#8 Revista Visagismo Novembro 2021

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Instrumento de resistência e cultura


Índice

Nota do editor, pág. 03 Conheça nossa edição

Consciência Negra: representatividade, respeito e poder, pág. 04 Matéria da capa

Black Power: Instrumento de resistência e cultura, pág. 08 Cultura

A vida e a história de Madam C. J. Walker, pág. 11 Cinema

Referências, pág. 14 Referêncial bibliográfico

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Nota do Editor

"Visagismo sem cientificidade não é visagismo acadêmico" .

Depois

do

sucesso

das

nossas

edições

anteriores contabilizarem mais de 750K de visualizações nossa oitava edição da revista digital Visagismo faz uma homenagem ao mês da consciência negra, um momento de reflexão sobre as lutas e as conquistas da comunidade negra e os desafios que ainda se apresentam para a inclusão, de fato, de negros e negras em todas as esferas da sociedade. Uma boa leitura,

Fabio Ritter

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Consciência Negra: representavidade, respeito e poder Djamila Ribeiro

Novembro é o mês da Consciência Negra,

"QUANDO CRIANÇA, fui ensinada que a

além

um

população negra havia sido escrava e

momento de reflexão sobre as lutas e as

ponto, como se não tivesse existido uma

conquistas da comunidade negra e os

vida anterior nas regiões de onde essas

desafios que ainda se apresentam para a

pessoas foram tiradas à força.

da

celebração,

também

é

inclusão, de fato, de negros e negras em todas as esferas da sociedade.

Disseram-me que a população negra era passiva e que “aceitou” a escravidão sem

Gostaria de compartilhar a seguir um

resistência. Também me contaram que a

pequeno

princesa Isabel havia sido sua grande

trecho

do

livro

“PEQUENO

MANUAL ANTIRRASCISTA, “ da Professora

redentora.

Djamila Ribeiro, para que você entenda

No entanto, essa era a história contada do

que todos podemos atuar ativamente

ponto de vista dos vencedores, como diz

contra o racismo.

Walter Benjamin.

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O que não me contaram é que o

É

Quilombo dos Palmares, na serra da

histórica e começar pela relação entre

Barriga, em Alagoas, perdurou por mais

escravidão e racismo, mapeando suas

de um século, e que se organizaram vários

consequências.

fundamental

trazer

a

perspectiva

levantes como forma de resistência à escravidão, como a Revolta dos Malês e a

Deve-se pensar como esse sistema vem

Revolta da Chibata.

beneficiando economicamente por toda a história a população branca, ao passo que

Com

o

tempo,

compreendi

que

a

a negra, tratada como mercadoria, não

população negra havia sido escravizada, e

teve

não era escrava—palavra que denota que

distribuição de riquezas.

essa

seria

uma

condição

acesso

a

direitos

básicos

e

à

natural,

ocultando que esse grupo foi colocado ali

É importante lembrar que, apesar de a

pela ação de outrem.

Constituição

do

Império

de

1824

determinar que a educação era um direito

Se para mim, que sou filha de um

de todos os cidadãos, a escola estava

militante negro e que sempre debati essas

vetada para pessoas negras escravizadas.

questões

em

casa,

perceber

essas

nuances é algo complexo e dinâmico, para

A cidadania se estendia a portugueses e

quem refletiu pouco ou nada sobre esse

aos nascidos em solo brasileiro, inclusive

tema pode ser ainda mais desafiador.

a negros libertos. Mas esses direitos estavam

condicionados

a

posses

e

O processo envolve uma revisão crítica

rendimentos, justamente para dificultar

profunda de nossa percepção de si e do

aos libertos o acesso à educação. Havia

mundo. Implica perceber que mesmo

também a Lei de Terras de 1850, ano em

quem busca ativamente a consciência

que o tráfico negreiro passou a ser

racial

proibido no Brasil — embora a escravidão

compactuou

com

violências

contra grupos oprimidos.

tenha

persistido

até

1888.

Essa

lei

extinguia a apropriação de terras com

O primeiro ponto a entender é que falar

base na ocupação e dava ao Estado o

sobre racismo no Brasil é, sobretudo,

direito de distribuí-las somente mediante

fazer um debate estrutural.

a compra.

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Dessa maneira, ex-escravizados tinham

lugares, o que nos impede de entender

enormes

como

restrições,

pois

quem

o

sistema

escravocrata

ainda

dispunha de grandes quantias poderia se

impacta a forma como a sociedade se

tornar proprietário. A lei transformou a

organiza.

terra em mercadoria ao mesmo tempo que

facilitou

antigos

É necessário reconhecer as violências

imigrantes

ocorridas durante o período escravista.

europeus tenham recebido concessões,

Historiadores como Lilia Schwarcz, Flávio

como a criação de colônias.

Gomes, João José Reis e Nizan Pereira

latifundiários

o

acesso

embora

a

Almeida já comprovaram que essa ideia Quando estudamos a história do Brasil,

não passa de um mito.

vemos como esses e outros dispositivos legais, estabelecidos durante e após a

São inúmeros os fatos históricos que a

escravidão,

a

desmentem. Basta lembrar, por exemplo,

manutenção da mentalidade “casa-grande

que a expectativa de vida dos homens

e senzala” no país em que, nas senzalas e

escravizados no campo era 25 anos, bem

nos quartos de empregada, a cor foi e é

abaixo da média dos Estados Unidos para

negra.

o mesmo grupo, 35 anos.

A psicanalista Neusa Santos, autora de

Movimentos de pessoas negras há anos

Tornar-se

debatem

contribuem

negro,

de

1983,

para

um

dos

o

racismo

como

estrutura

primeiros trabalhos sobre a questão racial

fundamental das relações sociais, criando

na psicologia, afirma que: a sociedade

desigualdades e abismos.

escravista, ao transformar o africano em escravo, definiu o negro como raça, demarcou o seu lugar, a maneira de tratar e ser tratado, os padrões de interação com o branco e instituiu o paralelismo entre cor negra e posição social inferior. No Brasil, há a ideia de que a escravidão aqui foi mais branda do que em outros

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O racismo é, portanto, um sistema de

A questão é: o que você está fazendo

opressão que nega direitos, e não um

ativamente para combater o racismo?

simples

ato

indivíduo. estrutural

da

vontade

Reconhecer do

racismo

o

de

um

caráter

pode

ser

paralisante.

Mesmo que uma pessoa pudesse se afirmar como não racista (o que é difícil, ou mesmo impossível, já que se trata de uma estrutura social enraizada), isso não

Afinal, como enfrentar um monstro tão

seria suficiente — a inação contribui para

grande? No entanto, não devemos nos

perpetuar a opressão.

intimidar. É

preciso

ressaltar

que

mulheres

e

A prática antirracista é urgente e se dá nas

homens negros não são as únicas vítimas

atitudes mais cotidianas. Como diz Silvio

de opressão estrutural: muitos outros

Almeida em seu livro Racismo estrutural:

grupos sociais oprimidos compartilham

Consciente de que o racismo é parte da

experiências de discriminação em alguma

estrutura social e, por isso, não necessita

medida comparáveis".

de intenção para se manifestar, por mais que calar-se diante do racismo não faça

Este texto faz parte da apresentação do

do indivíduo moral e/ou juridicamente

livro da professora Djamila Ribeiro que

culpado ou responsável, certamente o

através da sua obra apresenta alguns

silêncio o torna ética e politicamente

caminhos

responsável pela manutenção do racismo.

transformação de nossa sociedade. Afinal,

de

reflexão

em

prol

da

o antirracismo é uma luta de todas e

A mudança da sociedade não se faz apenas

com

denúncias

ou

com

todos.

o

repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas e da adoção de práticas antirracistas. Portanto, nunca entre numa discussão sobre racismo dizendo “mas eu não sou racista”. O que está em questão não é um posicionamento moral, individual, mas um problema estrutural.

07 | VISAGISMO • 2021


Black Power: Instrumento de resistência e cultura

Kauê Vieira - afreaka.com.br

cabeludo,

A trajetória do black power tem início

descabelado…” Considerado por muitos

ainda nos anos 20, quando Marcus

apenas um instrumento estético, o cabelo

Garvey, tido como o precursor do ativismo

vai muito além disso. Uma simples opção

negro na Jamaica, insistia na necessidade

por um corte ou penteado diz bastante

de

sobre

negros

eurocêntricos e a partir disso promover o

especialmente, que desde a década de

encontro dos negros com suas raízes

1950 desfilam com seus black power

africanas. Décadas depois, nos Estados

imponentes, ele transcende o campo da

Unidos, o afro também começou a ganhar

beleza e significa um encontro com a

espaço e se tornou um dos protagonistas

identidade

na luta pelos direitos civis nos anos 60. No

“Cabelo,

uma

cabeleira,

pessoa.

e,

por

Para

quê

ferramenta de afirmação.

os

não,

uma

romper

com

padrões

de

entanto, foram as mulheres as

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beleza

grandes


protagonistas dessa história. Condicionadas

desde

o

Ainda no rock, o tecladista Billy Preston, tempo

da

escravidão a alisar o cabelo, elas bateram o pé e decidiram andar pelas ruas ao natural,

o

que

causou

espanto

e

resistência da comunidade branca.

também aderiu ao movimento e passou boa parte dos anos 70 excursionando com um black power de dar inveja. Por fim pinçamos o nome da sul-africana

Entre muitos, o nome de Angela Davis surge como um dos principais marcos nesta luta. Ativista desde os primeiros anos de sua juventude, a norte-americana fez parte do Partido Comunista e também do movimento Panteras Negras.

Miriam

Makeba,

carinhosamente

chamada de Mama Africa, que durante seu exílio nos Estados Unidos, adotou o black power. Ainda em 1970, o fenômeno da disco music ganhou espaço e liderado pelos

Em pouco tempo Angela havia se tornado uma das principais referências na luta pelos direitos dos negros e muito deste respeito vinha de seu afro, que de tão imponente, se tornava mais uma maneira de intimidar opressores. Mesmo durante os tempos de opressão, os negros sempre estiveram presentes no campo das artes, estilos consagrados como jazz e blues, o último precursor do rock, são exemplos desta presença. Além de brindar o público com seu talento, estes artistas foram responsáveis por um braço da afirmação da estética afro nos quatro cantos do mundo. Jimi Hendrix, revolucionando com sua guitarra, criou tendência ao deixar seus esvoaçados cabelos crespos crescerem ao natural.

famoso por ter tocado com os Beatles,

negros, surgiu com força total e logo caiu nas graças do público, tendo sido o black power um dos principais ícones do movimento, destacado na cabeça de membros de grupos como o Earth Wind and Fire. Apesar de sair de moda nos anos 80, o afro voltou com força total no começo do século 21, mais uma vez amplamente difundido na música. A partir de 2000, Lauryn Hill e Lenny Kravitz e um pouco antes, a cantora Erykah Badu repescaram o fluxo da estética como mensagem de afirmação. Com o avanço dos anos, o estilou ganhou ainda mais força, e nomes como a baixista Esperanza Spalding e a cantora foram

brasileira exemplos

cabelos naturais.

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Anelis da

Assumpção

preferência

aos


São quase 70 anos na luta da afirmação de estética como identidade na diáspora, em que o cabelo e sua naturalidade sobressaem ocidentais

aos

padrões

para

se

de

beleza

afirmar

como

instrumento de resistência e cultura. Nesse contexto, seja na política ou nas artes, o black power foi e é um símbolo que transcende as fronteiras da beleza e significa para o negro o resultado da luta de seus antepassados e também a determinação

em

manter

viva

a

identidade de quem lutou pelos seus direitos. Na

busca

de

direitos,

cabelo

é

identidade e é também um símbolo de respeito.

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Série: A vida e a história de

padronização

MADAM C. J. WALKER

da

beleza

feminina,

a

dedicação da mulher à vida profissional, homossexualidade e racismo, tornando a obra atemporal, ao mesmo tempo em que

A série está disponível na Netflix, e traz os

enriquecem a história e denunciam a dura

feitos

realidade para o espectador.

de

uma

empreendedoras

das

negras

dos

primeiras Estados

Unidos. Madam C. J. Walker, como ficou

Além

conhecida, criou um império de produtos

minissérie sobre a construção de um

de beleza para mulheres negras, sendo

império de produtos para cabelo, é de se

pioneira no ramo. Era norte-americana,

esperar que a equipe de cabelo e

nasceu em 1897 e morreu em 1919.

maquiagem fosse impecável, e realmente

Diversas outras questões extremamente

foi, assim como o figurino. Não perca

relevantes são

tempo assista ainda hoje.

apresentadas, como a

11 | VISAGISMO • 2021

disso,

considerando

ser

uma


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12 | VISAGISMO • 2021


EDIÇÃO

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13| VISAGISMO • 2021


REFERENCIAL

NOVEMBRO

Referencial Referencial da matéria página 4 - https://www.ebiografia.com/djamila_ribeiro/ Referencial da matéria página 11 - https://www.afreaka.com.br Referencial da matéria página 16 - https://www.guidasemana.com.br/

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PRÓXIMA EDIÇÃO

JANEIRO

Agradecimento Caro leitor, tenho você em conta e alta estima. Sei que as possibilidades da rede são imensas, e tê-lo como leitor, como leitora é muito especial. Sei que do outro lado, à frente do monitor, não há um robô, uma máquina, mas sim um ser

humano.

Agradeço

por

me

privilegiar caros leitores, anônimo ou não, amigo virtual ou real, colegas e exalunos e claro meus familiares, sem vocês não haveria porque idealizar este projeto, nem porque dedicar boa parte da minha vida a pesquisa e a leitura. Tenho sorte em tê-los comigo! Até a próxima edição.

r Ritte o i b a F


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