Fรกbio Tremonte
Somos todos riscadores | 2019
Num plano mais microscópico, a natureza é o que permite estar no mundo, e, inversamente, tudo o que liga uma coisa ao mundo faz parte da sua natureza. EMANUELE COCCIA F., Querido Fábio ou Fábio, Não sei bem por onde começar. Talvez pelo mesmo começo com que há dez anos escrevia sobre a sua exposição intitulada Nada mais. Me surpreendi ao relê-lo depois de tanto tempo porque poderia usar a mesma epígrafe e até alguns argumentos para falar sobre certos aspectos da sua produção subsequente. Poderia usá-lo, o texto, para pensar a mostra Somos todos riscadores — título que ecoa as palavras de Daniel Cohn-Bendit proferidas nos movimentos de maio de 68 na França: Somos todos indesejáveis, somos todos judeus alemães e que também reverbera um dos dizeres de Joseph Beuys: Todo mundo é um artista. Depois do seu mergulho, cada vez mais profundo, em processos artísticos e pedagógicos, ou artístico-pedagógicos, em acontecimentos coletivos e colaborativos, nas teorias anarquistas, no perspectivismo ameríndio e em muitas outras práticas dedicadas a promover uma espécie de libertação ou desvinculação das subjetividades de um mundo que segue agarrado a um modo de vida normativo (e esse é precisamente o mundo da macropolítica), afirmou-se e adensou-se, nos seus projetos, a atenção ao pequeno, ao marginal, ao ínfimo, ao comum. Ficou daquele tempo distante a imbricação frequente da figuração com a geometria, que, como os seus desenhos atuais tão bem demonstram, são categorias fluidas, e se as cremos estanques é apenas situando-as em plano ideal. Ficaram do calor daquele verão o viajante, o coletor, o caráter fragmentar, ficou a utopia — e esta, cada dia mais presente e real, não como o inatingível horizonte, mas como procedimento ou estratégia de recusa à eficácia, substantivo tão valoroso para aquilo que Suely [1] chama de cafetinagem capitalística da arte. Durante esses dez anos em que caminhamos juntos, não sem tropeços, acompanhei a sua luta contra esse estado de coisas. Acompanhei o desfile de bandeiras, algumas sessões de cabo de guerra, as playlists, a rampa rosa de skate, a breve coleção de insultos, um bloco de carnaval, a palavra dos injustiçados ou em favor deles estampadas nas blackflags. Segui a distância, às vezes querendo estar mais perto, às vezes mais longe ainda, as sessões de escuta e muitos outros processos. Seja como for, durante esse período e mesmo antes, o desenho sempre foi uma ferramenta da qual você lançou mão para formular ideias, anotar, planejar ações, espaços, situações e encontros. Mesmo sob o peso que fez você erguer as bandeiras negras e ainda que esse campo escuro que se abriu dividisse o espaço com o verde das estampas vegetais ou o vermelho das primeiras bandeiras havia muito dobradas, o negro — apesar de ser, a rigor, um valor — tornou-se o campo de cor dominante dos seus últimos trabalhos. Contudo, em seus cadernos que eu tanto amo e não me canso de percorrer, mesmo quando você está ausente, as cores continuam a cintilar atrevidas nas estampas, nas flores, nas folhas, nas máscaras, nos vulcões e nos meteoros riscados sobre os papéis que agora se desprendem alegres da lombada que lhes dava ordem e voam livres em direção ao espaço, inaugurando outro tempo. Lais Myrrha, abril de 2019.
_________________________________________________________________________________________________________________ [1] Cf. texto de Suely Rolnik in Arte, censura, liberdade: reflexões à luz do presente. Org. Luisa Duarte. Editora Cobogó: Rio de Janeiro, 2018.
Somos todos riscadores | 2019
Somos todos riscadores | 2019
La Calle en mi experiencia | Telefone sem fio | ExperiĂŞncia Hiedra | Buenos Aires, Argentina | 2018
Coentro Radical é um convite a recomeçar. Recomeçar a partir de uma possibilidade de poder criador coletivo. Recomeçar propondo algo a imaginação alheia. Recomeçar como se experimentasse saber das coisas que não se sabia ainda que se sabia. Recomeçar para atingir o coração dessas coisas. Recomeçar nos exigindo corpo presente. Recomeçar utilizando a possibilidade de festa para subverter, reinventar e transcender a ordem estabelecida, o cotidiano. Recomeçar pensando a festa como uma das possibilidades mais fortes de imaginação, criação, experiência coletiva, subversão e resistência. Recomeçar criando espaços de vida sensíveis, de vida que não esqueça a felicidade como uma dimensão possível, desejável, inadiável. Recomeçar reivindicando a necessidade de tempo livre contra o tempo produtivo do trabalho. Recomeçar reconhecendo a existência das possibilidades de compartilhar. Recomeçar tendo a felicidade como horizonte. Recomeçar junto. Coentro Radical | 2018
Anarcotropicalismo | desenho | 2018
Deriva culinária [Escola Extraordinária de Embarcação]| Praça da Lagoa da Conceição, Florianópolis, SC | 2018
Escola da Floresta [Caracol]| Praça da Lagoa da Conceição, Florianópolis, SC | 2018
Escola da Floresta [Caracol]| Ilha de Florianรณpolis, SC | 2018
Escola da Floresta [Caracol]| Grupo Independente de Estudos Descoloniais, Ceart - UDESC, Florianรณpolis, SC | 2018
Escola da Floresta [Conversa com pedras]| 2018
Escola da Floresta | Sesc PompĂŠia | 2018
Pintura para jardim tropical | pintura no jardim | 2018
Anarcotripolicalismo | desenho | 2018
Anarcotripolicalismo | desenho | 2018
Anarcotripolicalismo | desenho | 2018
Anarcotripolicalismo | desenho | 2018
Anarcotripolicalismo | pintura | 2018
Escola da Floresta |desde 2016
A terra é o corpo | performance | dimensões variáveis | 2016 - 2017
Escola da Floresta [Sk8Educaciรณn] | 2017 | Encontros com skate www.anarcotropicalismo.com
Rampa | 2011 - 2017 | madeira | dimensĂľes variĂĄveis
valderramas_project | cartografia_cumbiera | 2017 | mĂşsica https://soundcloud.com/valderramas_project
Como fazer? Tradução colaborativa: Fabio Tremonte, Fernando Scheibe e Kamilla Nunes Florianópolis e São Paulo, dezembro de 2016
www.anarcotropicalismo.com
Devolver a terra a terra | 2016 | guache s/ papel |110 x 90 cm
Escola da Floresta [Leitura PĂşblica do RelatĂłrio Figueiredo] | 2016 | Oficina Cultural Oswald de Andrade
[Leitura Pública do Relatório Figueiredo] Durante o processo de pesquisa e apuração sobre a ditadura brasileira dirigido pela Comissão Nacional da Verdade, surge o Relatório Figueiredo, desaparecido durante 45 anos, que apurou matanças de comunidades inteiras, torturas e toda um infinidade de crueldades praticadas contra indígenas em todo o país — principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio (SPI) —, ressurgiu quase intacto em abril de 2013. Supostamente eliminado em um incêndio no Ministério da Agricultura, ele foi encontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, com mais de 7 mil páginas preservadas e contendo 29 dos 30 tomos originais. Refletindo sobre as condições que são dispensadas ao povos originários no Brasil, o projeto propões dar luz ao relatório criando um espaço de leitura público e coletivo. O microfone aberto é um convite para que o público freqüentador da Oficina Cultura Oswald de Andrade faça parte dessa leitura, escolha a página da vez e leia em voz alta, para levarmos esse debate a público de forma mais contundente e tornar conhecida parte da história que marca essa terra chamada Brasil.
Relatรณrio Figueiredo
Escola da Floresta [Leitura PĂşblica do RelatĂłrio Figueiredo] | 2016 | Oficina Cultural Oswald de Andrade
trabalhar cansa
‘O trabalho é a essência do homem porra nenhuma. A atividade talvez seja, mas trabalhar, não.” [Eduardo Viveiros de Castro]
Trabalhar cansa | aproximadamente 110 x 130 cm | serigrafia | 2016
Trabalhar cansa | 2016 | vista da intervenção montada na exposição Agora somos mais de mil | Parque Lage | Rio de Janeiro, RJ
Trabalhar cansa | 2016 | intervenção contra o golpe proposta pelo público
Escola da Floresta [Conversas de junho] | Encontro com Sofia Olascoaga | 2016
Escola da Floresta [Conversas de junho] | 2016 | Encontro com Marta Ramos-Yzquierdo
a terra ĂŠ o corpo
O corpo não aguenta mais. O lucro é privado mas a calamidade é pública. O coletivo é desprezado, o voto ignorado, e o R$ não é real. Tratada a ferro e fogo, nem a natureza é natural, e somos construídos sobre a desgraça coletiva. Nossa terra era roxa, hoje é preta, dura e de asfalto: é falsa. Antes tinha índio, mas não tinha f,l,r (fé, lei, rei). Agora não tem índio, mas tem f,l,r (fel, locupletação, repressão). Diante da falência múltipla do sistema, o Brasil é um defunto. Neste contexto, qual o papel da arte contemporânea e sua verve de engajamento sociopolítico? Como podemos nos recompor a partir dos cacos que nos restam e enxergar algum porvir que não as trevas? Certamente não há uma resposta única para este debate, mas neste sábado, dia 25 de junho, me arrisco a indicar algumas possibilidades na minha curadoria da exposição Terra Falsa. [Apresentação da exposição, de Fernando Ticoulat, em um estacionamento na Rua Santa Isabel, 197 | Santa Cecília, São Paulo, SP, no dia 25 de junho de 2016]
“(Indígena) gerado dentro da terra que lhe é própria, originário da terra em que vive.” “Pertencer à terra, em lugar de ser proprietário dela, é o que define o indígena.” “A terra é o corpo dos índios.” [Eduardo Viveiros de Castro]
A terra é o corpo | performance | dimensões variáveis | 2016
domingo
Fábio Tremonte, Domingo. Domingo, etimologicamente, é o primeiro dia, “o dia do senhor”. Seguindo a narrativa cristã, é quando se escuta sua palavra, quando se fez a luz. É o marco da ressureição, o dia que inicia-se uma nova criação. O dia sem fim, que orienta a meta eterna. Para o pagão, é o dia do sol. Para muitos aqui: o dia do Faustão; do futebol. Em grande parte da cultura ocidental, é também o dia do descanso. Se somos então pequenos deuses de nossas rotinas, pode ser o momento em que, entediados após termos construído nosso mundo, repousamos e pensamos sobre o fim que ele tomará. Um interlúdio em que resfolegamos pelo que passou e enfrentamos a sombra do porvir. Neste “Domingo” para o qual Fábio Tremonte nos convida, logo encontramos a evidência cortante da confusão – nublada e melancólica – que é fazer este exercício nos dias de hoje. Enquanto somos postos diante das urgências estruturais da vida comum, é incontornável: nos sobram dúvidas e descrenças. Entre proposições e apropriações; estratégias literais e poéticas; gestos duros e ternos, o artista cria espaço e tempo para sentarmos, comungarmos e refletirmos sobre o que nos cerca. Se crer num mundo manifestamente em estado terminal é o que mais nos falta, os trabalhos reunidos partem de uma postura consternada para soprar provocações, tateando outros possíveis caminhos; sacudindo o controle; e suscitando novos acontecimentos. Se essas ações encontram, em qualquer grau, seus efeitos, nos interpelam e motivam: há mundo depois do fim do mundo?! Germano Dushá
Blackflag | serigrafia | 2015
sem fé, sem lei, sem rei | instalação | 2015
Sudamerica | fotografia | 2014
Blackflag | serigrafia | 2015
Domingo | sala 2 | vista geral
NO FUTURE | impressão | 2015
Blackflag | serigrafia | 2015
O uso do fogo [colaboração de Ana Moura] | instalação e performance [sobre as esteiras, biscoito de polvilho com pequi e chips de batata doce] | 2015
Conversa sobre o fim-do-mundo [colaboração de Germano Dushá] | pôster | 2015
Domingo | sala 3 | vista geral
Blackflag | serigrafia | 2015
Blackflag | serigrafia | 2015
Como dobrar uma bandeira vermelha | performance e instalação | 2013/2015
Como dobrar uma bandeira vermelha [detalhe]
O uso do fogo [colaboração de Ana Moura] | instalação e performance [sobre as esteiras, biscoito de polvilho com pequi e chips de batata doce] | 2015
O uso do fogo [biscoito de polvilho com pequi]
O uso do fogo [chips de batata doce]
ninguém escapará à queda do céu e epidemia-fumaça Fábio Tremonte
Ninguém escapará à queda do céu | 2015 Apocalipse xamânico. A consequência da propagação generalizada da “epidemia-fumaça” do ouro é, para Davi Kopenawa, o extermínio dos xamãs, reduzidos à impotência e aniquilados pela captura de seus espíritos auxiliares: Nossos espíritos auxiliares tentam atacar e afugentar a epidemia xawara, mas ela só se afasta um pouco e depois volta rápido (...) nós tentamos destruí-la, mas é muito dura, resistente como borracha. Quando é atacada, nem sente os golpes. Ao contrário, ela se apodera dos espíritos xamânicos que tentam atingi-la e com isso destrói os pais deles, os xamãs. O fracasso do xamanismo diante dos poderes patogênicos liberados pelos brancos define a verdadeira magnitude das consequências da corrida do ouro — a instauração de uma crise escatológica e de um movimento brutal de entropia cosmológica: Quando todos nós tivermos desaparecido, quando todos nós, xamãs, tivermos morrido, acho que o céu vai cair. É o que dizem nossos grandes xamãs. A floresta será destruída e o tempo cará escuro. Se não houver mais xamãs para segurar o céu, ele não cará no lugar. Os brancos são apenas engenhosos, eles ignoram o xamanismo, não são eles que poderão segurar o céu (...) Não são só os Yanomami que morrerão, mas todos os brancos também. Ninguém escapará à queda do céu. Se morrerem os xamãs que o mantêm no lugar, ele cairá mesmo. É o que dizem nossos anciãos. Nossos grandes xamãs e nossos anciãos estão morrendo um após outro, isso me desespera. Os brancos destroem nossa floresta e nossos anciãos morrem todos, pouco a pouco, de epidemia. Isso me dá raiva. [Davi Kopenawa, “Palavras indígenas”, 2006 - 2010]
Ninguém escapará à queda do céu | 2015 | texto sobre parede | 60 x 30 cm | Foto: Daniela Ometto
Ninguém escapará à queda do céu [detalhe] | 2015 | texto sobre parede | 60 x 30 cm | Foto: Daniela Ometto
Epidemia-fumaça | 2015 A figura das propriedades patogênicas do ouro (e de outros metais) é ponto central de um tema recorrente do pensamento yanomami: os efeitos epidemiológicos do contato com as profundezas da terra. Das emanações deletérias que essas atividades propagam, surgem as chamadas “epidemias-fumaças” (xawara waki,- xi), e a contaminação generalizada que provocam. Esta fumaça-epidemia atinge o “mundo inteiro” (...) O vento leva-a até o céu. Quando chega lá, seu calor queima-o pouco a pouco e ele fura. O “mundo inteiro” é então ferido como se estivesse queimado, como um saco de plástico derretendo no calor. [Davi Kopenawa citado por Bruce Albert, “O ouro canibal e a queda do céu. Uma crítica xamânica da economia política da natureza (Yanomami)”, 2000] Assista o vídeo: https://vimeo.com/151008698
Epidemia-fumaça | 2015 | instalação com máquina de fumaça | dimensões variáveis
Epidemia-fumaça | 2015 | instalação com máquina de fumaça | dimensões variáveis
Epidemia-fumaça | 2015 | instalação com máquina de fumaça | dimensões variáveis
Epidemia-fumaça | 2015 | instalação com máquina de fumaça | dimensões variáveis
Seleção de imagens dos trabalhos de Fábio Tremonte apresentados na exposição coletiva Hipótese e Horizonte | curadoria de Germano Dushá | Observatório | 28 de novembro à 26 de dezembro de 2015 | São Paulo, SP A mostra, cujo título já evidencia a natureza de seu ímpeto, reúne esforços que tomam a constituição do espaço, e sua relação com a ampla vista que o cerca, como forma de pensar e experimentar possíveis futuros da cidade. Envolta a um cenário que ventila esgotamentos de toda sorte [ecológicos, sociais, políticos] se balança entre método e poesia, ideia e sensação, humor e consternação, literalidade e abstração, para imaginar e conjecturar o que é que ainda pode nos vir. http://observatorioarte.org fabio.tremonte@gmail.com
Parágrafo único
Vândalos, rebeldes, terroristas, vagabundos, manifestantes [vermelho s/ preto] | 2013/2015
Vândalos, rebeldes, terroristas, vagabundos, manifestantes [preto s/ vermelho] | 2013/2015
Espaço público | intervenção com cartazes e gráfica de serigrafia e estêncil | 2015
Espaço público | intervenção com cartazes e gráfica de serigrafia e estêncil | 2015
Espaço público | intervenção com cartazes e gráfica de serigrafia e estêncil | 2015
Parada + Rubronegro | performance e bandeiras | 2014/2015
Parada + Rubronegro | performance e bandeiras | 2014/2015
Parada + Rubronegro | performance e bandeiras | 2014/2015
Parada + Rubronegro | performance e bandeiras | 2014/2015
Parágrafo único | vídeo instalação | 2013-2015 https://vimeo.com/151012756
Espaço público Espaço público é uma gráfica popular temporária que integra a exposição Parágrafo Único. Durante o período em que ocorrerá a mostra serão disponibilizados materiais diversos com os quais o público poderá construir, livremente, suas próprias publicações. Tiago Santinho (artista plástico) e Flávio Aquistapace (escritor) foram convidados para criarem proposições com os visitante da exposição, de terça à sexta, das 13h às 19h. Como programação especial, a gráfica popular temporária Espaço público receberá oficinas ministradas por três outros artistas que acontecerão nos dias 16, 23 e 30 de maio. 16/05 - 15h às 16h Raphael Escobar DO PRODUZIR COM… A fim de pensar processos gentrificadores nos quais a arte está implicada, a oficina pretende imaginar formas de como dar voz a contextos que a sociedade exclui. Partindo da construção de marginalidade no Brasil, pelo viés do público/privado, o grupo irá desenvolver processos coletivos baseados na idéia de vínculo, para assim criar pôsteres para intervir no espaço. 23/05 - 15h às 16h Diogo de Moraes PRODUÇÃO GRÁFICA DO COMUM O encontro terá como foco a noção de esfera pública, com destaque para as associações espontâneas e extrainstitucionais empreendidas por segmentos da sociedade civil ancorados em problemáticas sociopolíticas. A partir de referências iconográficas dos movimentos sociais, os participantes da oficina produzirão experimentos gráficos em diálogo com a referida discussão. 30/05 - 15h às 16h Graziela Kunsch QUEM FALA? Nesta oficina vamos partir da ideia de que o conflito é condição para a existência de um espaço público democrático e explorar que sujeitos emergem de diferentes discursos. Qual a posição de quem fala? Como a verdade é produzida e, subsequentemente, encenada? Oficina inspirada em proposições do crítico e curador Simon Sheikh
Espaço público |Oficina “Do produzir com”, com Raphael Escobar
Espaço público |Oficina “Produção Gráfica do comum”, com Diogo de Moraes
Espaço público |Oficina “Quem fala?”, com Graziela Kunsch
Espaço público |Oficina “Quem fala?”, com Graziela Kunsch
Espaço público |Oficina “Quem fala?”, com Graziela Kunsch
propriedade de uso comum
Propriedade de uso comum | Fábio Tremonte | 2015 O corredor, em uma construção, é um espaço de caminhada, de passagem, de ligação entre dois ou mais cômodos que, muitas vezes, é cercado de poucos atrativos, servindo como uma espécie de intervalo entre experiências que acontecem em outros e distintos espaços do imóvel. No Ateliê 397, o corredor é, ao contrário, espaço de convivência. É nesse local que, ao entrarmos em seu terreno, encontramos um espelho que nos oferece um recorte do céu. Descemos a pequena escada e nos deparamos com as portas e janelas abertas que revelam o interior dos escritórios, cozinha e espaços expositivos, podendo vislumbrar tudo isso do lado de fora, do corredor, parado. Contato entre dentro e fora. Em dias de abertura de exposição, o corredor transforma-se em um grande espaço de encontro, no qual as pessoas param para conversar, comer, beber uma cerveja. Esse lugar, também, converte-se em pista de dança quando a festa começa e avança noite a dentro. Também usado espaço de exibição de vídeos, como o projeto Sessão-corredor e de conversas e debates sobre arte e cultura contemporânea. Assim, surgiu o projeto Propriedade de uso comum, frase que , também, estará estampada no muro. Logo abaixo da frase, na altura das mãos, serão colocadas esteiras de palha/, de forma que as pessoas possam retirá-las para usar. A propostas é que esse lugar, comumente de passagem e de exibição de propostas e intervenções artísticas, seja apropriado como um lugar de uso, de vivência. A esteira/tatame pode ser usada para se sentar, para deitar para observar o céu e, até mesmo, para tirar um cochilo. Além das esteiras/tatames e da profanação do espaço tornando-o de uso comum, no sentido em que Agambem utiliza, proponho uma série de encontros, nos quais pessoas são convidadas a tratar de assuntos necessários e urgentes e/ou propor uma ação, vivência ou intervenção.
Sexta-feira | 10 de abril | 17h Tarifa zero Oliver Cauã Cauê Lucio Gregori Passe livre *música incidental valderramas_project + Bruno Mendonça
Quarta-feira | 15 de abril | 19h Falta d’água Camila Pavanelli de Lorenzi Fafi Prado *música incidental valderramas_project + Germano Dushá
Quinta-feira | 23 de abril | 19h Espaços públicos Laura Sobral Amilcar Packer Tanq_ Roza Choq_ *música incidental valderramas_project + Haroldo Sabóia
Propriedade de uso comum | Tarifa zero
Setlist especĂfico Tariza Zero | valderramas_project + Bruno Mendonça
Propriedade de uso comum | Falta d’ågua
Propriedade de uso comum |Espaços públicos Para esse encontro, o Tanq_ Roza Choq_ preparou uma creme de abóbora. Antes da conversa, sentamos e comemos juntos.
Propriedade de uso comum |invenção, apropriação, uso comum | intervenção autônoma e espontânea proposta por Paula Ordonhes
A presente edição do Corredor397 recebe a instalação Propriedade de uso comum, de Fábio Tremonte, na qual um conjunto de esteiras de palha é colocado à disposição do público, para uso livre, durante sua estada no local. Penduradas em ganchos e dispostas ao longo do muro, as esteiras funcionam como um convite a ocupação do corredor. Acima delas, a frase que intitula o trabalho paira sobre o ambiente, com letras pretas em fonte de estêncil. O trabalho é integrado também por uma série de encontros abertos, nos quais convidados realizam falas em torno de pautas reunidas pelo artista, como a tarifa zero, o parque augusta e a crise hídrica em São Paulo. Ao sugerir uma relação de analogia entre a dimensão do uso comum em um espaço privado, ainda que aberto, e no espaço público, com questões que dizem respeito à cidade e seus ocupantes, como um todo, Propriedade de uso comum torna visível e atualiza certas qualidades do local onde se instala, enfatizando sua dimensão política. Tais qualidades dizem respeito a uma manifesta singularidade do corredor do Ateliê397, constatada pelo artista e tomada como ponto de partida para a elaboração deste projeto. Se imaginássemos um estatuto para o corredor genérico e funcional, ele não incluiria as atividades e eventos diversos que acontecem aqui, e que, não raro, convertem este em um lugar para se comer, conversar, beber e dançar, o que caracteriza sua singularidade. Local de passagem vivenciado como local de permanência e de afeição, enfim, como espaço de convivência. Talvez seja possível que um espaço como este, que é via de acesso à todos os outros, no microcosmos onde se inscreve, possa funcionar como modelo para se pensar e entender espaços análogos, espaços de uso comum, em um âmbito distinto, como o do espaço público. Afinal, as constatadas qualidades deste corredor “singular”, decorrem, sobretudo, do modo como ele vem sendo sucessivamente ocupado. Yudi Rafael Março de 2015
DERIVA CULINARIA [Patagonia]
Proyeto hecho en la residencia artĂstica Barda del desierto #1, Contralmirante Cordero, Rio Negro, Patagonia, Argentina, en enero/2015
“Patagonia era una palabra escrita en un mapa vacío (...)” [Christian Ferrer] “(...) Desierto. La palabra ‘desierto’ quedó en la Patagonia indisolublemente ligada a un proyecto de nación que niega la existencia y los derechos de la población preexistente: la producción de desierto en un espacio geográfico previamente habitado, lograda mediante la guerra de aniquilación, hace que los ecos de las descargas de fusilería resuenen cada vez que se la pronuncia. A lo mejor experiencias como la de Barda del Desierto consiguen que otros sentidos también se articulen en torno a ella.” [Limonchino Chino]
Deriva culinaria es un proyecto procesual, al mismo tiempo es producto y operación. Parte de vivencias durante desplazamientos por países latinoamericanos, con el fin de encontrar recetas que tengan connotaciones geográficas, históricas, sociales y afectivas específicas en su forma de hacer, servir y vivir; un plato popular consumido por gran parte de los habitantes de determinado país, que sea preparado en torno de una conmemoración o momento colectivo, un plato que marcó un momento en la historia, una receta que se pasa entre los miembros de la família, entre otras posibilidades y que tenga entre sus ingredientes un alto contenido local. Analizar y reconocer las formas por las cuales se originaron determinadas recetas, la forma en que son servidos y su popularización contemporánea son datos importantes en ese proceso, así como aprender las recetas y prepararlas. La creación de espacios afectivos y temporários es un punto importante en el proceso, pensar el espacio de comer como una forma de estar juntos, de intercambiar, de oír y contar historias, es una forma de tocar y atravesar cuestiones relativas a la alteridad, a la ipseidad, a la identidad y a la política de nuestro tiempo. Fábio Tremonte Verano/2015
El viaje es, en el trabajo de Fabio Tremonte, un componente esencial para hacer surgir el concepto de la obra. Los puntos de llegada constituyen la apertura hacia el encuentro con el dato sensible desde donde crear algo a partir de las vivencias e interacciones sociales que el artista establece en el lugar. Deriva culinaria constituye un conjunto de apuntes de viaje y prácticas alrededor de la comida como instancia de reunión, a través del rescate de platos populares locales y su celebración en los alrededores del desierto. Un modo de pensar la relación entre cultura gastronómica y el territorio donde la misma se despliega. Carmen Di Prinzio Verano/2015
Revuelto Gramajo
“Artemio Gramajo, edecán de campaña de general Roca en su incursión a la Patagonia, le inventó a su jefe el único plato auténticamente argentino: el “Revuelto Gramajo”, bautizado a partir de su apellido. Mientras los demás se veían obligados a masticar su ración de charque, la carne seca con que se nutría a la soldadesca, Roca se relamía, dentro de lo que las circunstancias permitían, ante un plato superior. El Revuelto Gramajo, mezcla de papas fritas, huevo, cebolla, ajo, jámon, arvejas e especias es, hasta el día de hoy, un plato gustosamente aceptado por niños y adolescentes argentinos.” [Christian Ferrer, Cabezas de tormenta, p. 60 - 61]
Choripan
“Un choripán (también llamado “chori”), es un sándwich de chorizo de origen rioplatense. Es típico de Argentina, Uruguay y Chile. Consta de un pan, usualmente blanco y del tipo francés que en su interior contiene un chorizo criollo o parrillero asado y se sirve tradicionalmente con chimichurri. El origen del choripán se remonta a mediados del siglo XIX, cuando en las zonas rurales los gauchos realizaban asados con motivo de alguna celebración, en dichos encuentros, se dio inicio al hábito de comer el chorizo dentro de un pan. Esta práctica con el tiempo llegó a las ciudades y se popularizó en el entorno urbano. Hoy en día el choripán es un plato tradicional de los eventos deportivos (principalmente en los partidos de fútbol) y los asados familiares o como platillo principal en las choripaneadas, también se encuentra en el menú de restaurantes y bares, pero los sitios más populares para su consumo son parrillas montadas sobre carritos ambulantes que se encuentran comúnmente por las calles.” [http://blog.creditoargentino.com.ar/?p=2457]
QUANDO O PERCURSO TORNA-SE DESTINO
“Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no meio da travessia.” [João Guimarães Rosa]
Quando o percurso torna-se destino surgiu da vontade de explorar novas paragens e, também, compartilhar com artistas locais experiências e situações durante percursos, fazendo uso das características físicas e geográficas de cada localidade escolhida, propondo uma interação com as formações e situações específicas da natureza e como essas influem no cotidiano dos moradores locais. O projeto foi composto por quatro ações que aconteceram em quatro diferentes regiões do Brasil: Grão-Mogol (MG), Urubici / Urussanga (SC), Petrolina (PE) / Juazeiro (BA) e Fortaleza(CE), eleitas por apresentar certas especificidades físicas e geográficas fundamentais ao projeto, relacionadas aos quatro elementos da natureza - Terra: territórios cambiáveis (MG), Ar: experiência cinza (SC), Água: margem, história e resistência (PE) e Fogo: sol nascente e sol poente (CE). Para cada viagem, um artista residente no estado foi convidado para me acompanhar e, juntos, interagirmos com os locais selecionados. Respectivamente: Pablo Lobato (MG), Julia Amaral (SC), Traplev (PE e BA) e Yuri Firmeza, Galciani Neves e Cecília Bedê (CE). Encontros e caminhos percorridos foram partes essenciais do projeto, pois os caminhos traçados eram determinados pelas conversas durante os percursos. Assim, as possibilidades eram imensas, explorando os elementos da natureza e as relações que se estabelecem com os habitantes dessas regiões, permitindo que as vivências fossem intensas e significativas.
Grรฃo Mogol | MG Terra: territรณrios cambiรกveis
Urubici e Urussanga | SC Ar: experiĂŞncia cinza
Petrolina | PE e Juazeiro | BA Água: margem, história e resistência
Fortaleza | CE Fogo: sol nascente e sol poente
No meio do Sol quente Em poucos lugares há um Sol tão inclemente como no Ceará. Tanto que falar dessa terra inevitavelmente é também narrar a relação de sua gente com o Sol. E isso, em muito, requer adentrar um vocabulário inventado pela experiência árdua de se viver sob aquele céu tão claro e ofuscante. Um dia bonito, por exemplo, é cinza, chuvoso, cheio de nuvens e é “bonito de chuva”, diria um sertanejo. A mãe que cuida do filho brada: “tira o pé do Sol quente”. Se fulano cansou de esperar, é certeza que ficou plantado no “mêi do Sol”. E morada boa é virada para o nascente, pois “não bate o Sol quente do meio-dia pra tarde”. No Ceará, não se aplaude o Sol, a não ser quando o astro é visto sendo engolido triunfalmente pelo mar. O Sol merece vaia, um açoite de vaias, com a peculiaridade do grito vocálico e grave que só o cearense sabe dar*. Em 1942, na Praça do Ferreira, centro de Fortaleza, um repórter que caminhava pelas calçadas molhadas, situação rara na cidade, assistiu muitos passantes largando seus caminhos e aglomerando-se: “Olhando para o alto e apontando, começaram uma demonstração estrondosa, vaiando o astro vencido e apagado, naquele momento, num grito uníssono de várias bôcas. Mas afinal o velho Rei das alturas venceu, botando todo corpo vermelho para fora das nuvens e dispersando os vaiadores” (Jornal O povo, 12/01/1942). Muitos contam que finalmente chovia há dois ou três dias, depois de uma intensa estiagem. E não podia mesmo ser hora menos oportuna para o Sol dar o ar de sua (des) graça. Arrisco pensar que quem vive no Ceará (ou mesmo quem sai de lá) tem a testa franzida e um olho apertado, tentando fisgar algo que paira por sob as nuvens ralinhas que sobram de pouco em pouco. Também mantém o hábito de andar pela sombra, de procurar um arbusto ou um poste, que seja, para desafogar o cansaço que o Sol dá e pede para deixar tudo para amanhã. Ainda assim, tal como José de Alencar, “um filho ausente”, como o próprio se define no prólogo de Iracema, o cearense, quando migra, sofre de um banzo. E, por vezes, “amofina” (em nosso bom português), pois carrega uma espécie de ambiguidade climática: vive a reclamar do frio enquanto sente falta do Sol áspero que só brilha assim no Ceará. Galciani Neves São Paulo, Inverno de 2014
__________________________________________________________________________________ *Você, leitor, tente entoar uma sequência de “iiiiiiii”, seguida por “eeeeeee” e novamente “iiii”, esta última mais curta. Tal sequência recebe um tom grave à medida que é pronunciada. Tal descrição aproxima-se da vaia do cearense.
O livro de Fábio Tremonte não é o ponto de partida, nem de chegada, tampouco o meio da travessia. O livro de Fábio Tremonte é o ponto de partida, mas também de chegada e o meio da travessia. O texto breve, descritivo, nomeia os artistas com os quais realizou simultaneamente ou não suas viagens e em que mês elas ocorreram. Nada nos é contado sobre o que aconteceu durante tais trajetos ou qual foi exatamente o itinerário adotado. Não sabemos se encontraram outras pessoa pelo caminho e qual foi a relação estabelecida entre elas. Apresenta-nos a escolha das quatro localidades a serem percorridas segundo critérios relacionados às suas características naturais, por elementos da natureza (fogo, terra, ar e água). Segue-se a esse pequeno texto de Tremonte, que mais se assemelha a uma legenda, quatro capítulos formados por fotografias tomadas durante as viagens-encontro que o artista realizou (a exceção é o último capítulo em que foram incluídos dois textos). Em cada uma das quatro séries de imagens vemos os elementos — fogo, terra, ar e água — não em estado bruto, mas em fricção com a cultura, com a história, enfim, com o homem. ***
1 No primeiro dos capítulos, Terra: territórios cambiáveis, vemos imagens de empilhamentos de pedras e o câmbio de pequenas porções de solos. Esses pequenos gestos tem a força de alterar, potencialmente, a leitura do nosso presente/passado no futuro. Suponho que essas pequenas construções foram deixadas à própria sorte podendo, quem sabe, sobreviver através do contato inesperado com algum elemento, como uma resina por exemplo, ou graças à ação de algum fenômeno capaz de encapsular por longo período algumas dessas construções, conservando-as, talvez, por milênios. Devaneio: o que os arqueólogos do futuro poderiam ler nesses empilhamentos e câmbios de solos? A que tipo de prática, sociedade, representação poderiam vinculá-las? Poderiam vincular uma a outra (os empilhamentos ao câmbio de solos)? Creio que sempre haveria a ausência de um dado, de uma evidência inequívoca que pudesse confirmar esta ou aquela hipótese. 2 No capítulo chamado Ar: experiência cinza, as imagens se adensam e tornam complexa a relação entre a ação do artista, o rastro e a história. É como um enxergar por debaixo da venda sobre os olhos. Nele somos confrontados com um passeio feito por entre a neblina que recobre mais ou menos a paisagem conforme o trecho. Não conseguimos distinguir detalhes na maior parte das fotografias, mas podemos perceber a terra revirada, a placa que adverte sobre a interdição de entrada numa área militar, o abismo, uma pedra desmoronada, as estradas íngremes, os penhascos e as três vistas de um terreno plano, coberto por capim, onde se encontra o que sobrou da estrutura de um antigo ou nunca acabado painel publicitário. Por fim, nas três últimas imagens que compõem o capítulo, a experiência cinza já não se dá mais pela atmosfera que paira turvando a visão, mas pelo terreno pedregoso e gris que se planteou sob os nossos pés, que estala ao caminharmos sobre ele fazendo ecoar o som do onde-não-há-mais-vida. Ao redor desse campo devastado, vê-se um trecho de mata que não sabemos ao certo se está a crescer para tomar de volta o terreno inóspito ou se, ao contrário, é o ermo que está a expandir seu domínio rumo à aniquilação da vida que resta. Não importa, de qualquer modo, a última fotografia do capítulo não deixa dúvida: trata-se de uma imagem da resistência, uma árvore jovem (ou arbusto) que apesar das condições adversas, verdeja. A matéria inerte do cadáver é convertida em substrato para que a vida floresça. É plausível que essa sequência de imagens esteja a nos remeter à brutalidade da repressão militar policial dos anos de chumbo no Brasil e que, lamentavelmente continua ainda a assombrar os setores mais desfavorecidos de certas sociedades contemporâneas. Esse é o capítulo destinado ao ar — ao que evapora, ao que turva a vista, mas que não se deixa capturar, que evapora, que é invisível e quando visível tudo arrasa ou cega.
3 O terceiro e penúltimo capítulo é composto por fotografias feitas em Juazeiro e Petrolina, cada uma situada em uma das margens do São Francisco. Nas imagens vemos pequenas embarcações atracadas e alguns tipos de barreiras (muros, engradados empilhados como se fossem uma pequena parede, o topo de um muro que contém e separa o rio da terra). Nunca vemos nenhum barco ou bote à deriva nas imagens de Tremonte, os barcos nunca cumprem sua promessa de lugar sem lugar ou de terceira margem do rio. Há um barco que parece ter sido há muito esquecido por um mundo em que os corsários foram substituídos pelas polícias ou onde os sonhos se esgotaram. Por outro lado, os muros que aparecem também não cumprem integralmente sua função de bloqueio, interdição, separação. Sobre o primeiro muro que aparece, vemos o retrato de uma jovem, que exibe um lindo sorriso e cabelos longos, se sobrepor a uma escrita carcomida, anunciando qualquer coisa como o reparo de fogões. Ao lado da foto, a divulgação de um espetáculo circense. No muro, a foto da moça é um escape, não tem nome, legenda; esse rosto parece não estar a serviço de nada. Será que parte do que contextualizava essa foto se perdeu ou será que desde que foi colada no muro era assim mesmo, um rosto, uma fuga? A foto seguinte apresenta um bloqueio, talvez temporário, mas por quanto tempo? Os painéis metálicos estão lá para proteger a casa abandonada de possíveis invasores ou para proteger os invasores inadvertidos dos riscos iminentes que a casa arruinada pode oferecer? Seja como for, os painéis parecem estar, eles mesmos, rotos; quase não são mais uma advertência, quase não são mais um bloqueio, resta tão somente o bloqueio ao olhar, o mesmo da outra foto na qual vemos a promessa de uma escada desaguar no deck de um rio ou na possibilidade do salto. No entanto, a imagem seguinte nos faz duvidar, talvez o salto nos conduzisse à terra firme, talvez seja preciso andar mais. Talvez, a presença da escada seja mais provável do que a do rio bem ali debaixo, caudaloso, para amortecer a queda. Mais provável ainda do que a escada de fato é a margem do rio, na qual está atracado o barco abandonado, inerte, que o salto do menino faz de novo navegar. 4 No último capítulo Fogo: o sol nascente e o sol poente, fotografias feitas a partir de uma câmera diretamente apontada para o Sol faz todo o entorno converter-se numa zona de sombra, o céu diurno transfigurado num cinza fundo. A intensidade da luz solar produziu uma atmosfera fria ao seu redor e assim, as fotografias do sol cearense contrariaram a expectativa daquele sol inclemente do qual fala o texto de Galciane Neves escrito especialmente para o trabalho; o mesmo sol vaiado anos atrás segundo relata uma antiga matéria de jornal. Sol, que entre um texto e outro, teve tempo suficiente para maltratar a pele de muita gente, cearense ou não; Sol que durante esse tempo não teve tempo de mudar porque seu tempo é outro, imemorial. O Sol, em Onde o percurso torna-se destino, deixou de boiar no inalcançável que é todo azul e paira num tempo histórico em que as distâncias não são mais as mesmas de antes, embora os metros e os quilômetros ainda sejam. Será que vista desse céu gris, a terra também é cinza? O cinza não é mesmo cor em si, ele pertence às cinzas, aos cabelos dos que tem a sorte de envelhecer, do chumbo, do cimento, das cidades destruídas, da bruma, da pedra. *** Reunidas num único tomo, essas imagens poderão ser um dia a chave para aqueles arqueólogos do futuro esboçarem alguma compreensão sobre os pequenos empilhamentos de pedras e o câmbio de solos. Servem, no presente, para lembrar aos que as menosprezam o poder das imagens sua habilidade de guardar sentidos cifrados. A imagem, por mais objetivas e fiéis ao “real” que pareçam, guardam uma obliquidade que lhe é própria e por isso são capazes de fazer sobreviver, ainda que subterraneamente, aquilo que os discursos da história, do poder e, hoje, da imprensa renegam, ocultam e rejeitam em modulações que variam entre atos deliberados e aqueles incorporados de forma inconsciente, automática, embora estes últimos não sejam menos nefastos que os primeiros. Emblematicamente o Tarô, cuja origem é incerta, possui quatro naipes (bastão, espadas, copas e ouros) que correspondem, segundo certas simbologias, aos quatro elementos: fogo, terra, ar e água. Segundo estudiosos, antes de ser usado como oráculo, provavelmente esse baralho foi criado para salvaguardar algum tipo de conhecimento secreto de possíveis perseguições ou mesmo da aniquilação.
Foi a forma encontrada, num determinado presente, para que esse conhecimento pudesse passar a tempos vindouros e se manter. Mas o Tarô é um código cifrado com múltiplas entradas e simbologias oriundas de diversas culturas, egípcia, cristã medieval, cabala, etc. Disso advém tanto a dificuldade em determinar qual seria de fato sua origem e propósito, quanto a força de sua sobrevivência através de séculos, de mão em mão, de boca em boca, cultura em cultura, geração em geração. Analogamente, o livro Quando o percurso torna-se destino de Fábio Tremonte coloca-se nesse ponto cego, onde se cruzam múltiplas veredas que se bifurcam, cria um labirinto de símbolos: círculos de diferentes cores de solos, circunscritos por solos de tonalidades que lhe são contrastantes, as pequenas torres de pedras, o solo devastado (ceifado?), barco, sol, escada, abismo, muro, água, terra, neblina. Imagens que aparecem aqui e acolá que nos impedem de rastrear sua origem e intenção. Imprecisão necessária ao pensamento, à possibilidade de invenção, de leitura, de construção, ao que se alça para o que nele não está explicitamente, mas como sombra, rastro, pistas espalhadas por um lugar onde ainda é possível a deriva, os piratas e os labirintos.
Lais Myrrha São Paulo, Primavera de 2014
Desenho de observação [Buenos Aires] | desenho | 14,8 x 21 cm [cada] | 2015
Desenho de observação [São Paulo] | desenho | 14,8 x 21 cm [cada] | 2014
A gente sabia que quando vinham os de bota preta era pior| intervenção com cartazes | dimensões variáveis | 2014
Bakunin|camiseta | tamanho M | 2014
Cabo de guerra | performance | duração variável | 2014 Fábio Tremonte, Luciana Celestino e Grupo EmpreZa | Trabalho realizado durante a residência Eu como você no Museu de Arte do Rio, em julho de 2014. Artista-residente convidado pelo Grupo EmpreZa.
Rampamar | madeira | 440 x 440 x 700 cm | 2014
Errar #2 | intervenção | 2014
Vandalismo | intervenção | 2014
Manifesto | aquarela s/ papel | 63 x 148,5 cm | 2013
DelĂrio tropical [apartamento] | cartaz | A2 | 2013
DelĂrio tropical [dispositivo de segurança #1] | vidro s/ mesa | 130 x 62 cm | 2013
DelĂrio tropical [Ă venda] | aquarela s/ papel | 21 x 29,7 cm | 2013
Que no te engaĂąes | aquarela | 21 x 29,7 cm | 2013
Puxadinho [CMYK] | aquarela | 15,8 x 17,7 (cada) | 2013
Errar | intervenção | 2012
Museu anticapitalista (algumas peças da coleção) | acervo de museu | 2012
Redflag [caminhando] | vĂdeo | loop | 2011
m² | intervenção | 100 x 100 cm | 2011
Redflag [território] | intervenção | 2011
Faixas [sĂŠrie com doze fotos] | fotografia | 53 x 80 cm (cada) | 2011
Rampa | madeira | dimensĂľes variĂĄveis | 2011
Ilhas | Galeria Silvia Cintra + Box4 | parede pintada e samambaias | dimensĂľes variĂĄveis | 2011
Faixa | desenho | 20 x 27,5 cm | 2010
Caminhando: educação pela pedra | pedras e caminhada | dimensões variáveis | 2010
Caminhando: educação pela pedra| desenho | 15 x 30 cm | 2010
Maresia | copo, sal e evaporação de água| duração variável | 2010
Vento | desenho e recorte no papel | 20 x 27,5 cm | 2010
Ilhas | Museu de Arte de Ribeirão Preto | parede pintada e plantas | dimensões variáveis | 2010
Passeio | performance | duração variável | 2009
Campo | Pintura, objeto, vĂdeo | 2009
Lusco-fusco | colagem | 2009
Nada mais | AteliĂŞ 397 | desenhos, pinturas, colagens, gravura, livros e objetos | dimensĂľes variĂĄveis | 2009
Fantasma | fotografia | 2008
Ação zen [nightshot dancing with myself] | vídeo | 6’10” | 2007
Ação zen [skateboard] | vídeo | 6’06” | 2007
Camuflagem| Galeria Vermelho | intervenção | dimensões variáveis | 2007
Só | vídeo | 6’45” | 2007
Fรกbio Tremonte fabio.tremonte@gmail.com www.anarcotropicalismo.com