. O “migration hump” demonstra que a taxa de migração é baixa quando o nível de desenvolvimento de um país é baixo. À medida que o nível de desenvolvimento do país aumenta, aumenta também o número de pessoas detentoras dos recursos necessários para migrar. Todavia, existe um hiato entre o nível de desenvolvimento atingido, do ponto de vista formal, e a sua tradução na qualidade de vida efectiva e generalizada das populações e a consequente diminuição da pressão migratória. Portanto, o aumento dos níveis de desenvolvimento incrementa, durante um período, as taxas de migração, porque torna possível que mais pessoas obtenham os recursos necessários para migrar. Só quando o desenvolvimento estabiliza e se torna transversal à maioria da população, é que as pressões para sair diminuem verdadeiramente. Entre outras observações, o modelo de “migration hump” demonstra que não são os mais pobres que migram. Migrar exige recursos. As pessoas pobres não têm recursos, incluindo os recursos financeiros e de capital social que são necessários para que a migração aconteça. A migração internacional só se torna uma opção para os migrantes detentores de alguns recursos, porque “although international travel is cheaper and more accessible than in any other time in history, the cost of a plane or a train ticket is still beyond the reach of the majority of the world’s population” (DFID, 2004:20). Este modelo constitui ainda um sólido argumento para questionar as abordagens que defendem que a promoção do desenvolvimento económico nos países pobres é uma panaceia para reduzir a pressão migratória. Efectivamente, o modelo do “migration hump” revela que a migração aumenta em paralelo com o nível de desenvolvimento económico, até um determinado ponto. Por isso, é importante destacar, como notou o DFID (2004), que a melhoria de outros factores como a governação, a democracia ou a paridade de género, podem efectivamente reduzir os factores de repulsão, “leading to a situation where migration is an informed choice rather than a desperate option” (DFID, 2004:21).

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Diásporas e Co-desenvolvimento Segundo Castles (2000:269) “as migrações são frequentemente, o resultado do desenvolvimento económico e social, (…) e podem contribuir para o processo de desenvolvimento e melhores condições económicas e sociais ou, alternativamente, ajudar a perpetuar a estagnação e a desigualdade” (Castles, 2000:269). Também o DFID (2004) notou que: “The benefits and costs of migration are distributed, unevenly, between and within countries and social groups. The balance and distribution of costs and benefits depends upon the nature of the migration in question, and on the links that migration establishes between the places of origin and destination”. Até há bem pouco tempo, estas ligações estabelecidas pelos migrantes com as suas comunidades de origem eram vistas primordialmente sob um ponto de vista financeiro, materializado pelas remessas. A existência e o significado de outro tipo de ligações – sociais, culturais, políticas - só muito recentemente se tornaram alvo de interesse por parte das grandes organizações internacionais e da academia. Segundo Orozco (2000:5), é no final da década de 90 que surgem os primeiros ecos, vindos do Banco Mundial, que procuram interligar as diásporas com os processos de desenvolvimento – em sentido alargado. Dentro da estratégia do Banco Mundial, construída a partir dos trabalhos de Amartya Sen (1999) e Nicholas H. Stern (2002), as diásporas surgem, simultaneamente, como agentes de desenvolvimento e como destinatários dessa estratégia. É reconhecido o papel que podem assumir na promoção do desenvolvimento das suas comunidades de origem, o impacto das suas remessas e as transferências de know-how, entre outros aspectos. As diásporas podem ser definidas como “sociopolitical formation, created as a result of either voluntary or forced migration, whose members regard themselves as being of the same ethno-national origin and who permanently reside as minorities in one or several host countries. Members of such entities maintain regular or occasional contacts with what they regard as their homeland and 36


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with individual and groups of the same background residing in other host countries (Sheffer 2003:10-11). Nesta mesma linha surge o trabalho desenvolvido por Samir Nair, que também no final da década de 90, desenvolvia em França o conceito de co-desenvolvimento, que pressupunha “surtout à renforcer l’intégration (…) tout en favourisant la solidarité active avec les pays d’origine, à créer les conditions sociales pour aider les migrants potentiels à demeurer chez eux” (Nair, 1998:3). O co-desenvolvimento perspectiva as dinâmicas migratórias numa lógica de benefício mútuo, quer para o país de acolhimento, quer para o de origem. Nair, tal como Stern, coloca as diásporas no lugar central na condução dos processos de desenvolvimento, defendendo que “nulle forme d’aide (…) ne peut se substituer à l’action de l’immigré lui-même. Il est le coeur et le corps vivant de l’opération” (Nair, 1998:4). A proposta teórica de Nair foi alvo de críticas ferozes (Daum, 1998), e a sua concretização ainda mais controvérsia gerou, precisamente junto daqueles que seriam os seus principais actores: os migrantes e as suas associações. Na perspectiva destes, as políticas de co-desenvolvimento instrumentalizam a Ajuda Pública ao Desenvolvimento – e os próprios migrantes – em prol de uma gestão controlada dos fluxos migratórios. No entanto, apesar da polémica associada – ou até por isso mesmo -, todo o debate em torno do conceito de co-desenvolvimento na Europa e do papel das diásporas nos Estados Unidos teve o mérito de contribuir para o reconhecimento da diversidade de laços que unem os migrantes aos seus países de origem. Esta constatação alimentou a reflexão teórica e influenciou as várias abordagens políticas que foram entretanto ensaiadas, como referido no capítulo I. Hoje, é possível compreender porque as migrações foram tão erroneamente geridas e interpretadas no passado e porque frequentemente as políticas migratórias atingiram o contrário dos seus objectivos (Castles, 2002). Uma das razões deve-se aos princípios subjacentes à lógica do 37


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Estado-Nação, “because border control is at the core of notions of sovereignty, policymakers have often seen migration as something that could be turned on and off like a tap in response to assumed national interests” (Castles, 2000). Outra razão é a própria compartimentação disciplinar que tem sido apanágio do seu estudo, cuja principal consequência é a fragmentação das investigações sobre migração e o fracasso em construir um corpo sólido de conhecimento sobre a temática (Massey et al, 1998). Por fim, o engenho humano. As migrações são processos colectivos que resultam das necessidades e estratégias de sobrevivência das pessoas, cuja criatividade e capacidade de contornar obstáculos é praticamente ilimitada. Efectivamente, e mais do que nunca, as migrações contemporâneas interpelam a responsabilidade da academia como construtora de saberes – e de verdades. Implicam abordagens mais integradas, para lá das dicotomias simplistas, “atracção-repulsão”. “origem-destino”, “sedentarismo-retorno”. E exigem metodologias de investigação articuladas e complementaridades e consensos entre tradições disciplinares. Fruto da necessidade de dar resposta aos desafios colocados pelos processos das migrações contemporâneas e do reconhecimento de que algumas das dinâmicas associadas exigem lógicas e quadros de reflexão inovadores, têm vindo a ser desenvolvidas novas abordagens e teorias. Juntamente com a Teoria dos Mercados Duais ou Segmentados, a Nova Economia das Migrações Laborais (NELM) e a Teoria das Redes, surge um novo paradigma, que pretende ser o “passo seguinte” para o estudo contemporâneo das migrações: o transnacionalismo migrante.

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3. Transnacionalismo Migrante O conceito de transnacionalismo migrante surgiu em 1992, a partir do trabalho desenvolvido por Glick-Schiller et al (1992). Estas autoras defendiam que as dinâmicas da migração contemporânea eram de tal forma distintas das de épocas passadas e apresentavam características tão inovadoras que se justificava a criação de novas referências conceptuais para a sua compreensão. O conceito de transnacionalismo migrante surge assim definido como “o processo através do qual os migrantes criam espaços sociais que ligam o seu país de origem com o seu país de acolhimento” (Glick Schiller et al, 1992:1), sendo os transmigrante definidos como “imigrantes que constroem esses espaços sociais através da manutenção de diversos tipos de laços afectivos e instrumentais que trespassam fronteiras” (Basch et al, 1994, pág. 27). Este conceito, bem como os seus actores e a natureza do processo que denomina, tornou-se quase imediatamente e durante os anos que se seguiram, foco de intensa discussão. Mais de uma década passada, estabilizaram-se alguns dos aspectos chave do conceito, tanto ao nível da sua utilidade heurística, quer ao nível da sua metodologia de investigação, nomeadamente: - O conceito de transnacionalismo identifica actividades transfronteiriças protagonizadas por actores de base privados ou from below, distinguindo-se de outras actividades transfronteiriças from above, protagonizadas por Estados ou por grandes empresas, denominadas de internacionais ou multinacionais (Portes, 2004:75) - O transnacionalismo migrante não é um novo fenómeno mas sim uma nova perspectiva de investigação para o estudo das migrações, que permite “realizar um trabalho analítico novo que é o de facultar um modo

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de ver o que antes lá estava sem ser visto” (Smith, 2003:1) - A migração não pressupõe, necessariamente, transnacionalismo. O transnacionalismo é um processo multidimensional e dinâmico, que só em determinadas circunstâncias transforma populações migrantes em agentes dinamizadores e integrantes de um espaço social transnacional. Baubock (2003:705) distingue entre migração como “basically an international phenomenon insofar as it involves a movement of persons between the territorial jurisdictions of independent states” e transnacionalismo, uma vez que este movimento “becomes transnational only when it creates overlapping memberships, rights and practices that reflect a simultaneous belonging to two different political communities” (Baubock, 2003:705). - As actividades consideradas transnacionais, embora de pequena dimensão, quando “realizadas com regularidade por um dado conjunto de activistas, somadas às actividades pontuais de outros imigrantes, acabam por resultar num processo de significativo impacto económico e social para as comunidades e para as próprias nações em causa” (Portes, 2004:79) - Embora “everyday transnational practices are not neatly compartmentalized nor are their consequences” (Guarnizo, 2003: 669), para fins analíticos, podem ser considerados três tipos de transnacionalismo, nomeadamente: •

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Económico: centrando-se particularmente nas remessas e no empresariado transnacional, cuja actividade depende em grande medida de um vai-e-vem de bens e/ou serviços entre países de destino e acolhimento; Político: centra-se no desenvolvimento de actividades políticas, particularmente o voto à distância, o apoio a partidos ou campanhas políticas no país de origem ou actividades de lobby e advocacy no país de acolhimento em prol do país de origem; Sociocultural: contempla as actividades de tipo cultural, que mantêm


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ou recriam as práticas da origem na diáspora e as actividades de tipo filantrópico, como os projectos de desenvolvimento financiados pelos migrantes e pelas suas associações nas comunidades de origem. - O transnacionalismo joga-se, de forma articulada, com as dinâmicas de integração e de pluralismo cultural, sendo um das formas de adaptação do migrante que “supplements the canonical concepts of assimilation and ethnic pluralism” (Faist, 2000:29). - O transnacionalismo implica a existência de capital social, que não só suporta como explica a sustentabilidade e a intensidade dos laços, nas suas diversas expressões, que ligam os migrantes aos seus locais de origem bem como entre si na diáspora, e que alimentam “a high degree of personal intimacy, emotional depth, moral commitment, social cohesion and continuity in time” (Nisbet, 1966: 47). - Metodologicamente, a unidade de investigação que mais se adequa ao estudo do transnacionalismo é a de campo social transnacional que inclui não só a comunidade migrante em si, mas também os governos e sociedades civis, tanto dos países de origem como de acolhimento, na sua relação dinâmica. A abordagem teórica que inspirou o título da presente investigação pode ser sintetizada da seguinte forma: “transnational social spaces are sustained ties of persons, networks and organizations across the borders, across multiple nation-states, ranging from little to highly institucionalized forms” (Faist, 2000b:189). Será este exactamente o âmbito da presente investigação, aplicada ao caso concreto dos migrantes guineenses em Portugal.

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4. Enquadramento Metodológico Sobre campos sociais transnacionais Do ponto de vista epistemológico, o transnacionalismo coloca um grande desafio às ciências sociais porque desfoca o referencial clássico da investigação, o chamado nacionalismo metodológico. O nacionalismo metodológico é “the tendency to accept the nation-state and its boundaries as a given in social analysis” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1007). Esta naturalização do Estado-Nação como unidade de análise confinou o âmbito das investigações – mesmo as que se centram em torno dos processos da globalização - às fronteiras dos Estados ou às relações entre estes (Beck, 2000). Ora, o transnacionalismo, também denominado por alguns autores na área da ciência política, de pós-nacionalismo, pressupõe mais do que o trespasse de fronteiras ou a conexão de pessoas ou Estados-nação. O transnacionalismo cria uma nova unidade de investigação nas ciências sociais. Uma unidade que é delimitada não pelas fronteiras formais dos Estados, mas sim pelas redes que unem os elementos que as constituem, e que alguns autores denominaram de “campos sociais transnacionais” (Glick Schiller e Levitt, 2004), ou de “espaços sociais transnacionais” (Faist, 2000b). À semelhança de Faist, também Guarnizo (2003), refere que os espaços sociais transnacionais são, naturalmente, agenciados pelos migrantes, mas também englobam as relações estabelecidas com os não-migrantes – indivíduos e instituições – que afectam e são afectadas pelas actividades da diáspora, de tal forma que aqueles que nunca migraram fazem parte integrante desse espaço social transnacional. A generalização do espaço social transnacional como unidade de investigação de referência conduziu a uma discussão sobre a metodologia de investigação nos estudos sobre transnacionalismo, pois como notaram as autoras “our 43


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analytical lens must necessarily broaden and deepen because migrants are often embedded in multi-layered, multi-sited transnational social fields, encompassing those who move and those who stay behind” (Glick Schiller e Levitt, 2004:1003).

Sobre a estratégia de investigação Do ponto de vista metodológico, os desafios são substantivos, uma vez que a maior parte das abordagens e técnicas de investigação utilizadas derivam do nacionalismo metodológico. Estas metodologias não foram concebidas para investigar fluxos, ligações ou identidades que extravasam ou intersectam fronteiras nacionais nem os fenómenos e dinâmicas que os acompanham. Como notam os autores, uma ontologia transnacional implica uma epistemologia transnacional, pois “in order to describe, map, explain, interpret and theorize the transnational nature of reality, expectations about how social worlds can be known and understood must also be revisited” (Khagram e Levitt, 2006:28). A reflexão sobre esta questão conduziu a algumas conclusões generalizadamente aceites. Uma investigação que pretende apreender dinâmicas transnacionais deve ter uma abordagem multi-sited e multi-level. Ou seja, as dinâmicas e processos transnacionais de uma determinada comunidade devem ser investigados contemplando os diversos locais envolvidos no campo social transnacional. No presente caso significa que as dinâmicas transnacionais dos guineenses em Portugal devem implicar um estudo não só da diáspora em Portugal e do contexto nacional, mas também dos outros actores e contextos interligados no processo, ou seja os guineenses “não-migrantes” e o contexto da Guiné-Bissau. Da mesma forma, embora o transnacionalismo se refira, por definição, às actividades transfronteiriças promovidas pelos actores de base privados, generalizadamente os migrantes, o seu estudo não pode ignorar nem a influência nem os impactos das dimensões e actores de natureza 44


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meso e macro. Estudos centrados só nas comunidades migrantes não reflectem a complexidade do fenómeno, como notaram Barberia e Ekstein (2002), pois “while these studies yeld richly detailed accounts of ostensibly local territorial and cultural spaces, they frequently miss how broader and larger social contexts and processes influence these localities. A great deal is learned about a particular site and a particular time but not enough about how the local is historically situated and connected to other places, levels and scales of social interaction”. Assim, para além das condições e actores locais, devem ser também considerados os contextos socioculturais, económicos e políticos de natureza intermédia e global, bem como os actores e dinâmicas de nível macro, nomeadamente os Estados. Uma outra questão é colocada relativamente à dimensão temporal da investigação. Alguns autores fazem notar que “transnational dynamics cannot be studied at one point in time and in only one place because they involve multiple, interacting processes rather than single, time and space bounded events” (Khagram and Glick Schiller, 2005:18). Frequentemente, as práticas transnacionais decorrem ao longo de extensos períodos de tempo, pelo que uma abordagem de tipo “fotográfico” deixa escapar a forma pontual como muitos migrantes, num ou noutro ponto da sua vida, se envolveram com os seus países de origem – nos ciclos eleitorais, questões familiares ou catástrofes – mobilizados por um desafio específico. Uma estratégia de estudo longitudinal pode revelar que mesmo aqueles que não se identificam ou desenvolvem actividades transnacionais regularmente podem ser mobilizados a fazê-lo (idem).

Sobre os instrumentos O mapeamento e caracterização das práticas transnacionais dos migrantes guineenses foram concretizados através de diferentes instrumentos. O primeiro consistiu na aplicação de um inquérito a indivíduos da

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comunidade guineense residentes em Portugal. Esse inquérito integrou questões fechadas e abertas, onde foram solicitados os dados biográficos do inquirido e informações sobre as suas práticas transnacionais. As questões relativas às práticas transnacionais encontravam-se divididas em 3 categorias, nomeadamente, as que se enquadram no transnacionalismo de tipo sociocultural, de tipo económico e de tipo político. Estes três tipos de transnacionalismo não são mutuamente excludentes; pelo contrário, é frequente a sua justaposição em dois ou mesmo na totalidade dos domínios. No entanto, utilizou-se esta tipologia, uma vez que permite relacionar de forma mais organizada e inteligível as diferentes práticas, os seus actores e os seus impactos. A aplicação do inquérito foi complementada com entrevistas abertas semi-dirigidas e com histórias de vida, para possibilitar o aprofundamento de questões chave e para garantir uma perspectiva longitudinal. Tendo em conta o fim último deste estudo, o questionário inclui ainda, para cada um dos tipos de transnacionalismo considerado, questões de opinião que pretendem auscultar os inquiridos sobre os obstáculos e potencialidades das suas práticas transnacionais para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. Assim, esta investigação enquadra-se no chamado “public transnationalism”, pois assume-se que “its’ goal is to go beyond scholarly description, analysis, and theorizing to praxis. Public transnationalism develops the actionable implications of transnational studies and explicitly rejects the false neutrality characterizing much academic work. Rather than ignoring the hard set of ethical and practical questions that research poses, it embraces them” (Khagram and Glick Schiller, 2005:31). O questionário foi também aplicado na Guiné-Bissau. Embora necessariamente adaptado, estruturalmente era idêntico ao questionário aplicado em Portugal. Este questionário pretendeu recolher dados junto de informantes privilegiados na Guiné-Bissau, destinando-se tanto a antigos migrantes como a não migrantes, contribuindo assim para a cabal caracterização do espaço social transnacional guineense, a partir da experiên46


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cia e perspectivas destes elementos que também o constituem. Em cada um dos países, o questionário foi aplicado pela investigadora com o apoio de dois cientistas sociais guineenses, o que não só facilitou a comunicação nos casos (frequentes, na Guiné-Bissau) em que o crioulo era a língua privilegiada pelo inquirido, como também agilizou o acesso ao objecto de estudo. Em paralelo, foi utilizado o método da “bola de neve”. O inquérito foi complementado com a observação participante e com a elaboração de histórias de vida. Finalmente, na Guiné-Bissau, recorreu-se também à recolha e análise de imprensa. Por último, foram realizadas entrevistas em instituições relevantes, tanto guineenses como portuguesas, nomeadamente o Instituto de Apoio ao Imigrante e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e recolhidas informações junto do ACIDI, do IPAD e do SEF, respectivamente. As entrevistas, abertas e semi-dirigidas, fornecem o enquadramento institucional e político que, complementado com a recolha e análise documental, constitui o último dos elementos a integrar na caracterização e análise do espaço transnacional guineense.

Sobre a constituição da amostra A constituição da amostra do universo dos inquiridos implicou uma reflexão tanto sobre a dimensão quantitativa como qualitativa. A diáspora guineense em Portugal compreende um total de 25 148 indivíduos, segundo dados do SEF (2004), embora algumas estimativas apontem para 30.000 a 35.000 indivíduos, considerando os que se encontram em situação irregular. A investigação realizou 77 inquéritos em Portugal e 8 entrevistas. Dado o sempre limitado espaço temporal das investigações e tendo em conta as características desta população, optou-se pela constituição de uma amostra por quotas. O método de amostragem por quotas é actualmente, e de longe, o método mais utilizado (Ghaglione 47


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e Matalon, 1992). O método de amostragem por quotas consiste em reproduzir na amostra as distribuições de certas variáveis importantes. Ora, os estudos já realizados sobre a diáspora guineense em Portugal revelam que tanto a intensidade migratória como algumas práticas transnacionais desta comunidade se encontram intimamente relacionadas com a sua expressão étnica (Machado, 2002; Quintino, 2005; Carreiro, 2007). O conceito de etnicidade, não sendo central para a presente investigação é aqui utilizado no mesmo sentido que Machado (2002) definiu: “o conceito de etnicidade não serve, portanto, para estabelecer arbitrariamente que uma determinada categoria de pessoas se pode identificar, antes de mais, por certas características sociais e culturais” (Machado, 2002:4), mas sim para permitir a análise das dinâmicas transnacionais em relação a esta dimensão, assumida como relevante. A amostragem por quotas permite ainda evitar o enviesamento introduzido pelo estudo de caso, que caracterizou os primeiros estudos sobre transnacionalismo, e que tendia a concentrar-se unicamente nas comunidades onde as dinâmicas transnacionais eram intensas e evidentes. A reflexão posterior enfatizou a necessidade, tão ou mais pertinente, de incluir nos estudos sobre transnacionalismo, os migrantes que não desenvolvem práticas transnacionais ou que o fazem de forma muito pouco regular, bem como a compreensão da ausência do processo. Pretende-se assim, dar idêntico protagonismo aos grupos onde estas práticas se encontram menos estudadas e, simultaneamente, facultar um reflexo “real” do conjunto da diáspora. Ou seja, por um lado, pretende-se identificar os migrantes transnacionais, caracterizar as suas práticas e compreender a sua natureza e intensidade. Por outro lado, procura-se mapear o “não-transnacionalismo” e explicitar as razões da sua ausência. Esta dupla reflexão é particularmente relevante tendo em vista o fim último da investigação, nomeadamente, o de elaborar propostas que permitam capitalizar o potencial que os migrantes guineenses têm para o desenvolvimento do seu país de origem. 48


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A tipologia proposta por Machado (2002) é adoptada neste estudo considerando-se como guineenses não só os detentores de nacionalidade guineense mas também os detentores de nacionalidade portuguesa com origem guineense. Esta opção é também legitimada por estudos prévios (Portes, 2005) que confirmam que as dinâmicas transnacionais não só se mantêm nos casos de obtenção de nova nacionalidade, ou de dupla nacionalidade, como a sua intensidade tende a aumentar. Na Guiné-Bissau, que conta com cerca de um milhão e meio de habitantes (INE, 2008), e onde se estima que 8,6% da população seja migrante (PNUD, 2009) foram realizados 22 inquéritos e 14 entrevistas e histórias de vida a informantes privilegiados, englobando tanto ex-migrantes como não-migrantes. Privilegiou-se a informação de natureza qualitativa, tendo em conta a fraca disponibilidade de informação estatística nas instituições guineenses e o alto grau de informalidade das práticas comerciais, mas sobretudo devido ao objectivo principal de identificar os impactos das práticas transnacionais no desenvolvimento da Guiné-Bissau. Por esta razão, não houve preocupação em delimitar o universo dos inquiridos do ponto de vista étnico, dando-se prioridade à visão crítica e de conjunto facultada pelos informantes privilegiados. Porém, é importante referir que os dados obtidos em Portugal direccionaram a investigação realizada na Guiné-Bissau para as cidades de Gabú e Canchungo, para além da capital. Assim sendo, houve um enviesamento na amostra introduzido pela sobre-representação de entrevistados manjacos (em Canchungo) e fulas e mandingas (em Gabu) que foi todavia equilibrado pelas entrevistas realizadas em Bissau, onde se encontra representada a maioria dos grupos étnicos guineenses. Sobre o trabalho de terreno O acesso à comunidade guineense foi concretizado a partir de informantes privilegiados, nomeadamente, os dirigentes das principais as-

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sociações de migrantes guineenses em Portugal, referidos na “Lista da Comissão Instaladora da Federação das Associações Guineenses em Portugal”. Este universo inicial foi alargado a partir do método de bola de neve, garantindo a inclusão do “guineense comum” na amostra, bem como de tipos de migrantes relevantes, como quadros e empresários, que não estavam ligados ao movimento associativo. A maioria das entrevistas teve lugar nas residências dos inquiridos, com algumas delas a serem realizadas em sítios de referência para a comunidade guineense em Lisboa, nomeadamente, Campo Grande e Restauradores. A aplicação do inquérito na Guiné-Bissau foi iniciada a partir de contactos já existentes com indivíduos residentes em Bissau e tomando também algumas referências obtidas no contexto do trabalho realizado em Lisboa. Por último, as entrevistas junto das instituições relevantes foram realizadas a partir do canal de referência constituído pelo CESA-ISEG e pela Fundação Portugal -África, tanto em Portugal como na Guiné-Bissau.

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5. A Migração Guineense A Guiné-Bissau é um país cujo território, com 33 125 km2 (PNUD, 2001), se situa na África Ocidental, delimitado a Norte pelo Senegal, a Sul e a Este pela Guiné-Conacri e a Oeste pelo Oceano Atlântico. A sua população está estimada em 1 milhão e 548 mil habitantes (3º Recenseamento Geral da População, 2008) os quais, pela diversidade da sua composição, justificaram que a Guiné-Bissau ganhasse os epítetos de “mosaico étnico” (Machado, 2002) ou “Babel Negra” (Pélissier, 1989). Conta com cerca de 30 etnias diferenciáveis entre si que segundo os últimos dados disponíveis, apresentavam a seguinte distribuição: Balantas – 27%; Fulas – 23%; Mandingas – 12%; Manjacos – 11%; Papéis – 10%, só para referir os mais representativos (Machado, 2002). Uma parte da população encontra-se islamizada (45%), enquanto outra é predominantemente cristã. Ambas são, em maior ou menor grau, animistas. Cerca de 66% da população guineense trabalha na agricultura, na cultura do arroz, do óleo de palma e da castanha de caju (PNUD, 2005). Independente unilateralmente do poder colonial português desde 24 de Setembro de 1973, a Guiné-Bissau tem enfrentado sérias dificuldades para evoluir económica e politicamente mantendo, recorrentemente, um lugar cativo nos últimos lugares do Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2009, era o quinto país mais subdesenvolvido do mundo (PNUD, 2009). Muito à semelhança de outras nações africanas forjadas na luta pela auto-determinação, a Guiné-Bissau viveu 18 anos de Partido Único (1973-1991), três golpes de Estado (1980, 1998 e 2003), uma Guerra Civil (1998-1999) e um sem número de incidentes político-militares de maior ou menor intensidade, mas sempre com consequências gravíssimas para o desenvolvimento do país, sendo o recente assassinato do Presidente da República e do Chefe de Estado Maior das Forças Armadas, em Março de 2009, um dos mais recentes e trágicos exemplos. 51


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Apesar da aparente estabilidade política que o país atravessava desde as eleições presidenciais de 2009,um novo incidente político-militar, a 1 de Abril de 2010, confirmou que os constrangimentos estruturais da Guiné-Bissau continuam largamente por resolver. As razões pelas quais a Guiné-Bissau desembocou na situação actual têm interpelado diversos autores, e não sendo objecto detalhado no presente capítulo, serão invocadas na medida em que permitam explicar os fluxos migratórios da Guiné-Bissau. A tentativa de analisar a migração guineense tropeça em dois grandes obstáculos, nomeadamente, a dificuldade em obter dados estatísticos actualizados e a fluidez das fronteiras com o Senegal e com a Guiné-Conacri, onde perpassa um número elevado de pessoas com um mínimo de controlo. Alguns dados estimam em 8,6% (PNUD, 2009) a totalidade de guineenses residentes no estrangeiro, o que somaria cerca de 136.000 indivíduos, (65% dos quais noutros países africanos) enquanto o Instituto de Apoio ao Emigrante da Guiné-Bissau avança com um valor que ronda as 92.000 pessoas. A dificuldade de quantificação dos contingentes de migrantes guineenses, não invalida a realidade dos fenómenos, e se não é fazível na origem, é por vezes mais fácil fazê-la no acolhimento – apesar dos contingentes de indivíduos em situação irregular nos países de destino, bem como o enviesamento introduzido por aqueles que atingem a Europa via Senegal – adquirindo no processo nacionalidade senegalesa – constituírem sérios obstáculos à exactidão da presente análise. A história da migração guineense é por isso difícil de estruturar, embora existam alguns dados já desde o período colonial. Os primeiros censos na Guiné-Bissau foram realizados na década de 50 do séc. XX, sendo as obras de António Carreira a referência neste sentido. Já nesta fase, como escreveu o autor “as baixas notadas nos censos populacionais têm a sua causa principal na emigração” (Carreira, 1967:90). Segundo Hochet (1987), as causas para a migração guineense, que nes52


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ta fase caracterizava sobretudo os manjacos, baseiam-se na pressão fundiária decorrente da economia de tipo rural guineense – particularmente nas etnias do Norte – e da inexistência de outras alternativas para a obtenção de fontes de rendimento, ao qual não é alheio o contexto do país na época, que aliava um forte crescimento demográfico às pressões fiscais impostas pelo colonizador. Os apelos das autoridades coloniais para que a população – particularmente a manjaca – permanecesse no território, apesar de recorrentes (Rodrigues, 1947)1, não surtiram os efeitos esperados. Ao longo da década de 50, estimava-se em 5.000 o número de guineenses que abandonavam anualmente o território, tendo metade destes o Senegal e a Gâmbia como destino (Carreira, 1960)2. A tendência para o Senegal, devido quer à proximidade geográfica quer à afinidade cultural, manteve-se ao longo do tempo, sendo que em 1987, estimava-se em cerca de 87.000 o número de guineenses residentes neste país (Galli e Jones, 1987). Assim, comparativamente, Portugal é um destino muito mais recente do que o Senegal, que já desde o final do século XIX se afirmava também como uma plataforma giratória para a Europa, nomeadamente para França. Esta realidade é confirmada por indicações de guineenses – que tendo obtido nacionalidade senegalesa - combateram ao lado dos franceses na II Guerra Mundial, (Kerlin, 1998:9). A tendência para o Senegal tem-se mantido até hoje, bem como o destino francês, ainda que comparativamente menos numeroso e num quadro de migração de longa duração (Machado, 2002). A investigação desenvolvida por este autor, revela que cerca de 25% dos inquiridos vivera noutro país estrangeiro para além de Portugal. Destes, metade vivera já no vizinho Senegal, mas mesmo assim 2/3 dos inquiridos afirmaram ter familiares emigrados noutros países europeus. (Machado, 2002:83), dos quais a 1 Rodrigues, Sarmento (1949), No Governo da Guiné: Discursos e Afirmações, Agência Geral das Colónias, Lisboa, citado em Crowley (1993:106). 2 Carreira, António (1960), População Autóctone segundo os recenseamentos para fins fiscais, Boletim Cultural da Guiné-Portuguesa, vol.I, nº4, 707-712, citado em Crowley, 1993: 106. 53


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França emerge como o mais significativo (com 49,7% das referências a familiares no estrangeiro). A presente investigação confirmará, como se verá adiante, algumas destas tendências. Verifica-se que, embora a comunidade manjaca tenha uma reconhecida tradição de migração, hoje em dia a migração guineense envolve toda a população – ainda que com menos ênfase no Sul e no Arquipélago dos Bijagós – e às causas anteriores acrescentam-se a incapacidade de expansão do comércio agrícola, a inexistência de um fluxo de bens de produção e de consumo, a incapacidade do Estado em assegurar o mínimo de serviços básicos e a instabilidade política, com destaque para o conflito de 1998, para referir apenas os mais evidentes. Portugal é actualmente um destino privilegiado no contexto europeu, mas este fluxo só se começou a materializar a partir da Independência. Até então, o número de guineenses em Portugal era praticamente inexistente, mas o novo contexto político em Portugal, aliado à incapacidade do Estado guineense em resolver os problemas severos com que a Guiné-Bissau se debatia, alimentaram a génese de fluxos migratórios com destino a Portugal. Segundo Machado (2002), a migração guineense para Portugal foi concretizada em dois tempos diferenciados. O primeiro momento, situado entre a segunda metade da década de 70 e o início de 80, compreende indivíduos com uma escolaridade acima da média e com uma distribuição relativamente paritária em termos de género. O censo de 1981 identifica cerca de 4500 referentes à Guiné-Bissau, distinguindo entre os 3356 indivíduos que nascidos em território guineenses obtiveram nacionalidade portuguesa e os 1126 de nacionalidade guineense (Machado, 2002:8485). Este primeiro contingente, que Machado (2002), denominou de luso-guineenses, primava por uma certa homogeneidade em termos de estrato sócio-cultural e de origem, predominantemente urbana, distinguindo-se significativamente do movimento que se segue. 54


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O segundo tempo da migração guineense, cujo início Machado (2002) situa no ano de 1985, surge na sequência do agudizar da crise económica da Guiné-Bissau, e é muito mais heterogéneo e numeroso do que o movimento anterior. Este novo contingente, que Machado (2002) denominou de imigrantes é, em parte, constituído por populações urbanas, educadas e assalariadas, cujas condições de vida se degradaram profundamente na sequência do Plano de Ajustamento Estrutural, de 1987. Uma outra parte é constituída por imigrantes de origem rural, igualmente afectados pelos problemas de sub-desenvolvimento da Guiné-Bissau, mas pouco escolarizados e cuja passagem por Bissau serviu sobretudo como trampolim para a migração internacional. Naturalmente, estes dois tipos de imigrantes assumiram percursos diferenciados na sociedade portuguesa, sendo os primeiros integrados em profissões tendencialmente qualificadas e os segundos maioritariamente absorvidos pelo mercado de trabalho em crescimento na área da construção civil do Portugal da década de 80 (Machado, 2002). A motivação predominantemente laboral é confirmada pelo perfil destes migrantes: jovens entre os 20 e os 39 anos, do sexo masculino e sozinhos, em cerca de 80%dos casos (Machado, 2002:92). A percentagem de guineenses que nesta fase, entrou no território ou acabou por cair em situação irregular é comprovada pelo aumento do seu número na sequência das regularizações extraordinárias de 1992 e 1996 (Machado, 2002:88). A mesma questão também será validada a partir dos dados obtidos nesta investigação. Não existe paralelo entre a relação populacional das etnias guineenses na origem e no destino. Em Portugal, os imigrantes manjacos e mancanhas representam cerca de 22% dos contingentes, sendo esta a mesma percentagem de fulas e mandingas juntos. Os manjacos e mancanhas enquadram-se numa tradição migratória antiga para o Senegal e para a França, como já verificado, e que explica a sua sobre-representação nos contingentes de imigrantes em Portugal. Os papéis assumem o terceiro

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lugar nesta tabela. A expressividade de papéis na diáspora comparativamente ao seu baixo número no contingente global da população guineense é explicado pela sua concentração privilegiada na capital, Bissau (zona papel ou pepel). A menor discrepância encontrada é entre as etnias predominantemente muçulmanas, que têm idêntica representatividade tanto na origem como no destino, devido à sua tradição de comerciantes (Machado, 2002). As especificidades étnicas justificam também uma certa concentração espacial, que aliada ao tipo de trabalho que o migrante desempenha, bem como à situação de ilegalidade que caracterizou a primeira fase da sua estadia, explicam os dados avançados por Machado (2002), relativamente às condições de habitação. Não deixa de ser relevante notar que a partilha de alojamento em casa de tipo abarracada é comum entre mancanhas e manjacos e muçulmanos, e praticamente inexistente entre os indivíduos para quem a pertença étnica não constitui uma referência identitária. Novamente, as explicações avançadas (Machado, 2002) revertem para as especificidades destas etnias neste domínio de análise. Nota o autor que “manjacos e mancanhas, por um lado, e muçulmanos, por outro, distinguem-se dos restantes migrantes por estratégias mais evidentes de acumulação e parcimónia nos gastos, bem como no envio mais frequente de dinheiro para o país de origem, o que permite compreender a opção por tipos de alojamento mais baratos, ainda que degradados” (Machado, 2002:145). Por outro lado, a lógica de co-habitação corrobora também a importância das redes sociais no percurso dos imigrantes guineenses em Portugal. Relata Machado (2002), que 90% dos inquiridos referiram ter pessoas conhecidas em Portugal à sua chegada e cerca de 80% indicaram ter conhecimento de familiares ou amigos vindos depois deles. No entanto, tal não significa que esses conhecimentos sejam sinónimo da existência de redes de acolhimento, o que não invalida que estas se tenham certamente desenvolvido tendo em conta o aumento signi56


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ficativo do volume dos contingentes a partir da década de 80 e a sua forte concentração geográfica, quer na origem (80% vinha de Bissau), quer no destino (72% na AML). Esta compressão espaço-tempo “facilita muitíssimo a formação de redes de inter-conhecimento e relacionamento social, as quais estão, ao fim de poucos anos, perfeitamente aptas a fornecer aos recém-chegados o apoio de que necessitam para a primeira inserção, nomeadamente em termos de alojamento transitório e de encaminhamento para o trabalho na construção civil” (Machado, 2002:98). Assim, mesmo quando não transpostas directamente de Bissau para Lisboa, as redes de sociabilidade são rápida e facilmente reconstituídas (Machado, 2002:223). A investigação realizada por Quintino destacou também a importância das redes sociais na migração guineense. A autora afirma a importância das estratégias de transespacialidade e transetnicidade para os guineenses na construção do espaço comunitário, através das fronteiras: “o movimento de extensionalidade deste espaço simbólico atravessa as fronteiras nacionais, congregando os guineenses que se organizam em comunidades noutros países da União Europeia. Neste nível, o espaço simbólico constrói-se com base num sistema de trocas e num fluxo pendular de guineenses assente na regra da hospitalidade de parentes, amigos e vizinhos” (2004:240). A origem comum na Guiné-Bissau faz com esta pertença constitua a “matriz aglutinadora” das comunidades no exterior, alicerçada pela partilha de comportamentos, práticas, instituições socioculturais e símbolos (Quintino, 2004:240). Apesar das suas especificidades, a migração guineense deve ser entendida, como notou Machado (2002), num quadro mais vasto, que caracteriza de forma geral a migração africana contemporânea para a Europa e que tem sido designado de “sistema migratório oeste-africano” (Machado, 2002: 82). Como resultado das afinidades sociolinguísticas, do agudizar das crises económicas e políticas nos países de origem e da não menos importante necessidade dos países de acolhimento da mão57


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-de-obra que estes migrantes providenciam, a migração tem vindo a confirmar-se como a estratégia de sobrevivência de eleição para estas populações e as suas famílias. Os dados oficiais existentes nos países de destino permitem captar uma pequena parcela – de natureza quantitativa – da realidade da migração guineense actual. Em 2004, dados oficiais contavam perto de 26.000 guineenses residentes em Portugal (SEF, 2004). Se acrescentarmos a este valor o número de indivíduos que nos Censos de 2001 foram identificados como tendo nascido na Guiné-Bissau, mas que têm hoje nacionalidade portuguesa, somamos mais 5368 pessoas3 a este contingente. Obviamente que os indivíduos em situação ilegal não podem ser contabilizados, mas certamente que erraremos por defeito ao estimar o número total de guineenses actualmente em Portugal num valor acima dos 40.000 indivíduos. Menos numerosa, mas nem por isso pouco significativa, a presença de guineenses em França fora já indicada no trabalho de Vuddalamay (1989), embora o enviesamento introduzido pela passagem pelo Senegal torne complexa a sua real quantificação. Em 2006, o número de senegaleses em França era de pouco mais de 70.000, estando o número de guineenses no conjunto de nacionalidades cujo contingente é inferior a 4.0004. Não foi no entanto possível obter dados para os contingentes de guineenses no Senegal, e assim sendo, o trabalho de Galli, já com 22 anos de idade, continua a ser referência considerada para esta migração. A presença de guineenses noutros destinos europeus como a Holanda e a Espanha fora notada há mais de uma década atrás (Robin, 1994; Chrissantaki e Kuiper, 1994)5. No entanto, embora as estatísticas ofi3 Dados constantes no Instituto nacional de Estatística de Portugal, em www. ine.pt/prodserv/quadros/quadro.asp, quadro 13 (6.08) “População Portuguesa residente nascida no estrangeiro, segundo o grupo etário por países de naturalidade e sexo”. 4 Institute National de la Statistique et des Études Économique (www.insee.fr) 5 Citados em Machado, 2002 58


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ciais contem só 305 guineenses na Holanda6 em 2005, no mesmo ano esse valor ascendia aos 4490 em Espanha7, tornando este destino europeu o segundo mais apetecido pelos guineenses, suplantando a França8 e ficando logo atrás de Portugal. Este contingente surpreendentemente significativo no contexto espanhol confirma o que Machado referira logo em 2002, ao notar que “alguns dos que deixam a Guiné-Bissau terão à partida um horizonte de emigração mais amplo”. A presente investigação contribui também para precisar a distribuição espacial dos guineenses no mundo, como se verá no capítulo VII. A importância de caracterizar as causas da migração guineense e de identificar os seus principais destinos é relevante por várias razões. Desde logo, porque os constrangimentos que provocam a migração permitem contextualizar o percurso e o perfil dos migrantes guineenses, bem como a natureza das suas práticas transnacionais. Em segundo lugar, porque os contextos de acolhimento são determinantes para a capacidade e forma como os migrantes se relacionam com o seu país de origem. Em terceiro lugar, porque os outros destinos da migração guineense (tendo em conta a teoria das redes) são relevantes para compreender as potenciais dinâmicas de remigração e de migração circular da diáspora guineense em Portugal, como os capítulos seguintes irão demonstrar.

6 Dados constantes no Statline da Holanda (http://statline.cbs.nl/StatWeb/ table.asp?PA=37325eng&D1=0&D2=65,85,86,94, 151&D3=0&D4=0&D5=0&D6=(l11)-l&DM=SLEN&LA=en&TT=2 7 Dados constantes no Instituto Nacional de Estadística de Espanha (http:// www.ine.es/inebase/cgi/axi) 8 De notar que nos cingimos às estatísticas oficiais. 59


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6. As dinâmicas e os impactos do transnacionalismo migrante dos guineenses residentes em Portugal Os resultados obtidos no decurso desta investigação são apresentados entrecruzando o tratamento estatístico dos dados quantitativos obtidos através dos inquéritos com a informação qualitativa recolhida através das respostas abertas, das entrevistas semi-dirigidas e das histórias de vida. Sempre que relevante, esses resultados são contextualizados e problematizados de forma a fundamentar adequadamente as conclusões apresentadas. Divide-se este capítulo em duas partes, os dados recolhidos em Portugal e os dados recolhidos na Guiné-Bissau.

6.1. Os resultados obtidos em Portugal Em Portugal foram realizadas 77 inquéritos e 8 entrevistas a informantes privilegiados, nomeadamente Associações de Migrantes. Foram ainda recolhidos dados junto do SEF, IPAD, ACIDI e da Embaixada da Guiné-Bissau em Portugal. A recolha de informação teve lugar em Lisboa, Santo António dos Cavaleiros, Loures, Sacavém e Quinta do Mocho, tendo a recolha sido efectuada entre Abril de 2008 e Março de 2009. Relacionando os inquiridos por género e faixa etária, a representação gráfica obtida é a seguinte:

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Gráfico 1 Percentagem de inquiridos por género e faixa etária

Mantendo-se o padrão verificado por Machado (2002), a migração guineense é predominantemente masculina e jovem, confirmando-se a sua

orientação de tipo laboral fora de enquadramento familiar directo, sendo que apenas 38% dos inquiridos afirmaram viver com as respectivas esposas ou maridos. Analisando o ano de chegada relativamente à situação legal dos indivíduos, o resultado obtido é o seguinte: Gráfico 2 Caracterização dos inquiridos por ano de chegada a Portugal e situação legal

Verifica-se que no universo dos inquiridos há uma tendência para o aumento do número de chegadas ao longo do tempo (com excepção do

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período compreendido entre 1974 e 1980), com um pico repentino em 1998, como consequência da situação de conflito político-militar que a Guiné-Bissau atravessou nessa fase. È interessante notar a inversão da tendência de crescimento a partir do período 2001-2004, o que reflecte o aumento das restrições à entrada de estrangeiros no território europeu, bem como consequência da diminuição do crescimento económico de Portugal, que o torna um destino menos interessante quando comparado com outros (e não uma diminuição da pressão migratória guineense, como se verá adiante). Importa ainda destacar a situação legal dos inquiridos, com a ausência de indivíduos em situação irregular antes de 1998, e com um aumento significativo de indivíduos em situação irregular tanto mais elevado quanto recente è a respectiva entrada no país (que ronda os 50% para os que entraram no território depois de 2005). Estes dados são reveladores do impacto das campanhas de regularização extraordinária realizadas pelo Estado português (1994, 1996 e 2001), uma vez que cerca de 38% dos inquiridos actualmente em situação regular, entraram ou viveram em situação irregular. Confirma também que persistem as situações de entrada e/ou permanência irregular no território nacional, apesar das políticas de migração crescentemente restritivas. Quanto à caracterização dos inquiridos por expressão étnica, os resultados são os seguintes:

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Gráfico 3 Caracterização dos inquiridos por expressão étnica

Verifica-se a persistência da dinâmica migratória nas etnias pepel e manjaco, à semelhança do já verificado por Machado (2002), mas no

quadro de uma diversificação mais acentuada, em que as etnias sem tradição migratória (como os balantas) assumem uma maior expressão. Ainda que pouco significativos nesta amostra, é relevante destacar a presença de Bijagós, Cristões de Geba e Saraculés. A migração como estratégia de vida generalizada dos guineenses é confirmada pela sua transversalidade crescente aos diferentes grupos étnicos, e não exclusivamente para aqueles que possuem essa tradição (como os manjacos) ou aqueles cujo estrato sócio-profissional mais elevado lhes dava o acesso aos recursos e estilo de vida necessários para ambicionar por melhores oportunidades (como os pepel ou papel). Também os grupos étnicos islamizados que possuem uma forte tradição na área do comércio, como os fulas e os mandingas, e que já tinham o hábito de migrar na região devido às trocas comerciais, assumem agora um papel preponderante no conjunto dos inquiridos, somando no seu conjunto 14% da amostra. São todavia valores inferiores aos obtidos por Machado (2002), o que pode significar uma diminuição da pressão migratória por parte destes grupos, uma diversificação dos seus destinos migratórios ou uma simples perda de representatividade num contexto de crescente diversificação dos grupos étnicos representados.

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Relativamente à ocupação socioprofissional dos inquiridos, foram obtidos os seguintes resultados: Gráfico 4 Caracterização dos inquiridos nível académico e ocupação socioprofissional

Verifica-se que a maioria dos inquiridos desenvolve a sua actividade profissional na área dos serviços (empregados de limpeza, de restau-

ração ou de caixa) e da construção civil. Frequentemente, a ocupação profissional desempenhada em Portugal constitui um down-grade relativamente aquela previamente desempenhada na Guiné-Bissau, sendo também significativo o número de inquiridos com habilitação superior que não se encontra inserido no nível laboral adequado à sua escolaridade. Estes dados confirmam a tendência da generalidade dos migrantes guineenses para ocuparem postos de trabalho pouco qualificados, mesmo quando as suas habilitações e/ou experiência profissional seriam adequadas para trabalhos mais especializados, o que poderá reflectir a persistência de mecanismos de discriminação no acesso ao mercado de trabalho na sociedade portuguesa, mas também uma reflexo da contracção generalizada da dinâmica económica, que afecta particularmente os jovens licenciados e as profissões menos qualificados, sendo em tudo idêntica à vivida pela população autóctone de acolhimento. 65


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É interessante ainda destacar a baixa representatividade de ocupações profissionais ligadas à iniciativa privada, que neste caso rondam os 13% e que foram localizadas principalmente nas etnias muçulmanas. Os níveis aparentemente baixos de iniciativa empresarial são explicados pela dificuldade de acesso ao crédito das populações migrantes, a quem frequentemente faltam os meios e as informações necessários, bem como pelos procedimentos administrativos e financeiros inerentes à criação de um negócio em Portugal. Por outro lado, as iniciativas empresariais identificadas caracterizam-se pela sua pequena dimensão e pela sua inserção em circuitos comerciais informais, como se verá detalhadamente no sub-capítulo referente às práticas transnacionais de tipo económico.

6.2. Pistas de transnacionalismo sócio-cultural As questões reunidas dentro deste tópico pretendem identificar práticas transnacionais, de maior ou menor regularidade que se enquadrem dentro do chamado transnacionalismo sociocultural. O transnacionalismo de natureza socialcultural compreende segundo Portes (et al, 1999:221) actividades “oriented towards the reinforcement of a national identity abroad or the collective enjoyment of cultural events and goods”. Uma outra definição do conceito foi proposta por Itzigsohn (2002:768) “sociocultural transnationalism refers to those transnational linkages that involve the recreation of a sense of community that encompasses migrants and people in the places of origin”. Este autor considera que as actividades relativas ao transnacionalismo sócio-cultural implicam um certo grau de institucionalização – como fazer parte de uma associação de migrantes -, de movimento (viagens entre cá e lá), ou de empenho para com um projecto comunitário que ultrapassa o espectro mais imediato da família e dos amigos, como dar dinheiro para as actividades da associação de migrantes. Como elemento de diferenciação relativamente a outros tipos de prática transnacio66


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nal, o mesmo autor considera que “sociocultural transnationalism refers to social practices that are more affective oriented and less instrumental than political or economical transnationalism” (Itzigsohn, 2002:768). Uma das expressões de transnacionalismo sociocultural que reflecte a ligação do migrante com o respectivo país é a frequência dos contactos com a família na origem. Relativamente ao conjunto dos inquiridos, foram obtidos os seguintes resultados:

Gráfico 5 Frequência de contactos com a família no país de origem

Mais de 98% dos inquiridos afirma possuir família próxima na Guiné-Bissau, com os quais apenas 3% afirma não manter qualquer tipo de contacto. Dos que mantêm, 100% fazem-no através do telefone, com uma pequena percentagem (3%) complementando este meio de comunicação com a Internet. A frequência do contacto é elevada (perto dos 70%) semanalmente, sendo menos relevante em termos mensais e quotidianos. Quando questionados sobre a razão dos contactos, mais de 92% dos inquiridos referiu “acompanhamento do quotidiano”, o que

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indicia a relação de proximidade mantida pelos migrantes com as sua famílias, mesmo quando as viagens não são frequentes como se poderá verificar no gráfico seguinte.

Gráfico 6 Frequência das viagens à Guiné-Bissau relativamente ao ano de chegada

Não surpreendentemente, verifica-se que a frequência das viagens ao país de origem é tanto menor quanto menor é o tempo de estada do inquirido em Portugal. A situação legal dos inquiridos com um tempo de estada menor é irregular em 50% dos casos, o que naturalmente limita a sua mobilidade, uma vez que o risco da impossibilidade de regressar a Portugal é muitíssimo elevado nessas circunstâncias. No entanto, mesmo para aqueles que já se encontram em Portugal há mais de 10 ou 20 anos, as viagens à Guiné-Bissau não são muito frequentes. Por exemplo, entre os inquiridos que chegaram entre 1981 e 1985, cerca de 50% visitaram o seu país apenas uma vez e os restantes nunca o fizeram. Um padrão idêntico verifica-se para aqueles que chegaram nos anos seguintes, em que 40% a 50% dos inquiridos também nunca “tiveram oportunidade” de realizar uma viagem à Guiné-Bissau. O custo 68


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elevado das viagens é o argumento mais referido para justificar a baixa frequência das viagens, tão mais relevante tendo em conta o nível socioeconómico da maioria dos inquiridos e as estratégias de parcimónia de gastos que caracterizam uma boa parte desta comunidade, como já referido (Machado, 2002). A excepção verifica-se para aqueles que viajam devido a negócios ou cujo estrato socioprofissional torna possível viagens mais frequentes. Uma tendência recorrente mencionada por vários inquiridos é a acumulação do tempo de férias anual, por exemplo ao longo de 3 ou 5 anos, sendo o investimento da viagem recompensado pelo tempo mais prolongado da estadia na Guiné-Bissau. Embora a frequência das visitas e de contactos seja generalizadamente aceite como indiciadora de práticas de transnacionalismo sociocultural, verifica-se que no caso da comunidade guineense não existe uma relação directa entre os dois. Verificaram-se outras expressões de transnacionalismo sociocultural mais sofisticadas, nomeadamente a pertença associativa, quer a que se orienta para a reprodução das práticas socioculturais do país de origem no de destino, quer a que se orienta para a prática de actividades culturais ou de natureza filantrópica no país de origem. Cerca de 44% dos inquiridos afirmou pertencer a uma associação de migrantes. Quando questionados sobre a última actividade promovida por uma associação de migrantes em que tivessem participado, cerca de 42% dos inquiridos referiu uma actividade de natureza cultural, contra 26% que referiu uma actividade de natureza cidadã. Relativamente ao apoio na integração, os inquiridos enfatizam a importância da reprodução dos laços sociais, dizendo que “aqui, as pessoas perdem a noção de conjunto, e o associativismo dá a noção de laços familiares e sociais” (inquirido nº1); que a associação “junta as pessoas que de outra forma não estariam unidas” (inquirido nº24); ou ainda que “servem de elo entre os Estados, dão voz às preocupações e são um apoio na integração” (inquirido nº47). 69


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Para além destes, há também os inquiridos que enfatizam o papel das associações de migrantes no apoio ao país de origem, referindo que “não podem substituir o Estado, mas minimizam o mal das pessoas, é importante para a integração dos que emigram, como para o desenvolvimento da Guiné-Bissau” (inquirido nº 14). Para fins analíticos, as associações de migrantes guineenses consideradas neste estudo foram divididas em 4 grupos:

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Associações de referência socioprofissional, na qual se inclui a AEGBL (Associação dos Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa) e onde se poderiam referir outras que não foram mencionadas pelos inquiridos, como a Associação dos Quadros e Estudantes na Diáspora – Bolanha ou o Guineaspora

Associações de âmbito nacional guineense, sendo aqui consideradas as associações guineenses com uma vocação alargada, como a Casa da Guiné, a Aguinenso, Associação Guineense pela Paz e Democracia ou a Associação dos Filhos e Amigos da Guiné-Bissau

Associações “outras”: pela sua pouca expressão nos resultados deste estudo foram aqui consideradas as associações de inspiração religiosa, como a Associação dos Muçulmanos Guineenses Residentes no Conselho de Sintra e as Associações não especificamente guineenses, como a SOS Racismo, a Solidariedade Imigrante e a Olho Vivo

Associações da Terra Natal (ATN), são associações que agrupam migrantes oriundos de uma mesma localidade na Guiné-Bissau, e que possuem uma vocação dupla, uma parte orientada para o apoio à comunidade no país de acolhimento, outra parte dedicada à realização de actividades filantrópicas no país de origem.


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O gráfico seguinte permite visualizar a pertença associativa dos inquiridos segundo esta tipologia relativamente à sua expressão étnica:

Gráfico 7 Pertença associativa relativamente ao grupo étnico

Verifica-se que a pertença associativa à Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa (AEGBL) é transversal a todos os grupos étnicos, sendo comum a todos os inquiridos na situação de estudante. Todavia, e tal como estudos precedentes revelaram (Machado, 2002; Carreiro, 2007), há uma relação entre a referência étnica dos inquiridos e a pertença a um tipo específico de associação de migrantes, as ATN. Metade dos que se auto-referenciaram como manjacos e um quarto dos que se identificaram como mancanhas pertencem a Associações de Terra Natal. Os restantes grupos étnicos distribuem-se pelos outros tipos de associações, constatando-se que para aqueles que não se referenciam em relação a nenhum grupo étnico (SR), não existe pertença a Associações de Terra Natal, mas sim a associações de âmbito nacional. A pertença global a associações de tipo “outro”, onde se incluem aquelas mais vocacionadas para a defesa dos direitos dos migrantes, é pouco 71


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expressivo, o que sugere uma baixa participação cidadã da comunidade guineense na sociedade portuguesa. No que diz respeito a pistas de transnacionalismo sociocultural, a pertença a Associações de Terra Natal é a que fornece elementos mais interessantes tendo em conta o número de guineenses envolvidos neste tipo de associação e o seu impacto potencial no desenvolvimento das comunidades onde intervêm. Por esta razão, foi realizada uma pequena caracterização deste tipo de associações em Portugal, sendo apresentados alguns exemplos da maneira como funcionam e do tipo de actividades que desenvolvem.

As Associações de Terra Natal (ATN) As ATN são um tipo específico de Associação de Migrantes, que Alarcón (2000:3), definiu como “organizations formed by migrants from the same locality with the purpose of transferring money and other resources to their communities of origin”. A especificidade das ATN relativamente às associações de migrantes tradicionais advém do facto de apoiarem o desenvolvimento das respectivas comunidades de origem, como afirma Orozco (2004:1): “Hometown Associations (HTAs)1 seek to promote social change, particularly for the benefit of vulnerable populations, such as children and the elderly. They do this by financially supporting critical sectors, such as health and education in their communities of origin. In this way, the migrant members of HTAs strengthen their relationship to the development of their country of origin”. No entanto, o facto de as ATN dedicarem a maioria do seu tempo e recursos no apoio a projectos nas comunidades de origem não é incompatível com a prossecução de objectivos ao nível da integração dos seus membros nas comunidades de acolhimento. Para além do mais, como nota Sassen, este tipo de associação reforça as ligações entre países de origem e destino, notando que “Hometown associations are directly concerned with the socio-economic 1 Associações de Terra Natal (tradução da autora) 72


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development in its communities of origin and increasingly engage both governmental and civic entities in sending and receiving countries in these projects” (2002:226) No que diz respeito à lógica das doações, Orozco (2004:12) indica que as Associações de Terra Natal têm uma base económica muito restrita, uma vez que dependem quase exclusivamente das contribuições financeiras dos seus membros. Nota ainda que quer o trabalho realizado na sociedade de acolhimento quer as actividades desenvolvidas nas comunidades de origem são muitas vezes realizados com recurso a voluntários, o que lhes permite baixar os seus custos. A investigação de Leiken (2000:16) revelou que “generally, HTAs are non-sectarian, voluntary organisations that depend entirely on donations”. A análise do impacto que estas associações têm nas respectivas comunidades de origem já foi analisada por diversos autores (Orozco, 2004; Lacroix, 2005; De Haas, 2006; Carreiro, 2007), confirmando-se que a sua importância é significativa para o bem-estar dessas populações, como destacaram também Portes e Landolt: “Towns with a hometown association have paved-roads, electricity, and freshly painted public buildings; the quality of life in transnational towns is simply better” (2000:543). No caso da Guiné-Bissau, investigações já realizadas (Carreiro, 2007), revelaram a existência de 51 Associações de Migrantes guineenses em Portugal, das quais 68% são consideradas como Associações da Terra Natal. Deste sub-conjunto, 74% das associações são relativas a aldeias localizadas na região de Cacheu, não surpreendentemente tendo em conta que tanto a presente investigação como a de Machado (2002), referenciam os migrantes de etnia manjaca como um dos grupos mais numerosos em Portugal, bem como aquele onde este tipo de dinâmica associativa é mais intenso. È também interessante notar que as relações das Associações de Terra Natal com os seus Estados de origem estão longe de ser isentas de conflitualidade e são frequentemente estruturadas por disputas pelo poder.

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Da perspectiva da Associação de Terra Natal são possíveis dois tipos de estratégia. Uma assenta num maior afastamento entre a Associação e o poder do Estado de forma a resguardar a sua legitimidade como expressão associativa e a sua isenção, e, consequentemente, possibilitar uma maior capacidade reivindicativa. Uma outra estratégia defende a aproximação entre o Estado e a Associação, sob o argumento de que uma relação cordial entre ambos leva a que as necessidades das comunidades sejam mais facilmente satisfeitas (Alarcón, 2000: 10). As evidências apontam para um crescente reconhecimento do papel desempenhado pelas Associações de Terra Natal pelo Estado, pois o trabalho que desenvolvem tem tanto de significado simbólico como de efeitos práticos, contribuindo para o desenvolvimento económico e social local, como refere Guarnizo (2003: 677). Ou seja, a relevância social do trabalho deste tipo de Associação tornou-as “impossíveis de não serem vistas”. Mas não é só. O seu poder financeiro e influência leva também a que tenham impactos políticos porque “they influence home local and regional governments by determining which public projects receive migrants financial support and which do not” (Guarnizo, 2003: 677). De tal forma que alguns autores consideram mesmo as Associações de Terra Natal como “parallel power structures” na medida em que estão “forcing the state to engage them in new ways, wether in kind or degree” (Smith, 1998:227-8). Esta tendência verifica-se igualmente na Guiné-Bissau, como referiu um dos entrevistados “o Estado procura cada vez mais ligar-se às Associações porque elas têm mais credibilidade e ajudam mais do que o próprio Governo” (inquirido nº11). Qualquer que seja a perspectiva, mais de 73% dos inquiridos nesta amostra acredita que as associações de migrantes são importantes, particularmente ao nível do apoio que disponibilizam na integração dos emigrantes nas sociedades de acolhimento. Mas uma percentagem significativa (40%) refere também as associações como actores relevantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, notando que “ajudam muito, essas que constroem hospitais, escolas” (inquirido nº 8), mas também porque “podem 74


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denunciar as coisas que estão mal feitas, podem servir de elo de ligação mesmo que não seja economicamente e dar apoio moral aos que estão lá, para que não se sintam sozinhos com as dificuldades” (Inquérito nº47). No entanto, não são isentas de crítica. Mahler (1998) e Goldring (2001) fizeram notar que este tipo de associações promove projectos não só com o objectivo de beneficiar a comunidade mas também de adquirir mais poder social, sendo ainda passíveis de manipulação e exploração por parte dos governos. Notam ainda que tendem a reforçar as relações de hierarquia já existentes na comunidade, sendo frequente a exclusão das mulheres. Não deixa portanto de ser revelador que, da amostra em causa na presente investigação, nenhuma das inquiridas pertença a uma Associação de Terra Natal, embora cerca de 20% das mulheres da amostra refira pertença associativa. Globalmente, as maiores críticas às Associações de Migrantes guineenses incidem sobre a sua promiscuidade com a política guineense e com a dificuldade em se organizarem em torno de objectivos comuns, como referiu o inquirido nº 24: “As Associações de Migrantes guineenses prejudicam o seu próprio potencial porque não conseguem trabalhar juntas e perdem-se em batalhas pelo protagonismo”. Por último, a lógica das suas intervenções também é questionada, referindo-se que “têm tido dificuldade em evoluir da perspectiva assistencialista do início para um verdadeiro desenvolvimento” (inquirido nº 51). Apresentam-se em seguida dois exemplos de Associações de Terra Natal guineenses em Portugal, que revelam em traços gerais as principais características das organizações deste tipo.

Exemplo 1 A Associação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal – AFICAP

A AFICAP foi criada em 1983, com o objectivo de apoiar os seus mem-

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bros – guineenses oriundos da tabanca2 de Calequisse na região de Cacheu - em caso de doença ou desemprego e para custear a transladação dos sócios em caso de falecimento em Portugal. A primeira sede da Associação foi no Monte de Caparica, tendo em seguida mudado para Casal de Cambra. A Associação definiu como atribuições nos seus estatutos “participar no desenvolvimento sócio económico e cultural do Sector de Calequisse (…), apoiar as populações do referido sector, em conjunto com outras associações da mesma natureza e fins”.3 Desde logo foi constituído um fundo a partir das contribuições dos associados para suportar financeiramente estas actividades. Em 1987, o fundo foi utilizado para comparticipar as despesas médicas da cirurgia de um sócio e na mesma fase para suportar as exéquias de uma sócia. Até ao final da década de 90, as actividades da associação visavam sobretudo o apoio legal aos seus membros, tendo sido realizadas algumas sessões de esclarecimento sobre o sistema de segurança social, reagrupamento familiar e processos de legalização. A manutenção da cultura guineense também constitui uma prioridade para a Associação, pelo que procuram organizar também festas com música e comida tradicionais. Em 2000, a Associação foi formalmente constituída e pouco depois recebia o reconhecimento formal do ACIDI. As actividades dirigidas à aldeia de origem iniciaram-se em 1994, com a construção de uma escola secundária em Calequisse. Embora possua uma escola primária, em Calequisse não existe continuidade ao nível do ensino pelo que as crianças que terminam a quarta classe são forçadas a seguir para Bissau para poderem continuar a estudar. Esta é uma possibilidade fora do alcance da maioria das famílias de Calequisse, porque o encargo de manter um filho a estudar longe de casa é significativo, tendo em conta o nível de vida médio da comunidade. Como consequência, a maioria das crianças de Calequisse não podia prosseguir os 2 Tabanca é um aglomerado populacional mais comum em meio rural; será equivalente à aldeia em Portugal 3 Fonte: Estatutos da AFICAP. 76


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seus estudos, ou, na melhor das hipóteses, eram forçadas a separar-se da sua família para poderem continuar a estudar. Face a esta situação, entre 1994 e 2000, a AFICAP, juntamente com as suas congéneres francesa e senegalesa, dedicou os seus recursos à construção de um liceu em Calequisse, que serve todo o sector. Seguiu-se a recuperação do Centro de Saúde local. Este projecto foi também desenvolvido com as Associações congéneres em França e Senegal e contou com o apoio da Igreja e da Associação de jovens local. Terminada a recuperação do edifício, a Associação planeia promover cursos de formação profissional para técnicos de saúde, dirigidos às pessoas de Calequisse, uma vez que o maior obstáculo ao funcionamento das infra-estruturas construídas é a carência de recursos humanos qualificados. Em 2006, a Associação encontrava-se a promover uma recolha de livros para enviar para a biblioteca que estavam a montar em Calequisse. Fizeram diligências junto das instituições em Portugal e conseguiram um donativo de 135 livros do Instituto Camões. Pretendiam também desenvolver um clube desportivo em Calequisse, providenciar cursos de informática para os jovens da localidade e instituir o prémio do “Melhor Aluno”. Simultaneamente procuram dar continuidade à construção da 2ª fase do Centro de Saúde de Calequisse, mas não descuram as suas actividades em Portugal. Em 2007, a associação obteve um financiamento junto do ACIDI para a realização de uma conferência para celebrar o Dia da Guiné-Bissau e a organização de um curso de informática para os jovens da Associação.

Exemplo 2 Associação Baboque em Portugal Baboque é o nome de um dos regulados existentes na região de Cacheu, 77


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na Guiné-Bissau, também conhecido como regulado da Costa de Baixo (Carvalho, 1998). Como qualquer um dos regulados da região, é constituído por um certo número de tabancas. Baboque, embora seja denominada de associação, quer estatutariamente quer pelos seus membros, é na prática uma federação de associações de migrantes que têm em comum o facto de serem constituídas por elementos oriundos desse regulado. As associações que constituem a Associação Baboque são as seguintes: Balolé – Associação dos Filhos e de Bajope e Capol residentes em Portugal; Associação dos Naturais de Cabienque residentes em Portugal; Associação Amigável Babanda Ucunho Bucul; Associação dos Naturais de Chulame; Associação dos Filhos e Amigos de Utiacor residentes em Portugal; Associação dos Filhos de Canobe; Associação dos Naturais de Petabe; Associação dos Naturais de Cachobar; Associação dos Naturais de Beniche; Associação dos Naturais de Pepal; Associação dos Naturais de Bucucute – Caroncã e Associação dos Naturais de Bará. As doze associações agregaram-se em torno da vontade partilhada de agirem conjuntamente em prol do desenvolvimento do regulado de Baboque. Todas elas têm percursos idênticos, com pequenas diferenças no número de membros ou no ano de criação. Nenhuma se encontra reconhecida pelo ACIDI, e das doze, só as duas primeiras (Balolé e Cabienque) se encontram formalmente constituídas como associação. Este aspecto não é impeditivo para o desenvolvimento das actividades das associações nas comunidades de origem, como refere o Presidente da Associação: “não é que não haja preocupação, mas as associações nunca deixaram de funcionar nem de fazer o que tinha que ser feito por não estarem legalizadas”4. No entanto, a Associação Baboque em Portugal encontra-se, ela própria, formalmente constituída, tendo definido como objecto social o seguinte: “A Associação tem por objecto promover acções sócio-culturais, sanitá4 Manuel da Costa Mendes, Presidente da Associação Baboque em Portugal, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006. 78


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rias, educativas, reagrupar os naturais e amigos de Baboque residentes em Portugal em prol do incremento de laços de amizade, defesa dos interesses dos seus sócios, no plano da saúde, educação, tanto no país de origem como no estrangeiro, e adaptação dos sócios à sociedade do país de acolhimento (Portugal) e também fortalecer relações com outras instituições, associações guineenses e estrangeiras residentes em diversos países do mundo”5. Todas as Associações que integram a Associação Baboque possuem um fundo, constituído a partir das quotas dos associados. Esse fundo foi utilizado como suporte social para os membros das associações nos primeiros tempos das suas estadias. À semelhança de outras ATN, também as associações que constituem a Baboque começaram a direccionar as suas actividades para a comunidade de origem, à medida que as condições de vida dos seus membros melhoravam e a disponibilidade das associações para outras actividades aumentava, consequentemente. No seguimento das várias intervenções que as associações pertencentes à Baboque foram realizando – na medida das suas possibilidades, e regra geral, em parceria com congéneres francesas, espanholas e/ou senegalesas – foi crescendo nelas a noção de que as suas intervenções eram fragmentadas e parcelares e que poderiam ter maior impacto e capacidade de intervenção se articulassem esforços entre si. Esta constatação conduziu à constituição da Associação Baboque. Paralelamente, o mesmo processo decorria, mais ou menos nos mesmos moldes, em França, onde também foi constituída uma Associação Baboque. Em 2002 iniciou-se o processo de reconhecimento e angariação dos membros potenciais. Em 2003, dava-se a primeira Assembleia Geral. A Associação Baboque em França reúne 24 Associações de referência local, todas constituídas por pessoas oriundas de tabancas situadas no regulado de Baboque. Este facto é, por si só, expressivo da dimensão da comunidade guineense residente em França, um facto que as estatísticas oficiais não revelam. 5 Fonte: Estatutos da Associação Baboque em Portugal, artigo 2º. 79


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Uma vez constituída, a Associação Baboque em França iniciou um périplo junto das outras Associações Baboque já existentes – como a de Portugal e a dos Estados Unidos – e das Associações Baboque em potencial, em Espanha e em Itália. Como objectivo, a Associação Baboque em França determinou a definição de uma estratégia comum, que mobilize os recursos de todas as pessoas oriundas de uma qualquer tabanca no regulado de Baboque, estejam elas onde estiverem. Como referiu o Presidente da Associação Baboque em França, Albert Mendy, “em qualquer canto do mundo em que se encontre um filho de Baboque, vamos chamá-lo a participar e a apoiar o desenvolvimento de Baboque ”6. Paralelamente aos esforços de articulação entre si ao longo da diáspora, as Associações Baboque têm desenvolvido iniciativas isoladamente. A Associação Baboque em França encontra-se a promover um projecto que visa diminuir a especulação de preços que ocorre na região de Canchungo na época seca. È nesta altura do ano que a maioria dos migrantes manjacos, independentemente do seu local de residência, regressa à sua aldeia de origem. A chegada destes migrantes, com o seu poder de compra bastante superior ao da população local é vista pelos comerciantes como uma oportunidade para aumentarem os seus dividendos e, por isso, os preços são substancialmente aumentados. A situação é particularmente complexa porque uma boa parte das aquisições dos migrantes são animais destinados à realização dos rituais tradicionais, sendo praticamente obrigatórias. Em segundo lugar, porque os comerciantes de animais são, regra geral, fulas e mandingas, as etnias tradicionalmente criadoras de gado e comerciantes e não manjacos, o que cria algumas tensões. A Associação Baboque em França tem estado em negociações com o governo local de Cacheu, procurando promover uma legislação que controle os preços e uma garantia de monitorização da actividade dos comerciantes, especialmente na estação seca. 6 Albert Mendy, Presidente da Associação Babok em França, entrevista com a autora, Charneca do Lumiar, Lisboa, 10 de Junho de 2006.

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Por seu turno, a Associação Baboque em Portugal encontra-se a desenvolver um projecto em articulação com uma ONGD portuguesa, o CIDAC. Este projecto pretende desenvolver um quadro de referência comum para a intervenção integrada das várias associações de migrantes que constituem a Baboque entre si. O próximo projecto visa a construção de uma Escola Profissional no regulado, de forma a garantir a continuidade dos estudos dos jovens da região. No futuro, as diversas Associações Baboque pretendem mobilizar o conjunto dos seus recursos e intervir de forma concertada em Baboque, sobretudo nas áreas da saúde e da educação, que entendem como fundamentais para a promoção do desenvolvimento do regulado. Pretendem também articular-se com outras iniciativas idênticas, como a do regulado de Calequisse, que, à semelhança de Baboque, também procura organizar as diversas associações na diáspora. Nenhuma destas iniciativas, enfatizaram os Presidentes da Baboque em França e da Baboque em Portugal, invalida ou minimiza a especificidade e os interesses das associações que as constituem, e sem as quais, afinal, não existiriam.

Imagem 1 Festa de concertação das intervenções das Associações de Baboque em Portugal e França,

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Odivelas (Novembro de 2007)

As duas associações apresentadas exemplificam a orientação predominante das Associações de Terra Natal para a promoção do desenvolvimento das respectivas comunidades de origem, constituindo um elemento revelador da maturidade do transnacionalismo sociocultural protagonizado pela diáspora guineense em Portugal. À luz desta perspectiva, torna-se evidente que as lógicas e políticas de integração dos migrantes nos países de destino têm um impacto significativo no desenvolvimento do país de origem. De facto, só quando a situação legal e financeira dos migrantes se estabiliza, a Associação tem a disponibilidade e os meios necessários para dar prioridade às actividades realizadas no país de origem. Constata-se o significativo nível de influência recíproca existente entre as condições do país de acolhimento e as do país de origem sobre a diáspora. As associações são efectivamente condicionadas quer pelo quadro legal e político da sociedade de acolhimento, quer pela conjuntura económica, quer ainda pelos constrangimentos e oportunidades vividos pela própria comunidade migrante na qual emergem. Mas as suas prioridades são também influenciadas pelas condições de vida e necessidades das comunidades donde são oriundas. Tanto as actividades promovidas pelas associações nas suas comunidades de origem, como o contexto em que emergem, confirmam que “people leave their countries because of development conditions there, yet they continue to engage with their homelands at various levels. Such engagement stretches the idea of development beyond territorial boundaries” (Orozco, 2004:6). Desta forma, as associações de migrantes guineenses mantêm a Guiné-Bissau presente no seu quotidiano, mas também se tornam, elas próprias, presentes ainda que ausentes7, nas vidas e no destino do seu país. 7 Parafraseando Robert Smith (2000), na obra intitulada: Los Ausentes siempre Presentes: The Imagining, Making and Politics of a Transnational Community between New York City and Ticuani, Puebla, Manuscrito, Columbia University, Institute for Latin American 82


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6.3. Pistas de transnacionalismo económico O transnacionalismo económico tem como actores, segundo a tipologia de Portes, os empresários/empreendedores migrantes cujas redes de fornecedores, capital e mercados, trespassam os Estados, envolvendo os países de origem e de destino, ou mesmo outros, particularmente aqueles onde também se encontram membros da mesma diáspora (Portes, 1999: 227; idem, 2004: 76). A proposta de Guarnizo (2003:680) sobre esta matéria alarga a abordagem de Portes, incluindo como parte das actividades económicas transnacionais convencionais, não só o empresariado transnacional, mas também as remessas familiares e o dinheiro enviado para apoio a projectos de desenvolvimento comunitário local. As tipologias propostas pelos dois autores são reveladoras na medida em que chamam a atenção para formas alternativas de pensar a ligação dos migrantes com os seus países de origem, classicamente percebida como unidireccional e de sentido Norte-Sul. É evidente que as remessas têm um peso significativo, mas as empresas e pequenos negócios geridos por emigrantes, o comércio étnico e os lucros gerados pelas viagens e contactos telefónicos dos emigrantes com as suas famílias, provam que o fluxo de bens e serviços é multidireccional e muito mais complexo do que o protagonismo dado às remessas tem permitido perceber. A presente investigação confirma que o fluxo de bens é bidireccional, ou seja, não é estritamente no sentido Portugal - Guiné-Bissau, mas também no sentido Guiné-Bissau - Portugal. Como revela o gráfico seguinte, a esmagadora maioria dos inquiridos referiu consumir regularmente roupas, comidas e bens culturais oriundos da Guiné-Bissau:

and iberian Studies. 83


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Gráfico 11 Consumo de bens provenientes da Guiné-Bissau

Confirma-se que a diáspora guineense em Portugal possui o poder de compra e o interesse em adquirir bens especificamente guineenses, o que consequentemente gera uma dinâmica comercial que alarga o mercado de exportações guineense e aumenta, necessariamente, a produção, o rendimento e o emprego na Guiné-Bissau. No entanto, como este fluxo comercial tem uma natureza familiar e recorre a canais de transferência informais, acaba por funcionar em circuitos fechados e o seu potencial não é reconhecido nem devidamente explorado. Em Lisboa, não é possível identificar facilmente locais de consumo de bens gastronómicos e culturais guineenses, ao contrário do que sucede com Cabo Verde ou Angola, por exemplo. Mesmo as festas e concertos não são amplamente divulgados fora do âmbito da diáspora guineense, pelo que o seu património cultural e artístico permanece aquém do seu potencial de divulgação e generalizadamente desconhecido para a sociedade portuguesa. O mesmo se verifica com o empresariado guineense em Portugal. Só cerca de 13% dos inquiridos referiram desenvolver uma actividade empresarial por conta própria; a grande maioria trabalha por conta de outrem. Dos empresários identificados, em 70% dos casos, a actividade comercial desenvolvida depende de relações com a Guiné-Bissau ou são mesmo casos de investimento directo na Guiné-Bissau, normalmente

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um pequeno negócio gerido por um familiar, no qual o emigrante investiu o capital inicial e donde retira alguns dividendos. Relata a entrevistada nº 28 “a vida em Portugal também é difícil. Quando tive a minha filha precisava de ganhar algum dinheiro extra. Decidi comprar 200 Euros de roupa e enviar para a minha irmã em Bissau, para ela vender lá. Agora faço-o regularmente. A minha irmã vende a roupa e fica com algum dinheiro, o resto envia para mim. Consigo pagar metade da renda com o dinheiro da venda da roupa”. Outro entrevistado referiu que “quando já cá (em Portugal) trabalhava há alguns anos, juntei algum dinheiro e comprei uma carrinha em segunda mão. Enviei a carrinha para Bissau, para o meu primo abrir um negócio de sete place, que fazia a viagem entre Bissau e Ziguinchor (Sul do Senegal). Ao princípio corria bem, mas depois a carrinha estava sempre a avariar e os arranjos eram muito caros. Acabei por desistir porque já tinha gasto muito dinheiro com a compra da carrinha e com o despacho alfandegário” (entrevistado nº 17). Também foram identificados empresários guineenses cujo negócio apresenta uma ligação forte com a diáspora guineense, tanto ao nível dos clientes como dos fornecedores. As principais dificuldades referidas relacionam-se com o acesso ao crédito (em Portugal), com os procedimentos administrativos para criação de um negócio e com os custos tidos como demasiado elevados dos despachos alfandegários na Guiné-Bissau. Novamente, num e noutro caso, os negócios identificados são de pequena escala e desenvolvem-se em circuitos informais. O fluxo de bens e o empresariado transnacional surgem acompanhados por mais um elemento típico, e o mais reconhecido do conjunto de práticas de transnacionalismo económico: as remessas. A informação recolhida no âmbito da presente investigação revelou que 75% dos inquiridos envia regularmente remessas para os seus familiares na Guiné-Bissau, sendo que os montantes variam de acordo com o gráfico seguinte: 85


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Gráfico 8 Montantes das remessas enviados pelos inquiridos mensalmente

Verifica-se que cerca de 50% dos inquiridos envia entre 50 a 100 Euros por mês para a respectiva família na Guiné-Bissau. Outra parte significativa de inquiridos (40%) afirma enviar entre 100 e 250 Euros/mês para a respectiva família, e uma minoria envia montantes inferiores a 50 Euros e outra minoria, montantes superiores a 250 Euros. Montantes aparentemente pouco significativos ao nível individual tornam-se relevantes quando perspectivados a nível do colectivo. Para o ano de 2007, as Nações Unidas estimam em 29 milhões de US$ o montante de remessas que teve como destino a Guiné-Bissau, correspondendo a um valor de 17 US$ per capita e contribuindo para 8,3% do PIB (PNUD, 2009). Deste valor, cerca de 22% (seis milhões e noventa a quatro mil Euros) foi enviado a partir de Portugal8, confirmando-se, novamente, a importância da ligação da diáspora guineense residente em Portugal com o seu país de origem. Importa destacar ainda que estes números se referem unicamente ao dinheiro transferido por canais formais, que não são a forma mais utilizada para transferir dinheiro, como revela o gráfico seguinte:

8 http://www.observatorioemigracao.secomunidades.pt/np4/paises.html?id=92 86


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Gráfico 9 Formas de envio de bens e remessas financeiras

Constata-se que a esmagadora maioria dos inquiridos opta pelo que denominámos de agências guineenses para o envio tanto de bens como de dinheiro. As agências guineenses são pequenas empresas informais, normalmente de natureza familiar, que garantem o envio tanto de bens como de dinheiro de uma forma simples, com uma rapidez idêntica e a custos inferiores aos praticados pelas grandes agências de transferência (como a Western Union ou a Money Gram) e pelos bancos. O processo consiste em entregar o dinheiro a um despachante em Portugal, que no mesmo momento telefona para a sua contra-parte na Guiné-Bissau, sendo o dinheiro imediatamente entregue ao seu destinatário. Esta operação é menos dispendiosa e muito menos complexa pois os procedimentos de segurança inerentes às agências formais são aqui substituídos por relações de confiança, ou seja, são garantidos pelos níveis elevados de capital social que caracterizam esta comunidade. Esta questão é igualmente relevante para os destinatários das remessas, que têm acesso ao dinheiro através de um simples telefonema, evitando assim o sistema de identificação, de códigos e de procedimentos administrativos das agências financeiras. O fluxo financeiro dentro do circuito

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da agência informal é garantido pelo envio directo de capital através de familiares e amigos em trânsito para a Guiné-Bissau. Assim, apenas 10% dos inquiridos referem a utilização de agências de transferência, contra os cerca de 78% que utilizam canais informais. Mais de 12% referiram outros canais para o envio de dinheiro, a maioria através de familiares e amigos nos voos tri-semanais Lisboa-Bissau bem como o envio através de Associações de Migrantes. Dos mais de 20% que afirmam enviar bens através de outros canais, o recurso a familiares e amigos que viajam para Bissau é o meio mais referido. Os dados revelam ainda que há uma relação entre o grau de escolaridade dos inquiridos e a prática de envio de remessas, como revela o gráfico seguinte: Gráfico 10 Relação entre o envio de remessas e o nível sociocultural dos inquiridos

Constata-se que aqueles que possuem um grau de escolaridade mais baixo têm uma prática de envio de remessas muito mais forte, uma relação inversa da verificada nos que têm um grau de escolaridade mais elevado. Este é um padrão expectável tendo em conta que aqueles que não tiveram oportunidade de estudar são provavelmente oriundos de famílias com menos possibilidades económicas, onde a necessidade de remessas será maior. Já os que tiveram acesso a uma educação melhor, 88


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serão oriundos de famílias com um nível socioeconómico mais elevado, onde a necessidade de remessas não se verifica ou se verifica a um nível muito inferior. Importa ainda referir que da totalidade dos que concluíram ou se encontram a frequentar pós-licenciaturas, 60% ainda se encontram a estudar e os restantes 40% não trabalham na sua área de formação, desempenhando cargos menores, sobretudo no sector dos serviços. O investimento que ainda se encontram a realizar na sua formação, em paralelo com a menor disponibilidade financeira devido ao emprego não qualificado poderão justificar o menor envio de remessas, tanto mais que, tal como já foi referido, a pressão ou necessidade por parte da família no país de origem será menor ou mesmo inexistente. Os inquiridos foram também questionados relativamente à sua percepção sobre a forma como as remessas que enviam são utilizadas pelos respectivos familiares. Os dados obtidos revelam o seguinte:

Gráfico 12 Utilização percebida das remessas na Guiné-Bissau

Tal como se pode verificar, a grande maioria dos inquiridos acredita que as remessas que envia são utilizadas, em mais de 80% dos casos, para a aquisição de bens alimentares. A saúde e educação surgem logo em seguida, sendo que os bens de consumo (entendidos como bens que não são de primeira necessidade) são referidos em cerca de 35% dos

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casos. Os bens básicos (entendidos como a aquisição de gasóleo para um gerador, para a construção ou remodelação de uma casa, dinheiro para rituais) são utilizados em menos de 30% dos casos. Nenhum dos inquiridos referiu as remessas que envia como sendo utilizadas para o desenvolvimento de actividades geradoras de rendimento. Relativamente à importância destas remessas para as famílias beneficiadas, em 78% dos casos, os inquiridos consideraram que as remessas têm uma importância muito alta. Cerca de 8% consideraram a sua importância média, e 2% entendem que as remessas não são nada importantes. Ainda 11% afirmam não saber ou não querer responder. O grau de importância percepcionado pelos inquiridos relaciona a relevância das remessas com a situação generalizada da falta de acesso a um emprego assalariado na Guiné-Bissau ou das más condições desse tipo de emprego, que é maioritariamente no sector público: “os salários lá são muito baixos e vêm sempre atrasados (inquirido nº1); “as pessoas lá não recebem salário, então o que vem de cá é muito importante” (inquirido nº 12), ou, como resumiu um inquirido “a maioria das famílias não tem um rendimento e depende dos que estão fora. Sem esse dinheiro era muito difícil porque as pessoas não têm trabalho” (inquirido nº 24). Lapidarmente, concluiu o inquirido nº 74 que “as remessas é que garantem a sobrevivência das famílias na Guiné-Bissau”. Mas também existem críticas ao efeito gerado pelas remessas, como referiu o inquirido nº 4 “o dinheiro é importante, mas é mal utilizado; provoca acomodação nas pessoas e elas deixam de se esforçar”. Notou ainda o inquirido nº 27: “as remessas provocam desigualdade; os guineenses têm um sentido de comunidade e de solidariedade muito forte, não se vê ninguém passar fome. As remessas desequilibram isso e o migrante sacrifica muito para mandar coisas para lá, para mostrar que tem e pode. Cria divergências entre os vizinhos, muita pressão para o migrante e provoca mais emigração”. O inquirido nº 46 concluiu que 90


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“o contributo das remessas para o desenvolvimento da Guiné-Bissau podia ser muito maior se o dinheiro fosse investido e criasse emprego; mas ajuda sempre porque há famílias que passam muito mal porque o Estado só é Estado em sentido figurado”. Os argumentos avançados pelos inquiridos quando questionados sobre o impacto percebido das remessas para o desenvolvimento do seu país de origem, convidam a revisitar os argumentos da escola “pessimista” e da escola “optimista”, aplicando-os ao caso específico da Guiné-Bissau. Em contextos de profunda fragilidade institucional como o deste país, em que os níveis mínimos de funcionamento dos serviços básicos não são garantidos, as remessas têm impactos complexos. Por um lado, são as remessas que, indiscutivelmente, garantem o acesso à saúde e à educação das famílias beneficiadas, particularmente às que são de um estrato socioeconómico mais baixo. No entanto, estas mesmas remessas acabam também por funcionar como um “amortecedor” para os impactos que as fragilidades da governação do Estado têm na qualidade de vida dos guineenses, mitigando a necessidade da população em reclamar e exigir responsabilidade por parte dos seus governantes. Por outro lado, verificou-se que mesmo os inquiridos que não tinham uma perspectiva positiva sobre o impacto das suas remessas, afirmavam enviá-las regularmente. Este dado indicia os possíveis níveis de pressão familiar nesse sentido, provavelmente aliada à obrigação de retorno do investimento feito pela respectiva família, uma vez que, generalizadamente na Guiné-Bissau, a migração é uma estratégia de sobrevivência familiar e não individual. Importa ainda referir que um salário médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros, e que assim sendo, as remessas mesmo de baixo valor têm um peso relativo elevado no orçamento das famílias beneficiadas, ao qual acrescem os bens e os envios suportados pelo migrante para apoio a situações ou constrangimentos específicos. De uma forma geral, verifica-se que as dinâmicas de transnacionalismo 91


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económico são significativas na diáspora guineense residente em Portugal, e que possuem um sentido bidireccional. No sentido Lisboa - Bissau seguem montantes relevantes de remessas familiares, uma prática regular para mais de três quartos dos inquiridos, juntamente com bens materiais. Mas o fluxo Bissau - Lisboa também é surpreendentemente significativo, revelando as potencialidades do mercado constituído pela diáspora em Portugal para os produtos guineenses. A estes dois fluxos acrescentam-se os empresários transnacionais, que são pouco numerosos no âmbito desta comunidade devido aos constrangimentos no acesso ao crédito, às dificuldades de mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bissau e à burocracia e instabilidade do próprio país, que desencorajam o investimento externo. Foi portanto interessante constatar que mais de 80% dos inquiridos teria interesse em fazer um investimento financeiro na Guiné-Bissau a partir de Portugal, se esses constrangimentos pudessem ser ultrapassados. Confirma-se assim o potencial inexplorado do empresariado transnacional da diáspora guineense em Portugal. Também se constatou que a maioria dos negócios que são efectivamente desenvolvidos têm uma natureza informal e decorrem normalmente em circuitos familiares. Por último, o montante de remessas que é enviado através de canais não formais revela que o fluxo financeiro que tem a Guiné-Bissau como destino é muito superior aquele que as estatísticas oficiais permitem antever. A forma como este dinheiro é utilizado revela a importância da migração para o bem-estar da comunidade não migrante, confirmando-se que também ao nível económico existe um impacto significativo das práticas transnacionais dos guineenses em Portugal sobre o desenvolvimento da Guiné-Bissau, um pressuposto que os dados recolhidos na Guiné-Bissau virão a confirmar.

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6.4. Pistas de transnacionalismo politico Segundo Ostergaard (2003), por transnacionalismo politico entende-se: “various forms of direct cross border participation in the politics of their country of origin by both migrants and refugees, as well as their indirect participation via the political institutions of the host country”. A proposta de Baubock (2003), nascida no seio da ciência política, destaca as particularidades deste tipo de transnacionalismo. Afirma o autor que enquanto os transnacionalismos económicos e socioculturais trespassam as fronteiras dos Estados-Nação sem que com isso coloquem em causa a sua natureza, o transnacionalismo político obriga o Estado-Nação a reaquacionar-se e, no limite, “affects the very definition of the entity whose borders are crossed” (Baubock, 2003:702). Porque o transnacionalismo político migrante dilata a comunidade política de um dado país para lá do seu próprio território – desafiando a concepção clássica de que a política doméstica de um qualquer país é decidida exclusivamente dentro das suas fronteiras – criou a necessidade de alargar também o âmbito da análise, tradicionalmente centrada no Estado-Nação ou nas relações entre Estados-Nação. A proposta de Baubock é útil no que se refere à delimitação dos vários conceitos em presença. Assim, segundo o autor, o que distingue as relações políticas transnacionais das internacionais, multinacionais ou supranacionais é que as primeiras “create overlapping memberships between territorially separated and independent countries” (Baubock, 2003:720). A abordagem deste autor oferece a possibilidade de tornar inteligível as “communities and systems of rights that emerge at levels of governance above or below those of independent state or that cut across international borders” (Baubock, 2003:704). Assim, no que diz respeito ao transnacionalismo migrante de natureza política, esta é uma abordagem mais ampla e que integra não só os actores óbvios do processo mas também as populações e as instituições das comunidades de origem. Como refere o autor “political transnationalism is not only about the activities of governments and organized inte-

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rests in society, but involves the idea of a political community that stretches across territorial boundaries” (Baubock, 2003:710). No âmbito da presente investigação partiu-se do enquadramento teórico elaborado por este autor, procurando apreender-se a dinâmica política da diáspora guineense em Portugal, bem como o seu grau de influência sobre a situação política na Guiné-Bissau. Analisou-se portanto, a participação política da diáspora guineense na Guiné-Bissau e em Portugal, bem como a importância atribuída ao processo para o desenvolvimento dos dois países. Quando questionados sobre a importância atribuída ao voto dos migrantes guineenses para Portugal, os resultados foram os seguintes:

Gráfico 13 Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento de Portugal

Verifica-se que mais de 60% dos inquiridos considera que o voto dos emigrantes é importante para o desenvolvimento de Portugal porque “também estamos a lutar pela evolução do país, somos emigrantes mas vivemos aqui” (inquirido nº 4). O inquirido nº 14 notou que “lá por sermos imigrantes, não quer dizer que não estejamos interessados na forma como Portugal avança, e também contribuímos com os nossos impostos”. Outro referiu que “sinto-me integrado; o que é bom para Portugal é bom para mim, a minha opinião conta” (inquirido nº 20). Outro referiu ainda que “os imigrantes votam para quem pode fazer o melhor para Portugal”.

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Houve um número de inquiridos que avaliou a participação política em Portugal através do voto como algo de legítimo, revestido de uma credibilidade que sentem não encontrar paralelo na Guiné-Bissau. Referiu o inquirido nº 18 que “o sistema político aqui é credível”, ou “aqui é a sério, vê-se a diferença” (inquirido nº30). O inquirido nº 34 declarou que “em Portugal, as coisas fazem-se à base da lei”. Há ainda um conjunto de inquiridos, menos de 20%, que liga o exercício de voto à nacionalidade, considerando que votar em Portugal deve ser uma prerrogativa exclusiva dos portugueses ou dos guineenses que já possuem nacionalidade portuguesa, ou que não considera o voto dos migrantes relevante para Portugal. Segundo o inquirido nº 1 “o voto não resolve os problemas dos emigrantes, porque a maioria das pessoas não vota com essa preocupação”; outro inquirido refere que “somos imigrantes e um dia voltaremos para o nosso país” ou ainda que “os portugueses é que sabem dos seus problemas” (inquiridos nº 60 e nº65, respectivamente). Quanto à importância do voto dos emigrantes para o desenvolvimento da própria Guiné-Bissau, os resultados são expressivos:

Gráfico 14 Nível de importância atribuída ao voto dos migrantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau

Cerca de 90% dos entrevistados considera que o voto dos emigrantes é muito importante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. As razões 95


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invocadas para justificar esta opinião indiciam o peso que os migrantes têm na economia do país, “as remessas apoiam muito as famílias, votar dá forma ao sacrifício que os migrantes fazem, é uma forma de expressão” mas também uma reivindicação de um direito sentido como seu “temos o direito de escolher quem melhor pode ajudar a Guiné-Bissau” (inquirido nº 25). Muitos destacaram o papel dos migrantes na transmissão de informação e conhecimento. Disse o inquirido nº 31 que “os migrantes é que estão a ver o que se está a passar lá; sem nós a Guiné-Bissau já não existia”, reforçada pelo inquirido nº 48 que afirmou “os que estão em Portugal estão a par de tudo, lá há menos informação, cá já temos outra mentalidade, as pessoas lá não têm noção”. Muitos dos inquiridos referem a experiência migratória como uma aprendizagem da democracia por comparação à experiência que trazem da Guiné-Bissau. Nota o inquirido nº 7 que “os imigrantes aprenderam a democracia e podem contribuir”, bem como o inquirido nº 11, “os migrantes ganharam uma visão mais ampla das coisas, quem não sai fica refém das jogadas políticas locais e não vê”. Ou, como resumiu o inquirido nº 24 “porque mais de 60% das pessoas na Guiné-Bissau são analfabetas e votam ingenuamente; a esperança está na diáspora, é um peso muito grande para o país, sabem que têm poder e podem influenciar”. Esta vontade expressa de participar activamente na vida política de ambos os países é justificada pela dupla pertença, tanto a Portugal como à Guiné-Bissau, que não é considerada como mutuamente excludente, pelo contrário. Verifica-se que o facto de os migrantes estarem ausentes não é sinónimo de uma ruptura ou de um desinteresse pelas condições do seu país de origem. Pelo contrário, parece haver uma preocupação acrescida – porque “vendo de fora”, por comparação, se percebem melhor os constrangimentos da situação política guineense – e uma reivindicação de participação legitimada não só pela nacionalidade que possuem, mas também pelo contributo económico que dão ao país. 96


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Paralelamente, constata-se que há uma noção de pertença à sociedade portuguesa, expressa pela preocupação com a situação do país e sustentada pelo contributo que dão, pelo valor do seu trabalho e pelas contribuições fiscais. Como notou o inquirido nº 18 “devíamos ser considerados como cidadãos; a nossa opinião conta. Afinal, em 20 anos, ajudámos muito a desenvolver Portugal”. No entanto, verifica-se que as condições actuais não encorajam – e em grande medida não permitem – a participação política dos migrantes guineenses em Portugal e no seu próprio país de origem. Em Portugal, a participação eleitoral de estrangeiros está dependente da existência de acordos de reciprocidade e limitada às eleições locais. Por variadas razões, não existe acordo de reciprocidade entre Portugal e a Guiné-Bissau (aliás, de todos os PALOP, só existe acordo de reciprocidade com Cabo Verde) pelo que os imigrantes guineenses, independentemente do tempo de residência, não podem votar. E todavia, a concessão do direito de voto aos imigrantes, pelo menos ao nível local, é considerado pelo Parlamento Europeu e pelo ACIDI, como um instrumento chave para o processo de integração9. Em Portugal, regista-se apenas uma experiência de um guineense num lugar cimeiro da política portuguesa. O guineense, actualmente detentor de nacionalidade portuguesa e Presidente da Associação Aguinenso, Fernando Ká, foi eleito para o Parlamento Português pelas listas do PS em 1996. O seu mandato durou cerca de 2 meses. Esta aparente falta de representatividade da comunidade guineense no espaço político português será naturalmente uma consequência da falta de espaço que a legislação e a sociedade portuguesas concedem aos seus migrantes, mas também, e necessariamente, uma falta de engajamento da própria diáspora guineense pelo processo. Efectivamente, apesar das declarações de interesse no voto dos imigrantes em Portugal, do conjunto de inquiridos que possui nacionalidade portuguesa, apenas 9% alguma vez exerceu 9 http://www.acidi.gov.pt/modules.php?name=News&file=article&sid=2852 97


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o seu direito de voto nas eleições portuguesas. Do total dos inquiridos, apenas 1,3%, ou seja, 1 dos 77 inquiridos afirmou pertencer a um partido político português. Por outro lado, a Constituição guineense não prevê a participação política dos emigrantes nas eleições presidenciais mas apenas nas legislativas. Dos 102 deputados que constituem o Parlamento guineense, 2 deveriam ser eleitos pela diáspora – 1 pelo círculo dos emigrantes residentes na Europa e 1 pelo círculo dos guineenses residentes noutros países africanos. No entanto, desde 1999, que não é feito um recenseamento eleitoral dos guineenses residentes no estrangeiro e por conseguinte o escrutínio não se realiza para a diáspora guineense, inclusive em Portugal. Os dados obtidos nesta investigação revelam que há uma tradição de participação política forte da diáspora guineense nas eleições do seu país natal: dos inquiridos que tiveram oportunidade para participar num processo eleitoral na Guiné-Bissau, 96% fizeram-no. Quanto aos que já se encontravam em Portugal no processo eleitoral de 1999/2000 – único em que foram reunidas as condições necessárias para a diáspora em Portugal votar – cerca de 15% afirma tê-lo feito. Quando inquiridos sobre as razões da baixa participação neste processo eleitoral, os entrevistados enfatizaram a falta de qualidade do recenseamento efectuado (em que alegadamente muitas pessoas não foram registadas) e a falta de informação à comunidade guineense sobre a existência dessa possibilidade, que levou a que muitos não votassem por desconhecimento. As autoridades guineenses garantem que o Governo tem envidado esforços no sentido de garantir a participação política dos migrantes, mas que a falta de meios financeiros tem impossibilitado a concretização do recenseamento e do acto eleitoral (entrevista ao Cônsul Geral da Guiné-Bissau em Lisboa, Junho de 2009). A legitimidade deste argumento é reiterada pelo historial das eleições guineenses: desde 1994 que as elei98


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ções não se realizam na data devida, mas sempre em consequência de situações políticas inesperadas, como golpes de Estado ou, mais recentemente, a morte do Chefe de Estado no poder. A imprevisibilidade dos escrutínios tem dificultado sobremaneira a concretização do processo eleitoral, à qual acrescem as dificuldade de planeamento e logística inerentes às condições limitadas do próprio país, o que necessariamente afecta também a organização de eleições no circuito da diáspora. No entanto, os inquiridos revelam que à falta de meios e de capacidade de planeamento deve acrescentar-se a falta de vontade política do Governo guineense em possibilitar a participação eleitoral da diáspora. Notaram os inquiridos que “não se incentiva o voto dos migrantes porque é um voto de mudança, não interessa” (inquirido nº 10) e que “para os governantes, os migrantes não valem nada, chegaram a dizer que não havia emigrantes guineenses, que éramos aventureiros! Têm medo de nós, porque nós temos força” (inquirido nº 48). È portanto interessante verificar os mecanismos adoptados pelos migrantes para contornarem os obstáculos à sua participação política na Guiné-Bissau. O inquirido nº 9 referiu que “a participação política dos emigrantes guineenses é muito importante, porque a diáspora conta com 2 deputados na Assembleia Nacional, e porque agora com os telemóveis, até no sítio mais recôndito de África se telefona e se manda dizer em quem se deve votar”. Outro inquirido afirmou que “eu lá (na Guiné-Bissau) digo em quem é que eles devem votar (inquirido nº 31). O que poderia parecer um comportamento marginal surge como um processo aparentemente banal num dos principais blogues de opinião da Guiné-Bissau, onde num pedido à participação política para as presidenciais de 2009 se pode ler “faço um apelo aos nossos emigrantes, quaisquer que sejam as suas actividades no estrangeiro. Emigrantes que têm contribuído com remessas significativas de dinheiro e bens materiais o que tem ajudado a minimizar os problemas sociais do país, para que colaborem na sensibilização dos seus familiares, para que o sentido 99


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de voto não seja influenciado pelo efeito da manipulação. Para isso, a estratégia consiste em cada um telefonar aos seus familiares e debater a situação das eleições com eles, sensibilizando-os para a importância de uma escolha criteriosa”.10 O engajamento político da diáspora guineense em Portugal é ainda expresso pelas manifestações públicas de apoio a candidatos presidenciais ou partidos. Um exemplo foi a Marcha de Apoio ao candidato independente Henrique Rosa às eleições Presidenciais de 2009, que teve lugar em Lisboa, a 21 de Junho. Imagem 2 Marcha de apoio ao candidato presidencial Henrique Rosa, Lisboa (Junho de 2009)

A influência da diáspora no panorama eleitoral guineense é, finalmente, validada, pelas próprias forças políticas guineenses, que realizam périplos pela Europa no período eleitoral. Tanto nas eleições legislativas de Novembro 10 http://didinho.no.sapo.pt/presidenciais2005sensibilizacao.htm, em 19/07/2009 100


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de 2008, como nas Presidenciais de 2009, os candidatos e representantes de Partidos Políticos visitaram Portugal, em processo de campanha eleitoral. Os principais partidos políticos da Guiné-Bissau, PAIGC e PRS, abriram sedes de campanha em Lisboa, e o PAIGC criou mesmo uma Directoria de Campanha de Malam Bacai Sanhá na Diáspora, que correu Portugal em campanha, apelando ao voto nas Presidenciais de 2010.11 Em suma, embora existam declarações de interesse em participar mais activamente na vida política de Portugal, não se verificam níveis elevados de participação política na sociedade portuguesa. A persistência de uma lógica de cidadania associada à nacionalidade, bem como a falta de encorajamento por parte das autoridades e sociedade portuguesas poderão estar na base desse comportamento. Não deixa porém de ser relevante destacar a perspectiva de “aprendizagem da democracia” revelada por uma parte significativa dos inquiridos. Verifica-se também que o processo migratório não se traduz numa ruptura com a vida política da Guiné-Bissau, mantendo-se um forte envolvimento da diáspora guineense em Portugal com a vida política da Guiné-Bissau que se reflecte também pela consciência declarada da sua própria importância para as decisões estratégicas do país de origem. Registam-se assim níveis elevados de transnacionalismo político por parte da comunidade guineense em Portugal. Embora limitada na sua capacidade de expressão cidadã pela falta dos mecanismos previstos para o efeito, a diáspora desenvolveu estratégias alternativas para influenciar os escrutínios, que a tornaram um actor incontornável do cenário político da Guiné-Bissau. Verifica-se também que o grau desta influência é reconhecido e que é necessariamente elevado, tendo em conta o investimento que é dedicado à diáspora em períodos de campanha eleitoral. As consequências desta prática transnacional serão validadas, tal como as restantes, no capítulo que se segue, que apresenta os dados recolhidos directamente na Guiné-Bissau. 11 www.mambasdiaspora.blogspot.com 101


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6.5. Os resultados obtidos na Guiné-Bissau O trabalho de campo realizado na Guiné-Bissau teve como ponto de partida as pistas obtidas através dos dados recolhidos em Portugal. Procurou-se assim validar e aprofundar a informação obtida, recorrendo a métodos e instrumentos idênticos aos utilizados em Portugal, mas comparativamente com um maior ênfase nas entrevistas abertas semi-estruturadas junto de informantes privilegiados e na análise de imprensa. Os resultados são apresentados segundo a mesma lógica do capítulo anterior, ou seja, divididos entre os aspectos socioculturais, económicos e políticos das dinâmicas transnacionais. Na Guiné-Bissau foram realizadas 22 inquéritos e 14 entrevistas a informantes privilegiados. Foram ainda recolhidos dados junto do Instituto de Apoio ao Emigrante e da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e das Comunidades. A recolha de informação teve lugar nas cidades de Bissau, Gabu e Canchungo, entre Agosto de 2008 e Maio de 2009. Os inquiridos e entrevistados na Guiné-Bissau apresentam uma sobre-representação (comparativamente à população total) de manjacos, papeis e fulas, devido ao local onde os contactos foram realizados. No entanto, na capital, foi possível entrevistar pessoas de diferentes origens, obtendo-se assim um retrato relativamente diversificado, tal como releva o gráfico seguinte:

Gráfico 15 Inquiridos na Guiné-Bissau por referência étnica

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Quanto à ocupação socioprofissional dos inquiridos, a sua caracterização é a seguinte:

Gráfico 16 Inquiridos na Guiné-Bissau por estrato socioprofissional

Uma parte significativa dos inquiridos (22%) era estudante, nomeadamente entre as camadas mais jovens. Uma outra parte relevante auto-referenciou-se como estando ligada ao sector da agricultura, particularmente os entrevistados na cidade de Canchungo. Por “empresários” foram denominados todos aqueles que exerciam uma actividade comercial por conta própria, e são na esmagadora maioria, pequenos comerciantes de Bissau, Gabu e Canchungo. Os empregados por conta de outrem englobam em 42% dos casos pessoas que trabalham para a administração pública, sendo os restantes ligados ao pequeno comércio ou ao sector dos serviços, particularmente de transportes.

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As entrevistas e inquéritos foram realizados em 3 regiões da Guiné-Bissau, segundo a seguinte distribuição:

Gráfico 17 Inquiridos na Guiné-Bissau por distribuição geográfica

As regiões foram seleccionadas em função da sua expressão migratória, segundo os dados obtidos em Portugal. As instituições contactadas na Guiné-Bissau, nomeadamente a Secretaria de Estado das Comunidades e o Instituto de Apoio ao Emigrante, ambos em Bissau, não possuem estatísticas oficiais sobre o número e destino dos migrantes guineenses. Indicativamente, o Director do Instituto de Apoio ao Emigrante situa em cerca de 90.000 os guineenses residentes no estrangeiro, sendo que “provavelmente, a maioria encontra-se no Senegal, Portugal e França, embora também haja muitos em Espanha, Holanda, Itália e Cabo Verde”. No entanto, a totalidade dos indivíduos entrevistados referiram que na sua família mais próxima existia pelo menos um emigrante. Como referiu um entrevistado, “cerca de 7 em cada 10 famílias guineenses estão directa ou indirectamente envolvidos em dinâmicas migratórias”. A impossibilidade de quantificar o contingente de guineenses residentes no estrangeiro e os respectivos países onde residem dificulta a análise quantitativa dos impactos do processo, pelo que se optou por aprofundar sobretudo do ponto de vista qualitativo os dados obtidos na Guiné-Bissau.

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6.6. Impactos do transnacionalismo sócio-cultural Segundo a perspectiva do transnacionalismo sociocultural, os impactos das dinâmicas transnacionais são verificados em vários domínios: fluxo de bens culturais, transmissão de competências e know-how, mudança de mentalidades e comportamentos, e iniciativas filantrópicas a título individual ou colectivo que visam o desenvolvimento da comunidade de origem. No que diz respeito às actividades de natureza filantrópica a título colectivo, a região de Cacheu apresentou resultados particularmente interessantes, que revelam o impacto que as associações de migrantes na diáspora têm na qualidade de vida das respectivas comunidades de origem. Das 58 escolas comunitárias12 existentes nesta região, a maioria foi construída ou recuperada com os recursos financeiros disponibilizados pela respectiva associação de migrantes. Paralela e frequentemente, os professores destas escolas recebem um incentivo financeiro que compensa a situação de isolamento em que muitas vezes vivem e que garante a continuidade das aulas quando os salários da função pública se atrasam, o que já se verificou por períodos superiores a 6 meses.

12 Por escola comunitária entendem-se as escolas que são construídas por iniciativa das comunidades locais e que frequentemente são financiadas por essas mesmas comunidades. Invariavelmente, a contra-partida do Estado consiste no reconhecimento formal da escola e à colocação dos professores. 105


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Imagem 3 Escola Primária Comunitária de Cabienque, Região de Cacheu (Abril 2007)

Desde logo, as tabancas desta região possuem, invariavelmente, uma associação local constituída pelos representantes dos habitantes desta tabanca. Encontramos assim a ASSOFITA – Associação dos Filhos de Tame; a ASSOFAC – Associação dos Filhos e Amigos de Canhobe; a AFIPEL – Associação dos Filhos de Pelundo, entre muitas outras. Qualquer uma destas associações constitui-se como a interlocutora privilegiada – ou o braço operacional - , das suas associações congéneres na diáspora, que podem ser tão numerosas quanto as comunidades de emigrantes oriundos destas tabancas residentes no estrangeiro. A tabanca de Calequisse, por exemplo, possui a sua associação local, a Associação dos Filhos de Calequisse, e as respectivas congéneres: a Associação dos Filhos de Calequisse residentes em Portugal, a Associação dos filhos de Calequisse residentes em França, a Associação dos Filhos de Calequisse residentes no Senegal. Também em Espanha e Itália se verifica o mesmo fenómeno. Neste país, a recém fundada Associação ASE – QUAGUI (associação dos Quadros e Estudantes Guineenses em Itália), “já deu passos significativos no que diz respeito à mobilização de

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parceiros e fundos para a implementação de alguns projectos sociais na Guiné-Bissau”.13 Como referiu um dos informantes privilegiados: “as associações de migrantes têm muitas vantagens e as associações das comunidades manjacas são um excelente exemplo, pois são muito unidas e fazem muitas coisas em prol das respectivas comunidades de origem. Em França, onde reside a maior comunidade de manjacos, existem muitas associações extremamente bem organizadas. Edificam escolas e hospitais, e desde sempre tiveram esta tendência de sair. Já no tempo colonial, devido ao trabalho escravo e à opressão generalizada em que as pessoas viviam, os manjacos saíam muito, sobretudo para o Senegal. Era uma forma de melhorar a vida, mas também era uma expressão de protesto, de revolta, contra o regime colonial, que assim não podia contar com essa mão-de-obra” (Entrevistado nº 1, Bissau). O exemplo da Associação dos Filhos de Bajope e Capol residentes em Portugal, que recentemente construiu dois pavilhões para a escola básica local, é recorrente na região de Cacheu. O mesmo tipo de iniciativa pode ser localizado na maioria das tabancas desta região. A Associação dos Emigrantes de Tame em Portugal, construiu 6 pavilhões escolares, que beneficiaram cerca de 600 crianças em idade escolar. A Associação dos Filhos e Amigos da Ilha de Jeta em Portugal (AFAIJE) organizou e financiou a construção de um centro de saúde na localidade e patrocinou a aquisição de 2 canoas que garantem o transporte dos pacientes em estado crítico para o Hospital de Bissau. Também a Associação dos Filhos Unidos de Binhante em Portugal tem-se empenhado na construção de um posto médico para a população da sua tabanca. A generalidade das associações de migrantes na diáspora, independentemente do país onde se encontra, envia bens e equipamentos para as escolas e postos médicos locais. O presidente da Associação dos Filhos e Amigos de Canhobe, ASSOFAC, sintetizou a forma como o processo de relação entre a tabanca e a diáspora se concretiza “a reunião 13 Jornal “Última Hora”, de 24 de Novembro de 2009, pág.4. 107


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(da associação local) sortiu efeitos positivos e os filhos das duas comunidades na diáspora receberam as notícias e prontificaram-se com um projecto de reabilitação da estrada de terra batida que liga as duas tabancas”. Imagem 4 Escola Primária de Bajope e Capol, Região de Cacheu (Abril 2007)

Confirma-se a já indiciada relação de proximidade entre a diáspora e o quotidiano da tabanca, que é afectada de forma determinante pela capacidade de intervenção da respectiva associação de migrantes, bem como pelas condições e meios a que a diáspora tem acesso no país de acolhimento. O facto da maioria dos livros que se encontra na Biblioteca da Escola Comunitária de Benitche, em Cacheu, ser em Francês, confirma este pressuposto, entre outros exemplos identificados. Na região de Gabú também foram identificadas associações com este perfil, ainda que em muito menor escala do que em Cacheu. A Associação de Filhos da Região de Gabú residentes em Portugal, a única do género, foi criada em 2003 e teve como primeira actividade o envio de roupa e sapatos para um orfanato de Bissau, a Casa Emmanuel. Posteriormente enviaram roupa de cama para os Hospitais de Gabu e Bafatá e actualmente preparam-se para enviar material hospitalar e máquinas de raio-x. Para além do trabalho das associações de migrantes, há que 108


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considerar o impacto dos migrantes neste domínio a título individual, até porque esta forma de organização se revelou típica da região de Cacheu. Apesar de uma menor expressão de associativismo para os migrantes oriundos da região de Gabu, verificaram-se numerosas iniciativas de migrantes individuais que edificaram escolas ou construíram furos de água, que regularmente enviam livros e medicamentos e encorajam as actividades religiosas e culturais. Em Gabu foi referido que “são os migrantes que pagam a escola, a saúde dos seus familiares, mas não estão organizados em associações e não fazem projectos colectivos” (inquirido nº3, Gabu). Apesar de uma apreciação globalmente positiva sobre a intervenção dos migrantes, tanto a nível individual como ao nível das associações, as críticas são substantivas. A falta de um planeamento estruturado no quadro da região leva a que se dupliquem as iniciativas e se desperdicem recursos. Frequentemente, as associações não articulam as suas actividades com as autoridades locais, tendo depois dificuldades acrescidas na colocação dos recursos humanos necessários para o funcionamento efectivo das estruturas construídas. Tendem sobretudo a substituir-se ao Estado e não a complementar ou melhorar os serviços públicos, o que limita o seu impacto e contribui para uma desresponsabilização acrescida das instituições guineenses. Os investimentos realizados tendem a ser de natureza material, em detrimento de outros, de formação ou capacitação dos recursos humanos locais, porque as suas limitações técnicas enquanto agentes de desenvolvimento são significativas e porque a questão da visibilidade ou estatuto do emigrante influencia as estratégias de intervenção. Como referiu o Presidente da Associação Uno Tacal “Os migrantes têm enviado medicamentos e trabalhado na reconstrução de escolas. Sempre que alguém envia alguma coisa, essa doação é apresentada publicamente, para que toda a gente saiba o que foi mandado e por quem”. Notou-se também alguma tensão entre os migrantes e o poder tradicional. Como referiu o Régulo de Baboque, na região de Cacheu “os 109


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migrantes é que fazem tudo aqui, as escolas, os centros de saúde, os medicamentos, eles é que enviam. È assim, quem emigra tem que ajudar quem fica, são filhos da terra”. E assim sendo, como notou um dos inquiridos, ainda em Lisboa, “há muita pressão em torno dos emigrantes. Eles não querem saber se nós (emigrantes) estamos bem ou mal, querem é o dinheiro lá”. Nas entrevistas realizadas a Associações de Migrantes Guineenses em Portugal foi referido que se o migrante não participa na associação de migrantes da sua tabanca de origem pode ver negada a sua participação nas cerimónias tradicionais no país de origem. Também ao nível do fluxo de bens e serviços culturais os resultados obtidos foram interessantes. O Presidente de uma Associação local relata que o mais recente evento cultural promovido pela associação “uma festa que marca o início da colheita e onde insistimos para que tudo fosse feito conforme manda a tradição, até o régulo foi vestido como há muito não se via”, foi filmado precisamente com o objectivo de partilhar a actividade com a diáspora, sensibilizando-a para continuar a garantir o apoio que sempre tem dado às tabancas da região – e para mobilizar fundos adicionais para a realização de futuros eventos culturais. Também em Gabu, é em grande medida graças ao apoio financeiro dos migrantes que se realizam as duas principais festas tradicionais, o Tabaski e o Ramadão, com uma dimensão e visibilidade únicas: “as ruas enchem-se e as pessoas vestem as suas melhores roupas, come-se carneiro. È uma festa muito importante para todos, não é só para os muçulmanos. E os migrantes fazem questão de apoiar a festa, muitos vêm de propósito nesta altura só para assistir” (inquirido nº5, Gabu). Confirma-se assim que a manutenção da ligação da diáspora guineense com o seu país de origem também se traduz no apoio e até mesmo na participação em eventos culturais específicos, que constituem uma referência para a comunidade. Tal como na região de Gabú, também em Cacheu se verifica o apoio e/ou presença dos migrantes nas festas das 110


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colheitas, bem como em Bissau, para o Ramadão, Tabaski, bem como o Carnaval e o Natal. Para além das festas tradicionais, existem dois elementos que são fortemente mobilizadores da diáspora e que justificam o investimento do migrante, onde quer que resida e independentemente do tempo que se encontra ausente do país: os fanados e os choros. Os fanados são rituais que marcam a transição para a maioridade, e embora variem consoante o grupo étnico, são generalizadamente marcos importantes para a vida dos guineenses. O fanado que teve lugar em 2009, em alguns sectores da região de Cacheu, realiza-se só de 30 em 30 anos, e por isso justificou a vinda de muitos migrantes para participar no evento. Também na região de Biombo, o fanado que se realiza de 7 em 7 anos, conta sempre com uma participação elevada da comunidade migrada. Os choros são os ritos funerários, tão mais importantes quanto avançada era a idade do(a) falecido(a) e a sua posição na comunidade. A participação no choro é extremamente importante para os familiares directos do(a) falecido(a) e implica também um investimento financeiros substantivo – para além da viagem do migrante – para garantir todos os preceitos inerentes à cerimónia. Há um terceiro tipo de impacto do ponto de vista sócio-cultural que é importante destacar. Como notou um dos inquiridos, “os migrantes são quem mais influencia a mudança de mentalidades aqui. Porque eles são da terra mas têm outra maneira de ver as coisas, como a saúde, como deve ser a cidade, maneiras de fazer investimento” (inquirido nº3, Gabu). Esta capacidade dos migrantes influenciaram a mudança de mentalidades é expressa em diversas matérias, sendo que estudos previamente realizados destacaram que a adopção de novas normas no destino pode ter repercussões na origem, e que este processo de difusão é tanto mais acelerado quanto maior for o hiato sócio-cultural entre os dois contextos (PNUD, 2009).

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Verificou-se que também no caso da Guiné-Bissau este processo se verifica, tendo diversas consequências. A prioridade dada à educação das crianças é positivamente influenciada pela migração, sendo que as famílias que possuem um ou mais membros emigrados tendem a investir recursos adicionais neste domínio. Naquela que é considerada uma das melhores escolas básicas da região de Cacheu, a Antero Sampaio, “a maior parte das crianças que frequentam a escola são filhos ou parentes directos de migrantes”, segundo a respectiva Directora. Também os investimentos já mencionados realizados pelas associações ou pelos migrantes a título individual na construção de escolas e/ou no seu funcionamento confirmam a prioridade dada à educação. Noutros contextos estudados, a migração tem contribuído para promover a emancipação das mulheres por duas vias, quer por aquela que decorre directamente da migração feminina, quer aquela que acontece como consequência de assumirem a chefia da família na ausência do membro masculino, (PNUD, 2009). No entanto, em contextos de maior fragilidade e pobreza, tal como a Guiné-Bissau, o efeito da migração sobre a emancipação das mulheres é menos evidente. Por um lado, o acrescido poder económico das mulheres que migram, bem como a autoridade adquirida das que ficando, assumem a chefia da família constituem elementos potenciadores de uma capacidade acrescida das mulheres. Por outro lado, a tendência para a manutenção dos papéis e estruturas tradicionais de poder na própria diáspora, como verificado no ponto anterior, sugere que essa emancipação potencial não se concretiza ou verifica-se de forma limitada. É pois frequente nos contextos rurais estudados que o lugar de chefe de família não seja assumido pela mulher do migrante mas sim pelo seu irmão ou pai. No entanto, nas mulheres que se encontram envolvidas em circuitos comerciais por via da migração verifica-se uma situação diferente, que será detalhada no capítulo relativo ao transnacionalismo económico. No que diz respeito à saúde, a situação é igualmente ambígua, porque 112


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as práticas tradicionais tendem a permanecer, coexistindo com o recurso à medicina convencional. È comum o retorno temporário dos migrantes para participarem em cerimónias tradicionais e as viagens específicas para tratar de questões de saúde “que a medicina convencional não pode resolver” (Boletim Pelundo, 2002). No entanto, o papel que as associações de migrantes tiveram no processo de lobby pela aprovação do Plano Nacional de Saúde na Guiné-Bissau – com aspectos específicos relativos à excisão genital feminina, por exemplo – revela as potencialidades do envolvimento dos migrantes em processos de informação e sensibilização em aspectos-chave do desenvolvimento humano junto das suas comunidades de origem. A análise dos vários impactos do transnacionalismo sócio-cultural na Guiné-Bissau permitiu validar algumas das pistas obtidas no âmbito da investigação realizada em Portugal. Em primeiro lugar, verifica-se que, a par de outros actores, as associações de migrantes são agentes importantes para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, particularmente na região de Cacheu. As infra-estruturas construídas, os materiais e equipamentos enviados, o garante da estabilidade dos recursos humanos afectos às suas iniciativas, o apoio específico em situação de emergência são elementos que demarcam a sua intervenção. E, apesar das críticas enunciadas, a investigação realizada confirma que as tabancas que têm uma ou mais associações de migrantes na diáspora possuem um nível de infra-estruturas e uma possibilidade de acesso a bens e serviços de primeira necessidade que não está ao alcance das restantes. As fragilidades e limitações das suas iniciativas não invalidam os elementos-chave identificados: os migrantes intervêm activamente na vida das suas comunidades de origem; a agenda das associações é determinada pelas necessidades identificadas (ou percebidas) nas respectivas comunidades de origem; por último, a qualidade de vida das comunidades de origem é claramente influenciada pelas associações de migrantes e pelas capacidades e recursos que estes possuem. Da mesma forma, ainda que em

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menor escala e com impactos menos significativos, também as iniciativas filantrópicas de migrantes a título individual são relevantes para a respectiva localidade de origem. Em segundo lugar, o apoio e/ou participação dos migrantes em eventos culturais específicos da Guiné-Bissau confirma, por um lado, a manutenção deste tipo de laço no contexto migratório e, por outro, a importância da própria migração para a perpetuação e até mesmo ampliação dessa prática cultural. Verifica-se também que a integração do migrante no respectivo país de acolhimento não é incompatível com a conservação da matriz sócio-cultural original, pelo contrário. São exactamente os migrantes com tempos de migração mais antigos, situações regularizadas e estabilidade financeira acrescida que mais investem na conservação e na participação nas práticas e festas tradicionais, pois só então são detentores da mobilidade e dos meios necessários para o fazerem (Carreiro, 2007). Conclui-se assim que há uma tendência para a dupla pertença da comunidade guineense, tanto ao país de acolhimento como ao de origem, que não é mutuamente excludente, antes sendo percebida e vivida de uma forma complementar. Em terceiro lugar, esta síntese cultural entre Portugal e a Guiné-Bissau agenciada pelo migrante é visível ao nível da transmissão de informação e da mudança de mentalidades e comportamentos. O processo migratório convida o migrante a reconstruir as suas perspectivas de análise em função da nova informação e experiência a que tem acesso, sem que isso, constatou-se, implique uma ruptura radical com as referências originais. Verifica-se sim que o migrante adiciona selectiva e cumulativamente os novos elementos, dando origem a um referencial misto que mantém as referências da origem e que acolhe, simultaneamente, elementos adquiridos no país de destino. Conclui-se que este processo de reconstrução do referencial dos migrantes – particularmente ao nível da educação e saúde - tem impactos significativos na respectiva comunidade de origem, seja ao nível das práticas que o migrante influencia directamente (como por exemplo, ao determinar e investir para 114


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que os seus filhos tenham acesso à melhor educação disponível) quer ao nível do efeito multiplicador, por via da referência que o seu próprio comportamento constitui para o restante da comunidade. Em suma, confirma-se que o impacto das práticas transnacionais dos migrantes no domínio sócio-cultural é significativo para as respectivas comunidades de origem. Tanto a sua concretização como as potencialidades que encerram evidenciam claramente a relevância do papel do migrante para o desenvolvimento da Guiné-Bissau.

6.7. Impactos do transnacionalismo económico Este sub-capítulo debruça-se sobre os impactos dos processos de transnacionalismo económico no desenvolvimento da Guiné-Bissau, considerando as suas diferentes vertentes: as remessas, o fluxo de bens e o empresariado transnacional, incluindo o impacto dos investimentos produtivos dos migrantes no seu país de origem. Não existem estatísticas oficiais guineenses sobre o montante de remessas canalizado pelos migrantes guineenses residentes em Portugal, nem sobre a sua distribuição pelas famílias guineenses. E mesmo as estatísticas disponíveis do Banco Mundial e do PNUD certamente pecam por defeito ao calcular em 8,1% do PIB as remessas dos migrantes da Guiné-Bissau, que se traduz num valor de 17 US$ per capita, enquanto os valores da APD atingem os 73 US$ per capita. Tendo em conta os dados obtidos na pesquisa realizada em Portugal, verifica-se que a grande maioria dos fluxos de remessas são enviados por canais informais, não sendo portanto reflectidos nestas estatísticas. A este facto acresce uma percepção generalizada, quer por parte dos migrantes quer por parte daqueles que residem na Guiné-Bissau, de que as remessas dos migrantes são o maior fluxo financeiro do país. Um

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dos inquiridos referiu que cerca de 50% a 60% das famílias guineenses sobrevive graças às remessas. Um informante privilegiado notou também que “mais de 70% das famílias vivem asseguradas pela migração, a maioria em Portugal, França e Espanha”, informação corroborada por um outro que relatou que “pelo menos sete em cada dez famílias beneficiam directamente do dinheiro enviado por um ou mais parentes emigrados”. Um ex-Primeiro Ministro da Guiné-Bissau afirmava lapidarmente, numa entrevista a um semanário guineense que “ninguém deve duvidar que são as remessas dos emigrantes que permitem ao país evitar a miséria profunda” (Gazeta de Notícias, 11 de Novembro de 2008, p.15). A actual Ministra da Economia da Guiné-Bissau, ao avaliar o impacto da crise mundial no país referia a queda de 10% nas remessas dos migrantes, como um dos dois sinais importantes.14 Cerca de 87% dos inquiridos nesta parte da investigação afirmaram que o seu agregado familiar recebe remessas de familiares emigrados no estrangeiro. Essas remessas são utilizadas para financiar a alimentação da família e a educação das crianças, que são consideradas despesas fixas. Mas a maior parte dos inquiridos fez notar que, caso haja alguma emergência ou problema de saúde, solicita ao seu familiar emigrado um envio adicional de dinheiro.

14 http://tv1.rtp.pt/noticias/?t=Quedas-do-preco-do-caju-e-das-remessas-deemigrantes-agravam-crise.rtp&article=219167&visual=3&layout=10&tm=7

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Dos inquiridos que afirmaram receber remessas, os montantes mensais de referência foram os seguintes:

Gráfico 18 Montante das remessas recebidas pelos inquiridos mensalmente

Verifica-se que cerca de 55% dos inquiridos referiram receber entre 50 a 100 Euros por mês provenientes de remessas. Importa relembrar que um salário médio na Guiné-Bissau ronda os 40 Euros/mês, que um saco de arroz (o necessário para alimentar uma família de 4 elementos durante um mês) custa cerca de 30 Euros e que uma mensalidade numa universidade local aproxima-se dos 25 Euros. Estes dados revelam a importância das remessas para a qualidade de vida das famílias beneficiadas. Um dos entrevistados contava que “tenho um tio que estava emigrado já há muitos anos em Portugal, eu nem nunca o conheci, mas a minha mãe sempre nos disse que ele é que nos pagava a escola (são 5 irmãos). Já eu andava na universidade quando ele ficou sem trabalho e deixou de nos enviar dinheiro com a mesma frequência (…) tive que abandonar a universidade porque a minha mãe sozinha não conseguia pagar, o meu pai não tem trabalho. Depois, ele arranjou trabalho em Espanha e voltou a enviar dinheiro para a minha mãe. Eu voltei para a Universidade. Estou a tirar enfermagem”. (Entrevistado nº18, Bissau). Uma jovem mulher relatou que “tenho o meu marido em Portugal há

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mais de 8 anos. Há 8 anos que não o vejo porque ele ainda não conseguiu documento e não pode cá vir. E as viagens são muito caras. Foram os irmãos e o pai dele que juntaram dinheiro para o mandar para a emigração. Ele manda dinheiro para mim e para eles também. Ele agora está a fazer para levar o irmão para lá também. É com o dinheiro dele que sustento a casa, porque eu não recebo salário há mais de 4 meses (…). Pago a escola dos meninos, compro a comida e mais alguma coisa que faça falta. É assim”. (Entrevistada nº6, Bissau). Um outro entrevistado dizia que “a vida em Bissau é muito difícil, não há trabalho e quando há trabalho não há salário. Temos uma irmã emigrada em Portugal, já há muitos anos, casou e teve filhos lá, que nos envia dinheiro. A minha irmã também envia roupas e telemóveis. Não sei quanto dinheiro é, mas é com ele que a minha mãe manda os meninos à escola. E se nós precisamos de alguma coisa, ela ajuda” (entrevistado nº9, Bissau). Na Guiné-Bissau, tal como noutros contextos, o impacto que as remessas têm na qualidade de vida das famílias beneficiadas varia de acordo com o respectivo estrato sócio-económico. Para as famílias de classe média, são as remessas que garantem o acesso a um ensino de qualidade, frequentemente privado, uma vez que no sistema de ensino público guineense somente um terço dos professores é formado (Resen, 2008). No caso das famílias mais carenciadas, as remessas podem significar autorizar a criança a frequentar a escola pública, porque o dinheiro extra recebido permite libertar a força de trabalho que a criança constitui. Para mais, o sistema de ensino superior guineense é unicamente privado, com mensalidades que rondam a metade do salário médio nacional, como já referido. São ainda as remessas que, ao complementar os eventuais rendimentos das famílias, permitem diversificar a alimentação, garantindo também o acesso a cuidados de saúde e a medicamentos quando necessário. Na Guiné-Bissau, dada a situação de fragilidade dos serviços públicos, o 118


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acesso aos cuidados de saúde implica a capacidade financeira necessária para custear os actos médicos e os medicamentos necessários. As remessas têm sido também, e em grande medida, responsáveis pela dinamização do sector bancário na Guiné-Bissau. A recente abertura de três agências do Banco da África Ocidental fora da capital, nas cidades de Canchungo, Gabú e Bafatá, foi determinada, segundo as respectivas gerências, pelo fluxo de remessas que tinha como destinatários indivíduos oriundos destas regiões, precisamente as que possuem uma dinâmica migratória mais forte, para além de Bissau. Este fluxo financeiro foi percebido como um catalizador de uma maior dinâmica comercial, potenciador de oportunidades de negócio acrescidas e consequentemente, de maior crescimento económico, o que justificou a abertura das três agências. As entrevistas realizadas junto desta instituição bancária revelaram, entre outros elementos, que os migrantes podem ser considerados como garantia bancária para os seus familiares. Segundo o gerente da Agência do Banco da África Ocidental em Canchungo, “quando considera um pedido de crédito por parte de um cliente, o Banco toma em atenção se essa pessoa costuma receber remessas, qual o seu montante e regularidade. Isso vai beneficiar o pedido. Se o cliente tiver como fiador um emigrante e disponibilizar o respectivo contrato de trabalho, para o Banco isso é garantia suficiente. Claro que depende dos montantes, tem tudo de ser visto caso a caso, mas geralmente é assim”. Verifica-se que as oportunidades de recorrer ao crédito por parte das populações locais encontram-se assim intimamente relacionadas com a capacidade financeira e situação laboral dos respectivos familiares emigrados.

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Imagem 5 Agências do Banco da África Ocidental em Canchungo e em Gabu (Abril e Julho de 2009)

Para além da dinamização do sector bancário, a migração tem também impactos evidentes no comércio local. O envio de bens, sobretudo roupas e sapatos, – tão frequentemente referenciado na pesquisa realizada em Portugal – é um dos grandes dinamizadores do comércio local. Os contactos realizados nas feiras e mercados de Gabu, Canchungo e Bissau revelaram que uma parte das mercadorias que são vendidas nestes contextos é oriunda de Portugal. Uma das entrevistadas descreveu a forma como o processo decorre: “o meu irmão compra as roupas em Lisboa e envia para mim. Ele tenta aproveitar as viagens de pessoas conhecidas para poupar o dinheiro do despacho, mas às vezes também envia através da agência. Vende-se tudo muito bem porque são coisas que não existem aqui e as raparigas gostam muito de moda (…) o dinheiro que ganho dá para sustentar a casa e a família (…) também me manda dinheiro, e manda-me roupa.” (Entrevistada nº 7, Gabu). As feirantes entrevistadas no mercado de Bandim, em Bissau confirmaram esta informação. Uma das entrevistadas enfatizou que “no Bandim, todas as bideiras vendem roupa e sapatos de fora, aqui (na Guiné-Bissau), não se produz disto. Muita coisa é do Senegal, mas o que mais vende 120


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vem da Europa, Portugal, Espanha, França. Mas vem mais de Portugal, que é onde há mais guineenses” (entrevista nº9, Bissau). Verificou-se também que este tipo de relação comercial é em grande medida alicerçada em relações familiares, não sendo frequente a existência de laços estritamente comerciais, ou seja, são poucas as empresas formalmente constituídas, com contratos de trabalho ou empréstimos formalizados. Constata-se novamente, a importância do capital social para a dinâmica económica do transnacionalismo guineense, porque as relações de confiança são o elemento fundamental de todo o processo, tendo em conta que este decorre em moldes sobretudo informais. Imagem 6 Venda de roupa na varanda da casa da entrevistada, Gabu (Abril de 2009)

Dada a natureza informal do processo, não é possível distinguir para fins de análise a quantidade de bens que tem um fim comercial daquela que tem como destino o círculo familiar, que será também significativa. No entanto, todos os pequenos negócios alimentados pelas ligações existentes entre os migrantes e as respectivas famílias no país de origem constituem no seu conjunto um importante nicho de mercado na Guiné-Bissau. Asseguram uma fonte de rendimento para muitas famílias, dinamizam o comércio local, gerando emprego e garantindo o desenvolvimento de uma actividade produtiva.

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A investigação realizada na Guiné-Bissau confirmou a já indiciada bi-direccionalidade do trânsito de bens, que também fluem no sentido da diáspora guineense em Portugal. Mais de 72% dos inquiridos mencionou o envio, mais ou menos regular, de produtos alimentares, produtos de cosmética e de vestuário para os seus parentes emigrados. Os meios preferenciais de envio são amigos/conhecidos que viajam para Portugal e as agências de transitários guineenses, sendo referido por todos os inquiridos que são agências “de confiança” e onde os preços praticados são significativamente inferiores aos das agências formais (cerca de metade a um terço mais barato, dependendo da quantidade enviada). Para além das remessas financeiras e do envio bi-direccional de bens, quer com fins comerciais quer privados, também foi possível observar um conjunto de investimentos produtivos realizados pelos migrantes na Guiné-Bissau. Em Gabú, um empresário que foi responsável pelas grandes obras públicas ali realizadas, como a construção do mercado local, viveu em Portugal durante mais de 15 anos, trabalhando sempre no sector da construção civil. Tendo regressado à Guiné-Bissau realizou vários investimentos. O primeiro foi a construção de uma discoteca/espaço de espectáculos, que actualmente emprega mais de 12 pessoas. O segundo foi a criação de uma empresa de construção civil, que já chegou a empregar mais de 200 pessoas. Um outro migrante de Gabú, que continua a residir em Portugal ainda que se desloque frequentemente à Guiné-Bissau, abriu uma fábrica de produção de gelo na sua cidade natal, que serve toda a região Leste e Sul da Guiné-Bissau. O empreendimento cresceu e hoje em dia contempla também a produção de material para construção civil, e a venda e aluguer de equipamentos para esse sector, empregando mais de 20 pessoas e sendo referenciada como uma das maiores empresas da região de Gabú.

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Imagem 7 Fábrica de gelo DUMA, Gabu (Abril de 2009)

Uma outra área de investimento recorrente é a clássica construção de habitação, não só para uso próprio, mas também para venda e/ou aluguer. Estas iniciativas, para além de serem impactantes na paisagem das cidades, também se traduzem na injecção de capital nas economias locais, promovendo o rendimento e o emprego associado à construção civil.

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Imagem 8 Prédio construído por migrante residente em Portugal para fins produtivos, Gabu (Abril de 2009)

São também numerosos os casos de migrantes que constroem ou reabilitam uma habitação para fins particulares, fenómeno transversal a qualquer uma das regiões estudadas no decurso da investigação. Imagem 9 Casa reabilitada por migrante residente em Portugal para fins particulares, Canchungo (Junho de 2009)

Para além dos investimentos no sector do vestuário e da construção civil, também foram identificados investimentos realizados por migrantes

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no sector dos transportes, tanto ao nível dos transportes urbanos (táxis e toca-tocas), como nos transportes regionais (os chamados sete place). Dos 28 taxistas de Bissau questionados sobre este assunto, 9 referiram que o táxi que conduziam era propriedade de um migrante, para quem o exploravam em troca de um salário mensal. Ainda 6 destes, ou seja, 21% dos questionados, informaram que o táxi era propriedade sua, tendo sido “oferecido” por um parente migrado, para que a respectiva família pudesse ter uma fonte de rendimento assegurada em Bissau. Três dos oito condutores de sete-place inquiridos revelaram o mesmo padrão. Apesar da dinâmica identificada, existem constrangimentos significativos associados às dinâmicas de transnacionalismo económico dos migrantes guineenses. No que diz respeito aos investimentos realizados e ao empresariado transnacional verificou-se que há um potencial inexplorado e simultaneamente um impacto limitado devido ao fraco ambiente institucional e legal, à burocracia e à inexistência ou não aplicação de mecanismos facilitadores do investimento privado. Foram numerosos os entrevistados que referiram o quanto estes factores desencorajam ou limitam o investimento dos migrantes guineenses no seu país de origem: “Existem mecanismos específicos para apoiar os migrantes, mas não são aplicados (…) e há muitas coisas que não se concretizam, como o empresário guineense que queria criar uma companhia aérea em Bissau, por causa da burocracia. Aqui, tudo demora muito tempo e tem que se pagar muito suborno” (entrevistado nº 1, Bissau). Outro informante notava que “os migrantes ajudam muito a Guiné-Bissau, mas poderiam fazer mais, se o Estado contribuísse. Algumas iniciativas de negócios ou investimentos que se promovem acabam por não se concretizar quer devido aos bloqueios burocráticos quer devido à instabilidade política. Mesmo a construção de casas é problemática, porque as pessoas tentam logo vender tudo mais caro aos emigrantes, porque eles têm mais dinheiro. Como consequência, alguns emigrantes têm optado por construir as suas casas no Senegal, bem como investir 125


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nesse país o seu dinheiro”. (entrevistado nº3, Bissau). Mesmo ao nível do envio de bens, as dificuldades são substantivas, como referiu um dos entrevistados: “há muitas dificuldades em enviar coisas, é muito caro e a alfândega cobra muito e rouba” (Entrevistado nº 1, Gabu). Informação confirmada por outro entrevistado que referia que “os problemas da alfândega são muitos. Isso promove o desinvestimento e os migrantes acabam por construir mais coisas no Senegal do que aqui (em Canchungo)”. Como resumiu o entrevistado nº8 (Gabu), “o Estado bloqueia as iniciativas dos migrantes; haveria muito mais investimento por parte dos migrantes se o Governo apoiasse. Os manjacos (região de Cacheu) investem mais no Senegal e os de Gabu investem mais em Conacri do que na Guiné-Bissau”. Outro entrevistado notava que “cada vez mais os migrantes preferem construir as suas casas no Senegal. É perto e é tudo muito mais barato e lá não tentam explorá-los, como aqui” (entrevistado nº 4, Canchungo). Esta perda do investimento dos migrantes guineenses para os países vizinhos é já reconhecida e têm sido envidados alguns esforços para a melhoria desta situação. Em entrevista a um jornal nacional, o Presidente da Câmara Municipal de Bissau declarava que “sou testemunho vivo de que muitos dos nossos emigrantes ao invés de fazerem os seus investimentos cá na Guiné-Bissau, optam pelo Senegal e Gâmbia, devido à facilidade na obtenção de terreno” (Jornal No Pincha, 3 de Dezembro de 2009, pág.9). No entanto, até ao momento, este reconhecimento não se traduziu em estratégias efectivas para ultrapassar os obstáculos identificados. Importa ainda reflectir sobre os impactos das remessas financeiras em sentido convencional, ou seja, sobre o dinheiro que é enviado numa base regular para a família do migrante e que se esgota, como já a investigação em Portugal indicara e a da Guiné-Bissau confirma, em bens e serviços de primeira necessidade: alimentação, educação, saúde, para além de bens de consumo. A crítica tradicional da escola pessimista 126


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aplica-se aqui: verifica-se que em nenhum dos casos observados, o dinheiro recebido é utilizado em actividades que garantam a subsistência da família e que contribuam para romper o círculo de pobreza em que esta se encontra. Mas duma perspectiva global, e tendo em conta o nível de desenvolvimento da Guiné-Bissau e a fragilidade da sua governação, conclui-se que o acesso a uma alimentação de qualidade, à educação e à saúde de base são investimentos altamente produtivos na perspectiva do desenvolvimento humano. Outra crítica recorrente relaciona as remessas com a criação de efeitos inflacionários nas economias locais. Esta situação verifica-se na Guiné-Bissau, mas de uma forma descriminada, ou seja, constataram-se de facto efeitos inflacionários mas somente para os migrantes. Na prática são aplicados preços mais elevados para os migrantes, assumindo-se que estes possuem um poder de compra que lhes permite “pagar mais caro”, o que não é feito de forma generalizada para a população não migrante, porque uma equivalente subida de preços para esses públicos significaria a perda de um importante (e regular) fluxo de clientes. A já referida perda de investimento dos migrantes para os países limítrofes é uma das consequências deste efeito inflacionário, mas têm surgido também tensões entre a população local e a população migrante. O conflito que opôs os migrantes que se tinham deslocado a Cacheu para participar numa cerimónia tradicional aos comerciantes de carne locais, que tinham mais que duplicado o custo dos seus animais, constitui um de vários exemplos. Constatou-se ainda que as remessas afectam as comunidades de forma desigual, o que provoca desequilíbrios visíveis entre as famílias beneficiadas e não beneficiadas. Este desequilíbrio perturba as relações de vizinhança e de solidariedade, fundamentais em contextos de pobreza generalizada, e contribui para alimentar a pressão migratória. Esta pressão é também alimentada pela presença e comportamento dos próprios migrantes. Na generalidade dos casos observados, o sucesso do 127


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projecto migratório é validado em grande medida pela aquisição de bens materiais pelos migrantes e respectivas famílias. Um jovem guineense, entrevistado em Gabu, referia que “quando os migrantes chegam à cidade, toda a gente fica a olhar para as roupas, para os relógios, para os sapatos. Quando eu conseguir emigrar também vou ser assim. Porque aqui, (na Guiné-Bissau), não existe nada para nós.” E face a isto, mesmo os que relatam a realidade da vida migratória – com todas as dificuldades e limitações, particularmente para os menos escolarizados – tendem a surgir aos olhos dos restantes como o exemplo a seguir. È importante notar ainda que as remessas acentuam a já existente desertificação rural provocada pela migração interna rumo aos centros urbanos, porque os migrantes tendem a concentrar os seus investimentos, sobretudo a construção de habitação, nas cidades e particularmente na capital, arrastando as respectivas famílias no processo. As remessas tendem também a provocar o abandono da agricultura como modo de produção, quer porque a migração em si provoca a perda de mão de obra jovem e produtiva, quer porque as pessoas que permanecem nas zonas rurais acabam por não cultivar as terras, optando por sobreviver a partir do dinheiro enviado pelos seus familiares, como notou um dos entrevistados em Canchungo. No entanto, a migração também equilibra o mercado de trabalho guineense, ao garantir o escoamento de uma parte da força produtiva que a actual situação económica do país não permite inserir plenamente. Em suma, constata-se que as dinâmicas transnacionais de tipo económico servem como estratégias para colmatar a dificuldade de acesso ao crédito das populações locais, devido quer à fraca implantação quer à fala de familiarização dos guineenses com o sistema bancário, quer ainda à impossibilidade de oferecer garantias reconhecidas. Verifica-se ainda que os migrantes são importantes para a dinamização das economias locais, através das importações de pequena escala, de natureza informal e invariavelmente familiar que sustentam numerosos negócios e que, consequentemente, promovem o emprego e a geração de rendimentos. 128


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Existem ainda investimentos realizados por migrantes com um fim claramente produtivo que, constatou-se, injectam dinheiro nas economias locais, dinamizam o tecido produtivo ou o sector dos serviços e geram rendimento e emprego. E mesmo os investimentos que são classicamente classificados como “não produtivos”, como a construção ou reabilitação de casas para fim particular, têm impactos nas economias locais que são inegáveis, ao promover a produção local e ao gerar emprego para os guineenses. A natureza dos impactos é, todavia, ambígua. Paralelamente aos efeitos positivos de dinamização da economia local, de promoção de rendimento e emprego, e de garantia de um acesso acrescido aos serviços básicos de educação e saúde, as práticas de transnacionalismo económico têm também consequências perversas. O efeito “desequilibrante” das remessas e a potencial situação de dependência que criam são os mais evidentes. Acrescem ainda o incremento da desertificação rural e a paralisação da actividade agrícola, bem como o aumento da pressão migratória como consequência do efeito de mimetização de um projecto migratório tido como bem sucedido. Para além de ambíguos, conclui-se que os impactos do transnacionalismo sócio-cultural identificados são claramente limitados face ao potencial tendencialmente positivo que possuem. Os investimentos realizados pelos migrantes ficam aquém do possível ou não chegam mesmo a ser concretizados devido à falta de um ambiente propício ao negócio, o que inclui tanto a falta de regulação dos mercados – o que permite o efeito especulativo que tem levado à perda de investimentos em favor do Senegal ou da Guiné-Conacri – como a falta de legislação encorajadora, a burocracia excessiva e a corrupção. Por último, conclui-se que também a este nível, os migrantes guineenses têm um impacto incontornável no desenvolvimento do respectivo país de origem. As actividades económicas que promovem, tanto directa como indirectamente, são relevantes no seu conjunto para a dinamiza129


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ção da economia guineense. E mesmo as remessas, apesar da problemática associada, têm efeitos que não podem ser negligenciados sobre aspectos fundamentais do desenvolvimento humano na Guiné-Bissau.

6.8. Impactos do transnacionalismo político As dinâmicas consideradas no âmbito do transnacionalismo político incluem toda a forma dos migrantes participarem ou influenciarem os acontecimentos políticos no seu país de origem. À semelhança dos dois pontos anteriores, a orientação da investigação realizada na Guiné-Bissau tomou como ponto de partida os resultados obtidos em Portugal. Como verificado, mais de 90% dos inquiridos em Portugal gostaria de poder exercer o seu direito de voto na Guiné-Bissau e cerca de 60% entendem que o mesmo deveria ser válido para as eleições realizadas em Portugal. Os indivíduos entrevistados na Guiné-Bissau partilham desta perspectiva, sendo que a maioria entende que o direito de voto dos migrantes deveria ser efectivo, ou seja, deveriam ser facilitados os mecanismos (recenseamento e acto eleitoral) para que os migrantes pudessem efectivamente votar, o que não sucede desde 1999/2000. Entendem ainda que o direito de voto dos migrantes deveria ser extensível às presidenciais. As razões invocadas pelos entrevistados na Guiné-Bissau para justificar esta participação assentam sobretudo no contributo percebido dos migrantes para o desenvolvimento do país. Notava o entrevistado nº 14 que “os guineenses que residem na Europa acompanham sempre a situação do país e dão a sua contribuição condignamente”. Outro referiu que “os migrantes continuam a ser cidadãos, mesmo estando fora do país” (inquirido nº8). Um dos inquiridos referia ainda que a participação dos migrantes era muito importante porque “têm experiência das sociedades mais avançadas”. Apesar do reconhecimento generalizado da importância do voto dos 130


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migrantes para a Guiné-Bissau, este não se concretiza desde as eleições de 1999/2000. Segundo os entrevistados, as razões pelas quais os migrantes não votam resultam da incapacidade do Estado guineense em organizar o processo aliada à falta de vontade política. Uma informante privilegiada fez notar que “nunca houve um processo eleitoral normal na Guiné-Bissau, que acontecesse no tempo devido. As eleições têm sido sempre realizadas como consequência de golpes de Estado, quedas de Governo ou mais recentemente, devido à morte do Chefe de Estado. As eleições são sempre um enorme desafio para o país e só se conseguem fazer graças ao grande apoio da comunidade internacional, porque o país não tem nem os meios nem a capacidade de organização necessárias. Até ao último momento, há sempre dúvidas se será possível fazer o escrutínio, se as mesas de voto abrirão a tempo, se os boletins de voto estarão prontos. Estas dificuldades serão ainda maiores para organizar o voto na diáspora.” (Entrevistada nº 7, Bissau). Às dificuldades de organização acresce, segundo as informações obtidas, a falta de vontade de ceder espaço político aos migrantes. Um dos entrevistados referiu que “o problema é que cá (na Guiné-Bissau) se pensa que os emigrantes vão ser pela oposição, porque trazem ideias novas, porque como estão fora acompanham melhor a situação do país e o isolamento em que vivem leva-os a procurar mais informação. Depois os migrantes têm mais capacidade financeira, podem apoiar com dinheiro (entrevistado nº1, Bissau). Outro entrevistado enfatizou que “se a diáspora pudesse votar, tinha poder para mudar as coisas. O poder instituído tem medo disso, não dá espaço, não vai permitir que isso aconteça” (inquirido nº4, Canchungo). Por último, foi ainda referido que “os migrantes querem participar nas eleições mas o Governo não facilita; mas as pessoas que estão fora influenciam os votos dos que estão cá; porque eles têm muita informação e sabem mais coisas” (Entrevistado nº 5, Gabu). Foram numerosas as referências ao “voto por telefone”, que se expressa de formas diversas. Alguns entrevistados informaram que é frequen131


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te que os migrantes sensibilizem as suas famílias sobre que candidato apoiar ou em que partido votar nos processos eleitorais. Outros afirmaram que o processo vai ainda mais longe e que existe de facto o voto por procuração, necessariamente informal, em que o familiar vota pelo emigrante, seguindo a orientação de voto que este dá. Em qualquer um dos casos, confirma-se que a influência política dos migrantes é real e de larga escala, quando se considera que pelo menos 70% das famílias guineenses se encontra directa ou indirectamente envolvida em circuitos migratórios. A influência dos migrantes é baseada numa legitimidade reclamada pelo seu maior poder económico e por um alegado acesso acrescido a informação. Um entrevistado referia que “os migrantes seguem atentamente o que se passa na Guiné-Bissau; às vezes são eles que contam o que se está a passar, nós não sabemos. Mas eles falam só para nós, não falam lá fora, porque há algum receio de represálias sobre a família.” (entrevistado nº 3, Gabu). A capacidade dos migrantes influenciaram a popularidade dos políticos guineenses e os resultados eleitorais é validada pela própria classe política guineense que investe fortemente nas campanhas eleitorais junto da diáspora e que não hesita em invocar o seu apoio para reivindicar o voto dos guineenses. Tal como verificado na investigação realizada em Lisboa, as principais forças políticas nas duas últimas eleições (Novembro de 2008 e Junho/Agosto de 2009) realizaram verdadeiras campanhas eleitorais noutros países africanos, sobretudo no Senegal, e na Europa, particularmente em França e Portugal, onde chegaram a ser abertas sedes de campanha (pelo PRS, na Rua do Salitre) e onde foram realizados comícios em Lisboa, Porto, Coimbra e Algarve. A invocação do apoio dos migrantes para fortalecer a campanha política pode ser exemplificada pela seguinte notícia de jornal, publicada em período de campanha eleitoral “o PT, em colaboração com os seus militantes na diáspora, vai construir um pequeno complexo desportivo em Bissau” (No Pintcha, 06 de Novembro de 2008, pág.9). Verifica-se que a diáspora guineense tem formalmente direito ao voto, 132


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embora na prática não o possa exercer. Ainda assim influencia significativamente os resultados eleitorais e como tal, é alvo de verdadeiras campanhas além-fronteiras. Há ainda um efeito multiplicador que é interessante destacar. Se também na Guiné-Bissau, como notam a maior parte dos estudos realizados sobre esta matéria, os indivíduos ligados às redes migrantes internacionais participam mais nos assuntos da comunidade local, apoiam mais os princípios democráticos e são mais críticos em relação à governação dos seus países (PNUD, 2009), então o poder político dos migrantes é claramente incontornável. Tardando em reconhecer o papel dos migrantes e em alargar os seus direitos políticos, ao contrário de países como a Turquia ou Marrocos, na Guiné-Bissau só em Março de 2010 se tornou possível obter dupla nacionalidade. Até então, a legislação guineense determinava que a obtenção de uma segunda nacionalidade implicava a perda da nacionalidade guineense. Tal significava que o guineense que obtivesse, por exemplo, a nacionalidade portuguesa, era forçado a abdicar da nacionalidade guineense, embora pudesse vir a recuperá-la mais tarde, se desistisse da nacionalidade entretanto adquirida e se realizasse um pedido expresso nesse sentido. Existiu um debate público sobre esta matéria, alimentado em grande medida pela diáspora guineense, como revela o seguinte artigo publicado num dos jornais nacionais: “Aqueles que na Guiné-Bissau se inspiraram no Obama durante as legislativas de Novembro de 2008, deviam agora sair em defesa de uma lei de cidadania realista e actualizada em função do estatuto de refugiado e de emigrante da maior parte da diáspora guineense e que, por vias disso, se viu obrigada a optar por uma segunda nacionalidade, sem que isso signifique rejeitar a nacionalidade de origem, ou desinteressar-se pelo seu país natal. Pelo contrário, é com base nessa segunda nacionalidade que os emigrantes guineenses conseguem ajudar o país e os seus irmãos com as remessas económicas que têm enviado” (Jornal Gazeta de Notícias, 30 de Abril de 2009, pág. 7.) 133


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Invariavelmente, como notam a maioria dos estudos realizados, (PNUD, 2009), os migrantes actuam como agentes de mudança social e política, não só quando regressam mas também devido aos contactos regulares que mantém com as respectivas localidades de origem e à pressão que exercem junto dos seus governantes. Nesta matéria, a Guiné-Bissau não constitui excepção. Em suma, verifica-se que os migrantes guineenses têm uma participação activa na vida política dos seus países de origem. Esta participação desenvolve-se por vias informais porque os mecanismos previstos para o efeito não são postos em prática e porque o enquadramento legal até há bem pouco tempo impossibilitava a figura da dupla cidadania. Estes constrangimentos limitam o potencial da influência política dos migrantes sobre os seus países de origem, uma influência tida como tendencialmente positiva tendo em conta o nível de informação acrescido dos migrantes e a sua experiência em contextos de democracias mais amadurecidas. Há uma outra limitação que se prende com as condições de vida dos migrantes no respectivo país de destino. Em Portugal, um dos entrevistados questionava “pergunte a qualquer um de nós (migrantes guineenses) quais são as nossas obrigações na sociedade portuguesa. Poucos sabem. Há uma falta de responsabilidade da nossa parte, e o Estado Português não facilita a nossa informação”. O potencial de aprendizagem da democracia inerente à vivência dos migrantes em Portugal é seguramente relevante mas é limitado pela falta de experiência e de envolvimento dos migrantes na dinâmica política portuguesa. Outro constrangimento resulta da dificuldade de organização da própria comunidade guineense em Portugal. Verificou-se que, ao contrário de outras diásporas, e apesar da forte dinâmica associativa, os migrantes guineenses têm dificuldade em organizar-se em torno de objectivos comuns. As dificuldades que têm impossibilitado a concretização da Federação das Associações de Migrantes Guineenses, que pudesse efectivamente funcionar como um interlocutor de peso junto do Estado 134


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Guineense e do Estado Português constituem o exemplo mais evidente. E assim sucede que, tal como notou um dos entrevistados, “os migrantes têm alguma noção do seu poder, mas não têm plena consciência do que podem fazer” (entrevistado nº 3, Bissau). Concluindo, a informação obtida permite confirmar o âmbito e a expressão do transnacionalismo de tipo político protagonizado pela diáspora guineense. A partir de Portugal (e de outros países) a diáspora guineense acompanha, informa e influencia activamente os acontecimentos políticos no seu país natal. À semelhança dos transnacionalismos de expressão sócio-cultural e económica, esta também é uma dimensão onde os migrantes guineenses assumem um papel determinante nos quotidianos e nos destinos do seu país.

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7. Os caminhos da diáspora Conclui-se a apresentação dos resultados recolhidos no âmbito da presente investigação com uma reflexão sobre as perspectivas de futuro da diáspora guineense, tendo em conta as tendências identificadas ao nível das possibilidades de retorno, bem como as possibilidades de remigração à luz da distribuição espacial das diásporas existentes noutros países Segundo a teoria das redes migratórias, as pessoas tendem a migrar para locais onde possuam parentes ou amigos, não só por questões afectivas mas também porque esses laços são relevantes para a obtenção de informação, alojamento e emprego, principalmente nos primeiros tempos de estada. No caso dos migrantes guineenses, constatou-se que mais de 96% dos inquiridos referiram que possuíam já familiares ou amigos a residir em Portugal no momento em que chegaram e destes, 93% afirmaram que o apoio dessas pessoas foi muito importante para a sua vinda para Portugal. Esse apoio traduziu-se em vários aspectos, como revela o gráfico seguinte: Gráfico 19 Apoio concedido aos guineenses que migraram para Portugal pelos seus parentes e amigos que já se encontravam a residir no país

Como se pode verificar, também no caso da Guiné-Bissau, o apoio dos familiares e amigos foi extremamente importante para o migrante, particularmente nos primeiros tempos da sua chegada. A disponibilização de alojamento, que foi o apoio mais referenciado, juntamente com o paga137


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mento da viagem e disponibilização de emprego constituem condições de base que, tendencialmente, levam o migrante a deslocar-se para destinos onde estas se encontrem garantidas. A importância do capital social nesta comunidade – uma característica-chave da lógica migratória guineense, como verificado – permite antever possíveis itinerários para o futuro da diáspora guineense actualmente residente em Portugal. Antes de mais, é relevante notar que o processo migratório dos guineenses frequentemente se dá por etapas, e que Portugal pode não constituir um destino definitivo se as condições almejadas não se encontrarem reunidas, como já notara Machado (2002). Como mostra a figura seguinte, em mais de 20% dos casos, a migração para Portugal foi antecedida por outra experiência migratória prévia:

Gráfico 20 País destino da primeira experiência migratória dos guineenses

Verifica-se que o Senegal constitui o único destino de migração prévio significativo, tendo sido a resposta dada em mais de 10% dos casos. Esta experiência verificou-se, para 63% dos inquiridos, durante a Guerra Civil de 98, o que revela o papel que este país desempenhou como refúgio durante o conflito. A proximidade geográfica também facilita naturalmente a passagem por este país, que continua a ser um destino de referência. A estadia prévia noutros países europeus foi em 50% dos casos para fins académicos e noutro tanto em missões de serviço prolongadas. As esta-

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dias em outros países não europeus (particularmente Cuba e Marrocos) foram, na totalidade dos casos considerados, para fins académicos. O prosseguimento da vida migratória após a obtenção de um grau superior sugere que o país de origem não oferece as condições necessárias para atrair e fixar os seus quadros formados no estrangeiro. Esta conclusão é validada pela análise dos obstáculos percebidos pelos migrantes ao seu eventual retorno à Guiné-Bissau.

Gráfico 21 Condições necessárias para retornar à Guiné-Bissau

A possibilidade de retorno a médio prazo é obstaculizada por várias razões. O gráfico revela que a existência de possibilidades de inserção no mercado de trabalho guineense constitui a condição mais relevante para a maioria dos inquiridos, particularmente para os mais jovens, juntamente com a realização ou conclusão dos estudos. Confirma-se assim um potencial de retorno latente no grupo analisado, particularmente para os jovens quadros. A acumulação de dinheiro suficiente, que permita realizar um investimento na Guiné-Bissau foi a segunda razão mais referida. Um dos inquiridos referia que “ainda não organizei definitivamente”, enquanto outro afirmava claramente que “não posso voltar agora, era feio, não tenho nada”. O terceiro tipo de razão que leva a que o retorno, como nota um autor, seja tanto um mito quanto uma realidade desencorajada (Có, 2004),

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é uma das que mais foi invocada para justificar o abandono do país de origem, nomeadamente os problemas de subdesenvolvimento que afectam a esmagadora maioria da população. Os resultados obtidos revelam que a estabilização da situação política e governativa da Guiné-Bissau e o seu desenvolvimento, sobretudo ao nível das infra-estruturas e serviços de base: electricidade e água canalizada, saúde e educação, são a condição chave em 25% das respostas. Verifica-se assim que a diáspora se divide entre uma vontade expressa de regressar - e um sentido de responsabilidade claramente assumido para com o desenvolvimento do seu país – e o desencorajamento decorrente da falta de oportunidades e de condições de vida no seu país de origem. E assim sendo, enquanto um dos inquiridos fazia notar que “gosto de viver na Guiné, não podemos deixar que as circunstâncias nos demovam, se ninguém voltar nada vai mudar” (inquirido nº 50), outro afirmava decididamente que “se o país continuar na mesma, não volto” (inquirido nº44). O gráfico seguinte confirma esta ambiguidade, ao revelar que metade dos inquiridos pretende regressar à Guiné-Bissau a curto prazo, enquanto 30% pretende continuar o percurso migratório:

Gráfico 22 Intenção de mobilidade por percentagem de inquiridos

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Para os inquiridos que pretendem regressar à Guiné-Bissau num futuro imediato, esta é uma opção baseada tanto em registos afectivos “o meu coração assim o diz, quero estar com os meus conterrâneos” “(inquirido nº19) como em argumentos de ordem mais pragmática “tenho um grande mercado de trabalho lá para a minha área de formação” (inquirido nº 4), como numa certa desilusão com a situação actual de Portugal “já estou cansada de trabalhar aqui, isto está cada vez pior” (inquirido nº 53). Cerca de 21% reitera a opção de continuar em Portugal. As principais razões invocadas para justificar a permanência no território português prendem-se com as boas condições de educação e de saúde, particularmente relevantes para os inquiridos cujos filhos também estão em Portugal. Uma parte significativa dos inquiridos referiu ainda a não completa concretização do projecto migratório como justificação para adiar um retorno no imediato, como referiu o inquirido nº60 dizendo “ainda preciso orientar a minha vida”. Cerca de 9% dos inquiridos pretende migrar para um outro país. A opção de migrar para outro país é justificada quer pelas diferenças salariais entre Portugal e outros países europeus quer pela vontade de continuar os estudos noutro contexto. Identificar os países onde actualmente se encontra a diáspora guineense pode fornecer indicações sobre eventuais destinos de remigração dos migrantes guineenses que residem actualmente em Portugal, tendo em conta que esta migração frequentemente se dá por etapas e partindo do pressuposto da teoria das redes. O gráfico que se segue apresenta os principais países referidos pelos inquiridos quando questionados sobre a localização de familiares que residem fora da Guiné-Bissau:

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Gráfico 23 Número de referências a familiares dos inquiridos emigrados noutros países

Verifica-se a grande diversidade de destinos, bem como a emergência de Espanha como o destino mais citado, acima dos destinos tidos como tradicionais da migração guineense, a França e o Senegal, que ainda assim continuam muito expressivos. È curioso notar a menção recorrente de destinos classicamente associados à migração portuguesa, como o Luxemburgo e a Suíça, bem como a emergência de países que não costumam ser associados à migração guineense, nomeadamente a Inglaterra e os Estados Unidos, o que pode decorrer da influência do padrão de migração cabo-verdiana sobre a migração guineense. O Brasil também se afirma como uma referência a reter, um destino no mundo lusófono encorajado pelo crescente desenvolvimento económico do país e pela sua activa política de cooperação para o desenvolvimento na Guiné-Bissau, que tem garantido numerosas bolsas de estudo a universitários guineenses. O cartaz que se apresenta em seguida revela o itinerário da tourné de um jovem músico guineense, confirmando a relevância dos destinos actuais da diáspora guineense:

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Imagem 10 Cartaz da tourné de Patche di Rima

Os destinos dentro do continente africano, para além do Senegal, incluem predominantemente Cabo Verde e em seguida a Gâmbia, com referências também à Guiné-Conacri, o que confirma que a migração no circuito dos países limítrofes continua a ser uma opção para os migrantes guineenses, ainda que provavelmente devido à proximidade geográfica e facilidade de mobilidade não tenda a adquirir um carácter definitivo, ao contrário dos outros destinos. Nas entrevistas realizadas na Guiné-Bissau, a referência a estadas mais ou menos prolongadas nos países vizinhos (não incluindo Cabo Verde) foram muito frequentes. No entanto, quando questionados se acreditam que “um dia” regressa-

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rão à Guiné-Bissau, 87% dos inquiridos responderam afirmativamente. A ideia de retorno, ainda que num futuro abstracto é alimentada por uma ligação de natureza afectiva com a Guiné-Bissau, como expressaram muitos dos inquiridos referindo que “um migrantes pensa sempre no seu país”, “a nossa terra não tem igual” ou que “é o laço que temos, não podemos quebrar”. Existem também referências a um sentido de responsabilidade ou de vontade de contribuir para que o país ultrapasse os constrangimentos. Um inquirido referiu que “tenho que ir para lá (Guiné-Bissau), dar a minha contribuição”. Um outro notava que “a nossa geração (jovem) tem uma responsabilidade tremenda com o país, acredito que posso e devo contribuir”, ou como resumiu o inquirido nº9 “estou convicto que nós (os migrantes), os que temos alguma visão, temos a obrigação de regressar e apoiar a Guiné-Bissau”. Todavia, é relevante notar que dos mais de 89% dos inquiridos que entende que pode contribuir para o desenvolvimento da Guiné-Bissau, só 27% apontam o retorno como condição necessária. Ou seja, a maioria dos guineenses acredita que pode continuar a ajudar o seu país na situação de emigrante, através do envio de remessas para as respectivas famílias, do investimento em pequenos negócios, da transferência de competências, da informação e sensibilização em questões-chave, particularmente ao nível da participação política e cidadã. Neste contexto, a migração circular e temporária é apontada como uma das formas de conciliar a vontade de contribuir para o país com a manutenção das oportunidades que o contexto migratório oferece. Mais de 85% dos inquiridos em Portugal apontaram o critério “mobilidade acrescida” como a condição que mais favoreceria a sua relação com o país de origem, à qual são associadas vantagens adicionais onde, para além das questões afectivas (maior facilidade de manutenção dos laços familiares, de um lado e de outro), foram referidos, em 28% dos casos, o desenvolvimento de negócios entre Portugal e a Guiné-Bissau. Para mais de 13% dos inquiridos as vantagens da mobilidade acrescida 144


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são associadas à possibilidade de prosseguir os estudos e realizar especializações profissionais. Globalmente, e à semelhança de outros contextos, também na Guiné-Bissau são as limitações à mobilidade que tendem a transformar uma migração potencialmente temporária e circular em migração definitiva, devido ao receio percebido pelos migrantes de que um retorno ainda que temporário possa não se traduzir numa nova oportunidade para migrar, caso o migrante assim o entenda. A mobilidade acrescida é ainda perspectivada como uma estratégia particularmente interessante para colmatar o impacto da saída de quadros e o não retorno daqueles que saem para estudar, o chamado brain-drain. Estudos realizados (PNUD, 2009) revelam que a falta de empregabilidade, as más condições de trabalho e a utilização ineficiente dos quadros existentes traduzem-se num desperdício e numa ineficácia que não são compensados pela permanência dos quadros nessas condições. A emigração é assim uma estratégia evidente para melhorar as condições de vida dos migrantes qualificados, mas também uma forma eficaz de promover o desenvolvimento do país a partir da diáspora, uma vez que à semelhança dos migrantes não qualificados, também estes enviam remessas e estruturam redes sociais que beneficiam o seu país de origem. Adicionalmente, há dados que evidenciam uma relação positiva entre a migração circular de quadros qualificados e o investimento estrangeiro por parte dos respectivos países de acolhimento, bem como das trocas comerciais entre os países de origem e de destino (PNUD, 2009). Em suma, a migração guineense apresenta um padrão diversificado, entre África, a Europa e o continente americano, em que Portugal continua a surgir como um destino preferencial, embora outros destinos se afirmem como crescentemente atractivos. As dinâmicas de remigração já identificadas (Carreiro, 2007) poderão conhecer um incremento, sobretudo no caso da situação económica em Portugal permanecer pouco 145


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atractiva. A verificarem-se, será de esperar que, seguindo a lógica das redes migratórias, estes migrantes guineenses que actualmente residem em Portugal se desloquem para países onde já existem familiares e amigos, como verificado no gráfico 23. Coexistindo, ou alternativamente, poderá verificar-se uma dinâmica significativa de retorno para a Guiné-Bissau, principalmente se os constrangimentos identificados forem de facto ultrapassados. Apesar da persistência de incidentes político-militares, existem alguns indícios que podem ser tidos como atractivos para os migrantes guineenses, particularmente os jovens quadros. A título de exemplo, refiram-se o actual Programa de Reforma da Função Pública, os esforços de saneamento das finanças públicas ou a Reforma do Sistema de Segurança em curso. Se a estes factores acrescer a persistência da dificuldade de inserção no mercado de trabalho português, nomeadamente para os recém-licenciados, é possível que o retorno seja percebido como uma opção interessante. Resta confirmar se estes sinais positivos serão argumentos suficientes para promover o retorno, ou se pelo contrário, se assistirá sobretudo a uma crescente diversificação dos destinos da diáspora guineense. Num cenário de remigração, os migrantes guineenses que actualmente residem em Portugal levarão consigo a pertença ao país Natal, pelo que as práticas transnacionais nos vários domínios tenderão a permanecer, ainda que necessariamente influenciadas pelo novo contexto de acolhimento do migrante. Mas levarão também tudo aquilo que acumularam durante os anos que residiram em Portugal: a língua, o conhecimento, as ideias e a expertise, podendo pois constituir-se – uma vez mais – como pontes que aproximam Portugal do mundo. Um cenário de retorno seria encorajado pela facilitação da mobilidade, particularmente para os jovens quadros, que poderiam assim combinar estadias mais ou menos prolongadas no país de origem com permanências noutros países que lhes ofereçam oportunidades profissionais e 146


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académicas interessantes. Esta é a situação ideal apontada pela maioria dos inquiridos, uma vez que lhes permitiria manter o seu projecto migratório e, simultaneamente, contribuir directamente para o desenvolvimento do seu país de origem, uma missão na qual mais de 89% dos inquiridos acredita ter um papel a desempenhar. A última questão colocada no inquérito realizado prendia-se com a forma como os inquiridos entendiam o impacto da migração para o desenvolvimento tanto da Guiné-Bissau como de Portugal. Esta questão foi transversal a toda a investigação e foi colocada quer no contexto de Portugal, como no contexto da Guiné-Bissau, a interlocutores individuais, a associações, a instituições públicas e privadas em ambos os países. As mais de 150 pessoas inquiridas forneceram respostas distintas e avançaram argumentos, instrumentos e estratégias que problematizaram de forma diversa esta questão. E todavia, apesar da diversidade dos contextos, dos estratos socioprofissionais, de experiências de vida e de enquadramentos institucionais, mais de 93% responderam afirmativamente.

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8. Conclusões e Recomendações A presente investigação tinha como objectivo geral contribuir para uma caracterização do espaço transnacional lusófono criado pelos migrantes guineenses, orientada para a elaboração de uma estratégia futura por parte dos Estados envolvidos de capitalização do potencial oferecido pelas suas dimensões culturais, sociais, intelectuais, políticas e económicas. A investigação realizada permitiu concluir que a diáspora guineense constrói um espaço transnacional que une Portugal à Guiné-Bissau e que é suportado pelos laços regulares e sustentados que os migrantes guineenses mantêm com o seu país de origem, que se expressam nos domínios social, cultural, económico e político. Esta relação dinâmica influencia claramente as condições de vida dos migrantes e das suas famílias, mas dada a sua escala e natureza, tem também impactos significativos no desenvolvimento global da Guiné-Bissau. Paralelamente, constatou-se que as ligações dos migrantes com a Guiné-Bissau resultam em grande medida da situação e da experiência vivida em Portugal e que, por outro lado, o contexto económico, político e sociocultural de Portugal também é influenciado pela diáspora guineense e pelo fluxo de bens, ideias e competências a ela associadas. A reflexão em torno destes resultados e das oportunidades e constrangimentos inerentes tornou evidente que as múltiplas possibilidades de desenvolvimento económico, social, cultural e político decorrentes deste espaço social transnacional – tanto para Portugal como para a Guiné-Bissau – se encontram aquém do seu potencial. O presente e derradeiro capítulo pretende apresentar um conjunto de recomendações que permitam ultrapassar os constrangimentos identificados e aproveitar cabalmente as oportunidades resultantes da presen149


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ça da diáspora guineense em Portugal, das ligações que mantém com o seu país de origem e com as diásporas radicadas noutros países. As recomendações resultam das conclusões obtidas através da investigação, inspirando-se ainda nos comentários e sugestões de todas as pessoas inquiridas no decurso da investigação, na análise documental efectuada e na prospecção sobre os possíveis itinerários futuros da diáspora. As recomendações são efectuadas a três níveis de execução: em Portugal, na Guiné-Bissau e na diáspora guineense residente em Portugal, complementares que são nas suas responsabilidades e competências nos múltiplos níveis considerados. A sua implementação exigirá, na generalidade dos casos, uma liderança política visionária e vigorosa, a capacidade de estabelecer consensos e a habilidade de estimular a participação de todos os envolvidos. Fica o desafio.

Recomendações A migração regular contribui para o desenvolvimento económico do país de acolhimento, gerando emprego e promovendo a criação de riqueza. Mas a forma como o processo migratório se concretiza é em grande medida determinado pela percepção e pelo nível de informação que os migrantes em potencial possuem. Nesse sentido, é fundamental que os migrantes antes de o serem sejam devidamente informados quer do processo em si quer das condições e lógicas de funcionamento do país de acolhimento. Este enquadramento prévio do migrante facilitará a sua integração na sociedade de acolhimento, inclusive no mercado de trabalho e evitará os percursos ou a queda em situações de irregularidade profissional, contributiva e de residência, que se verificam frequentemente por desconhecimento.

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Recomendação 1 em Portugal: Apoiar o Estado Guineense no reforço de competências do Instituto de Apoio ao Emigrante, em Bissau, tomando como referência, por exemplo, o Centro de Apoio ao Migrante (CAMPO) em Cabo Verde. O estabelecimento de parcerias com Portugal permitirá obter informação adiantada sobre as oportunidades de trabalho existentes, bem como alargar este mercado para incluir também Espanha e França, entre outros destinos preferenciais. O apoio da UE concedido ao projecto realizado em Cabo Verde confirma a sua viabilidade financeira. Este reforço de competências poderá ser concretizado através de parcerias entre o Instituto de Apoio ao Emigrante na Guiné-Bissau e o ACIDI e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras portugueses, tirando partido da competência e experiência acumuladas destas instituições. O recurso a intercâmbios, formações e transferência de meios e competências poderão ser os instrumentos privilegiados no processo.

Recomendação 2 na Guiné - Bissau: Priorizar a capacitação do Instituto de Apoio ao Emigrante e o reforço dos serviços de apoio ao cidadão guineense na diáspora ao nível dos serviços da Embaixada e Consulados da Guiné-Bissau em Portugal. O capital acumulado dos serviços da Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades em Portugal, bem como a experiência bem sucedida dos serviços consulares de Cabo Verde na diáspora poderão ser mobilizados através de parcerias estratégicas para reforçar a competência dos serviços consulares guineenses, garantindo assim um melhoramento do apoio aos cidadãos guineenses residentes em Portugal.

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Recomendação 3 na Diáspora: Tal como verificado, a migração guineense concretiza-se frequentemente a partir das redes existentes entre os migrantes no país de acolhimento e os potenciais migrantes. A experiência de migração e a relação privilegiada que os migrantes possuem junto dos seus familiares e amigos, pode ser mobilizada para informar os potenciais migrantes da realidade do país de destino e para facilitar o seu encaminhamento para os canais de migração regular e para os serviços adequados, tanto na preparação do processo migratório como na chegada ao país de destino. A investigação confirmou que os migrantes guineenses não só têm um papel incontornável no desenvolvimento da Guiné-Bissau como também procuram intervir activamente na vida política e na melhoria de sectores estratégicos do país, como a saúde e a educação. As limitações do Estado guineense que se traduzem, entre outros aspectos, na dificuldade em realizar eleições no estrangeiro e em estabelecer uma relação coordenada com a diáspora do país, têm vindo a impedir a concretização de parcerias efectivas entre ambas as partes – sobretudo ao nível das associações de migrantes - e têm limitado sobremaneira o impacto das iniciativas de desenvolvimento e o investimento da comunidade migrante na Guiné-Bissau. Como verificado, a falta de legislação adequada e a burocracia excessiva condicionam os resultados das iniciativas e abrem espaço para a especulação e para a corrupção, pelo que os impactos positivos dos projectos desenvolvidos pelas associações de migrantes e a quantidade, volume e retorno dos investimentos por estes realizados ficam muito aquém do seu potencial.

Recomendação 4 na Guiné-Bissau: Actualizar o actual Estatuto do Emigrante da Guiné-Bissau, explicitando os direitos e deveres dos emigrantes e reconhecendo formalmente o 152


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seu contributo para o desenvolvimento do país. Concretizar o escrutínio eleitoral na diáspora e alargá-lo para incluir as eleições Presidenciais. Desenvolver um mecanismo de reconhecimento formal das Associações de Migrantes da Guiné-Bissau em Portugal, quer através do registo junto da Embaixada ou assumindo o reconhecimento já concedido pelo ACIDI. Criar um interlocutor para as Associações de Migrantes que pretendam desenvolver projectos locais nas suas comunidades de origem, que permita capitalizar os impactos e explorar eventuais complementaridades. Encorajar as Associações de Migrantes a articularem os seus esforços nas respectivas comunidades de origem com as instituições públicas responsáveis (seja Educação, Água e Saneamento, Agricultura, etc) e no quadro dos Planos de Desenvolvimento Regional existentes.

Recomendação 5 na Guiné-Bissau: Aumentar o volume e o retorno dos investimentos realizados pelos migrantes, através do desenvolvimento de um ambiente encorajador ao investimento e do zelo na aplicação da legislação já existente. Criar legislação específica – taxas exclusivas, maior agilidade e transparência nos processos - que facilite o investimento por parte dos emigrantes e procurar limitar os efeitos especulativos. Aumentar o nível de informação dos emigrantes sobre as oportunidades de investimento e de negócio existentes na Guiné-Bissau, processo no qual a Câmara de Comércio e Industria da Guiné-Bissau poderá desempenhar um importante papel.

Recomendação 6 na Diáspora: Procurar articular as iniciativas desenvolvidas pelas Associações de Migrantes nas localidades de origem com as instituições públicas responsáveis na Guiné-Bissau, bem como com outros agentes de desenvolvimen-

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to com os quais seja relevante estabelecer parcerias e complementaridades. Procurar apoio específico em matéria de reforço de capacidades – ao nível da Gestão de Ciclo de Projecto entre outras possíveis – junto de entidades competentes, como Organizações Não Governamentais portuguesas, de forma a melhorar o impacto e a sustentabilidade das actividades de desenvolvimento promovidas nas respectivas comunidades de origem. Como se verificou, uma parte significativa dos inquiridos gostaria de regressar à Guiné-Bissau. Esse retorno acaba por ser obstaculizado pelas dificuldades percebidas de inserção no mercado de trabalho guineense e pelo receio de não ser possível encetar um novo processo migratório, caso as expectativas que conduziram ao retorno não se concretizem. Esta situação impede o retorno – ainda que tendencialmente não definitivo – de quadros cuja contribuição para o desenvolvimento do país poderia ser significativa. As limitações de mobilidade têm também um impacto no prosseguimento da formação profissional e académica dos guineenses, o que condiciona o aproveitamento destes recursos humanos não só para o desenvolvimento Guiné-Bissau mas também para as instituições de ensino e formação portuguesas, quer do ponto de vista da massa crítica quer do ponto de vista financeiro. Por último, e no domínio sociocultural, as limitações de mobilidade actuais impedem ainda a deslocação dos artistas guineenses, o que condiciona a divulgação da cultura guineense no mundo, e empobrece a diversidade cultural do panorama artístico em Portugal.

Recomendação 7 em Portugal: Facilitar a mobilidade entre Portugal e a Guiné-Bissau, nomeadamente modalidades de migração circular ou temporária, no quadro do Estatuto do Cidadão da CPLP. Facilitar particularmente o prosseguimento

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de estudos e a mobilidade dos quadros, tendo em conta e a necessidade que o país tem destas competência e o potencial que o seu conhecimento privilegiado do país acarreta. Por outro lado, a mobilidade dos migrantes não qualificados que participam em projectos de desenvolvimento no seu país de origem pode ser igualmente facilitada tendo em conta a natureza e âmbito da sua deslocação, sem que tal implique a perda dos direitos legais adquiridos em Portugal. Seria igualmente relevante reforçar a mobilidade dos artistas guineenses, promovendo assim a diversidade cultural e o cosmopolitismo de Portugal, bem como a promoção da cultura guineense.

Recomendação 8 na Guiné - Bissau: A mobilidade acrescida permite colmatar o impacto da saída de quadros e o não retorno daqueles que saem para estudar, e cria a possibilidade de recorrer a estas pessoas pontualmente, no quadro de projectos específicos, com um potencial de capitalização das ideias, competências e conhecimento que não deve ser descartado. O Estado Guineense poderá criar programas de enquadramento e de inserção no mercado de trabalho dos migrantes retornados. A criação de uma base de dados dos quadros guineenses poderia ser um instrumento da maior utilidade para favorecer o reconhecimento e a utilização do capital de conhecimento e experiência acumulados dos migrantes em Portugal em prol do desenvolvimento da Guiné-Bissau, não só para o sector público mas também para o sector privado e para as organizações da sociedade civil e organismos internacionais. O estudo realizado revelou que o fluxo de bens no sentido Bissau - Lisboa é substantivo e que a diáspora guineense em Portugal constitui um mercado importante para os produtos oriundos da Guiné-Bissau. Este facto alarga significativamente o mercado disponível para os produtos e

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bens culturais guineenses e constitui não só uma oportunidade de negócio, mas também uma estratégia privilegiada para a valorização e divulgação da cultura guineense. Por outro lado, verificou-se que o mercado guineense é um destino relevante para os produtos portugueses, ainda que frequentemente este processo se concretize num registo informal. Este facto revela que há um mercado a explorar na Guiné-Bissau também para as empresas portuguesas, que pode ser facilitado pelos fluxos e ligações comerciais que já foram estabelecidos pelos migrantes, e pela mais-valia que é o seu conhecimento acrescido dos mercados, possibilidades e lógicas de consumo dos guineenses. Constatou-se que este fluxo de bens não só constitui um canal de escoamento dos produtos portugueses, como também alimenta dinâmicas empresariais de pequena escala, mas ainda assim significativas em termos de geração de rendimento e emprego na Guiné-Bissau

Recomendação 9 na Guiné-Bissau: Valorizar e divulgar a cultura e os produtos guineenses nos respectivos países de acolhimento, tirando partido das embaixadas existentes e encorajando também as Associações de Migrantes nesse sentido. O Estado Guineense pode ainda favorecer o reconhecimento e internacionalização da comunidade artística guineense, bem como apoiar a comercialização e a exportação de práticas e produtos tradicionais. O desenvolvimento deste tipo de actividades não só contribuirá para reforçar a imagem e a cultura da Guiné-Bissau no mundo – através de festivais, feiras e/ou exposições como servirá para promover um dos sectores com maior potencial na Guiné-Bissau: o do turismo.

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Recomendação 10 na Guiné-Bissau: Desenvolver uma legislação e um ambiente que estimule e facilite o desenvolvimento das Pequenas e Médias Empresas na Guiné-Bissau, particularmente as que contam com capital de migrantes. Este apoio encorajará o registo formal destas empresas, garantindo não só o aumento da produção, rendimento e emprego no país, mas constituindo também uma fonte adicional de receitas para o Estado. A capacidade do Estado Guineense em atrair o fluxo de remessas da diáspora através de canais formais específicos criados para o efeito poderia também traduzir-se numa fonte de receitas não negligenciável, tendo em conta o seu montante e regularidade.

Recomendação 11 em Portugal: Aprofundar o estudo dos mercados informais transnacionais que unem Portugal e a Guiné-Bissau e desenvolver estratégias para desenvolver as oportunidades para as trocas comerciais já identificadas, tomando como ponto de partida o conhecimento e o posicionamento privilegiados dos migrantes sobre a Guiné-Bissau. Ainda, seria interessante encorajar as empresas portuguesas a recorrerem à mão de obra dos migrantes para facilitarem as estratégias de internacionalização das suas empresas na Guiné-Bissau.

Recomendação 12 em Portugal: Tendo em conta o potencial de empreendedorismo transnacional identificado, existem mais-valias significativas em desenvolver um enquadramento legal, também ao nível da mobilidade, para este tipo de empresário, bem como facilitar o acesso a formação profissional específico neste âmbito. O Estado Português pode ainda encorajar o sector ban157


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cário a desenvolver modalidades de poupança e de acesso ao crédito interessantes e adequadas ao perfil do investidor guineense. A investigação realizada confirmou que, dada a profundidade de inter-relacionamento entre a diáspora guineense e o seu país de origem, o grau de influência mútua é extremamente elevado. Constatou-se que os processos que afectam a diáspora têm impactos na Guiné-Bissau; os eventos do país de origem influenciam o comportamento da diáspora e que as dinâmicas de Portugal interferem fortemente em todo o processo. Este inter-relacionamento pode ser capitalizado para influenciar aspectos estratégicos do desenvolvimento da Guiné-Bissau, aos diferentes níveis.

Recomendação 13 em Portugal: Incluir a diáspora guineense nas consultas realizadas aquando da definição dos Planos Integrados de Cooperação para a Guiné-Bissau. Ainda, tomar os migrantes guineenses residentes em Portugal como público-alvo específico para as campanhas de Educação para o Desenvolvimento, particularmente em matéria de Educação Ambiental, Saúde Sexual e Reprodutiva e Educação para a Cidadania. Facilitar o acesso ao voto nas eleições locais para os migrantes legalmente residentes, à semelhança dos cidadãos da União Europeia, como estratégia para incrementar a integração e para fomentar a aprendizagem das lógicas de funcionamento de sistemas democráticos mais amadurecidos.

Recomendação 14 na Diáspora: Adquirir consciência do seu capital cultural, económico e político colectivo e da relevância que este tem para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. As Associações de Migrantes podem aqui assumir um papel significativo na mobilização, organização e sensibilização dos migrantes 158


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guineenses para questões de interesse comum. O estabelecimento de relações e parcerias com entidades portuguesas relevantes – como autarquias, Universidades e ONGs – bem como a própria organização interna do mundo associativo guineense poderão constituir estratégias interessantes para ampliar o impacto e a qualidade das suas iniciativas e para influenciar de forma mais efectiva em assuntos estratégicos para o desenvolvimento do país. Tal como o presente estudo sugere, é possível que se consolidem as dinâmicas de remigração guineense a partir de Portugal para outros países. Consigo levarão, naturalmente, a cultura e o saber da Guiné-Bissau, mas também tudo aquilo que acumularam durante os anos que residiram em Portugal: a língua, o conhecimento, as ideias e a expertise, podendo pois constituir-se – uma vez mais – como pontes que aproximam Portugal do mundo. Este potencial é tanto mais significativo tendo em conta que o Parlamento Europeu recomendou recentemente que seja concedida mobilidade total aos migrantes legalmente residentes por um período superior a 5 anos em qualquer Estado-Membro.

Recomendação 15 em Portugal: Antecipar a prevista mobilidade acrescida no espaço comunitário que caracterizará a comunidade guineense no futuro. O favorecimento da integração desta comunidade e da sua participação nos múltiplos domínios da sociedade portuguesa promoverá a manutenção dos laços culturais, sociais, académicos e económicos entretanto criados. Reconhecer formalmente o contributo e a importância da migração guineense para o desenvolvimento económico, social, cultural e académico de Portugal. Encorajar o reconhecimento de competências e a aprendizagem ao longo da vida, particularmente da língua portuguesa, também na perspectiva do alargamento da expressão lusófona no espaço comunitário.

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O projecto “Arquitectos de um espaço transnacional lusófono - a diáspora guineense em Portugal” foi executado entre 2009 e 2010, pela investigadora Mestre Maria João Carreiro, sob coordenação do Prof. Dr. Carlos Sangreman, por iniciativa e com financiamento da Fundação Portugal África, e com o enquadramento científico do Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (CESA) do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. Partindo da abordagem do transnacionalismo migrante, é apresentada a análise dos dados recolhidos junto da comunidade guineense em Portugal, bem como na Guiné-Bissau que permitem caracterizar o espaço comum que une os 2 países, nas vertentes política, económica, social e cultural. Este livro procura reflectir sobre essa dupla realidade de origem e destino como um todo, problematizando as implicações dos percursos transnacionais dos migrantes guineenses para o desenvolvimento de Portugal e da Guiné-Bissau e propondo, com base nos resultados obtidos, medidas e políticas que capitalizem o potencial decorrente das ligações mantidas pelos migrantes guineenses em Portugal com a Guiné-Bissau.

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