Revista da Faculdade de Comunicação e Marketing da FAAP - no 27 - 2o semestre de 2013
Arte e acaso: a magia da imagem Neiva Pitta Kadota
Pós-modernidade: uma questão de forma e de conteúdo Gabriela Corbisier
...E o Cinema foi para a universidade... Uma proposta de história Luciana Rodrigues
Editorial Revista da Faculdade de Comunicação e Marketing da FAAP Nº 27 - 2º semestre de 2013 ISSN: 1676-8221
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A revista FACOM impressa em São Paulo, é uma publicação semestral da Faculdade de Comunicação e Marketing. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade dos autores. Aceita-se permuta. FAAP - Faculdade de Comunicação e Marketing Rua Alagoas, 903 - 01242-902 - São Paulo - SP Tel: 11 3662-7332 Fax: 11 3662-7334 Site: http://www.faap.br E-mail: facom@faap.br
A Revista Facom tem periodicidade semestral e traz pesquisas e ensaios dos nossos professores. Nesta edição, pela primeira vez e de modo excepcional publicamos o ensaio Cinema, a última imagem antes da última?..., produzido pelo aluno de cinema Cedric Alexander. Outra novidade desta edição é a presença de duas jovens professoras participantes do projeto institucional de incentivo a estudantes recém-formados que demonstram interesse em continuar pesquisando. Gabriela Tessitore publica o ensaio Pós-Modernidade: uma questão de forma e conteúdo; e Nathalie Hornhardt, A busca pelo prazer e pela ausência de dor em Santo Forte. Ambas dedicadas a finalizar o Mestrado, formataram seus ensaios especialmente para esta edição. O segundo semestre na Faculdade de Comunicação e Marketing foi muito proveitoso, pois nossas parcerias – Mostra Internacional de Cinema, Fest’Up, Cinema Italiano Contemporâneo, entre outras – evidenciaram nossa presença na cena cultural da cidade bem como a importância de estar presente no circuito da comunicação e da educação. Os ensaios publicados pelos professores também apontam novos caminhos em suas reflexões. Isso é extremamente importante. Neiva Pitta Kadotta traz o ensaio Arte e acaso: a magia da imagem, uma ótima abordagem sobre fotografia; Luciana Rodrigues, generosamente, publica parte de sua importante pesquisa sobre o ensino do cinema e sua presença na Academia denominada …E o cinema foi para a Universidade… Uma proposta de história. O professor Sílvio Koiti Sato traz boas indagações no seu texto Comunicação de marca em tempos de mobilidade; e a professora Vivian Blaso Cesar amplia muito a discussão em seu artigo denominado A importância da comunicação para sustentabilidade em empreendimentos sustentáveis. Finalmente, temos o artigo Quatro nuances de Cinquenta tons de cinza, assinado pelas professoras Maria Lúcia Homem, Monica Rugai Bastos, Sandra Nunes e Tatiana Amendola Sanches, fruto de um debate sobre o best seller mundial de mesmo nome por ocasião da 37° Semana da Comunicação. Cinema, Fotografia e Literatura, Mobilidade e Sustentabilidade, são os temas escolhidos pelos nossos professores para desenvolver suas ideias e tornar público suas reflexões. Acreditamos que a Revista Facom seja o veículo nobre para valorizar os professores e estimular os modos diversos de agir e pensar. Para nós da Facom é uma oportunidade de mostrar nossa produção e um momento imprescindível para a formação mais plural e consciente dos nossos alunos. Rubens Fernandes Junior
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índice
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Arte e acaso: a magia da imagem Neiva Pitta Kadota
Pós-modernidade: uma questão de forma e de conteúdo Gabriela Corbisier
...E o Cinema foi para a universidade... Uma proposta de história Luciana Rodrigues
A busca pelo prazer e pela ausência de dor em Santo Forte
18 30 40
Nathalie Hornhardt
Cinema, a última imagem antes da última?... Cedric Alexander
Quatro nuances de Cinquenta tons de cinza
Maria Lucia Homem, Monica Rugai Bastos, Sandra Nunes , Tatiana Amendola Sanches
Comunicação de marca em tempos de mobilidade
48 54 68
Silvio Koiti Sato
A importância da comunicação para sustentabilidade em empreendimentos sustentáveis Vivian Blaso Cesar
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Pós-modernidade: uma questão de forma e de conteúdo Gabriela Corbisier
Resumo
Abstract
Fredric Jameson é um dos mais importantes críticos – literário e cultural – contemporâneos, expoente da tradição dialética. Em seu célebre ensaio “Pósmodernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio”, de 1984, Jameson atualiza as considerações sobre os impasses enfrentados pela cultura frente ao novo momento histórico dos primórdios do neoliberalismo. No entanto, para além do conteúdo de denúncia do texto, sua prosa é, em si mesma, digna de nota. Este artigo parte das assertivas de Terry Eagleton acerca do pensamento e escrita do nosso autor a fim de discutir questões relativas ao método bem como situá-lo na fortuna crítica de tradição hegeliano-marxista.
Fredric Jameson is one of the most important literary and cultural contemporary critics of dialectical tradition. In his famous essay “Postmodernism, or the Cultural Logic of Late Capitalism”, 1984, Jameson updates considerations about the dilemmas faced by culture due to the new historical moment of early neoliberalism. However, besides the content of denouncing of the text, his prose is in itself worthy quoting. This article starts with the statements of Terry Eagleton about the thinking and writing of our author to discuss issues relating to the method as well as to place it in the literary criticism of Hegelian-Marxist tradition.
Palavras-chave
Keywords
Modernidade, modernismo, pós-modernidade, pósmodernismo, critica dialética.
Modernity, modernism, modernity, dialectic critic.
post-modernism,
post-
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Em ensaio
intitulado “Jameson and Form”, Terry Eagleton tece suas considerações acerca do crítico literário e cultural americano Fredric Jameson. O autor é equiparado por Eagleton aos grandes nomes que compõem a fortuna crítica literária anglofônica, como Edmund Wilson, Kenneth Burke, Northrop Frye, William Empson e Paul de Man. Sua primeira obra de impacto aparece no cenário teórico em 1971, com a publicação de Marxismo e Forma, “que tem como escopo a legitimação do marxismo como teoria crítica”. (1) Nessa obra, Jameson passa em revista expoentes da tradição críticodialética: Adorno, Benjamin, Marcuse, Lukács, e o filósofo existencialista francês – objeto de sua dissertação de mestrado, em 1961 – Sartre. Dentre suas qualidades, Eagleton destaca sua versatilidade, sua erudição enciclopédica, seu brilhantismo imaginativo e energia intelectual, em um momento em que a crítica literária perde parte de seu prestígio e força frente à pressão material dos primórdios daquilo que se configuraria como a pósmodernidade; “ele é certamente um dos mais superb estilistas críticos em uma era sem estilo”. (2) Jameson se define, de acordo com Iná Camargo Costa e Maria Elisa Cevasco em prefácio à Pós-modernismo
Frederic Jameson
ou a lógica cultural do capitalismo tardio, “como um homem dos anos 50, formado em meio à estagnação política da era Eisenhower, momento em que a esquerda americana está reduzida ao maior silêncio”. (3) Pode-se dizer, ainda, que datam dessa mesma década as origens da lógica cultural do capitalismo tardio, cujos sintomas haviam sido postos em evidência por Adorno e Horkheimer já em 1947, no célebre ensaio “Indústria Cultural: o iluminismo como mistificação das massas”. É, portanto, sobre alguém que atinge sua maturidade intelectual quando o espírito do pósmodernismo já está em gestação, que Eagleton discorre em seu artigo. Suas considerações sobre a forma de pensamento – e, consequentemente, estilo de escrita – de Jameson são de extrema relevância para a compreensão tanto do autor como do fenômeno em si mesmo (o pós-modernismo). Se, como afirma Eagleton, o estilo de Jameson é único e original, e, ao mesmo tempo, uma espécie
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de reificação, como então explicar sua inserção naquilo que se convencionou chamar de crítica cultural marxista de tradição hegeliana? (4) É nesse sentido, então, que sua argumentação recorre aos paradigmas do modernismo e suas formas de enfrentamento do mundo, na tentativa de encontrar as correspondências entre ambos bem como os princípios da prosa jamesoniana. O culto do estilo individual, ao mesmo tempo desprovido de subjetivação (como atesta um Picasso), é, pode-se dizer, marca de uma parcela da produção artística dita moderna. Ao se posicionar contra a criação pautada na noção de expressão subjetiva do autor, em que a máxima se dá na noção de gênio, muitas das vanguardas heróicas do século XX tencionavam a superação da reificação pela própria reificação, ou, nos termos de Adorno, por meio da “mímese do petrificado”. Promoviam, por meio da estética de suas obras, o desnudamento das ideias dominantes em sua não adequação com a experiência particular, concreta, real – em suma: a força da crítica emergia do confronto entre a ordem liberal e o universalismo humanista burguês, e sua resultante: “o sujeito mutilado”. O modernismo ergue-se sobre a base de uma estética autônoma que atinge seu ápice no século XIX, com o esteticismo ,em um momento em que o estímulo sensível torna-se, por assim dizer, livre. O surgimento do domínio social designado por arte, o “momento libertador” de sua total separação em relação ao sagrado – a função de culto, para Walter Benjamin – atesta, nas palavras de Peter Bürger em Teoria da Vanguarda, “o surgimento de uma esfera da percepção da realidade subtraída à coerção da racionalidade-voltada-para-osfins, sendo, ao mesmo tempo, o processo de ideologização dessa esfera (idéia de gênio, etc.)”. (5) Nas palavras de Adorno, ainda, “essa separação da objetividade, própria da pintura moderna (...), esteve determinada por uma posição defensiva contra a mercadoria artística mecanizada, sobretudo contra a fotografia”. (6) No que diz respeito à gênese do processo, a categoria de autonomia da arte deve ser vista em sua estreita conexão com a o desdobramento da classe burguesa, que se completa apenas no século XVIII. Economicamente desenvolvida e fortalecida graças ao poder político alcançado, a tentativa empreendida passa a ser a conquista de uma autoridade “moral” de classe dominante, que se dá, por sua vez, pela via estética. Pois se o
sentimento passa a ser a nova forma de coesão da sociedade moderna, então não é mero acaso Flaubert escrever, ainda no século XIX, a obra intitulada Educação Sentimental. No entanto, o nó górdio da questão se dá no fato de que somente uma arte descolada da realidade no que concerne ao seu efeito prático, direto, foi capaz de alcançar o estágio da autocrítica e promover, por sua vez, a crítica da sociedade que lhe servia de base. A tentativa das vanguardas foi a de reintroduzir a possibilidade de um efeito real, de organizar uma nova praxis vital por meio da via artística, e estabelecer, assim, uma solução para a dicotomia entre a experiência e o pensamento – sujeito e objeto, o indivíduo e a sociedade, realidade e ideia.
Sob essa perspectiva de superação da dualidade da vida e do espírito opera, segundo análise de Eagleton, a escrita de Jameson. (7) Herdeiro tardio do “culto fetichista do estilo individual modernista”, sua forma de pensamento é, por tal motivo, uma forma de reificação. No entanto, o esforço dialético de Jameson de unir as esferas cindidas da sensorialidade imediata e da reflexão conceitual acabou por criar um modo único e original de dissertar. Eagleton o caracteriza ainda em termos de sua afinidade com a forma literária proustiana, capaz de dotar de um corpo sensual rígidas idéias, bem como de traduzir conceitos em visualidades. (8) Os comentários do próprio Jameson acerca do método dialético, presentes em Marxismo e Forma, são, aqui, esclarecedores: (...) Pensar dialeticamente significa nada mais do que escrever frases dialéticas; (...) é a forma das próprias frases (...) que determina a escolha da matéria-prima. (...) E na medida em que o pensamento dialético caracteristicamente envolve uma conjunção de fenômenos opostos ou pelo menos conceitualmente díspares, podese propriamente dizer da frase
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dialética aquilo que os surrealistas disseram da imagem, a saber, que sua força cresce proporcionalmente à medida que as realidades ligadas são distantes e distintas umas das outras. (9) Cabe ressaltar que, para Eagleton, Jameson parece não estar interessado em uma análise lógica rigorosa, e um dos seus pontos fracos consiste em não saber, muitas vezes, o momento de parar. Sua “ânsia fáustica” de dar conta da totalidade faz com que ele traga “quase todo tipo de material” para dentro do corpo do texto. Sendo assim, é possível classificar sua prosa como “européia” e moderna, no tocante ao culto individual e à construção formal segundo a imagética proustiana, e pós-moderna em relação à pluralidade dos tópicos abordados e justapostos, que Eagleton considera ser de origem “americana”. (10) Afinal de contas, “existe uma ligação profunda entre as questões da epistemologia e as da História política”. (11) Vale explicitar, aliás, a dívida da forma jamesoniana para com o programa filosófico de Adorno. Para este, a tarefa da filosofia não seria demonstrar a existência de sentido do mundo, por meio da busca da totalidade na pressuposição da harmonia social, embora Adorno ainda considere o problema da Verdade como necessário e incondicional para o pensamento. Na apreensão do real, Adorno lança mão da dialética hegeliana, e, desse modo, não garante nem a primazia do sujeito nem a do objeto: por meio da crítica imanente (12) , o conceito de mediação estabelece a relação entre dois termos. O conceito de mediação, por sua vez, opera por mímesis (a relação identificatória com o não idêntico) e faz apelo, igualmente, à negação determinada, para assim forçar a dimensão do conceito que foi recalcada ideologicamente. (13) Com efeito, muito haveria a se dizer acerca dessas questões, mas a título introdutório é preciso insistir em um ponto: a filosofia adorniana não visa alargar a consciência, e sim, colocá-la em outra
língua, a dialética (como modelo de intelecção do objeto), em que as contradições não são superadas em direção ao positivo; elas são, de certa maneira, mas não como realização. Posto isso, a contradição revela o índice da verdade, em que as potencialidades dos conceitos ainda não foram realizadas: Tanto no mosaico como a contemplação justapõem elementos isolados e heterogêneos, e nada manifesta com mais força o impacto transcendente, quer da imagem sagrada, quer da verdade. O valor desses fragmentos do pensamento é tanto maior quanto menor sua relação imediata com a concepção básica que lhes corresponde, o brilho da representação depende desse valor da mesma forma que o brilho do mosaico depende da qualidade do esmalte. A relação entre o trabalho microscópico e a grandeza do todo plástico e intelectual demonstra que o conteúdo de verdade só pode ser captado pela mais exata das imersões nos pormenores do conteúdo. (...) Para que a verdade seja representada em sua unidade e em sua singularidade, a coerência dedutiva da ciência, exaustiva e sem lacunas, não é de nenhum modo necessária. E no entanto essa exaustividade sem lacunas é a única forma pela qual a lógica do sistema se relaciona com o conceito de verdade. (14) A ideia (15) seria o modo de apresentação da verdade, em toda sua multiplicidade e descontinuidade: “a representação de uma ideia não pode de maneira alguma ser vista como bemsucedida, enquanto o ciclo dos extremos nela não for virtualmente percorrido (...) E a estrutura dessa ideia é (..) monadológica. A ideia é mônada – isto significa, em suma, que cada idéia contém a imagem do mundo”. (16) Serve, nesse sentido, para iluminar aquilo que não se submete aos fenômenos, faz a mediação entre os opostos e ao fazê-lo, desvenda uma dimensão que não se realizou e que fragiliza, põe em xeque, o realizado. Em outros termos: a ideia é a formalização da contradição, que procura apreender a distância entre o modelo (uma construção imaginativa, em que apenas a estrutura é cognoscível) e o objeto modelizado, para assim reconciliar-se com a História enquanto processo. Na razão instrumental típica da sociedade administrada atesta-se a dominação predatória do não-conteitual (enquanto sensibilidade imediata); faz-se necessário, dessa forma, lembrar à razão
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a sua potencialidade não realizada com base na crítica (descrição) do sofrimento social atual. (17) O programa de Adorno é incompleto, fragmentado e contraditório para a consciência soberana, pautada pela intencionalidade. O materialismo de Adorno (diferente do materialismo histórico de Marx) procura interpretar o que não é posto intencionalmente pela estrutura da consciência do filósofo. Intenta, pois, liberar o sensível das raias do conceito, e alcançar a verdade, que só pode ser encontrada justamente por ser não intencional. É válido apontar, aqui, para a influência exercida por Walter Benjamin em Adorno, a partir da transposição
de um trecho de Origem do Drama Barroco: “o objeto do saber, enquanto determinado pela intencionalidade do conceito, não é verdade. A verdade é uma essência não-intencional, formada por ideias. O procedimento próprio à verdade não é portanto uma intenção voltada para o saber, mas uma absorção total nela, e uma dissolução. A verdade é a morte da intenção”. (18) Na categoria de sujeito, tida como modelo de organização da experiência da modernidade, está implícita uma
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determinação de unidade, em que a relação com o não-idêntico torna-se fonte de sofrimento: “uma coisa seria ao mesmo tempo ela mesma e outra coisa diferente dela, idêntica e não idêntica” (19) . No processo de construção do “eu” moderno a fixidez da identidade requerida fez com que a diferença fosse recalcada e denegada; no entanto, para Adorno, não há essa primazia do sujeito e existe certa opacidade do objeto da experiência que é interno a esse sujeito: “o obscuro não é o puro ser em si, segundo se diz em passagens como a já citada Estética
homem e na natureza exterior à ele”. (22) O sujeito que não mais queria ser nem sangue, nem corpo ficou impedido de ter uma real experiência de alteridade e de não-identidade. (23) Isso nos coloca diante de uma questão de método. Ora, para Adorno, a “filosofia oficial serve à ciência”, que “tem por função estocar fatos e conexões funcionais nas maiores quantidades possíveis” a fim de “possibilitar às diversas indústrias descobrir prontamente a mercadoria intelectual desejada na especificação desejada”. A filosofia crítica não poderia, por assim dizer, mimetizar a linguagem do senso comum colonizada por categoriasesquemas: Se a opinião pública atingiu um estado em que o pensamento inevitavelmente se converte em mercadoria e a linguagem em seu encarecimento, então a tentativa de pôr a nu semelhante depravação tem de recusar às convenções linguísticas e conceituais em vigor, antes que suas consequências para a história universal frustrem completamente essa tentativa. (...) Ao tomar consciência da própria culpa, o pensamento se vê por isso privado não só do uso da linguagem conceitual científica e quotidiana, mas igualmente da linguagem da oposição. (...) A falsa clareza é apenas a outra expressão do mito. (24)
hegeliana. Trata-se, antes, de aplicar à arte a teoria da fenomenologia do espírito, para a qual todo imediatismo é já em si mesmo um produto da autoridade”. (20) No limite, o preço a ser pago pela constituição do eu moderno foi o extermínio do que não se submeteu a sua lógica – “a plenitude perfeita da liberdade espiritual coincide com a castração do espírito”. (21) Em outras palavras: “o obscuro que com o progresso do espírito recebe sempre novos ataques, renovou-se até aqui num aspecto diferente, graças à pressão que o espírito autoritário exerce na natureza interior do
Nos termos do filósofo, ainda, – e aqui ele segue Hegel – a arte tem o poder não apenas de ser agradável, de gerar o prazer em si mesmo, mas possibilita igualmente o “desdobramento da verdade”; no entanto, “o tratamento da arte se refere à arte e não aos conceitos de estilo, por mais contatos que tenham com ele”. E, cabe destacar que, para Adorno, “as reflexões sobre o desdobramento da verdade na objetividade estética limitam-se unicamente à vanguarda, que está excluída da cultura oficial”, e por certo da indústria cultural. (25) No que tange à forma da escrita de Jameson, novamente, vale notar que “movimento onívoro” de sua prosa admite posições muitas vezes divergentes, o que abre espaço para uma má compreensão de seu pensamento:
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(...) Discutir os formalismos, os pósestruturalismos e pós-modernismos não o torna um deles, mas a incorporação dessas posições como parte da discussão acaba tendo um efeito talvez indesejado que é o de permitir que reverberem e interfiram na exposição. (...) Afinal, perguntam os mais afoitos, Jameson é a favor ou contra essas manifestações? A resposta é, é claro, nem uma coisa nem outra (...). (26) A fim de historicizar seu método, Eagleton aponta para os dilemas com os quais ele se detém. Sua escrita é alegórica do zeitgeist pós-moderno em dois aspectos: primeiro, na tentativa de dar uma significação a um conteúdo de uma pósmodernidade tida como amorfa; depois, ao traduzir incessantemente conceitos em imagens, o estilo de Jameson tem como mérito mimetizar a abundância de material em sua quase exaustiva profusão, típica da sociedade do espetáculo. A justificativa para tal procedimento pode ser encontrada nas palavras do próprio Jameson: (...) A alegoria é precisamente o modo predominante de expressão de um mundo no qual as coisas, não importa por que motivo, divorciaram-se completamente dos significados, do espírito, da genuína existência humana. (27) Eagleton endossa a tese de que nosso autor é um pós-moderno na medida em que considera seu estilo como uma renúncia à “tirania da subjetividade”. Ainda que essa característica possa ser encontrada nos primórdios da modernidade, na poesia de Baudelaire (28) , por exemplo, e tenha sido aprofundada por algumas correntes modernas, como na técnica da escrita automática praticada pelos surrealistas, é na pós-modernidade que ela atinge seu ponto culminante, e, pode-se dizer, emerge como categoria fundamental dessa era. A problemática gira em torno, então, da busca de ir além – ou superar – o “culto moderno do estilo fetichista” sem cair no vazio “branco e anônimo pósmoderno”: To put in other terms, (though not ones used by Jameson himself): the vivid sensory of fragment or highly wrought style of modernism are resistances to reification – to a world of impersonal, determining forces – but they are also reifications in their own right. (29)
No horizonte de Jameson está, por assim dizer, a idéia de que um subjetivismo impressionista é apenas a outra face de uma espécie de positivismo – o mito dos fatos –, em que a realidade aparece como fixa e inerte – e nesse sentido, sem o movimento típico da dialética. Para Eagleton, o estilo de Jameson oferece uma verdadeira solução para o “dilema do pensamento”, na medida em que é, ao mesmo tempo, “affective and impersonal”, e tenta, pela síntese, superar tal dicotomia. Segue-se que a aporia gerada pela impossibilidade de chegar a uma síntese final entre o mundo sensível da experiência concreta e ordinária e as Ideias (ou Conceitos) obrigou o pensamento dialético a estabelecer meios pelos quais fosse possível alcançar o pensamento genuíno fora da trama simbólica da ideologia dominante: “a força histórica, a ‘fúria do eclipse’, impede esteticamente o compromisso ou a conciliação, que está aqui tão irremediavelmente condenado quanto no terreno político”. (30) De todo modo, assinala Eagleton, um “fetichismo do estilo deve ser claramente evitado” no que concerne à prosa de Jameson. Porém, é possível detectar algo do tipo como “uma má espécie de anonimato” em sua escrita, quando o sensorial que ele busca elevar ao nível do pensamento acaba por se perder no movimento incessante de suas sentenças. Nessa chave, cabe transcrever um trecho de “Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio”, em que Jameson analisa o quadro de Edvard Munch, O grito, e onde essa modalidade apontada por Eagleton parece estar em funcionamento: Returning now for one last moment to Munch’s painting, it seems evident that The Scream subtly but elaborately its own aesthethic of expression, all the while remaining imprisioned within it. Its gestual content already underscores its own failure, since the realm of the sonorous, the cry, the raw vibrations of the human throat, are incompatible
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with its medium (something underscored within the work by homunculus lack of ears). Yet the absent scream returns more closely towards that even more absent experience of atrocius solitude and anxiety, which the scream was itself to “express”. Such loops inscribe themselves on the painted surface in the form of those great concentric circles in which sonorous vibration becomes ultimately visible, as on the surface of a sheet of water – in an infinite regress which fans out from the sufferer to become the very geography of an universe in which pain itself now speaks and vibrates through the material sunset and the landscape. The visible world now becomes the wall of the monad on which this “scream running through nature” (Munch’s words) is recorded and transcribed: one thinks of that character of Lautréamont who, growing up inside a sealed and silent membrane, on sight of the monstrousness of the deity, ruptures it with its own scream and thereby rejoins the world of sound and suffering. (31) Em sua defesa, podese dizer que, trata-se de uma necessidade do objeto; a urgência do material pós-moderno – fluido, plural, aleatório, heterogêneo –, bem como a “indiferença em relação ao afeto” oferecem algumas pistas para a compreensão da solução formal encontrada pelo nosso autor. Com o propósito de inserir Jameson no campo do marxismo ocidental, Perry Anderson, em As origens da pósmodernidade, aponta para o que “de melhor” ele absorveu dos principais expoentes dessa tradição, em uma espécie de jogo pós-moderno: De Lukács tirou Jameson seu compromisso com a periodização e o fascínio pela narrativa; de Bloch, um respeito pelas esperanças e sonhos escondidos num empanado
mundo objetivo; de Sartre, uma excepcional fluência com as texturas da experiência imediata; de Lefebvre, a curiosidade pelo espaço urbano; de Marcuse, a investigação da pista do consumo high-tech; de Althusser, uma c o n c e p ç ã o positiva da ideologia como um imaginário social necessário; de Adorno, a ambição de representar a totalidade do seu objeto como sendo apenas uma “composição metafórica”. (32) Entretanto, segue Anderson, “tais elementos não jazem inertes numa combinação forçada”; são absorvidos “sem esforço”, em um “estilo de instigante esplendor”. Em consonância com Eagleton, ele constata que os ritmos de sua sintaxe, “complexa e flexível (...) permitem a absorção de variadas fontes na própria teoria” (o caráter americano e plural da prosa jamesoniana, quando mimetiza a intensa profusão de material da sociedade do capitalismo tardio), enquanto “as súbitas eclosões de intensidade metafórica, saltos e floreados estimulantes com um intenso brilho todo seu, são como emblemas dos vastos movimentos diagonais, mais próximos de uma inteligência poética que analítica (...)”. (33) (a imagética proustiana assinalada igualmente por Eagleton). Sob esse paradigma, a obra de Jameson difere da tradição que lhe dá respaldo. Muito da análise da Escola de Frankfurt, uma das principais representantes do marxismo ocidental do século XX, “foi atraída para a estética como consolação involuntária pelos impasses políticos e econômicos”. Sendo assim, afastou-se de uma análise da cultura moderna integrada numa teoria maior sobre o desenvolvimento econômico, e permaneceu “num ângulo destacado e especializado em relação ao movimento mais amplo da sociedade: acusável mesmo de certo idealismo do ponto de vista de um marxismo clássico”. (34)Segundo Anderson, ainda, a abordagem da “lógica cultural do capitalismo
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tardio” oferece uma visão mais abrangente, que dá conta de retratar as transformações da forma social pós-moderna na sua totalidade, ao atestar não semente o caráter industrial que a permeia, mas igualmente sua função estruturante de valoração do capital e desrealização do real, em um momento histórico “em que a realidade se apresenta para nós na sociedade do espetáculo”. (35) Bibliografia / Notas: 1 CEVASCO, Maria Elisa, COSTA, Iná Camargo. Prefácio à Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007, p. 8. 2 (tradução nossa) “(…) For he is surely one of the the most superb critical stylists in a largely styless age.” EAGLETON, Terry. “Jameson and Form”. In: New Left Review 59, setembro - outubro/2009, p. 123. 3 CEVASCO, Maria Elisa, COSTA, Iná Camargo. Prefácio à Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007, p. 8. 4 Cabe destacar que a crítica cultural marxista, de tradição hegeliana, destaca-se pelo que ficou conhecido como crítica dialética. A análise dialética de um objeto ideológico procura unir duas realidades que são, a priori, independentes: o espírito e a matéria. Por meio da justaposição de obra e contexto, é possível demonstrar o conteúdo sócio-histórico em funcionamento na própria forma. O momento de verdade, genuinamente contido no objeto, é então liberado de seu conteúdo de não-verdade, contrapondo-se sua aspiração à universalidade com a realidade objetiva. Nas palavras do teórico Peter Bürger, “uma hermenêutica que não só se impõe o objetivo de mera legitimação de tradições, mas o exame racional de sua pretensão de validade, converte-se em crítica da ideologia”. BÜRGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 23. 5 Idem, Ibidem, p. 92. 6 ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 15. 7 “We shall see later how this stylistic achievement, in which the sensible and intelligible constantly play into one another, is also Jameson’s view a solution to what he takes to be the central dilemma of modernism.” “Nós veremos depois como a
concepção desse estilo, em que sensível e inteligível constantemente brincam um com o outro, é também, na visão de Jameson, uma solução para o que ele pensa ser o dilema central do modernismo.” (tradução nossa) EAGLETON, Terry. “Jameson and Form”. In: New Left Review 59, setembro outubro/2009, p. 125. 8 Um exemplo claro desse modus operandis do nosso autor pode ser encontrado em trecho citado por Perry Anderson, (As origens da Pósmodernidade), em que Jameson discorre sobre o retorno da estética da beleza na pós-modernidade (esvaziada), em comparação à utilização da Beleza do alto modernismo; “essas situações e momentos históricos nos quais a conquista da beleza é um violento ato político: a intensidade alucinatória da cor borrada no encardido torpor da rotina, o gosto doce-amargo do erótico num mundo de corpos brutalizados e exaustos”. Jameson apud Anderson. ANDERSON, Perry. As Origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 128. 9 JAMESON, Fredric. Marxismo e Forma. São Paulo: Hucitec, 1985, p. 46, 47. 10 EAGLETON, Terry. “Jameson and Form”. In: New Left Review 59, setembro outubro/2009, p.126. 11 EAGLETON, Terry. As Ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 22. 12 De acordo com Walter Benjamin, “essa investigação não fornece ‘critérios’ para o autor de resenhas. Nem a crítica nem os critérios de uma terminologia – o teste de uma teoria filosófica das ideias, na arte – podem constituir-se segundo critério externo da comparação, mas de forma imanente, pelo desenvolvimento da linguagem formal da própria obra, que exterioriza seu conteúdo, ao preço de sua eficácia. BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 66.
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13 Na negação determinada, a relação que se estabelece é a seguinte: um dos termos (seja ele conceitual ou nãoconceitual) tem um limite interno à ele mesmo; quando entra em relação com um outro termo, algo desse termo oposto passa para o termo inicial. Dessa forma, pode-se dizer que há um movimento que se estabelece entre ambos, na medida em que pela aproximação dos extremos, é forçada a dimensão do conceito que foi recalcada ideologicamente. “A negação determinada rejeita as representações imperfeitas do absoluto, os ídolos, mas não como rigorismo, opondo-lhes a Idéia que elas não podem satisfazer. A dialética revela, ao contrário, toda imagem como uma forma de escrita. Ela ensina a ler em seus traços a confissão de sua falsidade, confissão essa que a priva de seu poder e o transfere para a verdade. Desse modo, a linguagem torna-se mais que um simples sistema de signos. Com o conceito de negação determinada, Hegel destacou um elemento que distingue o esclarecimento da desagregação positivista à qual ele o atribuiu. È verdade, que ele acabou por fazer um absoluto do resultado sabido do processo total da negação: a totalidade no sistema e na história, e que, ao fazer isso, infringiu a proibição e sucumbiu ele próprio à mitologia.” ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 36-37. 14 BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 51, 55.
17 “Crer que a verdade da teoria é a mesma coisa que sua fecundidade é um erro. Muitas pessoas parecem, no entanto, admitir o contrário disso. Eles acham que a teoria tem tão pouca necessidade de encontrar aplicação no pensamento, que ela deveria antes dispensá-lo pura e simplesmente. Elas interpretam toda declaração equivocadamente no sentido de uma definitiva profissão de fé, imperativo ou tabu. Elas querem submeter-se à Idéia como se fora um Deus, ou atacá-la como se fora um ídolo. O que lhes falta, em face dela, é a liberdade. Mas é próprio da verdade o fato de que participamos dela enquanto sujeitos ativos. ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 228. 18 BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 58. 19 Idem, Ibidem, p. 29. 20 ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 22. 21 Idem, Ibidem, p. 26. 22 Idem, Ibidem, p. 22. 23 Sob essa perspectiva, cabe destacar que a experiência do sagrado, expurgada da modernidade conforme assinala Nietzsche com sua noção da “morte de Deus” como mediador universal, operava ainda segundo uma dissolução do indivíduo no nãoidêntico. Para Adorno, ainda, “a plenitude perfeita da liberdade espiritual coincide com a castração do espírito.” ADORNO, Theodor, HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985, p. 226. 24 Idem, Ibidem, p. 12, 14, 226.
15 Segundo Benjamin, em Origem do Drama Barroco Alemão, “As ideias se relacionam com as coisas como as constelações com as estrelas. O que quer dizer, entre outras coisas, que as ideias não são nem os conceitos dessas coisas, nem suas leis. (...) Pois nelas, não é o semelhante que é absorvido, e sim o extremo que chega à sua síntese”. BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 56, 63. 16 Idem, Ibidem, p. 69.
25 ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 13, 14, 19. 26 CEVASCO, Maria Elisa, COSTA, Iná Camargo. Prefácio à Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007, p. 9. 27 JAMESON, Fredric. Marxismo e Forma. São Paulo: Hucitec, 1985, p. 61 28 Sua poesia, assinala Benjamin, “implica algo notável: a emancipação com respeito às vivências. (…) A experiência do choque é uma das que
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se tornaram determinantes para a estrutura de Baudelaire. (…) [Há] uma íntima relação existente em Baudelaire entre a imagem do choque e o contato com as massas urbanas. (…) Não se pode pensar em nenhuma classe, em nenhuma forma de coletivo estruturado. Não se trata de outra coisa senão de uma multidão amorfa de passantes (…) Essa multidão (…) está impressa em seu processo de criação como uma imagem oculta…” BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 110, 112, 113. 29 “Para colocar em outros termos (embora não os utilizados pelo próprio Jameson): a imediaticidade sensorial do fragmento ou o caráter de constructo do modernismo são resistências à reificação – para um mundo impessoal, de forças determinantes – mas são também, à sua própria maneira, espécies de reificação.” (tradução nossa) EAGLETON, Terry. “Jameson and Form”. In: New Left Review 59, setembro - outubro/2009, p. 131.
de Lautréamont que, tendo sido criada dentro de uma membrana selada e silenciosa, rompe-a com seu próprio grito ao vislumbrar a monstruosidade da divindade e, desse modo, junta-se de novo ao mundo do som e do sofrimento.” JAMESON, Fredric. Pós-modernismo ou a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 2007, p. 41-42. 32 ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999, p. 84. 33 Idem, Ibidem, p. 85. 34 Idem, Ibidem, p. 84. 35 EAGLETON, Terry. As Ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 23.
30 ADORNO, Theodor. Filosofia da nova música. São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 16. 31 JAMESON, Fredric. Postmodernism, or The Cultural Logic of Late Capitalism. In: The Jameson Reader. Malden: Blackwell publishing, 2005, p. 199. “Voltando, agora, pela última vez, ao quadro de Munch, parece evidente que O grito, de forma sutil mas elaborada, rompe sua própria estética da expressão, ao mesmo tempo mantendo-se sempre preso a ela. Seu conteúdo gestual já assinala seu fracasso, uma vez que o domínio do sonoro, o grito, a pura vibração da garganta humana, é incompatível com seu meio (algo assinalado no interior da obra pelo fato de o homúnculo não ter orelhas). Entretanto, o grito ausente como que retorna em uma dialética de curvas e espirais, aproximando-se gradualmente da experiência ainda mais ausente da solidão atroz e da ansiedade que o próprio grito deveria “expressar”. Tais curvas se inserem na superfície do quadro, na forma dos grandes círculos concêntricos nos quais a vibração sonora torna-se, em última análise, visível, como na superfície de um lençol de água, em retrocesso infinito, que se abre a partir do sofredor para se tornar a própria geografia de um universo no qual a dor agora fala e vibra, no pôr-do-sol e na paisagem. O mundo visível transforma-se, então, no muro que cerca a mônada, no qual esse “grito que ecoa na natureza”, nas palavras de Munch, é registrado e transcrito: pensamos aqui naquela personagem
Gabriela Corbisier Tessitore
É professora de “Sociologia da Comunicação” e “Comunicação Comparada” da FACOM-FAAP. Mestranda em Letras pela USP.
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A importância da comunicação para sustentabilidade em empreendimentos sustentáveis
Vivian Blaso Cesar
Resumo
Abstract
A partir dos movimentos globais pela sustentabilidade um novo ambiente regulatório vem se configurando e transformando a maneira das empresas de comunicar produtos e seus benefícios de maneira mais ética, com linguagem e discursos condizentes com suas práticas empresariais, priorizando a responsabilidade socioambiental. Acredita-se que as empresas tenham grande papel como agentes da transformação social, pois influenciam e são influenciadas pelos seus consumidores. Sob este aspecto, podemos perceber que as empresas também têm um papel de influência para a transformação dos hábitos de consumo, pois interagem conforme as expectativas e desejos da sociedade, que hoje atribui ao consumo de bens e serviços um lugar relacionado à felicidade. No setor da construção civil, a partir do movimento por “empreendimentos verdes” há uma necessidade iminente de se colocar em prática uma estratégia de gestão com ênfase nos aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais. Neste sentido, as ações comunicacionais com os stakeholders devem primar pela transparência e governança nas relações e adequar os conteúdos informativos sobre sustentabilidade com clareza, priorizando a reputação de suas marcas em um ambiente cada vez mais interdependente. Este artigo pretende apresentar recomendações de estratégias de comunicação a serem implementadas nos programas de comunicação de empreendimentos sustentáveis.
As of the global movements towards sustainability, a new regulatory scenario has been reshaping and transforming the way companies ethically communicate products and their benefits by using a language which is in compliance with corporate practices and by prioritizing socio-environmental responsibility. It is a widely held belief that companies play a role of utmost importance as social transformation agents, due to the fact that they influence and are influenced by consumers. In view of that, we can notice that companies also have the role of influencing towards transformation of consumption habits on the grounds that they interact according to the society’s expectations and wishes which relates the consumption of goods and services to happiness. As regards civil construction, since the advent of the “green buildings” movement there has been an eminent need of putting into practice a certain management strategy focusing on social, economical, environmental and cultural aspects. Therefore, communication actions with stakeholders ought to prioritize transparency and governance as well as to clearly adapt issues concerning sustainability by taking into account the reputation of their brands in an increasingly interdependent environment. This article aims at presenting recommendations of communication strategies to be implemented in the communication programs of sustainable buildings.
Palavras-chave Comunicação, Sustentável.
Sustentabilidade,
Keywords Construção
Comunication, Sustainability, Sustainable Buildings
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1. INTRODUÇÃO Atualmente, 84,35% da população brasileira vive nas cidades, segundo os resultados do censo de 2010 divulgados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012a). Boa parte dessa porcentagem está nas áreas metropolitanas, que apresentam as seguintes características em comum: altíssimas taxas de consumo de água, energia, bens e serviços ambientais. Ignacy Sachs, economista que trabalhou na organização da primeira conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, a Estocolmo-72, realizada na Suécia e na Cúpula da Terra, a inesquecível Rio92, foi quem ajudou, no início dos anos 70, a definir o conceito de “ecodesenvolvimento”, que, mais tarde, passou a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”, um termo adaptado pela Agenda 21, um programa das Nações Unidas. Hoje este termo é amplamente utilizado para todas as atividades humanas que visam à sustentabilidade. Sachs (2004) propõe que o desenvolvimento sustentável deva ser socialmente includente, ou seja, busque acabar com a exclusão social e distribuir riquezas de forma equânime, além de conservar e garantir que os recursos naturais estejam disponíveis para esta e para as futuras gerações. Para Sachs os objetivos do desenvolvimento são sempre
sociais; há uma condicionalidade ambiental que é preciso considerar para que as soluções pensadas sejam economicamente viáveis. Foi a partir dessa discussão, durante a Conferência de Estocolmo, que a ONU decidiu criar o PNUMA - Programa Nacional das Nações Unidas para o Meio Ambiente, colocando a temática ambiental na ordem do dia para discussão da comunidade internacional. Mais tarde o conceito foi aprimorado, e em 1987, de acordo com o Relatório de Brundtland (1987), sustentabilidade foi definido como o mesmo que “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas”. Já em 2012, o professor Sachs afirmou durante a Conferência Rio + 20, realizada na cidade do Rio de Janeiro, que a humanidade entrou em uma nova era: geológica e antropocêntrica. O que nos interessa agora é a era geológica, porque as atividades humanas começam a fazer a diferença no planeta. “Somos como aprendizes de feiticeiro, entretanto ou criamos um roteiro para os geonautas se alinharem à sustentabilidade ou caso contrário não teremos o Brasil e o mundo na rota social e ambientalmente includentes e sustentável. Ou seja, será necessário reaprendermos a planejar.” Isto é, na visão de Sachs será necessário que os países se adaptem sob três grandes aspectos estratégicos ao desenvolvimento sustentável: a pegada ecológica, a geração de trabalho decente e a gestão de um fundo de financiamentos para subsidiar a sustentabilidade nos países em desenvolvimento. Contudo, vale destacar que os alertas ambientais a partir das Conferências Mundiais sobre Meio
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Ambiente e Desenvolvimento Sustentável promovidas pela ONU em 1992 e 2012 têm apontado que será necessário pensar sobre as formas de produção e consumo de bens e serviços, sobretudo os ambientais, na busca da sustentabilidade como um caminho a seguir pela sobrevivência e manutenção da espécie humana no planeta. Nesse sentido, a partir da influência dos movimentos internacionais para sustentabilidade também foi desenvolvido um novo ambiente regulatório para as empresas, que hoje pode ser percebido por meio de ações como certificações, rotulagens ambientais de produtos, novas políticas públicas, como, por exemplo, a nova política nacional de resíduos sólidos e a discussão sobre o novo código florestal no Brasil. Por outro lado, temos os consumidores, que hoje já possuem informações e estão mais conscientes sobre seus direitos e deveres e vêm adotando posturas políticas, resgatando aspectos ligados à cidadania e apresentando tendências na busca por informações sobre a Saudabilidade, Sustentabilidade, Ética, Justiça Social, Bem-estar Animal, Origem e Formas de Produção de produtos e serviços, tanto na orientação no processo de escolha como na restrição ao próprio consumo. Segundo Daniel Miller (2010), o consumo pode ser definido como atividade que envolve tomar decisões políticas e morais praticamente todos os dias. Os resultados dessas novas tendências vêm impactando de maneira significativa a reputação das marcas das empresas, uma vez que os consumidores, hoje mais emponderados de informações e interconectados em redes, são codesenvolvedores de informações. Hoje os usuários das redes sociais são convocados a partilhar suas experiências, a emitir suas opiniões, e as empresas oferecem pagamento em dinheiro para que usuários desenvolvam recursos inovadores para melhorar seus negócios ou para influenciar seus amigos sobre determinadas marcas, produtos ou serviços. Se por um lado esses novos consumidores estão adotando posturas de cidadania, por outro temos as organizações, que hoje começam a sentir-se incentivadas a exercer novos papéis na construção da cidadania, uma postura que impacte positivamente na mente dos consumidores
e consequentemente consolide a sua reputação perante a opinião pública. O consumo político pode ser definido como “a escolha de produtos e de produtores baseada em considerações éticas e/ou políticas quando um consumidor quer e acredita que, dessa forma, é possível mudar práticas institucionais ou de mercado” (Micheletti et. all, 2003; Stolle et. all, 2005; Halkier & Holm,2008). As ações de consumo político podem ser exemplificadas por meio dos boicotes, buycotts, compras coletivas, uso eficiente de recursos naturais, dentre outras. E nesse sentido destacamos a concepção de um empreendimento green building como agente indutor e de influências nos seus habitantes a adotarem hábitos de vida que levem a um comportamento político solidário e cidadão. Esses são bons exemplos de como as empresas do século XXI estão à frente de um grande desafio: produzir bens e serviços para atender à chamada “economia de baixo carbono”, ou seja, reduzir ao mínimo o uso de materiais e energia por unidade de produto produzido, preservando os serviços ecossistêmicos básicos, como o fornecimento de água e outros recursos naturais que a Terra proporciona à sociedade, com condições de prover equidade e qualidade de vida, ambas necessárias à sobrevivência e manutenção da própria espécie. A sociedade conectada em redes necessita urgentemente de um resgate da ética e da moral para uma transformação em prol da sustentabilidade. Hoje, uma das questões principais da sustentabilidade nas metrópoles está relacionada à escassez da água; entretanto, a questão do saneamento já era apontada durante a Revolução Industrial como um dos principais desafios ao desenvolvimento das cidades. E o que nós fizemos? Ocupamos as margens dos rios e
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despejamos todo nosso esgoto sobre eles.
liberdade de decidir o que valorizar extrapola os nossos próprios interesses.
2. O PAPEL DAS CIDADES COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Nesse sentido, são necessários alguns questionamentos sobre os processos de organização da sociedade e de seus atores, como, por exemplo, o setor da construção civil, o qual poderia contribuir com a “mobilização da sociedade” na formação de uma cultura, influenciando as pessoas a adotarem um estilo de vida urbano que aponte para a transição da sociedade do consumo para a sociedade do bem-estar pautada por padrões éticos e de solidariedade, pois os padrões de consumo atual vêm comprometendo o ecossistema.
A cidade é, uma pluralidade de significações imaginárias e sociais, e sua produção e reprodução implicam antagonismos como relações de complementaridade e concorrência, organização e auto-organização, regulação e autorregulação, que vão ao encontro das necessidades de promoção de novas formas de sociabilidade propostas para as sociedades em redes. Amartya Sen (2012), economista que recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho sobre a economia do bemestar social, em seu livro a Ideia de Justiça nos propõe uma reflexão sobre a nossa maneira de fazer escolhas sob a perspectiva da liberdade. No capítulo III, sobre o Desenvolvimento Sustentável, Sen aponta novos olhares sobre a nossa responsabilidade em relação a outras espécies: “uma vez que somos muito mais poderosos do que outras espécies, temos certa responsabilidade em relação a elas, que se relaciona com essa assimetria de poder. Podemos ter muitas razões para nossos esforços conservacionistas: nem todas elas parasitam nosso próprio padrão de vida (ou satisfação de necessidades) e algumas aguçam precisamente nosso senso dos valores e o reconhecimento de nossa responsabilidade fiduciária”. Sen encerra essa seção com uma crítica aos nossos padrões de vida ou satisfações de nossas necessidades, pois somos um ser múltiplo de necessidades que nunca serão plenamente satisfeitas. A importância da vida humana não reside apenas na satisfação dessas necessidades, mas está diretamente ligada à liberdade que desfrutamos. Uma vez colocada essas questões, o autor propõe uma reformulação do conceito de desenvolvimento sustentável proposto por Brundtland, pois não somos apenas “pacientes” cujas necessidades merecem consideração, mas “agentes” cuja
De acordo com o relatório “O estado do mundo”, divulgado em 2011, a população mundial consome 50% mais recursos naturais do que o planeta é capaz de renovar, e se a demanda continuar aumentando como nos últimos vinte anos, em 2050 precisaremos de três planetas para suprir esse padrão de consumo. O setor da construção civil poderia contribuir com essa “mobilização social”, uma vez que este setor já vem se movimentando na direção das certificações ou empreendimentos green building com o intuito de reduzir os gases do efeito estufa, um dos causadores das mudanças climáticas no planeta. Esse setor ainda apresenta um papel relevante na concepção das cidades, uma vez que é através das parcerias públicas e privadas que ele se articula e movimenta a especulação imobiliária, requalificando áreas e proporcionando infraestrutura básica para o próprio desenvolvimento da economia proposta em redes. Massimo Di Felice, em Paisagens Pós-Urbanas (2005), propõe a metropoeletrônica como uma metrópole que está interconectada em função das novas tecnologias. Dessa maneira, nessa metropoeletrônica é possível estabelecer outras formas de habitação, em que as relações sociais são caracterizadas pela constante mutação, e a ausência de limites perde seu significado. Para o autor, é necessário repensar as fronteiras entre casa e rua, espaço público e privado, entre fora e dentro, pois os corpos e espaços são caracterizados mais pela própria delimitação, pela capacidade de interconexão, portanto por suas potencialidades de extensão e conexão.
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Considerando que a sociedade da informação, do consumo e das crises ambientais e econômicas já possui ferramentas disponíveis para mudar hábitos simples, como, por exemplo, fazer compras on-line, evitando o gasto de energia com deslocamentos, destacamos também as empresas como uma boa opção para ajuda mútua na indução de novos valores e consequentemente novos hábitos e estilos de vida na sociedade. Hoje as empresas têm a opção de utilizar a teleconferência na realização de reuniões, o que pode evitar o consumo desnecessário de energia em viagens. Além disso, a legislação trabalhista no Brasil já permite o trabalho do tipo “Home Office”, com o intuito de reduzir gastos com deslocamentos e proporcionar a melhoria da circulação de pessoas nas cidades durante o dia, uma vez que a “mobilidade urbana” é uma das condições para a circulação de pessoas para a produção de bens e a sua troca em mercadorias. Castells (1972) já apontava que o estudo da urbanização deve levar em consideração as relações entre forças produtivas e classes sociais e as formas culturais onde essa urbanização desembocaria na própria maneira de reprodução do espaço, ou seja, apresentada por um conjunto de atividades produtoras de bens, serviços e informação. Nesse sentido, o consumo é tratado como um conjunto de atividades relativas à apropriação social ou coletiva do produto, e o urbano é tratado como uma forma de reprodução da classe trabalhadora. Diante dessa perspectiva, a mobilidade urbana também se constitui como um problema social, pois quando a classe trabalhadora não tem acesso ao consumo coletivo de equipamentos e serviços como o de transporte coletivo, isso impede que o capital se reproduza no espaço, pois esse consumo coletivo de equipamentos deveria assegurar que essa classe trabalhadora circulasse na cidade e por fim reproduzisse o próprio capital. 3. DISCURSOS E PRÁTICAS “SUSTENTÁVEIS” Iniciativas do governo brasileiro, como a nova política nacional de resíduos sólidos, sancionada em 2 de agosto de 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de obrigar o fim progressivo dos lixões em todos os municípios do país, transformando-os em aterros sanitários controlados para garantir a não contaminação do solo. A reciclagem e a não proliferação de gases danosos ao meio, cria também, entre outras garantias, a “logística reversa”, que é aquela que determina que
a responsabilidade dos resíduos seja dos fabricantes, importadores, distribuidores e vendedores. Assim, estes ficam responsáveis por recolher, depois de usados pelo consumidor final: agrotóxicos e seus resíduos; embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes; produtos eletrônicos e seus componentes. A lei estabelece prazos para que as empresas implantem a nova conduta e informem o consumidor sobre o recolhimento dos produtos usados. Entre outros termos, a lei também obriga as instituições a comprovarem a destinação ambientalmente correta dos resíduos. O não cumprimento da norma é considerado crime ambiental, que prevê pena de até cinco anos de reclusão, além de multa. 3.1 O PAPEL DA CONSTRUÇÃO SUSTENTABILIDADE
DO SETOR CIVIL NA
No setor da construção civil podemos destacar o papel das empresas de incorporação imobiliária, pois elas são responsáveis por criar condições de infraestrutura, lazer, comércio, abrigo e conforto para a vida das pessoas nas metrópoles. No contexto mundial, o setor da construção civil também tem se movimentado na direção das construções sustentáveis com o objetivo de minimizar os impactos causados por suas atividades no meio ambiente e na sociedade, pois se acredita que este setor seja um dos grandes responsáveis pelas mudanças no clima, já que gera resíduos diversos e emite toneladas dos gases causadores do efeito estufa, além de consumir uma enorme quantidade de recursos naturais. Construção sustentável é qualquer empreendimento - edificação - que consiga atender de forma equilibrada aos seguintes princípios: adequação ambiental, viabilidade econômica, justiça social e aceitação cultural.
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O setor da Construção Civil no Brasil hoje é responsável por gerar aproximadamente 7,3% de empregos formais, segundo dados do IBGE, e é um dos setores mais impactantes para a nossa base econômica. Por outro lado, é o responsável por 40% das emissões de gases causadores do efeito estufa no mundo, o que supõe que a sustentabilidade seja um fator estratégico e de sobrevivência para o setor. A ONU, através do SBCI - Sustainable Buldings and Climate Initiative, uma iniciativa coordenada pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), aponta que o ambiente construído é globalmente responsável por cerca de 40% das emissões globais de CO2. Desta forma, ressalta a importância de incluir, nos trabalhos realizados no âmbito dos mecanismos internacionais que visam enfrentar as alterações climáticas, a discussão de ações que a cadeia produtiva da construção civil deve tomar para minimizar as emissões de CO2 e de adaptar o ambiente construído aos efeitos das mudanças no clima. 4. SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL Nesse sentido, as empresas têm buscado inserir o tema da sustentabilidade em seus negócios por uma questão de sobrevivência e perenidade. No contexto empresarial a sustentabilidade deveria ser mais que uma propaganda verde, uma linha de produtos, um trabalho filantrópico ou um gesto como plantar árvores para salvar o planeta; ela deve ser uma estratégia de gestão com ênfase nos aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais. Fernando de Almeida (2007), presidente do CEBDS - Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, considera que o maior poder para operar as mudanças necessárias, na busca pela sustentabilidade, está com as empresas. Segundo ele, nas empresas se concentra a maior fatia do poder no mundo contemporâneo e, portanto, também a maior responsabilidade pelos rumos que a sociedade tomará, ou seja, a ruptura urgente deve ser provocada no âmbito
empresarial, e para que isso aconteça será necessário romper com os velhos paradigmas se quisermos construir um futuro sustentável. Elkington (1998) desenvolveu o conceito de Tríplice Resultado, que privilegia os aspectos econômicos, sociais e ambientais como fatores que dão retorno positivo às empresas que se preocupam com a questão da sustentabilidade. O Tríplice Resultado pode ser comparado a um balanço que apresenta resultados nas três dimensões propostas como importantes pelo parâmetro da sustentabilidade: os dados quantitativos que podem ou não gerar valor para os acionistas. Mais importante que o lucro pode ser a experiência de uma forma de gestão que avalia impactos de acordo com uma visão sistêmica e leva em consideração a interdependência entre as partes interessadas e envolvidas, também denominadas de stakeholders. Os stakeholders alvo das empresas geralmente são classificados em três categorias: externos, sem ligação direta com a empresa (membros da comunidade, órgãos do governo, mídia etc.); internos (empregados, gestores, acionistas etc.); externos, com ligação direta com a empresa (clientes e fornecedores) (Savitz, 2007, p. 65). Outra classificação possível se faz conforme o grau de influência no negócio. De acordo com Werbach, a palavra sustentabilidade passou a ser amplamente usada no contexto ambiental a partir de 1987, depois de aparecer num relatório das Nações Unidas preparado pela primeira ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. Ela definiu desenvolvimento sustentável como a possibilidade de “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as próprias necessidades” (Werbach, 2010, p. 8). Nesse sentido, para Savitz, sustentabilidade pode ser encarada como a arte de fazer negócios num mundo interdependente. Sustentabilidade diz respeito à interdependência dos seres vivos entre si e em relação ao meio ambiente. Sustentabilidade significa operar a empresa sem causar danos aos seres vivos e sem destruir o meio ambiente, mas, ao contrário, reestruturando-o e enriquecendo-o (Savitz, 2007, p. 8).
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Os movimentos ambientalistas e a ampla difusão das questões ambientais nos meios de comunicação de massa, sobretudo na internet, influenciaram as empresas a prestar mais atenção na sua reputação perante o mercado.
Nesse contexto, a economia vem sofrendo impactos e tem sido percebida uma mudança significativa em relação ao grau de interesse dos consumidores pelas questões ambientais das empresas.
Uma pesquisa realizada no Brasil, em 2010, pelo Ministério do Meio Ambiente, pela rede Walmart e pela Synovate Brasil, com o tema Sustentabilidade e Hábitos de Compra, revelou que a sociedade está disposta a evitar a contaminação do meio ambiente com cuidados como o descarte de produtos que contenham materiais perigosos, tais como pilhas, baterias e solventes. Quarenta e cinco por cento das pessoas informaram ter cuidados em relação à destinação correta do lixo de matérias tóxicas, enquanto apenas 13% das pessoas buscaram reduzir o uso de automóveis.
Facilitar a linguagem, esclarecer os pontos favoráveis à sustentabilidade e, sobretudo, abrir um canal direto para esclarecer as dúvidas e as demandas que irão surgir talvez sejam os direcionamentos corretos a serem seguidos pelos profissionais que queiram se destacar em sua profissão sem pecar pelo excesso, mas com cautela e responsabilidade.
Acredita-se que as empresas tenham grande papel como agentes da transformação social, pois influenciam e são influenciadas pelos seus consumidores. Segundo Bauman (2008), os consumidores são, ao mesmo tempo, os promotores das mercadorias e as mercadorias que promovem, porque todos habitam o mesmo espaço social conhecido como mercado. Sob este aspecto, podemos perceber que as empresas também têm um papel de influência para a transformação dos hábitos de consumo, pois interagem conforme as expectativas e desejos da sociedade, que hoje atribui ao consumo de bens e serviços um lugar relacionado à felicidade. Por outro aspecto, para que as empresas se mantenham no mercado, são necessárias a inovação e a economia de recursos naturais, que estão cada vez mais altos em função da capacidade de carga de reposição que a Terra tem condições de suportar. Dessa forma, as empresas acabam se comprometendo com a melhoria da qualidade de seus produtos e serviços. 5. A COMUNICAÇÃO COMO AGENTE DE PROMOÇÃO DE MUDANÇAS O acesso e a velocidade de informações proporcionaram aos consumidores atenção especial às empresas que devastam o meio ambiente, que trabalham com mão de obra escrava ou infantil, que utilizam produtos tóxicos prejudiciais à saúde e não o declaram em suas embalagens, além de outras questões relacionadas à responsabilidade social.
Pode-se dizer que a sustentabilidade acontece quando uma empresa realiza um diagnóstico preciso de suas práticas de gestão sob os aspectos sociais, ambientais e econômicos do ponto de vista de seus múltiplos stakeholders. Ou seja: quando são avaliadas tanto as oportunidades quanto os riscos inerentes aos seus processos em relação ao seu público de interesse. Essa abordagem, alinhada às melhores práticas de governança para a sustentabilidade, cria valor para o acionista e possibilita uma maior continuidade do negócio em longo prazo. Hoje, uma empresa que não pensar em sustentabilidade deixará de ser competitiva, principalmente porque os consumidores já estão conscientes, e exigentes, quanto à importância de escolher produtos de empresas, fabricantes ou servidoras que primem pelas melhores práticas junto aos funcionários e comunidades; que preservem o meio ambiente e adotem não só medidas compensatórias para minimizar os seus impactos ambientais e sociais, mas que realmente demonstrem, através de seus relatórios de sustentabilidade, ter colocado em prática os compromissos assumidos em relação aos riscos que seu negócio representa. A sustentabilidade corporativa deverá ser inserida nas organizações em todos os processos da empresa, entretanto, se não estiver incorporada em sua cultura, dificilmente será alcançada. Pode-se dizer que uma organização que almeja ser
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sustentável é aquela que visa a ética, ao respeito, a formalidade, a minimização de recursos, sobretudo os naturais, que já são escassos em nosso planeta. Percebe-se que neste processo de formação de uma nova cultura para a sustentabilidade o aspecto da educação, seja ela formal ou não, tem sido considerado estratégico para a consolidação de um novo pensamento da sociedade. Os meios de comunicação de massa têm importante papel nesse processo de educação para a sustentabilidade, mas será necessário, antes, transcender paradigmas como o formulado por Descartes, o modelo cartesiano que separa o sujeito e o objeto, alma e corpo, espírito e matéria. Como afirma Morin, “um paradigma pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar. É no seu seio que se esconde o problema chave do jogo da verdade e do erro” (Morin, 2000, p. 21). A formação de redes de conhecimento também deverá ser capaz de fazer com que as informações fluam, construindo-se, assim, um canal por onde a informação nos leve a atitudes mais éticas e à religação com o universo. Para chegar a concretizar este ideal será necessário envolvimento e engajamento por parte da sociedade para que a transformação cultural aconteça e os hábitos de consumo se voltem para o exercício da conectividade e da preservação do meio ambiente. 5.1 COMUNICAÇÃO INTEGRADA E A SUSTENTABILIDADE A Comunicação Integrada é composta pelo mix Comunicação Institucional, Comunicação Interna e Comunicação Mercadológica, e mediante esse mix é necessário fazer um mapeamento dos públicos de interesse da organização e seus meios, ou seja, dos veículos que são utilizados pelas organizações para comunicarem com seus públicos para qualquer processo que necessite de engajamento.
Ao considerarmos o mapeamento dos stakeholders em qualquer processo que envolva a sustentabilidade, é necessário o envolvimento com o público interno, pois este tem o poder de aderir à causa. Segundo Kusch, o público interno é um público multiplicador. Tudo dependerá de seu engajamento na empresa, da credibilidade que esta desperta nele e da confiança que ele tem em seus produtos ou serviços. A comunicação interna permitirá que ele seja bem informado e que a organização antecipe respostas para suas expectativas (Kunsch, 1997, p. 129). A comunicação organizacional, quando sistematizada, pode ser considerada importante ferramenta para o processo de consolidação e posicionamento de uma marca perante seu público. A partir da sistematização de um processo comunicacional é possível que a visão, missão e valores de uma organização sejam “legitimadas” pelos seus stakeholders através de sua “adesão pela causa”. Entretanto, hoje, a comunicação em redes, assim como o esquema proposto pela globalização, causa um altíssimo nível de interdependência entre as pessoas capaz de fazer com que as mesmas entrem em colapso. Segundo Senge (2009), “na aldeia global, só há um barco. Bastaria um furo para todos naufragarmos”. Nos processos de comunicação para a sustentabilidade a comunicação tem que engajar seus públicos emocionalmente e possuir uma linguagem acessível e compreensível em todos os aspectos que a empresa deseja comunicar. A partir daí a comunicação sustentável poderá gerar valor agregado para a empresa, pois passa a ser mais um fator de reconhecimento e valorização desta perante seus públicos de relacionamento. Contudo, as empresas precisam ter consciência de que a sustentabilidade no seu real significado não é um modismo a ser adotado ou algo que vai se traduzir apenas em ganhos de negócios e de imagem positiva. Trata-se de algo bem mais complexo, envolvendo uma filosofia de gestão e um compromisso público dos mais relevantes (Kunsch, 2009). As empresas que desejem comunicar adequadamente práticas, projetos ou ações de sustentabilidade deverão levar em consideração os seguintes aspectos: alinhar discurso e prática, ou
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seja, comunicar apenas o que realmente faz, levando em consideração aspectos como transparência, governança, respeito à cultura local, informando o que seja relevante para os seus públicos de interesse com base no “triple bottom line”, aspectos ambientais, sociais e econômicos conforme dimensões propostas pela sustentabilidade. A resolução do Conar – Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária presente no artigo 36 anexo U sobre propaganda verde e enganosa recentemente publicada no Brasil em 2011 é uma iniciativa que visa2 combater a propaganda enganosa com viés de sustentabilidade. A partir dessa regulamentação as empresas deverão comprovar que suas ações estão de acordo, do ponto de vista de normas para a sustentabilidade, com sua comunicação. Segundo a resolução Conar, artigo 36, “a publicidade deverá refletir as preocupações de toda a humanidade com os problemas relacionados com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente; assim, serão vigorosamente combatidos os anúncios que, direta ou indiretamente, estimulem: a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; a poluição do meio ambiente urbano; a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; a poluição visual dos campos e das cidades; a poluição sonora; o desperdício de recursos naturais”. A resolução ainda faz um alerta à publicidade institucional e de produtos e serviços que vêm utilizando excessivamente os termos e indicativos ambientais para fazer marketing verde ou Greenwashing e aponta que as empresas deverão considerar na comunicação de seus produtos ou serviços a veracidade das informações desde que sejam passíveis de verificação ou comprovação, exatidão das informações, pertinência, ou seja, as informações ambientais devem se referir aos produtos ou serviços vinculados à ação e não a uma linha de produtos ecológicos, por exemplo, e também a relevância do benefício ambiental em todo ciclo de vida útil, desde a sua produção até o seu descarte. Além disso, para atender ao Código, as empresas deverão refletir a sua responsabilidade ambiental como anunciantes levando em consideração aspectos como concretude, exatidão e clareza, pertinência, relevância, absoluto e marketing relacionado às causas ambientais. Outros instrumentos que vêm contribuindo para a utilização da comunicação como recurso estratégico e indutor na cultura da sustentabilidade é a ISO
26000, considerada a norma internacional da sustentabilidade, que dedica um capítulo sobre a importância da comunicação nos processos de sustentabilidade nas empresas. A ISO 26000 tem por objetivo contribuir para a melhoria do desempenho das organizações rumo à sustentabilidade e aponta quais seriam os papéis da comunicação no processo de gestão da responsabilidade social nas organizações tais como: • fornecer informações sobre os impactos das atividades, produtos e serviços da organização, inclusive detalhes de como os impactos mudam ao longo do tempo; • ajudar a engajar e movimentar empregados e outros para apoiar as atividades de responsabilidade social da organização; facilitar a comparação com organizações pares, o que pode estimular melhoria de desempenho em responsabilidade social; • fortalecer a reputação da organização no que se refere à ação responsável, franqueza, integridade e responsabilização, para fortalecer a confiança das partes interessadas na organização. O setor da construção civil, apesar de apresentar avanços significativos nas tecnologias capazes de transformar os edifícios em ambientes mais eficientes do ponto de vista da economia de recursos naturais, como água e energia, apresenta uma dificuldade de compreender que as edificações são produzidas para as pessoas, e essas pessoas poderão compor uma comunidade que tem direitos e deveres e poderão exercer seu papel de cidadania diante das dificuldades enfrentadas na utilização desses empreendimentos sustentáveis, uma vez que essa comunidade poderia apreender como operar e o porquê da incorporação desta tecnologia no processo de construção do empreendimento e quais os benefícios gerados a partir da sua correta utilização. O processo deverá ser de “dupla pilotagem” entre o edifício
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tecnológico, chamado green building, e os seus habitantes. Nesse sentido, se tomarmos como referencia os empreendimentos “Green buildings” como sistemas complexos onde habitam ou trasintam usuários diariamente sejam para suas atividades profissionais ou de moradia podemos considerar que essas pessoas que utilizam os empreendimentos são pertencentes a uma “comunidade”. Sendo assim, os empreendimentos tecnológicos e ambientalmente corretos poderiam ajudar na indução de hábitos e estilos de vida pautados pelos princípios da sustentabilidade. Por exemplo, em alguns empreendimentos que possuem certificações existem na entrada do prédio placas indicativas qeu incentivam o uso de caronas e transporte coletivo como alternativa aos deslocamentos diários entre as residências e o local de trabalho. Essa atitude, se for incorporada e legitimada por essa comunidade, poderia contribuir para a redução do excesso de veículos individuais circulando nas cidades, além de contribuir com a diminuição do estresse e das emissões de gases causadores do efeito estufa. Entretanto, uma placa indicativa pode ser ineficaz, pois sem que sejam implementadas ações de integração entre as pessoas e estabelecidas formas de sociabilidade ficaria difícil uma mobilização e tomada de consciência rumo a atitudes mais sustentáveis.
Waldemar Luiz Kunsch (2007), considera que estes movimentos rumo a construção da cidadania vêm sendo influenciados desde as decas de 70 e 80 quandopor conta dos movimentos sociais e o desenvolvimento da comunicação comunitária os indivíduos passaram a tomar maior consciência dos seus direitos e deveres na construção de uma sociedade mais justa e ética e com isso, as empresas na contemporaneidade também apresentam papel relevante na construção da cidadania uma vez que estes processos poderão impactar diretamente a formação da opinião pública e consequentemente a sua reputação no mercado.
Contudo, as empresas do século XXI são cada vez mais pressionadas a atender às exigências do novo mercado, uma vez que os consumidores estão mais conscientes do seu poder de influência junto às organizações e hoje utilizam mecanismos de poder como, por exemplo, o fenômeno dos blogs ou das redes sociais como Orkut e Facebook, em que os indivíduos podem se expressar através de uma criatividade midiática, passando de “espectadores passivos” para “amadores globais que protagonizam histórias”. 6. CONCEITOS E PROPOSTAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO EM EMPREENDIMENTOS SUSTENTÁVEIS Mediante os aspectos relatados do ponto de vista da comunicação para a sustentabilidade, seguem algumas recomendações de estratégias de comunicação a serem implementadas nos programas de comunicação de empreendimentos sustentáveis: • Disponibilizar uma equipe de sensibilização dos stakeholders - fornecedores, funcionários, comunidade local e demais públicos impactados pelos empreendimentos; • Estabelecer um canal de comunicação com os stakeholders: vizinhança, fornecedores, funcionários, ONGs, mídia, acionistas, sociedade civil, governo, dentre outros; • Minimizar os impactos sociais e ambientais gerados pelos empreendimentos no seu entorno; • vizinhança;
Valorizar o relacionamento com a
• Contribuir com o processo de construção da cidadania na utilização dos empreendimentos como organismos vivos sistêmicos e abertos; • Gestão de conflitos multistakeholders (internos e externos).
com
os
Retornos esperados • vizinho local;
Valorizar o relacionamento com o
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• Minimizar impactos sociais, econômicos e ambientais previstos pela implantação e operação dos empreendimentos; • Contribuição econômica, social e ambiental para a região impactada com o projeto; • Incentivo às melhorias urbanísticas da região a ser impactada; • Promover uma coesão entre as partes interessadas do projeto; •
Diálogo com os stakeholders;
• Contribuir para a formação de uma cultura voltada para os aspectos de sustentabilidade na região a ser impactada com o projeto; •
Gestão de conflitos;
•
Ganhos de imagem;
• Redução dos riscos recorrentes de multas ambientais e paradas na operação e implantação do empreendimento; • Redução de custos de seguro em função da redução dos riscos do negócio; • Transparência; • Gerenciamento e antecipação de crises relacionadas à reputação da empresa; • Maior credibilidade da empresa perante a opinião pública. Apoio ao desenvolvimento de fornecedores com critérios de sustentabilidade, gerenciamento de impactos na comunidade de entorno e adoção de práticas antipropina e anticorrupção são ações de responsabilidade socioambiental que se aplicam aos processos de comunicação para a sustentabilidade devido à sua transversalidade e também são inerentes aos processos de sustentabilidade nas empresas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os movimentos ambientalistas começaram a se manifestar na década de 70, e a partir da década
de 80 o fenômeno do individualismo e do abuso nos padrões de consumo passou a influenciar os movimentos sociais e outros grupos de interesses políticos e econômicos que se constituíram para atuar em prol dos movimentos políticos voltados para a preservação de recursos naturais, influenciando as empresas a obterem maior responsabilidade socioambiental. Neste cenário foi possível perceber que a comunicação organizacional integrada se apresenta como uma ferramenta importantíssima para as empresas que queiram se destacar no mercado, porém todas as ações devem ser planejadas e executadas de maneira ética e responsável, evitando práticas que possam comprometer a confiança do cliente e da comunidade nas empresas e consequentemente afetar a sua reputação e imagem perante a opinião pública, a medida que o novo ambiente regulatório que prima por princípios pautados pela ética e responsabilidade socioambiental, como, por exemplo, a Resolução Conar sobre propaganda verde e enganosa. Foi possível perceber que se tomarmos os empreendimentos sustentáveis como uma comunidade presente em um sistema complexo, será necessário aproveitar essa oportunidade para influenciar hábitos impulsionando um novo estilo de vida pautado por ações que proporcionem uma melhoria da qualidade de vida dos seus usuários, desde que haja um casamento entre o edifício tecnológico e seus habitantes. Mas para que isso aconteça é necessária uma mudança na forma como a comunicação vem sendo implementada e utilizada como ferramenta de promoção da cultura da sustentabilidade pelas empresas. Contudo, Hessel e Morin (2012) em seu manifesto a “Caminho da Esperança“ apontam o resgate da solidariedade como um bem viver que pressupõem o desenvolvimento individual no seio das relações comunitárias pautadas pela ética cuja fonte é a responsabilidade das ações e hábitos sociais que vem causando o estresse no planeta e levando
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a sociedade a viver nos limites que o planeta pode suportar. Para que isso ocorra, será necessário o desenvolvimento da democracia que fosse capaz de religar individuo espécie e sociedade, ou seja, natureza cultura e tecnologia com um único propósito: o bem viver. BIBLIOGRAFIA Almeida, Fernando (2007). Seja desafios da sustentabilidade. Rio de Janeiro. Elsevier. Azevedo, Ana L. V. (2006). Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro. Editora FGV. Bauman, Zygmunt (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2007). Vida líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2008). Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2009). Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. Bellen, Hans Michael Van (2006). Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro. Editora FGV. Câmara da Indústria da Construção (2008). Guia de sustentabilidade na construção. Belo Horizonte. FIEMG. Di Felice, Massimo (2009). Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo. Annablume (Coleção ATOPOS). Gonçalves, Hortência de Abreu (2005). Manual de metodologia da pesquisa científica. São Paulo. Avercamp. Hammond, A.; Adriaanse, A.; Rodenburg, E. et. all (1995). Environmental Indicators: a Systematic Approach to Measuring and Reporting on Environmental Policy
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Vivian Blaso Cesar
Professora da FACOM - FAAP. Doutoranda e Mestre em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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matríCulas
abertas
Alguns dos cursos oferecidos:
ComuniCação e marketing
Pós-GrAduAção • Comunicação, Mídia e Religião • Gestão de Marketing • Gestão de Marketing de Serviços • Gestão de Vendas e Negociação • Planejamento e Organização de Eventos • Produção Executiva e Gestão da Televisão
Com foco em criatividade e inovação, a FAAP Pós-Graduação desenvolve abordagens inovadoras em cursos ministrados e coordenados por corpo docente altamente qualificado, além de proporcionar um ambiente de intenso networking. Na área de Comunicação e Marketing, são oferecidos programas de pós-graduação lato sensu, extensão e MBA que, alinhados às novas demandas do mercado, proporcionam o entendimento das tendências e o desenvolvimento do empreendedorismo e da gestão, tanto nas áreas mais tradicionais como nas vanguardistas.
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...E o Cinema foi para a universidade... Uma proposta de história PARTE 1- Da incipiência na formação aos
primeiros cursos regulares na Europa
Luciana Rodrigues
Resumo
Abstract
O presente artigo propõe um resgate histórico da formação em cinema em instituições de ensino superiores do Brasil e as influências internacionais que sofreu. Essa primeira parte, com propostas de outras a serem publicadas , trata dos primórdios dessas experiências, desde os italianos que chegaram em São Paulo na década de 1910 até a construção dos primeiros cursos na Europa . Com foco na educação institucional, essa formação resistiu para além dos preconceitos de que “cinema se aprende apenas na prática”.
The present paper provides a historical review of teaching cinema in higher education institutions and its international influences. The first part approaches the very beginning of these experiences, from the Italians arriving in Sao Paulo in the 1910s to the creation of the first programs in Europe until the 40s. Focusing on the institutional teaching, this education endured beyond the preconceptions of “cinema is only learned in practice”
Palavras-chave
Keywords
Cinema, história, primeiros cursos, instituições de ensino superior, formação em audiovisual
Cinema, History, First Programs, Higher Education Institutions, Audiovisual Education.
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- Apresentação A história sobre o ensino de cinema ainda necessita de publicações que a organizem, e essa lacuna é um fenômeno internacional, muito embora a CILECT -Centre International de Liaison des Écoles de Cinéma et de Télévision, exista e esteja em grande atividade há quase 6 décadas, reunindo escolas de cinema, audiovisual e radialismo em todos os continentes. Em alguma medida é possível concluir que ainda existem resquícios de um preconceito acerca da formação de realizadores em audiovisual, como se o verdadeiro profissional só pudesse ser formado pela prática. No Brasil fala-se sempre em tornar o cinema “industrial”, “comercial/ industrial”, em melhorar a qualidade do audiovisual mas, paradoxalmente, não se instituem políticas públicas efetivas, pelos próprios órgãos e instituições por ele responsável, que valorizem o ensino o quão seria necessário à qualificação dos profissionais que atuarão na área. Para ilustrar tal afirmativa: somente agora se começa a elaborar ações educativas no Fundo Setorial do Audiovisual, muito embora nos seus objetivos precípuos já constava que parte das verbas deveriam ser aplicadas em projetos e programas para desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais, com a
finalidade de inserção e consolidação do produto brasileiro no mercado nacional e internacional. “Dentre seus eixos estão: aperfeiçoar a competência artística, técnica, gerencial e financeira das empresas brasileiras do cinema e do audiovisual e aperfeiçoar a capacitação profissional do setor audiovisual”. (1) A despeito da ainda baixa valorização da formação em cinema pelos governos é importante destacar que vivemos hoje uma situação ímpar: na última década o número de cursos de graduação com as denominações de cinema, audiovisual, mídias, imagem e som, cresceu em torno de 300%, motivado pelas facilidades do digital e pelas políticas do Reuni e Prouni do governo federal. Claro que ainda paira a dúvida de se essas universidades conseguirão manter-se atualizadas em termos de infraestrutura técnica, de equipamentos e de pessoal. Para suprir, ainda que minimamente, a lacuna de estudos a que referida no primeiro parágrafo, desenvolvi todas as minhas pesquisas na pósgraduação em torno do tema, tanto no mestrado quanto no doutorado. Na minha dissertação, A Formação em Cinema em Instituições de Ensino Superior BrasileirasUniversidade Federal Fluminense, Universidade de São Paulo e Fundação Armando Álvares Penteado, defendida no início de 2004, procurei traçar um panorama histórico sobre o ensino de cinema desde os seus primórdios, com foco no Brasil mas com informações internacionais, falei um pouco sobre todos os cursos existentes e lancei um olhar mais detalhado sobre três cursos que se afiguravam
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com trajetórias bastante regulares: a habilitação em Cinema, na época já se transformando em Curso Superior do Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo; a habilitação em Cinema do Instituto de Comunicações e Artes da Universidade Federal Fluminense e a habilitação em Cinema da Faculdade de Comunicação da Fundação Armando Álvares Penteado. É necessário reafirmar que a pesquisa se tornou um misto de garimpo com arqueologia? Como forma de atualizar o tema, com o Brasil já contando com acima de 50 cursos de graduação na área, passei a desenvolver a tese de doutoramento que defendi no primeiro semestre de 2012, intitulada “O Cinema Digital e seus Impactos na Formação em Cinema e Audiovisual.” Seu escopo foi se e como a formação superior em cinema e audiovisual estava respondendo à consolidação do digital, considerando que esta situação, em constante emergência, influencia e pode contribuir na melhoria e concepção dos cursos. Na tese discorro acerca das jornadas de algumas escolas, nacionais e internacionais, levantando: os novos contextos do ensino de cinema e de audiovisual no Brasil e no mundo; as novas configurações na relação entre professores (imigrantes digitais) e estudantes (nativos digitais) , e as mudanças nos processos do cinema. Ainda: os impactos do digital nas escolas, se adotado apenas como uma possibilidade de acesso menos caro a equipamentos e insumos ou se seus potenciais estavam sendo explorados dentro das Instituições de Ensino Superior (IES), mudando o modo de fazer e pensar das/nas graduações, com novas formas de contar histórias, de pensar novos ambientes e personagens, além de outras possibilidades na captação, edição e manipulação de imagens e sons e facilitação na circulação, difusão e preservação de obras. Enquanto elaboro dois livros com essas pesquisas gostaria de compartilhar, na Revista da FACOM, um pouco do muito que organizei sobre a história da formação em cinema, dividindo-o em alguns artigos. A primeira parte, o presente texto, vai dos primórdios da formação até os primeiros cursos regulares na Europa.
1.1 - A Pré- historia do ensino de cinema A primeira escola de alta formação conhecida foi criada na União Soviética, em Moscou, em setembro de 1919, chamada originalmente de Escola Estatal de Cinema- GIK, que mais tarde transformou-se em universidade- VGIK (Vserossijskij Gosoudarstvennyj Institut Kinematographii). Formada graças à nacionalização do cinema, considerado por Lenin como “a mais importante das artes”, surgiu em meio a uma situação que se apresentou na nascente União Soviética bastante desfavorável para o cinema, com a evasão de equipamentos e profissionais. O que existia, de fato, era um profundo desejo, traduzido em fomento enorme por parte estatal, desejo de tornar o cinema uma indústria autônoma, com produtos e técnicos de alta qualidade e a GIK, como educadora, era essencial para tal. Ademais, artistas das mais diversas artes, incluindo cinema, foram arregimentados e saíram nas famosas caravanas de propaganda e agitação (agit-prop), utilizando suas obras para educar os iletrados camponeses russos. Frequentaram as salas de aula da VGIK artistas de grande reconhecimento como Andrei Tarkovsky, Andrei Mikhalkov, Sergei Paradjanov , Otar Iosseliani, Mikhalkov Konchalovsky e Nikita Mikhalkov, que aprenderam com métodos consagrados que a escola faz questão de manter até hoje, como os de Lev Kuleshov, Sergei Eisenstein, Vsevolod Pudovkin, Aleksandr Dovzenko e Mikhail Romm, entre tantos outros. Os princípios internacionalistas da Revolução de 17 fizeram com que a escola desse acolhida a muitos estudantes estrangeiros, principalmente de Europa do Leste e da África, como a húngara Marta Maszaros, Konrad Wolf, da Alemanha Oriental, Ousmane Sembene, do Senegal e Souleymane Cissé, do Mali. Até hoje é uma questão de princípios de que os ensinamentos ministrados
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combinem atividades de realização em cinema, teatro, televisão e outras mídias audiovisuais com as atividades de pesquisa e ensino, traduzidos em cursos de direção, roteiro, interpretação, direção de fotografia, direção de arte, direção de som, direção de produção e de distribuição e design gráfico. A VGIK foi modelo para escolas de cinema em numerosos países europeus, sobretudo do então existente bloco do Leste, e também para o Egito, Vietnã e China, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial. Mais do que destacar a fundação da GIK como “a primeira escola” é de suma importância valorizar o fato de que seus membros inseriram-se na primeira tradição de teóricos do cinema, chamada “formativa” juntamente com Béla Balázs, Rudolph Arnheim (2) e Hugo Munsterberg (3). Para esses estudiosos o que esteticamente caracterizava mais o cinema era a manipulação da realidade, de se reconstruir o acontecimento pró fílmico. Em Balázs, o cinema ``pode apresentar a realidade mas não tem nenhuma conexão imediata com ela. Precisamente porque ele a representa, está separado dela, não podendo ser a sua continuação’.” Conclui que é a janela cinematográfica, abrindo também para um mundo, que “ tende a subverter tal segregação (física), dados os recursos poderosos que o cinema apresenta para carregar o espectador para dentro da tela’’ (XAVIER, 1984:16). Enquanto o cinema dava seus primeiros passos, esses teóricos já começavam a tratá-lo como um sério fenômeno de estudo, tendência que vai demorar a se manifestar fora da Europa, levando décadas para acontecer no Brasil, talvez pelas próprias características, de precariedade, da nossa cinematografia dos primórdios. 1.2 -Brasil cineclubistas
primeiros
cursos
e
Nas terras brasileiras desde a década de
1920 já se falava em “escolas de cinema” embora com caráter bastante diverso da GIK, principalmente a Azzurri de Arturo Carrari, que pretendia formar atores e alimentar a atividade de cavação (4), gerando campanhas sistemáticas contra elas. Maria Rita Eliezer Galvão em Crônica do Cinema Paulistano, relata que “A partir de 1919, o centro do cinema paulista se desloca das sociedades italianas para as escolas de cinema”. (GALVÃO. 1975). O precursor desse movimento foi um italiano que se tornou conhecido por aqui a partir de 1916 chamado Arturo Carrari, um “cavador”. Consta que Carrari veio em 1911 de Modena, Italia, para o Brasil ser ator. Como fotografo e “documentarista” dirigiu alguns filmes como “O Crime de Cravinhos”, 1919; em 1921, “Um Crime no Parque Paulista”; “O Misterioso Roubo dos 500 Contos” (1922); “Os Milagres da Nossa Senhora da Penha” (A Virgem da Penha e seus Milagres) (1923); Manhãs de Sol (1924); “Amor de Mãe” (1927) e “Anchieta Entre Amor e Religião” (1931). Como aglutinava de seu entorno profissional muitos jovens, filhos imigrantes, montou a Escola de Artes Cinematográficas Azzurri (5) um misto de escola e empresa de cinema. No já citado livro, Maria Rita Galvão situa a importância da criação da Escola, Seus alunos futuros atores, diretores, cinegrafistas, laboratoristas, cavadores seriam os homens que, quase sempre anonimamente, iriam dar ao cinema paulista toda a vitalidade que o sustentou durante mais de dez anos. Não seriam os únicos a fazer cinema em São Paulo, e certamente não seriam os autores dos melhores filmes. Sua importância se deve ao fato de terem feito cinema com continuidade, de terem se associado, nas mais variadas combinações, a todos os homens que fizeram cinema, de terem sustentado o cinema em São Paulo- com sua atividade nem sempre irrepreensívelnas épocas em que ninguém mais filmava. (GALVÃO, 1975: 40) Carrari usava seus alunos como atores dos seus filmes “posados” (não documentais) e assim o fez até 1924, quando passou a se dedicar exclusivamente à cavação, fechando a escola. Seus alunos seguiram
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realizando filmes e muitos criaram novas escolas, como a Internacional, de Francisco Madrigano e a Anhangá, de Aquiles Tartari, ambas em 1925. Embora essas primeiras “escolas” sejam de São Paulo outras experiências se deram no interior e em diversos estados. A figura folclórica do cinema brasileiro E. C. Kerrigan, também abriu uma escola em Campinas e no Rio de Janeiro; Salvador Aragão dirigiu uma que funcionava junto à Guanabara Filme, frequentada por José Silva, português considerado pioneiro do cinema mudo mineiro na década de 20. Em Porto Alegre podese mencionar a Itapuã Film. A quantidade de escolas fundadas no período chamou a atenção da imprensa, que não as viu com bons olhos, se referindo a elas como “antros de prostituição e exploração de alunos,” (sic) que eram responsáveis por financiarem os filmes a fim de poderem ingressar nos elencos. Uma das campanhas públicas mais intensas partiu do redator da revista Cinearte, Pedro Lima, que considerava que elas depunham contra o cinema brasileiro. Na contramão do que vinha acontecendo por aqui, onde as escolas tinham vida muito curta e que eram encerradas muitas vezes por policiais, na Europa cursos superiores de grande monta eram criados e acabaram influenciando, e muito, diversas atividades de formação no mundo todo, inclusive no Brasil. Apesar dos problemas que citamos o fato é que essas primeiras escolas se tornaram importantes pontos de encontro. Vale recordar: a lógica da época, no cinema, era a do empirismo, onde as técnicas (e muitos erros) eram transmitidas no dia a dia dos sets de filmagens. Não é por acaso, assim, que depois de muitos anos de existência as escolas ainda sofriam preconceitos, afinal “a verdadeira” arte só poderia ser aprendida na prática, cabendo as reflexões e discussões mais teóricas, de linguagem e estética, a pequenos cursos e cineclubes. Apesar de desde 1917 já se ouvir falar no Rio de Janeiro em grupos de debates sobre filmes, que reuniam intelectuais de grande prestígio, o título de primeiro cineclube coube ao Chaplin Club, fundado em 1928, também no Rio.
Os cineclubes brasileiros, em franca expansão, sofreram perseguições da censura, chegando a serem proibidos até o final da Segunda Grande Guerra, quando retomaram suas atividades e proliferaram, dentro e fora das universidades. Desde o final dos anos de 1940 a atividade cineclubista no Brasil se tornou intensa, mas insuficiente para dar conta de toda a reflexão necessária e da crescente necessidade de um aprimoramento técnico superior. Dessa primeira fase poderíamos ficar durante muito tempo citando os cursos livres e sua importância no Brasil, influenciando muito as primeiras escolas, como o Seminário do MASP. (6) no entanto, o Seminário Itamaraty- Unesco, em 1963, foi essencial ao Cinema Novo, cabendo aqui uma explicação sobre o surgimento desse que foi mais importante movimento de vanguarda cinematográfica no País:
O Cinema Novo propicia uma ruptura com o passado – a chanchada é proclamada inimigo público número um - por um radicalismo típico dos anos 60, facilitado pela falta de continuidade característica da história do cinema brasileiro até então. Uma visão menos catastrófica da evolução histórica perceberia na eclosão do Cinema Novo um amadurecimento e várias confluências: as experiências neorealistas de Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos, a influência crítica francesa com sua “política de autores”; a formação de um significativo número de profissionais nas escolas de cinema da Europa; o auge da cultura cinematográfica, com o movimento dos cineclubes disputado e polarizado por comunistas e católicos; o surgimento de novas tecnologias com sua contribuição à renovação do documentário e à transformação da linguagem de ficção (câmeras
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leves, gravador Nagra e película sensível condicionam o slogan “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”) A tudo isso é preciso agregar o peso decisivo de fatores extra - cinematográficos: o movimento estudantil e o Centro Popular de Cultura imprimem ao Cinema Novo uma sintonia perfeita com a efervescência intelectual do momento, com destaque para a música, a literatura, as artes plásticas, e a arquitetura (PARANAGUÁ, Paulo in: RAMOS e MIRANDA, 2000: 114) O Seminário do Itamaraty-Unesco trouxe para o Brasil, em 1962, o realizador sueco Arne Sucksdorff(7) e por ele passaram artistas e intelectuais que foram, e muitos ainda o são, essenciais ao nosso cinema. Em suas malas este cineasta europeu não trazia apenas um Oscar, de 1949, mas também uma câmera Arriflex de 35 mm blimpada e um gravador Nagra IV, que possibilitava o registro do som direto, fundamentais ao chamado cinema direto, bastante utilizado pelo cinema novo. 1.3 -E o crescimento continua na Europa: Os anos de 20 a 60 foram essenciais à criação e expansão da formação em Cinema na Europa e tiveram essencial influência nas atividades de capacitação e reflexão em todo mundo, incluindo o Brasil. Entretanto aqui e em outros continentes ocorria o contrário: os cursos de curta duração rapidamente fechavam suas portas por deficits financeiros. A Fundação Centro Experimental de Cinematografia (FCSC)(8) ex Centro Sperimentale di Cinematografía (CSC), fundada em abril de 1935, é a segunda escola mais antiga de cinema do mundo e a primeira na Europa Ocidental, em pleno funcionamento até hoje. Na década de 1920 Luigi Freddi, especialista em cinema, empreendeu diversas viagens para pesquisar as estruturas da indústria cinematográfica nos Estados Unidos. Ao regressar para
a Itália sugeriu a Mussolini a construção de Cinecittà, Istituto Luce e do Centro. No momento que essas instituições foram criadas o escopo era mais o de melhorar a técnica e menos em favor do controle político em si, em uma situação que pode ser considerada bastante confortável, de independência, para os cineastas italianos. Porém houve uma mudança de rumo político em 1939, quando o cinema começou a ser utilizado nas atividades de propaganda do sistema, gerando negativas por parte dos realizadores. No Centro estudaram muitos cineastas italianos como Marco Bellocchio, Michelangelo Antonioni, Francesca Archibugi, Liliana Cavani, Luchino Visconti, Vittorio De Sica e Roberto Rossellini, que foi seu diretor nos anos 70. Também o húngaro Bela Balazs, Mario Soldati, Alberto Lattuada, Luigi Comencini, Giuseppe De Santis, Monica Vitti, Gianni Amelio, Carlo Lizzani, o cubano Tomás Gutiérrez Alea, Alessandro D’Alatri, Roberto Perpignani, Giancarlo Giannini, Stefania Rocca. Entre os estrangeiros, de todas as nacionalidades, que frequentaram o Centro, os latino-americanos regressaram a seus países de origem para a criação dos primeiros programas universitários de cinema, influenciados particularmente pelo NeoRealismo, eis que muitos estudantes e professores dessa instituição eram importantes expoentes desse movimento. Assim me parece correto afirmar que essa vanguarda cinematográfica orientou, estabeleceu o tom, das nossas primeiras escolas e, por conseguinte, de muitos movimentos cinematográficos na América Latina, de atuação para superação da miséria e exploração estrangeira. Em 1939, o Centro passou a ser sediado na Cinecittà. Neste período o Festival de Veneza tornou-se uma vitrine internacional. É importante salientar que como fim da Segunda Guerra Mundial, os professores e realizadores foram perseguidos por suas ideias contrárias às do governo e isso refletiu-se diretamente no Centro, que acabou por restringir-se a uma formação meramente técnica, situação que se estendeu até os anos 60 quando em 1969, com a finalidade de contornar a crise e reconhecer que a televisão vinha tomando espaço, Roberto Rossellini assumiu a direção da escola, incluindo a linguagem televisiva no currículo, reconhecida por ele como um grande espaço de experimentação, para além de um mero meio de comunicação.
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Sobre essa questão: no ano de 1963, em plena atividade como cineasta, Rossellini deu uma declaração dizendo que o cinema estava morto; “Rossellini passa para a televisão para recuperar o projeto pedagógico do neo-realismo, que acabou não se completando no cinema” (9) . Essa postura de aproximação com a televisão foi duramente criticada por outros diretores italianos, como Federico Fellini, que viam na televisão uma ameaça. Rossellini antecipou, e muito, os debates que se seguiriam anos depois, sobre se os cursos deveriam manter-se apenas como “cinema” ou deveriam incorporar outras mídias audiovisuais em seus projetos pedagógicos. Em novembro de 1997, o CSC foi transformado em Fundação, passando a ser Scuola Nazionale di Cinema (Escola Nacional de Cinema), cuja estrutura tinha quatro departamentos básicos: Biblioteca e Atividades Editoriais; Cinemateca Nacional; Formação, Pesquisa e Experimentação; Produção e Promoção Cultural. A Escola preza, principalmente, por ensinar aos seus cineastas os caminhos fundamentais para dar continuidade à evolução do cinema italiano. Atualmente, espalhada entre quatro unidades diferentes no país, conta com profissionais atuantes no mercado cinematográfico, que acompanham, quase que individualmente, os poucos alunos selecionados para cursarem os três anos de curso. A estrutura curricular e o número de profissionais oriundos do curso, os quais trabalham no mercado italiano, fazem com que a busca pelo número limitado de vagas seja alta. Segundo nos explicaram diversos professores desta escola as estratégias de ensino vêm tendo sucesso. Muitos alunos que se formaram recentemente têm tido boas experiências no mercado cinematográfico italiano, fazendo a escola continuar na busca por novas formas de integrar os diversos meios audiovisuais existentes em seu currículo e adaptá-los à Indústria Italiana. Outra escola, que como o Centro, ainda se mantém em grande atividade é IDHEC, Institut des Hautes Études Cinématographiques hoje chamada de La Fémis - École Nationale Supérieure des Métiers de l’Image et du Son .(10) A fundação de IDHEC pelo governo francês foi em 1943 com Marcel L ‘ Herbier como seu primeiro
dirigente e objetivava fornecer uma educação que não só abarcaria todos os aspectos da cinematografia mas também de história, teoria e crítica. Rapidamente adquiriu grande reputação, convertendose em um polo de atração para jovens de todo o mundo, que tinham desejo de tornarse realizadores e teóricos de cinema. Para ilustrar o poder atrativo internacional e da qualidade do IDHEC vale mencionar alguns egressos:o alemão Volker Schlöndorff, Costa-Gavras e Theo Angelopoulos e muitos expoentes da América Latina. Dentre os franceses que lá estudaram podemos destacar Louis Malle, Alain Resnais, Alain Cavalier, Claude Sautet, Henri Colpi, Jean-Jacques Annaud, Yves Boisset, Arnaud Despleschin e George Sluizer, convertendo-se em um ponto de encontro essencial para muitos cineastas da Nouvelle Vague, nascida no final dos anos 1950. A Nouvelle Vague foi um movimento que teve uma vida não muito longa mas repercussões imensuráveis, que veio agitar o cenário do cinema francês e internacional, surgida do encontro de jovens realizadores, como Jean Luc Godard, Eric Rohmer, François Truffault, Claude Chabrol, entre outros, com amplos debates via revista Cahiers du Cinéma. Tal como os neo-realistas, estes cineastas realizaram filmes contestatórios, na contramão dos esquemas de estúdios, com baixos orçamentos, equipamentos mais leves, atores pouco ou nada conhecidos, grande utilização de exteriores, montagens alternativas e temas existencialistas. O IDHEC sobreviveu às condições precárias do final da II Guerra, ao fim da Nouvelle Vague, e se afirmou como uma escola de grande prestígio e se converteu em em 1984 na Fondation Européenne des Métiers de l’Image et du Son, La FÉMIS, sob a orientação de Jean-Claude Carrière, escritor e roteirista, transferindose 1998 para os antigos estúdios Pathé,
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reformados especialmente para receber a escola. LA FEMIS tem como objetivo oferecer uma grade de cursos que estabeleça o equilíbrio entre pesquisa, desenvolvimento profissional e treinamento técnico, seus alunos corriqueiramente vencem os principais festivais de cinema do mundo, como Cannes, Berlim e Veneza. Por não possuir muitos professores fixos durante o curso, o número de pessoas que ministram aulas na FEMIS costuma bater a marca de 500 por ano, assegurando a comunicação dos alunos com diversos profissionais do ramo. Além disso, nos últimos anos, a comunicação da FEMIS com outras faculdades tem aumentado o intercâmbio de relações entre seus estudantes, sejam eles de Atuação (School of Drama for Actors’s Training), Design (Academy of Fine Arts) sejam de Administração (College of Arts), que preparam os estudantes para descobrirem não só suas próprias características artísticas, como as de seus colegas. Dentro da multidisciplinaridade apresentada, a especialização em produção digital revela ser um dos principais focos da instituição. A exemplo do ocorrido com o Centro e o Neo-Realismo , o intercâmbio internacional dentro da escola fez a Nouvelle Vague ter grande influência nos primeiros caminhos das faculdades de todo o mundo, especialmente na década de 1960. Falando especificamente sobre a influência das escolas supra mencionadas, no Brasil o cinema de autor ainda é uma referência muito presente nos currículos das universidades, onde ainda há pouca valorização das disciplinas na área de produção, por exemplo. 1.4 - Estados Unidos e o preconceito da indústria Enquanto na Europa o número e a importância das escolas crescia o mesmo não se pode dizer de outros continentes, como já explicitamos. Nos Estados Unidos da América, desde a década de
1920, existiam algumas graduações que ofereciam disciplinas em seus currículos, consideradas de menor importância dentro e fora do ambiente acadêmico e profissionais do meio, que acreditavam que cinema só se aprendia na prática. Mesmo com a criação de cursos universitários específicos cinematográficos os seus egressos não tinham mais respeito do que qualquer outro trabalhador da Indústria, também podem se citados poucos, como Martin Scorsese que até os anos 60, tinham essa formação superior nos EUA. Porém uma nova década trouxe consigo sementes de mudanças...
Notas 1 Fonte: http://www.ancine.gov.br/fsa/ principaisdiretrizes.htm . Acesso em 01 de dezembro de 2011 2 Crítico de arte e psicólogo da percepção, ligado à Gestalt. Para ele o problema central do cinema está ligado ao processo de reprodução do mundo através da fotografia. 3 Analisava os mecanismos psicológicos da pe rcepção fílmica e a existência de um específico fílmico já em 1916, com The Film: A psychological Study , um estudo publicado em Nova York 4 Termo que se referia à corriqueira prática da época de se fazer registros cinematográfico de acontecimentos, que depois eram ofertados à venda para os interessados. 5 De mesmo nome de uma escola de atores da Itália. Funcionou inicialmente no Bairro do Brás, na Rua Martim Buchara, depois se transferiu para local mais central, na Rua Quintino Bocaiúva 6 Esse Seminário, do Museu de Arte de São Paulo, foi o precursor do curso de Cinema da FAAP e merecerá destaque em um artigo posterior. 7 Considerado por muitos como o crítico francês Georges Sadoul, um dos grandes documentaristas contemporâneos veio ao Brasil especialmente para o Seminário. Na sua bagagem, além de um Oscar que ganhou ano de 1949 por seu documentário Ritmos da Cidade, vieram também uma câmera Arriflex de 35 mm blimpada e um gravador Nagra IV, que possibilitava o registro do som direto, fundamentais ao chamado cinema direto. 8 http://www.fondazionecsc.it/ 9 Fabris, Mariarosaria. “Rossellini, O Cinema e a
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TV” em O Estado de São Paulo apud Oricchio, Luiz Zanin, http://www.italiaoggi.com.br/not10_1203/ ital_not20031102a.htm. 2 nov 2003. 10 www.femis.fr Bibliografia ANDRADE, Rudá. Cronologia da Cultura Cinematográfica no Brasil. São Paulo: Fundação Cinemateca Brasileira, 1962 BERNARDET, Jean- Claude. Cinema Brasileiro: Propostas para uma História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. ________Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro. São Paulo: Annablume, 1995. ________Brasil em Tempo de Cinema. 3.ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. ________et PEREIRA, Miguel. O desafio do Cinema. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1985 ________ O Autor no Cinema: a política dos autores: França, Brasil nos Anos 50 e 60: São Paulo: Brasiliense S. A., 1994 EDGAR, Tom et KELLY, Karin, Film School Confidential: The Insider’s Guide to Film Schools. Nova York, Ed. Peregree, 1997. GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do cinema paulistano. São Paulo: Ática, 1975. MIRANDA, Luiz F. A. Dicionário de Cineastas Brasileiros. S.Paulo: Art. Editora Ltda, 1990. NAGIB, Lúcia. O Cinema da RetomadaDepoimentos de 90 cineastas dos anos 90 . S.Paulo: Editora 34 Ltda, 2002. RAMOS, Fernão (org.). História do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1990. _______, (org.) et MIRANDA, Luiz Felipe (org.). Enciclopédia do Cinema Brasileiro. São Paulo: Editora SENAC, 2000 RIBEIRO, José Américo. O Cinema em Belo Horizonte do Cineclubismo à produção cinematográfica na década de 60. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997 SALES GOMES, Paulo Emílio. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986 SILVA, Luciana Rodrigues. A Formação em Cinema Em Instituições de Ensino Superior Brasileiras -UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO.
Dissertação de Mestrado orientada pela professora Doutora Maria Dora Genis Mourão, defendida na Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, em abril de 2004 ____, Luciana Rodrigues. O cinema digital e seus impactos na formação em cinema e audiovisual . Tese de doutorado orientada pela professora Doutora Maria Dora Genis Mourão, defendida na Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes, em abril de 2012 XAVIER, Ismail, O Discurso Cinematográfico: a Opacidade e a Transparência, São Paulo, Brasil, Ed. Paz e Terra, 1984.
Luciana Rodrigues
Professora titular da FACOM, no Departamento de Cinema, ministrando as disciplinas de Argumento I, II e Produção Executiva. É doutora em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Possui graduação em Comunicação- Habilitação em Cinema- pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), graduação em Direito pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e Mestrado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (ECA/USP), com pesquisas na área de ensino de cinema e audiovisual. Presidente em exercício do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. Já realizou diversos curtas metragens.
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A busca pelo prazer e pela ausĂŞncia de dor em Santo Forte Nathalie Hornhardt
Resumo
Abstract
A partir dos depoimentos dos personagens do filme Santo Forte, de Eduardo Coutinho, o texto analisa suas crenças, fé e religiões desenvolvendo uma ligação com a filosofia utilitarista criada e concebida pelos filósofos ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill.
From the testimonials of the characters in the film Santo Forte, from Eduardo Coutinho, the text examines their beliefs, faith and religions developing a connection with the utilitarian philosophy created and designed by the English philosophers Jeremy Bentham and John Stuart Mill.
Palavras-chave
Keywords
Eduardo Coutinho, Santo Forte, utilitarismo, religião, crença, cinema, documentário
Eduardo Coutinho, Santo Forte, utilitarianism, religion, belief, faith, cinema, documentary
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Personagem bom é aquele que sabe contar história, se você não tem nada para contar, mas é um bom contador, o nada vira tudo. Foi assim que Eduardo Coutinho abriu sua participação na Mesa 12 da Flip (Feira Literária Internacional de Paraty) de 2013. E ainda continuou: “Cinema é isto: se você conta mal, não adianta ter uma boa história. Saber contar é essencial. E não tem nada a ver com caráter. Às vezes um bom caráter é um mau contador. Há pessoas que são chatas” Na companhia de Eduardo Escorel, amigo de longa data e montador do filme Cabra Marcado para Morrer, além de outros títulos como Terra em Transe, São Bernardo e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, Coutinho deixou de lado sua fama de rabugento e dialogou sobre assuntos variados: mídia, política, cinema e cigarro e ainda afirmou que fumar é muito parecido com filmar. Essa foi só a primeira de uma série de homenagens que ocorrerám nesse ano em comemoração aos oitenta anos do documentarista. Foi no início dos anos 60 que Coutinho começou, de fato, a ingressar no mundo dos documentários. Em 1964 iniciaramse as filmagens de Cabra marcado para morrer que a princípio era para ser um filme de ficção sobre movimentos de resistência camponesa na década de 60,
porém suas filmagens foram interrompidas pelo governo militar. Em 1975, Coutinho foi trabalhar para o Globo Repórter (1), como redator, editor e diretor. Nunca tinha feito documentário. [...] Nos anos 1970, em plena ditadura, era mais interessante trabalhar no jornalismo da Globo do que hoje. Antes, a censura era externa; agora ela é interna, e abrange não só o conteúdo quanto a linguagem. (COUTINHO, E. 2013: 20) Com o decreto da anistia em 1979, o documentarista vislumbrou a retomada das filmagens de Cabra marcado para morrer, Em 1981 o filme voltou a ser rodado, em 1984 o longa metragem foi exibido pela primeira vez. A repercussão do filme foi excelente e após conseguir recursos, o filme passou a ser exibido nacional e internacionalmente, foi reconhecido e conquistou alguns prêmios. Após a conclusão de Cabra marcado para morrer, a questão de Coutinho era o que fazer depois desse filme. Em 1997, o documentarista estava com 64 anos e quis fazer um documentário sobre religião, e como se não bastasse, queria fazer um filme num único lugar e apenas com pessoas falando. Para Coutinho, o cinema explorava pouco a palavra e neste momento ele estaria disposto a fazer o inverso: imagens paradas como pano de fundo para os depoimentos de seus personagens (2). E foi aí que em meados do mesmo ano ele se encontrou com o critico de cinema José Carlos Avellar, diretor da RioFilme naquela época, e comentou sobre seu novo projeto.
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Avellar estava interessado em investir em um cinema menos convencional e mais inquieto esteticamente. O dinheiro disponível era pouco, e os projetos não podiam ser grandiosos, não interessava à RioFilme entrar em produções caras. Avellar achava que o cinema com uma proposta mais comercial seguia bem ou mal o seu caminho – o público dos filmes brasileiros tinha dado um pequeno salto -, e o que lhe parecia importante era justamente dar visibilidade a outro tipo de produção. (LINS, C.:2004: 97) Após ganhar o aval de Avellar, Coutinho ficou inseguro, não sabia se tinha coragem suficiente para arriscar, afinal era algo que só ele queria e poderia fazer, algo extremamente pessoal. Como ele mesmo disse:“Tinha de ser aquilo que ninguém quer ou pode fazer, que só eu quero e posso fazer. É uma liberdade absoluta, mas se você fracassa, morre com ela.” (LINS: C.: 2004, 98) Foi daí que nasceu Santo Forte, o filme começou a ser rodado em 1997 e foi lançado em 1999. O documentário é constituído por entrevistas e depoimentos de 11 moradores da favela Vila Parque da Cidade – localizada na Gávea, zona sul do Rio de Janeiro. As entrevistas foram filmadas no dia em que o papa João Paulo II celebrou uma missa no Aterro do Flamengo e alguns meses depois, no dia de natal. Santo Forte tem um lugar estratégico na carreira de Eduardo Coutinho, pois ao ser lançado, o filme foi consagrado e teve um grande apoio critico. O filme refletiria uma concepção de cinema em que o som deixa de ser tributário da imagem e em que se empenha solidariedade máxima à fala do outro, no sentido de tomá-la por verdade que independe de comprovação factual ou explicação sociológica. [...] O filme nasceria da prática, não do cálculo. Sem propor regras, Coutinho inaugurou com Santo Forte, um cinema cujos personagens resistem aos sistemas. [...] Meses depois, enviou um novo projeto a um possível financiador. Já não hesitava. Agora, não só sabia que cinema desejava fazer, como adquirira consciência da carreira que começava de fato a construir. Coutinho não teria inventado o seu cinema sem a experiência vivida. (SALLES, J. M. 2013: 71-73) Depois do lançamento de Santo Forte, Coutinho lançou um filme por ano, vez ou outra contou com um intervalo maior. Como diz Eduardo Escorel, Coutinho
quase morreu duas vezes, a primeira vez antes da retomada de Cabra marcado para morrer e a segunda, antes de começar a produzir Santo Forte. Por isso, esses dois filmes têm tamanha importância na sua carreira. Sem dúvida nenhuma, eles serviram de alavanca para que Coutinho pudesse ser considerado, como é hoje, um dos maiores documentaristas do Brasil. Tanto em Cabra marcado para morrer como em Santo Forte ou em tantos outros documentários seu enfoque maior é com a escolha de seus personagens. Como foi relatado no primeiro parágrafo, seus entrevistados devem ser bons contadores de histórias e não necessariamente precisam contar a verdade. Não estou preocupado se o cara que entrevisto está dizendo a verdade, ele conta sua experiência, que é a memória que tem hoje de toda sua vida, com inserções do que ele leu, do que ele viu, do que ele ouviu; e que é uma verdade, ao mesmo tempo que é o imaginário. Não estou preocupado com a verdade pedestre das coisas, por isso a palavra dele me interessa. (MACEDO, V. 1998: 67) Nota-se que muitos dos personagens de Coutinho além de serem bons contadores de história, possuem o desejo, a vontade, ou em algumas vezes a obrigação da procura pela felicidade, pelo bem estar, por uma vida em que exista a ausência da dor e a busca pelo prazer (3). É o caso de personagens como dona Thereza de Santo Forte. É possível dizer que os discursos desses personagens possuem vez ou outra um contexto utilitarista. O Utilitarismo foi criado no século XVIII, pelo jurista Jeremy Bentham, cujo ponto de partida foram os estudos sobre a ciência do direito, especialmente a teoria do direito natural. Para Bentham, essa teoria que supõe a existência de um contrato original e afirma que se um príncipe não cumpre suas obrigações com seus súditos, esses, mesmo assim, lhe devem obediência. Contrariando esse princípio, Bentham
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substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade. O cidadão, segundo Bentham, deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediência contribui mais para a felicidade geral do que a desobediência. A felicidade geral, ou o interesse da comunidade em geral, deve ser entendida como o resultado de um cálculo hedonístico, isto é, a soma dos prazeres e dores dos indivíduos. [...] o principal significado dessa transformação está na passagem de um mundo de ficções para um mundo de fatos. (BENTHAM, J. 1989: 9) Bentham afirma que a natureza colocou o gênero humano sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. E em razão disso, criou o princípio da utilidade que estabelece a maior felicidade de todos os indivíduos que estão em evidência naquela determinada situação, como sendo a justa e adequada finalidade da ação humana. Para o jurista, a felicidade e o prazer deveriam atingir o maior número de pessoas, sendo o bem estar coletivo e não individual. Já para seu sucessor, John Stuart Mill (4), o indivíduo deveria primeiro promover sua felicidade individual e depois buscar o bem estar coletivo. Felicidade não significa uma vida de arroubo, mas momentos de êxtase numa existência constituída de poucas dores transitórias, muitos e variados prazeres, com um claro predomínio do ativo sobre o passivo; existência fundada, em seu conjunto, sobre a ideia de não esperar da vida mais do que ela é capaz de conceder [...] A deplorável educação, os deploráveis arranjos sociais são, atualmente, o único obstáculo a que quase todos a realizem. (MILL, J. S. 2000: 196) Em Santo Forte é possível identificar vários personagens que utilizam a religião como meio para obter uma vida melhor e possivelmente conquistar mais momentos de prazer e poucos momentos de dor. É o
caso de dona Thereza, uma senhora na faixa dos setenta anos, moradora da Favela Parque Real, viúva que criou seus filhos sozinha e trabalha como diarista. Em várias de suas falas, dona Thereza cita entidades e espíritos aos quais ela tem devoção. Muitas vezes ela os utiliza como alicerce para uma vida menos dura, mais leve e até com rastros de felicidade nessa sociedade que é caracterizada pela desordem do cotidiano e por diferenças nas classes sociais tão consideráveis. Em um de seus relatos, dona Thereza conta de uma cirurgia que teve que fazer: “No dia da operação... Eu subi oito horas da manhã pra operar, quando eu desci de lá de cima eram quase nove horas da noite. As dona s que limpavam o chão falavam para minha filha: você vai embora que ela vai morrer, o que você está fazendo nesse corredor chorando? Pode ir para casa que ela vai morrer.” Logo em seguida, dona Thereza enfatiza que não morreu porque teve a intervenção de seus guias e entidades: “Olha, o senhor sabe que depois quando deu meia noite e meia, as visitas que eu tive? Mas chegou todo mundo... Os espíritos todos na beira da minha cama e eu vi... [...]Aí disseram: nós não te abandonamos. Quando você subiu para operar, a gente estava lá.” (5) No filme fica claro que a religião é tida como meio racional para alcançar a felicidade. É possível identificar isso em outra passagem de Santo Forte, na fala de Quinha, uma senhora por volta dos 50 anos que teve um passado com muitas dificuldades, viu de perto o marido ser assassinado e teve que cuidar dos filhos e de sua casa sozinha. Após contar tudo isso à Eduardo Coutinho, ela desabafa: “E eu pensava ao mesmo tempo em me matar depois eu disse não, se Deus existe, eu vou vencer. Se Deus me deu essa cruz, ele vai me dar força, e eu falava, as vezes até falava sozinha na rua, o pessoal podia até pensar que eu estava doida, mas eu sei que não estava, eu estava falando através da minha fé falando com Deus e eu fui atendida.” (6) Pode-se notar por meio do discurso acima que a fé e suas crenças fazem parte da estrutura desses indivíduos. A religião para eles não permeia a visão gnóstica, ou os tornam revoltados pela vida difícil que levam, pelo contrário, a crença e a esperança em um deus maior são seguidos a risca. A religião se torna parte de suas vidas, eles tendem a pensar, pedir e rezar para entes religiosos sempre que passam por alguma presença de dor. E assim, criam seus próprios padrões de religião, como aponta em seu artigo a pesquisadora Ceiça Ferreira:
Fernando Silveira
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Eduardo Coutinho ministra palestra aos alunos da FAAP, em novembro de 2007.
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Ao retratar essas experiências religiosas individuais e populares, Santo Forte revela também a riqueza do imaginário brasileiro, no qual combinações, analogias e ressignificações, muitas vezes observadas apenas como incoerências ou reflexos de infidelidade a uma determinada concepção religiosa, indicam a capacidade das pessoas de se apropriarem desses discursos e práticas religiosas e utilizá-las de acordo com suas demandas pessoais – pois, embora no espaço público se declarem “católicos apostólicos romanos”, no espaço privado, dentro de suas casas, são capazes de cultivar suas religiosidades afro-brasileiras, relacionadas principalmente à umbanda. (FERREIRA, C. 2012: 122) Em Santo Forte, os personagens desenvolvem sua própria religião a partir de fragmentos extraídos principalmente do catolicismo, das religiões afro-brasileiras e neo-pentecostais. A crença é formada racionalmente e assim acaba se tornando um meio para a tentativa de conseguir uma vida permeada pela felicidade, com maior presença de bem estar e menos dor. Porém, o esforço dos personagens para que isso aconteça é nítido, já que bens materiais estão envolvidos nessa conta. Suas crenças se tornam banais, eles oram e pedem por coisas como emprego, escola para seus filhos, marido, etc. Com o desenvolvimento de suas próprias religiões, cada santo, orixá ou entidade tem uma função específica diante do espectro de pedidos. [...] considero que tenha mostrado bastante bem a possibilidade, mesmo sem o recurso da crença numa Providência, de conferir ao serviço da humanidade a força psicológica e a eficácia social de uma religião; pois a fez arraigar-se na vida humana e colorir todo o pensamento, sentimento e toda a ação de uma maneira tal que a ascendência
exercida por qualquer religião, por maior que possa ter sido, seja tão-somente uma amostra e um prenúncio. Há que se temer apenas não que essa ascendência seja insuficiente, mas que se torne excessiva a ponto de interferir indevidamente na liberdade e individualidade humanas. (MILL, J. S. 2000: 227) Partindo do pressuposto da busca pela felicidade, nossos personagens quebram o padrão e rompem as classificações já designadas, interagindo com novas formas racionais de crença permeando assim o princípio da utilidade criado por Jeremy Bentham e que teve continuidade com John Stuart Mill. Notas 1 Programa criado em 1973 e produzido pela Rede Globo de Televisão. 2 Termo utilizado por Coutinho para designar seus entrevistados. 3 Entende-se por prazer o significado empregado pelos partidários da teoria da utilidade. Desde Epicuro até Bentham, o termo é utilizado para designar o prazer em si mesmo, bem como a ausência de dor. 4 John Stuart Mill era filho de James Mill que por sua vez era melhor amigo de Jeremy Bentham. Seu pai o criou isolado das outras crianças. Aos cinco anos, John já sabia grego, aos nove, álgebra e latim. Com 12 anos já tinha o conhecimento intelectual de um homem de 30. (BERLIN, I, 2000: IX) 5 Transcrição da autora. 6 Transcrição da autora.
Bibliografia BENTHAM, Jeremy; MILL, John Stuart. Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação. São Paulo: Nova Cultural, 1989. COUTINHO, Eduardo. O Olhar no Documentário: Carta-depoimento para Paulo Paranaguá. In: OHATA, Milton (Org.). O Olhar no Documentário – Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013. FERREIRA, C. Entre deuses e mortais: a arte de contar histórias em Santo Forte. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Rebeca), p. 100-125)
Fernando Silveira
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Eduardo Coutinho ministra palestra aos alunos da FAAP, em novembro de 2007.
LINS, Consuelo. O Documentário de Eduardo Coutinho: televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. MACEDO, Valéria. O silêncio depois de uma fala é a coisa mais linda que há. In: BRAGANÇA, Felipe (org.). Encontros: Eduardo Coutinho. São Paulo: Azougue Editorial, 1998. MILL, John Stuart Mill. O Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000. MULGAN, Tim. Utilitarismo. Petrópolis: Vozes, 2012. ORICCHIO, Luiz Zanin. O critico Coutinho. O Estado de São Paulo, São Paulo, 18 jun. 2013, C:5. SALLES, João Moreira Morrer e Nascer: Duas Passagens na Vida de Eduardo Coutinho. In: OHATA, Milton (Org.). O Olhar no Documentário: Eduardo Coutinho. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
Nathalie Hornhardt Professora da FACOM-FAAP, mestranda do Programa de Ciências da Religião da PUC-SP com ênfase em Filosofia, Religião e Cinema. Graduada em Rádio e Televisão pela FAAP.
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Cinema, a Ăşltima imagem antes da Ăşltima?... Cedric Alexander
Resumo
Abstract
Este artigo procura examinar a sintaxe do vídeo, em particular sua imagem de síntese, essencialmente manipulável e usada por videoartistas numa estética ruidosa. Concentramo-nos em ver como artistas fora do sistema de blockbusters (que usa imagens de computador para gerar seus efeitos especiais, ignorando o lado experimental delas) trabalham as imagens sintéticas e o vídeo numa conjugação com outras artes, destruindo estas para reconstruí-las de maneira inovadora.
This article attempts to examine the syntax of the video, particularly its synthetic image, essentially manipulable and used by video-artists in a noisy aesthetic. We focus on seeing how artists outside the blockbuster system (which uses computer images to create its special effects, ignoring the experimental side of those) work with synthetic images and video in a conjugation with other arts, destroying these in order to rebuild them in an innovative way.
Palavras-chave
Keywords
Vídeo, imagem de síntese, hibridização das artes.
Video, synthetic image, hybridization of arts.
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No Japão, o termo burakumin designa os párias dessa sociedade; são o povo invisível, vítimas de ostracismo há séculos. “Eles são não-pessoas. Como mostrá-los senão sob a forma de não-imagens?”, comenta Chris Marker em Sans soleil. Assim, imagens dos burakumin que ele filmara são retrabalhadas através do sintetizador de Hayao Yamaneko (alter ego de Marker), apelidado de a Zona “em homenagem a
Sans soleil: “Não-imagens” para “não-pessoas”
Tarkovsky.” Vários momentos anteriores do filme-ensaio caem nessa Zona; todos ficam com cores supersaturadas, sendo por vezes difícil entender o que é mostrado.
Essas imagens sintetizadas causam fascínio e estranhamento, são como “poeira nos olhos”, usando a expressão do artista e crítico Jean-Paul Fargier: estilhaçam a representação mimética da realidade tipicamente associada aos filmes. As imagens retrabalhadas na obra de Marker contêm o ruído essencial ao vídeo, o qual não apenas subverte nossa tão acostumada recepção de imagens “limpas”, mas igualmente busca aglutinar as várias representações pictóricas, da pintura à fotografia e ao cinema, criando um tipo diferenciado de imagem, algo “além da imagem”, nas palavras do teórico Raymond Bellour. Contudo, não é apenas a parte visual das imagens em movimento que se subverte: o caráter contínuo do tempo cinematográfico também explode pelos ares, de modo
Ancient of Days: horas em segundos
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que a recepção do vídeo deixe de ser automatizada como muitas vezes acontece no cinema. Basta ver o trabalho de Bill Viola, Ancient of days. Numa sequência, as horas de um dia passam em segundos, enquanto uma câmera registra em 180º o fluxo de uma avenida nova-iorquina, até a imagem ficar invertida no início da noite (como se pode ver nas imagens ao lado). Os planos de diferentes horas – e, naturalmente, com diferentes iluminações – se fundem de maneira harmônica na montagem contínua, e o efeito geral deste trecho impressiona exatamente pela maneira inovadora com que Viola registra algo tão presente no cinema quanto a passagem do tempo. Percebe-se com isso que qualquer imagem pode cair na Zona, e pode-se fazer virtualmente qualquer coisa com ela. Mas os computadores não precisam ter sempre um referente real para criar todo um universo que existe apenas em si mesmo, e não fisicamente. Tron é um dos primeiros filmes em que isso ocorre: seu cenário não foi obtido através do registro de um determinado espaço num determinado tempo; ao contrário, foi inteiramente criado por computador. Importa agora a capacidade de manipulação, característica possibilitada com a popularização do computador pessoal, a partir dos anos 1980. Há desde então um processo de digitalização de imagens, sons e textos, além da tradução dos meios analógicos para os digitais; com isso, todos esses materiais podem ser (re)trabalhados por quem antes assumia uma posição mais ou menos passiva quanto à criação: o espectador. Desnecessário lembrar, o rótulo “passivo” é questionável; Mikhail Bakhtin analisou a interação com a obra de arte não apenas como um processo ativo, mas igualmente criativo. “O sujeito que compreende, participa do diálogo continuando a criação da obra, multiplicando a riqueza do já-dito”, afirma Solange Jobim e Souza num estudo sobre o teórico russo. Bakhtin provavelmente não pensava nessa relação em termos de cinema, mas sua análise serve perfeitamente para a área em estudo. A questão, no momento, é que o espectador participa no plano virtual como “ator, produtor ou coprodutor”, de acordo com Bellour em seu ensaio “A dupla hélice”. Não por acaso, Nível Cinco – o filme de Chris Marker sobre realidade virtual, memória e história e como elas se entrecruzam e afetam o presente –, começa com vários planos de mãos manuseando um mouse. Seriam as imagens de síntese – obtidas a partir de conceitos matemáticos – a última imagem, aquela que nega o caráter das existentes até agora?
Ou seria o cinema quem ocupa esse lugar, como afirmou Katia Maciel? Para ela, as imagens em questão equivalem a não-imagens, por não manterem mais um referente além delas mesmas (conceito tomado de Baudrillard). Maciel acerta ao descrevê-las como sendo recriáveis “a cada instante em uma eterna metamorfose”; dissemos acima como a manipulação é um fator que atingiu níveis sem precedentes nas imagens numéricas, que são amplamente usadas no cinema bombástico de Hollywood (a autora define suas produções como “filmes software”, indicando a tremenda atuação do computador para criá-los), sendo um dos pioneiros nessa técnica o já citado Tron. Se os efeitos deste filme hoje nos parecem datados, isso revela o quanto as tecnologias digitais avançaram em poucas décadas.
Conjugação das artes: A Última Tempestade
A concepção de mundos inteiros por meio de- imagens-síntese igualmente se sofisticou nesse processo. Mas isso não significa que apenas produções comerciais fazem uso delas: Maciel menciona A Última Tempestade, que usa essa tecnologia de softwares para inserir camadas ao filme que contenham pinturas, gravuras, textos; essa adaptação de A Tempestade consegue conjugar, assim, o caráter da obra em que se baseia (literatura) com encenação (teatro) e outras grandes influências no cinema de Peter Greenaway (artes
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plásticas, arquitetura, música). Dessa forma, exploram-se ao máximo as artes enquanto vasos comunicantes, indo contra o uso do computador apenas como ferramenta produtora de sequências empolgantes porque simplesmente impressionam... O ceticismo quanto ao futuro incerto das imagens é válido; contudo, ao invés de decretar o cinema como a última delas ou a penúltima (talvez seja muito cedo para tanto), devemos nos preocupar com a maneira como as imagens de síntese atuam e se integram ao cinema e ao vídeo. Ocorre a “construção de um discurso dialético” – usando a expressão de Christine Mello em seu livro Extremidades do vídeo –, em que a tendência é, ainda segundo Mello, de hibridização da pintura, fotografia, cinema e vídeo, sem esquecer que o universo digital atua cada vez mais nesse processo. Notadamente, Greenaway e Godard antecipam isso há décadas. Pode ser que a convergência de mídias gere uma nova arte, “qualquer que seja a [sua] nova natureza e independente do que tenha nos restado da antiga” (Bellour). Devemos nos atentar, entretanto, para o que Godard diz em Numéro deux: “Minha mão é uma máquina que dirige outra máquina... talvez seja o contrário.” No deslumbramento das novas tecnologias, muitas vezes fica-se preso a suas vantagens e possibilidades; torna-se escravo delas ao dominá-las. Para fugir disso, é necessário ser criativo e usar os recursos técnicos de modo a pôr um significado no vídeo ou filme. Um bom exemplo é Empire, de Edouard Salier: as sobreposições transparentes impactam porque literalmente passam por cima das cenas mostradas, sem serem facilmente legíveis no início. Porém, logo se percebe que o efeito usado camufla tanques, aviões e navios bélicos, tendo como contexto cenas do American way of life dos anos 1950 e 60. Esse estilo de vida tem seu preço para os outros, mas, estando distantes, são invisíveis
para o típico americano, como os burakumin para os japoneses – com a exceção de que os dois últimos vivem no mesmo território. Com isso voltamos ao ponto de partida: o Japão. Na mesma época em que Marker explorava a desconstrução do espaço-tempo em Sans soleil,e viola o fazia com o tempo em ancient of days, o cineasta e videoartista nipônico Toshio Matsumoto experimentou as possibilidades da desconstrução do espaço com Shift. Um bloco de prédios é esfacelado vertical e horizontalmente, tentando se recompor apenas para se decompor. “Nenhuma imagem deve sair inteira daí”, diz Jean-Paul Fargier, e de fato nenhuma o faz. Trechos antes, Fargier descreve a aparência do vídeo:
Shift: Arquitetura esfacelada, imagem ruidosa
“sinuosa, sincopada, perturbadora”. Todas servem para a impactante obra de Matsumoto, em especial a última, pois é difícil permanecer indiferente à desconstrução visual dos edifícios; a arquitetura avança e retrocede, vai e volta; sente-se oprimido, ou melhor, esmagado... O pessimismo exacerbado de alguns teóricos das imagens tende a afetar a discussão que se tem a respeito delas. Por um lado, é importante questionar-se como as imagens em geral – e, agora, especialmente as de síntese – têm sido usadas pelas grandes mídias a seu próprio favor e sem propor reflexões profundas acerca do
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Sans soleil: Japonesa em celebração tradicional vista através do sintetizador de Hayao Yamaneko/Chris Marker
mundo contemporâneo; mas, por outro lado, seria ingênuo crer que as imagens servem apenas para estes meios e com um único fim, estritamente capitalista. O homem é insatisfeito consigo mesmo e seu entorno; seus questionamentos levam a novas perguntas num processo sem fim, como na semiose peirceana em que um signo gera outro ad infinitum; é desse modo que a humanidade se reinventa. Por isso filmes, vídeos e as artes em geral não ficam paralisados. Uma nova forma de imagens surgiu nas últimas décadas, o que deu fôlego desde então a artistas que souberam usar essas novas tecnologias, propondo um cinema diferenciado, o vídeo. Ele é necessário exatamente por nos fazer reavaliar a maneira automatizada como passamos a receber imagens; no vídeo a escrita tende a ser ruidosa, “barulhenta”, usando outro termo de Fargier. O fim que o cinema terá é incerto, como o de todas as artes; mas o vídeo e suas imagens de síntese incendiárias não reduziram os filmes a cinzas por negar algumas de suas características (a “imagem limpa” e sua representação mimética da realidade). O vídeo é como o Zaratustra de Nietzsche: destrói para construir, mas sem que isso leve à aniquilação total do passado; pois o futuro alcançado se torna passado, e o nosso futuro trilhamos a partir disso.
e Construção do Sentido, Campinas: Editora da Unicamp, 1997. MACIEL, Katia, “A última imagem”. In: PARENTE, André (org.), Imagem-máquina, São Paulo: Editora 34, 2004. MELLO, Christine, Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2008.
Filmes e vídeos citados Ancient of days (idem, 1979, EUA), dir. Bill Viola Empire (idem, 2004, França), dir. Edouard Salier Nível Cinco (Level Five, 1997, França), dir. Chris Marker Numéro deux (idem, 1975, França), dir. Jean-Luc Godard Sem sol (Sans soleil, 1983, França), dir. Chris Marker Shift (idem, 1982, Japão), dir. Toshio Matsumoto
Bibliografia BELLOUR, Raymond, “A dupla hélice”. In: PARENTE, André (org.), Imagem-máquina, São Paulo: Editora 34, 2004. BELLOUR, Raymond, “Fragmentos de um arquipélago”. In: Revista Imagens – vol. 3, Editora da Unicamp, 1994. FARGIER, Jean-Paul, “Poeira nos olhos”. In: PARENTE, André (org.), Imagem-máquina, São Paulo: Editora 34, 2004. JOBIM E SOUZA, Solange, “Mikhail Bakhtin e Walter Benjamin”. In: BRAIT, Beth (org.), Bakhtin, Dialogismo
Tron (idem, 1982, EUA), dir. Steven Lisberger Última Tempestade, A (Prospero’s Books, 1991, Reino Unido), dir. Peter Greenaway
Cedric Alexander
Aluno do 4o. Semestre de cinema da FACOM FAAP.
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Quatro nuances de Cinquenta tons de cinza: breves análises dos pontos de vista da comunicação, da sociologia, da psicanálise e da literatura. Maria Lucia Homem, Monica Rugai Bastos, Sandra Nunes, Tatiana Amendola Sanches
Resumo
Abstract
Este artigo tem como objeto de análise a trilogia iniciada com o best-seller Cinquenta tons de cinza, escrita por E. L. James e lançada em 2011, composta pelos volumes: Cinquenta tons de cinza, Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade. O artigo traz reflexões sobre os livros enquanto produtos da cultura midiática e seus diálogos com os estudos de comunicação e cultura contemporâneos, a sociologia, a literatura e a psicologia. Opera sob pontos de vista de diversos autores, como Bauman, Honneth, Illouz, Giddens, Lacan e Thompson, que são referências nas reflexões da comunicação, promovendo debate sobre consumo, sobre as propostas da autora a respeito da sexualidade e sobre a literatura soft porn.
This article discusses the trilogy that begun with the 2011’s best seller Fifty Shades of Grey, written by E. L. James and consists of the three following volumes: Fifty Shades of Grey, Fifty Shades Darker and Fifty Shades of Freedom. It thinks of the books as products of media culture and the dialogues the trilogy establishes with communication studies, contemporary culture, sociology, literature and psychology. This work aims at discussing the views of thinkers such as Bauman, Honneth, Illouz, Giddens, Lacan and Thompson - references in the contemporary communication theories - promoting a theoretical debate on consumption, on the author’s discourse on sexuality and the so called soft porn literature.
Palavras-chave Comunicação. Consumo. Literatura. Soft Sexualidade. invenção, contemporaneidade
Keywords porn.
Communication. Consumption. Literature. Soft porn. Sexuality.
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1. O pornô soft do Casal 50 Uma rede de hotéis britânica chamada Damson Dene (1) adotou uma nova estratégia de marketing durante as olimpíadas de 2012 em Londres: trocar as Bíblias deixadas nos quartos pelo grupo religioso Gideões Internacionais, que normalmente se encontram em gavetas de criados-mudos de hotéis, por uma opção um pouco menos, diríamos, canônica. A nova atração dos criados-mudos é o livro Cinquenta tons de cinza. Com mais de 65 milhões de cópias vendidas no mundo todo, o livro foi escolhido como um bom substituto da Bíblia, segundo o proprietário do hotel Jonathan Denby. O livro conta a estória de uma relação amorosa entre uma estudante recém formada em letras chamada Anastasia Steele e um empresário milionário chamado Christian Grey. O romance inicia com a proposta de uma relação sadomasoquista feita por Christian à Ana que, depois de alguns orgasmos, um Macbook Pro, um Blackberry e um Audi, resolve ceder aos encantos do dominador. A trama acontece em três volumes – Cinquenta tons de cinza, Cinquenta tons mais escuros e Cinquenta tons de liberdade. Ao longo da estória, o personagem Grey revela que seu gosto por sadomasoquismo provem de uma infância perturbada, marcada pela violência e
pobreza, justificando sua “anormalidade”. A personagem de Ana mostra compreensão com seu namorado, entendendo suas demandas por sexo e dominação como frutos de sua vida sofrida. Tudo termina com um típico final feliz – casamento e filho - marcado por uma relação amorosa quase água com açúcar, talvez apenas um pouquinho mais apimentada que qualquer comédia romântica de sessão da tarde. As estratégias de marketing inspiradas nos Cinquenta tons não param na rede de hotel acima citada. Outros hotéis também se aproveitaram da situação para atrair hóspedes. É o caso do hotel Max e do hotel Edgewater, ambos em Seattle, que criaram pacotes para que os hóspedes vivenciem experiências similares as do casal. Alguns hotéis prometem experiências bem fiéis ao livro, como por exemplo uma garrafa do champagne Bollinger Grande Annee Rose 1999, favorito do personagem Grey. A trilogia é acima de tudo um fenômeno da cultura das mídias: surgiram de uma fan fiction da série de livros e filmes Crepúsculo e hoje ganham expressividade crescente na cultura midiática, alimentando expectativas em torno dos prometidos filmes que saciarão os desejos de milhares de fãs de ver Grey em ação. Fan filmes, discussões em blogs, entrevistas e debates em programas de televisão e outras fan fictions vão surgindo enquanto isso. O mundo do casal tons está em todos os lugares, refletindo desejos, permeando imaginários e produzindo os sentidos com os quais as pessoas alimentam suas vidas cotidianas.
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Este artigo terá essa trilogia por objeto e partirá da premissa de que embora a cultura da mídia promova interesses dominantes, promove, também, o entendimento dos processos culturais em suas relações com as esferas sociais. Como coloca Kellner (2001), a cultura das mídias não pode ser meramente rejeitada como instrumento da ideologia dominante, mas contextualizada e compreendida dentro das contradições sociais que a circundam. Duas impressões iniciais se colocam. Em primeiro lugar, pode-se pensar a troca simbólica da Bíblia por um best seller como uma bela metáfora da radicalização da modernidade e do avanço da modernidade reflexiva (GIDDENS, 1991), consequência da ruptura que marca a passagem das sociedades tradicionais para as sociedades modernas. O hotel, ao trocar a Bíblia – símbolo de tradição – por um produto da cultura midiática, evidencia a importância assumida pelos produtos culturais na produção de sentido que permeia a vida cotidiana dos indivíduos no mundo contemporâneo. Nossos selfs são, segundo essa linha de pensamento, mais reflexivos e mais abertos. Podemos fazer o que quisermos, o que não é nada fácil. Os produtos culturais midiáticos cumprem aqui a função amparadora de fornecer o material simbólico com o qual as pessoas constroem seus selfs, sua identidade e buscam reconhecimento. Em segundo lugar, o livro E. L. James - que como vem sendo classificado dentro de categorias como soft porn, pornô pop ou mesmo mommy porn - parece permeado de afeto e moralismo, e seu sucesso parece estar ligado ao fato de que é, antes de tudo, mais do que sobre uma relação sadomasoquista, sobre a busca de amor, e portanto fonte de educação sentimental. O personagem Christian Grey, em determinado momento da narrativa diz à Anastasia: “I don’t make love, I fuck, hard.”. Muito embora essa frase possa soar como um certo abandono de uma narrativa amorosa romântica, percebe-se ao longo da leitura que o que o casal faz é amor. E se há algo pornô nessa trama toda, é um pornô soft, nada hard. Segundo May (2011), o lugar que o amor ocupa no mundo contemporâneo parece ser o já ocupado pela religião, em grande parte da nossa história ocidental: ser incondicional, benevolente, harmônico, eterno, perfeito, reconciliador. Ou seja, para o autor, a fé no amor como forma de salvação vem de uma percepção histórica que via o divino como origem do amor humano a ser imitado e que,
paradoxalmente, justamente pela queda na fé religiosa que permeia alguns grupos sociais específicos, atribui ao amor o lugar do divino. A busca do amor como salvação e redenção não se faz nova nos produtos da cultura midiática e as narrativas parecem se repetir. Podemos citar um outro casal famoso das séries de televisão: o Casal 20, ou Hart to Hart. Jonathan Hart era um self-made-man, milionário como Christian; Jennifer Hart, uma jornalista; Ana Steele, uma revisora. O Casal 20 e o Casal 50 tem muito em comum. Na série dos Hart havia um chauffeur que cuidava do casal. Na estória dos Grey, há Taylor, que também é o chauffeur, e que passa a maior parte do tempo protegendo o casal. O Casal 20 buscava apimentar um relacionamento cotidiano com tramas policiais, o Casal 50 pretende apimentar o relacionamento com sexo soft sadomasoquista. Os 30 anos que separam o casal 50 do casal 20 não parecem indicar transformações significativas na forma de abordar as relações amorosas, embora haja tanta polêmica em torno dos 50 tons. O que muda é apenas o elemento fantasioso da relação: vamos do perigos que circundam o mundo do crime aos perigos que circundam o mundo BDSM (Bondage & Discipline, Dominance & Submission, Sadism & Masochism). Ambos apontam para a busca crescente por narrativas amorosas midiáticas. Como acima colocado, os leitores do best-seller constroem seus self amparados no conteúdo simbólico oferecido pelo livro, drenando material simbólico da narrativa midiática para reelaboração e manutenção das suas próprias biografias. Ana Steele é uma menina recém formada e imatura que pode ser caracterizada como detentora de um “self-under-construction” que encontra um “self-made-man” e milionário disposto a solucionar seus problemas e ajudá-la a construir sua identidade da forma mais sedutora possível. Ele oferece a ela e a todas os leitores a solução para os seus problemas. Assim, não é apenas Mrs. Steele que se apaixona, mas todos os
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leitores do livro: sabemos de casos de mulheres que se divorciaram após a leitura do livro, ao se darem conta que desejavam um marido com uma “pegada” um pouco mais dominadora. A narrativa implica em inúmeras consequências problemáticas para o sujeito, especialmente a impactante intrusão mediada de mensagens ideológicas publicitárias e a absorção viciada do leitor. Assim, os materiais simbólicos mediados podem deixar de ser simplesmente um recurso para o self, mas sua preocupação central (THOMPSON, 2012). O que explicaria, então, o sucesso de uma estória tão banal e ordinária é em grande medida a inserção da literatura pornô pop de Cinquenta tons dentro do que autores como Illouz (2011) e Furedi (2004), ainda que de pontos de vista diferentes, apontam como um contexto em que a cultura popular e o entretenimento assumem papel de terapia, oferecendo saídas e respostas: Today, with the rise of confessional mode, the blurring of the line between the private and the public and the powerful affirmation for emotionalism, there is little doubt that it has become a formidable cultural force. Its power is demonstrated through the influence over popular culture. That the therapeutic code can overwhelm other more traditional codes of meaning is strikingly illustrated in the Sopranos. (FUREDI, 2004, p. 17) Como coloca Illouz (2012), um best-seller pode ser definido pela sua capacidade de dialogar com nossa experiência social em três aspectos centrais: os best-sellers falam de algo familiar à nossa experiência social, apresentam algo problemático ou dificultoso dessa mesma experiência; e finalmente oferecem uma solução simbólica ou fantasiosa à esse problema. Em Cinquenta tons de cinza temos esses três elementos: os temas amor e sexo que nós são familiares; as dificuldades
que envolvem o amor e o sexo – o que homens e mulheres querem quando estão juntos? -, e finalmente, o terceiro elemento: o contrato sadomasoquista que simbolicamente resolve os problemas do casal. Ou seja, a questão de como conciliar os desejos de um e de outro no mundo contemporâneo em que o individualismo impera é resolvida pelo contrato-fantasia BDSM.
Para Dryer (2002), se o entretenimento clássico bebia na fonte do exótico, excepcional e utópico; o entretenimento de hoje está cada vez mais próximo das realidades dos consumidores (DRYER, 2002). No caso dos 50 tons não há de fato algo transgressor e exótico no sexo narrado, mas ao contrário, há justamente uma proximidade com a vida cotidiana e busca de prescrição terapêutica para a mesma. Os leitores querem fantasiar soluções de 50 tons: acompanham o processo terapêutico de descoberta das razões que levam Grey a ser o que é, compreendem e legitimam sua postura dominadora. O último livro da trilogia chama-se Cinquenta tons de liberdade, o que não deixa de ser irônico, já que é justamente essa liberdade mesma que parece não existir. Encontramos no livro a fantasia perfeita de um homem poderoso, dominador e lindo que daria tudo que tantas Anas querem: alguém que escolha por elas, que lhes dê o sapatinho de Cristal e que realize o sonho de transformação da Gata Borralheira em uma Mrs. Grey bem vestida, rica e dotada de uma vida sexual incrível. Decorre que o pornô se torna soft, cumprindo o papel da fantasia solucionadora dos problemas que atravessam a vida amorosa dos leitores. E assim vivemos felizes para sempre no mundo dos best-sellers-divã da cultura midiática contemporânea. Em seguida, o artigo buscará explorar melhor algumas outras nuances dos problemas supra citados: as dimensões sociológica, literária e psicanalítica. 2. Os tons da violência O que eu estava pensando? Por que deixei que ele fizesse isso comigo? Eu queria o lado escuro, explorar o quão ruim poderia ser – mas é muito escuro para mim. Não posso fazer isso. No entanto, é o que ele faz. É assim que ele tem prazer.
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Que toque monumental para me acordar. E, para ser justa com ele, ele me avisou várias vezes. Ele não é normal. Tem carências que não posso satisfazer” (Cinquenta tons de cinza, p. 449) . Anastácia Steele (Ana) conclui, em um momento da narrativa, que seu relacionamento amoroso com Christian Grey é insatisfatório. Apesar de ter sido espancada pelo amante, busca justificá-lo, e assume sua própria “incapacidade” de atender às “carências” dele. Ainda que o gesto de Ana suscite outras reflexões, discutiremos propriamente o tipo de relacionamento construído por Steele e Grey sob a luz da Sociologia. Segundo Honneth (2003, p. 210), atualmente, há uma tentativa de busca pelo reconhecimento da individualidade nas relações sociais, tanto pessoais, como jurídicas e institucionais. Essa busca de reconhecimento estaria presente inclusive nas relações amorosas, ou de amizade; os indivíduos seriam reconhecidos na medida em que amados, estimados. E as formas frequentes de desrespeito nessas relações se traduziriam em maus-tratos e violações. A narrativa é em primeira pessoa, o que, de alguma forma, indica uma busca de reconhecimento. Ana Steele conta sua experiência de relacionamento amoroso, evidenciando, no seu discurso, pouco conhecimento sobre sua sexualidade, além de uma baixa autoestima. Revela-nos também que quer ser amada, na verdade; há, de alguma forma, um “querer mais”. Pode-se apenas supor o que significa “mais”, uma vez que a relação sugerida por Grey é um jogo sexual sadomasoquista, no qual ele seria o “dominador” e ela a “submissa”. Apesar de aparentemente aceitar fazer parte do jogo, Ana sente-se humilhada, perde o pouco respeito que tinha por si mesma, e tem sua integridade física – e a psicológica – ameaçada. Ana parece estar em fase de construção da identidade adulta: terminou a faculdade, inicia as primeiras tentativas de inserção no mercado de trabalho. Percebe-se a insegurança da personagem toda a vez que se refere a si mesma. Comparase à amiga com quem mora, sentindo-se feia e desajeitada. A amiga Kate é rica e linda, assim como Grey. Os dois parecem sentir-se confortáveis em/ com seus corpos, o que se torna a característica invejada por Ana. Para ela, o “conforto com seus próprios corpos” revela-se na postura elegante, na
sinuosidade dos movimentos que lhes atribui graça e sensualidade e no fato de parecerem adequados nas diversas situações sociais a que são submetidos. Ana, pelo contrário, sente-se constantemente inadequada. E, nos raros momentos em que se sente bela e sedutora, usa as roupas de Kate. Tornase dependente de outros para construir sua segurança. Em todos os comentários sobre si, (Kate e Grey), fica subentendido que a adequação dos dois está diretamente ligada às condições sociais diversas das suas. Bourdieu associa o gosto ao estilo de vida e à condição de classe (1983, pp. 8283). Apesar de definir-se como descolada e desencanada com relação às roupas, ao carro, ou ao consumo, a personagem gosta e usufrui do conforto proporcionado pelo dinheiro. Não é de causar espanto sua admiração à posição social de Grey, e que aceite, apesar da inicial relutância, todos os presentes dados por ele. Esses presentes são reconhecidos pelas marcas que ostentam, o que revela sua propensão ao consumo, disfarçada durante os anos de faculdade. Segundo Bauman, “tornarse uma mercadoria desejável e desejada é a matéria de que são feitos os sonhos e os contos de fada” em uma sociedade de consumidores (2008, p.22). Christian Grey representa a sociedade de consumidores a que Bauman se refere (2008, p. 71) na medida em que promove e estimula a escolha de um estilo de vida que busca exclusivamente o prazer, advindo do sexo e do consumo. Ana tornase uma mercadoria cobiçada e, por meio de outras mercadorias, Grey se aproxima dela. O contrato referendado nessa troca permite que se apodere dela por meio da obediência incondicional. Ele não quer ser amado, mas obedecido, e em nenhum momento isso muda. Ela o justifica por meio de chavões e clichês psicanalíticos, mas o domínio sobre ela se revela em todos os movimentos de Grey, mesmo naqueles que, aparentemente, são confundidos com cuidados: ciúme doentio e controlador, vigilância constante e provimento de mercadorias não requisitadas, mas apreciadas.
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Muito embora o livro procure mostrar uma tentativa de reconhecimento do outro como ser autônomo e independente, digno de um relacionamento puro (GIDDENS, 1993, p. 69) isso jamais acontece. Ana é a típica mulher “controlável” segundo os padrões masculinos: como já foi apontado tem baixa autoestima, além de pouca experiência afetiva e nenhuma experiência sexual. Grey lhe parece, emocional e psicologicamente, muito mais velho do que realmente é. Apesar de não ser o caso de desviarmo-nos da discussão proposta, é inevitável pontuar a lembrança do personagem principal do livro O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. O nome da personagem: Christian Grey já parece uma referência à personagem de Wilde, além disso, se trata de um contrato unilateral por meio do qual Dorian deixaria de envelhecer na aparência, desde que mantivesse sua pintura, que envelheceria em seu lugar. Esse recurso de mencionar outras obras é algo utilizado pelos produtos da indústria cultural, permitindo certa identificação do público leitor. Mas, nesse caso especificamente, parece mais um recurso de diálogo com um público intelectualizado e com a crítica. É quase como um anseio por legitimidade por parte da autora (BOURDIEU, 1989), na sua própria busca por reconhecimento. A relação retratada parece quase um retorno aos romances escritos por homens no século XIX. Os romances escritos por mulheres – como Charlotte Brontë, Emily Brontë, Mary Shelley, Jane Austen – já mostravam a busca de novas rotas para o amor: deveria ser uma relação entre iguais. A desigualdade produziria uma relação de dominação na qual o homem exerceria poder e a mulher seria submetida ao relacionamento por uma série de conveniências sociais: o casamento, a maternidade, o provimento financeiro. Uma relação entre iguais permite o rompimento das conveniências sociais e o estabelecimento do relacionamento puro, cuja motivação está na própria relação, tão somente (GIDDENS, 1993, p. 69).
Grey diz querer assumir o provimento de Ana, por ser rico, mas isso significa controle e exercício de poder sobre ela. Interessante observar que o sucesso do livro talvez esteja nisso: o controle por meio do sexo e do consumo. A personagem fica em dúvida sobre o quanto pode aceitar essa relação, que não lhe parece inaceitável pela sua característica de dominação permanente, pela violência inserida nos contatos, sejam sexuais, sejam de outra natureza. A necessidade de punir de Grey está na natureza da relação. Grey parece acreditar que se trata de um “jogo” do qual os dois podem extrair prazer. Na verdade, trata-se de uma relação violenta que ele finge controlar. A violência exercida como forma de poder sobre outra pessoa só se sacia pela obediência, mais que isso, pela crença na obediência do outro. Logo, a desobediência real ou percebida como tal será sempre punida. O executor da punição desejará a submissão absoluta do outro, quando isso não acontece, o grau da violência aumenta. Segundo Giddens (1993), as sociedades modernas experimentaram uma séria transformação nas formas da intimidade humana. Vários foram os fatores que levaram às mudanças no casamento, nas relações sexuais, e afetivas. Isso significou alterações nas expectativas a respeito da intimidade, nem sempre acompanhadas pelos indivíduos. De forma diferente, Honneth afirma (2003) que houve uma modificação no formato dos conflitos sociais. Ambos, de diferentes maneiras, apontam para a construção de uma sociedade na qual as vontades, as buscas foram se modificando e as individualidades precisam ser compreendidas pelos sujeitos sociais e políticos. No sentido apontado pelos autores, os relacionamentos sociais estão baseados nesse reconhecimento ou entendimento dos grupos sociais e dos indivíduos. Na medida em que isso não é possível, os conflitos apareceriam nas relações. Ora, ao tratar dos relacionamentos atuais, a literatura aponta para os conflitos e confrontos entre indivíduos com vontades diferenciadas, com expectativas diversas. Tais confrontos ocorrem nas relações de trabalho, nas amizades, nas famílias e nas relações amorosas. Na medida em que as transformações se operam, como saber qual é o comportamento esperado? Sem manuais de conduta, alguns textos – científicos, técnicos e literários – acabaram servindo como tal. O material produzido pela indústria cultural, até por sua
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disseminação, acabou ocupando esse papel mais recentemente. Logo, Cinquenta tons de cinza, embora, aparentemente, um elemento de diversão e leitura descompromissada, acaba por tornar-se uma fórmula de busca de prazer. Nesse sentido, ocorre a banalização da violência em uma relação amorosa. As descrições das personagens de Cinquenta tons de cinza parecem perfis de internet, como Illouz explica, isso permite, de certa forma, a criação da fantasia sobre o outro (2011, p. 136). Talvez seja esse elemento que “distraia” o leitor, apontando para as “possibilidades” da relação e não para suas “impossibilidades”. Fica mais fácil ver Grey como um homem “atento às necessidades da parceira” – ainda que isso só se expresse por meio de presentes caros – do que um homem “controlador, possessivo e dominador”. Giddens aponta que as mudanças na intimidade “cobraram um preço” dos indivíduos modernos. A demanda por igualdade significou transformações nos papéis sociais (1993, p. 146-148). Os homens não são necessariamente os provedores da casa, como eram essencialmente vistos no passado. As mulheres entraram no mercado de trabalho e, embora não em condições de igualdade – nem de funções, nem salariais –, passaram a contribuir para o provimento doméstico. Isso significou certa independência financeira que permite a elaboração de um relacionamento puro: a relação justifica-se por si mesma, uma vez que a mulher não depende do marido para sustentar-se. Por outro lado, na maioria dos casos, as mulheres mantêm suas funções domésticas apesar de, também, saírem para trabalhar todos os dias. Ou seja, o trabalho externo, embora signifique certa independência, não significa propriamente liberdade, mas sobrecarga. Talvez a partir dessa constatação, se possa entender, ao menos parcialmente, a percepção de Grey como “o provedor”, e sua idealização. O que pode ser, de certa forma, não uma justificativa, mas uma atenuante para seu comportamento violento. O provedor tudo pode. Trata-se de traço marcante numa sociedade em que persistem elementos patriarcais. Considerando os apontamentos de Bauman sobre a sociedade de consumo (2008), Grey aparentemente antecipa os desejos de Ana, fornecendo prazer por meio das mercadorias e serviços de qualidade que o dinheiro pode comprar. Como se constata imediatamente, Ana não tem uma personalidade reflexiva, embora
no livro pareça “pensar” sobre o que lhe acontece. Seu pensamento parece buscar explicações sobre os acontecimentos e atitudes, mas em nenhum momento parte para a análise/reflexão sobre sua própria conduta, comportamento e sentimentos. A busca por aprovação social a transforma em um ser totalmente dependente dos outros. Há claramente um mecanismo de compensação na relação: ele provê mercadorias e segurança, ela entra em seu “jogo”. Essa aparente “troca” pode enganar o leitor. Na verdade, Ana fica constrangida em alguns trechos do livro porque “gosta do que deveria rejeitar”. No entanto, como a personagem não se constrói de forma reflexiva, em nenhum momento desenvolve a ideia do motivo por trás da rejeição. Aparentemente é apenas um conflito moral entre sua formação convencional e uma proposta sexual “libertadora”, segundo a visão criada por Grey. Esse manifesto ilusório de E. L. James em sua trilogia: sexo pode libertar. Não é propriamente o que os especialistas percebem. Giddens (1993) aponta vários estudiosos que dizem que as coisas não podem ser simplificadas dessa maneira. Sexo pode escravizar também. E a proposta de Grey traz de forma explícita a submissão à vontade do outro, com o objetivo de obter prazer. No sentido proposto por Grey, não se trata da perversão das formas sexuais estabelecidas, ou o rompimento do comportamento moral, como se poderia dizer de Sade, mas o retorno ao reino do domínio sexual masculino, no qual a violência e a força sempre estiveram presentes. Embora aparente ser uma história em que a busca de prazer é um percurso feminino, acaba-se reproduzindo a pornografia masculina, na qual a cumplicidade feminina está garantida e o domínio permanece centrado na figura masculina. Como guia de conduta social, o livro não ajuda em nada as mulheres que realmente desejam construir relações amorosas ou aspiram à liberação sexual, pois se torna espaço para a justificativa da violência, da
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destruição da identidade feminina para a submissão em um “jogo de prazer”. A relação entre os dois passa a ser mediada por mercadorias, que aparecem como “formas de compensação” no jogo do casal O “treinamento” sexual de Ana vira uma relação de punição e recompensa similar à domesticação animal. O contrato oferecido por Grey tem a aparência de uma relação mediada pela igualdade. Ambos têm direitos e condições a serem informadas e obedecidas. Em nenhum momento, cita-se a condição inicial de desigualdade como impossibilidade de realização contratual. Nisso a autora se afasta do ponto discutido por tantas mulheres escritoras do séc. XIX: a impossibilidade do contrato do casamento em bases românticas. Entre desiguais, não se pode querer ou esperar reconhecimento das individualidades, ou uma parceria. Não se pode ambicionar o relacionamento puro, livre de imposições sociais. Entre desiguais, não há aquilo que Ana deseja desesperadamente: “mais”. 3. Literatura, literatura para a massa e cultura de massa Voltemos ao século XIX. Romances e melodramas eram avaliados, muitas vezes, pela sua capacidade de levar ao pranto, ou pela capacidade de comoção do público eminentemente feminino. O romance, forma preferida desse público, era publicado em jornais, e tinha por designação central a leitura como distração. Criavam-se obras de “imaginação”, com intrigas que distraíssem o leitor. Eugene Sue, o grande folhetinista desse momento, tentou uma equação que pudesse tornar o universo ficcional mais que propriamente entretenimento, agregando história, literatura e entretenimento. A narrativa romanesca, como forma representativa do mundo burguês, volta-se para o homem como indivíduo, permitindo não só a transmissão dos valores irradiados pela Revolução Francesa, mas principalmente, os valores de uma sociedade pós Revolução Industrial. As
características do gênero romanesco possibilitavam a leitura por um público mais amplo, assim como permitiam um ajuste aos interesses comerciais de autores e editores. Por estar sujeito às leis de mercado, havia a necessidade de adequação da linguagem e da estrutura para o grande público. Criase a literatura industrial, como chamou Saint Beuve. Assim, o nascimento do folhetim impulsionaria as assinaturas dos jornais. A ficção aparece em “fatias” no jornal diário, isto faz com que essa tenha um formato específico com redundâncias para possibilitar que o leitor “chegue” naquele capítulo. O Romance irradiava gostos, modas e costumes. Todas as moças queriam ser e usar um vestido como a Charlote do Werther goethiano. Nem todos os romances publicados em jornais, porém, são folhetins. Os folhetins folhetinescos têm uma característica determinada: personagens tipificados, diálogos vivos, senso de corte do capítulo. Estamos diante de uma incipiente Indústria Cultural; como a cultura de massa liga-se ao consumo, o momento definitivo de instalação dessa será o século XX. A fórmula de Anastásia e Christian já data, então, do século XIX. Os dois, porém, se constroem de forma bastante piorada. Transgressores? Não. Como se sabe, o sexo vende novelas, filmes, livros. As peripécias vividas pelos dois personagens e a sua construção estão absolutamente dentro do sistema. Tudo nesse universo constrói-se por clichês, dos espaços às cenas de sexo. Para ser uma mulher transgressora, Anastásia precisaria ter a força de Lady Chatterley. A personagem do inglês D. H. Lawrence, escritor de O amante de Lady Chatterley, de 1928, diferentemente da “ingênua” Anastásia, como descreve o narrador dos Cinquenta tons de cinza, teve uma criação – seus pais são artistas e socialistas - que lhe possibilitou fazer a crítica à sociedade inglesa da década de 20, cujos valores, como nos dirá Constance Chatterley, são regidos pela “deusa cadela”, ou pelo dinheiro. Lady Chatterley era uma mulher moderna – com toda a força que o termo carrega de sua época e transgressora, ciente de seus desejos sexuais e disposta a lutar por sua independência e liberdade. Essa disposição faz com que Constance escolha para seu amante um camponês. A traição ao marido não se deve a um impulso sexual, mas ao fato da personagem ter perdido a admiração por um
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homem que abandona sua irreverência e cede aos valores sociais. Constance jamais ficaria com Grey; aliás, abandona seu primeiro amante exatamente pela mediocridade de sua escrita, voltada apenas para o prestígio em um mercado literário valorizador de textos menores. Todo texto literário forte deve marcar-se pela força imagética de sua escrita; o que o 50 tons de cinza nos deixa é uma profunda mesmice irradiada pela indústria cultural. 4. As cinzas de uma era Cabe rememorar outros dois trechos literários, um de 1787, outro de 1954. O infeliz me colocou num sofá na posição própria à prática do ato execrável mandando que Antonin e Clément me segurassem... Rafael, italiano, monge e depravado, não vacilou em gozar o prazer de um modo ultrajoso, deixando-me ainda virgem. […] Clément avançou para mim, excitado pelo espetáculo que seu superior lhe oferecera, e mais ainda que observara. [...] —Eis aí as felizes preparações — disse Antonin agarrando-me. —Vem franguinha, vem que eu vou te vingar da irregularidade de meus confrades, e colher as primícias antes que me abandone a intemperança... Ele então levantou-a suavemente e, tendo se sentado no sofá, fez com que ficasse de joelhos diante dele. […] René com uma das mãos segurou seus pulsos enquanto com a outra levantou seu vestido, tão alto que sentiu a gaze plissada roçar seu rosto. Acariciava suas nádegas e fazia Sir Stephen observar as covinhas que as afundavam, e a suavidade do sulco entre as coxas. Depois, pressionando sua cintura com a mesma mão para salientar as nádegas, ordenou-lhe que abrisse mais os joelhos. Ela obedeceu sem dizer nada. […] Mas as mãos de Sir Stephen abriram o caminho de seu ventre, forçaram o sulco entre suas nádegas, deixaram-na e voltaram, acariciando-a até fazeremna gemer, humilhada por estar gemendo, derrotada. “Deixo-a para Sir Stephen”, disse então René. “Fique como está, ele a dispensará quando quiser”.
O primeiro, de Justine ou Os infortúnios da virtude, do Marquês de Sade; o segundo, da História de O., de Anne Desclos, escrevendo sob o pseudônimo Pauline Réage. Assim como os 50 tons de cinza, são textos escritos numa narrativa de testemunho, desfiando histórias que envolvem experiências sexuais. Sade desenha a iniciação sexual de Justine e o infindável reconstruir da cena perversa em que o imperativo de gozo sobre o corpo do outro, agora tornado puro objeto, se exerce sob o signo necessário da dominação. Corpo como coisa, gozo ininterrupto de uma alteridade objetificada, sexo bruto entre virgens e monges – enfim, destruição de todo e qualquer dogma, a começar pelo dogma da fé, ele que era um ateu declarado. Muito diverso dos Cinquenta tons de cinza. Sexo monogâmico? Amor? Traumas de infância? Nada disso. Sade opera em outra camada. Penetração ininterrupta, de todos os buracos e por todos os seres. Resultado: choque, ruptura, modernidade, invenção. E, sem dúvida, prisão. Lembremos, estamos no final do XVIII. Aí está a raiz do sadomasoquismo. Quase dois séculos depois, a Histoire d’O vai trazer aos comportados e existenciais anos 1950 um relato sexual, cru e pornográfico, da moça que é ofertada pelo próprio namorado como um corpo a ser usufruído, violentado e chicoteado por vários homens. Dessa primeira etapa, chegam à sofisticação de se criar um jogo –sexual, psíquico, simbólico– com um terceiro elemento na cena, em que O, seu amante René e o amigo dele embrenhamse num emaranhado de poder, desejo e gozo. Ou seja, somos atirados em uma construção complexa de sedução e sexualidade que em muito transcende a narrativa protagonizada pelo belo e já a priori cinematográfico casal Grey. Narrativa que, perto desses dois clássicos da literatura erótica, não deixa de revelar seu eixo mais visceral: a construção românticofamiliar em pauta desde a modernidade (COSTA, 1998). O sexo sempre foi enigma, complexidade, teia toda feita do mistério que alia matéria e espírito. O que nos faz
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desejantes? O que, a partir do outro, faz meu corpo vibrar? A psicanálise busca desvendar algo dessas conexões e há um século tem escutado inúmeras vozes construindo suas fantasias. Uma coisa é certa: o gozo é absolutamente singular e intrincado, ancorado em uma história de vida única, a partir de uma trama de cenas primárias, usualmente inconscientes, que deflagraram as marcas que, gravadas em nossa pele e em nosso inconsciente, nos faz moldar um corpo desejante (LACAN, 1966). Não há regras, nem uniformidades, nem massificações. O masoquismo e seu problema econômico, o sadismo e seu circuito pulsional, os fantasmas inaugurais, fundamentais ou acessórios há muito tem instigado Freud, Lacan e todos os que vieram em seu rastro. Num primeiro momento, poderíamos imaginar que nosso Fifty Shades se insere em uma linhagem porn por conter descrições de atos sexuais. Deixamonos tomar por expressões como soft ou mommy porn. No entanto, a trilogia cinza, diferentemente das duas obras citadas, não rompe com nenhum paradigma, nem de linguagem nem de comportamento; pelo contrário, reitera padrões. Sua forma não é apenas propriamente leve, água com açúcar ou para mamães: é sobretudo publicitária. Publicitária no melhor sentido do termo, propagandear, tornar pública uma ideia para o maior número possível de pessoas. Em poucas palavras, temos um produto bem-sucedido a caminhar vorazmente no campo simbólico que, por sua vez, bem sabe se encarnar –fazerse carne, isto é, mercadoria– no universo cotidiano dos bens a serem idealizados, desejados e, final do circuito, mastigados. Mastigados, consumidos, introjetados mentalmente. Gota a gota passamos a desejar um maravilhoso príncipe encantado que atenderia pelo nome de Christian Grey. E que teria todos, escandalosamente todos os atributos que estão cada vez mais em extinção no mundo da atual masculinidade líquida: um homem estritamente heterossexual, que sabe o que quer e como consegui-lo, que tem a audácia, a
inteligência e o senso estratégico de um verdadeiro homem que se faz a si mesmo, empreendedor. Um homem de uma potência extraordinária, sempre pronto para mais uma penetração, real e metafórica, que deseja a sua mulher sempre e mais, e somente ela, e que, ponto crucial, sabe fazê-la gozar sem cessar, sem amolecimentos ou conflitos. Homem cujos ‘defeitos’ são o ciúme (prova de amor incorruptível) e um certo quê de violência (também altamente idealizada, pois tem como função apimentar o sexo). A violência nua e crua, derivação efetivamente destrutiva de pulsões arcaicas tanáticas e mortíferas que poderiam se embrenhar no masoquismo estrutural do humano (FREUD, 1924), não entra em jogo no romance; aliás, passa ao largo, mesmo no antagonista malévolo que em algum momento entra em cena. Como isso se dá? Justificandose a violência: e isso através de um recurso cada vez mais em voga nos tempos atuais, de operar uma derivação de todo o ‘mal’ para a gênese psicológica do sujeito. Nossa modernidade opera por um estilo afetivo terapêutico pautado pela contínua individualização e psicologização dos conflitos (ILLOUZ, 2011). Infância e constituição de subjetividade machucada, eis a fórmula salvadora de todos os nossos anti-heróis, ao mesmo tempo fragilizados e, mágica, vencedores ao final. A moeda por onde a magia opera é, e não poderia deixar de ser, a própria moeda. Christian Grey, através de uma determinação de caráter inquebrantável –traço moralista na seiva da melhor tradição protestante– esmera-se no jogo de acumulação do capital e, note-se, na flor de seus 27 anos. Nosso príncipe jovem e belo também ostenta poder e dinheiro incomensuráveis para abarcar a totalidade, indo dos mimos mais previsíveis (o rol levemente cafona dos objetos fetichizados pela massa, como Mac ou Audi) às aventuras mais românticas (igualmente clichês, Mediterrâneo e Aspen). Agora, o crème de la crème dessa soberba fantasia de potência sobre-humana, à la Nietzsche, é o ato do protagonista comprar a empresa na qual sua fêmea trabalha. O trabalho é um dos temas primordiais de uma cultura toda baseada na díade ganhar e gastar dinheiro, trabalhar e consumir. Assim, esse é um dos tópicos mais curiosos do enredo. O trabalho de Mr. Grey é de uma altíssima performance, produtividade e engenhosidade. Esse herói, na melhor contramão do século XXI, pretende que mulher sua não trabalhe. O trabalho de Miss Steele passa a ser facultativo, e, assim, nobre:
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ela poderá escolher entre os melhores caminhos para desenvolver os seus melhores talentos, sem a pressão tão deselegante de ter que se submeter às ‘pressões do dia a dia’ porque, afinal, se tem contas a pagar. Mais que uma pulseira Cartier customizada, o verdadeiro luxo da história é trabalhar sem precisar trabalhar. Vai se revelando, assim, a imagem de Mr. Christian Grey: modelo identificatório e objeto de desejo, tudo o que queremos ser ou ter. E tudo isso envolto por um corpo saudável, belo, proporcional, milimetricamente torneado como manda o figurino e os imperativos da educação da physis que nos oprime desde o XIX. Conjunto perfeito distribuído em músculos fortes e quase dois metros de altura (altura, atributo primordial de um verdadeiro líder). E, para completar, conjunto perfurado por um par de olhos levemente obscuros e misteriosos, reiterando o cinza que percorre toda a trama. E a protagonista? Tão idealizada quanto seu par: bonita, virgem e humilde. Uma moça tão fiel a si mesma e a uma suposta verdade interior que passou os anos da faculdade –que tradicionalmente servem para a iniciação no mercado social e de trabalho– mantendo seu corpo sacralizado. Linda sem saber, sedutora sem se dar conta, fálica sem ter o menor vestígio masculinizado, formada que foi por um amoroso padrasto representante de toda uma cultura WASP que ensinou sua cria a atirar e a dirigir de maneira exímia. Virgem que imediatamente aprende a conhecer seu corpo, seu sexo, o do outro e que, além disso, bem sabe ser compreensiva, amorosa e gentil com seu professor e amante. Ela não deixa de ocupar a função terapêutica daquela que escuta, aceita e compreende os percalços de uma vida marcada pela origem nebulosa e sofrida. Miss Steele, em sua têmpera de aço e fragilidade, desvela a combinação perfeita para a princesa de uma era laica e “liberal” em que a mãe, a santa e a puta almejam se encontrar no mesmo corpo. Enfim, Anastasia carrega os ideais clássicos do Belo e do supremo Bem. E também da Verdade, em sua face moderna da autenticidade. Em resumo: a moça é perfeita, o homem, idem. E a relação? Surpreendentemente, também. Os três volumes da série vão nos mostrando a maneira mais que perfeita pela qual, a partir dos conflitos iniciais, sempre mais fracos que a força incomensurável da atração física e metafísica que os une, o casal consegue superar suas diferenças e negociar (palavra na ordem do dia) suas vontades e
identidades. Projeto bem-sucedido de uma forma de viver? De uma possível nova e revolucionária forma de viver? Sim. Único detalhe a incomodar essa fantasia compartilhada por uma centena de milhões de mentes: esse modelo de masculino e de feminino não existe mais. Está em extinção, em cinzas. Cada vez mais mulheres sustentam cada vez mais sozinhas seus lares, seus filhos e seus desejos, quando não sustentam seus homens. Homens e mulheres que invariavelmente têm dúvidas, fragilidades, fracassos, desempregos, infidelidades, dívidas e muitas vezes olhos míopes e opacos. Não porque sejam fracos ou loser, são humanos. Assim como Mr. Grey é um delírio, Miss Steele é uma ficção. Cada vez mais moças livram-se de e eventualmente vendem sua virgindade. Ela pesa. A inexperiência é, de fato, imperdoável numa cultura toda ela voltada para o mercado, onde o que jamais se pode exibir é a negatividade. Mas na saga de E. L. James, ao contrário, a virgindade é atributo positivado e causalidade de um mergulho radical e inédito em sua própria sexualidade. Enfim: esse homem não existe, essa mulher não existe, essa relação é improvável. Trata-se de uma fantasia fundamental, ao mesmo tempo arquetípica e atual. Emerge aqui a estrutura ancestral do conto maravilhoso (PROPP, 1984), suturada com as demandas e roupagens contemporâneas. Na falta deste universo, desse gozo invejável em nossas rotinas levemente acinzentadas, consumimos histórias e serviços que nos ajudem a transformar o que temos em algo que ao menos carregue a marca dessa experiência mágica, legítima filha da saga transcendental de vampiros e demais universos paralelos. Os próprios livros, os filmes que virão, os hotéis, spas, apetrechos que nos ajudarão a montar o cenário. Desvela-se, assim, a estrutura não só de nossa breve trilogia mas de grande parte da indústria da cultura e do entretenimento: um cenário que forja uma montagem fantasística, aqui com
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instrumentos sadomasoquistas decorando o cenário, para a realização da cena monogâmica, heterossexual, afetiva e romântica por excelência. Enfim, reitera-se a reconstrução ininterrupta do imaginário da família nuclear moderna que, como não poderia deixar de ser, sustenta o desfecho da trama. Como vimos no início, a fantasia fundamental que faz cada um deflagrar o seu gozo é absolutamente singular. Por isso, talvez não funcione muito bem usar vibradores ou algemas ou cruzes para a massa. Não vai melhorar nossa sexualidade. E, sobretudo: não é essa discussão que está no cerne da saga Cinza, e sim a narrativa de uma história de amor entre seres idealizados. Amor é graça e preparação. Magia do encontro ao mesmo tempo que trabalho de si. De si e do outro. Para poucos? Talvez. Um impasse então se coloca. Cinquenta tons de cinza. Amor para as massas. Tentemos.
Notas (1)The Huffington Post, disponível e m h tt p : / / w w w. h u ffi n g to n p o s t . com/2012/07/24/fifty-shades-of-greyreplaces-bible_n_1699665.html, acesso dia 23/08/2013. Bibliografia BAUMAN, Z. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. BECK, U. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997. BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2008. São Paulo: Edusp.
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Maria Lucia Homem
Pós-graduada em Psicanálise e Estética pela Universidade de Paris VIII / Collège International de Philosophie e Doutora pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Professora da FACOM - FAAP.
Monica Rugai Bastos
Doutora em Sociologia pela FFLCH/USP e professora de Política Cultural e Mídia na FACOM - FAAP.
Sandra Nunes
Professora da FACOM - FAAP e Pós-doutora em Teoria Literária pela UFMG.
Tatiana Amendola Sanches
Doutoranda em Ciências Sociais pela UNICAMP, Mestre em Comunicação e Cultura pela University of London e professora de Estudos Culturais na FACOM - FAAP.
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Comunicação de marca em tempos de mobilidade
Silvio Koiti Sato
Resumo
Abstract
Este artigo reflete sobre o ambiente de mobilidade com o uso das tecnologias de informação e comunicação (TICs) e os consequentes impactos na atuação das marcas, que precisam desenvolver estratégias de comunicação que levem em conta o contexto midiático fragmentado e o diálogo com uma nova geração de consumidores que interage ativamente com as informações (e com as marcas) neste ambiente de permanente conexão.
This article reflects on the mobility environment with the use of information and communication technologies (ICTs) and the resulting impacts on the actuation of brands, which need to develop communication strategies that take into account the fragmented media context and the search for dialogue with a new generation of consumers who actively interacts with the information (and with the brands) in this context of continuous connection.
Palavras-chave
Keywords
Mobilidade, comunicação, propaganda, marca
Mobility, communication, advertising, brand
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1 - Introdução As mudanças trazidas pelas TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação) no cotidiano contemporâneo são objeto de estudo e de discussões pela configuração social que trazem ao ambiente atual. Vivemos numa rede de conexões, numa “Sociedade em Rede” (CASTELLS, 1999), na qual surgem novos fenômenos sociais, econômicos e políticos, num cenário mais dinâmico e que muda valores, crenças e códigos culturais estabelecidos anteriormente. As redes tecnológicas conectam pontos que se interligam num emaranhado de relações com inúmeras possibilidades. A aceleração da tecnologia, no sentido do analógico para o digital e do físico para o virtual traz uma sensação de fluidez e de mutação em função da velocidade acelerada: “Ela [a velocidade] explica parcialmente a sensação de impacto, de exterioridade, de estranheza que nos toma sempre que tentamos apreender o movimento contemporâneo das técnicas.” (LEVY, 1999, p. 27). As tecnologias de comunicação móvel (sem fio) têm no telefone celular seu maior símbolo. A rápida popularização deste aparelho em escala mundial tornou esse objeto onipresente em nossas vidas: são 6,3 bilhões de celulares no mundo (dados do 3º trimestre de 2012 - consultoria
Teleco), utilizados em todas as situações e contextos, sendo o Brasil um dos maiores mercados do mundo. Ao longo do tempo, os aparelhos celulares agregam cada vez mais funções: câmeras fotográficas e de vídeo, rádio e TV, agenda, despertador, mensagens de texto, entre outras. Mais recentemente, ao incluir nestas funcionalidades a conectividade à rede, o celular incorpora possibilidades de transmissão de dados, músicas e vídeos, recursos de localização e novas ferramentas de interação em tempo real – materializadas na forma dos smartphones, aparelhos “inteligentes” que valorizam e tornam mais fácil o uso de redes sociais e aplicativos os mais diversos a partir do uso da Internet pelo celular, com telas sensíveis ao toque. Isso sem falar em outros gadgets como tablets, e-readers, notebooks e netbooks, inseridos neste universo sem fio da mobilidade tecnológica. A relação da sociedade com a comunicação móvel é cada vez mais intensa porque não se trata apenas de uma questão tecnológica: seu uso altera dimensões centrais como o tempo e o espaço, ampliando possibilidades para a comunicação dos indivíduos. A ligação de celular que não respeita fuso horário ou localização geográfica traz a impressão de que estamos próximos, mesmo estando distantes fisicamente. Nas interações entre tecnologia e práticas sociais, a sociedade modela os usos da comunicação sem fio com base nos interesses, valores, hábitos e projetos das pessoas e organizações. Ao mesmo tempo, a tecnologia também modifica as práticas sociais em diferentes setores, como nas relações de consumo.
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1.1 - Os consumidores da mobilidade O consumo é um tema central na vida do homem contemporâneo, na chamada sociedade de consumo, caracterizada por diferentes traços como a elevação do nível de vida, a abundância de mercadorias e dos serviços, culto aos objetos e ao lazer e a moral hedonista e materialista, focada na expansão das necessidades, na obsolescência, na sedução e na diversificação máxima das mercadorias. (LIPOVETSKY, 1989). Nesta sociedade, os bens que consumimos simbolizam um estilo de vida, um gosto, que constrói uma imagem do consumidor que os adquire, num consumo simbólico, entendido como o processo pelo qual as pessoas atribuem significados aos produtos e objetos, além dos que sejam inerentes a eles. Para Baudrillard (2010), a lógica social do consumo seria composta por dois aspectos: o processo de significação e de comunicação (equivalente a uma linguagem) e o processo de classificação e de diferenciação social (valores numa hierarquia). Por isso, não consumimos os objetos em si, mas nos apropriamos de seus signos para o processo de distinção dos indivíduos, classificando-os num grupo e numa estrutura social que possui uma lógica hierárquica. O consumo de produtos de comunicação móvel é um bom exemplo deste processo: os usuários buscam os gadgets recém-lançados, celulares que possuam os recursos mais modernos, mesmo que estes não sejam tão úteis ou necessários, mas simplesmente para que eles expressem um pouco do que são. De acordo com Ravi Dhar, professor de administração e marketing da Universidade Yale, a tecnologia atualmente possui grande semelhança com a indústria da moda: “As pessoas querem ser as primeiras a ter um iPhone, assim como desejam ter o último modelo da bolsa Prada” (Fonte: Revista Veja - edição de 20/07/2007). Apesar de aparentemente serem avaliados e substituídos pelas novas funcionalidades tecnológicas, os celulares se converteram em acessórios de estilo e estetizados, sendo descartados assim que um outro modelo (ou versão) é lançado, com ciclos de vida de produto cada vez mais curtos. Além disso, os diferenciais tecnológicos são rapidamente copiados pela concorrência (que é cada vez mais globalizada), o que torna os produtos mais parecidos, levando a novos e contínuos ciclos de inovação (para obter diferenciação), consumo
(para substituição do modelo anterior) e homogeneização (com a paridade tecnológica entre os concorrentes). Neste cenário de comoditização e rápida obsolescência de produtos, as marcas acabam representando um papel menos efêmero no processo de significação relacionado aos bens. Num ambiente em que o consumo é cada vez mais corriqueiro, num mercado com cada vez mais produtos, em variedades, formatos, cores e embalagens variadas, vindos de diferentes locais do mundo, a “promessa dos bens de consumo é substituída pela promessa das marcas” (SEMPRINI, 2006, p. 11). A promessa das marcas precisa ser construída a partir de um diálogo com um consumidor que quer (e pode) expressar sua individualidade. Ele transita num amplo conjunto de possibilidades de consumo, no qual “independentemente da minha posição social, idade e renda posso ser quem eu escolher” (BARBOSA, 2010, p. 22). Ele faz escolhas transitórias e que podem ser alteradas a qualquer momento, expressando sua identidade: “os objetos e as mercadorias são utilizados como signos culturais de forma livre pelas pessoas para produzirem efeitos expressivos em um determinado contexto.” (Ibidem, p. 23). Por isso, a segmentação mercadológica clássica, por classe social, idade e faixa etária, por exemplo, se torna menos precisa. Com isso, os consumidores passam a ser vistos de forma mais amplas e surgem propostas de agrupamento que levam em conta os estilos de vida e espaços de consumo, como os “meeting points” de Di Nallo (1999), nos quais os consumidores transitam em bolhas de consumo, junto com marcas e interesses, com entidades sempre em movimento entre uma bolha e outra, procurando novas alternativas de consumo. Essas alternativas são apresentadas num contexto midiático cada vez mais fragmentado, numa arena amplificada na qual a comunicação entre marcas e consumidores ocorre de forma cada vez mais móvel.
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1.2 - Comunicação e mídias móveis Com o uso das tecnologias móveis, os meios de comunicação se expandem, nos acompanhando na jornada diária, fazendo parte de uma paisagem que combina realidades com o uso de tecnologias de forma cada vez mais abundante. O ambiente digital trouxe também a facilidade no manuseio e reprodução de conteúdos: sons, textos, ilustrações, fotos e filmes são facilmente digitalizados. Com isso, surgem complexos sistemas de interface, distintos dos suportes anteriores, nos quais as mídias eram mais específicas e usadas de forma mais isolada, como o rádio, o cinema e a imprensa, que passam agora a ser articulados de forma integrada (ANDRÉ, 2006, p. 113). Com o armazenamento digital, o indivíduo pode acessar rapidamente os conteúdos virtualmente, além de processar e alterar tudo de uma forma pessoal e única, num processo de remixagem e reinterpretação que transforma conceitos de autoria e legitimidade na produção e difusão de conteúdos. Na rede conectada, existe um amplo espaço para divulgar e compartilhar tudo que é produzido, navegando na linguagem do hiperlink, do hipertexto ou do texto em rede, que permite associações e remissões, cujo princípio também nos remete à mobilidade: “o texto é móvel, caleidoscópico, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade frente ao leitor” (LEVY, 1999, p. 56). A onipresença das telas (de televisores, computadores, celulares, etc.) se mostra de forma cada vez mais móvel, nos acompanhando em qualquer lugar, o tempo todo. Interagimos com essas telas para conversar com outras pessoas, mandar mensagens ou fotos pelas redes sociais móveis, pagar contas em terminais wireless ou trabalhar enviando e-mails e participando de conferências virtuais. Tudo isso usando celulares ou smartphones que estão no nosso bolso; tablets, netbooks e laptops que estão em nossas bolsas ou mochilas; telas de GPS, televisores digitais e DVDs portáteis que nos acompanham no
carro, no táxi ou no transporte público. As mídias móveis não se limitam, portanto, às mensagens veiculadas nos telefones celulares a partir de nossa interação com sites e aplicativos, sobretudo nos smartphones e tablets. Percebemos cada vez mais o uso das tecnologias móveis em telas que informam, entretém, persuadem e seduzem nos deslocamentos dos indivíduos, dentro do vagão do metrô, nos ônibus, no elevador ou nos shopping centers.
Figura 1: Mídia em ônibus. Foto do autor, SP, julho/2012
A mídia exterior digital, ou DOOH (sigla em inglês para digital out of home) têm se desenvolvido com grande intensidade em todo o mundo, inclusive no Brasil, principalmente nos grandes centros. De acordo com a ABDOH (Associação Figura 2: Terminal de pagamento móvel. Foto do autor, SP, julho/2012. Brasileira de Mídia Digital Out of Home), o setor faturou mais de 90 milhões de reais no país em 2011 (crescimento de 80% sobre 2010), com uma rede instalada de mais de 50 mil monitores em ônibus, vagões de metrô, aeroportos, elevadores, shopping centers e consultórios médicos em todo o Brasil (Fonte: Revista Marketing, maio/2012, no. 472, ano 45). Para a atualização dos conteúdos das telas dos ônibus, por exemplo, são usadas normalmente as redes celulares 3G na operação – o que permite também o rastreamento dos veículos a fim de saber onde cada ônibus está e adequar o conteúdo ao
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bairro que está sendo percorrido. O conteúdo mescla entretenimento, notícias e prestação de serviços como a situação do trânsito atualizada, em alguns casos, a cada cinco minutos. A comunicação móvel traz, adicionalmente, do ponto de vista da propaganda, a possibilidade de interação, seja por ligações de voz (mensagens publicitárias previamente gravadas por telefone), mensagens de texto (SMS) para solicitar produtos, serviços e informações, aplicativos de marca desenvolvidos para smartphones, além da interação prevista com o uso dos códigos QR (sigla para Quick Response, Resposta Rápida em inglês) em filmes, anúncios, embalagens e peças publicitárias as mais diversas, nos quais o consumidor é convidado a conhecer outros conteúdos a partir da leitura do código com a câmera do smartphone.
que também são móveis, assim como os consumidores. Esses esforços precisam ser integrados para serem assimilados pelo consumidor em múltiplas plataformas, já que a comunicação de uma marca extrapola o comercial de TV ou o anúncio da revista e propõe que o consumidor transite para outros meios como a Internet e o celular. Em muitas ações, o consumidor é convidado a interagir, influenciar e cocriar, em ações promocionais ou processos de inovação colaborativa. O objetivo pode se a criação de um comercial, caso da ação do restaurante Taco Bell nos EUA em 2012, com uso de fotos de consumidores postadas no Instagram, rede social de fotografias via smartphones. Outro exemplo é a campanha “Faça-me um sabor”, da marca Ruffles em 2011, na qual o consumidor brasileiro sugeria novos sabores para o produto e o vencedor recebia uma participação nos resultados das vendas.
Figura 3: Anúncio Santander Fonte: Veja 07/03/2012. Figura 5: Cena comercial Taco Bell Instagram. Fonte: Página Taco Bell no Facebook.
Figura 6: Promoção Ruffles “Faça-me um sabor”. Fonte: Site Hyperness Figura 4: Anúncio Chevrolet Fonte: Veja 07/03/2012. Fonte: Época 02/04/2012.
Neste contexto midiático mais amplo e móvel, ainda em processo de desenvolvimento, as marcas precisam criar narrativas transmidiáticas, que utilizem diferentes meios e pontos de contato,
Outra característica atual na comunicação das marcas é a ampliação do discurso para além de seus produtos e suas qualidades funcionais. Com isso, novos significados são incorporados ao patrimônio da marca, auxiliando na criação de vínculos mais emocionais (GOBÉ,
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2002), baseados em valores e crenças compartilhadas entre marca e indivíduos. Nesse processo, a marca passa a gerar, difundir e amplificar conteúdos (vídeos, revistas, programas de rádio, webseries, filmes, aplicativos, games, fanpages em redes sociais), num processo de comunicação que deixa os limites do gênero publicitário e passa a flertar com outras linguagens comunicacionais como o cinema e o jornalismo. Está em formação uma publicidade híbrida (COVALESKI, 2010), com fronteiras imprecisas entre informação e promoção (BOUGNOUX, 1999, p. 145), que representa uma recombinação de gêneros que parece ser adequada aos tempos atuais. Este tipo de comunicação transforma a marca em produtora de conteúdos os mais diversos, ampliando seu universo de atuação. Ela se torna uma marca-mídia (BÔ; GUÉVEL, 2009) que interage com seus públicos como um meio de comunicação, transmitindo suas opiniões e valores por meio de expressões diversas. Com a utilização das TICs, as marcas podem ter um contato mais próximo e um diálogo que não existia anteriormente, com a tentativa de criação de relacionamentos por meio de propostas que não são mais meramente transacionais ou mercantilizadas na forma de bens diretamente produzidos pela marca para o mercado. - Considerações finais As marcas enfrentam um ambiente conflituoso na relação atual com os consumidores. Por um lado, vemos sua força e poder, ao ampliar sua lógica em diferentes plataformas de conteúdo, em ambientes físicos e virtuais. Por outro lado, os consumidores são mais informados e mais críticos atualmente aos esforços convencionais das marcas. Além disso, sabem rapidamente pela rede quando a expectativa criada pelas promessas da marca não são cumpridas na realidade. Com isso, relações mais complexas são delineadas com os consumidores, tecidas
numa malha com múltiplos contatos, na qual “um erro no nível de um parâmetro (organização industrial, a gestão de recursos humanos, a qualidade dos produtos, o serviço pós-venda) repercute imediatamente na totalidade do sistema” (SEMPRINI, 2006, p. 284). Nesse sentido, a comunicação de marca em tempos de mobilidade passa a ser um instrumento de diálogo em tempo real, um conjunto de esforços que possa fortalecer as múltiplas relações que ocorrem no cotidiano, num processo participativo no qual a marca deixa de ser gerida exclusivamente pela empresa, e passa a ser apropriada pela comunidade de consumidores (WIPPERFüRTH, 2005). Esta atitude convidativa e engajadora deve estar presente em todos os pontos de contato com a marca para expressar seus valores e crenças de forma coerente, legítima e consistente.
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Silvio Koiti Sato
Professor da FACOM-FAAP. Doutorando e Mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Bolsista CAPES. Especialista em Administração de Empresas pela FGV-SP. Publicitário pela ESPM-SP.
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A importância da comunicação para sustentabilidade em empreendimentos sustentáveis
Vivian Cesar
Resumo
Abstract
A partir dos movimentos globais pela sustentabilidade um novo ambiente regulatório vem se configurando e transformando a maneira das empresas de comunicar produtos e seus benefícios de maneira mais ética, com linguagem e discursos condizentes com suas práticas empresariais, priorizando a responsabilidade socioambiental. Acredita-se que as empresas tenham grande papel como agentes da transformação social, pois influenciam e são influenciadas pelos seus consumidores. Sob este aspecto, podemos perceber que as empresas também têm um papel de influência para a transformação dos hábitos de consumo, pois interagem conforme as expectativas e desejos da sociedade, que hoje atribui ao consumo de bens e serviços um lugar relacionado à felicidade. No setor da construção civil, a partir do movimento por “empreendimentos verdes” há uma necessidade iminente de se colocar em prática uma estratégia de gestão com ênfase nos aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais. Neste sentido, as ações comunicacionais com os stakeholders devem primar pela transparência e governança nas relações e adequar os conteúdos informativos sobre sustentabilidade com clareza, priorizando a reputação de suas marcas em um ambiente cada vez mais interdependente.
As of the global movements towards sustainability, a new regulatory scenario has been reshaping and transforming the way companies ethically communicate products and their benefits by using a language which is in compliance with corporate practices and by prioritizing socio-environmental responsibility. It is a widely held belief that companies play a role of utmost importance as social transformation agents, due to the fact that they influence and are influenced by consumers. In view of that, we can notice that companies also have the role of influencing towards transformation of consumption habits on the grounds that they interact according to the society’s expectations and wishes which relates the consumption of goods and services to happiness. As regards civil construction, since the advent of the “green buildings” movement there has been an eminent need of putting into practice a certain management strategy focusing on social, economical, environmental and cultural aspects. Therefore, communication actions with stakeholders ought to prioritize transparency and governance as well as to clearly adapt issues concerning sustainability by taking into account the reputation of their brands in an increasingly interdependent environment. This article aims at presenting recommendations of communication strategies to be implemented in the communication programs of sustainable buildings.
Palavras-chave Comunicação, Sustentável.
Sustentabilidade,
Keywords Construção
Comunication, Sustainability, Sustainable Buildings
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1. INTRODUÇÃO Atualmente, 84,35% da população brasileira vive nas cidades, segundo os resultados do censo de 2010 divulgados pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012a). Boa parte dessa porcentagem está nas áreas metropolitanas, que apresentam as seguintes características em comum: altíssimas taxas de consumo de água, energia, bens e serviços ambientais. Ignacy Sachs, economista que trabalhou na organização da primeira conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, a Estocolmo-72, realizada na Suécia e na Cúpula da Terra, a inesquecível Rio92, foi quem ajudou, no início dos anos 70, a definir o conceito de “ecodesenvolvimento”, que, mais tarde, passou a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”, um termo adaptado pela Agenda 21, um programa das Nações Unidas. Hoje este termo é amplamente utilizado para todas as atividades humanas que visam à sustentabilidade. Sachs (2004) propõe que o desenvolvimento sustentável deva ser socialmente includente, ou seja, busque acabar com a exclusão social e distribuir riquezas de forma equânime, além de conservar e garantir que os recursos naturais estejam disponíveis para esta e para as futuras gerações. Para Sachs os objetivos do desenvolvimento são sempre
sociais; há uma condicionalidade ambiental que é preciso considerar para que as soluções pensadas sejam economicamente viáveis. Foi a partir dessa discussão, durante a Conferência de Estocolmo, que a ONU decidiu criar o PNUMA - Programa Nacional das Nações Unidas para o Meio Ambiente, colocando a temática ambiental na ordem do dia para discussão da comunidade internacional. Mais tarde o conceito foi aprimorado, e em 1987, de acordo com o Relatório de Brundtland (1987), sustentabilidade foi definido como o mesmo que “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas”. Já em 2012, o professor Sachs afirmou durante a Conferência Rio + 20, realizada na cidade do Rio de Janeiro, que a humanidade entrou em uma nova era: geológica e antropocêntrica. O que nos interessa agora é a era geológica, porque as atividades humanas começam a fazer a diferença no planeta. “Somos como aprendizes de feiticeiro, entretanto ou criamos um roteiro para os geonautas se alinharem à sustentabilidade ou caso contrário não teremos o Brasil e o mundo na rota social e ambientalmente includentes e sustentável. Ou seja, será necessário reaprendermos a planejar.” Isto é, na visão de Sachs será necessário que os países se adaptem sob três grandes aspectos estratégicos ao desenvolvimento sustentável: a pegada ecológica, a geração de trabalho decente e a gestão de um fundo de financiamentos para subsidiar a sustentabilidade nos países em desenvolvimento. Contudo, vale destacar que os alertas ambientais a partir das Conferências Mundiais sobre Meio
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Ambiente e Desenvolvimento Sustentável promovidas pela ONU em 1992 e 2012 têm apontado que será necessário pensar sobre as formas de produção e consumo de bens e serviços, sobretudo os ambientais, na busca da sustentabilidade como um caminho a seguir pela sobrevivência e manutenção da espécie humana no planeta. Nesse sentido, a partir da influência dos movimentos internacionais para sustentabilidade também foi desenvolvido um novo ambiente regulatório para as empresas, que hoje pode ser percebido por meio de ações como certificações, rotulagens ambientais de produtos, novas políticas públicas, como, por exemplo, a nova política nacional de resíduos sólidos e a discussão sobre o novo código florestal no Brasil. Por outro lado, temos os consumidores, que hoje já possuem informações e estão mais conscientes sobre seus direitos e deveres e vêm adotando posturas políticas, resgatando aspectos ligados à cidadania e apresentando tendências na busca por informações sobre a Saudabilidade, Sustentabilidade, Ética, Justiça Social, Bem-estar Animal, Origem e Formas de Produção de produtos e serviços, tanto na orientação no processo de escolha como na restrição ao próprio consumo. Segundo Daniel Miller (2010), o consumo pode ser definido como atividade que envolve tomar decisões políticas e morais praticamente todos os dias. Os resultados dessas novas tendências vêm impactando de maneira significativa a reputação das marcas das empresas, uma vez que os consumidores, hoje mais emponderados de informações e interconectados em redes, são codesenvolvedores de informações. Hoje os usuários das redes sociais são convocados a partilhar suas experiências, a emitir suas opiniões, e as empresas oferecem pagamento em dinheiro para que usuários desenvolvam recursos inovadores para melhorar seus negócios ou para influenciar seus amigos sobre determinadas marcas, produtos ou serviços. Se por um lado esses novos consumidores estão adotando posturas de cidadania, por outro temos as organizações, que hoje começam a sentir-se incentivadas a exercer novos papéis na construção da cidadania, uma postura que impacte positivamente na mente dos consumidores
e consequentemente consolide a sua reputação perante a opinião pública. O consumo político pode ser definido como “a escolha de produtos e de produtores baseada em considerações éticas e/ou políticas quando um consumidor quer e acredita que, dessa forma, é possível mudar práticas institucionais ou de mercado” (Micheletti et. all, 2003; Stolle et. all, 2005; Halkier & Holm,2008). As ações de consumo político podem ser exemplificadas por meio dos boicotes, buycotts, compras coletivas, uso eficiente de recursos naturais, dentre outras. E nesse sentido destacamos a concepção de um empreendimento green building como agente indutor e de influências nos seus habitantes a adotarem hábitos de vida que levem a um comportamento político solidário e cidadão. Esses são bons exemplos de como as empresas do século XXI estão à frente de um grande desafio: produzir bens e serviços para atender à chamada “economia de baixo carbono”, ou seja, reduzir ao mínimo o uso de materiais e energia por unidade de produto produzido, preservando os serviços ecossistêmicos básicos, como o fornecimento de água e outros recursos naturais que a Terra proporciona à sociedade, com condições de prover equidade e qualidade de vida, ambas necessárias à sobrevivência e manutenção da própria espécie. A sociedade conectada em redes necessita urgentemente de um resgate da ética e da moral para uma transformação em prol da sustentabilidade. Hoje, uma das questões principais da sustentabilidade nas metrópoles está relacionada à escassez da água; entretanto, a questão do saneamento já era apontada durante a Revolução Industrial como um dos principais desafios ao desenvolvimento das cidades. E o que nós fizemos? Ocupamos as margens dos rios e
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despejamos todo nosso esgoto sobre eles.
liberdade de decidir o que valorizar extrapola os nossos próprios interesses.
2. O PAPEL DAS CIDADES COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Nesse sentido, são necessários alguns questionamentos sobre os processos de organização da sociedade e de seus atores, como, por exemplo, o setor da construção civil, o qual poderia contribuir com a “mobilização da sociedade” na formação de uma cultura, influenciando as pessoas a adotarem um estilo de vida urbano que aponte para a transição da sociedade do consumo para a sociedade do bem-estar pautada por padrões éticos e de solidariedade, pois os padrões de consumo atual vêm comprometendo o ecossistema.
A cidade é, uma pluralidade de significações imaginárias e sociais, e sua produção e reprodução implicam antagonismos como relações de complementaridade e concorrência, organização e auto-organização, regulação e autorregulação, que vão ao encontro das necessidades de promoção de novas formas de sociabilidade propostas para as sociedades em redes. Amartya Sen (2012), economista que recebeu o Prêmio Nobel por seu trabalho sobre a economia do bemestar social, em seu livro a Ideia de Justiça nos propõe uma reflexão sobre a nossa maneira de fazer escolhas sob a perspectiva da liberdade. No capítulo III, sobre o Desenvolvimento Sustentável, Sen aponta novos olhares sobre a nossa responsabilidade em relação a outras espécies: “uma vez que somos muito mais poderosos do que outras espécies, temos certa responsabilidade em relação a elas, que se relaciona com essa assimetria de poder. Podemos ter muitas razões para nossos esforços conservacionistas: nem todas elas parasitam nosso próprio padrão de vida (ou satisfação de necessidades) e algumas aguçam precisamente nosso senso dos valores e o reconhecimento de nossa responsabilidade fiduciária”. Sen encerra essa seção com uma crítica aos nossos padrões de vida ou satisfações de nossas necessidades, pois somos um ser múltiplo de necessidades que nunca serão plenamente satisfeitas. A importância da vida humana não reside apenas na satisfação dessas necessidades, mas está diretamente ligada à liberdade que desfrutamos. Uma vez colocada essas questões, o autor propõe uma reformulação do conceito de desenvolvimento sustentável proposto por Brundtland, pois não somos apenas “pacientes” cujas necessidades merecem consideração, mas “agentes” cuja
De acordo com o relatório “O estado do mundo”, divulgado em 2011, a população mundial consome 50% mais recursos naturais do que o planeta é capaz de renovar, e se a demanda continuar aumentando como nos últimos vinte anos, em 2050 precisaremos de três planetas para suprir esse padrão de consumo. O setor da construção civil poderia contribuir com essa “mobilização social”, uma vez que este setor já vem se movimentando na direção das certificações ou empreendimentos green building com o intuito de reduzir os gases do efeito estufa, um dos causadores das mudanças climáticas no planeta. Esse setor ainda apresenta um papel relevante na concepção das cidades, uma vez que é através das parcerias públicas e privadas que ele se articula e movimenta a especulação imobiliária, requalificando áreas e proporcionando infraestrutura básica para o próprio desenvolvimento da economia proposta em redes. Massimo Di Felice, em Paisagens Pós-Urbanas (2005), propõe a metropoeletrônica como uma metrópole que está interconectada em função das novas tecnologias. Dessa maneira, nessa metropoeletrônica é possível estabelecer outras formas de habitação, em que as relações sociais são caracterizadas pela constante mutação, e a ausência de limites perde seu significado. Para o autor, é necessário repensar as fronteiras entre casa e rua, espaço público e privado, entre fora e dentro, pois os corpos e espaços são caracterizados mais pela própria delimitação, pela capacidade de interconexão, portanto por suas potencialidades de extensão e conexão.
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Considerando que a sociedade da informação, do consumo e das crises ambientais e econômicas já possui ferramentas disponíveis para mudar hábitos simples, como, por exemplo, fazer compras on-line, evitando o gasto de energia com deslocamentos, destacamos também as empresas como uma boa opção para ajuda mútua na indução de novos valores e consequentemente novos hábitos e estilos de vida na sociedade. Hoje as empresas têm a opção de utilizar a teleconferência na realização de reuniões, o que pode evitar o consumo desnecessário de energia em viagens. Além disso, a legislação trabalhista no Brasil já permite o trabalho do tipo “Home Office”, com o intuito de reduzir gastos com deslocamentos e proporcionar a melhoria da circulação de pessoas nas cidades durante o dia, uma vez que a “mobilidade urbana” é uma das condições para a circulação de pessoas para a produção de bens e a sua troca em mercadorias. Castells (1972) já apontava que o estudo da urbanização deve levar em consideração as relações entre forças produtivas e classes sociais e as formas culturais onde essa urbanização desembocaria na própria maneira de reprodução do espaço, ou seja, apresentada por um conjunto de atividades produtoras de bens, serviços e informação. Nesse sentido, o consumo é tratado como um conjunto de atividades relativas à apropriação social ou coletiva do produto, e o urbano é tratado como uma forma de reprodução da classe trabalhadora. Diante dessa perspectiva, a mobilidade urbana também se constitui como um problema social, pois quando a classe trabalhadora não tem acesso ao consumo coletivo de equipamentos e serviços como o de transporte coletivo, isso impede que o capital se reproduza no espaço, pois esse consumo coletivo de equipamentos deveria assegurar que essa classe trabalhadora circulasse na cidade e por fim reproduzisse o próprio capital. 3. DISCURSOS E PRÁTICAS “SUSTENTÁVEIS” Iniciativas do governo brasileiro, como a nova política nacional de resíduos sólidos, sancionada em 2 de agosto de 2010 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de obrigar o fim progressivo dos lixões em todos os municípios do país, transformando-os em aterros sanitários controlados para garantir a não contaminação do solo. A reciclagem e a não proliferação de gases danosos ao meio, cria também, entre outras garantias, a “logística reversa”, que é aquela que determina que
a responsabilidade dos resíduos seja dos fabricantes, importadores, distribuidores e vendedores. Assim, estes ficam responsáveis por recolher, depois de usados pelo consumidor final: agrotóxicos e seus resíduos; embalagens; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes; lâmpadas fluorescentes; produtos eletrônicos e seus componentes. A lei estabelece prazos para que as empresas implantem a nova conduta e informem o consumidor sobre o recolhimento dos produtos usados. Entre outros termos, a lei também obriga as instituições a comprovarem a destinação ambientalmente correta dos resíduos. O não cumprimento da norma é considerado crime ambiental, que prevê pena de até cinco anos de reclusão, além de multa. 3.1 O PAPEL DA CONSTRUÇÃO SUSTENTABILIDADE
DO SETOR CIVIL NA
No setor da construção civil podemos destacar o papel das empresas de incorporação imobiliária, pois elas são responsáveis por criar condições de infraestrutura, lazer, comércio, abrigo e conforto para a vida das pessoas nas metrópoles. No contexto mundial, o setor da construção civil também tem se movimentado na direção das construções sustentáveis com o objetivo de minimizar os impactos causados por suas atividades no meio ambiente e na sociedade, pois se acredita que este setor seja um dos grandes responsáveis pelas mudanças no clima, já que gera resíduos diversos e emite toneladas dos gases causadores do efeito estufa, além de consumir uma enorme quantidade de recursos naturais. Construção sustentável é qualquer empreendimento - edificação - que consiga atender de forma equilibrada aos seguintes princípios: adequação ambiental, viabilidade econômica, justiça social e aceitação cultural.
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O setor da Construção Civil no Brasil hoje é responsável por gerar aproximadamente 7,3% de empregos formais, segundo dados do IBGE, e é um dos setores mais impactantes para a nossa base econômica. Por outro lado, é o responsável por 40% das emissões de gases causadores do efeito estufa no mundo, o que supõe que a sustentabilidade seja um fator estratégico e de sobrevivência para o setor. A ONU, através do SBCI - Sustainable Buldings and Climate Initiative, uma iniciativa coordenada pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), aponta que o ambiente construído é globalmente responsável por cerca de 40% das emissões globais de CO2. Desta forma, ressalta a importância de incluir, nos trabalhos realizados no âmbito dos mecanismos internacionais que visam enfrentar as alterações climáticas, a discussão de ações que a cadeia produtiva da construção civil deve tomar para minimizar as emissões de CO2 e de adaptar o ambiente construído aos efeitos das mudanças no clima. 4. SUSTENTABILIDADE EMPRESARIAL Nesse sentido, as empresas têm buscado inserir o tema da sustentabilidade em seus negócios por uma questão de sobrevivência e perenidade. No contexto empresarial a sustentabilidade deveria ser mais que uma propaganda verde, uma linha de produtos, um trabalho filantrópico ou um gesto como plantar árvores para salvar o planeta; ela deve ser uma estratégia de gestão com ênfase nos aspectos sociais, econômicos, ambientais e culturais. Fernando de Almeida (2007), presidente do CEBDS - Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, considera que o maior poder para operar as mudanças necessárias, na busca pela sustentabilidade, está com as empresas. Segundo ele, nas empresas se concentra a maior fatia do poder no mundo contemporâneo e, portanto, também a maior responsabilidade pelos rumos que a sociedade tomará, ou seja, a ruptura urgente deve ser provocada no âmbito
empresarial, e para que isso aconteça será necessário romper com os velhos paradigmas se quisermos construir um futuro sustentável. Elkington (1998) desenvolveu o conceito de Tríplice Resultado, que privilegia os aspectos econômicos, sociais e ambientais como fatores que dão retorno positivo às empresas que se preocupam com a questão da sustentabilidade. O Tríplice Resultado pode ser comparado a um balanço que apresenta resultados nas três dimensões propostas como importantes pelo parâmetro da sustentabilidade: os dados quantitativos que podem ou não gerar valor para os acionistas. Mais importante que o lucro pode ser a experiência de uma forma de gestão que avalia impactos de acordo com uma visão sistêmica e leva em consideração a interdependência entre as partes interessadas e envolvidas, também denominadas de stakeholders. Os stakeholders alvo das empresas geralmente são classificados em três categorias: externos, sem ligação direta com a empresa (membros da comunidade, órgãos do governo, mídia etc.); internos (empregados, gestores, acionistas etc.); externos, com ligação direta com a empresa (clientes e fornecedores) (Savitz, 2007, p. 65). Outra classificação possível se faz conforme o grau de influência no negócio. De acordo com Werbach, a palavra sustentabilidade passou a ser amplamente usada no contexto ambiental a partir de 1987, depois de aparecer num relatório das Nações Unidas preparado pela primeira ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland. Ela definiu desenvolvimento sustentável como a possibilidade de “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer as próprias necessidades” (Werbach, 2010, p. 8). Nesse sentido, para Savitz, sustentabilidade pode ser encarada como a arte de fazer negócios num mundo interdependente. Sustentabilidade diz respeito à interdependência dos seres vivos entre si e em relação ao meio ambiente. Sustentabilidade significa operar a empresa sem causar danos aos seres vivos e sem destruir o meio ambiente, mas, ao contrário, reestruturando-o e enriquecendo-o (Savitz, 2007, p. 8).
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Os movimentos ambientalistas e a ampla difusão das questões ambientais nos meios de comunicação de massa, sobretudo na internet, influenciaram as empresas a prestar mais atenção na sua reputação perante o mercado.
Nesse contexto, a economia vem sofrendo impactos e tem sido percebida uma mudança significativa em relação ao grau de interesse dos consumidores pelas questões ambientais das empresas.
Uma pesquisa realizada no Brasil, em 2010, pelo Ministério do Meio Ambiente, pela rede Walmart e pela Synovate Brasil, com o tema Sustentabilidade e Hábitos de Compra, revelou que a sociedade está disposta a evitar a contaminação do meio ambiente com cuidados como o descarte de produtos que contenham materiais perigosos, tais como pilhas, baterias e solventes. Quarenta e cinco por cento das pessoas informaram ter cuidados em relação à destinação correta do lixo de matérias tóxicas, enquanto apenas 13% das pessoas buscaram reduzir o uso de automóveis.
Facilitar a linguagem, esclarecer os pontos favoráveis à sustentabilidade e, sobretudo, abrir um canal direto para esclarecer as dúvidas e as demandas que irão surgir talvez sejam os direcionamentos corretos a serem seguidos pelos profissionais que queiram se destacar em sua profissão sem pecar pelo excesso, mas com cautela e responsabilidade.
Acredita-se que as empresas tenham grande papel como agentes da transformação social, pois influenciam e são influenciadas pelos seus consumidores. Segundo Bauman (2008), os consumidores são, ao mesmo tempo, os promotores das mercadorias e as mercadorias que promovem, porque todos habitam o mesmo espaço social conhecido como mercado. Sob este aspecto, podemos perceber que as empresas também têm um papel de influência para a transformação dos hábitos de consumo, pois interagem conforme as expectativas e desejos da sociedade, que hoje atribui ao consumo de bens e serviços um lugar relacionado à felicidade. Por outro aspecto, para que as empresas se mantenham no mercado, são necessárias a inovação e a economia de recursos naturais, que estão cada vez mais altos em função da capacidade de carga de reposição que a Terra tem condições de suportar. Dessa forma, as empresas acabam se comprometendo com a melhoria da qualidade de seus produtos e serviços. 5. A COMUNICAÇÃO COMO AGENTE DE PROMOÇÃO DE MUDANÇAS O acesso e a velocidade de informações proporcionaram aos consumidores atenção especial às empresas que devastam o meio ambiente, que trabalham com mão de obra escrava ou infantil, que utilizam produtos tóxicos prejudiciais à saúde e não o declaram em suas embalagens, além de outras questões relacionadas à responsabilidade social.
Pode-se dizer que a sustentabilidade acontece quando uma empresa realiza um diagnóstico preciso de suas práticas de gestão sob os aspectos sociais, ambientais e econômicos do ponto de vista de seus múltiplos stakeholders. Ou seja: quando são avaliadas tanto as oportunidades quanto os riscos inerentes aos seus processos em relação ao seu público de interesse. Essa abordagem, alinhada às melhores práticas de governança para a sustentabilidade, cria valor para o acionista e possibilita uma maior continuidade do negócio em longo prazo. Hoje, uma empresa que não pensar em sustentabilidade deixará de ser competitiva, principalmente porque os consumidores já estão conscientes, e exigentes, quanto à importância de escolher produtos de empresas, fabricantes ou servidoras que primem pelas melhores práticas junto aos funcionários e comunidades; que preservem o meio ambiente e adotem não só medidas compensatórias para minimizar os seus impactos ambientais e sociais, mas que realmente demonstrem, através de seus relatórios de sustentabilidade, ter colocado em prática os compromissos assumidos em relação aos riscos que seu negócio representa. A sustentabilidade corporativa deverá ser inserida nas organizações em todos os processos da empresa, entretanto, se não estiver incorporada em sua cultura, dificilmente será alcançada. Pode-se dizer que uma organização que almeja ser
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sustentável é aquela que visa a ética, ao respeito, a formalidade, a minimização de recursos, sobretudo os naturais, que já são escassos em nosso planeta. Percebe-se que neste processo de formação de uma nova cultura para a sustentabilidade o aspecto da educação, seja ela formal ou não, tem sido considerado estratégico para a consolidação de um novo pensamento da sociedade. Os meios de comunicação de massa têm importante papel nesse processo de educação para a sustentabilidade, mas será necessário, antes, transcender paradigmas como o formulado por Descartes, o modelo cartesiano que separa o sujeito e o objeto, alma e corpo, espírito e matéria. Como afirma Morin, “um paradigma pode ao mesmo tempo elucidar e cegar, revelar e ocultar. É no seu seio que se esconde o problema chave do jogo da verdade e do erro” (Morin, 2000, p. 21). A formação de redes de conhecimento também deverá ser capaz de fazer com que as informações fluam, construindo-se, assim, um canal por onde a informação nos leve a atitudes mais éticas e à religação com o universo. Para chegar a concretizar este ideal será necessário envolvimento e engajamento por parte da sociedade para que a transformação cultural aconteça e os hábitos de consumo se voltem para o exercício da conectividade e da preservação do meio ambiente. 5.1 COMUNICAÇÃO INTEGRADA E A SUSTENTABILIDADE A Comunicação Integrada é composta pelo mix Comunicação Institucional, Comunicação Interna e Comunicação Mercadológica, e mediante esse mix é necessário fazer um mapeamento dos públicos de interesse da organização e seus meios, ou seja, dos veículos que são utilizados pelas organizações para comunicarem com seus públicos para qualquer processo que necessite de engajamento.
Ao considerarmos o mapeamento dos stakeholders em qualquer processo que envolva a sustentabilidade, é necessário o envolvimento com o público interno, pois este tem o poder de aderir à causa. Segundo Kusch, o público interno é um público multiplicador. Tudo dependerá de seu engajamento na empresa, da credibilidade que esta desperta nele e da confiança que ele tem em seus produtos ou serviços. A comunicação interna permitirá que ele seja bem informado e que a organização antecipe respostas para suas expectativas (Kunsch, 1997, p. 129). A comunicação organizacional, quando sistematizada, pode ser considerada importante ferramenta para o processo de consolidação e posicionamento de uma marca perante seu público. A partir da sistematização de um processo comunicacional é possível que a visão, missão e valores de uma organização sejam “legitimadas” pelos seus stakeholders através de sua “adesão pela causa”. Entretanto, hoje, a comunicação em redes, assim como o esquema proposto pela globalização, causa um altíssimo nível de interdependência entre as pessoas capaz de fazer com que as mesmas entrem em colapso. Segundo Senge (2009), “na aldeia global, só há um barco. Bastaria um furo para todos naufragarmos”. Nos processos de comunicação para a sustentabilidade a comunicação tem que engajar seus públicos emocionalmente e possuir uma linguagem acessível e compreensível em todos os aspectos que a empresa deseja comunicar. A partir daí a comunicação sustentável poderá gerar valor agregado para a empresa, pois passa a ser mais um fator de reconhecimento e valorização desta perante seus públicos de relacionamento. Contudo, as empresas precisam ter consciência de que a sustentabilidade no seu real significado não é um modismo a ser adotado ou algo que vai se traduzir apenas em ganhos de negócios e de imagem positiva. Trata-se de algo bem mais complexo, envolvendo uma filosofia de gestão e um compromisso público dos mais relevantes (Kunsch, 2009). As empresas que desejem comunicar adequadamente práticas, projetos ou ações de sustentabilidade deverão levar em consideração os seguintes aspectos: alinhar discurso e prática, ou
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seja, comunicar apenas o que realmente faz, levando em consideração aspectos como transparência, governança, respeito à cultura local, informando o que seja relevante para os seus públicos de interesse com base no “triple bottom line”, aspectos ambientais, sociais e econômicos conforme dimensões propostas pela sustentabilidade. A resolução do Conar – Conselho Nacional de Regulamentação Publicitária presente no artigo 36 anexo U sobre propaganda verde e enganosa recentemente publicada no Brasil em 2011 é uma iniciativa que visa2 combater a propaganda enganosa com viés de sustentabilidade. A partir dessa regulamentação as empresas deverão comprovar que suas ações estão de acordo, do ponto de vista de normas para a sustentabilidade, com sua comunicação. Segundo a resolução Conar, artigo 36, “a publicidade deverá refletir as preocupações de toda a humanidade com os problemas relacionados com a qualidade de vida e a proteção do meio ambiente; assim, serão vigorosamente combatidos os anúncios que, direta ou indiretamente, estimulem: a poluição do ar, das águas, das matas e dos demais recursos naturais; a poluição do meio ambiente urbano; a depredação da fauna, da flora e dos demais recursos naturais; a poluição visual dos campos e das cidades; a poluição sonora; o desperdício de recursos naturais”. A resolução ainda faz um alerta à publicidade institucional e de produtos e serviços que vêm utilizando excessivamente os termos e indicativos ambientais para fazer marketing verde ou Greenwashing e aponta que as empresas deverão considerar na comunicação de seus produtos ou serviços a veracidade das informações desde que sejam passíveis de verificação ou comprovação, exatidão das informações, pertinência, ou seja, as informações ambientais devem se referir aos produtos ou serviços vinculados à ação e não a uma linha de produtos ecológicos, por exemplo, e também a relevância do benefício ambiental em todo ciclo de vida útil, desde a sua produção até o seu descarte. Além disso, para atender ao Código, as empresas deverão refletir a sua responsabilidade ambiental como anunciantes levando em consideração aspectos como concretude, exatidão e clareza, pertinência, relevância, absoluto e marketing relacionado às causas ambientais. Outros instrumentos que vêm contribuindo para a utilização da comunicação como recurso estratégico e indutor na cultura da sustentabilidade é a ISO
26000, considerada a norma internacional da sustentabilidade, que dedica um capítulo sobre a importância da comunicação nos processos de sustentabilidade nas empresas. A ISO 26000 tem por objetivo contribuir para a melhoria do desempenho das organizações rumo à sustentabilidade e aponta quais seriam os papéis da comunicação no processo de gestão da responsabilidade social nas organizações tais como: • fornecer informações sobre os impactos das atividades, produtos e serviços da organização, inclusive detalhes de como os impactos mudam ao longo do tempo; • ajudar a engajar e movimentar empregados e outros para apoiar as atividades de responsabilidade social da organização; facilitar a comparação com organizações pares, o que pode estimular melhoria de desempenho em responsabilidade social; • fortalecer a reputação da organização no que se refere à ação responsável, franqueza, integridade e responsabilização, para fortalecer a confiança das partes interessadas na organização. O setor da construção civil, apesar de apresentar avanços significativos nas tecnologias capazes de transformar os edifícios em ambientes mais eficientes do ponto de vista da economia de recursos naturais, como água e energia, apresenta uma dificuldade de compreender que as edificações são produzidas para as pessoas, e essas pessoas poderão compor uma comunidade que tem direitos e deveres e poderão exercer seu papel de cidadania diante das dificuldades enfrentadas na utilização desses empreendimentos sustentáveis, uma vez que essa comunidade poderia apreender como operar e o porquê da incorporação desta tecnologia no processo de construção do empreendimento e quais os benefícios gerados a partir da sua correta utilização. O processo deverá ser de “dupla pilotagem” entre o edifício
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tecnológico, chamado green building, e os seus habitantes. Nesse sentido, se tomarmos como referencia os empreendimentos “Green buildings” como sistemas complexos onde habitam ou trasintam usuários diariamente sejam para suas atividades profissionais ou de moradia podemos considerar que essas pessoas que utilizam os empreendimentos são pertencentes a uma “comunidade”. Sendo assim, os empreendimentos tecnológicos e ambientalmente corretos poderiam ajudar na indução de hábitos e estilos de vida pautados pelos princípios da sustentabilidade. Por exemplo, em alguns empreendimentos que possuem certificações existem na entrada do prédio placas indicativas qeu incentivam o uso de caronas e transporte coletivo como alternativa aos deslocamentos diários entre as residências e o local de trabalho. Essa atitude, se for incorporada e legitimada por essa comunidade, poderia contribuir para a redução do excesso de veículos individuais circulando nas cidades, além de contribuir com a diminuição do estresse e das emissões de gases causadores do efeito estufa. Entretanto, uma placa indicativa pode ser ineficaz, pois sem que sejam implementadas ações de integração entre as pessoas e estabelecidas formas de sociabilidade ficaria difícil uma mobilização e tomada de consciência rumo a atitudes mais sustentáveis.
Waldemar Luiz Kunsch (2007), considera que estes movimentos rumo a construção da cidadania vêm sendo influenciados desde as decas de 70 e 80 quandopor conta dos movimentos sociais e o desenvolvimento da comunicação comunitária os indivíduos passaram a tomar maior consciência dos seus direitos e deveres na construção de uma sociedade mais justa e ética e com isso, as empresas na contemporaneidade também apresentam papel relevante na construção da cidadania uma vez que estes processos poderão impactar diretamente a formação da opinião pública e consequentemente a sua reputação no mercado.
Contudo, as empresas do século XXI são cada vez mais pressionadas a atender às exigências do novo mercado, uma vez que os consumidores estão mais conscientes do seu poder de influência junto às organizações e hoje utilizam mecanismos de poder como, por exemplo, o fenômeno dos blogs ou das redes sociais como Orkut e Facebook, em que os indivíduos podem se expressar através de uma criatividade midiática, passando de “espectadores passivos” para “amadores globais que protagonizam histórias”. 6. CONCEITOS E PROPOSTAS PARA IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO EM EMPREENDIMENTOS SUSTENTÁVEIS Mediante os aspectos relatados do ponto de vista da comunicação para a sustentabilidade, seguem algumas recomendações de estratégias de comunicação a serem implementadas nos programas de comunicação de empreendimentos sustentáveis: • Disponibilizar uma equipe de sensibilização dos stakeholders - fornecedores, funcionários, comunidade local e demais públicos impactados pelos empreendimentos; • Estabelecer um canal de comunicação com os stakeholders: vizinhança, fornecedores, funcionários, ONGs, mídia, acionistas, sociedade civil, governo, dentre outros; • Minimizar os impactos sociais e ambientais gerados pelos empreendimentos no seu entorno; • vizinhança;
Valorizar o relacionamento com a
• Contribuir com o processo de construção da cidadania na utilização dos empreendimentos como organismos vivos sistêmicos e abertos; • Gestão de conflitos multistakeholders (internos e externos).
com
os
Retornos esperados • vizinho local;
Valorizar o relacionamento com o
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• Minimizar impactos sociais, econômicos e ambientais previstos pela implantação e operação dos empreendimentos; • Contribuição econômica, social e ambiental para a região impactada com o projeto; • Incentivo às melhorias urbanísticas da região a ser impactada; • Promover uma coesão entre as partes interessadas do projeto; •
Diálogo com os stakeholders;
• Contribuir para a formação de uma cultura voltada para os aspectos de sustentabilidade na região a ser impactada com o projeto; •
Gestão de conflitos;
•
Ganhos de imagem;
• Redução dos riscos recorrentes de multas ambientais e paradas na operação e implantação do empreendimento; • Redução de custos de seguro em função da redução dos riscos do negócio; • Transparência; • Gerenciamento e antecipação de crises relacionadas à reputação da empresa; • Maior credibilidade da empresa perante a opinião pública. Apoio ao desenvolvimento de fornecedores com critérios de sustentabilidade, gerenciamento de impactos na comunidade de entorno e adoção de práticas antipropina e anticorrupção são ações de responsabilidade socioambiental que se aplicam aos processos de comunicação para a sustentabilidade devido à sua transversalidade e também são inerentes aos processos de sustentabilidade nas empresas.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os movimentos ambientalistas começaram a se manifestar na década de 70, e a partir da década
de 80 o fenômeno do individualismo e do abuso nos padrões de consumo passou a influenciar os movimentos sociais e outros grupos de interesses políticos e econômicos que se constituíram para atuar em prol dos movimentos políticos voltados para a preservação de recursos naturais, influenciando as empresas a obterem maior responsabilidade socioambiental. Neste cenário foi possível perceber que a comunicação organizacional integrada se apresenta como uma ferramenta importantíssima para as empresas que queiram se destacar no mercado, porém todas as ações devem ser planejadas e executadas de maneira ética e responsável, evitando práticas que possam comprometer a confiança do cliente e da comunidade nas empresas e consequentemente afetar a sua reputação e imagem perante a opinião pública, a medida que o novo ambiente regulatório que prima por princípios pautados pela ética e responsabilidade socioambiental, como, por exemplo, a Resolução Conar sobre propaganda verde e enganosa. Foi possível perceber que se tomarmos os empreendimentos sustentáveis como uma comunidade presente em um sistema complexo, será necessário aproveitar essa oportunidade para influenciar hábitos impulsionando um novo estilo de vida pautado por ações que proporcionem uma melhoria da qualidade de vida dos seus usuários, desde que haja um casamento entre o edifício tecnológico e seus habitantes. Mas para que isso aconteça é necessária uma mudança na forma como a comunicação vem sendo implementada e utilizada como ferramenta de promoção da cultura da sustentabilidade pelas empresas. Contudo, Hessel e Morin (2012) em seu manifesto a “Caminho da Esperança“ apontam o resgate da solidariedade como um bem viver que pressupõem o desenvolvimento individual no seio das relações comunitárias pautadas pela ética cuja fonte é a responsabilidade das ações e hábitos sociais que vem causando o estresse no planeta e levando
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a sociedade a viver nos limites que o planeta pode suportar. Para que isso ocorra, será necessário o desenvolvimento da democracia que fosse capaz de religar individuo espécie e sociedade, ou seja, natureza cultura e tecnologia com um único propósito: o bem viver. BIBLIOGRAFIA Almeida, Fernando (2007). Seja desafios da sustentabilidade. Rio de Janeiro. Elsevier. Azevedo, Ana L. V. (2006). Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro. Editora FGV. Bauman, Zygmunt (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2007). Vida líquida. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2008). Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadorias. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. ________ (2009). Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Ed. Bellen, Hans Michael Van (2006). Indicadores de sustentabilidade: uma análise comparativa. Rio de Janeiro. Editora FGV. Câmara da Indústria da Construção (2008). Guia de sustentabilidade na construção. Belo Horizonte. FIEMG. Di Felice, Massimo (2009). Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo. Annablume (Coleção ATOPOS). Gonçalves, Hortência de Abreu (2005). Manual de metodologia da pesquisa científica. São Paulo. Avercamp. Hammond, A.; Adriaanse, A.; Rodenburg, E. et. all (1995). Environmental Indicators: a Systematic Approach to Measuring and Reporting on Environmental Policy
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Vivian Aparecida Blaso S. S. Cesar
Professora da FACOM - FAAP. Doutoranda e Mestre em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
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matríCulas
abertas
Alguns dos cursos oferecidos:
ComuniCação e marketing
Pós-GrAduAção • Comunicação, Mídia e Religião • Gestão de Marketing • Gestão de Marketing de Serviços • Gestão de Vendas e Negociação • Planejamento e Organização de Eventos • Produção Executiva e Gestão da Televisão
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Arte e acaso: a magia da imagem
Neiva Pitta Kadota
Resumo
Abstract
Este artigo se refere à fotografia como uma forma de discurso operado não só pelo acaso, mas também como registro do mundo real sob um processo de transformação pelo olhar do fotógrafo.
This article refers to photography not only as a form of discourse operated by chance, but also as a register of the real world under a transformation process by the photographer’s view.
Palavras-chave
Keywords
Fotografia, discurso, arte, acaso
Photography, discourse, art, chance
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“I am a visual man. I watch, watch, watch. I understand things through my eyes.” (Henri Cartier-Bresson)
“A fotografia é,
antes de tudo, um modo de ver”(1). Esta é uma entre várias formas pelas quais Susan Sontag define o ato fotográfico. Uma atividade que, na esfera da arte, reproduz com fidelidade, ou não, a aparência do objeto capturado para então transformálo em objeto do olhar do outro. E esse processo de transição do olho, de quem vê primeiro o objeto para o olho de quem vê depois, tende a direcionar a visão do espectador. “O olhar me interessa como forma de conhecimento, e uma das grandes riquezas da fotografia é a capacidade de, ao transmitir o olhar do fotógrafo, transmitir sua compreensão do mundo ou, ao menos, a natureza de suas interrogações sobre ele”(2). É o que afirma Simonetta Persichetti sobre o ato fotográfico, essa linguagem que marca a postura e o estilo daquele que resgata fragmentos do entorno para montar o todo de seu universo imagético. O que nos revela que suas escolhas têm também um direcionamento. O que nos leva à afirmação conhecida e certeira de Roland Barthes “ Não existe mensagem ingênua.” Contudo, mesmo ciente disso, de que o olhar do fotógrafo nunca é inocente, de que muitas tentativas e descartes podem ter marcado aquela cena antes de seu registro definitivo para que aquela imagem fosse veiculada, não se pode ignorar a
possibilidade do acaso no momento do clique para a eternização da imagem. Pode ocorrer de forma impulsiva diante de um cenário ou um gesto qualquer que instintiva ou esteticamente tenha atraído sua atenção: a luz sobre uma poça dágua, a sombra duplicando um vulto, um contraste de cor entre as formas, o elemento vítreo do objeto oferecendo luminosidade, e esse instante é retido pela câmera esperta, o segundo olho do fotógrafo. Muitos foram os fotógrafos, incontáveis talvez, que com a proteção dos deuses e a câmera em mãos flagraram aquele singular recorte da realidade que se mostrou apenas por instantes mínimos, mas foi retido pelos céleres movimentos de seus dedos no corpo da máquina de captação, transformando o efêmero ou o fato rotineiro, que escapa ao olhar apressado, em reveladora eternidade imagética. É um trabalho sensível que exige do fotógrafo persistência e olhar atento na espera do plausível para concretizar seu intento, o momento certo ou o “momento decisivo”, como o chamava CartierBresson, para plasmar o inusitado, o risível, o ridículo, o horrendo ou o poético e que poderá definir o design de sua obra. E sobre essa arte da espera, assim se manifesta o fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994): “...para ver bem é preciso um mínimo de concentração. Ver é por vezes construir para si mesmo, com os meios que temos à disposição, um pequeno teatro e esperar pelos atores. (...) Em seguida, a mise em scène se improvisa no fugaz. Para ser legível, uma imagem tem de tomar a forma de um desses signos utilizados desde os primórdios pelos sacerdotes e há menos tempo pela
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sinalização das vias. Tudo isso lhes parece talvez levemente obscuro. É uma manobra deliberada para lhes mostrar o quanto a prática da fotografia pode ser delicada” (Paris Doisneau, (3). Delicada sim porque deliberada ou obra do acaso exige atenção para o universo que nos envolve, sensibilidade aos detalhes desse cenário para então acionar o botão da câmera. Ainda tendo o trabalho de Doisneau como objeto, uma foto entre tantas outras por ele produzidas que revela um feliz instantâneo se encontra na primeira parte de Paris Doisneau, denominada “Paris por acaso” e que integra esse conjunto de imagens. Uma foto de Doisneau (1953) “Os cachorros do marquês de Cuevas”, fruto talvez do acaso, nos revela um instante de obediência felina: oito cãezinhos de raça.pura, brancos e peludinhos, dentro de um carro preto com a porta totalmente aberta, olham atentos para seu dono (ou motorista) que do lado de fora a eles se dirige com um gesto suave de mão, mas impositivo, cujo dedo indicador ordena que aguardem dentro do veículo. Não há como não determos o nosso olhar sobre a uniformidade de postura dos pequenos animais, exceto de um que percebe a existência do fotógrafo com sua câmera, e curioso o encara - e portanto nos encara -, e de outro que olha distraído para fora. Os demais
cãezinhos atentos a um único comando ensejam ao fotógrafo o clique, favorecido pelo contraste da foto em preto e branco. Três pontos negros nos pequenos cães: os olhos e o focinho, em meio à branca pelagem completam o cenário harmônico e instigante que certamente Doisneau buscava nas ruas ou praças de Paris para ampliar sua coleção como “voyeur” parisiense. Uma outra foto de Doisneau, em que houve certamente a colaboração do acaso, atrai o nosso olhar. É ela “O canto da partida (fragmento)”, de 1954, em que o fotógrafo flagra um pássaro sobre uma escultura. Um nú. Isso não surpreenderia ninguém e não atrairia a atenção do fotógrafo não fosse a escolha feita pelo pássaro para seu pouso: o pênis do jovem ali esculpido. Há, então, um cruzamento de informações imagéticas e linguísticas que levam o receptor a constatar a ideia do duplo na presença da ave e do órgão genital masculino, graças ao empréstimo linguístico utilizado na esfera infantil que de longa data os coloca no mesmo plano semântico. Para o registro de um momento como esse, o fotógrafo tem de ter rápida percepção e ser ágil na captura da cena, pois ela tem uma duração impossível de ser prevista. Poderá ser duradoura, mas também ser ínfima e, então, com o voo do pássaro, o cenário poderia ter sido desfeito, desconstruído, diante de seus olhos e de tudo só restaria, em sua lembrança, o instante em que uma ave ingenuamente atrevida escolhera um suporte pouco comum para seu descanso e despertaria no espectador da foto o riso diante de uma situação tão singular. Felizmente, Doisneau estava atento, em alerta, e a foto se fez. Muitos flagrantes também, ou que imaginávamos flagrantes, foram depois desconsiderados, como é o fato da tão conhecida foto de Doisneau “O beijo do Hôtel de Ville”, de 1950. Sabe-se hoje, com um certo desalento até, que a foto foi imaginada, ensaiada e depois produzida como se obra do acaso fosse. Como se
Robert Doisneau “Os cachorros do marquês de Cuevas”.
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Robert Doisneau “O Canto da partida”
num impulso de dois jovens apaixonados, ignorando os passantes de uma rua tão movimentada de Paris como aquela, dessem expansão à sua relação afetiva com um surpreendente beijo no exato momento em que o fotógrafo com sua câmera casualmente por ali passava. Acaso ou imaginação, porém, é o olhar sensível do fotógrafo que nos premia com imagens como essas de Doisneau e de tantos outros artistas que, como ele, captam cenas singulares que nos encantam, provocam ou divertem. Mas no espaço do acaso, é difícil não enveredarmos pelos caminhos muitas vezes difíceis do fotojornalismo. E fugindo um pouco dos registros de guerra que revelam os horrores ali vivenciados, ainda que haja uma seleção cuidadosa do que pode ou não ser mostrado pelos veículos de comunicação, pode-se acompanhar a maratona, desses profissionais pela obra de John Steinbeck e Robert Capa Um diário russo. Obra essa de deliciosa leitura e que resgata bem as barreiras encontradas por
esses profissionais da imagem e das notícias ao realizar seu trabalho de campo. Ao acompanhar o relato tão bem escrito e descrito pelo autor de As vinhas da ira, o norte-americano Steinbeck, prêmio Nobel de literatura em 1962, em parceria com o fotógrafo Robert Capa, ao resgatar os problemas para uma reportagem na Rússia, em 1947, em que logo após a Segunda Guerra a divisão surgida entre Estados Unidos e União Soviética, antes aliados, não permitia que olhos estrangeiros vasculhassem os espaços internos. Daí o suplício dos dois jornalistas para conseguir se instalar na cidade e a liberação para as treze malas que os acompanhavam com todo o equipamento fotográfico que utilizariam em sua estada em Moscou e adjacências. As fotos são excelentes e nos propiciam uma visão parcial dos lugares e de sua população. Parcial porque só registravam os espaços para os quais conseguiam autorização. Ao falar sobre a fábrica de tratores de Stalingrado (projetada por engenheiros americanos, e transformada depois, durante a guerra, para o fabrico de tanques), e à qual tiveram acesso, fica clara essa proibição:
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“Poderíamos ver tudo o que quiséssemos, mas nada de fotos. Nossa decepção foi enorme” (4) e mais à frente “Na verdade não estávamos interessados em obter imagens da fábrica. O que de fato nos importava eram fotos dos homens e das mulheres que ali trabalhavam. A maior parte da mão de obra na fábrica de tratores de Stalingrado é feminina. Mas não havia como romper o tabu. Não podíamos fazer nenhuma foto. O temor da câmera é profundo e cego.” (5) Ao comentar essa proibição, Steinbeck descreve a frustração do fotógrafo húngaro Robert Capa: “Sempre que se vê impedido de fazer suas fotos, Capa não consegue deixar de se lamuriar, e ali ele reclamou ainda mais, pois por toda parte distinguia contrastes e ângulos, e imagens impregnadas de um sentido mais amplo que o literal. ‘Aqui, com duas fotos, eu teria mostrado mais do que se poderia dizer com milhares de palavras’, lamentou.” (6) A visão de Capa é a de um fotógrafo experiente e sensível que vê a possibilidade de revelar além daquilo que o olho comum e acostumado é capaz de captar. O seu desejo era revelar a alma russa, em sua lida diária, por meio de imagens que transcendessem o interior de uma fábrica e alcançassem o país ou os países soviéticos em sua totalidade. Apesar disso, Capa conseguiu, em alguns momentos, realizar seu intento por meio de alguns flashs, como quando assistia a um evento, na Geórgia, em que duplas em uma espécie de arena lutavam para revelar sua força física e sua agilidade em derrubar o parceiro, sem tocar em seu corpo, agarrando-se apenas à jaqueta e ao cinturão até desequilibrá-lo e atirá-lo ao chão, ao som de uma selvagem melodia, tocada ali, no local da luta, por músicos da região. E, como fotógrafo sensível que era, registrou não só as lutas que eram várias e rápidas, mas a expressão dos georgianos que tensos e concentrados assistiam a elas, revelando assim a importância dessa competição para os integrantes daquela comunidade que, envolvidos como se encontravam emocionalmente, sequer perceberam a atividade do fotógrafo em cuja câmera nesse instante eternizava as reações emotivas da plateia. Por meio desse trabalho de Capa e Steinbeck, o mundo pôde ter acesso a algumas facetas do modus vivendi da cultura georgiana, naquele período, e à noção clara do quanto os regimes autoritários limitam as atividades artísticas, castram a criatividade dos indivíduos e com isso a expansão da arte. A arte, contudo, e à revelia dos pensamentos divergentes, segue seu processo de sempre se
Robert Capa. Geórgia, 1947.
renovar, e a fotografia não percorreu trajetória diferente. A arte fotográfica contemporânea tem nos surpreendido continuamente com sua livre expressão, com suas intervenções estéticas, e com o distanciamento do referente, buscando extrapolar os limites do olhar condicionado ao espelhamento do real, atingindo às vezes o espaço do surreal ou quase surreal. E quem ,entre outros, nos revela essa captação do real com aspectos surreais, em sua escolha imagética, é o fotógrafo e crítico de fotografia Boris Kossoy com uma sugestiva foto de 1988, “Cerisy-la Salle, Normandia, França” (7), em que a rica, antiga e austera residência ao fundo, tendo ao lado árvores certamente centenárias, projeta o cenário escuro e meio fantasmagórico para as arabescas cadeiras brancas que, vazias, completam a visão de uma ausência que parece eterna. Uma solidão alongada entre o claro e o escuro que atrai nosso olhar e estimula nossa imaginação. Uma foto que encanta pelo enquadramento, pelo contraste e acima de tudo pelo mistério nela contido. Maureen Bisilliat, inglesa radicada no Brasil desde 1952, desenvolveu por muitos anos atividades na área do fotojornalismo para as Revistas Realidade e Quatro Rodas, mas seu trabalho mais artístico se deu na conexão entre literatura e fotografia, e seus ensaios sobre as tribos indígenas
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Boris Kossoy. “Cerisy-la Salle” Normandia, França - 1988.
de nosso país que revelaram nossas origens para o mundo.
é mais que um cão saqueado;
Na obra O cão sem plumas, ela vai colocando lado a lado, em diálogo poético, os versos de João Cabral de Melo Neto e as imagens fotográficas captadas no espaço do rio Capibaribe numa fusão metafórico-estética que seduz já ao primeiro olhar na foto de capa dessa obra incomum, em que a lama recobre as formas femininas de uma jovem, cujas vestes se colam ao corpo, numa versão outra, a de uma deusa imersa em pura lama, retomando assim as figuras gregas que ocupam o imaginário coletivo, enquanto revela ao mundo a paisagem da desolação e do descaso de certas regiões do nosso país, através de uma combinação de lama luz e forma. “Como o rio aqueles homens são como cães sem plumas (um cão sem plumas
é mais que um cão assassinado ” (3) Nesse trabalho de Maureen Bisilliat, a partir da poesia de João Cabral, pode-se observar na captura das imagens uma denúncia, um apontar para a miséria, mas envolta na beleza revelada por uma fotografia esteticamente planejada, assumindo, simultaneamente, um papel social e estético capaz de atrair até mesmo a atenção do olhar mais distraído. Perfeita é a apresentação dessa obra, que a define como “Um traçado de equivalências” (...) onde texto e imagem se justapõem, por consonância ou dissonância se agregam, e se encontram em equidistância de voo”. E o ato fotográfico, que de longa data vem buscando novas veredas, não se deixa intimidar pelas inovações tecnológicas, mas a elas se alia e delas se apropria para obter melhores e mais criativos resultados. Por isso, talvez, o grande interesse dos jovens hoje pela arte fotográfica, pela sua história e por um aprofundamento em
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Maureen Bisilliat, ilustrando a obra O c達o sem plumas, 1984.
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suas técnicas, percorrendo a partir daí os caminhos da experimentação. Entre os nossos jovens fotógrafos que vêm surpreendendo positivamente, e com um trabalho sedutor, podese apontar Alberto Oliveira. Fotógrafo paulista, que em 2004 apresentou seus trabalhos em uma exposição individual em Estocolmo, na Suécia, e exposições coletivas em vários países como Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Ilha de Chipre, Turquia (Istambul) e em outros espaços geográficos. Dele, vamos tecer alguns rápidos comentários em especial focando sua atividade artística como fotógrafo da contemporaneidade, com um trabalho inventivo e que busca, por meio de inserções ou intervenções, ‘cirúrgicas” mesmo, criar uma ambientação diferenciada e estética para seu objeto imagético.
O Alberto Oliveira. “Dream & Fire”, 2004.
Em sua obra “Dream & Fire”, de 2004, um rosto feminino de olhos fechados com nuances cobredouradas, e imerso em volutas na cor vermelha, se oferece ao olhar do outro, diluindo-se nas laterais imprecisamente e mesclando-se, de um lado, a pequenos fragmentos similares a formações floriformes escuras que avançam sobre ele e, de outro, marcado por um traço também negro que parte do olho, como se uma extensão fosse de sua maquiagem, um desdobramento da sedução feminina prestes a se entregar ao desejo e ao sonho. O efeito é deslumbrante, além de onírico, em cuja face, mergulhada em seu sigilo, em seu mistério, enseja possibilidades múltiplas na leitura de sua obra. Assim, com uma câmera fotográfica em mãos, tem o fotógrafo inúmeras possibilidades de registrar aquilo que seus olhos veem ou que sua imaginação idealiza. Pode ser um simples acaso. Pode ser uma pose planejada, ambientada, repetida à exaustão, resultado de aprendizagem teórica e da habilidade
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e experiência adquiridas no contato com a câmera. Não importa. O que importa é saber capturar a imagem no momento certo; ter olhos e sensibilidade para transformá-la em registro histórico ou em arte, a partir da escolha do objeto e da sua intencionalidade. A composição, o equilíbrio ou seu oposto: a desconstrução do referente, são apenas formas de recriação de mundos, representações eleitas por esses fotógrafos, artífices e artistas, que não apenas olham para o mundo, mas diferente dos demais neles veem detalhes insólitos e por meio deles buscam desvelar mistérios ocultos.
Notas
Paulo, Cosacnaify, 2010. MELO NETO, João Cabral e BISILLIAT, Maureen. O cão sem plumas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. SONTAG, Susan. “Fotografia; uma pequena súmula”. In: Ao mesmo tempo, São Paulo, Companhia das Letras, 2007. ---------------------. Diante da dor dos outros, São Paulo, Companhia das Letras, 2003. STEINBECK, John e CAPA, Robert. Um diário russo, São Paulo, Cosacnaify, 2010.
(1) SONTAG, Susan. “Fotografia; uma pequena súmula”. In: Ao mesmo tempo, São Paulo, Companhia das Letras, 2007, pág. 137. (2) FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirinto e identidades – Panorama da fotografia no Brasil (1946-1998), São Paulo, Cosac & Naify, 2003, pág. 162. 3) DOISNEAU, Robert. Paris Doisneau, São Paulo, Cosacnaify, pág. 06. (4) STEINBECK, John e CAPA, Robert. Um diário russo, São Paulo, Cosacnaify, pág. 178. (5) Idem, pág. 179. (6) Ibidem, pág. 180. (7) KOSSOY, Boris. Boris Kossoy – Fotógrafo, pág. 116.
Bibliografia CHÉROUX, Clement. Henri Cartier-Bresson, New York, Abrams, Discoveries, 2008. DOISNEAU, Robert. Paris Doisneau, São Paulo, Cosacnaify, 2010. FERNANDES JUNIOR, Rubens. Labirinto e identidades – Panorama da fotografia no Brasil (1946-1998), São Paulo, Cosac & Naify, 2003. KOSSOY, Boris. Boris Kossoy – Fotógrafo, São
Neiva Pitta Kadota
Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica; apresenta em seu currículo alguns artigos publicados sobre fotografia.
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