Jozias Benedicto em
Contos do Falo O sentido do olfato Li em algum lugar que existem pessoas, poucas, com olfato extremamente aguçado para tipos específicos de cheiro: umas sentem cheiro da gosma de baratas em uma cozinha recémlimpa; outras percebem o cheiro que formigas compartilham, aquelas formigas pequenas em filas pilhando açucareiros. Sommeliers e outros profissionais exercitam e desenvolvem esta característica, deixando os simples mortais com olfatos básicos invejosos da percepção de aromas inesperados em uma simples taça de vinho ou uma xícara de café premium. Meu olfato também é bem apurado e específico: o cheiro de porra. A porra jorrando em jatos, então, me vira pelo avesso; mesmo a porra gotejando devagar, a lubrificação que antecede o endurecimento, a porra seca, a memória de uma porra em uma roupa mal lavada em um banho rápido de chuveiro frio, a porra que sobrou de uma punheta em uma mão que aperta a minha antes de uma reunião de trabalho. Todos estes cheiros me invadem, me tiram do sério, me acompanham. Ninguém sabe disso, nunca contei a ninguém, eu mesmo demorei para perceber o que era, o que me perturbava tanto sem eu identificar a causa, o cheiro que entrava por minhas narinas até meu cérebro-animal sem passar por minha consciência.
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