Índice Breves
pág. 3 Foto Capa
Destaque
Garça-real, Faísca
2005 Um ano de Consolidação para a SPEA
LIFE Sisão
pág. 6
Delegação internacional visita o Projecto LIFE Sisão em Moura e Mourão
LIFE Priolo
pág. 8
Plantando o futuro para regressar ao passado
LIFE IBAs Marinhas
pág.10
“ Em voo no mar….”
IBAs
pág.12
A IBA dos Capelinhos
Roteiro Ornitológico
pág.14
Planície de Évora - Uma das Zonas Importantes para as Aves no Alentejo
Aves à volta do mundo
pág.16
Viagens: IGUAZU
História
pág.18
Bibliografia e Bibliofilia
Conservação
pág.20
Gaivota de Audouin Larus audouinii
Ornitologia
pág.22
A ciência das Aves pág.24
Onde observar
pág.26
O Solitário
Ciber-Ornitofilia ERRATA
http://www.sparky-pt.com
pág. 4
pág.27
EDITORIAL
FICHA TÉCNICA
O bibliófilo, o apaixonado e coleccionador de livros, em especial os raros, é uma raridade entre nós, amantes das aves. Fruto, porventura, do facto da Ornitologia no nosso país se encontrar ainda na sua fase adolescente, a verdade é que as bibliotecas temáticas e os colecionadores de livros versando o estudo da aves são incipientes ou fazem-se notar pela inexistência. São conhecidas, por exemplo, algumas grandes bibliotecas particulares sobre o Humanismo Renascentista, sobre o Modernismo Português, sobre o Comunismo, ou até Cinegéticas mas, sobre a nossa avifauna o que existe é uma imensa confusão bibliográfica, de fotocópias _ de fotocópias _ digital, e abundam as versões in,
Comissão Editorial Ana Leal, Maria Dias, Susana Rosa, Vanessa Oliveira
pontilhadas aqui e ali, quase sempre em bibliotecas de universidades, por algumas primeiras edições de verdadeiras preciosidades da nossa memória avifaunística. Na era do audio-visual e do digital, o livro está, ainda hoje, coberto por um manto de prestígio e por uma auréola quase sagrada, mesmo ou especialmente por aqueles que não lêem. E no entanto, sabe-se que em Portugal, apesar de alguns fenómenos editoriais recentes, cada vez se lêem menos livros. Mas, apesar de tudo, é com um pudor rubescente e com um enorme sentimento de culpa que o confessamos. Sinais dos tempos. Até compreendo que para escrever sobre determinada espécie se consultem as bibliotecas, as digitais ou outras, fotocópias, livros emprestados, etc. Doutro modo seria incomportável. Também ninguém lê os Lusíadas ou a Mensagem nas primeiras edições e isso não significa que quem leia estes dois clássicos em edições modernas, de bolso ou escolares, não possa disfrutar do texto na sua plenitude. Aliás, temos de precisar aqui que, formar uma biblioteca universal de Ornitologia, sem critério, seria uma tarefa insana e impossível mesmo, tal o volume do que tem sido publicado nos últimos cem anos. Não. É da nossa História que se fala aqui. De livros, e outras publicações, escritos em Português, ou sobre as aves no nosso país. Pode parecer pouco, mas não é. Dá para uma vida. Ou para várias.
Por lapso da Comissão Editorial, a legenda da figura 2, da rubrica Ciber-ornitofilia, do número 25, encontrava-se incorrecta. A espécie ilustrada era um Pato-d´asa-azul e não um Pato-escuro-americano. Pedimos desculpa ao autor e aos nossos leitores pelo engano.
Carlos Pereira
Director Carlos Pereira
Fotografias Ana Leal, Carlos Pereira, Faísca, Gabriel Sierra, Jesus Palacio, Joana Cardoso, João Tiago, José Viana, Juan Simon, Mariano Rodrigues, Nuno de Macedo, Pedro Geraldes, Ricardo Guerreiro, Ruben Heleno Colaboradores Ana Leal, Carlos Cruz, Carlos Pereira, Domingos Leitão, Hugo Diogo, João Tiago, Joaquim Teodósio, Luis Costa, Luís Gordinho, Miguel Lecoq, Nuno Madeira, Paulo Marques, Pedro Geraldes, Sofia Coelho Ilustrações João Tiago, Paulo Alves Pedro Alvito Paginação e grafismo BBnanet.com Impressão Textype-Artes Gráficas, Lda Tiragem 1400 exemplares ISSN 0873-1124 Depósito legal: 284857544 Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
SPEA DIRECÇÃO NACIONAL Ricardo Tomé Jaime Ramos Teresa Catry Miguel Capelo Carlos Pereira Maria Dias Pedro Cardia
PRESIDENTE: VICE-PRESIDENTE: SECRETÁRIO-GERAL: TESOUREIRO: VOGAIS:
Rua da Vitória, nº 53, 3º esq 1100-618 Lisboa TEL: 213 220 430 FAX. 213 220 439 e-mail: spea@spea.pt
www.spea.pt A fotografia de aves, nomeadamente em locais de reprodução, comporta algum risco de perturbação para as mesmas. A grande maioria das fotografias incluídas nesta publicação foi tirada no decorrer de estudos científicos e de conservação sobre as espécies, tendo os seus autores tomado as precauções necessárias para diminuir ao máximo o grau de perturbação sobre as aves. A SPEA agradece a todos os que gentilmente colaboraram com textos, fotografias e ilustrações.
Breves
VCongresso de Ornitologia da SPEA
Spring Alive
Dar as boas vindas
aos mensageiros da Primavera!
O projecto Spring Alive é mais uma iniciativa da rede BirdLife Internacional, em que a SPEA está envolvida. Neste projecto, pretende-se acompanhar a chegada à Europa de algumas espécies de aves, envolvendo as crianças nesta tarefa. Foram escolhidas quatro espécies que representam os mensageiros da Primavera, e que são comuns aos vários países participantes neste projecto. São elas, o Andorinhão-preto, a Andorinha-das-chaminés, o Cuco-canoro e a Cegonha-branca. Quem tem acompanhado as acções da SPEA, e nomeadamente o Noticiário Ornitológico, certamente encontrará semelhanças entre o Spring Alive e o projecto “Chegadas”, mas o primeiro dirige-se sobretudo a um público mais jovem (embora os adultos sejam igualmente convidados a participar), e é um projecto internacional, que envolve apenas quatro espécies de aves. Vamos fazer destes dois projectos uma grande homenagem às aves que anunciam a Primavera!
O V Congresso de Ornitologia da SPEA, realizado em Oeiras, entre 23 e 26 de Março, contou com a presença de cerca de 200 pessoas. O evento incluiu as habituais sessões plenárias e de posters, bem como a primeira Bird Race da SPEA, a grande novidade.
Ana Meirinho
Foi lançado, em Fevereiro, o volume 15 do AIRO, sendo a maioria dos artigos sobre aves marinhas, uma vez que inclui as actas relativas ao I Congresso Internacional Aves do Atlântico (Madeira, 2004). Relembramos que o AIRO já se encontra indexado pela "Thomson Scientific - Biological Abstracts and Byosis Previews". O próximo volume do AIRO será dedicado ao V Congresso de Ornitologia da SPEA.
Novos Órgãos Sociais da SPEA
Os novos Órgãos Sociais, eleitos com 57% dos votos, a 25 de Março, representando a lista “Juntos pelas Aves” (que concorreu contra a lista “SPEA para Todos”), são compostos pelos seguintes elementos: Direcção - Ricardo Tomé (presidente); Jaime Ramos (vice-presidente); Miguel Capelo (tesoureiro); Teresa Catry (secretário-geral); Carlos Pereira, Maria Ana Peixe Dias e Pedro Cardia Lopes (vogais); Carlos Pimenta, Inês Catry e João Ministro (suplentes); Mesa da Assembleia Geral: João Carlos Farinha (presidente); João E. Rabaça (vice-presidente); José Pedro Granadeiro, Luís Gordinho e Nuno Onofre (secretários); Conselho Fiscal - Luís Almeida (presidente); Susana Rosa (secretário) e Paulo Simões Coelho (relator).
SPEA organiza semana dedicada às IBAs A SPEA organizou em Março dois eventos relacionados com as IBAs (Important Bird Areas), na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: o Encontro Europeu anual de coordenadores IBA (IBA Monitoring Workshop, 13 a 16 Março), e o I Encontro Nacional de Vigilantes de IBAs (17 Março). No primeiro evento estiveram presentes mais de 50 representantes, tendo-se deba-
Saiu o volume 15 do AIRO
tido o estado actual da conservação das IBAs na Europa, as possibilidades de monitorização das espécies de aves e a identificação das ameaças mais importantes para estas áreas. No segundo evento, destinado a todos os voluntários participantes no Programa de Vigilância das IBAs da SPEA, firmaram-se as bases para o futuro, com base no trabalho já efectuado.
SPEA apoia proibição
do comércio
de aves selvagens
A SPEA saúda a decisão do Governo Português de promover a proibição total do comércio de aves selvagens com a União Europeia. Esta decisão, apoiada pela BirdLife International, da qual a SPEA é a representante em Portugal, foi apresentada pela delegação belga no Conselho Europeu pela relevância que assume em virtude do recente surto de gripe das aves e, sobretudo, porque aborda a questão da conservação da natureza do ponto de vista global e permanente. A SPEA considera que uma regulamentação estrita dos mecanismos de comércio internacional de aves é a melhor ferramenta para proteger as aves selvagens europeias, minimizar os riscos derivados da transmissão de vírus e proteger as espécies residentes nos países de origem. Para mais informações consultar o comunicado de imprensa em: http://www.spea.pt/20060110comercioaves.pdf.
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Carlos Pereira
2005
1.
UM ANO DE CONSOLIDAÇÃO PARA A SPEA Luís Costa
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acção da SPEA em 2005 e porque falamos de consolidação. Associado ao projecto LIFE / Sisão, o projecto LIFE / Coop reuniu especialistas e organizações de Portugal, Espanha, França, Hungria, Reino Unido e Turquia para discutir a conservação das aves Jesus Palacios / Mariano Rodrigues
O ano que passou foi mais um bom ano para a SPEA, mas sobretudo um ano de consolidação. Saindo de um 2004 cheio de sucessos e com grandes projectos em plena velocidade de cruzeiro, procurámos em 2005 olhar para o futuro de uma maneira estratégica e sustentável. A SPEA tornou-se uma organização exigente e mais complexa, mais interveniente e reconhecida em termos de conservação da natureza. Mas aproximam-se tempos perigosos e incertos em termos de financiamentos e apoios a programas ambientais, aos quais temos de nos adaptar. Por essas razões o ano que passou foi um ano de consolidação. O ano em que a SPEA se tornou parceiro efectivo da BirdLife International em Portugal e em que os grandes projectos LIFE nos deram asas para sermos mais interventivos ao nível das políticas de desenvolvimento rural, de conservação marinha e nas políticas regionais dos Açores e da Madeira. Vejamos então alguns aspectos da
2.
estepárias na Europa. Graças a todo este esforço conseguimos criar o Programa Rural da SPEA, que vai coordenar uma série de acções e de projectos para a conservação do nosso meio rural _ prevemos já projectos de conservação do montado de sobro, em colaboração com a
APCOR, e de promoção de turismo ornitológico, com a CAP. Em Vila Fernando continuámos em busca de parceiros e de ideias para a protecção de um dos locais mais importantes para aves estepárias em Portugal, e lançámos as bases para realizar uma campanha mediática para a protecção do nosso meio rural. O projecto LIFE / IBAs Marinhas entrou no seu segundo ano e tornou-se conhecido de todas as entidades relevantes para a conservação marinha através de um seminário realizado em Algés. O seu carácter pioneiro, ligado a outro semelhante com os nossos colegas espanhóis da SEO / BirdLife, levou ao reconhecimento internacional da nossa actividade. Para além disso, associámo-nos a o G l o b a l S e a b i r d P ro g r a m m e e participámos em diversas reuniões e debates internacionais em resposta a diversos convites. É um projecto de futuro que lançou o nosso recente Programa Marinho da SPEA. Nos Açores segue em bom ritmo um
3.
no, e no Algarve estudámos a população de uma das aves mais ameaçadas e desconhecidas do nosso litoral, a Gaivota de Audouin, para a qual definimos um Plano de Acção. Os trabalhos de parceria com a EDP e a REN para minimização dos impactes das linhas eléctricas nas aves tiveram a sua conclusão e aguardam novos desenvolvimentos. E o Plano de Gestão da IBA Lagoa Pequena ficou concluído, numa parceria com o Instituto da Conservação da Natureza, a Câmara Municipal de Sesimbra, a Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e a Associação de Produtores Florestais, que permitirá acolher um centro de visitantes na área. SPEA / Projecto Linhas Eléctricas
dos maiores projectos europeus de conservação da natureza, o LIFE / Priolo. Houve progressos notáveis no trabalho de reconstituição do habitat natural da ave mais ameaçada da Europa, com abertura da rede de trilhos que vão permitir a continuação do abate de vegetação exótica invasora e a plantação da floresta original. O apoio de todos os parceiros tem sido de louvar, o que levou à publicação do Plano de Gestão da Zona de Protecção Especial do Pico da Vara / Ribeira do Guilherme. Este plano assegura que o esforço de conservação do Priolo e do seu habitat continua até 2010, e lançámos também as bases para que se construa um centro de interpretação nas instalações cedidas pela Direcção Regional dos Recursos Florestais. A SPEA Açores afirma-se cada vez mais no contexto regional e foi activa nos processos de debate e de discussão pública a decorrer na região. Na Madeira a SPEA tem continuado as suas actividades de saídas de campo e iniciou o programa de monitorização do parque eólico no Paul da Serra, mas sobretudo investiu em protocolos e projectos que se materializam em 2006, nomeadamente materiais turísticos sobre as aves da Madeira e o Atlas do Parque Ecológico do Funchal. O Programa de Educação e Actividades dará consistência às nossas actividades aos sócios e projectos de educação ambiental em 2006, seguindo-se a um ano em que, reconheçamos, tivemos alguma instabilidade devido a mudanças de colaboradores. Mesmo assim, é de destacar que foram organizadas muitas saídas de campo, cursos, o fim-de-semana de observação de aves e a associação ao programa Ciência Viva. Realizámos mais um projecto de sucesso para a população escolar de Lagos com o tema 'Litoral _ à descoberta desta fronteira'; submetemos candidaturas para a coordenação do projecto mediterrânico de educação MedWet; e preparámos a transposição para Portugal de um projecto europeu da BirdLife que nos vai fazer sentir a chegada da Primavera através da participação das crianças _ o projecto Spring Alive. Novos projectos enriqueceram o nosso conhecimento sobre as aves do país. Nos Açores fez-se um recenseamento completo das populações de Galinhola, de Narceja e de Bufo-peque-
Carlos Pereira
Destaque
4.
Partimos para 2006, portanto, com uma estrutura nova e com energias renovadas. Um dos passos cruciais para o futuro foi a proposta de novos projectos LIFE, aproveitando o último ano em que este programa comunitário foi aberto. Baseados na nossa experiência em grandes projectos apresentámos uma proposta de conservação da Águia de Bonelli no Nordeste do país, e fomos escolhidos para parceiros de mais quatro projectos de outras entidades, um dos quais como consultores de um projecto para conservação de aves
1
Saída de campo à Lagoa dos Patos
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Cria de Narceja com poucos dias
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Life Co-op / Grupos de trabalho
4
Abetarda
marinhas em Malta! Resta saber o 'veredicto' da Comissão Europeia, mas encaramos com optimismo os novos desafios que vão chegar. De resto, e graças ao contributo de sócios dedicados e voluntários, continuamos a recolher dados de monitorização de espécies de aves através dos Censos de Aves Comuns, das Contagens de Aves no Natal e Ano Novo, do programa de monitorização de Cegonha-branca, do programa de chegadas na migração da Primavera, do Noticiário Ornitológico e do Comité Português de Raridades. A publicação do Airo e do Anuário Ornitológico permitiu ao público ir sabendo dos resultados destes programas. No início deste resumo anual, referi muito discretamente aquele que foi porventura o grande acontecimento do ano para a SPEA: desde 2005 somos membros de pleno direito da BirdLife International! Embora esperado, graças à grande actividade e reconhecimento do nosso trabalho dentro desta organização internacional, que envolve mais de 100 países, é um marco na nossa história. E aumenta a nossa responsabilidade e capacidade de intervenção a nível internacional. Neste contexto, começamos já em 2005 a negociar os nossos primeiros passos para colaborar em termos de cooperação internacional, ajudando a BirdLife a intervir em São Tomé e Príncipe, e participando em reuniões internacionais e comunitárias. Enfim, este é um resumo muito curto de actividade intensa, fruto de trabalho de um grupo de colaboradores dedicados que ascende já a 20 pessoas com formação cada vez mais diversificada, mas sobretudo do apoio dos sócios que se associam cada vez mais à nossa missão: Trabalhar para o estudo e a conservação das aves e seus habitats, promovendo um desenvolvimento que garanta a viabilidade do património natural para usufruto das gerações futuras. E o ano de 2006 promete ser mais intenso e exigente, pois teremos que afirmar os nossos novos Programa Rural, Programa Marinho e Programa de Educação e Actividade, a SPEA - Açores e a SPEA Madeira. É ano de novos projectos e de busca de uma nova Sede Nacional, e contamos com o apoio de todos nestas tarefas, como sempre. Obrigado!
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Gabriel Sierra / Juan Simon
Projecto
SPEA / LIFE Sisão
LIFE Co-op 1.
Este projecto internacional, que é liderado pela SPEA, tem a duração de dois anos, e encontra-se na fase final de execução. No total foram efectuadas quatro visitas a diferentes projectos LIFE (França, Espanha e Portugal) que permitiram a troca de experiências e conhecimento acerca da conservação dos sisões e das abetardas na Europa. Em Maio será editada uma monografia em inglês, onde estarão resumidos os resultados de vários projectos de conservação com sisões e abetardas na Europa, bem como as actas e as conclusões do workshop internacional do projecto, que teve lugar em Lisboa nos dias 23 a 25 de Novembro de 2005.
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2.
Delegação internacional visita o Projecto LIFE Sisão em Moura e Mourão Domingos Leitão, Miguel Lecoq e Nuno Madeira
Nos dias 21 a 23 de Novembro de 2005, no âmbito do Projecto LIFE Co-op “Evaluation of bustard conservation best practice in Western Europe”, foi realizada uma visita de estudo ao Projecto LIFE Sisão. A visita à ZPE de Mourão / Moura / Barrancos contou com a presença de cerca de 30 representantes (técnicos e agricultores) de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Grécia, Hungria e Turquia, que enriqueceram o nosso projecto com o conhecimento que trazem dos seus países. Na manhã de dia 22 decorreu uma conferência na Escola Profissional de Moura que, para além dos participantes estrangeiros, contou ainda com a presença do Presidente da Câmara de Moura, da Directora da Escola Profissional, da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, do Instituto de Desenvolvimento Rural e Hidráulica, da Estação Nacional de Melhoramento de Plantas e de parceiros e entidades colaboradoras do Projecto LIFE Sisão (Instituto da Conservação da Natureza, Associação de Jovens Agricultores de Moura e Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Moura). Nesta sessão de trabalho foi apresentado, pela SPEA e pelo Instituto da Conservação da Natureza (ICN), um balanço das acções do projecto LIFE Sisão desenvolvidas até à data. A Associação de Jovens Agricultores de Moura (AJAM) fez uma caracte-
rização da agricultura da região e da sua relevância económica, e a Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Moura (ADC Moura) uma caracterização sócio-cultural. Nos dias que se seguiram houve oportunidade para visitar duas zonas onde a SPEA, juntamente com agricultores, desenvolve ensaios agrícolas, com vista à melhoria do habitat de alimentação e reprodução do Sisão Tetrax tetrax e da Abetarda Otis tarda. Foram visitadas várias parcelas, onde foi possível trocar experiências sobre a gestão agrícola e a melhor forma de potenciá-la, tendo como objectivo a conservação das espécies estepárias. Para satisfação dos presentes, várias observações de Sisão, Abetarda, Cortiçol-de-barriga-preta Pterocles orientalis e Grou Grus grus, animaram as visitas. Foi realizada uma curta visita à Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos, para conhecer o lagar e assistir à produção do azeite in loco. No final todos deram os parabéns ao Projecto LIFE Sisão e ao modo como a visita foi organizada.
Acção A2
identifica novas áreas importantes para o Sisão O grupo de trabalho do ICN e da SPEA que desenvolve a Acção A2 do Projecto LIFE Sisão identificou duas
Instituto da Conservação da Natureza
Gabriel Sierra / Juan Simon
novas áreas importantes para o Sisão no Alto Alentejo. Os locais situam-se ambos em Elvas e foram identificados após os censos realizados na Primavera de 2005. São Vicente, com 3643 ha, corresponde a uma das áreas de agricultura extensiva de maior dimensão do Norte Alentejano. Situa-se a Sul da IBA da Albufeira do Caia e a Oeste do Perímetro de Rega da Albufeira do Caia. Trata-se de uma área onde se pratica essencialmente a cerealicultura e a criação de bovinos. Possui uma população reprodutora de Sisão com 320 machos, representando no ano de 2005 a maior densidade de machos registada no país. Esta zona possui também uma colónia de Francelho com oito casais. Torre da Bolsa, com 2722 ha, é uma zona agrícola, aberta, interrompida ocasionalmente por algumas manchas de olival. Trata-se de uma área maioritariamente circundada pelo Perímetro de Rega da Albufeira do Caia. O facto de se encontrar, na sua quase totalidade, a uma cota superior à do perímetro de rega, terá evitado uma intensificação agrícola generalizada. Esta área abrange os poucos habitats favoráveis para a permanência de aves estepárias, numa região de agricultura predominantemente intensiva. Destaca-se pela sua importância para a reprodução do Sisão, registando-se um total de 183 machos em parada nupcial. Possui também um dos poucos núcleos reprodutores de Abetarda do Norte Alentejano (18 aves). Estas duas áreas qualificam-se para serem classificadas como IBA pela SPEA e pela BirdLife International e para serem declaradas ZPE pelo Estado Português.
SPEA / LIFE Sisão
LIFE Sisão
3.
Contribuição do
Projecto LIFE Sisão
para o próximo Plano de Desenvolvimento Rural O Sisão, a Abetarda e o Francelho, entre outras espécies ameaçadas, dependem de habitats agrícolas, semelhantes às estepes verdadeiras. Estes habitats agrícolas poderão ser designados por planícies cerealíferas, sistemas arvenses de sequeiro, ou sistemas forrageiros e pratenses extensivos; têm em comum o facto do relevo ser suave e a densidade arbórea ser bastante baixa ou inexistente. Dependem da existência de culturas cerealíferas, de leguminosas e de pastagem e pousios. São um mosaico agrícola que apresenta as condições semelhantes à estepe original, proporcionando abrigo, protecção e alimentação às aves típicas de meios abertos ao longo do ciclo anual. Nos três últimos anos, através do Projecto-Piloto Agrícola (PPA), foram implementadas na ZPE de Mourão / Moura / Barrancos algumas medidas de gestão e reforço do habitat através de protocolos anuais com os agricultores. Em paralelo, fomos conhecendo as
principais ameaças a que este tipo de habitat agrícola está sujeito, normalmente associadas às flutuações das políticas comunitárias. Interessa sobretudo manter as características deste habitat gerido pelos agricultores. Estes três anos de trabalho de campo com os agricultores e técnicos vieram mostrar que existem quatro factores importantes a ter em conta em futuras medidas agro-ambientais a implementar no âmbito das do Plano Desenvolvimento Rural: 1. A existência de gado na exploração; 2. A opção por cultivos de leguminosas; 3. As características do solo; 4. A duração dos contratos (deverão ser de três a seis anos). Considerados estes factores, existem soluções potenciais para medidas agro-ambientais que visam conservar e melhorar o habitat do Sisão e da Abetarda no Alentejo: a) Sementeira de leguminosas para as aves, com espécies de consumo humano e animal; b) Manutenção de áreas de pousio, definindo percentagens mínimas de pousio na exploração e a sua gestão; c) Incentivo aos produtores de melão de sequeiro no período estival; d) Definição das áreas abrangidas com base nas zonas importantes para o Sisão, que pela sua distribuição alargada pode ser usado como espécie “guarda-chuva”; e) Sugerir esquemas de rotação _ no período em vigor dos contratos dever-se-ão articular as várias ocupações de solo e aconselhar rotações, onde se deverão incluir os cereais de sequeiro. São apenas algumas ideias que deverão ser desenvolvidas tomando em conta outras questões transversais: facilidade na aquisição dos factores e técnicas de produção, existência de canais de mercado para escoamento dos produtos (dever-se-á privilegiar a certificação de produtos com mais valia para a conservação das aves) e a necessidade de explicar, divulgar e promover as medidas do futuro Plano de Desenvolvimento Rural.
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Sementeira directa ( Coroada )
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Alcaravão
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Grão de bico ( Regueiras )
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Macho de Abetarda em parada nupcial
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PRIOLO
Plantando o futuro para regressar ao passado Joaquim Teodósio
O Projecto LIFE Priolo, a decorrer na parte oriental da ilha de São Miguel, tem como objectivo final contribuir para assegurar a conservação do Priolo (Pyrrhula murina) a longo prazo. Esta ave, outrora abundante em toda a sua área de distribuição (muito superior à actual), com o passar dos anos e a crescente pressão humana, viu o seu habitat ser reduzido de forma drástica. A substituição dos “matos” que compunham a floresta nativa de que depende o Priolo por áreas de pastagem e floresta de produção, ou simplesmente o corte da vegetação para os mais variados fins, levou ao quase desaparecimento da densa floresta que cobria esta ilha descrita pelos primeiros colonizadores.
duas das plantas de características mais invasivas. O habitat do Priolo, apesar de situado a altitudes mais elevadas, não escapou a esta ameaça. O rápido avanço das plantas exóticas colocou em causa a manutenção da floresta nativa ainda existente e, consequentemente, a sobrevivência do Priolo. Grande parte das acções do Projecto LIFE Priolo ligadas à gestão de habitat, estão directamente relacionadas com a vegetação, quer o controlo de exóticas, quer a plantação de nativas para reforço das suas populações. Dentro das espécies exóticas existentes, são quatro as que mais ameaçam o território do Priolo e por isso são alvo das acções de controlo e erradicação: a Conteira (Hedychium
Ruben Heleno
SPEA / LIFE Priolo
SPEA / LIFE Priolo
Nos últimos anos a área de vegetação nativa não sofreu alterações significativas e, no entanto, a sua “qualidade” tem vindo a degradar-se substancialmente devido a uma grave ameaça, consequência do progresso e dos avanços tecnológicos do século passado: a expansão descontrolada de espécies de flora exótica! O progressivo aumento da facilidade de transporte para as ilhas possibilitou, ao longo do tempo, a entrada de variadíssimas espécies da flora (e da fauna, da qual o Pardal é um exemplo) com os mais diversos objectivos, sendo o mais comum o ornamental. Das muitas espécies trazidas para estas ilhas, a maioria não veio a constituir qualquer tipo de problema. No en-
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Actualmente a floresta nativa de altitude (a Laurissilva), constituída por louros, ginjas, azevinhos, urzes, entre outros, apenas resiste em zonas praticamente inacessíveis nas encostas da Serra da Tronqueira e Pico da Vara. Nesta região é possível encontrar diversas bolsas de vegetação que permitiram a sobrevivência do Priolo. Várias das espécies vegetais típicas da Laurissilva são também elas endémicas e ameaçadas. É o caso da Ginja do mato e do Azevinho, cujos botões florais são componentes importantes da dieta do Priolo.
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tanto, infelizmente algumas destas plantas encontraram por estas paragens o local ideal para a sua proliferação. A ausência de doenças, parasitas, competição e “predadores”, conjugados com o rápido desenvolvimento, elevada capacidade de dispersão e grande resistência de algumas espécies, levaram a uma incrível proliferação da vegetação exótica que rapidamente (em alguns casos pouco anos) cobriu vastas áreas da ilha. Este grave problema é mais visível a menores altitudes onde são comuns as manchas densas de Conteira ou Incenso,
gardnerianum) originária dos Himalaias, a Cletra (Clethra arborea) que habita pacificamente as serras da Madeira, o Incenso (Pittosporum undulatum) e a Acácia (Acacia melanoxylon), duas pragas australianas. Este projecto tem como um dos seus principais objectivos a recuperação de uma área de 300 ha de floresta nativa nas vertentes íngremes da Serra da Tronqueira, uma área fulcral da distribuição do Priolo. Esta recuperação implica numa primeira fase a eliminação da vegetação exótica. Para tal é utilizado um
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Priolo em Loureiro
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Aplicação de herbicida em Cletra
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Visita do Secretário de Estado do Ambiente às acções de recuperação de habitat do Priolo
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Aplicação de herbicida em Conteira
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Mancha de Conteira
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Plantação de Ginja-do-mato
SPEA / LIFE Priolo
SPEA / LIFE Priolo
LIFE Priolo
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ticas é a plantação de espécies nativas. Esta acção tem como objectivo não só o reforço das populações existentes, como ocupar espaços abertos dificultando a reocupação por espécies exóticas. Esta plantação só é efectuada após um período de segurança, para permitir o desaparecimento de vestígios de herbicida e quando o espaço existente o permite. Existem dois tipos de plantas utilizadas, as que são um recurso alimentar para o Priolo, caso do Azevinho, Uva-da-serra e Ginja-do-mato, e as que são plantas estruturantes da floresta e importantes para a sustentabilidade deste habitat, como o Cedro e a Urze. Todas as plantas utilizadas são provenientes dos viveiros do Serviço Florestal do Nordeste. Para o sucesso deste objectivo é necessário ter disponível elevados recursos humanos, o que implica contratar colaboradores locais que executam as acções de gestão de habitat sob a supervisão da equipa de projecto. Durante a Primavera e Verão de 2005 a equipa do LIFE Priolo atingiu perto de 35 elementos a tempo inteiro! No Inverno passado, devido às condições meteorológicas adversas, situou-se perto dos 20. Toda a questão de pessoal e a logística relacionada com este tipo de actividades veio trazer ao projecto uma enorme importância sócio-económica a nível local. As áreas a intervencionar estão, como já foi referido, em locais recônditos da serra, em zonas afastadas de todos os acessos que existiam. Este facto exigiu a criação de uma rede de vários quilóme-
tros de trilhos que agora permite chegar a toda a área em que pretendemos trabalhar. Ainda que para tal seja necessário caminhar durante uma hora! Este trabalho moroso e complicado foi essencial, pois veio possibilitar os trabalhos em toda a área pretendida. Com a abertura destes trilhos foi possível conhecer melhor a área mais importante de floresta nativa e do habitat do Priolo, sendo possível obter mais informação sobre o estado da vegetação destes locais. Por exemplo foi possível identificar mais exemplares da também ameaçada Ginja nativa, tendo sido já identificadas quase 400 árvores quando inicialmente apenas se conheciam quatro indivíduos. O controlo e erradicação das espécies exóticas é um dos maiores desafios colocados ao Projecto LIFE Priolo e de cujo sucesso poderá estar dependente a sobrevivência de uma espécie. Este é um projecto que, com o objectivo final de conservar uma ave, pretende reabilitar todo um ecossistema. De certa forma arrancar o presente, plantar o futuro para regressar ao passado…
SPEA / LIFE Priolo
herbicida, actualmente apenas homologado para os Açores, denominado ALLY, um herbicida sistémico, selectivo, residual e de absorção foliar e radicular, cujo princípio activo é o metasulfurão-metilo. Este composto é absorvido através das folhas e raízes espalhando-se rapidamente pela planta quando entra em circulação, inibindo a divisão celular nas extremidades vegetativas cessando assim o crescimento. A técnica utilizada consiste no corte da planta e posteriormente na pulverização com o herbicida. Dependendo do tipo de planta existem pequenas variações no corte. No caso da Conteira o corte é total e os próprios rizomas são cortados e pulverizados. Em espécies arbóreas são feitos cortes em torno do tronco antes da pulverização e a árvore acaba por secar de pé. Esta técnica permite uma grande precisão da aplicação do herbicida, necessário de forma a não afectar a vegetação circundante, factor muito importante quando se trabalha no interior da floresta nativa. Este tipo de individualização da planta tratada é muito importante mas, ao mesmo tempo, representa uma desvantagem quando se pretende “limpar” uma área equivalente a 300 campos de futebol, com vegetação densa, declives acentuados, sem acessos e situada numa região com um microclima geralmente adverso. Se pensarmos que poderão existir centenas de plantas invasoras por metro quadrado, facilmente se percebe a extrema dificuldade desta tarefa. A fase posterior ao controlo das exó-
6.
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Carlos Pereira
1.
A IBA dos
Capelinhos Hugo Diogo
A área dos Capelinhos é uma das 31 IBAs (Important Bird Areas) classificadas no Arquipélago dos Açores e localiza-se, mais concretamente, no grupo central, na costa Noroeste da Ilha do Faial. Esta zona compreende uma área de 214 hectares, 27 km de perímetro e apresenta igualmente o estatuto de ZPE (Zona de Protecção Especial), SIC (Sítio de Importância Comunitária), Zona de Reserva Integral de Apanha de Lapas e pertence ao Domínio Publico Hídrico sendo a área gerida pela Direcção Regional do Ambiente. Esta IBA encontra-se subdividida em duas zonas, localizando-se a Ocidente o Vulcão dos Capelinhos cuja actividade entre 1957 e 1958 originou uma paisagem singular no panorama açoreano, caracterizada por uma elevada diversidade geomorfológica. A zona Ocidental apenas muito lentamente começa a ser colonizada por vegetação. Seguindo para Este podemos observar, ainda nesta zona, escarpas muito altas até trechos de costa baixa com algumas baías. A segunda zona da IBA localiza-se a escassas centenas de metros mais a leste e é designada por Ribeira das Cabras. Esta zona é caracterizada por falésias altas onde desagua uma ribeira de águas pluviais e onde, em dias de grandes chuvadas, é possível observar uma cascata de dimensões admiráveis.
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Esta área apresenta uma considerável diversidade de aves ao nível do panorama açoreano tendo sido identificadas 34 espécies das quais 20 são nidificantes. Algumas destas populações são sub-espécies endémicas dos Açores, como: o Pombo-torcaz-dos-açores Columba palumbus azorica, o Milhafre Buteo buteo rothshildi, o Tentilhão Fringila coelebs moreletti, a Estrelinha Regulus regulus azoricus, e o Canário-da-terra Serinus canaria; porém, não existe muita informação disponível sobre as mesmas. Entre as aves desta área, as aves marinhas (exceptuando a gaivota) são as espécies mais importantes em termos de estatuto de conservação. Destacam-se particularmente as espécies classificadas como prioritárias como a Cagarra Calonectris diomedea e o Garajau-rosado Sterna dougallii. Esta IBA alberga uma importante população de cagarras dos Açores e é considerada a quarta maior colónia desta espécie a nidificar neste Arquipélago. Numa pequena faixa do Vulcão dos Capelinhos, numa vertente virada a Sul encontra-se também uma das poucas colónias de garajaus-comuns Sterna hirundo existentes na ilha do Faial. No mesmo local está também localizada a única colónia de garajaus-rosados. Por tudo isto, a IBA dos Capelinhos apresenta uma grande importância estratégica, pois segundo alguns autores,
para além de possuir uma dimensão considerável para albergar colónias importantes de aves marinhas, pode contribuir para o desenvolvimento de outras colónias nas ilhas mais próximas como é o caso do Pico e de São Jorge.
PERIGOS NA IBA Ao longo da extensão da IBA dos Capelinhos foram identificados diversos problemas associados a actividades humanas. Entre estes, destacam-se a elevada pressão turística, particularmente importante junto à colónia das diferentes espécies de garajaus. Aqui, os turistas passam a escassas dezenas de metros das aves quando tentam subir ao vulcão. Há também um elevado número de pescadores recreativos que se deslocam nesta área. A existência de uma lixeira no limiar da IBA, explica certamente a elevada presença de gaivotas não só na lixeira, mas também no Vulcão dos Capelinhos onde nidificam na proximidade dos garajaus. Este facto pode contribuir para a predação de juvenis de garajaus por gaivotas. Porém, a predação tem tido origem, essencialmente, em animais domésticos como gatos, cães e também ratos e ratazanas. Nos últimos anos têm sido efectuados alguns esforços no sentido de reduzir estes problemas.
IBAs
IBA DOS CAPELINHOS AMEAÇADA PELO CP VALOUR
Os vários perigos identificados nesta zona poderão justificar a flutuação anual da colónia de garajaus nos Capelinhos, tendo-se verificado anos em que não foram observados casais a nidificar no local. De destacar que esta IBA apresenta uma importância fulcral para os garajaus-rosados já que, segundo alguns autores, em determinados anos chegou a representar 14% da população total açoreana e 9% da população total europeia. Para mais informações relativas à IBA visite:
DOP
altura, iniciou-se também a remoção da carga perigosa através de helicópteros, tendo-se prolongado as operações até ao dia 26 Dezembro. Durante todo este período, o «CP Valour» esteve a perder combustível, e nos primeiros dias de Janeiro foi confirmado que algumas manchas de combustível atingiram as costas Norte das Ilhas de São Jorge e Pico.
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Tornou-se evidente que a remoção do navio era inviável pelo que nos próximos meses irá proceder-se ao seu desmantelamento no próprio local. Paralelamente, a limpeza da costa prosseguirá. Visto que a zona Norte do troço da Ribeira das Cabras (pertencente à IBA dos Capelinhos) é uma área de difícil acesso e foi detectada a acumulação de combustível e lixo na linha da costa, as Autoridades Portuguesas encontram-se a preparar um plano para poder aceder a esse local. Embora este acidente
tenha ocorrido um mês após o abandono do local por parte dos juvenis de cagarros e garajaus nascidos em 2005, é necessário realçar a urgência da limpeza da costa nesta área. No final do Inverno e início da Primavera ocorrerão as primeiras chegadas dessas espécies ao local, que poderão ser prejudicadas pela presença de hidrocarbonetos nas águas e zonas costeiras. De realçar que na área da Ribeira das Cabras há colónias nidificantes de cagarros, que podem também ser encontrados em jangadas ao largo. Há também garajaus que se deslocam da colónia do vulcão dos Capelinhos até à área onde se encontra o navio encalhado, para alimentação. Os efeitos negativos dos hidrocarbonetos sobre as aves marinhas são conhecidos. A perda de impermeabilização, que pode levar à sua morte por hipotermia ou afogamento, o envenenamento devido à toxicidade de vapores libertados e a própria contaminação dos seus alimentos (assim como à maior dificuldade em encontrar os mesmos), são alguns dos efeitos que se poderão repetir na Baía das Cabras. De momento, as autoridades marítimas e governamentais mostram-se sensíveis a este facto, pelo que se aguarda com preocupação, mas também com alguma esperança, por um desfecho positivo deste caso para a salva-guarda e recuperação do ecossistema desta área prioritária.
Nuno de Macedo
Na tarde do dia 9 de Dezembro de 2005 o navio porta-contentores com pavilhão da Bermuda, "CP Valour", com 177 m de comprimento e 35 de altura, pediu autorização para se aproximar da Ilha do Faial a fim de efectuar uma reparação nas máquinas. Seguidamente, pelas 17:15, devido a um presumível erro de navegação, conjugado com o mau funcionamento das máquinas, deu-se o encalhe do navio a uma escassa centena de metros da Praia do Norte, junto à IBA dos Capelinhos. Nos dias seguintes iniciaram-se as tentativas de remoção do navio com rebocadores, mas sem sucesso e adensaram-se as preocupações, quer da comunidade local quer dos cientistas e autoridades regionais, com a revelação de que este navio possuía na sua carga compostos perigosos como derivados de tintas, sulfato de sódio e tri-fenil fosfito e ainda 2000 toneladas de fuel-óleo. A provar o perigo real que os hidrocarbonetos constituíam, no dia seguinte ao acidente, verificou-se uma vaga de derramamento devido a um rombo no casco. No dia 12 de Dezembro iniciaram-se os trabalhos de limpeza e a remoção do combustível na costa, enquanto dois rebocadores em conjunto tentavam sem sucesso retirar o navio. A acção dos rebocadores acabou por se mostrar infrutífera, pelo que foram contratados navios com capacidade de efectuar a trasfega de combustível. Na mesma
http://www.spea.pt/MS2/ibas/54.html 3.
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Garajau-comum
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Operações de limpeza
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Cria de Cagarra no ninho
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Planície de
Évora
Uma das Zonas Importantes para as Aves no Alentejo Faísca
Se passar nas proximidades da mais bela cidade de Portugal, não hesite em visitar as planícies de Évora, pois estas constituem uma IBA (Important Bird Area). Não tendo qualquer estatuto legal de conservação, esta área é bem conhecida pela comunidade de aves que aqui encontra refúgio. Os critérios que distinguem esta zona estão relacionados com a ocorrência de comunidades de aves estepárias, havendo mesmo critérios que a permitem classificar como ZPE - Zona de Protecção Especial. Esta IBA (Zona Importante para as Aves, em Português) abrange várias subbacias, repartidas pelas bacias dos rios Guadiana e Sado. É influenciada por um clima tipicamente mediterrânico, com Verões longos, temperatura média-elevada sem chuva, e com Invernos moderados e precipitações relativamente reduzidas. Geologicamente é constituída por maciços ígneos e metamórficos, afectados pela orogenia hercínica, e também por algumas coberturas sedimentares recentes. A presença destas planícies deve-se ao facto da área ter sido, em períodos remotos da história geológica, fortemente erodida e aplanada. Geomorfologicamente, esta IBA faz parte da grande peneplanície do Alentejo, que se apresenta levemente dissecada pela rede hidrográfica e com altitudes relativamente uniformes, entre os 220 e os 270 metros. A paisagem é aqui formada por extensos campos, onde dominam as culturas de cereal de sequeiro, em regime rotacional, bordejados por povoamentos de montado de azinho, ou mistos, e por olivais. Esta paisagem constitui uma matriz de perturbação ancestral, em que o Homem através de intervenções agro-silvo-pastoris foi simplificando e, deste modo, facilitando a ocorrência desta tão especial comunidade de aves estepárias, assim denominadas apesar de não existirem estepes no nosso país. Desta comunidade destaca-se, pela sua grandiosidade e beleza, a Abetarda que, em tempos não muito longínquos, poderia ser aqui observada em grandes bandos, como ainda hoje acontece no Campo Branco. Infelizmente sobrevivem aqui apenas três ou quatro dezenas de aves desta espécie, que acabarão por desaparecer das planícies de Évora, se não forem
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Carlos Cruz
Roteiro Ornitológico
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Peneireiro-cinzento
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Grous
dutor é muito raro, durante o Inverno utiliza dormitórios, onde podemos fazer contagens superiores a 100 exemplares. Das aves de presa nocturnas regista-se, por vezes, a nidificação de Bufo-pequeno e, como invernante, um pequeno grupo de Coruja-do-nabal. Também as aves associadas a zonas húmidas estão aqui bem representadas. Umas das razões será, seguramente, a existência de pequenas albufeiras, açudes e charcas, com margens muito pouco declivosas, que permitem a obtenção de alimento a inúmeras espécies de patos, das quais destacamos a Frisada e o Pato-de-bico-vermelho por serem espécies nidificantes. As aves limícolas ocorrem aqui em grandes bandos, principalmente nos invernos mais rigorosos, sendo exemplo disso as tarambolas-douradas e os abibes que, curiosamente, se têm reproduzido em reduzido número, nos últimos anos, nas margens de alguns açudes.
aves, devem procurar prioritariamente a Herdade da Fonte Boa, a leste de Évora (EN 254), a Herdade de Vale de Moura e o Campo da Mira, a sul de Évora (EN 254), a Herdade do Pêro Peão, a sudoeste (EN 380), e também a sudoeste, mas pela EN 254, a Herdade da Camoeira. Todos estes terrenos são privados, daí haver a necessidade de adoptar comportamentos que evitem conflitos: a saída de caminhos vicinais deve ser autorizada por quem de direito; as cancelas e “porteiras” devem ser fechadas, quando utilizadas; as zonas com gado-bravo devem ser evitadas; as viaturas, quando estacionadas, devem permitir a livre circulação, nomeadamente de viaturas agrícolas; as pessoas que encontramos, no caminho e nos Montes, gostam de ser cumprimentadas e também de saber o que andamos a fazer... Enfim, nada que ninguém não possa ou deva deixar de fazer noutras regiões do país, mesmo quando a grande propriedade não existe.
As garças, as cegonhas e os colhereiros também são beneficiados por estas condições de disponibilidade de zonas húmidas, existindo colónias mistas de garças e cegonhas. Também aqui se regista uma das poucas colónias de colhereiros existentes em Portugal. A presença de galerias ripícolas associadas às linhas de água, como por exemplo o Xarrama, o Dejebe e a Ribeira da Viscossa, proporcionam grande diversidade avifaunística, principalmente ao nível da comunidade de Passeriformes. São nestas galerias que conseguimos listar um maior número de espécies, principalmente durante o período reprodutor, contrastando com a relativa monotonia das extensas áreas agrícolas. Os adeptos da Ornitologia que queiram visitar esta área importante para as
Visitar áreas tão especiais como esta e ter gosto pela observação de aves não evita a destruição deste tão importante património natural. As planícies de Évora, com ou sem estatuto de conservação, estão ameaçadas, principalmente pela conversão de culturas de sequeiro em culturas de regadio, assim como pelo atravessamento de novas estradas, como os itinerários complementares previstos, e de linhas de transporte de energia. Para além destes três factores, que consideramos os mais graves, também as práticas cinegéticas incorrectas e ilegais, como são o furtivismo e a utilização de venenos para controlo de predadores, são uma constante ameaça, a par das tentativas de aumentar a área de plantação de espécies de crescimento rápido.
Nuno de Macedo
tomadas medidas sérias de conservação. O Sisão, outrora bastante comum (nos anos 80 era ainda possível observar, no Inverno, bandos com centenas de aves), actualmente encontra-se em muito baixa densidade, sendo este o local do país, com estas características, que apresenta as menores densidades, no período reprodutor. O Francelho, é outra das “jóias da coroa” que, em meados dos anos 90, se voltou a instalar, como nidificante, existindo ainda uma colónia com cerca de vinte casais que, nos últimos anos, tende a expandir-se por outras estruturas arruinadas, que servem de suporte para albergar as suas ninhadas. O mítico Grou também ocorre por estas paragens. Estas planícies albergam, durante o período de Inverno, várias centenas de aves desta espécie, sendo esta uma das cinco áreas de invernada em Portugal. De locais estratégicos, nomeadamente da Herdade do Pêro Peão, é possível observá-los, ao fim da tarde, em deslocações ruidosas para as áreas de dormida, e ao amanhecer, à sua partida com destino às áreas de alimentação constituídas essencialmente por montados de azinho. Das aves características de campos abertos podemos ainda observar, com relativa facilidade, as cotovias, as calhandras-reais, os chascos-ruivos, os rolieiros, a Perdiz-do-mar, o Cortiçol-de-barriga-preta (também este cada vez mais raro) e o Tartaranhão-caçador, que em determinados anos dificilmente tem sucesso reprodutor em virtude de práticas agrícolas antecipadas ao período de emancipação das suas crias. Esta área também é tradicionalmente conhecida pela sua comunidade de aves de presa. Aqui, e num passado relativamente recente, registámos nidificações confirmadas de Falcão-peregrino, em ninhos de Corvídeos, e de Águia de Bonelli, em grandes árvores, assim como áreas de alimentação na planície, situação pouco vulgar. Pouco vulgar é ainda a nidificação de Falcão-abelheiro. Muitas outras ocorrem como nidificantes comuns, cuja presença não surpreende ninguém: são disso exemplo o Peneireiro-vulgar e o Peneireiro-cinzento, a Águia-d'asa-redonda, a Águia-cobreira, a Águia-calçada, o Milhafre-preto, entre outras. No entanto, o Milhafre-real, que no período repro-
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IGUAZU
VIAGENS
João Tiago
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circuitos que conduzem os visitantes às quedas menores. Este parque cobre cerca de 67 mil hectares e foi criado em 1934 para conservar a paisagem, os habitats e as espécies existentes na zona. Joana Cardoso
Depois de Eleanor Roosevelt ter visitado as mundialmente famosas Cataratas del Iguazú exlamou: “Pobre Niagara!”. Eu acredito que estava certa. A incontestada energia deste local é absolutamente estarrecedora. Próximo da tripla fronteira entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai, o Rio Iguazú conflui com o Rio Paraná, após um vocífero tombo do planalto basáltico, com um desnível de 80 m. Adicione-se um total de 275 quedas distintas, temperado com a exuberância da selva paranaense, e assim se obtém a receita que atrai uma multidão de gente a um dos grandes espectáculos da Terra. Para quem aterre em Buenos Aires, Rio de Janeiro ou São Paulo e tenha tempo suficiente, recomendo que reserve cinco dias para visitar esta área, tempo suficiente para viajar e ver o local sem perder nada essencial. Do lado brasileiro do complexo de cataratas, oferece-se a possibilidade de ter uma perspectiva geral das mesmas, aconselhada como um aperitivo imperdível por grande parte dos guias de viagem. Contudo, além de uma área florestal pobre e a tal visão abrangente das quedas, foi-nos transmitido que o lado brasileiro não oferece o suficiente para preencher mais do que duas ou três horas de passeio. Por isso, fomos directos ao essencial. E perdemos o fôlego. La Garganta Del Diablo: um circo de quedas vertiginosas dentro do Parque Natural Iguazú, do lado Argentino. E daí para os
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Estrategicamente, aconselho vivamente que se aproveite o desconto de segundo dia, já que existe muito que fazer e observar dentro dos limites do P.N. Iguazú. O espírito que se sente é o de um parque de diversões natural. O leque de actividades que se oferece é razoavelmente lato, ainda que, para o observador de aves dedicado, os passeios de lancha, mergulhando no chuveiro das cataratas, e outras das actividades de massas não ofereçam grande incentivo. As actividades menos dispendiosas, como o Passeo Ecologico (um preguiçoso trajecto de jangada, derivando ao sabor do Rio Iguazú, no lado superior das quedas) ou a utilização do percurso chamado Sendero Macuco (cujo nome se
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Ceryle torquata
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Pteroglossus castanotis
refere a uma ave florestal da Família Tinamidae, versões tropicais das nossas perdizes), oferecem boas oportunidades de observar a fauna do Parque. A quem tem maior liquidez, oferecem-se safaris fotográficos, em veículos abertos, todo-o-terreno, através da selva. Quanto à fauna em geral, é vulgar e esperado que se observem diversos pequenos mamíferos (Macacos-capuchinhos Cebus apella, Coatís Nasua nasua, Cutias Dasyprocta azarae, etc.), répteis (largartos arborícolas do género Tropidurus, Jacaré-de-papo-amarelo Cayman latirostris ou o grande lagarto Teiú Tupinambis merianae) e uma diversidade fabulosa de borboletas, que são uma das imagens de marca do Parque. E as aves? A selva paranaense alberga a maior diversidade avifaunística encontrada na Argentina (44% da riqueza específica total). O PN Iguazú divulga uma lista de espécies que ultrapassa as 430. E, apesar das restrições à saída dos percursos, ainda se pode considerar que o Parque oferece boas probabilidades de observação para a maioria das espécies. Na zona de recepção, pode aproveitar-se para apreciar uma série de aves habituadas à presença humana, as mesmas espécies que povoam as áreas suburbanas. Entre essas, encontram-se bandos de Cacicus haemorhoous (Família Icteridae), cujo ninhos pendem na ponta dos ramos, agrupados em colónias. A sua plumagem (negra, com uropígio e zona sub-caudal vermelho-profundo) é definitavemente conspícua.
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Salto de San Martin, visto a partir do Circuito Inferior (PN Iguazu, Argentina)
João Tiago
Aves à volta do mundo
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João Tiago
Na proximidade das cataratas, deve-se procurar bem cedo ou já à tardinha os bandos acelerados de Cypseloides senex, andorinhão que nidifica nas paredes verticais húmidas e uma das especialidades do local. Na parte superior do complexo de quedas de água, onde o rio se deita num vasto leito povoado de ilhas, podem detectar-se com relativa facilidade o pescoço serpentiforme da Anhinga anhinga e o Rosthramus sociabilis, uma rapina especializada em gastrópodes, além de outras aves aquáticas, como o maior guarda-rios da América, o Ceryle torquata. Pode ainda sonhar-se com o raríssimo Mergus octosetaceus... De todos os circuitos pedestres, o Sendero Macuco pode deixar-se para o segundo dia de visita, quando a fome de ver os grandes monumentos aquáticos pela primeira vez tiver sido mitigada. São 3,2 km através da selva, até uma pequena cascata e uma lagoa adequada
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para um banho revigorante. Em suma, uma manhã agradável. Recomendo que se apanhe o primeiro micro (autocarro) para a entrada do Parque. Ainda antes de chegar, os Ramphastos toco deverão cruzar o espaço aéreo sobre a estrada, deixando os dormitórios em busca de alimento. Esta espécie de tucano é facilmente observada ao início e ao final do dia. No entanto, penetre no trilho ensombrado e caminhe com calma porque, como é conhecido, na selva muitas das aves circulam na copa, sendo difíceis de detectar visualmente. Há que manter a perseverança. Ouvir-se-ão sons bastante diversos, alguns bastante distintivos. Com alguma frequência, identificar-seão pancadas secas na madeira, em díptico, e ainda um outro som, que lembra dedos a estalar. O primeiro som é o tamborilar de um dos maiores pica-paus da América do Sul, o Campephilus robustus, com 36 cm de comprimento. O estalo
é produzido pelas asas do Manacus manacus (da Família Pipridae, caracterizada pelas elaboradas danças que os machos executam para as fêmeas, em arenas). Ambos são especialidades do Parque. Para ter a oportunidade de alargar consideravelmente a lifelist, no entanto, uma estratégia inegavelmente vantajosa está em munir-se de um gravador de cassetes ligado a um microfone. Isto permitir-lhe-á gravar as espécies que ouve e reproduzir as suas vocalizações posteriormente, atraindo-as até si. Foi assim que um simpático holandês nos apresentou outra das espécies típicas deste habitat, e bem discreta, por sinal. Ele ligou a gravação de um macho em canto obtida no dia anterior e após meros segundos, obtivemos resposta. Repetiuse o processo, esperou-se e um Corythopis delalandi, veio caminhando timidamente entre o material vegetal acumulado no solo. Permanecendo imóveis, a ave aproximou-se bastante. Imagine-se a baixa probabilidade de detectar neste tipo de habitat uma ave análoga a uma petinha (pertencente à Família Tyrannidae)... Sem dúvida que, em meios fechados, este estratagema aumenta substancialmente o número de espécies observadas. Mas mesmo sem gravadores, observámos duas espécies de Trogon coloridos, Pyaia cayana, Cissopis leveriana, diversas espécies de pica-paus e outras aves de hábitos semelhantes (Dendrocolaptidae, Furnariidae), algumas aves de comportamento semelhante a felosas e tentilhões (e.g. Parulidae, Thraupidae), só para mencionar algumas. Na generalidade dos trilhos, as áreas com plantas em floração providenciam a oportunidade de observar várias espécies de beija-flores (Trochilidae), de identificação geralmente difícil, mas que merecem a nossa atenção, já que exibem plumagens extremamente belas, com brilhos metálicos. Independentemente da motivação e da extensão da lista de espécies observadas, asseguramos que não se arrependerá de investir numa viagem até este local. No entanto, aconselhamos que se muna de um bom guia de Aves e que consulte os trip reports mais ou menos extensivos acerca deste local que estão disponíveis na Internet.
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Bibliografia e
Bibliofilia Carlos Pereira
Pegando um pouco no Editorial e querendo dar continuidade a esta rubrica _ que começou no número anterior com o artigo biográfico sobre Santos Júnior _ julgo importante falar um pouco de Estória e da História da Ornitologia no nosso país. E também motivar a descoberta da Bibliografia sobre a nossa avifauna. Cultivar a Bibliofilia parece-me o melhor caminho para que tenhamos ornitólogos in(con)formados. Por fim, há muita coisa que se perdeu já irremediavelmente; de outras, perdeu-se o rasto há muito: vogam dispersas por antiquários, alfarrabistas, colecções particulares no estrangeiro, armazéns, sotãos... A melhor maneira de recuperar e preservar este património é conhecer. Um bom guia para os neófitos _ e não só _ é o inventário bibliográfico, exaustivo, publicado em 1994 por Agostinho Campos Ferreira, em que são referidos todos os livros, e outras publicações versando a temática ornitológica, escritos em Portugal até então. Entretanto, vamos discorrendo. Já imaginaram, por exemplo, o valor que no futuro os primeiros números de publicações como o Airo ou a Pardela poderão ter? Revistas que no início tinham tiragens na ordem dos mil exemplares, quando a SPEA atingir um universo de muitos milhares de associados, vão certamente ter interessados em possuir a «colecção» completa. Sorriem... Talvez
não seja o melhor exemplo; deixemos então lugar à imaginação de quem nos lê.
No início... O Livro de Falcoaria de Pero Menino, Falcoeiro do Rei D. Fernando, é a primeira obra de «ornitologia», escrita por um autor português, a sobreviver ao tempo e a chegar aos nossos dias. Data do final do século XIV e foi um livro muito popular entre a nobreza peninsular durante muito tempo, tendo sofrido traduções, adaptações e refundições ao longo dos séculos. O livro fala essencialmente de doenças e curas nas aves de rapina, e conselhos para a manutenção das mesmas. As edições mais antigas são raridades absolutas, envoltas em mistério e peripécias, não se sabendo exactamente onde param e, os raros possuidores de tal tesouro cultivam, na maior parte dos casos, um sigilo conspirativo, movendo-se num meio muito fechado. E todo o cuidado é pouco, como o atesta o relato de Rodrigues Lapa: «Em Fevereiro e Março de 1929, procurámos, por intermédio do professor Fidelino de Figueiredo, então em Madrid, obter notícias da versão castelhana. Soubemos por aquele escritor que o ms., existente ainda em 1923, fora roubado por um empregado menor da Biblioteca, a sôldo dum livreiro de Madrid. De resto, acrescentava o nosso in-
formador, mesmo que o códice subsistisse, seria difícil conseguir cópia inteira.». No séculoXVII, vê pela primeira vez a luz do dia, em letra impressa, a Arte da caça de Altanaria (1616) de Diogo Fernandes Ferreira, um dos companheiros D'el-Rei D. Sebastião em Alcácer Quibir. Falcoeiro do Rei, tal como o Monarca, a sua carreira de Cetreiro terminaria ali, em terras Magrebinas. Embora de temática idêntica, estamos aqui perante uma obra de maior fôlego e de âmbito mais alargado. Também muito raro. Para possuir um dos exemplares da primeira edição não chega só ser-se muito rico... Não andaremos aqui muito longe dos cenários descritos por Arturo Pérez-Reverte quando nos apresenta Lucas Corso no seu romance O Clube Dumas «... era um mercenário da bibliofilia, um caçador de livros por conta alheia. Isso inclui as mãos sujas e o verbo fácil, bons reflexos, paciência e muita sorte. Também uma memória prodigiosa, capaz de se lembrar em que recanto poeirento de um alfarrabista dorme esse exemplar pelo qual pagam uma fortuna (...) Chacais de Gutemberg, piranhas das feiras de antiguidades, sanguessugas de leilões, são capazes de vender a mãe por uma edição príncipe, mas recebem os clientes em salões com sofás de couro e vista sobre o Duomo ou sobre o lago Constança e nunca sujam as mãos nem a consciência.». Divagamos claro.
(fig.)Gravura aguarelada à mão, por Casanova, para o livro de D. CarlosI
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História
A infância Saltemos então até à era moderna. El-Rei D. Carlos I, o nosso Rei naturalista e Ornitólogo amador que nos deixou obra de grande mérito para a época, embora dispersa ou «perdida». Sobre o estado actual da sua obra ornitológica falámos, quanto baste, na última Pardela. Uma pequena nota para as raridades bibliográficas que constituem os dois fascículos publicados em 1903 e 1907, com vinte estampas cada, aguareladas à mão, segundo se julga pelo próprio Monarca. A morte do Rei viria a interromper a publicação da totalidade desta obra até data recente. Os episódios que constituem esta trama _ e a que vos poupo _ dariam por si só matéria para um artigo. Estes fascículos são hoje muito difíceis de encontrar mas, «quando aparecem», poderão ser adquiridos em alguns alfarrabistas _ descontando obviamente as flutuações do meio _ por 1000/1500 euros cada. Entretanto, sabe-se que o Bragança deixou várias anotações e comentários manuscritos que, se espera, possam um dia vir a público. Outros nomes mereceriam destaque, não fosse a intransigência do Editor com a falta de espaço... Deixemos no ar alguns dos mais representativos: Paulino de Oliveira e As Aves da Península Ibérica e Especialmente Portugal (1896); Antero Frederico de Seabra e Catalogue Systématique des Vertébrés du Portugal (1910); A. A. Themido e Aves de Portugal (Chaves para a sua Determinação)(1952); W. C. Tait e The Birds of Portugal (1924) - esta
última obra foi localizada, muito recentemente, num livreiro londrino por «escassos» 270 euros, uma «pechincha»!; Reis Júnior e o Catálogo Sistemático e Analítico das Aves de Portugal (1931), ou qualquer um dos 7 Volumes que constituem a obra Aves de Portugal (publicados de 1931 1935).
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Depois, há a imensa obra publicada em revistas por Germano Sacarrão e Santos Júnior. Do primeiro, entre uma vasta obra, merece destaque: Nomes Portugueses para as aves da Europa, com Anotações (1979), por ter sido o primeiro autor a tentar fixar os nomes comuns para as aves no nosso país. E o que deixou escrito sobre a Pega-azul, o Peneireiro-cinzento e o Pardal-espanhol. De Santos Júnior,
muito foi dito na última Pardela e muito ficou por dizer, tal a vastidão e importância da sua obra, sobretudo o que publicou na revista Cyanopica e nos Anais da Faculdade de Ciências do Porto. Estas publicações não são propriamente preciosidades. Não o são pelo valor da edição, que é pobre, mas valem pelo interesse como documento, e «literário» por vezes, pois já ninguém escreve assim... Atentemos no que escrevia Sacarrão em 1955 aquando de uma visita à «província do Algarve» para mais uma das então frequentes «colheitas de aves com o objectivo de organizarmos uma colecção de estudo.». Entre outros episódios saborosos, são frequentes frases do género: «Para se efectuar um estudo taxonómico sobre aves é indispensável colher em grande escala...». Métodos, hoje, dificilmente defensáveis. Se bem que mais à frente confessasse, em determinada ocasião: «Não matámos um exemplar sequer e todavia havia um mundo de factos a observar, tanto mais rico de aspectos quanto é certo que tínhamos a atenção liberta das preocupações da caça.». E continuamos a folhear velhas publicações; acariciamos as brochuras amareladas pela usura do tempo; o odor do papel. Fotografias antigas e velhas gravuras vão desfilando sob o nosso olhar. Lá fora é Inverno, o que nos faz ter vontade de continuar, enlevados em sonho, noutra época: «(...) Tirámos 2 ninhos um com seis ovos e o outro com sete.» (Pegaazul); «Arranquei o ninho com amplo torrão...» (Narceja), ou «os dois exemplares foram abatidos no dia 6 de Maio, cerca do meio-dia.» (Andorinha-dáurica), são exemplos que abundam na escrita de Santos Júnior. Aliás, como na dos outros investigadores da época. Neste momento dou-me conta que perdi o controlo do texto, porventura afastei-me um pouco da ideia inicial. Se algum propósito houve neste artigo foi, acima de tudo, o de dar algumas coordenadas de leitura. Gosto de pensar que há quem possa seguir alguns dos trilhos indicados neste mapa bibliográfico. Caro leitor, há todo um mundo lá fora... de alfarrabistas, antiquários e arquivos a explorar. Boa viagem ao coração dos livros.
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Uma das obras mais apetecidas
2
Um mundo a descobrir
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Pedro Geraldes
1.
Gaivota de
Audouin
Larus audouinii
Ana Leal e Miguel Lecoq
A Gaivota de Audouin Larus audouinii foi descoberta em 1826, pelo naturalista francês Charles Payraudeau, na Ilha da Córsega. É uma gaivota de tamanho médio/grande, com uma silhueta estreita e elegante. A plumagem de adulto assemelha-se com a da Gaivota-de-patas-amarelas Larus cachinnans tendo o dorso cinzento mais claro, bico vermelho escuro e patas verde-acinzentadas. Nos anos 1960 a Gaivota de Audouin era provavelmente a espécie de gaivota mais ameaçada do mundo, estando a sua população global estimada em cerca de 600 casais, dispersos por pequenas colónias ao longo das costas do Mediterrâneo. Contudo, nos últimos 20 anos, a população global aumentou exponencialmente, estando actualmente estimada em cerca de 18.00019.000 casais, a maioria dos quais concentrada em Espanha (85-90%). Para este crescimento contribuiu sobretudo o estabelecimento, em 1981, de uma colónia no Delta do Ebro (Espanha), cujo número de indivíduos aumentou muito rapidamente até ao ano 2000. Como consequência, nas duas últimas décadas, a sua área de distribuição sofreu uma significativa expansão para Ocidente com um aumento significativo da população global. Actualmente as suas colónias situam-se em Espanha, França, Itália, Grécia, Croácia, Chipre, Turquia, Argélia, Marrocos e, mais recentemente, Portugal.
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A Gaivota de Audouin reproduz-se em colónias que podem ter desde poucos até vários milhares de casais. É uma espécie semi-pelágica especializada na captura activa de peixe, e uma das poucas espécies da Família Laridae que apresenta padrões de alimentação essencialmente nocturnos. Entre as espécies mais comuns na sua dieta encontram-se a Sardinha (Sardina pilchardus) e a Anchova (Engraulis encrasicolus). Vários estudos realizados no Mediterrâneo Ocidental demonstraram que, actualmente, uma grande parte da população explora recursos associados à actividade pesqueira.
Estatuto de Protecção O aumento da população de Gaivota de Audouin levou a que, em 1994, esta espécie deixasse de fazer parte da lista de espécies Globalmente Ameaçadas (UICN / BirdLife International). No entanto, apesar do aumento do número de indivíduos, está ainda sob ameaça. O facto de 60% da população mundial estar concentrada em apenas uma colónia _ Delta do Ebro _ torna esta espécie extremamente vulnerável, sendo fundamental a protecção de todas as suas colónias. Em 1996, a BirdLife International elaborou o Plano de Acção Internacional para a Gaivota de Audouin, onde foram identificadas as ameaças, factores limitantes e prioridades de conservação
a nível global para esta espécie. Então, as principais ameaças identificadas estavam relacionadas com a alteração do habitat nos seus locais de reprodução, alterações nas práticas de pesca e a interacção com a Gaivota-de-patas-amarelas, que incluía a predação de ovos e juvenis de Gaivota de Audouin e a competição por locais de reprodução.
A Gaivota de Audouin em Portugal Recentemente, a espécie recolonizou Portugal, com o estabelecimento em 2001 de uma pequena colónia na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António. Um ano mais tarde, foi detectada uma segunda colónia no Parque Natural da Ria Formosa (PNRF). Portugal tem assim a particularidade ter a única colónia de Gaivota de Audouin localizada no Atlântico. Em Portugal, a Gaivota de Audouin nidifica em salinas, utilizando os cômoros de separação entre tanques. Na época reprodutora de 2005 foi identificada apenas uma colónia de Gaivota de Audouin localizada no PNRF, onde se estabeleceram 41 casais reprodutores que falharam a reprodução nesse ano. A colónia portuguesa encontra-se ainda numa fase inicial de instalação, sendo muito vulnerável a factores externos de perturbação. O sucesso reprodutor da colónia é fundamental para o seu firme estabe-
Conservação
O Projecto “Conservação da Gaivota de Audouin no Sul de Portugal” lecimento e a repetição de eventos de insucesso reprodutor, como o que ocorreu na época de 2005, podem levar ao abandono da colónia e ao consequente desaparecimento desta espécie como reprodutora no nosso país. Durante os períodos de passagem migratória, nomeadamente durante o período pós-nupcial, a espécie é mais abundante, observando-se várias centenas de indivíduos ao longo da costa do Algarve, alguns permanecendo na zona por mais de três meses. Durante o Inverno, o número de indivíduos que aqui permanece é bastante mais reduzido, observando-se apenas algumas dezenas de aves. Actualmente as aves portadoras de anilhas de cor, observadas durante a reprodução e a migração, são oriundas de 10 colónias espanholas.
Neste documento estão identificadas como principais ameaças à espécie a predação por mamíferos, a perturbação das colónias e a pilhagem de ovos. Deste plano constam ainda diversas acções como a investigação, monitorização e vigilância da espécie; a protecção das colónias contra predadores terrestres; a necessidade de encarar a conservação da Gaivota de Audouin como uma prioridade na gestão das Áreas Protegidas; e ainda o aumento da sensibilização pública que, conjuntamente com outras medidas, podem contribuir para a sua conservação em Portugal. O relatório final deste projecto e o plano de acção estarão brevemente disponíveis na página da SPEA na Internet.
para a Conservação da Natureza (UICN). Está ainda incluída no Anexo I da Directiva Aves, no Anexo II da Convenção de Berna e no Anexo I da Convenção de Bona. Em Portugal, a Gaivota de Audouin foi recentemente classificada com o estatuto de Vulnerável no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, devido à reduzida dimensão da sua população reprodutora.
Ana Leal
Actualmente, segundo a BirdLife International, a Gaivota de Audouin é uma espécie Localizada (critério: mais de 90% da população nidifica em menos de 10 locais) e SPEC 1 (SPEC _ espécie preocupante para a conservação a nível europeu; 1 _ espécie cujas populações apresentam algum grau de ameaça a nível global), e Quase Ameaçada pelo Livro Vermelho da União Internacional
A escassez de informação acerca da Gaivota de Audouin no nosso país, assim como a falta de uma estratégia de conservação para esta espécie em Portugal, levaram a SPEA a identificar como prioridade a recolha e compilação de informação relativa a esta espécie. Assim, em Março de 2005, a SPEA iniciou o projecto “Conservação da Gaivota de Audouin no Sul de Portugal", patrocinado pela BirdLife/Vogelbescherming Nederland, que terminou em Dezembro. Neste projecto foi recolhida informação relativa a aspectos da biologia e ecologia desta espécie e elaborado o Plano de Acção para a Conservação da Gaivota de Audouin em Portugal. Para a elaboração do Plano de Acção, a SPEA organizou um workshop no PNRF, que contou com 14 participantes pertencentes a oito instituições.
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Gaivota de Audouin
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Bando de Gaivota de Audouin numa salina em Castro Marim
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Faísca
aves A ciência das
É PRECISO CONHECER PARA CONSERVAR
Compilado por Paulo Marques Museu Bocage, MNHN
As aves em Portugal
Aldina M. A. Franco, João T. Marques & W. J. Sutherland 2005. Estarão as populações de Peneireiro-das-torres limitadas pela disponibilidade de locais de nidificação? Um estudo a várias escalas. Ibis 147: 657-666.
Tem chegado a esta coluna, um considerável número de pu-
Faísca
Ricardo Tomé, Nuno Santos, Pedro Cardia, Nuno Ferrand & E. Korpimäki 2005. Influência de factores sobre a prevalência de parasitas do sangue em Mochos-galegos Athene noctua no Sul de Portugal. Ornis fennica 83 (2): 63-72.
blicações de trabalhos realizados em Portugal. Desde já, um Muito Obrigado a todos os autores. O critério de escolha dos trabalhos tem por base a publicação dos mesmos em revistas de Ornitologia indexadas no Journal Citation Reports para o período considerado. Sabendo que com este critério escapam alguns trabalhos importantes fica o compromisso de procurar melhorar a cobertura das notícias. Contudo, este é um sinal inquestionável da vitalidade da Ornitologia portuguesa. De referir ainda que, sempre que possível os títulos e respectivos resumos dos trabalhos apresentados são redigidos pelos seus autores, assegurando assim uma maior fidedignidade dos relatos.
Período de publicação:
Julho a Dezembro de 2005
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Estudou-se a ocorrência de parasitas do sangue em Mocho-galego Athene noctua no Baixo Alentejo. Mais de 80% das aves adultas estavam infectadas, enquanto menos de 10% dos juvenis tinham o parasita mais comum. Os adultos infectados tenderam a ter bicos de menor comprimento. Uma vez que um estudo anterior encontrara uma relação entre comprimento do bico e características individuais do canto, o presente trabalho poderá sugerir uma relação entre a infecção com hemoprotozoários e as propriedades do canto territorial.
Ricardo Guerreiro
Luís Reino 2005. Variação “dividida” para a área de expansão de uma espécie introduzida: O bico-de-lacre Estrilda astrild em Portugal. Journal of Ornithology 146 (4): 377-382.
O Peneireiro-das-torres ou Francelho (Falco naumanni) é um pequeno falcão migrador e uma das espécies mais ameaçadas da Europa devido ao rápido decréscimo populacional. Uma das possíveis razões para este declínio é a perda de locais de nidificação. Neste artigo, testámos esta hipótese a diversas escalas, analisando a disponibilidade de locais de nidificação em áreas rurais e urbanas, em Portugal e em Espanha. Os Peneireiros-das-torres não fazem ninho e ocupam cavidades vazias em monumentos ou edifícios abandonados. Este estudo mostrou que a disponibilidade de locais de nidificação é um factor limitante para as populações analisadas e que esta espécie está dependente da existência de edifícios antigos com cavidades e prefere locais onde se mantenha o cultivo de cereais em regime extensivo com rotações com pousio.
Ornitologia
lhos apresentados nesta rubrica: o estudo do aparecimento de uma nova rota de migração e a relação entre o tamanho do cérebro e a diversificação subespecifica.
Este estudo apresenta uma revisão da informação existente sobre a distribuição do Rolieiro (Coracias garrulus) em Portugal, durante a época de nidificação. Os dados sugerem a existência de fragmentação da área de distribuição da espécie, no centro do país, com uma expansão para o Sul durante a última década. As principais áreas de reprodução do Rolieiro são: Castro Verde, Vila Fernando/Elvas e Castelo Branco/Idanha-a-Nova. Júlio M. Neto & A. G. Gosler 2005. Biologia reprodutiva da Cigarrinha-ruiva Locustella luscinioides em Portugal. Ardea 93: 89-100. Este estudo, que teve lugar na Ria de Aveiro de 2000 a 2004, descreve os parâmetros reprodutores da população de Cigarrinhas-ruivas e alguns dos factores que explicam a sua variação. A análise dos 93 ninhos encontrados permitiu concluir que: (1) a data de chegada dos adultos influencia o início da reprodução e o sucesso reprodutivo, (2) os ovos são menores do que os de outras populações, dependendo do tamanho das fêmeas e da data de postura, (3) o tamanho de postura também é menor do que o de outras populações, diminuindo ao longo da época, e (4) as fêmeas produzem em média 5.4 crias por ano em 1-4 tentativas de nidificação (de Abril a Agosto), o que é suficiente para compensar as mortalidades típicas dos passeriformes. Os casos de insucesso deveram-se essencialmente a predação.
Mundo das aves A Evolução é uma área de conhecimento muito activa e cuja expansão tem beneficiado de novos desenvolvimentos técnicos, assim como duma abordagem pluridisciplinar. É o caso de dois traba-
José Viana
Ana Teresa Marques, Inês Henriques, Inês Catry & Maria Inês Moreira 2005. Distribuição do Rolieiro Coracias garrulus em Portugal, uma abordagem histórica. Ardeola 52 (1): 173-176
A Toutinegra-de-barrete-preto (Sylvia atricapilla) é uma espécie tipicamente migradora, com as suas populações nidificantes no centro e Norte da Europa a migrarem para o Sul da Europa (incluindo Portugal) e Norte de África, onde aí invernam. Contudo, tem-se vindo a verificar desde o início dos anos 60 um aumento dos efectivos desta espécie a invernar no Reino Unido, atingindo actualmente um número considerável. As aves invernantes no Reino Unido têm a sua origem mais a sul, na Europa central, e migram para noroeste na sua deslocação para as áreas de invernada. Esta nova rota de migração tem uma componente genética. Num trabalho recente, Bearhop e colegas1 determinaram o mecanismo através do qual os padrões de migração das toutinegras estão a mudar com o surgimento de uma nova rota de migração. Este estudo demonstrou que os indivíduos tendem a formar par com outras aves provenientes da mesma zona de invernada (fenómeno conhecido por assortative mating _ acasalamento concordante), e que este facto resulta de as aves provenientes do Reino Unido chegarem mais cedo às áreas de reprodução. Estes casais de indivíduos provenientes do Norte apresentam um maior sucesso reprodutor. A importância deste estudo deve-se ao facto de ser a primeira demonstração empírica de que diferença nos padrões de migração pode originar acasalamento concordante, que poderá ser a origem de uma nova espécie2. Salienta-se ainda o uso de um novo método baseado na proporção entre isó-
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2005 Science 310: 502-504 2005 Science 310: 419 3 2005 Evolution 59 (12): 2669-2677
topos de hidrogénio nos tecidos das aves e o facto de uma parte da amostragem de tecidos ter sido realizada em Portugal. No estudo que explora a relação entre o tamanho do cérebro e a diversidade ao nível sub-específico dos passeriformes holárcticos, Sol e colegas3 mostram que espécies com maior tamanho relativo de cérebro geralmente apresentam um nível de diversificação maior em termos de sub-espécies. O tamanho relativo do cérebro sabe-se estar correlacionado com a propensão para alterações no comportamento. Estes investigadores concluem que o seu resultado suporta a hipótese de que as alterações comportamentais facilitam a diversificação evolutiva. Ambos os estudos têm impacto na visão da conservação da natureza e da biodiversidade. O primeiro sugerindo que para algumas espécies poderão, por exemplo, face às alterações ambientais, surgir novas rotas de migração. O segundo ajudando a compreender a biodiversidade ao nível das sub-espécies e o papel da variabilidade comportamental na adaptação a novas condições ambientais.
Faleceu o Professor Ernest Mayr (1904-2005), grande evolucionista e ornitólogo, com enorme contributo dado para o estudo da vida. A todos os interessados, sugerimos a leitura do seu obituário escrito por Allen Keast4.
A actividade ornitológica em Myanmar (antiga Bruma) continua muito interessante, agora com a descrição de uma espécie nova para a ciência: a Babblar (Jabouilleia naungmungensis5). Foi na expedição conjunta, do Myanmar Nature and Wildlife Conservation Division e do Smithsonian National Zoological Park's Conservation and Research Center, que decorreu neste país na região sub-Himalaias, em Fevereiro de 2004, que se capturaram três indivíduos os quais permitiram a descrição desta nova espécie.
2005 Emu 105: 263-264 2005 Auk 122 (4): 1064-1069
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A Pardela e o Golfinho
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Autor:
Pedro Alvito
s a h n i r a M s e v A
Vamos falar de
Paulo Alves
J U V E N I S
(Procellariidae e outras)
Para sobreviver no mar, as aves marinhas têm que estar "equipadas" para este habitat. As espécies de grande porte possuem asas longas e estreitas, para poderem deslizar por cima do mar, com o vento, durante horas quase sem bater as asas. As aves de menor porte, batem as asas intensamente durante o voo. Em algumas, o bico, direito com a ponta em gancho, tem narinas tubulares com glândulas nasais que expelem o sal da água do mar. Outra adaptação importante é a impermeabilização das penas. Como algumas outras aves, as aves marinhas estão equipadas com uma glândula uropigial que produz uma substancia gordurosa. Para impermeabilizar as penas, a ave espalha esta substância com o bico. As penas também ajudam a ave a manter uma temperatura corporal estável (em todas as aves esta é aproximadamente de 40 ºC): guardam o ar quente ou comprimem-se (a ave pode pôr a cabeça debaixo da asa ou encolher uma pata) para reduzir a superfície exposta ao ar quando faz frio. Os olhos também estão adaptados para quando as aves mergulham: a sua visão subaquática é muito melhor do que nas aves de outras Famílias. Nas aves que precisam de mergulhar, o ritmo cardíaco pode diminuir durante os mergulhos para prolongar a sua duração. As patas são palmípedes para facilitar a natação. Pelo contrário, quando estão fora de água, as aves marinhas são desajeitadas e não andam muito bem. Existem aves marinhas em quase todo o mundo. Alimentam-se essencialmente de peixe, lulas, plâncton ou até de outros animais mortos. Passam grande parte da sua vida no mar e muitas apenas vêm a terra para se reproduzirem. É uma Família de aves muito bem sucedida que conseguiu adaptar-se e sobreviver no habitat marinho.
Paulo Alves
Sofia Coelho
Conheces a
Freira do Bugio? A Freira do Bugio é uma ave marinha que, tal como as Pardelas, pertence à Família Procellariidae. Esta ave é extremamente rara e ameaçada, existindo apenas em dois locais no mundo: em Cabo Verde e no Bugio, na Ilha da Madeira. A Freira do Bugio tem um voo original para uma ave marinha, já que os voos rasantes à água são intercalados com voos muitos altos (cerca de 40 ou 50 metros). Esta ave passa uma grande parte da sua vida no mar. Regressa a terra no final de Junho para se reproduzir e os seus ninhos são construídos no solo, onde estavam buracos muito profundos (mais de dois metros), e põe apenas um ovo em cada ano.
Sabias que estas aves podem viver muitos anos? Já foi encontrada uma Freira do Bugio com mais de 20 anos, e pensa-se que possam chegar até aos 40! Mas de onde vem o nome de Freira...? Na verdade este nome surgiu através de uma “parente” da Freira do Bugio, a Freira da Madeira. Há muitos anos que existe uma colónia de Freira da Madeira numa zona da ilha chamada de Curral das Freiras, onde existia um convento. Ora, ao verem durante a noite vultos brancos a voar por cima do Curral das Freiras e que ainda por cima emitiam sons muito parecidos ao de um fantasma, as pessoas pensavam que estas aves eram as almas das freiras do convento! E assim surgiram os nomes de Freira da Madeira e Freira do Bugio! Ana Leal
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Onde observar
O Solitário
João Tiago
João Tiago
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O Solitário Cercotrichas galactotes, também conhecido com Rouxinol-do-mato ou Rouxinol-bilro, é um Passeriforme de porte médio, pouco maior do que um Pardal-comum Passer domesticus. Identifica-se facilmente com base na sua plumagem, principalmente devido ao padrão contrastante na cauda (alaranjada com cantos brancos debruados a negro), que exibe conspicuamente e com frequência. É um migrador estival que chega às áreas de reprodução em Portugal a partir de meados de Maio. Os machos são muito vocíferos e o canto melodioso não é difícil de reconhecer: frases curtas (c. 1,5 segs), flauteadas e com alguns chilreios, audíveis a grande distância. Uma vez que o pico de actividade vocal se verifica na fase de estabelecimento do território e formação de pares, o início de Junho é a melhor altura para detectar esta espécie auditivamente. Para efeitos científicos, a emissão de gravações é um óptimo método de censo de machos adultos, já que estes respondem frequentemente e se mostram deveras curiosos. Após efectuarem uma ou duas posturas, os grupos familiares rapidamente iniciam a migração entre meados de Agosto e Setembro, sendo raras as observações neste período. Esta espécie ocupa uma faixa no interior do território, entre a zona da Serra da Malcata e o Algarve, embora a maioria da sua população ocorra ao longo da bacia hidrográfica do Guadiana. Os seus requisitos em termos de habitat resumem-se grosseiramente à combinação de locais de nidificação (estruturas densas de porte arbustivo) com áreas onde procurar alimento (zonas de solo mais ou menos exposto, onde captura invertebrados, que constituem a maior parte da sua dieta). Evita, portanto, zonas estritamente florestais ou do tipo estepário. Em Portugal, nidifica principalmente nos vales de ribeiras que tendem a secar no Verão e em cujo leito de cheia se desenvolvem Loendros Nerium oleander, Zambujeiros Olea europaea var. sylvestris, Tamujos Securinega tinctoria ou Tamargueiras Tamarix sp.. Nas encostas destes vales, é frequente existirem matos de Esteva Cistus ladanifer com árvores
dispersas (e.g. Azinheiras Quercus rotundifolia). Também pode ocorrer, com menor frequência, em vinhas e outros tipos de culturas permanentes (e.g. olivais, cultivos mistos, laranjais), desde que forneçam os elementos estruturais já referidos acima (locais adequados à nidificação e alimentação). Atendendo à sua fenologia, selecção de habitat e distribuição , as probabilidades de detecção são bastante elevadas, mesmo para uma espécie considerada rara em Portugal. Seguidamente, apresento alguns locais onde vale a pena procurar Solitários: na Beira Baixa, o Solitário ocorre principalmente no Rio Pônsul, nas zonas mais espraiadas do leito, e.g. a jusante do Mte. do Pombal, a Este de Castelo Branco. na zona afectada pela Albufeira de Alqueva. Salvaguarda-se que esta veio alterar profundamente a fisionomia da paisagem numa parte significativa dessa bacia, e teme-se que as consequências disso possam ser o agravamento da fragmentação da população e o potenciamento de extinções locais de Solitário. Mais do que o Guadiana em si (onde existiam núcleos de ocorrência dispersos, ainda que importantes), os seus tributários Degebe e Alcarrache detinham dois dos mais importantes núcleos populacionais na área. Por enquanto, não se estudaram os efeitos da inundação dos vales onde o Solitário costumava nidificar na zona da albufeira. nas vinhas da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz. no rio Ardila, entre Safara e Barrancos, e.g. junto ao castelo de Noudar. nas ribeiras de Terges-Cobres e de Oeiras, na região Castro Verde-Mértola. nas ribeiras das serras algarvias, como a do Vascão e de Odeleite. existem ainda registos em algumas ribeiras do Sotavento algarvio mais próximas do litoral, como a ribeira de Quarteira, e até na Lagoa dos Salgados.
Ciber-Ornitofilia
Luís Gordinho (www.naturlink.pt)
www.earth.google.com
Após uma dúzia de artigos publicados, esta rubrica necessita definitivamente de passar da teoria à prática. Assim, hoje vamos utilizar alguns dos recursos disponíveis na Internet para planear uma saída de campo. Uma regra básica é começar cedo, não só porque é de madrugada que as aves diurnas estão mais activas, mas também porque nessa altura a perturbação humana é mínima, um factor crítico em certos habitats (e.g. praias). Ao fim da tarde as aves diurnas também têm um pico de actividade, e é cerca de meia hora a hora e meia após o ocaso que a actividade vocal das aves nocturnas é máxima. Por todos esses motivos, começamos por lhe recomendar a consulta aos almanaques do Observatório Astronómico de Lisboa disponíveis em www.oal.ul.pt/index.php ?link=dados2006. Descarregue a tabela Nascimento e Ocaso do Sol na sua região e tenha-a sempre à mão. Lembre-se que, em regra, há luz para observar desde ca. 30 minutos antes do nascimento do sol até ca. 30 minutos após o seu ocaso. Depois há a questão da meteorologia. Todas as condições atmosféricas são boas para observar aves, a “ciência” está em escolher o local de acordo com as condições. Pode ser tão proveitoso escutar passeriformes durante uma caminhada a pé num dia de sol sem vento, como observar aves marinhas pela janela do carro no meio duma tempestade. No início do Outono ou da Primavera, com ventos persistentes de Leste, nada como uma visita a um cabo costeiro... Entre os vários sites que fornecem boas previsões meteorológicas, não podemos deixar de destacar o do Instituto de Meteorologia (www.meteo.pt) e, em particular, as imagens animadas do
www.igeoe.pt
satélite Meteosat (Infra-vermelho, Península Ibérica e Atlântico). Se pretende observar aves aquáticas em ambiente estuarino, também é fundamental ter em conta a maré. Com a preia-mar muitas limícolas e gaivotas refugiam-se nas salinas para repousar, só regressando à vasa dos esteiros onde se alimentam à medida que a maré baixa. Mais para jusante, as lajes costeiras e ilhas de areia onde muitas limícolas e gaivotas se alimentam e repousam, poderão só estar a descoberto durante a baixa-mar. Em matéria de previsões da hora e altura das marés, nomeadamente nos portos secundários do Continente e Ilhas, o Instituto Hidrográfico de Portugal (www.hidrografico.pt/wwwbd/Mares/MaresPortosSecund arios.asp) é uma referência incontornável. Aproveite para se recordar do período em que vigora a hora de Verão, uma informação também indispensável para interpretar correctamente a tabela de nascimento e ocaso do sol. Finalmente precisará de orientações de carácter geográfico. A navegação até à zona a explorar poderá ser apoiada por sites como www.viamichelin.com que lhe dão estimativas das distâncias quilométricas, tempos de viagem, valor das portagens, etc. Ou www.multimap.com que possui mapas de estradas e cidades até à escala 1/5.000 e fornece coordenadas. Para a micro-navegação, as clássicas cartas
www.meteo.pt
militares da série 1/25.000 do Instituto Geográfico do Exército (www.igeoe.pt) continuam a ser muito úteis. Em zonas sobre as quais não exista cartografia recente ou quando a necessidade de detalhe é grande, há ainda a possibilidade de obter imagens de satélite (http://geocid-snig.igeo.pt/Portugues/final/frames.html ou http://earth.google.com), georeferenciar essas imagens, digitalizar os caminhos e outros aspectos relevantes (utilizando software como ArcView ou GeoMedia) e carregar essa informação para um GPS (só os de gama média e alta tem essa possibilidade). O espaço destinado a esta rubrica já não permite falar do estado do mar, ainda assim...
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