Domingo de Ramos Homilia meditada para a Família Salesiana P. J. Rocha Monteiro, sdb
Mc 14, 1 - 15,47 1. Introdução Domingo de Ramos. Milhares de crentes têm diante dos olhos o drama do justo que morreu na cruz. Morre como homem livre confrontando-se com uma religião morta pelo legalismo. Ele era a vida e testemunha a vida sem fim. Por isso esta semana é a mãe de todos os silêncios. Em sexta-feira santa todos saem à rua para ouvir os passos do silêncio na procissão do Senhor Morto. Santa Catarina de Sena sintetiza a realidade da Semana Santa com estas palavras: “Tenho ardentemente desejado comer convosco esta Páscoa antes de padecer» (Lc 22,15). Oh doce cordeiro pascal, preparado pelo fogo do amor de Deus na Sua santíssima cruz! Alimento divino, fonte de alegria, de deleite e de consolo! Nada nos falta, uma vez que para os Teus servos Te fizeste mesa, alimento e servo. [...] O Verbo, o Filho único de Deus, deu-Se a nós com um grande fogo de amor” (S.ta Catarina de Sena). Esta é a semana “santa”, a semana “autêntica”, semana “mayor”: são os dias do nosso destino É o momento de dizer-nos: «Quando nos amaste, ó bom Pai!». Este relato requer não só que recordemos, mas, sobretudo, que participemos. As leituras deste domingo envolvem-nos no mistério da cruz, mistério de salvação, mistério da redenção.
2. Elementos característicos Alguns elementos característicos de Marcos são os seguintes: antes de mais, a confiança com que Jesus reza ao Pai chamando-Lhe «Abba, Pai» (14,36); o evangelista gosta de transcrever as palavras de Jesus em aramaico: cf. Mc 5,41; 7,34; 15,34. Em se¬gundo lugar, a lamentação dirigida a Pedro: «Simão, estás dor¬mir?» (14,37; Marcos dá um relevo particular à figura de Pedro: cf. Mc 1,36; 16,7; 5,13). E ainda: o silêncio perante Judas que O beija e ao discípulo que corta a orelha do servo do Sumo-sacerdote (14,45.47); o abandono de todos, acentuado pelo jovem que foge nu (14,50-52); as horas que marcam Sexta-Feira Santa (15,1.25.33.34.42) (A. Couto). 3. Rei messiânico O Evangelho que enche este Domingo de Ramos na Paixão do Senhor é o imenso e impressionante relato da Paixão de Mc 14,1-15,47, que marca o ritmo da «Semana Santa». O Rei messiânico não é um guerreiro que chega montado num cavalo de guerra para tomar posse da sua Cidade, a Filha de Sião, a Esposa. Pelo contrário, Jesus chega a Jerusalém montado num burrinho, símbolo da pobreza, da fragilidade, da humildade, da paz. Por outro lado a multidão que o acolhe com todos os gestos externo de triunfador, quatro dias depois, pede a crucifixão. É a solidão total de Jesus. 3. A “angústia” e o “pavor” A “angústia” e o “pavor” de Jesus diante da morte, o seu lamento pela solidão e pelo abandono, tornam-n’O muito “humano”, muito próximo das nossas debilidades e fragilidades. A solidão de Jesus diante do sofrimento e da morte anuncia já a solidão do discípulo que percorre o caminho da cruz.
4. A cruz «Salvou os outros: salve-se a si mesmo.» Mas Deus é assim, Jesus é assim: não pensa em salvar-se a si mesmo, esquece-se completamente de si próprio. Não grita lá do alto: lembrais-vos de mim, guardai o que vedes como um tesouro, não me esqueçais. Fia-se completamente, abandona-se, até ao possível esquecimento. A cruz é a imagem mais pura e mais elevada que Deus tem de si mesmo. Se queres entender quem é Deus, basta que te ajoelhes junto à cruz. E não é qualquer devoto que o diz, mas Karl Rahner, o maior teólogo do século XX. Uma cruz que se eleva da terra, que aproxima o céu, que arrasta os homens consigo, para o alto. Porque o homem nasce do coração trespassado do seu Criador. O homem nasce deste amor desarmado.
Fil 2, 6-11 De condição divina, aniquilou-Se a Si próprio obedecendo até à morte e morte de cruz 5. Da cruz à glória Trata-se, provavelmente, de um hino litúrgico preexistente e de que Paulo se apropriou, referente ao mistério pascal. Na primeira leitura e no Evangelho da Paixão o tema em evidência é o sofrimento. Aqui, ao invés, a narração dos acontecimentos de Cristo, que têm início com a sua descida até à Cruz, termina com a sua ascensão à glória. Para motivar a comunhão fraterna (cf. Fl 2,1-5), São Paulo chama a atenção para a humildade de Cristo, para a humilhação através da qual passou antes de subir à glória.
Isto resulta do contexto que precede o hino: «Não façais nada por competição e por desejo de receber elogios, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada um procure, não o próprio interesse, mas o interesse dos outros.» (Fl 2,3-4)
Salmo 21 (22) Meu Deus, meu Deus, porque me abandonastes? 6. Deus não salva da cruz, mas na cruz Deus não salva da cruz, mas na cruz; não protege da dor, mas na dor. Com efeito, o salmo de angústia que Jesus reza na cruz termina com um grito: «Respondeste-me, atendeste-me» (cf. SI 22,25). Foi atendido, não por ter evitado a morte, mas por tê-la atravessado e por ter ressuscitado. Estar na cruz é aquilo que Deus, no seu amor, deve ao homem que está na cruz. O amor conhece muitos deveres, mas o primeiro é estar com aquele que ama. Deus está na cruz para estar comigo e para ser como eu, para que eu esteja com Ele e seja como Ele.
Is 50, 4-7 7. Mundo de hoje O servo de Javé é o símbolo de alguém que confia em Deus correndo todos os riscos apesar do sofrimento e da perseguição. Ele é a figura de Jesus, dos “cristos” de todos os tempos” dos irmãos crucificados na Síria diante dos seus próprios filhos, daqueles que morrem nas suas igrejas por bombistas inesperados, mortos na Nigéria, atirados pelos ares em Bagdad, náufragos ao largo de Lampedusa ou repelidos como os ciganos para os subúrbios das nossas cidades.
Se acreditamos que Cristo está em cada homem, e que todos juntos formamos o seu Corpo, podemos perceber que Cristo continua agonizante até ao fim dos tempos. Podemos dar-nos conta de que continua crucificado em todos os seus irmãos, que é bombardeado na Síria. Todos nós somos contemporâneos da eterna paixão de Deus e do homem, e nela também podemos participar, se, tal como as mulheres no Calvário, estivermos perto das cruzes infinitas dos nossos irmãos; se, como São Francisco sob esta cruz, abraçarmos Cristo nos seus irmãos; se, como todos os santos, habitarmos a cruz, nos tornarmos contemporâneos da cruz. A cruz é a imagem mais pura e mais elevada que Deus tem de si mesmo. Se queres entender quem é Deus, basta que te ajoelhes junto à cruz. E não é qualquer devoto que o diz, mas Karl Rahner, o maior teólogo do século XX. 8. «COMO NOS AMASTES Ó PAI BONDOSO!» (Santo Agostinho, Confissões 10,43,69) Todos os anos, no Domingo de Ramos, ouvimos a Paixão do Senhor. E, relativamente à situação de vida em que nos encontramos, fixemos a nossa atenção em novos pormenores do texto. Às vezes, nem sequer sabemos porque é que foi precisamente este e não outro fragmento da Paixão que nos impressionou mais. Podemos imaginar que Agostinho meditaria frequentemente nas palavras com que os evangelistas descreveram a Paixão, a Morte e a Ressurreição do Senhor Jesus. “Como nos amastes, ó Pai bondoso! Não perdoaste ao vosso Filho único! Entregaste-l’O à morte por nós, ímpios pecadores!
Como nos amastes! Foi por nosso amor que Ele, não considerando como rapina o ser igual a Vós, se fez por nós obediente até à morte, e morte de cruz. Ele era o único entre os mortos que estava isento da morte, o único que tinha o poder de entregar a vida e de a reassumir de novo! Foi, diante de Vós, o nosso vencedor e vítima. Tornou-Se vencedor porque foi vítima. Foi, diante de Vós, o nosso Sacerdote e sacrifício. De escravos fez-nos vossos filhos, servindo-nos apesar de ter nascido de Vós”. 9. Compromisso Ao começar a Semana Santa, repitamos de bom grado, com o centurião, o Credo e agradeçamos a Deus pelo amor infinito que nos dá por seu Filho Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado. «Quando nos amaste, ó bom Pai!»