Domingo de Páscoa Homilia meditada para a Família Salesiana P. J. Rocha Monteiro, sdb
II Domingo de Páscoa
Jo 20, 19-31 1. Introdução Hoje celebramos o «Domingo da Divina Misericórdia», proclamado pelo Papa João Paulo II, a 30 de abril do ano 2000. Jesus convida-nos a entrar no seu coração ferido pelo amor para renascer numa vida nova, passar da incredulidade ao êxtase da fé. A vida cristã tem a sua origem no mistério pascal de Cristo. S. Lucas dá-nos um retrato da comunidade cristã de Jerusalém e S. João define os critérios duma comunidade cristã autêntica. O Salmo 117 (118) eleva ao Deus sempre fiel uma grande Ação de Graças por todas as maravilhas que Ele tem realizado em favor do seu povo. Eis as linhas fundamentais desta riquíssima e lindíssima Liturgia. Oxalá façamos caminho nesta Lectio Divina libertando-nos dos nossos medos, das nossas dúvidas e receios e aconteça em nós Páscoa. 2. Oito dias depois “Veio Jesus, estando as portas fechadas...” Há um clima de medo, medo dos judeus. As imagens da paixão ainda estão vivas naquela casa, e as suas consciências gritam bem alto a forma como abandonaram o Mestre, como tudo foi feito à pressa.
O traído coloca-se de novo nas mãos daqueles que o traíram. «Apresentou-se no meio deles e disse: “A paz esteja convosco!”» As suas aparições não são uma manifestação de poder, uma teofania espetacular, como que a suscitar a subjugação dos discípulos. Trocam o medo pela alegria. Jesus não se preocupa consigo, mas com o homem: com o pranto de Madalena e com a sua solidão, com os discípulos abatidos, com a incredulidade que inquieta Tomé; preocupa-se com as redes vazias dos seus amigos e com a sua fome. Tem sempre o avental posto! Talvez ainda não tenhamos pensado o suficiente no que significa ter Deus como nosso servo. 3. Recebei o Espírito Santo No caminho pascal seguem juntos: o boato e a verdade, a dúvida e a fé, a ameaça e a coragem. Com uma certeza: a cruz é transitória e a Páscoa é definitiva. O Espírito de Deus que ressuscitou Jesus é o mesmo que soprou também sobre nós para nos encher de paz, de alegria, de esperança e de dinamismo, como aconteceu com os apóstolos. «Jesus disse-lhes de novo: “A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós”. Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: “Recebei o Espírito Santo”». (O verbo aqui utilizado é o mesmo do texto grego de Gn 2,7 quando se diz que Deus soprou sobre o homem de argila, infundindo-lhe a vida de Deus). Mostra-lhes as mãos e o lado, sinais que identificam o Ressuscitado com o Crucificado, e transmite-lhes uma missão. 4. Incredulidade de Tomé Os apóstolos diziam repetidamente a Tomé com a mesma linguagem da Madalena, mas no plural: «Vimos o Senhor!» (Jo 20,25).
Portanto, também eles são testemunhas, pois viram o Senhor. Mas Tomé quer tudo controlado e verificado, ponto por ponto, e refere: «Se eu não vir nas suas mãos a marca dos cravos, e não meter o meu dedo na marca dos cravos e não meter a minha mão no seu lado, não acreditarei» (Jo 20,25). 5. Oito dias depois «Meu Senhor e Meu Deus!» Tudo muda com a aparição de Jesus. Tomé acaba por se render. E não está escrito que tenha tocado no corpo do Ressuscitado. Rende-se às mãos estendidas de Cristo, rende-se à paz que a partir de então se alastra. E não é um simples desejo, mas uma afirmação: a paz, já a tendes dentro de vós, está em vós, já começou. Passa a acreditar no inaudito anúncio da Ressurreição. Tomé passa da incredulidade ao êxtase: «Meu Senhor e meu Deus!» É um Meu entretecido com a minha vida, atado à minha respiração. Meu Deus... Meu, porque me faz viver, porque é a parte melhor de mim. Meu, como o é o coração. E, sem ele, eu não existiria. Meu, como o é a respiração. E, sem ela, eu não viveria.
1 Jo 5,1-6 6. Critério do nosso amor a Deus Nascer de Deus, amar a Deus e o Filho Unigénito de Deus, amar no Filho os filhos de Deus é a lição da Primeira Carta de São João 5,1-6. O critério é: se nascemos de Deus, então somos filhos de Deus, e, sendo filhos de Deus, somos irmãos. E, se nascemos de Deus, também o amor que nos vincula aos irmãos é de Deus. Amar a Deus é, então, o critério último da fé e da caridade.
São Paulo adverte-nos com sabedoria que o amor ao próximo pode fingir-se, pois podemos dar todos os nossos bens aos pobres e não ter a caridade verdadeira (1Cor 13,3). Neste sentido, diz acertadamente São Máximo Confessor que «a Páscoa gera a fé e a fé gera o amor». A misericórdia é a chama divina com que devemos acender e purificar o nosso coração. (A. Couto)
Act 4,32-35 7. Comunidade que dá testemunho de Jesus Ressuscitado Ao apresentar a primeira comunidade cristã (a de Jerusalém), Lucas distancia-se de vez em quando dos acontecimentos particulares e apresenta uma panorâmica de síntese: unidade e dinamismo são sinais da Igreja das origens. Uma unidade espontânea (v. 12b), não fechada mas aberta e atraente (v. 14); um dinamismo que se exprime sobretudo em termos de recuperação para a vida, e que nas suas manifestações mesmo «prodigiosas» remete claramente para uma presença misteriosa, divina (vv. 15-16). Se ao Evangelho, que já escreveu, Lucas acrescenta uma segunda obra (os Actos dos Apóstolos), é para confirmar nos crentes a convicção de que agora, no «tempo da Igreja», continua o que aconteceu nos «dias de Jesus». É a fé no Ressuscitado que dá sentido à nossa esperança e é a razão da nossa alegria. 8. O que é a homilia Sendo parte integrante da Liturgia, a homilia não é só uma instrução, mas também um ato de culto. A homilia não é só para santificar o povo mas glorificar a Deus.
A homilia é um hino de gratidão pelas magnalia Dei (tudo o que Deus fez): não só anuncia aos que estão reunidos que a Palavra de Deus se cumpre na sua escuta, mas louva a Deus por esse cumprimento (Dir Hom,4).
Admirável semeador, beijo Tuas mãos sagradas donde recebo a Palavra. Que a minha eira receba as sementes do Teu sol divino. Nela forjo os meus sonhos e espero a sementeira fecunda da minha ressurreição. Que eu me deixe amadurecer na alegria de ser discípulo do Ressuscitado.