Estratégias para o fim do mundo

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Estratégias para o Fim do Mundo Estratégias para habitar o fim do mundo Parar. Buscar duas árvores. Montar sua rede. Deixar uma preguiça sideral se instaurar.


Estratégias para agüar o fim do mundo.

PROPOR [o fim do mundo]

Se o fim do mundo tá seco. Agüamos com a trema que os gramáticos deram fim.

Os presentes registros fazem parte do processo coletivo do Laboratório de Investigação Prática "Estratégias para O Fim do Mundo", proposto por Fábio Tremonte, com a participação de Amanda Tavares, Alexandre Silva, Marcia Moraes, María Eugenia Salcedo e Victor Leguy. O que nos move é a construção de um vocabulário, narrativas, práticas e gestos que se configurem como Estratégias para O Fim do Mundo que sejam passíveis de serem compartilhadas, postas em ação e sonhadas por mais pessoas além de nós. As estratégias, então, passam a se organizar em formato de manual, que se encontra em processo de feitura. Um manual sem um objeto final, acabado, pois o fim do mundo - ou pelo menos o gesto de imaginar fins - é contínuo e está sempre um passo à frente do momento presente, na névoa do que está por vir. Apresentamos, por meio de imagens e exercícios de escrita individual e conjunta, alguns processos que darão base à construção deste manual. Trata-se de um registro coletivo rastros e restos que simultaneamente falam da intensidade do processo deste grupo bem como dos blocos compartilhados de imaginação e fabulação de futuro, partindo da hipótese de que um dos imaginários que a ideia de futuro sempre guarda é a possibilidade renovada do fim do mundo. Abecedário desenvolvido por María Eugenia Salcedo ao longo do processo do Laboratório.


FICAR COM O PROBLEMA Processar e Construir o fim do mundo

A chegada da pandemia de covid-19, do isolamento social, das necessárias medidas de quarentena provocadas pelo vírus, somadas aos consequentes danos globais já gerados pelo Antropoceno e Capitaloceno, fizeram com que esse laboratório se tornasse cada vez mais pertinente e ganhasse contornos bastante concretos. Neste cenário, tiramos um período para sonhar. Sentados em roda virtual, toda quinta-feira, compartilhamos narrativas e experiências que foram ora tornando o intangível, tangível e ora transformando o tangível em intangível. Propomos nos demorar em estratégias colocadas de lado como o I-Ching, o sonho e o sonho coletivo como campo objetivo de tomada de decisão.

Estratégia para tragar o fim do mundo Acende, puxa, prende e passa.

Para nos ajudar a fabular artifícios capazes de nos auxiliar a devir-com tantos fins anunciados, aceitamos também o desafio de "ficar com o problema" posto por Donna Haraway, visitamos a "Cosmopolítica animal" de Juliana Fausto, nos perguntamos com Eduardo Viveiros de Castro se “Há mundo por vir?", buscamos suturas na fragmentação da narrativa proposta por Beatriz Sarlo a partir de Benjamin e tivemos, com Ailton Krenak, a sensação de que gostamos de estar aqui, apesar de todas as quedas que nos anunciou Davi Kopenawa. Estas estratégias aqui presentes se traduzem em pequenas-grandes bússolas, ações e gestos propostos para preparar o terreno para aquilo que vem a ser o futuro, compartilhando com o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade a certeza de que estamos vivos na luz que baixa e nos confunde.


PERGUNTAS PARA O FIM DO MUNDO Quais são as estratégias /Qual solução para algo que não podemos imaginar? Como ter força para pulsar a vida? Como articular a pulsão de vida? Em prol de alguma coisa? Como manter o brilho? Existe imaginação institucional em momentos de crise? É a minha rotina que define quem sou? E quando a rotina é interrompida? Que identidade é essa? Quão opacos conseguimos ser verdadeiramente? Como começamos uma conversa de agora em diante? Tudo Bem? Como será um museu do fim-do-mundo? O que virou a cidade? Como fazer junto? Como devir-com? Onde vamos nos reabastecer para para lidar com esses lugares (virtuais, fechados, que reabrem, que não existem mais)? Em qual nível de abstração damos conta de falar de fim de mundo? Qual é o nível do sequestro da subjetividade? Qual tipo de vínculo pode ser criado para que a divisão entre os "eus" e "nós" não cresça? Que construção do outro é essa se só nos vemos no espaço virtual? A custo de que nós temos a internet? E se pudéssemos simular um escape? Uma narrativa onde estivessemos pertencendo ao mesmo lugar? Qual o papel da saudade no fim do mundo? Como é o seu corpo? Em que medida a ausência de perspectiva em relação ao nosso futuro sequestrado é anestesiada pela ausência de perspectiva da tela do computador? Que gestos de barreira estão ao nosso alcance? Como articular cosmovisões de povos originários ao sistema em que vivemos? A partir de quais perspectivas podemos narrar a presença do vírus? Como nomear os medos? Com quantas estratégias se faz uma fuga? Qual o papel da preguiça no futuro/ para o futuro? Qual o papel do bicho-preguiça no agora?Como permanecer no encontro? Talvez fazendo o encontro permanecer? O que é intolerável? Qual é o limite do intolerável? Chegamos nele? E se o fim do mundo já aconteceu e eu aqui acordando planejando o almoço de hoje?

Estratégias para lamber o fim do mundo Só lambendo o fim do mundo pra saber que gosto tem.

Estratégia para encruzilhar o fim do mundo Exu matou um pássaro ontem com a pedra que atirou hoje.


IMAGENS & PAISAGENS DESCRITAS Exercício de descrição de imagens, paisagens ou semelhantes que surgem ao longo do processo das anotações tradicionais

Enquanto há espaços onde não há qualquer relação com a natureza, aqui é possível criar imagens da natureza.. A lua que aparece para você pode ser algo ainda mais artificial que a própria lua. Madrugada de segunda-feira: lua quase, ainda ou deixando de estar cheia. Tamanha desconexão com a carne do universo: que lua no céu agora? Deitei na varanda banhei-me daquela luz azul-branca … Um tom de voz que é puro vermelho. Platô de exaustão Espelhos de tela Descolar a ponta do durex Chove eriçado em São Paulo

Estratégias para des-nortear o fim do mundo. Girar. Rodar. Rumiar. Engolir. Vomitar… Onde mesmo é o norte?

Modos de sustentar Uma justaposição que não é um todo.

Imagens que vemos virtualmente: época de tucanos devorando ovos de sabiá Uma exposição de arte vazia, montada em um museu quase vazio Fumaça doce na ponta dos dedos

Funcionários com novos EPIs, permanentes aparentemente Se antes perdemos o horizonte na cidade para os prédios. Agora perdemos o espaço como um todo para uma série de telas Às vezes, surge uma mão para disfarçar um bocejo, coçar o olho cansado da luz da tela, apoiar a cabeça em desassossego Um tempo curto que parece uma eternidade. Espaço-tempo necessário para reinventar


O padlet é um dos recursos virtuais adotados pelo Laboratório como lugar de acervo dos registros, impressões e compartilhamento de experiências, exercícios e referências.

Estratégia para intimidar o fim do mundo Dejà-vu


Estratégia para enrabichar o fim do mundo - Cafuné atrás da orelha


Vocabulário para o fim do mundo Palavras-Táticas Digerir: Digestão é um processo que permeia tudo e por tudo é permeado. Desde o ouvir algo até o ato de andar de metrô com essa informação. parente infitração destroços controle(s) achatamento saber-fazer-com Fresta ruminar mais que humano mediação conexão/relação afetos perspectiva/ausência de incerteza parente Opacidade

Ruminar Antropoceno Capitaloceno Chthuluceno Feral Matsutake Ocupar ruína integração/ separação incubação platô armadilha controle(s) achatamento saber-fazer-com Infiltração Destroços Transparência

Estratégias para sassaricar o fim do mundo. Se o fim do mundo não sassarica. Sassaricamos mesmo só.

RESERES Contemporâneos Fabulando seres que habitam o fim do mundo papagago bixo preguiça sideral morcego-vacina barata-cafuné anta compulsória rinopedra papa-sopro jaburu medroso lebre alada abelha-correio musgofante musgofante S3 formiga periscópica aedes geoestacionário ferrugem de quatro patas

bauxita alada nióbio do mato peixe-asma pulgão gigante traça-sem-fastio folha-crepe chuchu-sorriso pipoca-silvestre lagarto-satélite sapo da orelha em pé borboleta cinestésica bicho-reboco rubelita gástrica reco-reco-barbado periscópio do cerrado


Narrativas para o fim do mundo - Enredando fins e recomeços Trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial.” Escreve Lucio Costa na apresentação do Plano Piloto de Brasília. Desenha dois eixos que se cruzam, “gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse”. Brasília, a capital da nação, é traçada sobre o próprio sinal da cruz. É mas não é. Houve necessidade, ainda no projeto, de adaptar um dos eixos à topografia local, curvá-lo para que a topografia coubesse num triângulo eqüilátero. Topografia - o jeito como o arquiteto nascido na França, com sólida formação europeia, vê a natureza do imenso sertão abaixo do equador e tenta encaixá-la numa equação fechada (moderna, bem intencionada, contudo, ainda muito cartesiana).

Então, inventar práticas colaborativas destinadas a promover bons encontros, em outras palavras, alegria de estarmos juntos no aqui e agora da experiência, inventar novos dispositivos para ativar a sensibilidade faz-se ainda mais urgente, mesmo que sejam transitórios. Afinal, será que não podemos nos contagiar de transitórios? Será que um instante não pode ser tudo? Oxalá! Fragmento de texto em processo – Marcia Moraes

Brasília não tem esquinas. O princípio capital da técnica rodoviária que marca o jeito de se girar pela capital é a eliminação dos cruzamentos. Modernidade sem novidade. Eliminar cruzamentos sempre foi o projeto da tradição colonial. Mas alguma coisa fora do projeto curvou os braços da cruz, ao invés de se curvar aos pés da cruz. Inventou esquinas onde não era pra ter. A topografia não encaixa na equação aberta do cerrado. Era pra desenhar uma cruz, mas alguma coisa fora do projeto riscou no lugar um tridente.

Fragmento de texto em processo – Alexandre Silva

Estratégias para destilar o fim do mundo. Se o fim do mundo envenenou a água. Destilamos o veneno e inventamos vários tipos de bebidas só pelo prazer de viver embriagados.


Estratégias para deglutir o fim do mundo. Pois só a antropofagia do antropoceno nos une. Estratégias para variar o fim do mundo Bora inventar apocalipses mais criativos. Estratégia para caçar o fim do mundo. Ficar de butuca.

Estratégia para pedalar o fim do mundo. Nem parado nem com pressa.

Estratégias para refogar o fim do mundo. Se o fim do mundo é insosso, tacamos coentro e cozinhamos no fogo baixo.

Estratégias para banhar o fim do mundo. Banhar no rio, banhar com folha. Se o mundo vai acabar, que acabe limpo e cheiroso.

Estratégia para roer o fim do mundo Comer pelas beiradas. Estratégia para farfalhar o fim do mundo Correr contra o vento de braços abertos.

Estratégia para aconselhar o fim do mundo Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece.

Estratégias para florestar o fim do mundo A planta só cresce quando não tem ninguém olhando.

Estratégias para observar o fim do mundo Proponha-se a explorar o campo visual. Olhar para todos os lados transforma tudo.

Estratégias para cavoucar o fim do mundo Se o fim do mundo não tem saída para os lados nem para cima, cavucamos para baixo igual tatu.


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