A internet e a moda das periferias brasileiras - Fabíola de Carvalho

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

FABÍOLA DE CARVALHO LEITE PERES

A INTERNET E A MODA DAS PERIFERIAS BRASILEIRAS

Porto Alegre 2015


FABÍOLA DE CARVALHO LEITE PERES

A INTERNET E A MODA DAS PERIFERIAS BRASILEIRAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Me. Silvana Sandini

Porto Alegre 2015 2


FABÍOLA DE CARVALHO LEITE PERES

A INTERNET E A MODA DAS PERIFERIAS BRASILEIRAS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social com Habilitação em Relações Públicas pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Aprovada em: ____de__________________de________.

BANCA EXAMINADORA:

______________________________________________ Profa. Me. Silvana Sandini - PUCRS

______________________________________________ Profa. Drª. Neka Machado - PUCRS ______________________________________________ Profa. Me. Denise Avancini Alves - PUCRS

Porto Alegre 2015 3


Dedico esta monografia aos meus pais, o principal motivo de todas as minhas conquistas. 4


AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer primeiramente à minha família. Nossos laços vão além do clichê "sangue do meu sangue”. Pai que é padrasto, irmã que é meia-irmã... Isso não representa a mínima diferença para nós. Tanto amor que transborda para todos os animais que adotamos e inserimos como membros em nossa família. Perfeita, sem tirar nem pôr: com todas as maluquices, brigas, afeto e carinho que transbordam em nossa relação. Agradeço em especial aos meus pais. Me ensinaram muito mais do que todos os anos de estudo podem me ensinar. Transmitiram-me os valores mais nobres e os ensinamentos mais importantes. Nem todas as tatuagens do mundo conseguiriam resplandecer o amor que sinto quando falo em vocês. Se existe um motivo pelo qual estou aqui hoje, este motivo é proporcionar a vocês um pouco do orgulho que sinto todos os dias ao conviver com pessoas tão incríveis. Impossível falar de minha família e de amor tão verdadeiro sem mencionar minha irmã. Ao invés de ciúmes, nutrimos um companheirismo e uma cumplicidade sem tamanhos. Vencer alguma batalha só tem importância se for comemorada ao lado dela. Como sempre digo, agradeço todos os dias por te ter na minha vida, e tenho certeza que nossos laços durarão por toda a eternidade. Ao meu namorado, preciso agradecer pela paciência nos momentos de desespero, pelos conselhos nos momentos de indecisão e pelos abraços nos momentos mais difíceis. Chegar até aqui não foi fácil, mas com a tua ajuda e compreensão, sem dúvidas, tornou-se possível. Te ter ao meu lado é um privilégio, e muito melhor do que passar todas as dificuldades, é poder comemorar as conquistas contigo. Que possamos dividir tudo pelo resto das nossas vidas! Não menos importante, é necessário realizar o agradecimento à minha orientadora. Uma honra para mim receber os conselhos de uma profissional e uma pessoa tão incríveis. Nossos horários de orientação eram os mais altos e divertidos da salinha da Famecos. Contigo, aprendi muito mais do que poderia imaginar, e te levo como exemplo para toda a minha vida. Me aguarda na pós-graduação! Por fim, mas sempre comigo: minhas amigas! Suamy e Amanda, obrigada pelos quatro anos e meio de companheirismo, auxílio e amizade verdadeira.

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JĂĄ parou pra pensar que a moda pode ser futilidade quando dela somos escravos, mas pode ser arte quando a usamos como forma de expressĂŁo? (GUERRA, 2011, online).

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RESUMO As tecnologias de comunicação e informação alteraram completamente a cultura e os hábitos vigentes. Neste trabalho, procuramos evidenciar de que forma essas novas tecnologias influenciam no processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras. Nosso objetivo também é investigar quais os reflexos da consolidação da internet e das plataformas de mídia social no cenário das periferias, no seu cotidiano. Para isso, utilizamos três técnicas de pesquisa: análise bibliográfica, análise documental e entrevista qualitativa. Primeiramente, realizamos o levantamento das informações e opiniões dos autores e documentos online pertinentes a cada área de assunto analisada e a contraposição de tais pensamentos. Após esta etapa, realizamos entrevista em profundidade com jornalistas, blogueiros, artistas e designers de moda sobre o cenário da indústria da moda e da moda das periferias na realidade em que nos encontramos. Observamos que a consolidação das novas tecnologias alterou o cenário da moda, seja aproximando as grifes dos consumidores, seja mudando a forma como as pessoas consomem (e-commerce). Em relação a isso, atentamos para a oportunidade que surgiu para o relações-públicas no mercado da moda, gerenciando o relacionamento de grifes neste novo ambiente. Ainda notamos que o acesso a informações mundiais fez com que tendências do mundo todo fossem absorvidas e adaptadas ao jeito como o brasileiro gosta de se vestir. O mesmo ocorreu nas periferias, que também importam e exportam tendências, além de serem mais vistas e receberem mais oportunidades. Palavras-chave: moda, mídias sociais, internet, periferia.

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ABSTRACT Communication and information technologies completely changed the culture and the present habits. This paper aims to show how these new technologies influence the process of creating fashion trends in Brazilian peripheries. Our goal is also to understand and investigate the effects of the consolidation of internet and social media platforms in the scenario of the peripheries, in their everyday lives. In order to do so, we used three research techniques: literature review, documental analysis and qualitative interview. First, we researched the information and opinions of authors and relevant online documents for each area of the analyzed subject and the contraposition of such thoughts. After this step, we conducted an in-depth interview with journalists, bloggers, artists and fashion designers about the fashion industry scenario and fashion of the peripheries in the reality we are in. We noticed that the consolidation of new technologies undoubtedly changed the fashion scene, being by approaching the brands to customers, or changing the way people consume (e-commerce). For that matter, we attempt to the opportunity that arose for the public relations in the fashion market, by managing the labels relationship in this new environment. In addition, we noticed that the access to global information made that trends worldwide were absorbed and adapted to the way Brazilians like to dress. The same occurred in the peripheries, which also import and export trends, besides being seen more and receiving more opportunities. Keywords: fashion, social media, internet, periphery.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................

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2 A INTERNET E A DEMOCRACIA..................................................................

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2.1. Revolução digital e cibercultura..................................................................

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2.2. Movimentos sociais na era da internet.......................................................

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3 INDÚSTRIA DA MODA NA HIPERMODERNIDADE.....................................

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3.1. Tecnologia e tendências de moda..............................................................

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3.2. Moda e identidade cultural..........................................................................

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4 AS TICS E A MODA DAS PERIFERIAS BRASILEIRAS...............................

56

4.1. A moda na periferia.....................................................................................

56

4.2. Produtos da periferia...................................................................................

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5 RELACIONANDO CONCEITOS E VIVÊNCIAS.............................................

82

5.1. Metodologia de pesquisa............................................................................

82

5.2. Análise qualitativa das entrevistas..............................................................

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5.3. Confronto dos resultados............................................................................

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................

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REFERÊNCIAS..................................................................................................

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APÊNDICE A - ENTREVISTA VAGNER DE ALENCAR..................................

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APÊNDICE B - ENTREVISTA TIAGO POETA.................................................

127

APÊNDICE C - ENTREVISTA JAJÁ MENEGOTTO.........................................

129

APÊNDICE D - ENTREVISTA CAROL RABELO.............................................

131

APÊNDICE E - ENTREVISTA TIAGO PETRIK.................................................

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APÊNDICE F - ENTREVISTA ANNAPAULA BLOCH......................................

135

APÊNDICE G - ENTREVISTA ALICE COELHO...............................................

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APÊNDICE H - ENTREVISTA JENNIFER LOIOLA..........................................

139

APÊNDICE I - ENTREVISTA MARIANA ALVES..............................................

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APÊNDICE J - ENTREVISTA MANOEL SOARES...........................................

142

APÊNDICE K - ENTREVISTA KEYLA BERGAMAZI.......................................

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Características da internet...............................................................

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Figura 1 – Portal e-democracia..........................................................................

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Tabela 1 – Usuários de internet x Classe Social................................................

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Tabela 2 – Usuários de internet x Faixa etária...................................................

33

Figura 2 – Calça Gang........................................................................................

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Figura 3 – Mc Pocahontas e o estilo funk atual..................................................

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Figura 4 – Dream Team do Passinho.................................................................

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Figura 5 – Estilo de Lellêzinha............................................................................

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Figura 6 – Mc Guimé, um dos símbolos do “funk ostentação”...........................

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Figura 7 – O início da moda hip-hop com 50 Cent e Eminem............................

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Figura 8 – Cris Brown e Jay Z: principais estilos do hip-hop..............................

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Figura 9 – O estilo das Pearl Negras..................................................................

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Figura 10 – Cantora Anitta veste elementos do hip-hop americano...................

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Figura 11 – Jaqueta college, top cropped e sneaker de salto............................

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Figura 12 – Ensaio de moda da Revista Elle Brasil............................................

79

Quadro 2 – Roteiro da entrevista qualitativa......................................................

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Figura 13 – Short hot pants e top cropped com estampa étnica........................

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Quadro 3 – Respostas dos entrevistados........................................................... 100

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1 INTRODUÇÃO As mudanças proporcionadas pelo advento da internet vão muito além da transformação do processo de produção e disseminação da informação. O surgimento do ciberespaço (como é chamado este novo espaço criado pela internet, que não existe fisicamente, mas altera completamente o conhecimento e a comunicação humanos), causa uma verdadeira revolução antropológica. A necessidade inerente ao ser humano de se comunicar, junto à facilidade de comunicação que estes meios possibilitam são os principais fatores que explicam a febre digital que o mundo vive. Enquanto o consumidor descobre que pode ser produtor de informação, os avanços da tecnologia alteram e revolucionam a prática de socialização e formação de grupos sociais em escala e velocidade nunca imaginados. O meio físico deixa de ser barreira e a comunicação one-way (de mão única) não é mais válida. Os costumes e hábitos específicos desta época, criados pelas tecnologias da informação e da comunicação, constituem a chamada cibercultura. A inovação, a agilidade e a novidade são os valores da cibercultura, onde tudo torna-se descartável (o que era bom ontem, já não é hoje). Essa nova realidade muda o cotidiano dos indivíduos, pois, por mais que a utilização destas tecnologias não seja unânime, todos estamos imersos no novo contexto em que o mundo vive. Outra característica muito comentada da cibercultura é a facilidade de acesso ao que está acontecendo em qualquer lugar, através da internet. Essa praticidade, segundo alguns atores, é uma oportunidade para que as minorias dos locais mais desfavorecidos tenham voz. Ao contrário do individualismo exacerbado que alguns especialistas defendiam, nessa era tecnológica, o coletivismo ganha uma nova roupagem. As plataformas de mídia social caracterizam-se também como espaço de mobilização popular, sendo utilizadas como ferramenta para aproximar pessoas de diferentes locais com os mesmos interesses e ideais. Em todas as eras da história, a vestimenta dos indivíduos acompanhou as alterações sociais e culturais que ocorreram. Na era digital, não é diferente. Percebemos que todas as consequências das novas tecnologias também impactaram a indústria da moda, seja na maneira como as grifes se relacionam com 11


seus clientes, seja as novas formas de comercialização na internet (e-commerce). Neste cenário da moda, o ideal de mobilização popular também pode ser observado. No contexto de moda após a revolução digital e a consolidação da internet, é revelada uma tendência à popularização do vestuário, assim como uma abertura para novos talentos. No Brasil, as tecnologias de informação e de comunicação proporcionaram, na opinião de Marques (2014a e 2014b) a abertura para as tendências de moda criadas nas periferias das metrópoles. Tendo em vista as mudanças que ocorreram na sociedade hipermoderna, a questão norteadora deste estudo trata da influência da internet e das plataformas de mídia social no processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras. Dentro desta temática, é nosso objetivo evidenciar de que forma essas novas tecnologias influenciam no processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras. Além disso, também procuramos investigar quais os reflexos da consolidação destas novas tecnologias no cotidiano das periferias, ou seja, como são utilizadas e se houve alterações comportamentais após sua consolidação. Para compreender as alterações citadas, utilizamos três técnicas de pesquisa: análise bibliográfica, análise documental e entrevista qualitativa em profundidade. A

estruturação

dos

assuntos

abordados

nos

capítulos

objetivou

o

entendimento de todos os aspectos que envolvem o tema central deste trabalho. No segundo capítulo, procuramos compreender o novo cenário no qual nos encontramos após a consolidação das tecnologias de informação e de comunicação. O resgate teórico foi realizado a partir de análise bibliográfica e documental dos autores pertinentes, visando construir uma rede de conceitos e características do ciberespaço e da cibercultura existentes. Ainda foi nosso objetivo discutir a caracterização das novas tecnologias como uma ferramenta democrática, tendo em vista sua facilidade de acesso e sua utilização na organização e mobilização de movimentos sociais. No terceiro capítulo deste estudo, procuramos assimilar o contexto da indústria da moda na hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2008) que vivemos. Para isso, utilizamo-nos novamente da técnica de pesquisa e análise bibliográfica e documental e traçamos o panorama do mercado neste século XXI. De maneira geral, neste capítulo, abordamos como as grandes mudanças ocasionadas pela 12


internet e pelas plataformas de mídia social afetaram a indústria da moda mundial e brasileira. Ainda é nosso objetivo entender como essas tecnologias alteram o processo de criação de tendências de moda e qual a importância dos profissionais “caçadores de tendências” (coolhunters) em uma sociedade tão plural e tão rápida. O quarto capítulo trouxe a realidade do novo cenário da moda para o Brasil, a fim de compreendermos como estes movimentos ocorrem. Dentre os aspectos mais mencionados pelos autores até aqui quando tratamos da moda brasileira no século XXI, está o maior reconhecimento e divulgação das tendências das periferias. Portanto, neste capítulo, caracterizamos e procuramos compreender quais as mudanças ocorridas no cotidiano e no vestuário das periferias brasileiras após a consolidação da internet. Para que este entendimento seja alcançado, utilizamos as técnicas de análise bibliográfica e documental. Por fim, no quinto capítulo buscamos, através de entrevistas qualitativas com jornalistas, blogueiros, personalidades e moradores de periferias brasileiras, investigar se os apontamentos realizados pelos autores são refutados ou confirmados na prática por quem vive este setor ou neste lugar. Para isso, realizamos a análise das entrevistas através das respostas de cada convidado para cada pergunta. Esperamos, assim, colaborar para o entendimento da relação do universo das tecnologias de comunicação e informação e da moda. Convidamos você para a leitura!

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2 A INTERNET E A DEMOCRACIA

O surgimento da internet e das plataformas de mídia social trouxe alterações sociais, políticas, econômicas e culturais em todo o mundo, em escala antes inimaginável. Dentre as consequências da chamada “revolução antropológica” causada por estes novos meios de comunicação, atentamos neste momento para a modificação do fluxo de informação e para a completa mudança na forma de interação entre os indivíduos. A informação passa a ser produzida em larga escala e o poder de disseminação, antes exclusivo das grandes emissoras e dos grandes jornais, agora está ao alcance de qualquer um, em qualquer lugar. Aquele que antes era apenas receptor de uma mensagem, passa a ser produtor dela. No processo de comunicação, as distâncias são encurtadas e a interação social facilitada como nunca antes. Ao modificar completamente os comportamentos e padrões vigentes da sociedade atual, a internet, de forma geral, também transforma o modo como as organizações irão se posicionar no mercado. As ferramentas digitais, por permitirem a interatividade entre usuários e a consequente troca de conhecimento entre eles, passam a fornecer um novo canal de conversa com clientes e demais públicos de interesse da organização. Coutinho (2007, apud TERRA, 2011, p. 106) destaca “que as empresas descobriram a eficácia das novas mídias e estão utilizando-as para estreitar o relacionamento com o consumidor final”. Os autores abaixo também discutem este cenário:

Três razões para a organização pensar seriamente em inserir-se nas redes: sobrevivência, aumento das receitas e maiores margens de lucro. A mídia social está mudando a natureza das relações com seus funcionários e clientes atuais e potenciais. As informações e opiniões sobre seus produtos e serviços vão proliferar com ou sem qualquer tentativa de sua parte de controlar a fonte e o fluxo de informações. (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 47).

Para suprir essas novas demandas faz-se então necessário que o posicionamento das organizações neste contexto seja feito por um profissional capacitado estrategicamente para compreender as realidades de cada um dos públicos de interesse e da organização em si. Apontado por vários autores como o DNA das relações públicas, o relacionamento corporativo é então influenciado 14


diretamente por esta nova realidade digital. “A realidade muda, a profissão também ganha uma nova feição. Com a sociedade em rede, a comunicação organizacional também evolui” (BUENO, 2010, p. 209). Nesta mesma linha de raciocínio, Favarin (2010) afirma que

Esta nova realidade digital apresenta-se como grande oportunidade para profissionais de Relações Públicas, uma vez que a profissão pauta-se no alcance dos interesses de organizações e públicos e essa dialogia da Web 2.0 tende a auxiliar nessa mediação. (FAVARIN, 2010, p. 235).

A gestão deste relacionamento é fundamental para as organizações. A mudança agora é o cenário aonde esse relacionamento acontece: na internet e nas mídias sociais. Os canais de relacionamento passam, então, a, além de difundir interesses, receber necessidades dos públicos de interesse da organização. Neste contexto, Terra (2005) defende que é responsabilidade do profissional de relações públicas “identificar que públicos têm condições de se relacionar por meio da Web e qual é o melhor conteúdo, layout, ferramenta e funcionalidades que o meio digital deve apresentar para atingir, com efetividade, o target visado” (TERRA, 2005, p. 1). Desta forma, esses canais de comunicação bilateral afetam a realidade organizacional, possibilitando o fortalecimento do relacionamento organizaçãopúblicos, função do profissional de relações públicas. A consolidação das tecnologias de comunicação e de informação altera o contexto em que estamos inseridos. Portanto, além de interferir no cenário das organizações, também transforma a gestão de imagem pública de pessoas, outra função de relações públicas, segundo Simões (1995). Para o autor, é função do profissional a “análise constante da imagem para permitir, externamente, a correção de uma imagem equivocada, ou, internamente, para apoiar a imagem desejada” (SIMÕES, 1995, p. 14). Neste novo contexto digital, o fluxo de informações e a facilidade de divulgação destas informações são elementos que podem influenciar a imagem de organizações e pessoas públicas. Simões (1995) ainda determina que o monitoramento deve ser constante, e este nicho de mercado, com a pluralidade de artistas que o Brasil possui, torna-se uma grande oportunidade para os relaçõespúblicas brasileiros.

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2.1. Revolução digital e cibercultura

A comunicação, assim como a socialização, trata de uma habilidade inerente ao ser humano. Tudo que envolve esta comunicação pode ser alterado (desde o meio, a forma, a mensagem e o conteúdo), mas a necessidade de se comunicar existirá em qualquer contexto. Os desenhos encontrados há 15 mil anos em cavernas, mostrando tribos caçando e procurando comida, ou as pinturas dos mausoléus e tumbas feitas pelos egípcios, representando deuses e humanos, são apenas contextos diferentes que demonstram a necessidade do homem de buscar formas para narrar o cotidiano e suas histórias. Portanto, a revolução digital que vivemos atualmente é apenas mais um estágio de comunicação do ser humano, desta vez mediada pelo computador, adotando

características

próprias.

O

digital

(tratado

aqui

como

processo

comunicativo que seja mediado por computadores, smartphones, tablets ou qualquer outro equipamento eletrônico), ao contrário do escrito em papel, que se encerra no momento da impressão, potencializa o alcance e amplia as opções de leitura. Além desta, no quadro 1 listamos várias outras vantagens da internet em relação aos meios de comunicação tradicionais: Quadro 1: Características da internet Características da internet: ü Não-linearidade, permitindo que o internauta se movimente pelas estruturas de informação sem obedecer a uma sequência predeterminada; ü Fisiologia, pelo fato da leitura de texto no monitor ser mais lenta, os textos para internet são mais curtos do que os escritos no papel; ü Dirigibilidade, com definição de audiência específica sem nenhum filtro; ü Qualificação, atraindo novos profissionais; ü Custos de produção e veiculação mais baixos do que da televisão; ü Instantaneidade, com informações rápidas e abrangentes; ü Interatividade, tendo o internauta como o responsável em fazer sua própria programação a partir de suas escolhas; ü Pessoalidade, com respostas mais pessoais, acessibilidade, com informações atualizadas disponíveis 24 horas por dia; ü Receptor ativo usando uma mídia que puxa a programação conforme suas escolhas.

Fonte: Pinho (2003, p. 27).

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É a partir de tantas mudanças no cenário mundial que ocorre o principal resultado da chamada “revolução digital”: a democratização da informação. O fácil acesso à internet e a web, de forma geral, possibilitam que qualquer cidadão possa produzir, utilizar, comentar e compartilhar informações. Segundo Rodotà (2007): a passagem da comunicação vertical, típica da televisão tradicional, à comunicação horizontal, típica da internet, permitiria de fato resgatar o cidadão da passividade de telespectador, tornando-o protagonista de um processo no qual desaparecem as distinções entre produtores e consumidores de informações. (RODOTÀ, 2007, apud MAGRANI, 2014, p. 92).

Lévy (1999) aponta três grandes mudanças na disseminação da informação provocadas pela internet. A primeira trata de que não é mais o leitor que vai se deslocar diante do texto, mas é o texto que vai se dobrar e se desdobrar diferentemente diante de cada leitor. O segundo ponto aborda o fato de que tanto a escrita como a leitura vão mudar o seu papel. O próprio leitor passa a participar da redação do texto à medida que ele não está mais na posição passiva diante dele. Ou seja, o espaço cibernético introduz a ideia de que toda leitura é uma escrita em potencial. Por fim, assistimos à desterritorialização dos textos, das mensagens, enfim, de tudo o que é documento: tanto o texto como mensagem se tornam uma matéria. A esta matéria, Lévy dá o nome de hipertexto. É como se todos estes elementos fizessem parte de um único texto, um autor coletivo que está em transformação permanente. Assim como o processo de produção e disseminação da informação incorpora essas novas características, no cenário atual, a maneira como os indivíduos interagem também assume novas nuances. Indo além do conceito básico de internet (rede mundial de computadores), para compreender a comunicação nesta nova esfera, é necessário aprofundar os conhecimentos sobre as chamadas redes sociais, mídias digitais ou mídias sociais. Safko e Brake (2010), consideram sites de redes sociais uma categoria das mídias sociais. Para os autores, as ferramentas de redes sociais são aquelas que permitem compartilhar informações sobre si mesmo e sobre seus interesses com amigos, colegas de profissão e outros, normalmente através de um perfil onde o indivíduo insere conteúdos variados. Eles conceituam mídia social como as

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atividades, práticas e comportamentos entre as comunidades de pessoas que se reúnem online para compartilhar informações, conhecimentos e opiniões usando meios de conversação. Meios de conversação são aplicativos baseados na web que permitem criar a transmitir facilmente o conteúdo na forma de palavras, imagens, vídeos e áudios. (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 5).

Por outro lado, Bueno (2012) qualifica as mídias sociais como o conteúdo produzido pelas redes sociais, e ainda desvincula os dois conceitos dos avanços da tecnologia:

Se por um lado, redes sociais relacionam-se a pessoas conectadas em função de um interesse em comum, mídias sociais associam-se a conteúdos (texto, imagem, vídeo), gerados e compartilhados pelas pessoas nas redes sociais. Dessa forma, tanto redes sociais como mídias sociais, em sua essência, não têm nada a ver com tecnologia, mas com pessoas e conexões humanas. A tecnologia apenas facilita e favorece a interação das pessoas e a criação e compartilhamento dos conteúdos por elas. (BUENO, 2012, p. 75).

Em uma abordagem diferenciada em relação aos dois autores acima, Saad Corrêa (2009), considera para esta nova realidade apenas o conceito de mídias sociais, pois acredita que as chamadas redes sociais existem há milhares de anos. Para a autora, as redes sociais são todos os grupos de pessoas que se reúnem ou se comunicam com um interesse em comum, ou seja, não precisam da internet para existirem. Sobre as mídias sociais:

Existem múltiplas definições para mídias sociais desde que se configurou a 1 web 2.0 . Propomos sua compreensão considerando que são quaisquer tecnologias ou práticas on-line que permitem o compartilhamento de conteúdo, opiniões, ideias, experiências e mídias, possibilitando conversações sobre o que é relevante. (SAAD CORRÊA, 2009, p. 4).

Seguindo a mesma linha de raciocínio em relação ao termo rede social, Marteleto (2001) define-o como “um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados” (MARTELETO, 2001, p. 71). A autora complementa o pensamento quando diz que apesar das 1

Nova versão da internet, e o seu objetivo é fornecer aos navegantes mais criatividade, compartilhamento de informação e, mais que tudo, colaboração entre eles, fazendo com que esses navegantes tomem parte nesta revolução. Com base nestes conceitos, explodiram serviços de relacionamentos sociais, páginas repletas de vídeos, wikis, blogs e outros serviços com um traço em comum: a participação efetiva do usuário nos dois sentidos do tráfego de informação. (AMOROSO, 2008, online).

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mídias sociais serem usadas há pouco tempo pelas organizações, o envolvimento das pessoas em redes existe desde o início da história da humanidade. Na opinião de Recuero (2009), antes de qualquer coisa, rede social é gente, interação e troca social, ou seja, pessoas reunidas em rede. Cada indivíduo representará nesta rede um nó, e a partir da interação destes nós serão estabelecidas relações de diversos graus. Dentro destas conexões, encontram-se as diversas formas de interação, dependendo do laço estabelecido. A autora ainda acredita que as mídias sociais não passam de um conjunto de novas tecnologias de comunicação mais participativas, rápidas e populares. Em sintonia com Recuero, Torres (2009) define as mídias sociais como sites na internet que permitem a criação e o compartilhamento de informações e conteúdos pelas pessoas e para as pessoas, ou seja, quem utiliza essas ferramentas é, ao mesmo tempo, produtor e consumidor da informação. “Elas recebem esse nome porque são sociais, ou seja, são livres e abertas à colaboração e interação de todos, e porque são mídias, ou seja, meios de transmissão de informação e conteúdo” (TORRES, 2009, p. 113). É importante esclarecermos que, objetivando a clareza desta monografia, utilizaremos o termo mídia social segundo Recuero (2009) e Torres (2009), referindo-se aos sites e plataformas que possibilitam o compartilhamento de informações e conteúdos na internet. No nosso entendimento, o conceito de redes sociais que mais se adequa a este contexto também é delimitado por Recuero (2009), constituindo toda e qualquer rede de interação e troca social entre pessoas, independentemente do meio em que ocorram. Como podemos observar, as transformações tecnológicas incitaram a criação de diversos termos, com o propósito de facilitar o entendimento da nova realidade e suas características. Um dos conceitos criados para exercer tal finalidade é o de “ciberespaço”. O ciberespaço é o termo utilizado para nomear o espaço virtual criado pelas novas mídias no qual não é necessária a presença física do indivíduo para que seja constituída a comunicação como fonte de relacionamento (SANTAELLA, 2004). Simplificando ainda mais esta definição, Gibson (1985) comenta: “o ciberespaço é um espaço não-físico ou territorial composto por um conjunto de redes de computadores através das quais todas as informações circulam” (GIBSON, 1985, apud LEMOS, 2002, p. 136). 19


O ciberespaço torna-se então a encarnação tecnológica da, até então, utopia sobre a criação de um mundo paralelo em que haja uma memória coletiva, repleta de mitos e símbolos próprios. Encarnação essa possível somente a partir do estabelecimento da rede entre os computadores, conforme lembra Lemos (2002, p. 71), quando diz que o ciberespaço é a “transformação do PC (Personal Computer), o computador individual, desconectado, austero, feito para um indivíduo racional e objetivo, em um CC (Computador Coletivo), os computadores em rede”. Ele ainda complementa quando diz que “a dinâmica atual do desenvolvimento das redes de computadores e seu crescimento exponencial caracterizam o ciberespaço como um organismo complexo, interativo e auto-organizante” (LEMOS, 2002, p. 135). Segundo Lévy (1998): “o ciberespaço permite, ao mesmo tempo, a reciprocidade na comunicação e a partilha de um contexto. Trata-se de comunicação conforme um dispositivo de todos para todos” (LÉVY, 1998, p. 44). A partir das alterações comportamentais que as tecnologias do ciberespaço provocam na sociedade, surge então o conceito de cibercultura. Ela nasce nos anos 50 com a informática e a cibernética, começa a se tornar popular na década de 70 com o surgimento do microcomputador e se estabelece completamente nos anos 80 e 90: em 80 com a informática de massa e em 90 com o boom da informática. A cultura contemporânea, associada ao desenvolvimento tecnológico, cria então uma nova relação entre a técnica e a vida social, que podemos definir da seguinte maneira:

A cibercultura vai se caracterizar pela formação de uma sociedade estruturada através de uma conectividade telemática generalizada, ampliando o potencial comunicativo, proporcionando a troca de informações sob as mais diversas formas, fomentando agregações sociais. O ciberespaço cria um mundo operante, interligado por ícones, portais, sítios e homepages, permitindo colocar o poder de emissão nas mãos de uma cultura jovem, tribal, gregária, que vai produzir informação, agregar ruídos e colagens, jogar excesso ao sistema. (LEMOS, 2002, p.87).

Não devemos confundir a cibercultura com uma subcultura particular, a cultura de uma ou algumas tribos. Ao contrário, a cibercultura é a nova forma da cultura na sociedade. Entramos hoje na cibercultura como penetramos na cultura alfabética há alguns séculos. Como afirma Lévy (1999, apud LEMOS, 2002, p. 76), ela é “[...] universal sem ser totalitária, tratando de fluxos de informação 20


bidirecionais, imediatos e planetários, sem uma homogeneização dos sentidos, potencializando vozes e visões diferenciadas”. Através da ótica proposta por Lemos (2002) podemos compreender que a cibercultura forma-se, precisamente, da convergência entre o social e o tecnológico, sendo através da inclusão da socialidade na prática diária da tecnologia que ela adquire seus contornos mais nítidos. “Não se trata, obviamente, de nenhum determinismo social ou tecnológico, e sim de um processo simbiótico, onde nenhuma das partes determina impiedosamente a outra” (LEMOS, 2002, p. 95). Nesta mesma linha de raciocínio comunicacional, Prado, Caminati e Novaes (2005) explicam o seguinte:

Antigos conceitos, como o da difusão de ideias de um ator social para muitos receptáculos passivos, não valem mais. Os recursos tecnológicos possibilitados pela digitalização resgatam a noção da comunicação bidirecional, de todos para todos, no lugar da informação unidirecional. (PRADO; CAMINATI; NOVAES, 2005, p. 25).

Lemos (2002) caracteriza este novo quadro da civilização contemporânea, o berço da cibercultura. Para o autor, esta realidade insere-se em um novo paradigma sociocultural:

A queda das grandes ideologias e dos meta-discursos iluministas, o fracasso dos sistemas políticos, a desconfiança em relação aos benefícios do progresso tecnológico e científico, a indiferença social e irônica da geração X e Y, o novo tribalismo que revelaria o fracasso do projeto individualista moderno, a descrença no futuro, as novas formas de comunicação gregárias no ciberespaço, os desafios da manipulação genética, da Aids e da droga em nível planetário. (LEMOS, 2002, p. 25).

Maffesoli (1987) traz um dos pontos-chave culturais da atualidade: o novo tribalismo, que aponta o declínio do projeto individualista moderno. “Através das inúmeras formas de tribalismo contemporâneo, a organização da sociedade cede lugar, pouco a pouco, à organicidade da socialidade, agora tribal e não mais racional ou contratual” (MAFFESOLI, 1987, apud LEMOS, 2002, p. 84). A erosão e o esgotamento da perspectiva individualista da modernidade (o que não significa que não existam “indivíduos-individualistas”) é correlata à formação das mais diversas tribos contemporâneas, em nível planetário. Lemos (2002) ainda complementa: 21


A cibercultura será uma configuração sociotécnica onde haverá modelos tribais associados às tecnologias digitais, opondo-se ao individualismo da cultura do impresso, moderna e tecnocrática. Com a cibercultura, estamos diante de um processo de aceleração realizando a abolição do espaço homogêneo e delimitado por fronteiras geopolíticas e do tempo cronológico e linear, dois pilares da modernidade ocidental. (LEMOS, 2002, p. 72).

Para dar conta das relações sociais contemporâneas, não podemos falar mais através de uma perspectiva individualista, contratual, oriunda de uma estrutura mecânica, como ficou marcada a modernidade. Pelo contrário, agora é necessário estar atento aos múltiplos papéis dos sujeitos sociais. Maffesoli (1992), por exemplo, mostra como a pós-modernidade é caracterizada pelo advento de tribos em franca oposição à figura moderna do individualismo, opondo o conceito de “indivíduo” ao de “persona”. Para ele:

a lógica individualista se apoiou sobre uma identidade fechada, sobre o indivíduo, enquanto que a persona só existe em relação ao outro, agregando-se. É por isso que esta tem necessidade da tribo, para se construir com o outro, pelo outro e no outro. O indivíduo é assim levado por uma pulsão agregadora, ele é também o protagonista de uma ambiência afetuosa que o faz aderir, participar magicamente a esses pequenos conjuntos viscosos que eu propus chamar de tribos. Estaríamos vendo hoje, através dos diversos tribalismos contemporâneos (religiosos, esportivos, hedonistas, musicais, tecnológicos), o (re)surgimento do que Durkheim chama de solidariedades mecânicas, ou Weber de comunidades emocionais, ou Marcel Bolle de Bal chama de reliance. (MAFFESOLI, 1992, apud LEMOS, 2002, p. 85).

Um dos autores que iniciou o então conceito de tribalismo foi McLuhan (1972), pioneiro nos estudos culturais e no estudo filosófico das transformações sociais

provocadas

pela

revolução

tecnológica

do

computador

e

das

telecomunicações, quase trinta anos antes da internet ser inventada. O autor é famoso pela criação do termo “aldeia global”, definido por ele como um mundo interconectado por mídias de massa que forjariam uma cultura global, que seria utilizado muitos anos depois para a caracterização do ciberespaço. Baudrillard (1978) apresenta uma visão diferente de McLuhan e, de forma bastante pessimista, vai propor que, com as novas tecnologias digitais de comunicação, estaríamos diante não de uma retribalização, mas de uma mera circulação de informações. Para o autor, “o ciberespaço só permite simulação de interação e não verdadeiras interações” (BAUDRILLARD, 1978, apud LEMOS, 2002, p. 72), como também podemos observar no trecho a seguir: 22


Há no ciberespaço a possibilidade de realmente descobrir alguma coisa? Internet apenas simula um espaço de liberdade e de descoberta. Não oferece, em verdade, mais do que um espaço fragmentado, mas convencional, onde o operador interage com elementos conhecidos, sites estabelecidos, códigos instituídos. Nada existe para além desses parâmetros de busca. Toda pergunta encontra-se atrelada a uma resposta pré-estabelecida [sic]. Encarnamos, ao mesmo tempo, a interrogação automática e a resposta automática da máquina. (BAUDRILLARD, 2003, p. 148).

Pellanda

e

Pellanda

(2000)

também

caracterizam

as

alterações

comportamentais resultadas pelas novas tecnologias: Um novo dilúvio nos ameaça. O volume da informação é gigantesco. Ele cresce a cada minuto como imensas ondas que se aproximam de nós. Um outro dilúvio, porém, ainda mais dramático, está atingindo o âmago de nosso ser: o individualismo. Estamos indo na contramão de nossa condição biológica dos seres geneticamente social. A rede social está se rompendo perigosamente. (PELLANDA; PELLANDA, 2000, p. 6).

Observamos as opiniões de diversos autores sobre a cibercultura e seus reflexos na sociedade pós-moderna. Acreditamos que a internet e as plataformas de mídia social estimulam a coletividade, causando a substituição da era do individualismo

pela

era

do

tribalismo

social.

O

tribalismo

refere-se,

consequentemente, à vontade de estar junto, onde o que importa é o compartilhamento de emoções em comum. Isso vai formar o que Maffesoli (1987) identifica como cultura do sentimento, relações tácteis e grupais de empatia. Com a contração do planeta pelas novas mídias digitais, transformamo-nos não numa única aldeia global, mas em várias e idiossincráticas aldeias globais. Além disso, o suporte fornecido pela internet para que milhares de pessoas no mundo pudessem trocar ideias gerou a globalização ideal. Não a globalização econômica em que os países do primeiro mundo levam vantagem sempre, mas uma união entre os povos através da qual os países em desenvolvimento podem ganhar também.

2.2. Movimentos sociais na era da internet Percebemos que a cibercultura (digital, imediata, multimodal, rizomática) requer a transversalidade, a descentralização, a interatividade. A nova racionalidade dos sistemas informatizados está situada sobre um indivíduo que não mais recebe 23


informações homogêneas e prontas de um centro “editor-coletor-distribuidor”, mas de forma caótica, multidirecional, entrópica, coletiva e, ao mesmo tempo, personalizada. A tecnologia, que foi durante a modernidade um instrumento de racionalização e de separação, transforma-se então em uma ferramenta convivial e comunitária. Tal oportunidade que a internet apresenta de resgatar a questão da coletividade é lembrada por Lévy (1999), quando declara que as tecnologias da informação são, de fato, responsáveis por “estender de uma ponta a outra do mundo as possibilidades de contato amigável, de transições contratuais, de transmissão do saber, de trocas de conhecimentos, de descoberta pacífica das diferenças” (LÉVY, 1999, p. 14), representando não apenas mais uma tecnologia da informação, mas um verdadeiro veículo de socialização. Para Rodotà (2007),

a passagem da comunicação vertical, típica da televisão tradicional, à comunicação horizontal, típica da internet, permitiria de fato resgatar o cidadão da passividade de telespectador, tornando-o protagonista de um processo no qual desaparecem as distinções entre produtores e consumidores de informações. (RODOTÀ, 2007, apud MAGRANI, 2014, p. 82).

Logo, fica claro que a internet – e aqui englobamos todos os seus componentes, desde as mídias sociais até os blogs – tem uma grande potência tanto no que tange a democratização do acesso às novas tecnologias e dos veículos de transmissão de notícias quanto no que diz respeito à participação popular nos processos políticos. Ainda conforme Rodotà (2007, apud MAGRANI, 2014), este processo dá origem ao que se pode chamar de “tecnopolítica”. Para Evans (2010), ao contrário da mídia tradicional, as tecnologias de informação e comunicação promovem uma interação social “usada efetivamente através da participação e da influência” (EVANS, 2010 apud FERRARI, 2010, p. 62), caracterizando a democratização da informação, e não mais através do comando ou controle. A

possibilidade

de

internacionalizar

a

informação

e

discuti-la

democraticamente, como vimos anteriormente, é tida como a grande novidade trazida pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Tal mudança garante a possibilidade de indivíduos se reunirem e se organizarem em escala planetária e em tempo real. Este acesso “universal” baseia-se não apenas no imperativo técnico, 24


mas na quebra de barreiras e no princípio de promoção do acesso à informação em larga escala, longo alcance da rede e multiplicidade e diversificação de conteúdos. Este princípio universal traz um novo conceito, inaugurado por Lévy (1999) como o “universal por contato”:

Está certo que esse novo Universal contém uma alta dose de global e planetário, mas ele não se limita a isso. O ‘universal por contato’ ainda é universal, no sentido mais profundo, pois ele é indissociável da ideia de humanidade. [...] O que é que a reivindicação do ‘acesso para todos’ revela? Mostra que a participação nesse espaço que lega [une, liga] cada ser humano com qualquer outro, que pode fazer as comunidades comunicarem-se entre si e consigo, que suprime os monopólios de difusão e autoriza cada um a emitir para quem estiver interessado ou implicado, essa reivindicação revela que a participação nesse espaço funda-se num direito e que sua construção se aparenta com uma espécie de imperativo moral. (LÉVY, 1999, p. 111).

Podemos observar, então, que o conceito de universalização por contato trazido por Lévy (1999) embasa a concepção da internet como um lugar favorável à democracia, já que promove o acesso em larga escala, rompendo barreiras geográficas e institucionais. Diante da grande utilização, por diversos autores, do termo “democracia” para caracterizar o processo de produção descentralizada de informações e de livre acesso a elas pela e na internet, é importante compreendermos, primeiramente, o verdadeiro significado da expressão, no que diz respeito ao sistema político. Segundo Johnson (1997):

De forma aplicada à política, uma democracia (do grego, significando governo do povo) é um sistema social no qual todos dispõem de parcela igual de poder. Embora muitos sistemas sociais relativamente pequenos e simples (um grupo de amigos, por exemplo) que são organizados como democracias puras, no nível de organizações, comunidades e sociedades inteiras complexas, a democracia pura é muito rara. Em parte isso se deve ao fato de que a definição de ‘todos’ quase sempre exclui algumas partes da população – minorias. (JOHNSON, 1997, p. 66).

Mill (2002), colabora com a delimitação do conceito de “democracia”, aplicado, neste caso, à democracia representativa, em 1859:

O único governo que pode satisfazer plenamente todas as exigências do Estado social é aquele no qual todo o povo participa; que toda a participação, mesmo na menor das funções públicas, é útil; que a participação deverá ser, em toda parte, tão ampla quanto o permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode, em última

25


instância, aspirar por nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. (MILL apud BALBACHEVSKY, 2002, p. 223).

A democracia pode ser entendida, segundo a teoria clássica ou aristotélica2, como o governo de todos os cidadãos, em contraposição à monarquia como o governo de um só e à oligarquia como o governo de poucos. Indo além da concepção que considera a democracia apenas um sistema político-governamental, Chauí (2008) contribui para nossa análise:

Dizemos, então, que uma sociedade – e não um simples regime de governo – é democrática quando, além de eleições, partidos políticos, divisão dos três poderes da república, respeito à vontade da maioria e das minorias, institui algo mais profundo, que é condição do próprio regime político, ou seja, quando institui direitos e que essa instituição é uma criação social, de tal maneira que a atividade democrática social realiza-se como um contrapoder social que determina, dirige, controla e modifica a ação estatal e o poder dos governantes. (CHAUÍ, 2008, p. 69).

A partir de uma aproximação ao “ideal ético democrático”, é possível interpretar o uso contemporâneo da democracia aplicada às tecnologias digitais de comunicação e à internet, em particular. Consideramos aqui, portanto, que o exercício da democracia não está atrelado apenas a exercer o direito de voto, mas relaciona-se, também, a um dos seus maiores princípios: o direito fundamental de liberdade de opinião e de expressão. Portanto, acreditamos que o principal fator que justifica esta tendência democrática relacionada ao surgimento da internet é a produção das informações. A partir desta nova realidade, foi permitido que muitos indivíduos passassem de receptores a emissores do processo comunicativo, executando a premissa levantada de liberdade de expressão. Além deste, ainda podemos elencar o fato das novas tecnologias possibilitarem a divulgação de informações e conhecimento para pessoas que se encontram dispersas geograficamente, podendo ser considerado um meio de comunicação de massa.

2

A tradição da teoria clássica fundamenta-se no pensamento político de Aristóteles, com sua distinção dos três tipos de governo: monarquia, democracia e aristocracia. Na base da filosofia política clássica encontra-se a cidade-Estado, onde o equivalente da cidade corresponde ao moderno país, com seu Estado. (GONÇALVES, 2007, online).

26


Neste contexto, para adequar a democracia à nova realidade digital, surge o conceito da chamada ciberdemocracia, democracia online ou democracia digital, entendida como uma nova forma de discussão de assuntos relacionados à política e à

democracia

no

espaço

virtual

(ciberespaço).

A

interconectividade,

a

comunicabilidade e a interatividade da internet possibilitam a promoção desta nova forma de processo democrático e, assim, a construção de um debate político online, na medida em que é permitida a livre vinculação de conteúdo, de forma rápida e sem custos, necessitando apenas de um computador conectado à internet para que o indivíduo “exerça sua cidadania”. Para Lévy (2003), a

espantosa disponibilidade das informações, de toda a espécie, respeitantes à vida política, assim como o frequentar de fóruns de discussão civilizados e bem organizados, tornam o debate político cada vez mais ‘transparente’ e preparam uma nova era do diálogo político que conduz a democracia a um estágio superior: a ciberdemocracia. (LÉVY, 2003, p. 123-124).

Diante

da

realidade

de

produção

descentralizada

de

informações

extremamente plurais ocasionadas pela internet, o conceito de ciberdemocracia ganha destaque e deve ser compreendido em todas as suas dimensões, tanto tecnológicas, quanto sociais e políticas. Neste sentido, a ciberdemocracia consiste na criação de processos e mecanismos de discussão online, visando ao convencimento mútuo, a partir do diálogo entre o cidadão e o Estado, para se chegar a uma política de decisões, onde a participação popular se torna mais real em termos práticos. Rodrigues (2004), a partir de referências da Grécia antiga, utiliza o termo “ágora digital” para exemplificar esta nova perspectiva:

[...] a ágora era a praça pública onde se realizavam as assembleias (do povo e do exército, por exemplo) e reuniões de caráter comercial, cívico, político e religioso na Grécia Antiga, um espaço onde todos podiam expor as suas ideias, sugestões e propostas. Para muitos, essa ágora foi o verdadeiro berço da democracia, uma vez que aí os cidadãos praticavam a liberdade de pensamento e expressão em domínios como as artes, a política e a filosofia. Acontece que os blogs constituem um espaço onde qualquer pessoa (que tenha acesso à Internet) pode dizer o que pensa sobre um determinado assunto, um espaço que proporciona a troca de conhecimento e muitas vezes impulsiona o debate. Transpomos assim a ágora, que ocupava na sua gênese um espaço físico, uma praça pública delimitada, para um espaço virtual proporcionado pela Internet. (RODRIGUES, 2004, p. 29).

27


Por outro lado, alguns autores atentam para a questão da exclusão digital que está implícita nesta realidade. Este pensamento está baseado na lógica de que “quem não estiver conectado a essa rede mundial fica fora da vida social, econômica, científica, que se desenrola em tempo real através dos caminhos da internet” (ROVER, 2004, p. 29). Cruz (2009) explica que, para que esta exclusão digital não ocorra, é dever dos governos estabelecer políticas de inclusão.

A ciberdemocracia poderia ser experimentada e outras formas de participação e mecanismos representativos poderiam ser propostos. Atualmente é muito fácil organizar consultas rápidas à população sobre temas de interesse imediato e que requeiram um pronunciamento de relativa urgência. Plebiscitos e referendos não teriam porque serem casos excepcionais na vida social e política. Ao menos tecnologicamente não há desculpas. (CRUZ, 2009, p.13).

Rodotà (2007, apud MAGRANI, 2014, p. 91), acompanhado de teóricos deliberativos e participacionistas como Pateman, Barber, James Fishkin, Luskin e Funk, acredita que nas sociedades capitalistas avançadas, ao mesmo tempo em que observamos um desgaste no sistema de representação política em virtude da forte desconfiança nas instituições governamentais e complexidade de demandas sociais, vislumbramos também a possibilidade de oxigenar este modelo justamente com a democracia deliberativa, ampliando a participação política, acrescentando à corrente deliberativa sua aposta na concretização deste processo por meio das novas tecnologias. Nesta mesma linha positiva de pensamento sobre o processo de abertura política que as novas tecnologias podem trazer para a participação popular, Magrani (2014) complementa:

Com diversos canais de participação, deliberação, mobilização e transparência, as novas tecnologias da informação e comunicação são tidas como capazes de viabilizar interações mais profundas entre sociedade e o sistema, através de esferas públicas mais eficientes comunicativamente e de maior potencial democrático. (MAGRANI, 2014, p. 93).

Um exemplo brasileiro de projetos que lutam para que esse acesso esteja disponível para a maior parte da população são as cidades digitais. O objetivo deste programa é modernizar a gestão, ampliar o acesso aos serviços públicos e promover o desenvolvimento dos municípios brasileiros por meio da tecnologia (MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES, 2015, online). Para isso, trabalha na construção de redes 28


de fibra óptica que interligam os órgãos públicos locais, na disponibilização de aplicativos de governo eletrônico para as prefeituras, nas áreas financeira, tributária, de saúde e de educação; na capacitação de servidores municipais para uso e gestão da rede e na oferta de pontos de acesso à internet para uso livre e gratuito em espaços públicos de grande circulação, como praças, parques e rodoviárias. Este é apenas um dos projetos que visam a inclusão digital das classes sociais, e que estão inseridos na chamada e-democracia. Inspirada na teoria do egovernment – utilização da internet visando o processo de modernização dos serviços públicos, reduzindo a burocracia e aproximando os cidadãos das entidades públicas – a Câmara dos Deputados brasileira, por exemplo, criou o portal edemocracia (figura 1), com o objetivo de incentivar a participação da sociedade no debate de temas importantes para o país. A tendência é de que tais iniciativas só aumentem, pois as instituições públicas notam que uma das características dessa nova cibercultura é a vontade da população de ser ouvida. A partir do momento em que cada indivíduo percebe que pode influenciar outros através da internet, sente-se importante e quer fazer parte das decisões de sua cidade, estado ou país. Figura 1 - Portal e-democracia

Fonte: Portal e-democracia (2015)

29


A partir do momento em que todo e qualquer cidadão percebe que tem voz e deve ser ouvido pelas instituições públicas do país onde mora é que nasce o ciberativismo. Ao notar que mais pessoas compartilham de algum interesse em comum, indivíduos engajam-se com a finalidade de alcançar este objetivo-comum. Segundo Ugarte (2008), podemos caracterizar o ciberativismo como

toda estratégia que persegue a mudança da agenda pública, a inclusão de um novo tema na ordem do dia da grande discussão social, mediante a difusão de uma determinada mensagem e sua propagação do ‘boca a boca’ multiplicado pelos meios de comunicação e publicação eletrônica pessoal. (UGARTE, 2008, p. 77)

Cada cidadão que utiliza esta ferramenta para difundir um discurso e colocar à disposição pública ferramentas que devolvam às pessoas o poder e a visibilidade que hoje são monopolizadas pelas instituições pode ser chamado de ciberativista. “Ele é uma enzima do processo pelo qual a sociedade deixa de se organizar em redes hierárquicas descentralizadas e passa a constituir-se em redes distribuídas basicamente igualitárias” (UGARTE, 2008, p. 58). Realizando a conexão com os conceitos que abordamos durante este subitem, podemos observar, então, que o engajamento político e social que a internet propicia é mais um dos fatores que faz com que ela seja considerada uma ferramenta democrática nos dias de hoje. Segundo Habermas (2003, apud MAGRANI, 2014), para a deliberação democrática ocorrer, há pelo menos quatro condições. Estes fatores, indicam, basicamente, a necessidade de se garantirem as melhores condições de deliberação e a preocupação com a forma como se organiza o processo de debate. São elas: a) cada pessoa precisa estar hábil a expressar suas próprias ideias abertamente e criticar as dos outros; b) a associação dos conceitos de força e poder com status social precisa ser eliminada; c) argumentos baseados no apelo à tradição ou dogma precisam ser expostos; e d) a verdade é alcançada por meio da busca ao consenso. É a partir desta nova realidade que as minorias podem então unir-se para serem ouvidas pelo Estado. Diversas são as manifestações excludentes na sociedade. Envolvem as questões culturais, raciais, sexuais, a faixa etária, as patologias, quaisquer que sejam os aspectos da condição humana. O acesso desse público às novas tecnologias deu oportunidade ao aparecimento do potencial criativo 30


impedido muitas vezes pelo cenário sócio-econômico-cultural em que se encontra. Indivíduos antes marginais no diálogo político possuem, com as novas mídias, meios para se mobilizar, debater opiniões entre si e com instituições governamentais e mídia tradicional e inclusive influenciar estes atores através de diferentes plataformas. Baudrillard (1978) corrobora com esta tendência ao afirmar que a “meta não é mais a política do universal, mas aquelas microscópicas, política das minorias, das massas que desaparecem em sua astuciosa indiferença” (BAUDRILLARD, 1978, apud LEMOS, 2002, p. 68). Os movimentos sociais em rede, como todos os movimentos sociais da história, trazem a marca de sua sociedade. Eles foram e continuam a ser as alavancas da mudança social. Geralmente se originam de uma crise nas condições de vida que torna insustentável a existência cotidiana para a maioria das pessoas. Hoje, são amplamente constituídos de indivíduos que convivem confortavelmente com as tecnologias digitais no mundo híbrido da realidade virtual. Seus valores, objetivos e estilo referem-se diretamente à cultura da autonomia que caracteriza as novas gerações de um novo século. Ao mesmo tempo, porém, é essencial enfatizar o papel da comunicação na formação e na prática dos movimentos sociais, tanto agora, quanto ao longo da história. “As pessoas só podem desafiar a dominação conectando-se entre si, compartilhando sua indignação, sentindo o companheirismo e construindo projetos alternativos para si próprias e para a sociedade como um todo” (CASTELLS, 2013, p. 166). Em nossa sociedade, a forma fundamental de comunicação horizontal em grande escala baseia-se na internet e nas redes sem fio. A internet torna-se então um componente necessário, embora não suficiente, da ação coletiva. Os movimentos são virais, seguindo a lógica das redes da internet. Isso ocorre não apenas pelo caráter viral da difusão das mensagens em si, particularmente das imagens de mobilização, mas em função do efeito demonstração de movimentos que brotam por toda parte. As plataformas de mídia social são ferramentas decisivas para mobilizar, organizar, deliberar, coordenar e decidir.

Mas o papel da internet ultrapassa a instrumentalidade: ela cria as condições para uma forma de prática comum que permite a um movimento sem liderança sobreviver, deliberar, coordenar e expandir-se. Ela protege o movimento da repressão de seus espaços físicos liberados, mantendo a comunicação entre as pessoas do movimento e com a sociedade em geral

31


na longa marcha da mudança social exigida para superar a dominação institucionalizada. (CASTELLS, 2013, p. 167).

A horizontalidade das plataformas de mídia social, assim como da internet, favorece a cooperação e a solidariedade entre os indivíduos, ao mesmo tempo que reduz a necessidade de liderança formal no movimento. Assim, o que parece ser ineficaz como forma de deliberação e tomada de decisão é “de fato o alicerce necessário para gerar confiança, sem a qual nenhuma ação comum poderia ser empreendida contra o cenário de uma cultura política caracterizada pela competição e pelo cinismo” (CASTELLS, 2013, p. 163). O movimento produz seus próprios antídotos contra a disseminação dos valores sociais que deseja combater. Castells (2013) caracteriza os movimentos sociais deste novo contexto:

Por serem uma rede de redes, eles podem dar-se ao luxo de não ter um centro identificável, mas ainda assim garantir as funções de coordenação, e também de deliberação, pelo inter-relacionamento de múltiplos núcleos. Desse modo, não precisam de uma liderança formal, de um centro de comando ou de controle, nem de uma organização vertical, para passar informações ou instruções. Essa estrutura descentralizada maximiza as chances de participação no movimento, já que ele é constituído de redes abertas, sem fronteiras definidas, sempre se reconfigurando segundo o nível de envolvimento da população em geral. Também reduz a vulnerabilidade do movimento à ameaça de repressão, já que há poucos alvos específicos a reprimir, exceto nos lugares ocupados; e a rede pode se reconstituir enquanto houver um número suficiente de participantes, frouxamente conectados por seus objetivos e valores comuns. A conexão em rede como modo de vida do movimento protege-o tanto dos adversários quanto dos próprios perigos internos representados pela burocratização e pela manipulação. (CASTELLS, 2013, p. 160).

O mesmo autor atenta para o fato que, embora esses movimentos geralmente se iniciem nas redes sociais da internet, eles se tornam efetivamente um movimento ao ocupar o espaço urbano, seja por ocupação permanente de praças públicas, seja pela persistência das manifestações de rua. O espaço do movimento é sempre feito de uma interação do espaço dos fluxos na internet e nas redes de comunicação sem fio com o espaço dos lugares ocupados e dos prédios simbólicos visados em seus atos de protesto (CASTELLS, 2013). Para além destes levantamentos, constatamos, segundo Magrani (2014), que, com relação ao perfil dos indivíduos participantes da prática de engajamento 32


político-democrático através dos canais digitais, ao contrário da corrente que sustenta a existência de um elitismo democrático online, uma larga porção de jovens de diferentes grupos étnicos não somente possuem acesso à internet, como se engajam politicamente através de mídias sociais.

Portanto, ao menos neste contexto, este tipo de participação não se restringe somente a jovens brancos de classes sociais abastadas, como pensavam alguns teóricos. Em reforço, o estudo comprova que as novas mídias têm o potencial de facilitar uma distribuição equitativa de participação política entre jovens de diferentes grupos étnicos. Segundo o estudo, 41% dos jovens já se engajaram em pelo menos um ato de política participativa. (MAGRANI, 2014, p. 86).

Os números da TIC (Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil), realizada desde 2005 pelo CGI (Comitê Gestor da Internet no Brasil) e pelo NIC (Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR), reforçam esta questão sobre o aumento da utilização da internet pelos jovens e pelas classes sociais mais baixas. Como observamos nas tabelas 1 e 2, houve um aumento da utilização dessas tecnologias por estes dois grupos, se comparados o primeiro e o último ano de realização das pesquisas (2005 e 2013).

Tabela 1 - Usuários de internet x Classe Social 2005

2013

Classe C

27,40%

49%

Classe D e E

7,65%

17%

Fonte: CETIC.br (2015)

Tabela 2 - Usuários de internet x Faixa Etária 2005

2013

10 a 15 anos

29,80%

75%

16 a 24 anos

46,26%

77%

Fonte: CETIC.br (2015)

Por fim, podemos então perceber que os levantamentos realizados neste capítulo permitem-nos afirmar que a internet e as plataformas de mídia social são 33


peças fundamentais para que haja uma abertura política, ou uma chamada democratização do processo político, tanto brasileiro, quanto mundial. Atentamos ainda para o fato de que, no Brasil, o acesso a essas tecnologias não é mais exclusivo das classes mais altas da pirâmide econômica, mas, através de iniciativas governamentais e pacotes promocionais de provedores e companhias telefônicas, está próximo a diversas classes e realidades. Não podemos deixar de citar, portanto, que, ao contrário dos autores com visões pessimistas deste contexto apresentados até aqui, observamos que há a possibilidade de um caminho para uma sociedade mais aberta, onde todos saibam que, enquanto cidadãos, podem alterar o curso do seu país, e não só podem, como devem ser ouvidos por ele. As tecnologias ainda alteram, como também investigamos até aqui, o processo de produção cultural e disseminação de informação, revolucionando a forma como compreendemos o espaço onde estamos inseridos. No próximo capítulo, abordaremos esta questão, com foco principal nas mudanças que a internet trouxe para o cenário da moda, outro importante componente da indústria cultural.

34


3 INDÚSTRIA DA MODA NA HIPERMODERNIDADE

O novo milênio traz grandes mudanças no mundo, como já abordamos no capítulo anterior. As transformações começam a ser muito mais aceleradas e os acontecimentos passam a ser vividos com muito mais intensidade. Segundo Lipovetsky (2008), a nomenclatura correta para definir o século XXI é conhecida como “hipermodernidade”, quando a ruptura total sugerida pela pós-modernidade é substituída pela cultura do mais rápido e do sempre mais, ou seja, a cultura do desempenho. Esta abordagem é contrária à destruição do passado sugerida pela modernidade. A hipermodernidade propõe a reintegração do passado, que ocorre através do resgate de antigos elementos. O passado deixa de ser totalmente excluído e suas singularidades passam a ser usadas como referências na mistura de hoje, onde tudo é possível e nada é ultrapassado. Conforme o autor:

Quando até o não moderno revela a primazia do eu e funciona segundo um processo pós-tradicional, quando a cultura do passado não é mais obstáculo à modernização individualista e mercantil, surge uma fase nova da modernidade. Do pós ao hiper: a pós-modernidade não terá sido mais que um estágio de transição, um momento de curta duração. E este já não é mais o nosso. (LIPOVETSKY, 2004, p. 57-58).

O início do século XXI é marcado na moda pela mistura de elementos de diferentes décadas, descaracterizando o fundamento de “dentro ou fora de moda”. “A modernidade da qual estamos saindo se caracterizava por negar a tudo que representava a época anterior. A hipermodernidade é integradora” (LIPOVETSKY, 2004, p. 57-58). A moda hoje é despadronizada e passa a ser diferente, por exemplo, da produção dos anos 20, que oferecia um leque de modelos, versões e escolhas finitas. Passamos a viver em uma cultura aberta, caracterizada pela urgência do agora e pela realização dos desejos a qualquer custo, num verdadeiro culto ao presente. A amplitude de misturas de estilos que podem ser compostos nessa hipermodernidade faz com que cada indivíduo procure os itens que agradem especificamente seus desejos e sua personalidade. Devido à busca por uma identidade própria, as pessoas passaram a criar peças com seu próprio estilo, 35


utilizando diferentes tipos de materiais. A moda é então completamente percebida como forma de expressão individual e coletiva.

3.1. Tecnologia e tendências de moda

A moda é um fenômeno sociocultural que expressa os valores da sociedade numa determinada época. “O vestuário deve ser observado na sua contextualização em um determinado meio social, pois se manifesta como uma das mais espetaculares e significativas formas de expressão articulada e desenvolvida pela cultura humana” (LURIE, 1997, p. 37). Ele é o reflexo dos fenômenos culturais e expressa e comunica a ordem social vigente em um grupo social. “Poucos fenômenos exibem, tanto quanto a moda, o entrelaçamento indissolúvel das esferas do econômico, social, cultural, organizacional, técnico e estético” (CARLI, 2002, p. 9). Neste mesmo viés, Lurie (1997) complementa:

O vestuário pode, então, ser considerado como um elemento fundante em cada cultura, por exibir-se como linguagem e por caracterizar-se pelas particularidades que assume em determinados contextos, nos quais se presentificam técnicas, ritos, costumes e significados que se encontram contratados no interior de uma organização social e que se diferenciam entre as civilizações. (LURIE, 1997, p. 187).

No segundo capítulo do presente estudo observamos as alterações comportamentais que a internet e as novas tecnologias de informação e comunicação provocaram na sociedade contemporânea. Mergulhamos em uma nova realidade, em meio a novos valores e hábitos: a chamada cibercultura, que também analisamos anteriormente. Como em todos os períodos da história, a indústria da moda também alterou seus conceitos e se adaptou a este novo contexto. Para Lipovetsky (2008), é a partir da consolidação das tecnologias digitais que a moda torna-se a “moda consumada”. Segundo o autor, esta nova faceta da moda e esta nova realidade desestabilizam o conceito de indústria cultural proposto pelos sociólogos Adorno e Horckeimer, em 1947, para caracterizar o processo de massificação e homogeneização da cultura a partir da reprodução em série de bens culturais, dado pelos autores como um mal que colocaria em risco a livre expressão 36


e a criação artística e autoral. Para Lipovetsky (2008), a era da moda consumada significa tudo menos uniformização das convicções e dos comportamentos:

Por um lado, ela certamente homogeneizou os gostos e os modos de vida pulverizando os últimos resíduos dos costumes locais, difundiu os padrões universais do bem-estar, do lazer, do sexo, do relacional, mas, por outro lado, desencadeou um processo sem igual de fragmentação dos estilos de vida. (LIPOVETSY, 2008, p. 275).

A ampliação da produção de informação oriunda das novas tecnologias foi um dos fatores que mais influenciou nos novos paradigmas que a moda passou a ter. Segundo Jenkins (2012), é esta possibilidade de narrativa transmídia que baseia o conceito de “mídia participativa”, segundo o qual os indivíduos “deixam de ser somente consumidores para atuar como produtores de informação, transitando livremente entre as múltiplas plataformas de mídia, podendo, ainda, cooperar com elas, migrando de uma para outra” (JENKINS, 2012, apud WEIDLICH E CUNHA, 2012, p. 4). Neste processo, as informações chegam ao mesmo tempo a indivíduos no mundo inteiro, promovendo um processo de padronização e, consequentemente, reconhecimento,

de

signos

semelhantes.

No

entanto,

isso

não

significa

necessariamente uma unificação dos padrões culturais, resultando na formação de uma aldeia global, como previa McLuhan (1972). Pelo contrário, este processo só privilegia a pluralização de costumes: “a análise das particularidades na cotidianidade permite observar que há, cada vez mais, diferenciação nos segmentos do vestuário, da prestação de serviços, no próprio mercado consumidor e nos gostos em geral” (MENEZES, 2011, p. 5). Se a web 2.0 representou uma nova configuração do ambiente online, trazendo questões próprias, ao voltarmos nossa análise para os reflexos de tais tendências no campo da moda, não podemos deixar de citar uma ferramenta muito utilizada: os blogs. Em meio a este contexto, os blogs passam a apresentar novas formas de sociabilidade, influenciando tanto o consumo de um conteúdo de moda, quanto o consumo de bens materiais, através do envolvimento de diferentes experiências simbólicas. Segundo Medeiros (2014):

37


existem diversos tipos de blogs de moda, porém os três mais vistos são os de streetstyle, que pode ser traduzido como moda de rua, no qual o blogueiro fotografa pessoas comuns que andaram com looks estilosos nas ruas; os que realizam produções de moda e as fotografam como um editorial de revista e por fim, os que a própria blogueira monta os seus looks e mostra sua produção dando os créditos das marcas e descrições das peças. (MEDEIROS, 2014, p. 7).

“Neste sentido, as blogueiras passam a atuar como símbolos de intermediação, trabalhando de maneira incisiva na forma de comunicar, consumir, vender e produzir informação” (BON, 2014, p. 2). Todo este processo muda completamente os parâmetros do chamado “jornalismo feminino”, termo surgido no século XVIII, quando os assuntos de moda ganharam destaque nas recém-criadas publicações de moda na França. As blogueiras (meninas que produzem conteúdo para os blogs de moda) tornam-se um veículo de marketing sensível, no sentido de transmitirem afetos e simbologias através do que consomem, conquistando um lugar no imaginário de suas leitoras. “Assim, os blogs de moda passam a atuar na criação e distribuição de significados, principalmente em relação ao universo da moda, ao lado da mídia e da indústria cultural em geral” (BON, 2014, p. 4). A autora ainda complementa a caracterização deste cenário:

Dessa forma, as blogueiras passam a exercer um papel de mediadoras de um conteúdo de moda que passa a ser aberto a diferentes camadas sociais, e passa a ser considerada uma formadora de preferências de grupos sociais significativos, possuidora de um discurso legitimado, absorvido pelos receptores, se tornando, desta maneira, uma nova agente social no circuito cultural e econômico da moda. (BON, 2014, p. 10).

Juntamente com o crescimento da internet, ocorreu o desenvolvimento e a popularização das mídias sociais. Essas plataformas ganharam poder, maior proporção de alcance e estão associadas com a produção de conteúdo que pode ser digitalmente publicado de forma livre, aberta e para muitas pessoas. “As mídias sociais são tecnologias e práticas que as pessoas usam para compartilhar conteúdo, opiniões, insights, experiências, perspectivas e multimídia” (GABRIEL, 2009, p. 20). Elas surgem justamente como um reflexo dessas necessidades, onde o usuário desempenha um papel onde ele é muito mais atuante e possui voz ativa. Graças a esta crescente evolução dos meios de comunicação e à explosão das novas mídias, “as mídias digitais não só garantiram uma maior mobilidade de 38


conceitos ao redor do globo, mas também uma reestruturação da produção e um compartilhamento de informação especializada” (WEIDLICH; CUNHA, 2012, p. 5). Nesse sentido, as redes sociais como Twitter, Facebook e Foursquare agem como suportes paralelos aos conteúdos dirigidos exclusivamente à moda, pois esses espaços favorecem o compartilhamento de fotos e links e facilitam o caminho em direção aos blogs, aumentando consideravelmente a possibilidade de acessos. O Facebook, plataforma-líder no mercado atualmente, possui, de acordo com levantamento realizado em 2014, 1,35 bilhões de usuários ativos em todo o mundo (MÜLLER, 2014). “O Brasil participa ativamente na colaboração para o alcance desse dado e é o terceiro país no mundo em número de usuários inscritos na rede, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e Índia” (MEDEIROS, 2014, p. 2). Em relação diretamente ao nicho de moda, os aplicativos de compartilhamento de fotos são os preferidos. A rede pioneira neste segmento foi a comunidade virtual Flickr, lançada em 2004, mas que hoje é mais utilizada por fotógrafos, para exposição de álbuns de fotografias. Os dois aplicativos mais utilizados para os fins de divulgação e compartilhamento de itens de moda e vestuário, ambos lançados no ano de 2010, são o Instagram (300 milhões de usuários) (PRESSE, 2014) e o Pinterest (70 milhões de usuários) (GUIMARÃES, 2013). Hinerasky e Fonseca (2010) caracterizam o diferencial dos aplicativos de compartilhamento de fotos:

Nestes casos são os próprios usuários que postam, elegem e legitimam as roupas e o(s) estilo(s) mais populares, diferente dos blogs e sites de streetstyle, onde há ‘editores’ e fotógrafos que selecionam o que é publicado. Através da postagem livre de fotos, os usuários projetam suas imagens e configuram assim, uma rede em que os usuários definem o que é estilo, tendência e popular. (HINERASKY; FONSECA, 2010, p. 8).

Todas as alterações comportamentais que apresentamos até agora, sejam causadas pela internet ou pelas demais tecnologias de comunicação (mídias digitais, por exemplo), acabam refletindo diretamente na forma como as organizações em geral devem relacionar-se com seus públicos. Isso ocorre porque o comportamento do consumidor também sofreu alterações, e entender como ele ocorre em ambientes online é de fundamental importância para o bom andamento da empresa. “Ao mesmo tempo em que a Internet facilitou a tomada de decisão, ela levou também ao aumento da exigência por parte do consumidor” (MEDEIROS, 2014, p. 5), uma vez 39


que facilitou a mobilidade e aumentou a agilidade. Corrêa, (2010) colabora com o entendimento desta nova realidade:

Surge então um novo cenário, global, digital, novos desafios aparecem, surge então a necessidade de monitoramento, tratamento e adequação das informações geradas na rede, visando sempre dar sentido positivo as estratégias discursivas escolhidas. Há de se refletir que se por um lado as organizações ganham pela multiplicação das informações e exposição extrema dos seus produtos e serviços, por outro lado, perdem o controle sobre o que é produzido a seu respeito, hoje não é só o produto que é analisado, mas a postura e principalmente a imagem da organização como um todo. (CORRÊA, 2010, p. 2).

Para Kotler (2002), a internet oferece novos recursos aos consumidores e produtores. Neste contexto, o consumidor é, na maioria das vezes, o responsável por iniciar e controlar o processo de troca de informações. “É ele quem dialoga diretamente com as empresas, informando suas necessidades específicas, propondo o preço, definindo como quer receber os produtos e decidindo até mesmo se permitirá que a empresa lhe transmita informações e propaganda” (MEDEIROS, 2014, p. 5). As ferramentas de e-business, que têm como intuito facilitar a compra (seja ela virtual ou não), como localizadores de produtos e comparadores de preço, estão cada vez mais presentes nas operações empresariais e nos hábitos de compra dos consumidores (COSTA, 2009). Contudo, é claro que, além de todas as modificações no processo comunicacional que a maioria dos setores da sociedade sofreram com as TICs (tecnologias de informação e comunicação), a moda também apresentou alterações específicas ao seu nicho de mercado. Se por um lado, o crescimento do interesse pela moda indica o aumento do consumismo, por outro desenvolve diretamente um setor industrial e de maneira secundária demais setores, como o varejo, a comunicação e a pesquisa. As novas tecnologias causam uma grande revolução no processo de criação de tendências de moda. O que era rápido, torna-se ainda mais rápido: a velocidade das redes de internet comanda este processo, sendo refletida no calendário dos lançamentos. Este é o principal sintoma da era da informação, pois, neste intervalo entre os desfiles e o lançamento, as redes de fast-fashion (grandes magazines com produção rápida e contínua de novidades) apropriam-se de diversos conceitos e os apresentam antes das próprias marcas. Quando a coleção da grife chega às lojas, o 40


consumidor já perdeu o desejo. Paulo Borges, diretor criativo do Fashion Rio, em entrevista à FFW (RODRIGUES, 2010), explicita essa alteração:

Aqui no Brasil, temos um calendário de desfiles que acontece três meses antes das roupas chegarem ao consumidor final. As semanas de moda internacionais, acostumadas a lançar coleções seis meses antes da chegada às lojas, já consideram uma readequação dos seus calendários nos nossos moldes. (RODRIGUES, 2010, online).

A moda, que antes era restrita às passarelas e aos grandes e renomados estilistas da alta costura, começa a ter a urbanidade como inspiração, e o motivo deste novo contexto social é dado principalmente pelas novas ferramentas de comunicação. “Como a moda é tendência, influência e divulgação; qualquer item que apareça em blogs de moda, em revistas conceituadas ou com celebridades, pode (e torna-se) moda” (FAVORETTO; MÓDOLO, 2010, p. 6). Agora, as passarelas deixam de criar sozinhas e passam a seguir parte das tendências que são lançadas pela internet, adequando-as às suas características. A moda deixa de ser ditada por estilistas e passa a ser construída em conjunto, o que determina um processo de democratização nesse sistema. Neste momento, o processo de imitação da moda, caracterizado pelo modelo trickle-down de propagação de tendências, deixa de ser tão incisivo.

A teoria de trickle-down é um modelo de processo de moda sugerido por Simmel (1957) que defende que somente as classes superiores é quem determinam a moda, estabelecendo, assim, conceitos de imitação e diferenciação entre os grupos. Os objetos adotados pelas classes superiores são copiados pelas classes inferiores até o patamar mais baixo. (DA PAZ; LEÃO, 2012, p. 226).

Tão logo estas tendências são copiadas pelas camadas inferiores, os membros das camadas superiores as abandonam e adotam novas modas, gerando um processo infinito. Este conceito de trickle-down é deixado de lado para a adoção do trickle-up, onde a moda é criada de baixo para cima da pirâmide social (CRANE, 2006). Para Lipovetsky (2008), na hipermodernidade, a moda está fora da luta de classes e da rivalidade hierárquica:

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o esquema da distinção social que se impôs como a chave soberana da inteligibilidade da moda, tanto na esfera do vestuário como na dos objetos e da cultura moderna, é fundamentalmente incapaz de explicar o mais significativo: a lógica da inconstância, as grandes mutações organizacionais e estéticas da moda. (LIPOVETSKY, 2008, p. 11).

Essa grande alteração no processo de criação de moda faz com que a internet seja vista como uma fonte eficaz para a observação de tendências. “Ela aparece como valiosa mina de sintomas emergentes, uma vez que abrolha como modo potencializador da velocidade e democratizador de informações” (RECH; CAMPOS, 2010, p. 11). Como observamos acima, a partir do surgimento da blogosfera e das mídias sociais, mais comportamentos e novidades das ruas são divulgadas via internet, e servem como potente energia inspiradora para pesquisadores, criadores e até mesmo para os próprios consumidores.

Aponta-se a internet como meio auxiliar eficaz na prospecção de tendências, tanto em sites específicos do setor como em blogs, páginas pessoais ou noticiários, visto que, na internet as informações fluem com mais rapidez e tornam a pesquisa de tendências mais veloz, consistente, democrática e globalizada. (RECH; CAMPOS, 2010, p. 11).

Unidas a outros meios de comunicação de massa, como jornais e revistas, as TICs passam a ser as principais ferramentas de comunicação, estudo e difusão de tendências de moda. Observamos que a moda absorve e reflete os fluxos do mundo, como atenta Mascio (2008):

Os estudos sobre a comunicação em massa compreendem a análise dos textos de mass media e das formas pelas quais os textos são usufruídos pelo público. Os programas de televisão, os filmes, as revistas especializadas, os jornais, as rádios, os sites da internet, fazem parte desse vasto panorama e mostram as muitas modalidades com as quais é possível realizar um processo de comunicação. (MASCIO, 2008, p. 169).

Baseando-nos no fato de que a mídia, quando bem analisada, funciona como um espelho no qual podemos ler a evolução social, através de diversos meios de veiculação de informação de massa (mass media), são analisados sintomas latentes de conduta, comportamentos, valores e traços sociais. “Através de estudos sociológicos, torna-se possível a construção do conhecimento tácito acerca dos consumidores, capital humano” (RECH; CAMPOS, 2010, p. 9). Este conhecimento é construído através da investigação do mosaico complexo de pontos de vista que 42


expressam as diversas interpretações de mundo, ou produtos do zeitgeist, conceito alemão para nomear o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou características genéricas de um determinado período de tempo. As pesquisas de tendências “captam acontecimentos, vivências subjetivas, fatores econômicos, sociais, políticos e culturais” (MESQUITA, 2004, p. 97), tornando-se essenciais para a obtenção e análise de macrotendências. Neste contexto, é possível observar que os produtos que anteriormente eram impostos ao mercado e mostravam-se como opções únicas e definitivas, atualmente, perdem espaço para a produção variada de estilos, produtos, marcas e costumes. Os levantamentos citados até aqui, chamados tradicionalmente de “pesquisa de mercado” – que possuem origem relativa aos anos 70, neste novo contexto de sociedade informatizada, a partir dos anos 90, ganham um novo formato. É nessa década que a hegemonia dos birôs e a ditadura da moda são derrubadas pelo crescimento do individualismo e através da explosão da moda jovem, já que, nos anos anteriores, perdem força com o surgimento de diversas tribos urbanas (PALOMINO, 2003). Fontenelle (2004) caracteriza este cenário de transformação na comunicação mercadológica:

o impacto das inovações tecnológicas que, de um lado, passou a provocar uma grande dúvida sobre a eficácia da propaganda (não só devido ao surgimento do controle remoto, o que tornava o consumidor/telespectador menos vulnerável ao assédio do anúncio, como também por conta do desafio apresentado pela produção de imagens cada vez mais indiferenciadas, como outrora foram os produtos); e, de outro, levou a mudanças no padrão de competitividade (a chamada ‘aceleração da aceleração capitalista’ e a necessidade de uma constante ‘fuga para a frente’ no sentido da busca da inovação) que forçaram as empresas a tentar se antecipar às tendências na busca de alguma vantagem competitiva ao saírem na frente no lançamento de algum produto ou serviço. (FONTENELLE, 2004, p. 165-166).

Visando captar as transformações nas mentalidades, nos estilos de vida e nas formas de manifestação do desejo do consumidor, surge o conceito de coolhunting. O enfoque metodológico da prática do coolhunting é o seu principal diferencial em relação aos métodos utilizados em pesquisas de mercado tradicionais, “pois está relacionado a um trabalho contínuo de monitoramento das mudanças de mentalidades e de comportamento do consumidor” (CAMPOS, 2014, p. 4). Ele começou a ser difundido e reconhecido como prática de observação, identificação e 43


análise de tendências, a partir da publicação do artigo “The Coolhunt” em 1997, escrito por Malcom Gladwell, pela revista The New Yorker. A expressão é a união das palavras “cool” e “hunting”, ambas originárias da língua inglesa. A palavra cool, em uma simples tradução, significa algo legal. Porém, neste contexto, a expressão vai muito além e não possui uma tradução literal para o português. Segundo Fontenelle (2004), “quando se trata de pensar o cool associado à pesquisa de mercado de tendências culturais, ele representa o ‘novo legal’, mas um novo que já foi adotado antes por uma minoria, e que pode vir a ser adotado por uma grande maioria” (FONTENELLE, 2004, p. 168). Para Grossman (2003), o conceito de cool neste contexto é algo difícil de compreender, mas não deixa de ser uma fonte natural extraordinária no mundo atual. “Ser cool tem a ver com estabelecer tendências, a partir da influência pessoal dentro de uma rede social específica” (FONTENELLE, 2004, p. 168). Neste contexto, notamos a importância do consumidor alfa: caracterizado como um grupo particular de pessoas que influencia as demais e, quando age, se veste ou fala de determinada maneira, é seguido pelas pessoas “não-cool” (ZAHL GROUP, 2009, apud MORATO, 2008). Grossman (2003, apud MORATO, 2008) pensa da mesma forma: para o autor, quando as pessoas cool (ou consumidores alfa) começam a falar, ou comer, ou fazer compras de um certo modo, as pessoas não cool as seguirão. Consequentemente, essa busca pelo cool procura saber o que, dentre tudo que está acontecendo na sociedade, pode gerar uma tendência de consumo. As pesquisas realizadas em coolhunting são direcionadas para o público jovem. Mas por que este público tornou-se tão importante? São vários os fatores que defendem esta preferência. Em primeiro lugar, pela explosão demográfica: segundo o “The State of The World Population 2014” (apud RUIC, 2014), relatório anual publicado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), das 7,3 bilhões de pessoas que vivem hoje no planeta, 1,8 bilhão tem entre 10 e 24 anos de idade, caracterizando a maior população jovem que o mundo já teve. Lee (apud FONTENELLE, 2004) aponta outro fator: a mudança tecnológica, com o boom da internet, deu aos jovens um poder no interior da família, tornando-os chefes tecnológicos de suas casas. De maneira geral, a cultura jovem também é defendida por Fontenelle (2004) a partir de uma visão profundamente otimista como uma 44


cultura vibrante, excitante, em busca de sua própria identidade e de seus próprios pensamentos e questões. “Nesse caso, ela é a promessa de possibilidade, a liberdade de agir por impulso, rebelião” (FONTENELLE, 2004, p. 171). É pelo fato dos jovens serem os grandes “especialistas em tecnologia” que a internet, os blogs e as plataformas de mídia social tornaram-se uma importante ferramenta no trabalho dos coolhunters, que perceberam que lápis e papel não correspondiam mais ao tipo de pesquisa necessária neste contexto. Além disso, “hoje em dia, as tendências se espalham através de e-mails, de mensagens instantâneas, e os pesquisadores buscam novidades a cada segundo” (MORATO, 2008, p. 11). A internet é o grande recurso para ambos – os correspondentes e os coolhunters, “já que a possibilidade de aprender sobre coisas, com a velocidade com a qual a informação viaja, tem acelerado de tal modo que você realmente precisa de fontes em tempo real para dizer: é isso que está acontecendo agora” (FONTENELLE, 2004, p. 170). Segundo Lee (apud FONTENELLE, 2004), se antes as coisas levavam de um ano e meio a dois anos para se moverem, agora isso pode levar apenas alguns meses. Por este motivo, é necessário que esta rede seja realizada em tempo real e esteja atenta a assuntos mais profundos, como as esperanças, os sonhos e os planos para o futuro. Opondo-se às tradicionais pesquisas de mercado, a caçada ao cool, conforme Gladwell (1997, apud CAMPOS, 2014), visa descobrir quais, dentre as milhares de coisas que estão acontecendo na cultura jovem, serão mais importantes no sentido de constituírem tendências que possam ser transformadas em consumo. Música, vestuário, filmes, artes e política são áreas pesquisadas, que evidenciam as novidades e o que pode gerar tendências de consumo.

Trata-se, portanto, de uma forma de percepção que consiga captar as mudanças sutis nas configurações socioculturais em curso, em detectar padrões e, especialmente, em transformar isso em algo muito rentável, ao ser vendido para empresas ávidas por informações sobre a quem e como vender os seus produtos e ou serviços. (FONTENELLE, 2004, p. 167).

É na cultura jovem, tomada como subcultura, que encontraremos o que é cool, de um modo geral. “O cool está relacionado também à cultura de rua. As ruas 45


são o palco dos estilos. É lá que tudo acontece. As pessoas saem para exibir-se, para representar seu papel como indivíduos inseridos em uma sociedade diversificada e moderna” (MORATO, 2010, p. 8). Segundo Fontenelle (2004), a moda de rua atraiu a atenção dos coolhunters, que captaram novas tendências e renderam milhões às empresas que adotaram suas ideias.

Marisa conclui que as corporações estão consistentemente atentas para construir uma ponte entre esse marginal – que resiste à cultura como status quo, que a questiona e que se torna, portanto, estabelecedor de tendências, e o mainstream, consumidor das tendências. (MARISA, 2002, apud FONTENELLE, 2004, p. 172).

Algumas empresas questionam o trabalho dos coolhunters, alegando que o cenário de mudanças constantes e grande fluxo de informações, com tantos consumidores sintonizados nesse contexto, atinge um momento em que não se pode mais diferenciar o cool do não-cool. A mudança das tendências é tão veloz que alguns justificam que, até o cool ser detectado e transformado em produto de consumo, já se tornou ultrapassado e o público de massa já perdeu seu interesse. Contrariando as críticas apresentadas acima, Campos (2014) defende que, por estes motivos de cenários tão incertos, que as pesquisas em coolhunting são constantes, ou seja, estão sendo realizadas diariamente, em um ciclo que não tem fim. Além disso, é importante lembrarmos que tais levantamentos, como trouxemos, não permeiam apenas os comportamentos de compra dos indivíduos, mas realizam uma verdadeira análise comportamental da sociedade atual e de seus valores.

3.2. Moda e identidade cultural

De maneira geral, entendemos como cultura todo o complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral, os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem em uma sociedade. Santos (1994) apresenta-nos duas concepções básicas de cultura. Uma, vinculada a todos os aspectos da existência social de um povo ou nação, e outra, que se refere ao conhecimento, às idéias e crenças de um povo. “A cultura, assim, diz respeito a uma esfera, a um domínio da vida social” (PATRIOTA, 2002, p. 2). Segundo Proni (2008), a cultura 46


funciona como uma bússola. Warnier (2003) também realiza esta analogia: “ao fornecer repertórios à nossa escolha, a cultura, a tradição e os processos de identificação preenchem uma função de bússola ou de orientação” (WARNIER, 2003, p. 19). Em uma terceira interpretação, Campos e Rech (2010) acrescentam: “essa bússola, porém, não se encontra estática, cristalizada. Sofre transformações e influências, muda seus direcionamentos, altera seus rumos” (CAMPOS; RECH, 2010, p. 9). E, assim como a cultura, modos de representação também sofrem variações e mudanças. A identidade cultural, por exemplo, é um dos sistemas que mais sofrem alterações durante os anos. “Ela é definida pelo conjunto de papéis que desempenhamos e é determinada pelas condições sociais decorrentes da produção da vida material” (PATRIOTA, 2002, p. 3). Ou seja, é uma adequação da cultura em que estamos inseridos de acordo com nossa posição social, sexo, grupos culturais e localização, por exemplo. A identidade é o que nos diferencia dos outros, o que nos caracteriza como pessoa ou como grupo social. Para Hall (2006),

a constituição da identidade acontece na relação com as pessoas que mediam os valores, sentidos e símbolos, ou seja, a cultura, para o sujeito. A identidade é, portanto, formada na interação do sujeito com a sociedade, num diálogo contínuo com o mundo. Nessa relação o sujeito se projeta e internaliza imagens e símbolos que irão constituir sua identidade numa relação dinâmica e constante. (HALL, 2006, apud PONTES, 2013, p. 1)

Considerando que o homem é um animal que se baseia principalmente no sentido da visão, é inicialmente por esse órgão que ocorre a apreensão de significações nas linguagens não-verbais. São justamente os olhos, um dos mais atuantes órgãos sensoriais humanos, que abrem o caminho ao estético. Por este motivo, ao longo dos séculos, o corpo se manifesta como uma “estrutura semiótica da qual o ser humano não se desassocia, ao mesmo tempo em que o utiliza para instaurar significados, explorando as mais diversas possibilidades de sua expressão” (LURIE, 1997, p. 82). Evidentemente, a manipulação da imagem corpórea tende a evidenciar as características mais atraentes do corpo, que são eleitas segundo os valores estéticos compartilhados por um certo grupo social. O ato de revestir o corpo com vestimentas ou de seguir uma determinada moda, é adotar figurativamente um parecer que declara ao outro dados sobre a 47


identidade do sujeito. “A constatação da presença do ‘outro’ faz com que o corpo se reconstrua, revestindo-se de características culturais e adquirindo, portanto, uma noção de identidade de sujeito no discurso” (LURIE, 1997, p. 56). Assim, na sua máxima individualidade, o corpo reflete a identidade que viu nascer no discurso do semelhante e na apreensão de valores e significados pertinentes a seu grupo, por exemplo.

O vestuário deve ser observado quando inserido em um determinado meio social, no qual se manifesta como uma das mais espetaculares e significativas formas de expressão presentes no processo cultural, configurando-se plenamente como meio de manipulação, persuasão, sanção, ação ou performance e, por conseguinte, articulador de diferentes tipos de discursos: políticos, poético, amoroso, agregador, hierárquico. (LURIE, 1997, p. 90)

Segundo Castilho (2009), nessa perspectiva, o conceito de aparência está nitidamente ligado à necessidade de o sujeito edificar uma imagem que corresponda a seus anseios e à forma como esse indivíduo é percebido pela sociedade em que está inserido. Tendo em vista essas reflexões a respeito do vestuário e a identidade cultural, Lurie (1997) exemplifica como ocorre a busca da “ressignificação do próprio corpo”:

Em posse de seu corpo nu, almejando um novo estado para seu ser, a pessoa humana procura processar essa transformação por intermédio da posse e da incorporação de objetos de valor, que, por sua vez, vão criar na humanidade efeitos de sentido diversos, de qualificação à particularização, de distinção a posicionamentos. (LURIE, 1997, p. 86).

Svendsen (2010) afirma que “a moda contribui para a formação da identidade” (SVENDSEN, 2010, p. 158). Em outras palavras, a moda torna-se tanto o meio quanto a maneira das pessoas repassarem seus valores e sua identidade para o mundo, determinando assim sua posição na hierarquia social. Ao mesmo tempo em que age de acordo com as normas sociais, o ser humano que se veste visa, por meio do traje, marcar sua presença no mundo. “Na construção da identidade do ser, portanto, as diferentes feições do parecer são tentativas de o sujeito fazer significar a sua presença no mundo, tanto na individualidade como na coletividade” (LURIE, 1997, p. 94). Quando falamos de moda, portanto, estamos imersos em um sistema

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de preferências, de modificação de gosto individual ou coletivo, conforme atenta Lurie (1997):

Seguir determinada moda, ou forma de vestir-se, significa adotar individualmente sinais exteriores, que contestam ou se enquadram no sistema de normas contratuais previamente determinadas. Seguir a moda é, ainda, adotar figurativamente uma identidade e declará-la, norteando-se pelas regras que garantam o reconhecimento e a identidade do sujeito e, consequentemente, sua integração a um determinado grupo. (LURIE, 1997, p. 141).

“Considerando a identidade uma manifestação de uma consciência individual e/ou coletiva, o estilo e a forma de vestir-se cobre simbolicamente o corpo humano a fim de integrar e complementar o que se é e/ou o que não se é” (CASTRO, 2011, p. 5). Nesse contexto, a moda se posiciona como uma expressão coletiva, de modo que uma sociedade ou um grupo social podem ter seus valores, hábitos, costumes e rupturas por ela transmitidos. Porém, neste mesmo contexto, ela funciona como uma representação individual, pela qual as pessoas se expressam e ressaltam sua personalidade, seus hábitos e gostos pessoais. O indivíduo é um ser social carregado de diferentes papéis exteriores nos grupos que participa e interiores pelas suas crenças e ideologias pessoais. Por isso, podemos observar que existe uma dinâmica de assemelhar-se e diferenciar-se constantemente por meio da indumentária. Construímos, ao mesmo tempo, dentro da identidade uma identificação individual e/ou coletiva. Godart (2010) afirma que “a moda é aquilo que liga e reconcilia o individual e o coletivo, aquilo que permite que o indivíduo faça valer suas preferências dentro de um âmbito coletivamente determinado” (GODART, 2010, p. 29). Neste contexto, Franke (2011) faz uma outra análise, diferenciando os conceitos de moda e vestuário. Segundo a autora, enquanto as “roupas da moda” personificam ideais e valores de um período, as escolhas do vestuário refletem o modo como diferentes grupos sociais vêem a si mesmos e como se comportam perante valores dominantes ou perante outros grupos sociais. Ela justifica essa abordagem dizendo que os bens de consumo como o vestuário “são portadores de significados culturais e demarcam fronteiras de gênero, idade, status, entre outros” (FRANKE, 2011, p. 32). 49


Outra abordagem sobre a identidade cultural a partir da moda é trazida pela psicologia, que explicita essa questão através da identificação do sujeito com modelos ideais. “Esses modelos são tomados como uma fantasia do vir a ser do sujeito, que persegue esse ideal” (PONTES, 2013, p. 12). O principal exemplo neste caso são os elementos que os indivíduos copiam de seus ídolos ou demais referências, que se manifestam através das roupas, atitudes e até mesmo opiniões sobre assuntos diversos. Isso ocorre pelo fato dos sujeitos formarem e compartilharem representações sociais sobre os padrões estéticos criados pelos “especialistas” (ídolos) que, a partir dessas informações, estabeleceriam relações de pertença (ou não pertença) a grupos que contribuiriam positivamente para aspectos de suas identidades. “Dessa forma, a moda representa a identidade, ou, mais do que isso, a possibilidade de construção da própria identidade por parte do sujeito. Assim, moda, imagem e identidade estão intimamente ligadas” (PONTES, 2013, p. 1). À medida que a sociedade se transforma, os indivíduos se transformam, acompanhados pela moda e pela representação da identidade. Como representação de identidade, ou busca de um modelo ideal, a moda muda conforme o período que representa. Cada época histórica tem suas crenças e valores, tem seu referencial distinto, e é claro que as imagens de moda acompanham o pensamento e os modelos identificatórios do período. Levando em consideração a abordagem histórica citada, é claro que a forma como os sujeitos expressam sua identidade através da moda mudou muito na hipermodernidade em que nos encontramos. Isto porque, segundo Medeiros (2014),

no contexto da globalização atual, as identidades culturais assumem contornos mais fluidos, quase misturados, o que faz com que as pessoas busquem cada vez mais ressaltar a sua individualidade, garantindo a multiplicidade e diversidade característica do mercado da moda. (MEDEIROS, 2014, p; 3).

Antigamente, a hierarquia, o imperialismo e o teocentrismo congelavam posições e funções sociais, e tudo o que o homem tinha a fazer era viver de acordo com o que já vinha definido antes dele. A sociedade era completamente pautada na tradição. A consolidação da internet e das tecnologias de comunicação e sua consequente democracia transformaram essa realidade. A possibilidade de mudar, 50


de promover a mudança em diversos níveis, seja social ou pessoal, trouxe uma realidade completamente diferente e sua evolução nos conduziu ao mundo hipermoderno. “O homem de hoje pode ser qualquer coisa, pode transformar sua realidade social e financeira, pode escolher os rumos da sua vida, pode transformar a sociedade da qual faz parte” (PONTES, 2013, p. 6). Se antes a identidade era dada pela sociedade e era congelada definindo o sujeito no mundo, agora o sujeito é autônomo para se construir dentro da sociedade. A distância geográfica, assim como a noção do tempo, perde sentido na medida em que todas as partes do globo entram em conexão em tempo real. Podemos dizer que a sociedade está imersa numa percepção de tempo própria, “onde a tecnologia permite que comunicação entre ‘mundos’ distantes aconteça em tempo real fazendo assim a ligação entre pessoas e lugares distantes” (PONTES, 2013, p. 1). Se antes as identidades eram fixas e estabelecidas pela sociedade, agora elas podem ser entendidas como “múltiplas, contraditórias, antagônicas e em constante movimento, em constante mudança” (PONTES, 2013, p. 3). Hall (2006) destaca que a identidade múltipla característica do sujeito contemporâneo é o resultado da série de mudanças estruturais nas sociedades causadas pela globalização. “Levando em consideração o fato de que, hoje, o ser humano assume vários papéis na sociedade, podemos observar que, ao mesmo tempo, a indumentária pode representar essa adequação a esses papéis esperados” (CASTRO, 2011, p. 3). Dentro do cenário da era da informação, onde estamos articulando, a todo instante, inúmeros personagens, Castro (2011) explica o conceito de identidademetamorfose. Ele foi “adotado pela Psicologia Social – que parte do pensamento hegeliano segundo o qual o ser é um vir-a-ser que, motivado em direção àquilo que não é, procura superar-se num processo contínuo de transformação” (CASTRO, 2011, p. 3). A autora explica:

A identidade-metamorfose é uma articulação de todos nossos personagens, é a composição de igualdades e diferenças constituídas pela história do sujeito tanto no movimento diacrônico – personagem-bebê, personagemmoleque, personagem-menino, etc – quanto no movimento sincrônico – personagem-mãe, personagem-esposa, personagem-mulher, personagemprofissional, etc – de sua história. (CASTRO, 2011, p. 4).

51


“A identidade que antigamente estabilizava o sujeito e o conectava como a determinado grupo ou nacionalidade, hoje é estudada como algo em conflito e sem unidade no que diz respeito ao sujeito” (PONTES, 2013, p. 3). Ou seja, aquela identidade única e unificadora encontra-se em declínio, fazendo surgir uma identidade complexa e múltipla, responsável pela fragmentação do indivíduo. “A identidade torna-se uma celebração móvel: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam” (HALL, 2006, p. 13). A

glorificação

do

individualismo,

ocasionada

pela

possibilidade

de

mutabilidade social e o exercício de inúmeros papéis sociais pelos sujeitos na atualidade, sustenta uma emancipação cultural do indivíduo e, em contrapartida, lhe “confere uma nova responsabilidade em relação a si mesmo e também de se tornar si mesmo dentro de uma sociedade desprovida de tradições” (CASTRO, 2011, p. 2). De acordo com a mesma autora, podemos acreditar que graças ao domínio que o individualismo exerce sobre nós, vivemos atualmente dentro de uma busca incessante pela auto-realização e é por meio da apropriação dos valores simbólicos das roupas, por exemplo, que podemos buscá-la e construir uma identidade. Segundo Bauman (2012),

a partir da globalização, o indivíduo modificou a noção de si mesmo, substituiu uma visão de mundo sólida e temerária com relação ao estado, para uma utopia líquida e libertária de auto-afirmação das identidades, dando margem e vazão para que as vestimentas se tornassem muito mais que simples peças dentro do guarda-roupa, atribuindo-lhes valores culturais e identitários. (BAUMAN, 2012, apud WEIDLICH; CUNHA; 2012, p. 9).

Para Lipovetsky (2008), desde seu começo, a moda une o conformismo e o individualismo. A diferença é que, no cenário atual, “o individualismo tornou-se globalmente menos competitivo, menos preocupado com o julgamento do outro, menos exibicionista” (LIPOVETSKY, 2008, p. 152). Lipovetsky (2004) insiste no paradoxo fundador e mantenedor do funcionamento da moda – padronização e diferenciação. Ao mesmo tempo em que continua a seguir os padrões de comportamento da sociedade de sua época, o indivíduo hipermoderno quer diferenciar para singularizar, conseguindo, com isso, uma inovação estética, uma expressão individual e também a aceitação do outro. 52


Se antes, a partir do conceito da globalização, imaginávamos que a identidade cultural seria homogeneizada, agora temos certeza de que estávamos equivocados. A era da moda consumada significa tudo menos uniformização das convicções e dos comportamentos:

Por um lado, ela certamente homogeneizou os gostos e os modos de vida pulverizando os últimos resíduos dos costumes locais, difundiu os padrões universais do bem-estar, do lazer, do sexo, do relacional, mas, por outro lado, desencadeou um processo sem igual de fragmentação dos estilos de vida. (LIPOVETSKY, 2008, p. 275).

Para o autor, “é simplista reduzir o individualismo contemporâneo ao egocentrismo, à bolha narcísica, à exclusiva busca dos gozos privados” (LIPOVETSY, 2008, p. 278). Porém, mesmo quando os indivíduos saem de seu universo estritamente íntimo e se engajam em ações coletivas, é sempre a lógica individualista que é preponderante.

A sociedade hiperindividualista não equivale ao desaparecimento das lutas sociais e à asfixia pura e simples da res publica [coisa do povo], significa o desenvolvimento de ações coletivas em que o indivíduo não está mais subordinado a uma ordem superior que lhe dita o teor de suas ideias e de suas ações. (LIPOVETSKY, 2008, p. 278).

Normalmente, para Svendsen (2010), “procuramos nossa identidade no que nos cerca no presente, nos valores simbólicos que nos são acessíveis” (SVENDSEN, 2010, p. 137). A globalização, na hipermodernidade, manifesta e possibilita o gosto, o estilo e as escolhas de identificação com influências múltiplas, transversais e recíprocas. Por isso, atualmente, a construção da identidade dos sujeitos não se realiza rigidamente de acordo com a classe, país ou ideologia. De acordo com Hall (2006), um tipo de mudança estrutural vem ocorrendo na sociedade moderna: as condições culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado ofereciam localização ao indivíduo e identificavamno como um sujeito pertencente a determinado grupo, encontram-se em declínio, o que provoca transformações nas questões de identidade pessoal. Crane (2006) afirma que “a natureza da moda mudou, assim como as maneiras pelas quais as pessoas respondem a ela” (CRANE, 2006, p. 29). A moda, que em um período teria servido a distinção de classes, na contemporaneidade, se 53


volta ao indivíduo, como distinção identitária. Segundo a autora, a teoria da distinção de Bourdieu (2007) é útil para a compreensão de sociedades altamente estratificadas e de como as estruturas são mantidas através dos tempos, porém, menos útil para compreender o comportamento das pessoas em períodos de rápidas mudanças sociais, como seria o caso das sociedades ocidentais contemporâneas (CRANE, 2006). Segundo Charles (2004, apud LIPOVESTKY, 2004, p. 17) na hipermodernidade, a moda está fora da luta de classes e da rivalidade hierárquica:

O esquema da distinção social que se impôs como a chave soberana da inteligibilidade da moda, tanto na esfera do vestuário como na dos objetos e da cultura moderna, é fundamentalmente incapaz de explicar o mais significativo: a lógica da inconstância, as grandes mutações organizacionais e estéticas da moda. Essa ideia está na origem da reinterpretação de conjunto que propomos aqui. Retomando, em coro, o refrão da distinção social, a razão teórica erigiu em motor da moda o que na realidade foi sua apreensão imediata e ordinária, permaneceu prisioneira do sentido vivido dos agentes sociais, colocou como origem, o que não é senão uma das funções sociais da moda. (LIPOVETSKY, 2008, p.11).

É essa inversão de tendência que o autor define como a obra da moda consumada, como já abordamos neste capítulo:

É cada vez menos verdadeiro que adquirimos objetos para obter prestígio social, para nos isolar dos grupos de estatuto inferior e filiar-nos aos grupos superiores. O que se busca, através dos objetos, é menos uma legitimidade e uma diferença social do que uma satisfação privada cada vez mais indiferente nos julgamentos dos outros. O consumo, no essencial, não é mais uma atividade regrada pela busca do reconhecimento social; manifesta-se, isso sim, em vista do bem-estar, da funcionalidade, do prazer para si mesmo. O consumo maciçamente deixou de ser uma lógica do tributo estatutário, passando para a ordem do utilitarismo e do privatismo individualista. (LIPOVETSKY, 2008, p. 172).

Como podemos observar, a moda na hipermodernidade torna-se um fenômeno que desestabiliza a imobilidade de classes e do status social. “Na raiz da demanda de moda há cada vez menos o imperativo de demarcar-se socialmente e cada vez mais a sede do novo” (LIPOVETSKY, 2008, p. 182). É neste momento que podemos analisar o consumo a partir da perspectiva de Lipovetsky (2008), deixando de considerar os consumidores como “meros imitadores ou receptores passivos de modas formuladas por ou para indivíduos de classes superiores” (LIPOVETSKY, 2008, p. 183). 54


A multiplicidade da moda, parodiando Calvino (1998), pode ser vista como um “sistema de sistemas” (CALVINO, 1998, p. 121), em que cada sistema particular condiciona os demais e é condicionado por eles. Neste sistema, não podemos deixar de compreender que há muitas outras forças atuando que não apenas a indústria das grifes e das passarelas. O novo contexto da moda na era digital voltou os olhares para outros públicos que sempre foram produtores de cultura, antes não reconhecidos nessas condições. Neste âmbito, no próximo capítulo, abordaremos a riqueza cultural das periferias brasileiras e identificaremos o cenário da moda dessas localidades no contexto digital que estamos inseridos.

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4 AS TICS E A MODA DAS PERIFERIAS BRASILEIRAS

No segundo capítulo deste estudo, observamos as mudanças que a consolidação da internet e das redes sociais provocaram na sociedade, como a velocidade com que as notícias são publicadas e a quantidade de informação que está disponível nestes canais. No segundo, percebemos como as novas tecnologias impactaram a indústria da moda, o processo de criação de tendências e os profissionais que trabalham neste nicho. Além disso, também identificamos a relação entre a moda e os valores, a política e a economia da sociedade e da época em que está inserida. Por isso, foi possível analisar algumas das principais características da indústria neste novo contexto. Além de alterar a indústria da moda, com suas grifes e estilistas, a internet e os sites de mídias sociais também modificaram o cotidiano das periferias. A possibilidade de ter acesso à cultura, às informações de todo o mundo e de interação que a tecnologia proporciona abriu o horizonte de jovens que antes não tinham grandes perspectivas de vida. Além disso, as novas tecnologias ainda incentivaram a produção cultural nestas localidades, que percebem ter o seu lugar no seu país e acreditam mais em si mesmos e em sua identidade de periferia. O aumento dos projetos socioculturais promove diversos elementos como a música, a arte e a moda, e o ocasiona a inserção de um público no mercado da moda que ainda não havia sido percebido.

4.1. A moda na periferia

As diferentes formas de moradia das grandes metrópoles e as variadas maneiras de viver nestes centros urbanos são assuntos abordados por pesquisas em diversas áreas. Neste contexto, termos como favela, cortiço, periferia, ou mesmo as palavras gueto e subúrbio são usadas para designar o lugar de moradia dos mais pobres da cidade, tanto pela literatura acadêmica, quanto pelo senso comum. Mas, embora pareçam sinônimos, há, entre os diversos modos de habitação popular, expressivas diferenças que variam desde o seu processo de formação e 56


desenvolvimento – numa perspectiva mais histórica – até a forma de significação atribuída pelos seus moradores. Na seguinte análise, nos atentaremos para os dois conceitos mais utilizados pelos pesquisadores: periferia e favela. De uma maneira geral, segundo Freitas (2009), o termo periferia é o mais utilizado no discurso da mídia brasileira para designar de forma genérica o lugar onde vivem os mais pobres, marginalizados ou excluídos. Para a autora,

Essa maneira de nomear parece uma tentativa de suprimir a necessidade de referir-se à complexidade entranhada nas áreas urbanas construídas pela mobilização de pessoas que, movidas por dinâmicas vinculadas às especificidades de cada lugar, ergueram moradas em desacordo com as regulamentações oficiais. Além de aparentemente conseguir homogeneizar realidades absolutamente distintas, a adoção da palavra ameniza o tom pejorativo muitas vezes impregnado em denominações mais específicas, como favela. (FREITAS, 2009, p. 34).

No contexto brasileiro, a palavra periferia é algo típico do processo de metropolização dos anos 60 e 70. O termo tem sido usado para designar loteamentos clandestinos ou favelas localizadas em áreas mais centrais. Isso porque, de acordo com Sousa (2009), “periferia”, num sentido genérico, quer dizer "tudo o que está ao redor”. O termo é bastante utilizado na área da geografia, para designar toda a área urbana que está ao redor do centro urbano.

No Brasil, frequentemente se associa à periferia as regiões urbanas de infra-estrutura precária e baixa renda, sendo tomada frequentemente como sinônimo de zona suburbana, embora uma região periférica não seja necessariamente pobre. Excepcionalmente, podem existir regiões periféricas em grandes centros urbanos que são ocupadas por empreendimentos imobiliários de alto padrão, que é o que acontece no caso da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e com os condomínios da Serra da Cantareira, em São Paulo. (SOUSA, 2009, online).

Por este motivo, Freitas (2009) acredita que “a noção de periferia não existe desprendida da ideia de centro, o que torna o conceito relacional e mutável de acordo com a percepção de quem se posiciona em uma dessas áreas” (FREITAS, 2009, p. 35). Ao mesmo tempo, a autora equilibra ao dizer que, “quando se trata de segregação social, deparamo-nos com fronteiras simbólicas, cujos contornos são mais nítidos para quem as vivencia no cotidiano” (FREITAS, 2009, p. 36). E exemplifica: 57


o fato do morro do Cantagalo estar situado no coração da zona Sul não impede a favela de ser considerada uma periferia quando se trata do acesso a serviços essenciais, aos bens culturais e ao lazer disponíveis aos moradores zona sul. Consequentemente, o tipo de mobilização social levada a cabo pelos cidadãos que vivem nessas periferias reflete tal percepção. (FREITAS, 2009, p. 36)

Seguindo a mesma lógica de Freitas (2009), neste estudo, iremos nos referir à periferia sobretudo como um “lugar simbolicamente apartado dos espaços públicos convivenciais de cultura e de lazer da cidade (e alvo da violência simbólica da mídia), em razão do processo histórico de exclusão racial, social, política, econômica e cultural” (FREITAS, 2009, p. 36). Dando continuidade à análise, o termo favela, de acordo com as Nações Unidas, por meio da UN-HABITAT3, “designa áreas que abrigam habitações precárias, desprovidas de regularização e serviços públicos (água tratada, esgoto, escolas, posto de saúde, entre outros)” (FREITAS, [2006?], online). Este conceito apresenta uma coesão maior, ou seja, é compreendido de forma mais homogênea do que o termo periferia. A favela é entendida, por muitos moradores, como o último refúgio, a única forma encontrada para se sobreviver na cidade. Elas surgem, no Rio de Janeiro, por exemplo, a partir da invasão de terras públicas e de terceiros e seu caráter de ilegalidade e marginalidade suscita, desde o começo do século XX, uma série de intervenções (ÁVILA, 2006). “Por ocupar áreas impróprias e pela fragilidade dos barracos, esses locais são frequentemente atingidos por deslizamentos de terra, terremotos, tempestades, incêndios e enchentes” (FREITAS, [2006?] online). Enquanto a formação das favelas resultou da invasão de terras, a periferia se caracterizou pela venda de lotes, através de parcelas razoáveis e duradouras. Este processo ocorreu na década de 50, principalmente como efeito de dois fatos: a maciça substituição de trabalhadores estrangeiros por migrantes nacionais e o congelamento dos aluguéis e a emergência de uma legislação que protegia o inquilino, resultando na desvalorização das vilas operárias.

Abriu-se, então, um novo negócio, a venda a prestações de terrenos de baixo valor imobiliário, isto é, aqueles distantes ou localizados em áreas 3

O Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (UN-HABITAT) é uma agência especializada da ONU dedicada à promoção de cidades social e ambientalmente sustentáveis, de maneira a que todos os seus residentes disponham de abrigo adequado. Foi estabelecida em 1978 e tem por sede o escritório regional das Nações Unidas em Nairóbi, Quênia. (CÂNDIDO, 2015, online).

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particularmente insalubres ou de topografia desfavorável, de difícil acesso, sem serviços públicos e, frequentemente, sem documentação legal. Vendeu-se, junto com os lotes, o sonho da casa própria, que passou a ser aspiração generalizada das classes populares. Seu resultado é claramente visível: bairros de ruas irregulares, sem calçamento nem iluminação, desprovidos de redes de água e esgoto, sem escolas e postos de saúde, com transporte difícil e caro. As casas construídas aos poucos pelos próprios moradores, parecem sempre inacabadas. (DURHAM, 2012, p. 2).

Segundo Ávila (2006), a diferença entre os termos favela e periferia vão além dos conceitos até aqui apresentados e também ganham importância no plano simbólico para os moradores e o resto da população em geral. A partir da pesquisa realizada pela autora no bairro Antenor Garcia, localizado no município de São Carlos, região Centro-Leste do Estado de São Paulo, “a palavra favela remetia a uma série de símbolos negativos, com os quais elas [as pessoas entrevistadas] não se identificavam e procuravam não relacionar, ‘de jeito nenhum’, com seu local de moradia” (ÁVILA, 2006, p. 28). O conceito de favela aparece como algo distante para estes moradores, pois fica marcado pela violência e pelo tráfico de drogas, pela miséria e dificuldades. Para Sarti (1996), a utilização do termo “morador de periferia” como uma categoria que define o pobre, além de ser distinta do favelado, redefine este termo. “Assim, o ‘favelado’ passou a ser ‘mais pobre’ do que o pobre/morador de periferia, constituindo uma importante referência para a diferenciação interna na localidade” (ÁVILA, 2006, p. 28). Fica claro que grande parte das pessoas moradoras das favelas são inseridas naquele local por motivos financeiros e econômicos. Mas as condições sociais das populações de periferia da sociedade atual escondem mais particularidades do que imaginamos. Assim como em diversos outros segmentos de agrupamentos sociais, nestes locais também há um estilo de vida, uma forma de viver, de se vestir, de se identificar. O vestuário, por exemplo, “é muito mais do que uma tendência passageira ou um gosto estético; é, sim, um estilo de vida, que demonstra compromisso e orgulho de representar uma cultura urbana e periférica” (MARQUES, 2014b, p. 7). Como já vimos nos capítulos anteriores, essa visão de identidade nos ajuda a entender como socialmente estamos ligados ao corpo social. O sujeito alinha seus desejos pessoais de acordo com o local em que se insere. “Em outras palavras, a identidade é a uma espécie de passaporte social, e que deve se alinhar com os demais [membros do grupo] para ser aceito” (HALL, 1992, apud BRIGIDA et 59


al, 2014, p. 3-4). A partir dos ditames da moda e do consumo em que vivemos atualmente, é importante observar como os setores de baixa renda lidam com esses códigos, principalmente onde a situação econômica parece ser o ponto crucial de inserção. A relação do indivíduo com os signos de moda será diferente, marcada pelas dificuldades no seu dia a dia, pela exclusão, pela sina das diferenças sociais e pelo escasso acesso à educação, a cursos profissionalizantes e aos espaços de lazer oferecidos pela cidade (BATISTA, 2010). Assim, a observação sobre o comportamento de moda dos jovens, moradores de uma periferia, aponta importantes aspectos sobre sua relação com o mundo. Neste contexto, segundo Cruz (2007), “as favelas aparecem como espaço diversificado culturalmente, economicamente e socialmente” (CRUZ, 2007, p. 4). Elas também são apontadas como um espaço singular, criativo, onde são empreendidas ações visando a inovação. Isto por que, a partir da interação entre diferentes atores sociais, são encontradas as saídas para os problemas da comunidade. “A arte e a cultura ao longo dos cerca de cem anos do processo de favelização no Brasil tem sido um importante meio para que os moradores de favelas façam uma reflexão sobre esse lugar social” (CRUZ, 2007, p. 1). Assim como em diversos períodos da história da moda, hoje em dia, nas periferias do Brasil, a moda, como objeto intrínseco da cultura, tem suas principais vertentes diretamente ligadas a estilos musicais, suas mensagens e ideologias. De maneira geral, temos como principais ritmos musicais o funk, o hip-hop, o samba, o forró, o tecnobrega e o sertanejo. Os ritmos mais tocados são agregados de tal forma à cultura, a ponto de influenciar o modo de vestir das pessoas da periferia. Segundo Brigida et al (2014), “tal aglutinação foi possível graças à identificação dos traços comuns das periferias, como a pobreza, a falta de espaços de lazer, a criminalidade elevada, e a vontade e esperança pela mudança de vida” (BRIGIDA et al, 2014, p. 10-11). Um dos ritmos musicais mais populares da atualidade é o funk. No Brasil, o funk teve início na década de 70, no Rio de Janeiro e, a partir da década de 80, foi influenciado pelo ritmo miami bass, originário da Flórida, Estados Unidos, que trazia músicas com letras sensuais e ritmos mais rápidos. “Dj Marlboro, um dos 60


responsáveis pela divulgação do ritmo nacional e internacionalmente, comenta que, na década de 90 o funk se voltou para a realidade da periferia e acabou ganhando notoriedade” (ARRIENS et al, 2007, p. 2). “É música para dançar, produzida em estúdios caseiros, a partir da utilização de bateria eletrônica e sampler, tendo como marca sonora os sons graves acentuados pelas caixas de som” (SÁ, 2014, p. 3). Para os milhares de jovens das mais de quinhentas favelas do Rio de Janeiro, o funk mostra-se muito distante da imagem transmitida pela mídia, arraigada no tráfico de drogas e no banditismo. Mais do que entretenimento, para eles, “o funk expõe os questionamentos dos moradores e agrupa as pessoas em um gosto comum, em uma identidade capaz de uni-los e torná-los visíveis dentro e fora da comunidade” (JOBIM; MANSANO, 2008, p. 7). O ritmo, em suas primeiras letras, questionou muitos tabus da sociedade e foi o responsável por transformar a vida de muitos dos seus representantes. Assim como o funk, outro eixo musical de extrema importância na cultura periférica do Brasil é o hip-hop. O movimento hip-hop é conhecido como forma dos jovens moradores de bairros mais pobres “expressar suas agruras, suas reivindicações, suas denúncias, geradas em seu universo social cotidiano onde a qualidade de vida, onde os aparelhos de serviços básicos do Estado não existem ou são extremamente precários” (RIBEIRO, 2010, p. 12). Segundo Almeida (2014), “o hip-hop é composto por três expressões básicas: o rap, o break e o grafite” (ALMEIDA, 2014, p. 4).

O hip-hop passa a atuar nas áreas centrais como forma de demonstrar que também fazem parte da cidade, também a formam e a caracterizam, se negando a aceitarem a ‘não cidade’, o ‘não lugar’ que historicamente ocupam na espacialidade urbana dos municípios, territórios estes que se originam de ‘um modelo de urbanização sem urbanidade que destinou para os pobres uma não-cidade, longínqua, desequipada como espaço e como lugar’. Estes jovens passam a se fazerem ouvir, a se fazerem notar quando passam a divulgar através do hip-hop esta precariedade social a que estavam relegados e ao denunciarem os processos de discriminação racial e violência policial a que cotidianamente eram submetidos. (RIBEIRO, 2010, p. 12).

Como podemos observar, a música é uma forma de expressão muito utilizada pelos moradores das periferias para expor sua realidade, suas necessidades e dificuldades, mas também as qualidades dos seus residentes. Estes produtos 61


culturais são uma referência de identificação entre os jovens das periferias, não apenas pelo seu perfil social similar, mas também porque são estilos musicais e de dança marcados por uma dinâmica de produção, circulação e consumo que se confunde com as práticas cotidianas, revelando muito da sua própria identidade.

4.2. Produtos da periferia

O vestuário, como já observamos anteriormente, é fator importante na construção da identidade de um sujeito, seja ela individual ou coletiva. A moda é considerada uma forma de afirmação dos diversos papéis que exercemos na sociedade hipermoderna. Na periferia, não é diferente. Percebemos que o vestuário é utilizado pelos diversos segmentos de estilos da periferia para reafirmar sua identidade e suas origens. Assim como a música, a moda também é um fator relevante na construção cultural das favelas. Isso porque, nesse contexto, o vestuário também é utilizado como forma de expressão e de afirmação da identidade periférica. A moda das favelas está estritamente relacionada aos estilos musicais mais populares, que ditam os principais itens construtores da identidade funk, hiphop e tecnobrega, por exemplo. Mizhari (2007) analisa o figurino funk, considerando as roupas e os adornos corporais encontrados em um baile do Rio de Janeiro. O autor traz como referência a calça de moletom strech ou suplex, um estilo de calças femininas. Outro elemento presente em diversas análises da moda da periferia é a calça Gang (figura 2). A Gang teve como seu carro-chefe a calça de cintura baixa, cantada em rap e em funk, como a roupa perfeita para valorizar a sensualidade da mulher. “No Brasil, já foram vendidas (até 2001) cerca de 200 mil unidades da famosa calça da Gang, que agora exporta a ideia para os Estados Unidos [...] febre comandada por ídolos como Britney Spears” (SCHMID, 2004, p. 42). A marca possui duas versões mais famosas de seu modelo principal de calças: a cocota – 10 cm abaixo do umbigo – e a supercocota – com 12 cm de distância. Ambos os modelos “ajudam a levantar o bumbum da mulher, disfarçam o culote e deixam as moças com a sensação de que são as mais gostosas do mundo” (SCHMID, 2004, p. 114). 62


Figura 2 – Calça Gang

Fonte: Flog Betty Bob (2005)

Na maioria das vezes, no dia a dia, as funkeiras gostam de usar roupas curtas e mostrar o corpo. “Essas mulheres gostam de transmitir sensualidade, beleza, feminilidade e alegria através das roupas que compõem as suas vestimentas diárias” (BRIGIDA et al, 2014, p. 10). Espinossi (2014) sugere as roupas clássicas de uma funkeira nos dias de hoje e dá como um dos exemplos do estilo a funkeira Mc Pocahontas (figura 3). Segundo a autora, não podem faltar:

shorts curtos usados com regatas oversized decotadas, vestidos superjustos, leggings bem agarradas ao corpo usadas com top cropped, correntes douradas e bonés de aba reta, sneakers e tênis sem salto, tules transparentes, hot pants, body, muitas cores fortes e peças com brilho, douradas, bordadas com canutilho, paetês e pedrarias. (ESPINOSSI, 2014, online).

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Figura 3 – Mc Pocahontas e o estilo funk atual

Fonte: Instagram Mc Pocahontas (2015)

Santana (2007) fez uma pesquisa em bailes funk da cidade de Ceilândia (DF) visando compreender como as jovens que frequentam as festas vestem-se e quais suas influências. A principal descoberta: barriga, pernas ou seios necessariamente precisam estar descobertos. “A estética corporal não é o mais importante no baile funk, já as cores das roupas e os tamanhos são essenciais para qualquer jovem que quer ir a um funk na periferia de acordo com o que dita a moda por lá” (SANTANA, 2007, p. 24). Segundo a autora, ao entrar na festa, percebe-se uma “explosão de mini-cores”: roupas muito curtas e pequenas, de diversas tonalidades (laranja, vermelha, amarela, azul, verde, rosa, em seus tons mais berrantes). Durante a pesquisa, foi perguntado às garotas quais itens seriam necessários para compor um visual para ir a um baile funk, e as principais peças citadas foram “top, vestido, saia, calça corsário, blusa ou uma jaqueta casados com um tênis ou uma sandália de salto” (SANTANA, 2007, p. 24). Hoje, a sensação nas favelas do Rio de Janeiro é o passinho: mistura de funk com passos de frevo, de samba e de hip-hop. Trata-se de um “desafio” entre jovens 64


oriundos dos territórios do funk “que executam passos de dança complexos, misturando a coreografia do funk a outros gêneros como o frevo, o tango e/ou o passo moonwalk de Michael Jackson, dançados ao som de celulares; e gravados e editados de maneira amadora” (SÁ, 2012, p. 2). O passinho, ritmo surgido em 2004, convoca a criatividade juvenil da periferia a fim de promover um olhar diferenciado sobre seus sujeitos.

Neste contexto, percebemos o despontar de um indivíduo que almeja ser reconhecido por suas habilidades artísticas e culturais: um corpo jovem portador de mensagens de mobilização e resistência a estereótipos comumente difundidos na grande mídia ao relacionar o sujeito da favela à criminalidade e ao banditismo. (MAIA; AZEVEDO, 2014, p. 1-2).

Reconhecimento tão desejado que seis jovens, cinco rapazes e uma garota, negros e moradores de comunidades cariocas, integrantes do “Dream Team do Passinho” (figura 4), alcançaram. O vídeo viral “Clipe do Passinho - Todo Mundo Aperta o Play” (BAILE DO PASSINHO, 2013) (coreografia que faz referência a uma conhecida trilha sonora comercial de um refrigerante) “foi postado no Youtube em setembro de 2013 e, em dois meses, já contabilizava mais de 1.600.000 visualizações, número sem contar os compartilhamentos e as visualizações nos perfis de outras pessoas” (MAIA; AZEVEDO, 2014, p. 1). Até a segunda quinzena de maio de 2015, já eram quase 9.700.000 acessos. Figura 4 – Dream Team do Passinho

Fonte: Gustavo (2015)

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Lellêzinha, a única menina do grupo, comenta em matéria do Jornal O Globo: “Meu sonho é me tornar uma dançarina profissional. Só consegui entrar numa escola de dança depois das batalhas de passinho” (FILGUEIRAS, 2013, online). Por sua beleza dentro dos padrões midiáticos e talento, “Lellêzinha caiu nas graças da grande mídia no país e parece ter sido escolhida para representar [...] essa nova classe média brasileira - moradora de periferias e formada em grande parte por jovens” (MAIA; AZEVEDO, 2014, p. 12). Além de dançarina, a jovem tornou-se ícone fashion (figura 5) e referência para outras meninas da favela. Em depoimento para o documentário A Batalha do Passinho – O Filme, da Osmose Filmes, Lellêzinha relata a importância da internet para difundir o movimento do passinho, reforçada por Sá (2002) no excerto a seguir:

Mas, ao mesmo tempo o celular conectado à internet vai registrar a performance e permitir que ela seja enviada para o YouTube, configurando assim este espaço como um território informacional constituído pela rede complexa e híbrida que conecta o território local e a performance presencial dos bailarinos à rede ampliada da Internet.Trata-se, portanto, de uma entre tantas outras modalidades de performance mediada por tecnologias digitais, reconfigurando a experiência presencial que já surge para ser gravada pelo celular. (SÁ, 2002, p. 6).

Figura 5 – Estilo de Lellêzinha

Fonte: Instagram de Lellêzinha (2015)

Outro movimento funk que ficou conhecido no Brasil inteiro, durante o final de 2013 e o início de 2014, foi o rolezinho. Os rolezinhos foram encontros marcados pela internet em shopping centers por adolescentes de 13 a 17 anos, moradores de favelas. “No começo, os eventos eram convocados por cantores de funk, em 66


resposta a um projeto de lei que proibia bailes do estilo musical nas ruas da capital paulista” (DIÁRIO CATARINENSE, 2015, online). Segundo Ribeiro e Ciscati (2014), a organização do rolezinho acontece da seguinte forma: “quem cria o evento – geralmente um garoto desconhecido – se ocupa de convidar gente famosa no bairro: meninas e meninos cujos perfis na rede social têm até dezenas de milhares de seguidores, que são chamados de ‘ídolos’” (RIBEIRO; CISCATI, 2014, online). Analisando a fundo esses eventos, “pode-se entender como que nas relações intersubjetivas dos rolezinhos há criação e compartilhamento de sentidos, valores e experiências, que fazem parte da construção da identidade dos jovens das periferias brasileiras” (CORRÊA, 2014, p. 8). Para isso, a internet torna-se fundamental em todo o processo, como demonstra Corrêa (2014):

Assim, para adquirirem e manterem a ‘fama’, os participantes dos rolezinhos precisam estar sempre comprando produtos caros e postando fotos nas redes sociais, o que torna a internet fundamental não só para a organização e divulgação dos encontros, como também para a construção da identidade e da rede de relacionamentos desses jovens. (CORRÊA, 2014, p. 9).

Como em todos os movimentos sociais, existem condutas aceitáveis e inaceitáveis por parte dos participantes. No rolezinho não é diferente: há um traje específico para estes encontros. Para as garotas, o visual é composto da seguinte forma: na parte de baixo calças legging (estampadas, coloridas ou básicas), shortinho jeans (super curto e apertado) ou calça jeans (com cintura baixa e justa, para exibir as curvas do corpo), enquanto as blusinhas são curtas e decotadas, perfeitas para mostrarem o piercing no umbigo (UOL, 2014, online). Já para o visual dos garotos, as participantes, no documentário “As Rolezeiras”, exibido no Youtube, comentam: “Tem que ser uma bermuda branca com Nike Shox, uma camiseta da Hollister ou da Aeropostale [...] e um boné. Tá perfeito” (RODRIGUES, 2014, online). A extrema importância dada pela jovem entrevistada às roupas de marca representa uma tendência no mercado funk hoje em dia: o chamado “funk ostentação”. O funk ostentação é considerado uma vertente do funk carioca, e foi desenvolvido inicialmente na Região Metropolitana de São Paulo e na Baixada Santista, em 2008, e alcançou proporções nacionais em 2011. Os temas centrais abordados nas músicas referem-se ao consumo e a propriamente dita ostentação, onde grande parte dos representantes procura cantar sobre carros, motocicletas, bebidas e outros objetos de valor,

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além de fazerem frequentemente citações à mulheres e ao modo de como alcançaram um maior poderio de bens materiais, exaltando a ambição de sair da favela e conquistar os objetivos. (BARBOSA, 2014, online).

MC Bio G3, um dos iniciadores do movimento e dono de uma produtora musical, explica essa nova corrente do funk brasileiro (figura 6):

O jovem de periferia sempre foi acostumado a ser descriminalizado; então, ele sempre teve aquela sede de participar, de também tá, de tá do outro lado da ponte [...] por isso que na maioria das vezes a gente quer mostrar, quer ostentar que tem um carrão do ano [...] a correntona de ouro [...] que tá num lugar legal, porque [isso] é um símbolo de vitória pra quem sempre foi apontado como aquele que nunca vai conseguir, como incapaz. (BIO G3 apud CORRÊA, 2014, p. 12-13).

Figura 6 – Mc Guimé, um dos símbolos do “funk ostentação”

Fonte: Frade (2012)

O funk ostentação vai além das tendências até então conhecidas neste cenário e traz muitas influências dos Estados Unidos, seja em questão de sonoridades de música ou até mesmo de design de videoclipes e vestuário.

É inegável que o visual desses garotos e garotas entre 13 e 17 anos é inspirado no funk ostentação que, por sua vez, eleva a décima potência o modo de vida luxuoso dos astros do rap norte-americano cheios de dinheiro, joias, carros e mulheres. (VIRGULA, 2014, online).

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O uso de marcas também é evidenciado fora do eixo Rio-São Paulo, como Brigida et al (2014) observam na cidade de Belém do Pará, onde o funk também faz parte das playlists das festas de aparelhagem. Segundo os autores, as principais marcas desejadas pelos consumidores da periferia são Calvin Klein, Nike, Adidas e Hollister, por tratarem-se de marcas esportivas amplamente divulgadas nas principais mídias e serem grifes internacionais muito utilizadas pela chamada classe A. “Mesmo se apropriando dessas regras ditadas pelos detentores do poder, a periferia se vale da adaptação para constituir suas marcas, criando assim sua singularidade” (BRIGIDA et al, 2014, p. 6). Neste mesmo contexto, Torres et al (2012) apontam a mesma tendência no Bairro de Santa Cruz, na periferia da cidade de Salvador (BA). “Percebe-se nos depoimentos que existe uma preferência por algumas marcas como: Seaway, Mahallo, Billabong, Cyclone, Adidas, Quiksilver, Nike, Kenner” (TORRES et al, 2012, p. 7). O acesso das classes mais baixas a estas marcas, “se deu com a ascensão do funk, que proporcionou aos músicos a possibilidade de adquirir roupas de marcas conhecidas com o valor mais alto” (HBL, 2011). Esse sucesso foi prestigiado com o funk "Eu só porto Oakley" do Mc Dinho da VP e a versão em pagode feita pelo músico Edcity com nome de "Bonde da Oakley", na qual o refrão diz: "Nós só porta [sic] Oalkey”. Como podemos observar, o funk passa a originar um estilo de vestuário cheio de misturas: do próprio funk, com o sportwear, o surfwear e o skatewear. O uso das roupas de marca está associado ao “vestir-se bem e ao estar na moda, além de ser fator de identificação de grupos dentro da comunidade” (TORRES et al, 2012, p. 7). Mesmo que, para que a estampa da marca esteja presente no seu cotidiano, tendo em vista sua realidade financeira, seja necessária a falsificação da mesma ou seu consumo de maneira irregular.

Mesmo se apropriando dessas regras ditadas pelos detentores do poder, a periferia se vale da adaptação para constituir suas marcas, criando assim sua singularidade. Fazendo uso de réplicas de marcas consagradas como Nike, Adidas, Colcci, entre outras. Mas com seus traços identificáveis, seja com os cortes ou com o tingimento dos cabelos, as roupas decotadas (influenciadas pela popularização do Funk, muito tocado nas festas de aparelhagens), com o uso de piercings (elemento muito presente na cultura [sic] norte-americana). (BRIGIDA et al, 2014, p. 6).

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Por mais que não seja o objetivo neste trabalho aprofundar-se nessa temática musical, não podemos deixar de citar a importância do tecnomelody e do tecnobrega nas festas de aparelhagem da Região Norte do Brasil. O tecnobrega, considerado por Brigida et al (2014) o ritmo da periferia, é caracterizado pela mistura de muitos ritmos, entre eles o calypso, as guitarradas, os equalizadores e as batidas eletrônicas. O ritmo é difundido através de cópias de CD’s que são produzidos a baixo custo, em casa, na maioria das vezes, e que posteriormente são repassados a camelôs e aos DJs das aparelhagens (BRIGIDA et al, 2014). Nessa região, a febre do momento é a “Dança do Treme”, explicada por Gaby Amarantos em uma matéria para o jornal O Globo (2012): “A dança do treme resume bem o que nós somos. É forte, livre, fácil, misturada. É um pouco heavy metal, um pouco gay, um pouco black. Dança todo mundo. É preciso ter muita atitude pra sair tremendo por aí” (O GLOBO, 2012, apud SÁ, 2012, p. 7).

Mas, o mais interessante é que, ainda que o Treme e o Passinho tenham coreografias distintas, os moleques paraenses assumem a influência e admiração pelos dançarinos do funk explicitamente – a ponto de um dos garotos do Pará, o Ponga, pedir à repórter para que seja identificado na matéria como ‘Ponga do Passinho’; e segundo a mesma fonte, os ‘tremedores’ já começam a misturar os dois passos. (SÁ, 2012, p. 10).

Como já citamos anteriormente, outro estilo musical muito popular nas periferias brasileiras é o hip-hop. Stevenson (2012) afirma que “não foi só a linguagem que fez parte do estabelecimento da cultura hip-hop, mas também um código de vestuário dotado de padrões que significavam pertencimento ao grupo” (STEVENSON, 2012, p. 244). Como em outras subculturas, os adeptos do hip-hop possuem uma forma particular de se vestir que irá conferir ao grupo uma aproximação e singularidade. O movimento hip-hop conseguiu assim construir sua identidade visual por meio de modelagens, cores, texturas e peças que emergiram dos subúrbios negros e latinos de Nova Iorque, disseminando-os para o mundo inteiro. Segundo Romero (2012, apud ALMEIDA, 2014), antes do movimento hip-hop construir sua identidade visual própria, os negros estadunidenses apenas copiavam os códigos de vestimenta propostos pela elite branca em busca de uma aceitação no 70


seu meio social. “Assim, a criação de um estilo próprio ligado ao hip-hop representou também a emancipação dos negros em sua maneira de vestir” (ALMEIDA, 2014, p. 5), obrigando a indústria da moda a voltar sua atenção a eles como consumidores específicos, com seus próprios desejos e gostos. Aos poucos, itens típicos do vestuário de b-boys e rappers foram vistos nas ruas. Os elementos mais utilizados (figura 7) foram as calças que remetiam a uniformes de equipes esportivas e os bonés, que distinguiam e protegiam a cabeça durante as performances de dança no solo (POLHEMUS, 1994). Figura 7 – O início da moda hip-hop com 50 Cent e Eminem

Fontes: Shady (2013) e Pacce (2012), respectivamente

Segundo Tracy Wilson, redatora do site americano How Stuff Works (apud MARQUES, 2014a), o look hip-hop é composto por vários elementos, como, por exemplo:

[...] calças e jaquetas de couro preto, chapéus Fedora pretos ou chapéus Kangol, grandes correntes e, claro, tênis Adidas. [...] O conjunto era muitas vezes completado por um boné de beisebol [...] e por um par de tênis de marca (a Adidas perdeu terreno para a Nike). Chapéus (e às vezes outras peças de roupa) eram usados ao contrário. Uniformes de basquete eram usados sobre camisetas, com jeans tão largos que formavam uma espécie de poça de tecido que só ficava presa ao corpo por estar segura ao topo das botas Timberland ou Lugz. (WILSON apud MARQUES, 2014a, p. 8).

A autora ressalta que o estilo de usar as calças com a cintura super baixa é originário da prisão, “onde não é permitido o uso de cintos por conta de seu potencial como arma” (WILSON apud MARQUES, 2014a, p. 10). Outra influência da 71


prisão seria o uso dos lenços na cabeça, usados por baixo de bonés e chapéus. É importante ressaltar que o movimento teve influências de diversas vertentes dentro das periferias, como os grafiteiros, que “além do conforto e da facilidade para moverem-se, necessitavam de proteção, já que, geralmente, faziam seus grafites à noite – daí as calças, moletons estilo canguru e os bonés” (MARQUES, 2014a, p. 10) e os skatistas, “que adotavam o estilo de roupas largas e confortáveis para facilitar os movimentos do esporte” (MARQUES, 2014a, p. 10). Por este motivo, há algumas variações na forma de representação dos rappers. Polhemus (2014) “destaca a atuação do grupo Public Enemy que passa a valorizar em suas vestimentas características como o preto e estampas camufladas, grandes casacos e pesadas joias em ouro” (POLHEMUS, 2014 apud ALMEIDA, 2014, p. 6), levando a indumentária do movimento a uma categoria mais sofisticada (figura 8). Ao mesmo tempo, uma outra vertente buscava inspiração na origem africana, buscando não perder a essência e a origem, e incluindo a “utilização de batas, tecidos africanos e medalhões em prata” (ALMEIDA, 2014, p. 6). Figura 8 – Cris Brown e Jay Z: principais estilos do hip-hop

Fonte: December (2013), Kunsler (2014) e A Crítica (2011), respectivamente

As periferias das grandes cidades brasileiras rapidamente se identificaram com o hip-hop, assimilando o estilo e a filosofia que compõem esse movimento cultural. Ele se torna um dos principais porta-vozes das periferias brasileiras, corroborando em um novo exercício de prática política e de formação cidadã (FARIA, 2003). Conforme Marques (2014a),

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foi através de canais como a MTV Brasil e de revistas como a Rap Brasil que os adeptos do movimento hip-hop em nosso país puderam não apenas ouvir a mensagem disseminada pelos raps, mas também ver como esses, que mais do que artistas, são porta-vozes de uma cultura dos excluídos, se comportavam, esteticamente falando. (MARQUES, 2014a, p. 12).

Assim como no funk, no hip-hop, as letras das músicas dizem muito sobre o estilo de vida dos seus adeptos, especialmente sobre o traje que deve ser utilizado. Por isso, tentaremos aqui compreender o papel da música como definidora e redefinidora de posições e identidades sociais. O trecho a seguir, da música “A bactéria FC”, do grupo Facção Central, traz a relação do vestuário relacionado à identificação de uma cultura legítima urbana e periférica. “Touca preta, camisão xadrez, calça larga. É medalha de honra ao mérito da quebrada. Nossa cultura não é moda da Yves Saint Laurent, Pra tá no cliente do táxi aéreo da TAM” (VAGALUME, 2015, online). O grupo, inclusive, faz alusão ao estilista francês Yves Saint Laurent – um dos nomes mais importantes da alta-costura do século XX – “para afirmar que, mais do que moda, o vestuário do hip-hop representa e integra uma cultura, que combina diversos elementos como forma de disseminação de seu discurso e como maneira de mostrar orgulho desse pertencimento” (MARQUES, 2014b, p. 6). Neste cenário predominantemente dominado por homens, começam a surgir os raps com uma abordagem mais feminina. É o caso das Pearl Negras, grupo composto por Alice Coelho, Mariana Alves e Jennifer Loiola, três meninas moradoras da favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. “O som delas é uma mistura do rap americano com funk, hip-hop e eletrônico” (CICONET, 2014, online), e está fazendo grande sucesso na web, pela sua originalidade. Além do reconhecimento no mundo da música, as meninas já são reconhecidas no cenário da moda, pois essa mistura da música se reflete no estilo das suas roupas (figura 9). Segundo Ciconet (2014, online), “no primeiro clipe das meninas, da música ‘Pensando em Você’ [BOLABO RECORDS, 2014], dá pra notar que o stylist se puxou na produção, misturando modinhas da comunidade com uma pegada do mundo fashion” (CICONET, 2014, online). Inspiradas em estilosas do mundo da música, como Rihanna e Beyoncé, as meninas utilizam roupas como os cropped top, as estampas animal print, os bodies de manga longa, e as franjas e customizações, além de muitos acessórios.

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Figura 9 – O estilo das Pearl Negras

Fonte: Facebook das Pearl Negras (2015)

A internet, como podemos observar até agora, trouxe, tanto no cenário funk, quanto no hip-hop, muitos reflexos. Desde influências norte-americanas, até maior divulgação e espaço para os talentos e produções das periferias. Sá (2012) observa estas mudanças:

Nesta direção, gostaríamos de sublinhar neste trabalho a centralidade da rede social do Youtube atuando como agente para a rearticulação das cenas musicais de periferia no Brasil, destacando ainda o vigoroso processo de misturas de gêneros – cujos resultados testemunhamos no momento – que acontece a partir de estratégias low tech, misturando ritmos e passos de danças de cenas distintas que dialogam sem a mediação das indústrias ‘tradicionais’, ainda que também sejam apropriadas por elas. É neste contexto que gêneros e cenas até pouco tempo atrás quase inconciliáveis – tais como os que vimos aqui mas também funk e sertanejo, ou ainda samba e rock, misturam-se em velocidade, embaralhando provisoriamente as respectivas cenas. (SÁ, 2012, p. 12).

A primeira questão levantada a partir deste novo cenário é a mistura de estilos. Por mais que haja correntes de tendências próprias nos cenários do hip-hop e do funk, hoje eles se permeiam. Em grande parte, isso ocorre pela influência dos rappers americanos que lançam tendências para esses jovens, a partir de suas músicas e videoclipes. Brandão (2004) critica esta nova realidade:

Infelizmente, existe uma tendência, sobretudo no meio da juventude, a uma globalização amorfa, ‘geleificada’, um liquidificador cultural com uma

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predominância dos temperos norte-americanos. É verdade também que a cultura brasileira tem uma riqueza muito grande. É uma gente que sabe apanhar uma tradição que vem da Jamaica ou dos EUA, e, de repente, jogá-la na periferia de São Paulo. (BRANDÃO, 2004, p. 5).

Ao mesmo tempo em que critica este cenário pela “americanização” das favelas brasileiras, Brandão (2004) também atenta para o fato de que as tendências não são simplesmente “copiadas e coladas” nessa realidade. “Não é uma espécie de cópia boba de algo que já vem pronto dos EUA. É um retrabalho fantástico, é uma cultura da periferia” (BRANDÃO, 2004, p. 5). De acordo com ele, as influências não são diretamente incorporadas pelos jovens. As roupas que eles vestem (figura 10) são o resultado das tendências mundiais (e americanas), misturadas com a alma da periferia, com o funk, com o hip-hop, com o tecnobrega. Figura 10 – Cantora Anitta veste elementos do hip-hop americano

Fonte: Instagram da Anitta (2014-2015)

O segundo ponto a ser abordado sobre o novo cenário das periferias brasileiras é a sua midiatização. Aliado ao seu “aparecimento” na internet e nas mídias sociais, o crescimento econômico da chamada Classe C contribuiu para o maior reconhecimento por parte da sociedade e dos grandes veículos massivos da identidade das favelas. 75


Para o geógrafo Jaílson de Souza e Silva, fundador do Observatório de Favelas e integrante do grupo de referência do Programa Morar Carioca, da Prefeitura do Rio de Janeiro, a ‘moda’ da mídia em falar da favela está intimamente ligada à ascensão econômica que as classes mais baixas experimentaram no Brasil no século XXI. Ou, em outras palavras, à formação de uma nova classe de consumidores. (CANAL IBASE, 2012, online).

Segundo Góes (2015), “as favelas se tornaram o cenário favorito do cinema brasileiro desde o lançamento de ‘Cidade de Deus’, em 2002” (GÓES, 2015, online). Independentemente da discussão se há ou não uma real valorização destes movimentos, ou apenas uma exploração da imagem da “favela cool”, não podemos negar que a midiatização das comunidades contribuiu para maiores investimentos nos talentos e para criação de diversos projetos sociais, principalmente no ramo da moda. Um exemplo é a escola de moda Casa Geração Vidigal, criado em 2013 como um desdobramento do ModaFusion, por Nadine Gonzalez e Andrea Fasanello. “O projeto é completíssimo e busca identificar, capacitar e inserir no mercado da moda os talentos cariocas. A Casa é aberta a todos os jovens, mas atende gratuitamente os moradores de comunidades que possuem entre 18 e 25 anos” (BARAKAT, 2015, online). Segundo Nadine, em entrevista ao jornal O Globo Online (2013), a proposta é agregar um pouco de sofisticação ao talento deles, para que possam catalisar o seu potencial criativo e apresentar criações autênticas no final (NADINE apud O GLOBO, 2013, online). Seguindo neste mesmo ramo de trabalho, em 2014, Alex Santos, estudante de moda, criou o projeto Periferia Inventando Moda, na comunidade de Paraisópolis, em São Paulo. O objetivo do projeto é “promover a inclusão social, a capacitação e a qualificação profissionais, a cultura e a moda, a criatividade e autoestima” (SP CULTURA, 2014, online), e é voltado para costureiras, cabeleireiros, maquiadores, modelos, fotógrafos e todos os profissionais que estão envolvidos nesse universo fashion. A criação do projeto foi incentivada a partir de outra ação cultural: a Moda no CEU4, iniciativa da Prefeitura de São Paulo e do São Paulo Fashion Week que

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CEUs são os Centros Educacionais Unificados, complexos educacionais, esportivos e culturais criados pela Prefeitura de São Paulo e presentes em 45 bairros. (SP CULTURA, 2014, online).

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leva desfiles de grandes estilistas, palestras, workshops, filmes e exposições para bairros da periferia da cidade. Diante de oportunidades para o estilo de vida, o modo de se vestir e de se comportar das favelas, muitos moradores acabam aproveitando e se inserindo no mercado da moda. Para estes novos empresários, os rappers e mcs da periferia da capital são ótimas oportunidades de marketing e, muitas vezes, são os principais responsáveis por alavancar suas vendas. “É o caso da Vila Fundão, grife criada em 2011, numa roda de amigos, mas que só virou sucesso depois de aparecer no corpo de um dos maiores ícones do rap nacional, Mano Brown” (AGORA, 2015, online). Ele vestiu uma camisa pólo da marca no encerramento do VMB (Video Music Brasil), em 2012, e o resultado foram, no dia seguinte, ligações de pessoas do país inteiro em busca da peça. Assim como a Vila Fundão, a grife 1Dasul também é originária do distrito de Capão Redondo, localizado na região sudoeste do município de São Paulo. Além dos bonés e camisetas, a loja vende livros e CDs de artistas da comunidade. “A ideia é que ela seja um movimento cultural, que agrega o grafiteiro, o pichador e o desenhista”, afirma Férrez, o dono da loja, em entrevista ao jornal Agora São Paulo (FÉRREZ apud AGORA, 2015, p. 8). Marques (2014b) resume o cenário da moda das periferias que construímos até aqui: ao mesmo tempo que a periferia cria alguns itens com a sua própria identidade, copia muitos outros da classe A (marcas de roupas caras, por exemplo), e constrói um modelo que também é copiado pelas elites.

Vale salientar que, essa imitação, ocorre tanto por parte dos sujeitos das periferias para com as elites – quando os primeiros demonstram vontade de consumir marcas importadas como Nike e Breitling – quanto por parte das elites para com os sujeitos da cultura hip-hop, com a transformação do vestuário dessa cultura em tendência de moda. Percebemos que, ao mesmo tempo em que há um preconceito por parte de uma maioria a respeito do estilo hip-hop de se vestir, há também um desejo de se reapropriar dessa moda e de alguns desses elementos e de se levar alguns itens originários dessa cultura urbana para o grande eixo fashion mercadológico. (MARQUES, 2014b, p. 13).

Essa tendência do trickle-up é facilmente caracterizada pelo sucesso que é a realização de bailes funks nos bairros nobres das grandes capitais. “É claro que esse ‘baile’ é muito diferente do original, pois é construído num contexto 77


imensamente diferente onde as letras das músicas passam de contestação para puro divertimento” (JOBIM; MANSANO, 2008, p. 9). Em geral, as pessoas usam a moda que está atualmente nas principais vitrines cariocas, somando a ela acessórios funkeiros, que parecem buscar uma certa identificação com o ritmo, resultando em uma fantasia. Segundo os mesmos autores, “a roupa da classe média para dançar o funk não é tão ousada quanto a da periferia, o que implica em uma transformação da dança, que apesar de usar os mesmos passos, é muito mais comportada” (JOBIM; MANSANO, 2008, p. 8). Notamos, então, que a moda do funk não é completamente absorvida pela classe média. “Na verdade, ela é transformada, modificada e somada a outros elementos, de forma que fique adequada ao gosto dos moradores da zona sul” (JOBIM; MANSANO, 2008, p. 6). Portanto, apesar de muitas vezes terem preconceito com os sujeitos adeptos desse estilo, os jovens de classe A e B procuram imitá-los e se apropriar de sua cultura, mesmo que de forma exótica. Esta procura também é impactada pelo fato da moda hip-hop ter sido cooptada pelo mercado fashion e virado uma tendência com o passar dos anos, principalmente pela disseminação do estilo streetwear nos anos 1990. Marques (2014a) elucida como ocorre este processo:

Se pensarmos próximos à teoria do bubble up e dos movimentos anti-moda, tratados por nós anteriormente, fica claro o entendimento do caminho ruapassarela-mídia-rua que esse vestuário que nasce em uma cultura urbana e periférica para posteriormente ser apropriada e reapropriada por estilistas e pela grande mídia, até se espalhar de forma massiva. (MARQUES, 2014a, p. 11).

No Brasil, as tendências americanas do hip-hop são misturadas com algumas influências do funk, como fica marcado, por exemplo, em matéria do Portal Abril (apud MARQUES, 2014a). Na matéria em questão, esse estilo é tratado como a última tendência e é enunciada a wish list (lista de desejos em inglês) de qualquer fashionista antenada nas tendências mundiais (figura 11): a overdose de jeans, top croppeds, coletes, jaquetas college, bonés de aba reta e os famosos sneakers de salto, grande febre calçadista no ano de 2012. Para Marques (2014a), “outro exemplo pôde ser percebido na matéria publicada na Revista Elle Brasil (figura 12) de setembro de 2012, intitulada Hype hip-hop” (MARQUES, 2014a, p. 14). A matéria se concentra no ensaio de fotos misturando elementos chaves das vestimentas funk 78


e hip-hop, como bonés, bandanas, correntes grandes e sneakers, com peças mais sofisticadas e glamourosas. Figura 11 – Jaqueta college, top cropped e sneaker de salto

Fonte: Nardile (2015), Patricinha Esperta (2014) e Cultura Mix (2013), respectivamente

Figura 12 – Ensaio de moda da Revista Elle Brasil (2012)

Fonte: Marques (2014a)

Porém, o que não faltam são críticas por parte das mais diversas camadas da sociedade sobre essa apropriação do estilo das periferias. Segundo Toledo et al (2014), “a arte de rua, marginal e periférica é apropriada por marcas de alto valor agregado, onde a essência é comprometida mesmo que a aparência seja mantida” (TOLEDO et al, 2014, p. 6), e identifica o simulacro que existe entre a verdadeira essência e a estética desejada. Para Carrilho (2015), 79


criadores brasileiros caem no lugar comum dos signos culturais brasileiros ‘para gringo ver’. Um viço cultural moldado de forma assistencialista e ufanista. Uma estética que flerta com a miscigenação de forma superficial, mas que orgulha-se em bater no peito para dizer ‘Everything is a Remix’. Um Brasil esbranquiçado. (CARRILHO, 2015, online).

Neste cenário de críticas, há, inclusive, conforme Marques (2014b) certo preconceito inverso: “os adeptos do hip-hop não aceitam que sujeitos que não fazem parte do movimento se apropriem de seus elementos” (MARQUES, 2014b, p. 14). Essa relação torna-se bastante complexa, pois, segundo eles, “isso acaba esvaziando o real sentido do movimento e de sua forma de se vestir” (MARQUES, 2014a, p. 19).

Entretanto, acima de tudo, há um entendimento de que, antes do gosto musical, da aproximação com a arte do grafite, da dança, de esportes como o skate e o basquete e do gosto estético com elementos como a calça larga, o boné e os tênis, é necessário que haja uma real identificação e um compromisso e respeito para com essa cultura, que tem como princípios básicos o desejo de inclusão, de respeito e de igualdade, evitando, pois, que ocorra um esvaziamento do real sentido do hip-hop. (MARQUES, 2014b, p. 14-15).

Marques (2014b), pretendendo compreender melhor essa dinâmica, realizou uma entrevista semiestruturada com dois indivíduos pertencentes ao movimento (professor de break e grafiteiro), moradores da cidade de Santa Maria (RS). Para os entrevistados, por mais que, com a internet e a entrada do forte do hip-hop na mídia de massa, o movimento torne-se conhecido por um número maior de pessoas, o número de indivíduos que “gostam das músicas, se vestem da mesma forma, mas não possuem nenhum vínculo com as ideias e valores do movimento” (MARQUES, 2014b, p. 18) também aumenta exponencialmente. Além disso, também comentam que este é um estilo originalmente periférico, e que saindo da periferia, perde sua essência. Para a autora, ficou claro, portanto,

que esses sujeitos agem de maneira crítica contra aqueles que os ‘copiam’, e como consequência, segundo eles, essa transformação da vestimenta hip-hop em simples ‘tendência da vez’ acaba esvaziando o real sentido opositivo e resistente do movimento. (MARQUES, 2014a, p. 18).

80


A partir dos levantamentos feitos até aqui, podemos observar que a grande mídia e a indústria da moda apropriaram-se das culturas urbanas e periféricas, de maneira a inseri-las no circuito mercadológico das grandes cidades, mesmo que não sejam copiadas literalmente para as passarelas. Mas, ao mesmo tempo, também percebemos que há uma resistência por parte dos sujeitos adeptos dessas culturas e, nesse caso em específico, do movimento hip-hop, na aceitação da apropriação daquilo que é seu por grupos e classes que as utilizarão por um simples fator estético, sem perceber que a ideologia do movimento também é carregada através do vestuário, ocasionando, por vezes, em um esvaziamento de seu real sentido. Para que possamos investigar a verossimilhança dos conceitos abordados e aprofundar a realidade descrita pelas referências, no próximo capítulo, realizaremos entrevistas qualitativas com os diversos públicos envolvidos no nicho da moda das periferias brasileiras.

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5 RELACIONANDO CONCEITOS E VIVÊNCIAS

Até agora, foi possível observarmos que o ciberespaço, além de tecnológico, é um importante fato social. Os reflexos da internet e das demais tecnologias de informação e comunicação ultrapassam os limites da comunicação e da interação social para atingirem os planos sociais, culturais, políticos e até mesmo econômicos. Diferentemente das mídias tradicionais, que privilegiam uma visão monopolista, as mídias digitais cumprem uma função democrática, possibilitando a consolidação do pluralismo de ideias e posições. Sobretudo, favorecem a colaboração dos cidadãos, que se sentem estimulados à participação e que, em determinadas situações, se mobilizam para reivindicar novas posturas ou atitudes por parte de governos e organizações (CHAMUSCA; CARVALHAL, 2014). As mudanças ocorridas na sociedade atual a partir das novas tecnologias são o norteador deste estudo. Primeiramente, observamos as transformações que ocorreram nas sociedades de maneira geral, além de citarmos a abertura e a maior democratização dos processos políticos brasileiros neste nova realidade. No capítulo seguinte,

compreendemos

a

relação

do

novo

cenário

comunicacional

e

informacional que o mundo se encontra com a indústria da moda e com as passarelas, afetando no processo de identidade cultural e de criação de tendências. Tais reflexos, como também já investigamos, ainda são mais uma vez aprofundados para que então possamos compreender a utilização da internet e das plataformas de mídia social pelas periferias brasileiras. Além das alterações comportamentais, ainda apontamos a abertura de um novo cenário para a cultura periférica, tão presente no vestuário e nas músicas destas localidades.

5.1. Metodologia de pesquisa Levando em consideração que as pesquisas do campo da moda e da sociologia de consumo das periferias são muito recentes, vimos neste estudo a necessidade de aprofundamento de fontes para a obtenção de resultados científicos expressivos. Para a compreensão do ponto de vista de cada um dos nichos de mercado

envolvidos

neste

processo

(blogueiras,

formadores

de

opinião, 82


profissionais ligados à moda e moradores das periferias), entendemos que a melhor técnica disponível para este contexto é a entrevista qualitativa. A entrevista qualitativa ou entrevista em profundidade é uma das principais técnicas utilizadas nas pesquisas das ciências sociais, e desempenha papel muito importante nos estudos científicos de um modo geral. De acordo com Moreira (2002), a entrevista pode ser definida como “uma conversa entre duas ou mais pessoas com um propósito específico em mente” (MOREIRA, 2002, p. 54). A grande vantagem desta técnica em relação às outras “é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34). O objetivo desta etapa da pesquisa é compreender como os entrevistados (blogueiras, formadores de opinião, profissionais ligados à moda e moradores das periferias) visualizam o cenário atual da moda mundial e da moda da periferia, levando em consideração a consolidação da internet e das plataformas de mídia social. Este levantamento é muito importante para que possamos comprovar ou não as tendências que muitas vezes são veiculadas através da grande mídia (televisão, rádio, jornal e revista). Para isso, foram contatadas 18 pessoas durante o período de 12 a 25 de maio de 2015, dentre elas responsáveis por instituições que desenvolvem projetos sociais em periferias brasileiras, blogueiros, formadores de opinião, jornalistas, profissionais ligados à moda e moradores de favelas. A abordagem foi feita por email e por perfis pessoais e institucionais em sites de mídias sociais, como Facebook, através do seguinte contato-padrão (sofrendo algumas alterações de personalização, de acordo com o indivíduo a ser entrevistado):

Olá Vagner, tudo bem? Sou estudante de Relações Públicas na PUCRS de Porto Alegre (RS) e estou fazendo meu trabalho de conclusão sobre moda e internet/redes sociais. Estou abordando a importância da internet para a abertura do processo de criação de tendências de moda, como oportunidade para os (as) jovens da periferia divulgarem suas próprias tendências. Gostaria muito de poder te entrevistar, pois admiro muito o trabalho que você faz! Seria muito importante poder contar com sua participação. Agradeço a atenção!

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Após um primeiro contato, a entrevista poderia ser realizada por e-mail, plataformas de mídias sociais (Facebook ou Skype), telefone ou presencialmente, de acordo com o desejo e a disponibilidade do entrevistado. Quando realizada a entrevista, independentemente da plataforma utilizada, foram realizadas as seis perguntas presentes no quadro 2: Quadro 2 - Roteiro da entrevista qualitativa Roteiro de entrevista qualitativa: 1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? 5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? E quais suas principais influências?

Fonte: Primária. Elaborado pela autora.

Em alguns casos, foram realizadas outras perguntas dentro dos temas abordados acima para que fossem alcançadas respostas satisfatórias, tendo em vista que nem todos os entrevistados possuem conhecimentos nas áreas descritas e poderiam ter dificuldades na interpretação das perguntas. Ao final da etapa, foram entrevistados 11 indivíduos, sendo eles: Vagner de Alencar (jornalista, morador da favela de Paraisópolis-SP e correspondente da Folha de São Paulo), Manoel Soares (jornalista do grupo RBS, com trabalho focado na relação das periferias com a comunicação e coordenador executivo da CUFA-RS), Tiago Petrik (jornalista, escritor, fotógrafo e editor e gestor do site RIOetc, que retrata e exalta o estilo de rua do Rio de Janeiro), Carol Rabelo (jornalista, produtora executiva especializada em marketing de moda e editora do site Zona Norte Etc, que revela o lifestyle da Região Norte do Rio de Janeiro), Jajá Menegotto (publicitária gaúcha, redatora, designer de roupas e produtora de moda que está lançando um projeto social voltado para a 84


moda nas periferias de Porto Alegre), Keyla Bergamazi (hostess, modelo e formada em moda pela Casa Geração Vidigal, que atua em conjunto com Jajá em alguns projetos sociais), Tiago Poeta [morador de Alvorada (RS) e proprietário da King Wear Brazil], Annapaula Bloch [moradora da favela do Salgueiro (RJ) e proprietária da Revista Sou Dessas, em apoio com a Agência de Redes para Juventude] e Alice Coelho, Jennifer Loiola e Mariana Alves (moradoras do Morro do Vidigal e cantoras no grupo Pearls Negras). As entrevistas foram realizadas através de diferentes meios. Vagner de Alencar, Tiago Petrik, Carol Rabelo, Jajá Menegotto, Alice Coelho, Jennifer Loiola e Mariana Alves preferiram responder às perguntas por e-mail, o que caracteriza a interação por depoimento. Manoel Soares foi entrevistado pessoalmente, enquanto Keyla Bergamazi e Annapaula Bloch através de plataformas de mídia social (Skype e Facebook, respectivamente). Através do número de respondentes e da segmentação das áreas de atuação de cada um deles, foi possível observar as nuances do mercado da moda brasileiro, mesmo que de uma forma amostral. É importante salientarmos que, embora tenham sido utilizadas diversas formas de coleta (presencial, por mídias sociais ou por e-mail), todas as respostas dos entrevistados proporcionaram-nos um nível satisfatório de informações sobre os assuntos que estavam sendo levantados. Enquanto os respondentes do roteiro enviado

por

e-mail

possuíram

a

facilidade

de

conhecer

as

perguntas

antecipadamente e de pesquisar sobre alguma possível dúvida, os entrevistados em tempo real contaram com a praticidade da interação presencial e da maior compreensão do diálogo instantâneo e visual. Portanto, consideramos que, apesar de apresentarem suas particularidades, as duas formas de coleta foram benéficas para o estudo e suas colaborações em termos de conteúdo e informações foram equivalentes.

5.2. Análise qualitativa dos dados

Para que possamos comparar e compreender melhor as respostas dos entrevistados, de acordo com seu contexto social, é necessário realizarmos a análise qualitativa dos dados obtidos até agora. Segundo André (1983), a análise 85


qualitativa “visa apreender o caráter multidimensional dos fenômenos em sua manifestação natural, bem como captar os diferentes significados de uma experiência vivida, auxiliando a compreensão do indivíduo no seu contexto” (ANDRÉ, 1983, apud ALVES; SILVA, 1992, online). A análise qualitativa é caracterizada pela busca da apreensão de significados na fala dos sujeitos, interligada ao contexto em que eles estão inseridos e delimitada pela abordagem conceitual (teoria) do pesquisador, trazendo à tona, na redação, uma sistematização baseada na qualidade, mesmo porque um trabalho desta natureza não tem a pretensão de atingir o limiar da representatividade (FERNANDES, 1991). Neste caso, a metodologia utilizada será a análise por pergunta, para que seja possível relacionar as respostas dos entrevistados e realizar análises sobre sua relação com seu contexto social. Na primeira pergunta do roteiro, os entrevistados foram convidados a tratar sobre as alterações causadas pela internet no cotidiano das periferias brasileiras, caso achassem esse movimento verossímil. De uma maneira geral, todos os respondentes acreditam que as TICs transformaram o cotidiano das favelas. Alencar resume este pensamento quando diz que o

acesso à rede tem possibilitado a fala para muitas pessoas, de forma instantânea e mais rápida, ampliando mais a voz e/outras alternativas de voz para esses moradores, muitas vezes, invisibilizados, seja para potencializar talentos, fazer denúncias, ou até mesmo ser uma ferramenta de reivindicação de luta.

Para Poeta, além da revolução da informação e da comunicação que já sabemos que está ocorrendo, a internet também aumentou o acesso à cultura dos moradores, podendo ser utilizada como forma de estudo e de crescimento profissional e pessoal também. Neste mesmo caminho, Menegotto considera importante quando os moradores utilizam a internet para divulgar a cultura que se produz nas próprias favelas, e exemplifica: “livros de literatura da periferia sendo lançados na internet, grupos organizando movimentos como a Batalha do Passinho via redes sociais, membros das comunidades criando veículos jornalísticos”. Loiola também acredita que o maior diferencial do uso da tecnologia nas periferias é a divulgação de talentos, pois “muitas pessoas da comunidade, talentosas, que 86


precisam de oportunidades, conseguem ganhar um reconhecimento e propostas para trabalhos postando fotos ou vídeos”. Petrik, ao abordar a mesma questão levantada pelos entrevistados (criação da sua própria representação por parte das periferias), exemplifica com a Revista Sou Dessas, criada por Bloch, também entrevistada nesta etapa. “Cansaram de não se ver representadas nas revistas ditas tradicionais, então criaram sua própria. Ou seja, [nesta realidade], não apenas se consome novas informações como ainda há uma pequena parcela que é capaz de criar suas próprias referências”. Rabelo concorda com Petrik e afirma que a internet aumentou o acesso à moda, a partir do momento em que qualquer pessoa pode fazer um blog e passar a produzir conteúdo sobre o tema. “Dessa forma, a interpretação da moda se tornou mais livre, criando uma maior diversidade de estilos”. Soares atenta para o fato de que o entendimento por parte da periferia do que realmente é a internet, de suas características, seus benefícios e também seus perigos, é bastante recente. Para ele,

nos últimos 4 anos, a periferia está entendendo o que é internet. Ela não sabia bem o que era isso, não sabia qual era a função, era uma palavra de estética estrangeira que não pertencia ao nosso cotidiano como tijolo, panela, feijão, arroz. Então ela agora foi incorporada, principalmente pelos jovens.

Por mais que a internet e as mídias sociais sejam ótimas para divulgação e que tudo possa ser facilitado nesse ambiente digital, Alves e Coelho temem pelo uso excessivo das novas tecnologias e pelo esquecimento do “plano físico”, pois, “por muitas vezes deixamos de fazer as coisas ‘ao vivo’ pelo fato da internet ser o meio de tudo”. A jovem inclusive cita as brincadeiras de rua, que foram perdidas pelas crianças que só se interessam por brinquedos caros e jogos digitais. Consolidando esta opinião, Coelho acrescenta:

Só não podemos deixar a internet ser mais importante que um momento com a família, ou então deixar de ver seus amigos ou namorado pessoalmente [...]. Acabamos esquecendo que o essencial da vida é viver, sentir, curtir pelo uso exagerado da internet.

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Bloch e Bergamazi são enfáticas ao estabelecer um contraponto negativo nas influências que a internet suscitou no cotidiano da periferia. Bloch defende que as redes sociais, por exemplo, podem ajudar muito na educação, mas também podem atrapalhar. A jovem concorda que a internet mostrou que as pessoas podem ir mais longe, mas também relembra que a utilização dela, seja para o seu bem ou mal, vai de acordo com a índole e a personalidade de cada indivíduo. Bergamazi já aborda outro ponto negativo da consolidação da internet: a efemeridade, a rapidez e a superficialidade da informação e da cultura neste meio. Para ela, a periferia inseriuse de uma forma nas TICs que também compartilha do grande mal desta realidade, profundamente ligado com a rapidez e a falta de qualidade e aprofundamento dos sujeitos.

O que eu vejo de muito ruim na internet é que as pessoas não precisam ter conteúdo. Você precisa estar atualizado, entendendo do que está acontecendo agora, precisa saber superficialmente sobre algum tema, para que você possa criar ou dizer para todo mundo que você está ligado em tudo e gerar seguidores e curtidas.

Podemos observar que, de maneira geral, está no “senso comum” que a internet mudou o cotidiano das periferias brasileiras. Outro fato importante que podemos perceber é que os profissionais ligados à moda tendem a relacionar muito mais a cultura da periferia e as alterações neste novo contexto com a moda do que os outros indivíduos, inseridos em outros esquemas culturais. Por outro lado, também é interessante analisar que as jovens que têm maior convívio com esta realidade percebem mais os fatores negativos dessa superexposição e dessa facilidade de acesso que as novas tecnologias proporcionam. Quando questionamos os entrevistados sobre o impacto da internet na indústria da moda, a resposta foi unânime: todos acreditam que, de uma forma ou outra, a tecnologia alterou algo nesse mercado. Petrik foi enfático: “Te respondo com uma pergunta: qual indústria não foi impactada pela internet? Todas foram, em vários graus. No caso da moda, em todas as escalas, da criação (referências mais acessíveis) ao consumo (compra online)”. Bloch também atenta para a mudança no perfil do consumidor, e acredita que agora “todo mundo se arruma do modo que quer, a partir da maneira que goste”. Isso ocorre porque, segundo Alencar, “a internet possibilitou outras possibilidades de ser ouvido, lido, visto”. 88


Coelho, Loiola e Alves também analisam o impacto da internet na indústria da moda a partir da facilidade de obtenção de informações e de consumo. Alves defende que uma grande alteração é a possibilidade de fazer compras sem sair de casa e ficar informada sobre a moda através de sites e mídias sociais. “Você pode pesquisar e encontrar o que deseja pela internet! Ver vídeos, tutorias, dicas de moda e beleza”. Para Coelho, o ponto mais forte é ficar sabendo das tendências americanas, e poder adotar o estilo dos seus ídolos estrangeiros: “A internet me ajuda a pesquisar estilos americanos que estão na moda. O que a Nicki Minaj, minha diva, está vestindo, por exemplo”. Loiola resume a opinião das duas garotas:

Hoje em dia todo mundo quer estar por dentro da moda e de suas tendências e pela internet podemos nos inspirar em modelos ou em cantoras de outros países, podemos comprar roupas por sites, e acompanhar desfiles... A internet nos proporciona tudo isso!

Poeta já traz outra perspectiva: facilidade de relacionamento e conexão por parte das marcas com seus públicos. Para ele, o fato da internet e da informação serem instantâneas “possibilitou às grifes estarem mais conectadas com o seu público e ter um feeling maior para entender melhor o perfil dele”. Relacionando a colocação de Poeta com a comunicação, podemos elencar que este grande cenário de mudanças no mundo da moda abre espaço para os relações-públicas, tendo em vista que são os profissionais mais indicados para gerenciar o relacionamento das organizações com seus públicos de interesse. Soares comenta essas alterações nos papéis sociais:

O que eu entendo é que a internet mexeu com as peças do tabuleiro. Os totens e os tabus começaram a ser quebrados a partir da internet. Não sei o que teria sido a vida do Yves Saint Laurent se tivesse internet. Agora eu sei que os próximos que tentarem ser Yves Saint Laurent vão ter que enfrentar esse fenômeno chamado internet.

Abordando mais a fundo o fenômeno que Soares descreve, Menegotto acredita que a internet trouxe uma nova forma de vender e comprar e acelerou muito o acesso às informações e às tendências em todos os nichos de mercado. No segmento específico da moda, ela acredita que a velocidade e o volume de informações que recebemos diariamente seja um dos fatores mais relevantes do impacto da internet. Ela exemplifica: 89


todos os dias, somos soterrados por anúncios publicitários, pelas últimas tendências, pelos ‘must have’, pelas roupas das celebridades. E essa mensagem do ter e acumular não cessa nunca, estamos vivendo um mundo de excessos.

Nesta mesma linha de raciocínio, caminha Rabelo. Na visão da jornalista, a internet influenciou principalmente na questão da necessidade de consumo imediato, ou o “must have” mencionado no trecho acima por Menegotto. Para ela, as lojas fast fashion, que são as sensações da última década, “surgiram dessa velocidade desenfreada da informação, que acabou demandando um consumo mais urgente do que surge na rede”. Neste sentido, a internet teria impactado todo o processo de consumo de moda por parte dos indivíduos, desde a forma de comprar até a maneira como interpretam os signos e se relacionam com este mercado. Bergamazi se destaca dos outros entrevistados quando diz que não sabe até que ponto a internet tem o poder de influenciar em toda esta grande engrenagem. Mesmo assim, ela atenta para a rapidez com que as coleções são copiadas: “eu vi um desfile de uma marca conceito e na mesma season (estação) uma rede de fast fashion fez uma peça praticamente igual”. Bergamazi ainda compara a divulgação dos desfiles de moda às informações que as pessoas colocam nas redes: “Eu acho que a internet fez isso com tudo, você não pode jogar uma coisa na rede que você não tenha certeza, aquilo ali fica registrado e conhecido”. A terceira pergunta da entrevista tinha como objetivo mapear as opiniões dos convidados sobre a influência das blogueiras de moda na criação de tendências, para compreender se essas meninas realmente influenciam neste processo. Alencar e Menegoto afirmaram não ter muito contato com este nicho do mercado da moda e não saber responder essa pergunta. Apesar disso, Alencar acredita que há “blogueiras que estão ditando tendências e ganhando muito dinheiro com seus blogs”. Já Poeta tem opinião bem definida: para ele, as blogueiras influenciam na criação de tendências de moda. Elas “inclusive possuem um papel muito importante, [pois] impulsionam marcas e coleções, divulgam trabalhos e influenciam o público de forma positiva com as suas dicas”. Loiola também acredita que as blogueiras lançam tendências, pois “criam novas roupas e ensinam passo a passo como se fazer, seja 90


por cortes diferentes em calças ou blusas, ou novas ideias de costura”. Ainda em resposta afirmativa nesta questão, Alves diz que ela mesmo busca estilos e roupas diferentes em sites e explica como essa criação de tendência pode ocorrer por parte das blogueiras: “se algo que você cria e veste é muito interessante, vem um estilista, aperfeiçoa, e quando você menos espera está nas lojas e vitrines!”. Segundo Coelho, esta explosão de blogueiras, com diversas idéias, estilos e novidades, cria um ambiente incrível para a moda brasileira. Em um caminho alternativo, Petrik acredita que até existem algumas blogueiras que influenciam na criação de tendências, mas não “qualquer blogueira”. “Como em qualquer indústria, e talvez mais do que na maioria, muito se copia na moda, inclusive o comportamento das blogueiras! Uma ideia repetida um milhão de vezes se transforma em verdade”. Seguindo este mesmo raciocínio, Bergamazi acredita que são poucas blogueiras, no Rio de Janeiro, por exemplo, que conseguem ultrapassar essas barreiras, mas que algumas garotas conseguem dar “a sua cara” em roupas que ganham de grandes marcas. Mas, na sua opinião, a grande maioria das blogueiras que fazem sucesso, na realidade, estão copiando as tendências estrangeiras e divulgando muito rápido para as leitoras, passando a impressão de inovação. Por outro lado, alguns entrevistados afirmam que as blogueiras de moda não criam tendências, apenas disseminam. É o caso de Rabelo, Bloch e Soares. Rabelo afirma que elas traduzem as tendências das passarelas para o seu estilo pessoal, tornando mais fácil a absorção delas pelos indivíduos. “Na verdade, creio que elas amplificam as propostas apresentadas pelas grifes, tornando o estilo mais palatável para o gosto do público”. Bloch exemplifica essa questão de outra forma: “eu acho que elas divulgam aquilo que todo mundo está usando, e se estiver em alta, vão influenciar nas vendas”. Soares já atenta para um terceiro fato: as blogueiras estão, na verdade, “mais vendendo a si mesmas do que vendendo as ideias das roupas”, e estão existindo essas comunicadoras fashions apenas por existir, não por ter uma causa para defender. Ele ainda acredita que “a internet possibilita você criar um antissistema, e o que eu sinto é que as vezes as pessoas ainda querem utilizar a internet para se conectar ao sistema”.

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Outro

questionamento

que

realizamos

aos

entrevistados

objetivou

compreender sua visão sobre o cenário da moda nas periferias do Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais. Alencar acredita que, “como em outras áreas, a internet tem empoderado meninas e meninos a ditarem sua própria moda, a quebrar os estereótipos em torno da periferia. As redes sociais tiveram e têm papel fundamental nesse processo”. Ele ainda exemplifica com o nome de Yasmin Oliveira, moradora da comunidade de Paraisópolis, que posta dicas nas suas redes sociais sobre moda e possui mais de 100 mil fãs em uma delas. Poeta comenta que a chegada das redes sociais tornou sonhos em realidade e exemplifica com sua própria empresa:

a King é um exemplo, começamos postando algumas fotos de nossas peças no Facebook e foi aonde percebemos que o alcance era muito além do que imaginávamos. Mesmo sem um site/e-commerce chegamos a muitos lugares com a King, como Angola e Estados Unidos.

Rabelo comenta que a periferia sempre foi um grande pólo criativo dentro das cidades, mas que hoje o que vemos “é um acesso mais globalizado e uma livre interpretação das tendências mundiais de maneira extremamente criativa e acessível, criando estilos autênticos”. Loiola e Alves concordam com Rabelo na questão da autenticidade da moda das favelas, e comentam que no Morro do Vidigal, onde moram, todos os jovens tem seu estilo próprio. “E tudo, é lógico, estimulado pela internet”, explica Loiola. Alves ainda complementa dizendo que lá os jovens gostam muito de “seguir a moda e estar por dentro dos últimos lançamentos”, através das tecnologias. Outro ponto interessante levantado nessa questão é a facilidade com a qual as mídias sociais propagaram a influência dos estilos de moda estrangeiros. Segundo Coelho, no Vidigal, “todos estão se vestindo no estilo americano, bem hiphop! Usando calças soltas, barrigas de fora, cabelo black, boné aba reta”. Esta tendência demonstra exatamente essa questão, a difusão da informação e suas consequência nos estilos das comunidades. Em meio a essa discussão, Menegotto alerta que não podemos unificar a moda da periferia em um único cenário. Para ela, existem diversas realidades nas favelas brasileiras, e a função da internet e das mídias sociais nelas é estimular a circulação da informação, permitindo que os 92


jovens troquem ideias, pesquisem e busquem as referências que quiserem. Menegotto explica:

existem realidades bem diferentes, quando o assunto é moda, pelas periferias do Brasil. Existe a moda do Funk Ostentação, por exemplo, que idolatra roupas de grife e marcas caras. Também existem projetos como a Casa Geração Vidigal, uma escola de moda no Morro do Vidigal que ensina jovens da comunidade a criar moda de uma forma muito autoral, a partir do seu olhar, dos seus valores, do seu processo criativo.

Soares concorda com Menegotto no sentido de que há diversas modas dentro da favela, mas comenta que muitas vezes estas modas sequer se autoreconhecem: “eu acho muito interessante que você tem eixos de moda dentro da favela, que nem sabem que são eixos de moda”. Além disso, Soares levanta outra questão. Para ele, as modas da periferia nascem da necessidade das pessoas, e não necessariamente de uma questão estética ou de apresentar um diferencial.

Ela nasce de uma necessidade de improviso. Eu ainda acho que as mulheres da favela carregam, mesmo que instintivamente, um pouco de Coco Chanel, que já se perdeu no mundo de novo. Elas tentaram alisar seus cabelos para ficar igual às meninas do asfalto, mas chegou uma hora que faltou dinheiro. É mais barato enfrentar o preconceito do que lutar contra. E assim também vai acontecer com a roupa.

Para Bergamazi, a principal consequência da internet e das mídias sociais na moda da periferia é o aumento da liberdade e da acessibilidade que os moradores estão vivendo. Ela concorda com Menegotto que não existe uma moda na periferia, existem várias modas, mas defende que o seu ideal de moda é o de expressão pessoal, o que significa que cada um consegue se expressar livremente a partir do que gosta. Sabendo que esse é o “seu” sonho, ela tem medo de que esse boom da moda da periferia seja apenas mais um movimento cíclico do sistema e que, passada mais uma volta deste processo, seja esquecida, e mais marginalizada ainda.

A minha visão é meio ambígua talvez, por que eu acho muito legal, mas ao mesmo tempo eu tenho esse medo de que seja uma fase de autoestima lá em cima e que daqui a pouco não seja mais. Daqui a pouco você vai ter que voltar a um padrão que não é o seu. Para mim, esse é o perigo da moda.

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Para encerrar esta questão, Bloch afirma que o cenário da moda brasileira está muito mais aberto para os artistas das periferias, e que realmente a periferia está na moda. Mas, segundo a jovem, ainda falta muito para que essa representatividade seja realmente efetiva. “Ainda não batemos nossa meta. De 100%, ainda falta uns 70%, ou seja, precisamos ‘representar’ mais!”, ela brinca. Petrik também percebe esta abertura do cenário da moda para a cultura da favela, quando diz que vê “as coleções assinadas por nomes influentes – muitas vezes, gringos – com os grandes magazines como ações bastante interessantes nesse sentido”, unindo as tendências mais populares às grandes criações de grifes. Como foi possível observar, essa questão não apresenta um consenso. De modo geral, as meninas moradoras das periferias sentem-se mais notadas pelo resto da cidade, e os jornalistas e blogueiros do cenário notam que a efervescência dessa cultura fica mais em evidência. Porém, alguns assuntos como a existência de uma moda oriunda da periferia, ou de apropriações de tendências de outros locais não chega a um consenso. O que parece ficar mais claro é que, a partir das novas tecnologias, as novidades do exterior chegam a esses jovens através dos seus ídolos internacionais que, de uma forma ou outra, acabam trazendo um pouco dessa tendência para a sua realidade. Como já tratamos nos capítulos anteriores, alguns autores acreditam que o fenômeno streetstyle ganhou o mundo e as passarelas. A partir disso, na quinta pergunta do roteiro realizado com os entrevistados, tentamos compreender como eles percebem a propagação das tendências de moda das periferias no Brasil, evidenciando se elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população das cidades. Alves, Loiola e Coelho, talvez por morarem no mesmo bairro, possuem uma percepção bastante parecida neste aspecto: as três concordam que a moda da periferia está sendo apropriada pelas outras áreas da cidade. Alves acrescenta que há diferentes estilos em todos os lugares, não somente nas periferias, e, por isso, Coelho afirma a pluralidade da moda: há “pessoas que se vestem por elas mesmas, porque elas gostam do próprio estilo. E existem pessoas que vestem com o que está na moda”. Poeta concorda que as tendências são sim propagadas das favelas para as outras zonas: “a moda lançada nas periferias há muito tempo influencia o mundo da 94


moda e inclusive as passarelas, não apenas no Brasil, mas nos Estados Unidos, por exemplo, o maior mercado da moda urbana”. Petrik, compartilhando das opiniões apresentadas até aqui nesta questão, acredita que a maior prova deste fenômeno é o funk carioca. “Toda a sensualidade e brilho em algum momento já foram parar na Zona Sul. Talvez de forma repaginada, mas tudo é interpretação” (PETRIK). Alencar lembra que esse boom também pode ser relacionado com a ascensão da “nova classe C”, considerada por ele um dos maiores fenômenos sociológicos:

a periferia vem ganhando cada vez mais atenção na imprensa impressa e televisiva. Não à toa, produções da maior emissora do país, a Rede Globo, está produzindo telenovelas com foco na classe C. I Love Paraisópolis, na faixa das sete horas, é um dos maiores exemplos dos últimos tempos. Hoje, composta por cerca de mais de 90 milhões de brasileiros, a chamada ‘nova classe média’ tem um poder de consumo absurdo e é certo de que os olhares estão voltados para ela, para suas tendências.

Menegotto, ao mesmo tempo que acredita que a periferia está confiando mais em sua estética e que faz isso transbordar para a sociedade, percebe que ainda é um processo tímido, e traz uma comparação entre os cenários do Rio de Janeiro e de Porto Alegre:

No Rio, onde o Morro e o asfalto se encontram mais, isso é mais potente. Aqui em Porto Alegre, a periferia ainda tem vergonha de ser periferia. As meninas não gostam dos seus cabelos afro, preferem as roupas de grife que não podem comprar.

Rabelo propõe uma interpretação diferente de todas apresentadas até agora, pois, para a jornalista, a propagação também acontece no caminho inverso. Ela afirma que no Rio de Janeiro os movimentos muitas vezes nascem nas periferias, estouram fora da cidade ou até mesmo fora do país para que então sejam apropriadas pelas áreas mais nobres da cidade. Ela acredita que o caminho correto deste movimento seria: conhecimento da tendência pelo morador da periferia, seguido da tradução e apropriação desse estilo na sua realidade e exportação desse estilo para outras áreas da cidade. Bloch tem a resposta mais radical: para ela, as tendências da periferia continuam na periferia, e não são incorporadas pelas classes mais altas da sociedade. Além disso, a jovem afirma que nada no estilo de grife está realmente 95


conectado a essa identidade da favela. Assim, as grifes utilizam-se desse discurso para apropriarem-se dessa tendência, quando na realidade a essência do movimento já foi deixada para trás. Soares e Bergamazi tem pontos de reflexões semelhantes nesse sentido. Soares sente que “neste processo, (...) as pessoas consomem a estética da periferia, mas elas não assumem que consomem”. Para ele, a estética da periferia até pode estar presente em alguma peça de grife, mas depois de sofrer muitas mutações e sem nenhum crédito desta influência. E exemplifica:

o que eu acabo sentindo, por exemplo, é que quando você vai na 24 de outubro, num samba, as meninas de lá estão fantasiadas de faveladas. Claro, com roupas muito mais caras, muito mais bonitinhas, mas você vê que elas buscam se conectar àquele contexto. Com aquela sainha um pouco mais curta, aquela blusinha com o ombro aparecendo, porque a favela de alguma forma acabou ficando descolada.

Já Bergamazi acredita que a moda da periferia, quando conceituado como o que a maioria das pessoas veste, não vai sair da periferia. E explica: as peças características das favelas, no contexto de sociedade em que vivemos, onde as aparências são tão importantes em um pré-julgamento visual, são marginalizadas, o que faz com que as pessoas dos bairros nobres não queiram utilizá-las. “Se você tem uma peça que caracteriza que você tem um status menor do que o que você tem, você não vai querer usar. [...] Eu acho que a moda da periferia é marginalizada e ninguém quer usar”. Como podemos observar, nesta questão, não há um consenso. Alguns acreditam que a moda está saindo das periferias, seja em seus elementos mais puros, ou depois de diversos processos de mutação. Por outro lado, outros entrevistados acreditam que a moda não está saindo das periferias e que todo este destaque na realidade é dado para elementos que nem são próprios da essência dessa cultura. Ainda podemos observar, como trouxe Menegotto, que as realidades das periferias brasileiras são bem diferentes, tendo como reforço o exemplo que trouxe das periferias gaúchas. Por fim, a última pergunta que fizemos aos entrevistados visava levantar quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras. Alencar começa tratando da diversidade dessa cultura: “acredito que a periferia consegue 96


transitar do folk5 e kits6 até o mais requintado”. E complementa explicando que “a moda na periferia está, muitas vezes, ligada a uma questão de resistência, de luta, com expressões, palavras, identidade que leva um emaranhado de significados da política a luta, da transformação social ao questionamento”. Neste contexto de pluralidade, Petrik comenta que “toda comunidade tem seus alfas e betas, influenciadores e disseminadores”, o que se relaciona com a falta de uma moda singular na periferia, aspecto defendido por Menegotto. Ela também explica: “existem muitas periferias, com características próprias, identidades específicas”. Dentro dessa pluralidade de comportamentos, Loiola acredita que o principal elo entre todos eles, e a característica mais marcante dessa moda é a atitude. “Independente da personalidade, da religião ou do gosto musical, pessoas com atitude sempre gostam de ousar nas roupas e andar na moda”. Ampliando o conceito de Loiola, Rabelo defende que a característica principal na composição dos looks no Rio de Janeiro é a autoestima dos indivíduos, representada através do uso das cores e da criatividade na valorização do corpo. Soares comenta que a forte utilização das cores pela moda da periferia deve ao fato de que sua principal referência é a estética negra. “Uma coisa que o negro tem e que vem desde a África e que funciona é a coragem [...] de trabalhar cores. De intervir cores, de não ficar nas primárias, de tom sobre tom”. Ainda, segundo ele, se analisarmos as tendências do hip-hop, do samba, do funk, do forró, teremos a comprovação desta mistura de cores. Poeta também menciona o uso das cores como um elemento muito importante da moda das comunidades: “geralmente as peças são chamativas, seja pelas cores de tecidos ou pelas estampas e bordados, [...] que causam impacto visual”. Além disso, ele também comenta que a principal influência na vestimenta é a música. “A moda da periferia [...] são as músicas em forma de roupas e acessórios, a moda da periferia na maioria das vezes é a ilustração do que está tocando lá”.

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A palavra deriva do inglês e significa 'povos'. Na 'folk music', as inspirações vêm da tradição rural ou da música folclórica, elementos traduzidos para a moda através de peças rústicas e artesanais. (SABENÇA, 2013, online). 6 A palavra kitsch é utilizada, atualmente, para classificar objetos de estética duvidosa, exagerada, e até mesmo ilegítima. Oriundo do verbo alemão kitschen/verkitschen (trapacear, vender alguma coisa em lugar de outra), o termo adquiriu o significado de "falsificação" a partir de 1860. (RAMOS, 2010, online).

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Como podemos observar, a influência da moda dos estilos musicais foi bastante citada pelos entrevistados até agora. Bloch, Coelho, Alves, Bergamazi e Menegotto também afirmam que a música, por ser uma das principais formas de expressão na história das periferias, reflete na forma como os indivíduos se vestem. Bloch e Coelho acreditam que a principal influência neste cenário é realizada pelo funk. Para Bloch, as peças-chave são: mini-short, blusa com brilho, e roupas de marca, como Pitbull e HBS. Apesar da grande influência funk, Coelho acredita que “a moda está mudando nas favelas, e todos querem ser hip-hop!”. Dentro desta discussão, Alves afirma que, no momento, o que mais influencia na forma como os jovens vão se vestir nas periferias é o estilo americano. Bergamazi, apesar de acreditar que o essencial mesmo da moda das favelas é a roupa ser bem apertada e cheia de brilhos, comenta que, atualmente, a maior tendência é “essa influência do negro americano, vinda da TV, de músicas, videoclipes, do cenário musical ‘hip-hop mais pop’, como Rihanna e Beyoncé”, para as meninas, por exemplo. Esse estilo lançou, para as meninas, a moda do short hot pants jeans (figura 15) e o topzinho cropped com a estampa étnica (figura 16). Bergamazi ainda comenta uma questão trazida por Bloch: a importância das roupas de marca para alguns estilos. “Quando eu morava no Cantagalo eu conversava muito com os meninos e perguntava: Por que você vai comprar um tênis falso da Nike? Porque aquilo vai causar algum status pra ele”, ela conta. Figura 15 – Short hot pants e top cropped com estampa étnica

Fonte: Sampaio (2014) e Thais (2012), respectivamente

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Por fim, é interessante comentar a percepção de Menegotto sobre essa influência dos estilos musicais:

Percebo que mesmo que o hip hop, o funk e outras tendências estejam fortemente presentes, o que acontece não é simples apropriação de vestuário. Existe um olhar autoral que relê essas tendências, transforma, acrescenta e cria, muitas vezes uma nova estética.

Nesta questão, podemos observar que vários pontos foram levantados como característicos da moda das periferias brasileiras. Entre os mais comentados, estão a grande utilização de cores, a influência dos estilos musicais (em especial, o funk e o hip-hop americano) e a importância das roupas de marca para alguns segmentos. Como também foi mencionado, notamos que existem diversas forças culturais agindo nas comunidades, o que causa esta grande pluralidade que conhecemos. Para que a compreensão das respostas do entrevistados possa ser realizada de maneira mais objetiva e clara, o quadro 3 traz um resumo sobre a opinião de cada um sobre os assuntos questionados.

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5.3. Confronto dos resultados

Como observamos até aqui, as novas tecnologias mudaram muito a vida dos brasileiros. Para que fosse possível iniciar este estudo, foram necessárias algumas diretrizes visando a delimitação de seu campo teórico. Para isso, direcionamos os pontos-chave que tínhamos interesse em aprofundar. De maneira geral, nossa pesquisa conta com dois objetivos: o primeiro visa identificar de que forma as tecnologias de informação e comunicação alteram os comportamentos socioculturais das periferias brasileiras, enquanto o segundo pretende compreender como ocorre a influência da internet e das plataformas de mídia social no processo de criação de tendências de moda. Neste momento, portanto, é importante relacionar os objetivos do presente trabalho com as entrevistas realizadas e apresentadas no subitem anterior deste capítulo. De maneira geral, a partir das entrevistas, podemos observar que as tecnologias de informação e comunicação modificaram bastante o cotidiano das periferias brasileiras, assim como as outras localidades imersas na cibercultura em que nos encontramos. Como já tratamos anteriormente, até mesmo aqueles que não acessam diariamente à internet tem seu dia a dia alterado na velocidade e na instantaneidade desta nova cultura. Focando nas reflexões que o levantamento qualitativo trouxe, notamos que as alterações comportamentais originadas pelas novas tecnologias transformaram principalmente a ambição dos jovens das periferias brasileiras. Mesmo que de diferentes formas, a maioria dos entrevistados abordou o fato da favela estar mais conectada, atenta às informações do que ocorre na sua cidade e no mundo. O maior acesso à cultura faz com que os jovens, principalmente, percebam que podem ter perspectivas de vida maiores do que o imaginado anteriormente. Este fato, ligado à facilidade de interação que a internet promove, resultam em uma maior utilização das tecnologias para divulgação dos talentos e produtos culturais dessas localidades. Muitos entrevistados citaram este ponto, desde blogueiros e fashionistas, aos próprios moradores das periferias. Bloch, moradora da favela do Salgueiro (Rio de Janeiro), afirma que “de maneira geral, a internet mostrou sem dúvidas que as 101


pessoas podem ir mais longe”. Alencar, como explicitado anteriormente, resume bem a opinião da maioria dos participantes: "o acesso à rede tem possibilitado a fala a muitas pessoas, de forma instantânea e mais rápida, ampliando mais voz e outras alternativas de voz para esses moradores, muitas vezes, invisibilizados, seja para potencializar talentos, fazer denúncias, ou até mesmo ser uma ferramenta de reivindicação de luta”. Como tratado, o jornalista comenta o poder de participação política e cultural que a internet e as plataformas de mídia social representam para esses indivíduos, que até então não eram escutados e vistos pelo resto da cidade (e do país) e vêem nessas tecnologias uma grande oportunidade de voz. Esta questão do fim da passividade e do início do protagonismo individual já havia sido trazida também no segundo capítulo, por Rodotà (2007, apud MAGRANI, 2014). No mesmo fluxo de raciocínio, Menegotto pode ser citada, pois comenta que os livros, grupos sociais e veículos jornalísticos que são organizados nas periferias a partir da internet e das mídias sociais representam o quão importante essas tecnologias são para que possam sair da invisibilidade e divulgarem suas iniciativas. Ainda

sobre

as

alterações

comportamentais

que

as

tecnologias

informacionais e comunicacionais provocam no cotidiano das periferias brasileiras, podemos citar outras questões relevantes. Além de mencionarem o grande papel de divulgação e oportunidades explicitado acima, as jovens moradoras de periferias entrevistadas apontam outros hábitos que esse novo cenário sugere nas comunidades. Alves, Bergamazi e Coelho abordam como um dos principais resultados comportamentais desta nova realidade a “febre” digital ou super-utilização das tecnologias em que vivemos. Alves e Silva citam o fato dos indivíduos esquecerem as interações presenciais, que também consideram muito importantes, por este uso excessivo da internet. No segundo capítulo do presente estudo, Baudrillard (2003) havia caracterizado o ciberespaço como um espaço de interação simulada, perdendo-se a verdadeira interação do real e imperando o individualismo e indo na contramão dos genes sociais dos seres humanos. Para Coelho, os jovens acabam, com a internet, esquecendo do essencial da vida, que, segundo a jovem, são as interações, as sensações, a vivência. Ela ainda comenta que “não podemos deixar a internet ser mais importante que um momento 102


com a família, ou então deixar de ver seus amigos ou namorado pessoalmente”. Alves acredita que um dos exemplos é a falta de sociabilidade das crianças: “hoje em dia dificilmente jogam bola, soltam pipa, bola de gude, etc, por terem acesso a redes sociais e jogos online”. Nesta mesma linha de raciocínio, Bergamazi também apresenta uma crítica ao cenário em que a periferia inseriu-se. Para ela, esta utilização torna-se tão necessária que as pessoas postam informações apenas para aparecer, para terem curtidas ou serem lembradas pelos amigos, objetivando alimentar seu próprio ego. Bergamazi ainda conclui que isso ocasiona um falso entendimento das informações, pois "você precisa saber superficialmente sobre algum tema para que você possa criar ou dizer para todo mundo que você está por dentro do que está acontecendo, e aquilo ali gerar um monte de seguidores. Na verdade é muito efêmero, muito superficial e muito rápido”. Depois de observar estes excertos, notamos que algumas das alterações comportamentais gerais relacionadas à cibercultura são apresentadas também nas periferias, como a rapidez, a efemeridade, a facilidade de acesso à informação e a praticidade para interações sociais. A diferença é que no contexto das favelas estas características são responsáveis por uma grande diferença na forma como os próprios moradores se enxergam, resultando numa maior autoestima. Por mais que todos os jovens, independentemente do local aonde moram, sentem que as tecnologias aumentam suas chances profissionais e pessoais, para aqueles que eram até então marginalizados, essa oportunidade representa algo ainda maior. O segundo ponto importante para essa análise são as influências da internet e das plataformas de mídia social no processo de criação de tendências de moda. As entrevistas colaboraram bastante para nosso entendimento nesta questão. Todos os entrevistados acreditam que, de uma forma ou outra, as novas tecnologias trouxeram mudanças para a indústria da moda. Rabelo, Menegotto, Bloch, Coelho, Loiola e Alves citam neste parâmetro as alterações ocorridas no consumo de uma maneira geral, abordadas de diferentes ângulos. Bloch, Coelho, Loiola e Alves concordam que o amplo acesso à informação, e, consequentemente, às tendências de moda do mundo inteiro, mudaram o perfil do consumidor.

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No terceiro capítulo desta monografia, Medeiros (2014) também caracterizou esta transformação por parte do consumidor, que fica mais exigente. Agora, ele é mais interessado, procura mais detalhes sobre os produtos que pretende comprar, mas, ao mesmo tempo, compra muito mais pela facilidade do e-commerce. Costa (2009)

também

havia

citado

a

importância

das

ferramentas

e-business

anteriormente. Menegotto aborda este comportamento de consumismo, de excessos, como principal consequência da agilidade e massificação de tendências. Ao contrário de Bloch, que afirma não ter havido mudanças no cenário das grifes, Soares, Petrik, Rabelo, Bergamazi e Poeta elencam alterações nesta parte do mercado. Soares e Petrik concordam que as novas tecnologias alteram completamente o cenário da indústria da moda, através de “mudanças em todas as escalas, da criação ao consumo”. Soares ainda diz que elas “mexem com todas as peças do tabuleiro”. Bergamazi e Rabelo vão mais a fundo na análise do setor. Bergamazi cita a rapidez com que os modelos apresentados em desfiles de coleções são copiados e Rabelo a criação das fast fashions. “As lojas fast fashion surgiram dessa velocidade desenfreada da informação, que acabou demandando um consumo mais urgente do que surge na rede”. A agilidade que a moda ganhou neste novo cenário também foi citado em trecho da entrevista de Paulo Borges (RODRIGUES, 2010) no terceiro capítulo deste trabalho, quando comentou sobre a rapidez com que as coleções chegam às lojas e sobre a readequação dos calendários de moda. Alencar levanta a importância das blogueiras de moda neste novo cenário, como uma fonte de informação, dicas e inspiração para outras pessoas. Mesmo que de formas diferentes, 7 dos 11 entrevistados acreditam que as blogueiras influenciam na indústria da moda. É importante ressaltar 5 dos 7 entrevistados que afirmam tal influência não podem ser considerados blogueiros de moda. Alguns acreditam que elas influenciam criando tendências, outros acreditam que elas são mais uma forma de divulgação daquilo que já está na moda. Bon (2014), no terceiro capítulo, também atentou para a importância das blogueiras neste novo cenário da moda, tanto como mediadoras de conteúdo para diversas camadas sociais, quanto como criadoras e distribuidoras de significados.

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Independentemente de estarem criando tendências novas, ou difundindo aquelas mais populares, notamos que as donas de blogs tornam, de uma forma ou outra, a moda um assunto mais popular, mais acessível a todos. Bergamazi, por exemplo, cita que muitas dessas meninas acabam trazendo as tendências de fora do Brasil antes que elas cheguem aqui. Mesmo que não estejam criando, estão trazendo novidades para quem estiver interessado. Relacionando o primeiro e o segundo objetivos que originaram este trabalho, também procuramos compreender se as tecnologias de informação e comunicação influenciaram no processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras. Mesmo que tenham diferentes interpretações pessoais deste fenômeno, tendo em vista os contextos culturais e sociais que cada um dos entrevistados se encontra, todos acreditam que a internet e as plataformas de mídia social também contribuíram de alguma forma para a moda nas comunidades. De acordo com as entrevistas realizadas, o fluxo de informações e de conteúdos deixou o mercado da moda mais “aberto”, e isso também tornou-se uma oportunidade para que os estilos de moda das periferias fossem mais divulgados e conhecidos pelo resto da cidade e do país. Marques (2014a e 2014b) e Jobim e Mansano (2008), no início deste capítulo, também afirmaram que as novas tecnologias oportunizaram o maior conhecimento da moda das comunidades pelo resto das cidades e das classes sociais, mesmo que adaptadas às suas realidades. Oito entrevistados acreditam que a moda das favelas está sendo utilizada pelo resto das cidades, mesmo que de forma repaginada e interpretada de maneira diferente pelos indivíduos. Soares comenta “que a estética vem [para o resto da cidade], só que a estética sofre mutações dentro do processo”. A internet também fez com que a moda da periferia mudasse: nos últimos anos, as tendências estão fortemente ligadas ao estilo dos americanos, principalmente dos rappers e cantores de hip-hop, além das cantoras pops como Rihanna e Beyoncé. Muito do estilo desses artistas foi inserido nas tendências funk e hip-hop brasileiras. É o que afirmam Bergamazi, Coelho, Loiola e Alves, jovens que moram ou já moraram em comunidades do Rio de Janeiro. Alves comenta que “no momento, as pessoas vêm se influenciando muito no estilo americano!”. Anteriormente, neste capítulo, nos referimos à matéria do Portal Abril (apud 105


MARQUES, 2014a) que também anunciava como uma das principais estéticas adotadas pelo funk e pelo hip-hop brasileiros as vestimentas dos rappers e cantoras pops americanos. Como podemos observar durante essa análise, segundo nossos entrevistados e referências bibliográficas e documentais apresentadas nos capítulos anteriores, a moda sofreu muitas mudanças com a consolidação da internet e das plataformas de mídia social. De maneira geral, essas alterações aproximam a indústria da população, criando até mesmo chances de grandes oportunidades para indivíduos antes marginalizados e sem grandes perspectivas de futuro. Também notamos que não há uma unicidade nas opiniões deste setor: ainda há aqueles (a minoria) que acreditam que essas mudanças são superficiais, apenas para aparentar a inclusão das periferias em um cenário completamente novo. Mesmo assim, muitos entrevistados afirmam perceber uma maior aparição de projetos sociais oriundos das comunidades nos grandes veículos de comunicação e o boom de investimentos e criação de projetos voltados à moda com auxílios públicos e privados.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente monografia, realizamos um estudo sobre as influências da consolidação da internet e das plataformas de mídia social no processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras. Para isso, foram utilizados como procedimentos metodológicos as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental e pesquisa qualitativa, mais especificamente de entrevista em profundidade. Esta metodologia foi muito importante para que pudéssemos confrontar a realidade exposta pelos autores à percepção de quem convive neste ou com este contexto. Ao longo da pesquisa, resgatamos os principais conceitos para que o tema fosse compreendido em suas diversas facetas. No início do estudo, buscamos entender as principais características do ciberespaço criado pelas tecnologias de informação e de comunicação, bem os valores desta nova cultura. Neste momento, citamos a importância dos relações-públicas como profissionais diretamente inseridos neste cenário, tendo que utilizar destas novas tecnologias para o gerenciamento do relacionamento e da imagem pública de organizações e pessoas públicas. Buscou-se ainda estabelecer a relação entre a moda e o contexto histórico vigente, observando-se como os cenários culturais, sociais e políticos e os valores da sociedade influenciam no que vai ser vestido pela mesma. Introduzimos a temática principal do presente estudo a partir da análise dos reflexos das tecnologias digitais na indústria da moda, nas tendências mundiais e na sua propagação. Ainda abordamos as mudanças sociais ligadas à moda neste cenário, como as novas formas de consumo e o novo perfil do próprio consumidor. Observamos, neste momento, através do resgate teórico realizado, a escassez de materiais aprofundados que tratem especificamente sobre este cenário, como monografias, teses e até mesmo livros. Neste contexto, há grande número de publicações direcionadas ao nicho dos blogs, mas sob viés diferente do deste trabalho. Ainda para que o foco principal do trabalho fosse alcançado, abordamos a temática da moda nas periferias brasileiras. Neste cenário, trouxemos as referências de diferentes autores visando compreender a importância do vestuário como forma de expressão para as comunidades de baixa renda. Ainda observamos a relação da 107


moda com as principais correntes musicais existentes nesses locais, como o funk, o hip-hop e o tecnobrega, suas características e as formas como se expressam no cotidiano dessas pessoas. Além disso, para que a análise desta temática fosse realizada a fundo, entendemos que seria necessário contrapor as opiniões das bibliografias estudadas a dos indivíduos que estão realmente inseridos neste contexto, seja por morar em favelas brasileiras, seja por trabalhar com as periferias ou diretamente com a sua cultura. A colaboração entre o escopo teórico dos autores e a vivência empírica dos entrevistados foi de extrema relevância para a compreensão dos resultados do presente estudo. De maneira geral, com algumas poucas especificidades, notamos que as opiniões da maioria dos entrevistados corrobora com as da maioria dos autores. Primeiramente, foi possível notar que a internet e os sites de mídias sociais alteraram o cotidiano de quem mora nas periferias brasileiras. Para os autores e a maioria dos entrevistados, os jovens (os mais inseridos neste ambiente digital) utilizam estas tecnologias tanto para a diversão e a interação com outros jovens, quanto para o estudo, obtenção de informação e divulgação de seus talentos. No tema da moda das periferias, também foi possível compreender diversos aspectos mediante esta união de opiniões. Segundo os autores e a maioria dos entrevistados, o vestuário das periferias está diretamente ligado às suas formas de expressão cultural, como os ritmos musicais (funk, hip-hop) e as técnicas artísticas (danças como o passinho e o treme e o grafite). Estes movimentos, para eles, são muito importantes para que a cultura da periferia, mesmo que sofra mutações, não seja perdida. Outra característica apresentada em ambas as formas de pesquisa foi a utilização de roupas de marca (ou até mesmo falsificadas, desde que tenha o símbolo de uma grife), muito presente no cotidiano da moda da periferia, principalmente após a consolidação do “funk ostentação”. Para as moradoras das periferias entrevistadas e os autores citados, muitas vezes a utilização de marcas é uma forma de mostrar para o resto da sociedade que, mesmo morando em comunidades de baixa renda, esses indivíduos possuem o seu valor e merecem ser respeitados.

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No que se refere aos impactos da consolidação da internet e das plataformas de mídia social na moda das periferias brasileiras, também é possível obter diversas considerações. A primeira delas é referente ao maior espaço que as tendências das favelas ganham a partir das novas tecnologias. A internet passa a ser utilizada pelos moradores para divulgar seus talentos e sua moda, o que acaba refletindo, com sua repercussão, nas grandes mídias tradicionais. Este cenário acaba sendo muito favorável aos novos talentos das periferias, que ganham oportunidades e maior visibilidade no resto da cidade e do país. Nesta mesma temática, temos um item polêmico: a apropriação da moda da periferia pelos outros bairros da cidade. Os autores trazidos neste estudo acreditam que as peças mais utilizadas nas favelas são apropriadas tanto pelos outros bairros, quanto pela indústria da moda, em coleções e editoriais, mesmo que adaptadas. Apesar de apresentarem divergentes opiniões, a maioria dos entrevistados pensa como os teóricos apresentados, acreditando que as outras classes sociais utilizamse de elementos da moda das periferias, muitas vezes em novas abordagens. Algumas opiniões diferenciadas já assimilam o fato do vestuário das comunidades, através da tecnologia, apropriarem-se de tendências do resto da cidade e até mesmo do exterior. A influência das tendências mundiais de moda no vestuário das periferias brasileiras também é tratada pelos teóricos citados neste trabalho. Tanto os autores, quanto alguns do entrevistados, comentam que outra reflexão do uso das novas tecnologias pelos moradores das periferias é a influência de artistas internacionais, como rappers e cantoras pops no seu modo de vestir e até mesmo de falar. Muitos consideram uma grande influência no vestuário das favelas a moda hip-hop americana, tão presente em videoclipes de artistas como 50 Cent, Lil Wayne, Pharrell Williams, Rihanna, Beyoncé e Nicki Minaj. É importante salientar que este trabalho permitiu que observássemos a necessidade de pesquisas relacionadas a outras áreas, como as novas tecnologias e a indústria da moda. Mesmo que de forma superficial, notamos que a internet alterou os paradigmas deste mercado, principalmente no nicho das grifes de marca. Vemos esta área como uma oportunidade para os estudantes e profissionais das áreas de comunicação e relações públicas. Para concluir, esta monografia permitiu 109


observarmos que a consolidação da internet e das plataformas de mídia social influenciou muito o processo de criação de tendências de moda nas periferias brasileiras, tanto na sua composição (influências americanas) como na sua divulgação para as outras áreas da cidade.

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APÊNDICE A – ENTREVISTA VAGNER DE ALENCAR Jornalista paulista, escritor no blog Mural, da Folha de São Paulo, sobre Paraisópolis, a maior favela de São Paulo e autor do livro "Cidade do Paraíso: há vida na maior favela de São Paulo”.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? O acesso à rede tem possibilitado a fala para muitas pessoas, de forma instantânea e mais rápida, ampliando mais voz e outras alternativas de voz para esses moradores, muitas vezes, invisibilizados, seja para potencializar talentos, fazer denúncias, ou até mesmo ser uma ferramenta de reivindicação de luta. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Conheço bem pouco sobre o universo a moda. Mas arrisco dizer que a internet possibilitou, como dito anteriormente, outras possibilidades de ser ouvido, lido, visto. Em Paraisópolis, por exemplo, há blogueiras que apostam nos blogs na internet como uma forma de mostrar seu trabalho, dar dicas e inspirar outras pessoas. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? Não sei se há um reflexo nas passarelas pois pouco entendo desse universo. Mas é claro ver blogueiras que estão ditando tendências e ganhando muito dinheiro com seus blogs. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Acredito que, como em outras áreas, a internet tem empoderado meninas e meninos a ditarem sua própria moda, a quebrarem os estereótipos em torno da periferia. As redes sociais tiveram e tem papel fundamental nesse processo. As chamadas It Girls estão aí para comprovar a consolidação dessa tendência. 5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? A periferia vem ganhando cada vez mais atenção na imprensa impressa e televisiva. Não à toa, produções da maior emissora do país, a Rede Globo, estão tendo foco na classe C. I Love Paraisópolis, na faixa das sete horas, é um dos maiores exemplos dos últimos tempos.

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A classe C pode ser considerada um dos maiores fenômenos sociológicos. Hoje, composta por cerca de mais de 90 milhões de brasileiros, a chamada “nova classe média” tem um poder de consumo absurdo e é certo de os olhares estão voltados para ela, para suas tendências. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Acredito que a periferia consegue transitar do folk e kitsh até o mais requintado. E a moda na periferia está, muitas vezes, ligada a uma questão de resistência, de luta, com expressões, palavras, identidade, que leva um emaranhado de significados, da política à luta, da transformação social ao questionamento. Alguns exemplos são o 1 da Sul e o Fundão Roupas, nascidos no Capão Redondo, uma das principais periferias de SP.

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APÊNDICE B – ENTREVISTA TIAGO POETA Fundador e proprietário da King Wear Brazil, localizada em Alvorada - RS.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? A internet veio para revolucionar a informação e a forma de comunicação no geral, através dela as periferias ganharam novas oportunidades de expor a sua visão social e cultural, além de claro, permitir o acesso a cultura mundial. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Mudou sim, hoje com a internet a informação se tornou instantânea, direta e isso possibilitou as grifes estarem mais conectadas com o seu público e ter um feeling maior para entender melhor o perfil dele. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? Com certeza, inclusive possuem um papel muito importante, pois impulsionam marcas e coleções, divulgam trabalhos e influenciam o público de forma positiva com as suas dicas. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Existe um mercado antes da internet e outro depois. A popularização da internet no Brasil nos últimos 20 anos e a chegada das redes sociais tornou sonhos em realidade. A King é um exemplo disso: começamos postando algumas fotos de nossas peças no Facebook e foi aonde percebemos que o alcance ia muito além do que imaginávamos. Mesmo sem um site/e-commerce chegamos a muitos lugares com a King (Angola e Estados Unidos). 5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? A moda lançada nas periferias há muito tempo influencia o mundo da moda e inclusive as passarelas, não apenas no Brasil, mas nos Estados Unidos, que é o maior mercado da moda urbana e talvez o maior exemplo. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Geralmente as peças são chamativas, seja pelas cores de tecidos ou pelas

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estampas e bordados, geralmente são peças que causam impacto visual. A principal influência sem dúvidas é a música, a moda da periferia é a música em forma de roupas e acessórios, uma ilustração do que está tocando. O hip-hop é a essência da King, desde a criação e concepção da marca até hoje esta é a maior influência da marca. Claro que também buscamos inspirações em outros gêneros e seguimentos culturais, mas o hip-hop é a alma da King. O rap tem uma ligação muito forte com a marca, inclusive ela é citada em músicas de alguns rappers aqui do Sul, reforçando a sua forte relação com o gênero.

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APÊNDICE C – ENTREVISTA JAJÁ MENEGOTTO Publicitária gaúcha, colaboradora criativa, pesquisadora criativa, redatora, produtora de moda e de conteúdo.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? A internet tem sido um grande veículo de comunicação para as comunidades periféricas. E eu acho isso importante especialmente quando a galera usa a internet para dar luz à cultura que se produz nas favelas, para dar voz ao morro. Existem livros de literatura da periferia sendo lançados na internet, grupos organizando movimentos como a Batalha do Passinho via redes sociais, membros das comunidades criando veículos jornalísticos para tratar temas da periferia na rede… Enfim, é um espaço onde é mais possível sair da invisibilidade, divulgar iniciativas, e organizar movimentos culturais próprios. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Falando especificamente de moda, acredito que a massificação e a rapidez com que recebemos as informações seja um aspecto bastante relevante desse impacto. Todos os dias, somos soterrados por anúncios publicitários, pelas últimas tendências, pelos “must have”, pelas roupas das celebridades. E essa mensagem do ter e acumular não cessa nunca,

estamos

vivendo

um

mundo

de

excessos.

3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? Meu trabalho com moda passa bem longe das blogueiras e é afastado também das passarelas. Vejo moda como manifestação cultural, como um elemento de construção e fortalecimento de identidade. Por não acompanhar muito desfiles e blogueiras, não saberia responder

a

essa

questão

com

propriedade.

4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Acho que não podemos falar de um único cenário. Existem realidades bem diferentes quando o assunto é moda pelas periferias do Brasil. Existe a moda do funk ostentação, por exemplo, que idolatra roupas de grife e marcas caras. Também existem projetos como a Casa Geração Vidigal, uma escola de moda no Morro do Vidigal que ensina jovens da comunidade a criar moda de uma forma muito autoral, a partir do seu olhar, dos seus valores, do seu processo criativo. Mas o papel da internet e das redes sociais em qualquer desses cenários é fazer a informação circular, é permitir que essa galera troque ideias, pesquise, busque referências e informações.

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5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Acredito e fico feliz em saber que a periferia está confiando cada vez mais em si, na sua estética, na sua beleza. E mais: está fazendo isso transbordar para a sociedade. Mas é um processo tímido ainda. No Rio, onde o Morro e o asfalto se encontram mais, isso é mais potente. Aqui em Porto Alegre, a periferia ainda tem vergonha de ser periferia. Infelizmente ainda existe um referencial muito forte no estereótipo branco-classe-alta. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Como falei anteriormente, não podemos falar da periferia de forma singular. Existem muitas periferias, com características próprias, identidades específicas. Mas, de um modo geral, acho que existe uma criatividade pulsante na periferia, que é capaz de, mesmo que a partir de referências já existentes, quebrar normas pré-estabelecidas e criar algo novo. E, apesar da moda no Brasil ainda ser operada de uma forma muito cruel e exclusiva, eu acredito muito nesse poder criativo. Percebo que mesmo que o hip hop, o funk e outras tendências estejam fortemente presentes, o que acontece não é simples apropriação de vestuário. Existe um olhar autoral que relê essas tendências, transforma, acrescenta e cria muitas vezes uma nova estética.

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APÊNDICE D – ENTREVISTA CAROL RABELO Jornalista carioca, produtora executiva especializada em marketing de moda e editora do site Zona Norte Etc.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Esse acesso globalizado fez com que códigos e tendências se propagassem com maior velocidade e maior alcance, chegando a um público que antes recebia a informação de forma mais restrita e já decodificada. Dessa forma, a interpretação da moda se tornou mais livre, criando uma maior diversidade de estilos. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Extremamente, principalmente na questão do consumo imediato. As lojas fast fashion surgiram dessa velocidade desenfreada da informação, que acabou demandando um consumo mais urgente do que surge na rede. A internet impactou desde a forma de se consumir até a maneira como interpretar e se relacionar com a moda. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? Não acredito que influenciem em tendências. Na verdade creio que elas amplificam as propostas apresentadas pelas grifes, tornando o estilo mais palatável para o gosto do público. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? A periferia sempre foi o grande pólo criativo da cidade. O que vemos hoje é um acesso mais globalizado e uma livre interpretação das tendências mundiais de maneira extremamente criativa e acessível, criando estilos autênticos. 5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? A propagação acontece também no caminho inverso. Acredito que o caminho correto seria: conhecimento da tendência pelo morador da periferia seguido da tradução e apropriação do estilo, e a exportação desse estilo para outras áreas da cidade.

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6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? O colorido e a criatividade são extremamente marcantes. E costumo dizer que a aqui no RJ a autoestima é fundamental na composição dos looks. As cariocas adoram valorizar o corpo.

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APÊNDICE E – ENTREVISTA TIAGO PETRIK Jornalista, escritor e fotógrafo carioca, é editor e gestor do RIOetc. Escreveu, com Renata Abranchs, o livro “A Carioca – Guia de Estilo para viver a Cidade Maravilhosa”.

1- De que forma você que acha a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Embora a atuação do RIOetc não se dê nas periferias, é certo que a ascensão de uma nova camada social, com cada vez maior alcance às redes sociais (e portanto a novas fontes de informação), traz alterações comportamentais. Não apenas se consome novas informações como ainda há uma pequena parcela que é capaz de criar suas próprias referências, influenciando seu universo. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Te respondo com uma pergunta: qual indústria não foi impactada pela Internet? Todas foram, em vários graus. No caso da moda, em todas as escalas, da criação (referências mais acessíveis) ao consumo (compra online). 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Há algum reflexo nas passarelas? Sim, mas não qualquer blogueira. Como em qualquer indústria, e talvez mais do que na maioria, muito se copia na moda, inclusive o comportamento das blogueiras! Uma idéia repetida um milhão de vezes se transforma em verdade. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Vejo as coleções assinadas por nomes influentes – muitas vezes, gringos – com os grandes magazines como ações bastante interessantes nesse sentido. 5- Alguns autores defendem que o fenômeno "streetstyle" ganhou o mundo e as passarelas. Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Atualmente, felizmente, as periferias também têm poder de influenciar o centro. Prova disso, aqui no Rio, é um fenômeno nem tão recente: o funk. Toda a sensualidade e brilho em algum momento já foram parar na Zona Sul. Talvez de forma repaginada, mas tudo é interpretação.

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6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Toda comunidade tem seus alfas e betas, influenciadores e disseminadores, disso você pode ter certeza. Ainda que no microcosmo específico, essas pessoas vão ditar comportamentos, para mais ou menos gente.

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APÊNDICE F – ENTREVISTA ANNAPAULA BLOCH Moradora da favela do Salgueiro (RJ), criadora da Revista Sou Dessas e jovem idealizadora da Agência de Redes para Juventude.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Alteraram muito! Mas a sua utilização depende muito de cada pessoa. Assim como as redes sociais podem ajudar muito na educação, por exemplo, também podem atrapalhar ela! Podem ajudar na forma das pessoas, dos jovens no caso, terem um pensamento ou podem acabar com o único juízo, ou esperança que um morador de favela tem. De maneira geral, a internet mostrou sem dúvidas que as pessoas podem ir mais longe, mas com aquele 99% que pode, 1% pode dar errado. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? A internet sem dúvidas abriu o horizonte do olhar dos consumidores. Por exemplo, eu nunca gostei de usar batom vermelho, achava só que era pra gente de pele clara. Com a internet e as redes sociais, vi que não existia isso, vi que todo mundo se arruma como quer a partir da maneira que goste. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Elas querem ganhar o delas, estão certas... Eu acho que elas divulgam aquilo que a maioria das pessoas está usando, e se estiver em alta, vão influenciar nas vendas. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Sem dúvidas, hoje o cenário está muito mais aberto para nós das periferias, estamos muito mais “em alta”. Mas ainda não batemos nossa meta: de 100% ainda falta uns 70%, ou seja, precisamos “representar” mais! 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Permanecem, sem dúvidas! 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Óbvio que as características mais marcantes são aquele mini-short, aquela

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blusa com pedrinhas e roupas de marca como Pitbull e HBS, tudo com muita influĂŞncia do funk.

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APÊNDICE G – ENTREVISTA ALICE COELHO Moradora do morro do Vidigal (RJ), atriz e cantora. Integrante das Pearl Negras.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? A internet é um mundo! Ótima para fazer divulgações, mostrar para as pessoas o que você gosta, o que sente, o que está fazendo, etc. Só não podemos deixar a internet ser mais importante que um momento com a família, ou então deixar de ver seus amigos ou namorado pessoalmente. Acabamos esquecendo do essencial da vida que é viver, sentir, curtir, pelo uso exagerado da internet. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda (desfiles, estilistas, coleções de grifes)? Se sim, como? Sim, demais! Eu pesquiso tudo pela internet, muito melhor do que ir em uma loja e ficar procurando nas ruas. Pesquiso o que eu quero e depois vou lá no lugar! A internet me ajuda pesquisar estilos americanos que estão na moda. O que a Nicki Minaj, minha diva, está vestindo e por aí vai. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Eu acho legal isso! Quanto mais idéias, estilos e novidades é ótimo! Cada pessoa tem uma idéia diferente, juntando com idéias de outras blogueiras, fica incrível! Eu curto demais blogs de moda! Sempre estou dando uma olhada. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Bom, em nossa favela, Vidigal, a moda é ser estiloso(a). Todos estão se vestindo no estilo americano, bem hip-hop! Usando calças soltas, barriga de fora, cabelo black, boné aba reta, etc.. É super legal! É bom saber que somos referências nisso também! 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Depende. Tem pessoas que se vestem por elas mesmo, porque elas gostam do próprio estilo. E existem pessoas que vestem com o que está na moda. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias

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brasileiras? Ainda continua a moda do funk, mas como respondi acima, a moda estรก mudando nas favelas. E todos querem ser hip-hop!

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APÊNDICE H – ENTREVISTA JENNIFER LOIOLA Moradora do morro do Vidigal (RJ), atriz e cantora. Integrante das Pearl Negras.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Hoje em dia a internet é o meio de comunicação mais importante no mundo, qualquer informação, dúvida, notícia, tudo depende da internet. Até mesmo pra divulgação de talentos, muitas pessoas da comunidade, talentosas que precisam de oportunidades, conseguem ganhar um reconhecimento e propostas para trabalhos, postando fotos ou vídeos! 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Sim, hoje em dia todo mundo quer estar por dentro da moda e de suas tendências e pela internet podemos nos inspirar em modelos ou em cantoras de outros países, podemos comprar roupas por sites, acompanhar desfiles, etc. A internet nos proporciona tudo isso! 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Com certeza, as blogueiras pelos tutoriais criam novas roupas e ensinam passo a passo como se fazer, seja por cortes diferentes em calças ou blusas, ou novas ideias de costura. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Na maioria das comunidades que conheço, todo mundo tem o seu estilo próprio, inclusive os adolescentes que mais procuram estar na moda. E tudo, é lógico, estimulado pela internet. 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Logicamente são apropriadas pelo restante da população também, não apenas nas comunidades. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Pra mim, a característica marcante da moda é a "atitude"! Independente da personalidade, da religião ou do gosto musical, pessoas com atitude sempre gostam de ousar nas roupas e andar na moda. As minhas influências são americanas!

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APÊNDICE I – ENTREVISTA MARIANA ALVES Moradora do morro do Vidigal (RJ), atriz e cantora. Integrante das Pearl Negras.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Ultimamente tudo é feito pela internet! Você posta uma foto, vídeo, e em minutos tem milhares de visualizações. Com isso, as pessoas postam mais sobre suas vidas pessoais e consequentemente têm elas expostas! Acho que o que altera nisso é que por muitas vezes deixamos de fazer as coisas "ao vivo" pelo fato da internet ser o meio de tudo! Exemplo: crianças hoje em dia dificilmente jogam bola, soltam pipa, bola de gude, etc., por terem acessos a redes sociais e jogos online. Acho que mudou muito isso. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Muito! Hoje em dia você faz compras sem precisar sair de casa! Fica por dentro de tudo da moda por sites e páginas no Facebook. Você pode pesquisar e encontrar o que deseja pela internet! Ver vídeos, tutorias, dicas de moda e beleza. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Eu acredito que sim. Eu, por exemplo, muitas vezes busco estilos e roupas diferentes em muitos sites, e conheço muitas blogueiras que inventam inclusive seu próprio estilo. Até mesmo nós gostamos de fazer isso! Por tanto, se algo que você cria e veste é muito interessante, vem um estilista, aperfeiçoa, e quando você menos espera está nas lojas e vitrines! 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Onde eu moro tem bastante gente estilosa! Aqui a galera gosta muito de seguir a moda e estar por dentro dos lançamentos! Na minha opinião, isso também acontece em outras comunidades. Com a ajuda da internet, só não é estiloso quem não quer! 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Acho que são apropriadas pelo restante da população também! Há estilo em todo lugar. Não só nas periferias!

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6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Na minha opinião, o gosto musical define o modo que as pessoas se vestem. As características mais marcantes são muita originalidade e estilo único! No momento, as pessoas vêm se influenciando muito no estilo americano!

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APÊNDICE J – ENTREVISTA MANOEL SOARES Jornalista bahiano, repórter da RBS TV, apresentador do programa Perifa, na Rádio Cidade FM, colunista do Diário Gaúcho e coordenador executivo da CUFA RS.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? Eu acho que agora, nos últimos quatro anos, a periferia ta entendendo o que é internet. Ela não sabia bem o que era isso, não sabia qual era a função, era uma palavra de estética estrangeira que não pertencia ao nosso cotidiano como tijolo, panela, feijão, arroz. Então ela agora foi incorporada, principalmente pelos jovens. A periferia (na sua grande maioria, por mais que toda a generalização seja burra) vai para a internet buscar o “iogurte”. Ela ainda não está indo buscar uma forma independente de estudar, de aprender Bhaskara, de reciclagem, de reaproveitamento da chuva. O consumo ainda é irreverente neste processo, mas acredito que ainda vá mudar como tempo. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? O que eu entendo é que a internet mexeu com as peças do tabuleiro. Os totens e os tabus começaram a ser quebrados a partir da internet. Não sei o que teria sido a vida do Yves Saint Laurent se tivesse internet. Agora eu sei que os próximos que tentarem ser Yves Saint Laurent vão ter que enfrentar esse fenômeno chamado internet e a partir daí você começa a ver que existe uma redefinição do que é exclusivo. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Na minha visão, tratando aqui do Rio Grande do Sul, está alterando pouco, por que essas pessoas estão mais vendendo a si mesmas do que vendendo as ideias das roupas. Isso é um problema, porque às vezes a pessoa vai pra internet pra dizer alguma coisa, mas não necessariamente tem o que dizer. Estão existindo estes comunicadores fashions digitais por existir, e não por ter uma causa por defender. 4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? A moda na favela nasce da necessidade, não por uma questão estética, para criar um diferencial. Ela nasce de uma necessidade de improviso. Eu ainda acho que as mulheres da favela carregam, mesmo que instintivamente, um pouco de Coco Chanel, que já se perdeu no mundo de novo. Elas tentaram alisar seus cabelos pra ficar igual às meninas do asfalto, mas chegou uma hora que faltou dinheiro. É mais barato

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enfrentar o preconceito do que lutar contra. E assim também vai acontecer com a roupa. Então a moda dentro da favela é ditada pelo que é necessário. 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? O que eu acabo sentindo neste processo é que as pessoas consomem a estética da periferia, mas elas não assumem. Por exemplo, quando você vai na (Rua) 24 de outubro, em um samba, por exemplo, as meninas de lá estão fantasiadas de faveladas. Claro, com roupas muito mais caras, muito mais bonitinhas, mas você vê que elas buscam se conectar àquele contexto. Com aquela sainha um pouco mais curta, aquela blusinha com o ombro aparecendo, porque a favela de alguma forma acabou ficando descolada. Eu acho que a estética vem, só que a estética sofre mutações dentro do processo. E não se atribui àquelas pessoas muitas vezes o devido crédito. Mas nem todo mundo vai ganhar crédito, isso é natural. As referências se perdem no processo, mas eu acho que o tempo é o maior crivo para essas coisas. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? A principal referência de moda da favela é a estética negra. Uma coisa que o negro tem e que vem desde a África (quem disse isso não sou eu, quem mostra isso, desde 1906, com o cubismo, já existia essa percepção) é a coragem em trabalhar com cores. De intervir cores, de não ficar nas primárias, de tom sobre tom. Essa coisa que a favela tem de fazer as interferências de cores e de colocar o que não combina e redefinir o conceito de combinação faz toda a diferença para as pessoas.

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APÊNDICE K – ENTREVISTA KEYLA BERGAMAZI Hostess, modelo e formada em moda pela Casa Geração Vidigal, atua em conjunto com Jajá em alguns projetos sociais.

1- De que forma você acha que a internet e as redes sociais alteraram o cotidiano das periferias brasileiras? A minha visão é que as pessoas começam usando as tecnologias para se beneficiar, só que aquilo de alguma maneira vai atingi-las de uma forma que elas vão precisar daquilo, vai virar parte da sua identidade e aquele alimento que o seu ego vai precisar. Então você começa se beneficiando e depois você começa a perder o controle disso. É a minha visão, eu não acho saudável. A velocidade acaba fazendo com que as pessoas não tenham tempo pra se aprofundar no assunto e então formar uma opinião. O que eu vejo de muito ruim na internet é que as pessoas não precisam ter conteúdo, você precisa estar entendendo do que está acontecendo agora, você precisa saber superficialmente sobre algum tema, pra que você possa criar ou dizer pra todo mundo que você ta ligado em tudo o que ta acontecendo e aquilo ali gera um monte de seguidores. Mas na verdade é muito efêmero, muito superficial, muito rápido... O que eu vejo é que muitas meninas da periferia hoje em dia tem a oportunidade de serem tratadas como muitas meninas da zona sul são. Elas tem a oportunidade de ter essa atenção, de ter esse respeito, de ter as pessoas falando “ai eu vi sua foto, gostei muito” e isso é legal para a autoestima da pessoa. Mas eu acho que corre o risco de ter ficar viciado nesse tipo de atenção que nem sempre você vai poder manter. 2- Na sua opinião, a internet impactou a indústria da moda? Se sim, como? Por exemplo, eu vi um desfile de uma marca conceito e na mesma season (coleção) uma rede de fast fashion fez uma peça praticamente igual. Eu não sei até aonde a internet tem esse poder. Eu acho que a internet ela fez isso com tudo, você não pode jogar uma coisa na rede que você não tenha certeza... Porque abrange muita gente, todo mundo vai ver o teu produto, então, tem que ter esse cuidado, mas não sei te dizer precisamente. 3- Você acredita que as blogueiras de moda, de um modo geral, influenciam no processo de criação de tendências de moda? Se sim, como? Você vê algum reflexo nas passarelas? Eu acho que algumas blogueiras criam sim. Por que mesmo quando você ganha uma peça, outra pessoa pode ir na mesma loja, comprar as mesmas coisas, mas você da a sua combinação, o seu toque. Mas são poucas, por que tanto no Rio, quando no Brasil, não se cria tendência, só se copia do exterior.

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4- Como você enxerga o cenário da moda da periferia no Brasil após a consolidação da internet e das redes sociais? Eu não acho que existe uma moda na periferia. A minha visão de moda, é de expressão pessoal. Então a partir do momento, que todo mundo ta usando a mesma coisa, não é verdadeiro. A minha utopia de moda seria cada um conseguir se expressar livremente através do que gosta, sem importar se está usando estampa ou uma calça skinny ou flare, é a sua expressão, como se fosse um quadro que você pinta. Eu acho que esta acontecendo aqui no RJ é uma liberdade e uma acessibilidade maior. O meu medo, por exemplo, é que agora todo mundo ta cacheada, todo mundo ta com Black (power), mas porque é moda. E se a moda passa? 5- Como você vê a propagação das tendências das periferias no Brasil? Elas permanecem nas comunidades ou são apropriadas pelo restante da população? Quando você pensa em moda na periferia, eu penso no que a maioria das pessoas usa na periferia: e isso não vai sair da periferia. Se você tem uma peça que caracteriza que você tem um status menor do que o que você tem, você não vai querer usar. Por que as pessoas se comunicam visualmente, você olha pra uma pessoa e o pré-julgamento acaba existindo. Eu acho que a moda da periferia é marginalizada e ninguém quer usar. Quando eu morava no Cantagalo eu conversava muito com os meninos e perguntava: Por que você vai comprar um tênis falso da Nike? Por que aquilo vai causar algum status pra ele. Então, compra um tênis que você pode comprar, que você pinta, que você cola uns tecidos, que você grafita, que fica seu, mas não. 6- Na sua opinião, quais as características mais marcantes da moda das periferias brasileiras? Se você fala “moda na comunidade”, eu pessoalmente vou pensar em uma roupa bem apertada, cheia de brilhos. Tem um poder midiático muito forte também do estereótipo de beleza. Eu acho que a periferia tem muito essa influência do negro americano, vinda da TV, de músicas, videoclipes, do cenário musical “hip hop mais pop”, como Rihanna e Beyoncé. Antigamente a moda era o shortinho de lycra, agora é a hot pants jeans, e o topzinho (cropped) com a estampa étnica. Mas eu acho que as influências são essas: os negros americanos mais pops e da mídia daqui mesmo.

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