Minas Faz Ciência - Edição 61

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Redação - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - CEP 31.035-536 Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: +55 (31) 3280-2105 Fax: +55 (31) 3227-3864 E-mail: revista@fapemig.br Site: http://revista.fapemig.br

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GOVERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Governador: Fernando Pimentel SECRETARIA DE ESTADO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR Secretário: Miguel Corrêa Jr.

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais Presidente: Evaldo Ferreira Vilela Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação: Diretor de Planejamento, Gestão e Finanças: Alexsander da Silva Rocha Conselho Curador Presidente: João Francisco de Abreu Membros: Alexandre Christófaro Silva, Antônio Carlos de Barros Martins, Dijon Moraes Júnior, Virmondes Rodrigues Júnior, Flávio Antônio dos Santos, Júnia Guimarães Mourão, Marcelo Henrique dos Santos, Marilena Chaves, Ricardo Vinhas Corrêa da Silva, Sérgio Costa Oliveira, Valentino Rizzioli Para receber gratuitamente a revista MINAS FAZ CIÊNCIA, envie seus dados (nome, profissão, instituição/empresa, endereço completo, telefone, fax e e-mail) para o e-mail: revista@fapemig.br ou para o seguinte endereço: FAPEMIG / Revista MINAS FAZ CIÊNCIA - Av. José Cândido da Silveira, 1500, Bairro Horto - Belo Horizonte/MG - Brasil - CEP 31.035-536

Dia a dia, por mais que não reparemos, ela nos toca, nos espreita. Sim, caro leitor! Para muito além dos laboratórios de pesquisa e do ambiente das universidades, a ciência se revela a todos, sempre a engendrar – em nós – outros tantos olhares acerca do tempo, dos seres, da vida. Repleta de espírito inquiridor, MINAS FAZ CIÊNCIA resolveu convidá-lo, justamente, ao vasto debate em torno dos significados por trás da multiplicidade da prática científica. Que o diga a (complexa) pergunta estampada já na capa desta edição. De modo a estimular respostas – ou, ao menos, como forma de ampliar o potencial de nossa lupa, sempre atenta aos movimentos da ciência –, investimos numa série de vertentes investigativas. A começar pela reportagem especial, em que a repórter Camila Alves Mantovani conversa com especialistas sobre os desafios e as benesses da chamada “Ciência Aberta”, novo modo de estímulo à difusão do conhecimento especializado, capaz de transformar os tradicionais mecanismos de pesquisa – de maneira a aproximá-los de seus públicos de interesse. Por falar em “Ciência Aberta”, eis o nome da nova seção da revista, onde os leitores serão incitados a responder questões caras ao universo da tecnologia e da produção de saberes. Por fim, também nesta edição, a repórter Vivian Teixeira apresenta os resultados de pesquisa inédita no Estado sobre a percepção dos mineiros em relação a temas científicos. Resultado de parceria entre a FAPEMIG e o Observatório Incite (Inovação, Cidadania e Tecnociência), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o trabalho mensurou a importância e o papel da ciência no cotidiano das pessoas. Outros assuntos aqui presentes também prometem instigar sua atenção quanto a problemas bastante atuais. Professor e pesquisador do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da UFMG, Carlos Barreira Martinez comenta, em entrevista, a atual crise da água e a trajetória do setor energético no Brasil. Já no que diz respeito à saúde do corpo, confira as soluções de pesquisadores da Fisioterapia para melhorar a vida de pacientes cardiopatas e com dor crônica. No campo da Engenharia Civil, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) tornam mais precisas e eficazes as estruturas metálicas usadas na construção de casas, prédios e outras edificações. Enquanto isso, o azeite nosso de cada dia é testado contra fraudes, com o auxílio de método desenvolvido por especialistas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Confira, por fim, novidades nas áreas da Física, da Metalurgia e da Psicologia Social. Diante de tal cardápio de novidades, só me resta, é claro, desejar-lhe que aprecie cada página desta publicação – elaborada a partir do desejo de desvendar os meandros do fazer científico. Antes, porém, gostaria de destacar que, nas próximas duas ou três edições, terei a honra de ocupar este espaço de diálogo contigo, caríssimo leitor, até que nossa diretora de redação, a jornalista – e, agora, mãe – Vanessa Fagundes, volte a nos prestigiar com seu olhar sempre perspicaz sobre a ciência. Boa leitura! Maurício Guilherme Silva Jr. Editor-chefe

AO LEI TO R

EX P ED I EN T E

MINAS FAZ CIÊNCIA Diretora de redação: Vanessa Fagundes Editor-chefe: Maurício Guilherme Silva Jr. Redação: Ana Luiza Gonçalves, Camila Alves Mantovani, Diogo Brito, Maurício Guilherme Silva Jr., Vanessa Fagundes, Verônica Soares, Virgínia Fonseca e Vivian Teixeira Diagramação: Fazenda Comunicação Revisão: Sílvia Brina Projeto gráfico: Hely Costa Jr. Editoração: Unika Editora, Fatine Oliveira Montagem e impressão: Rona Editora Tiragem: 20.000 exemplares Capa: Hely Costa Jr.


Í N D I CE

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ENTREVISTA

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Alimentos

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Divulgação científica

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Metalurgia

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Agricultura

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Física

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Inovação

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LEMBRA DESSA?

Professor da UFMG, Carlos Barreira Martinez comenta a atual crise hídrica e a história do setor energético brasileiro

Pesquisa reúne FAPEMIG e UFMG para compreensão da percepção pública dos mineiros em relação à ciência

Epamig explora maneiras de realizar plantio de bananas e morangos em áreas do semiárido mineiro

Quatro entidades tecnológicas mineiras estimulam ideias e ações inovadoras por meio do projeto MGTI

Desenvolver métodos para detectar fraudes em azeites extravirgem é o objetivo de pesquisadores da UFJF

Universidades brasileiras e estrangeiras averiguam uso do vidro e outros rejeitos em novos objetos e estruturas

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5 PERGUNTAS PARA...

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Engenharia Civil

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Reportagem investiga os desafios e benesses da Ciência Aberta para a difusão do conhecimento especializado

Pesquisadores da UFV investigam estruturas denominadas “gelos de spin” e revelam a multiplicidade do nanomagnetismo

Fisioterapia

Na Ufop, pesquisa busca tornar mais precisas e eficazes as estruturas metálicas usadas na construção civil

ESPECIAL

Pesquisadores buscam recuperar metais nobres de lixo eletrônico e reduzir impacto ambiental

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Especialistas investem em métodos para melhorar a vida de pacientes cardiopatas e com dor crônica

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Professor do Departamento de Física da UFMG, Marcos Souza Pimenta fala sobre nanotubos de carbono

Rede Ondas da Ciência, experimentos caseiros, prevenção ao diabetes e benefícios do açaí

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Psicologia social

Estudo analisa potencial transformador dos movimentos sociais, que ampliam relação entre cidadãos e governos


para você?

Nesta edição de MINAS FAZ CIÊNCIA, estreamos a seção “Ciência Aberta”. Aqui, serão publicados comentários dos leitores sobre uma série de dilemas e desafios da prática científica. As perguntas serão lançadas em nossas redes sociais e no blog. Participe! “Para mim, ciência é estudo, pesquisa, análise – tudo que envolve certo aprofundamento, em determinado tema. Confesso que, quando penso na palavra, de primeira, me vêm à mente coisas ligadas à Biologia. Porém, logo depois, penso que é muito mais amplo do que isso.” Leila Pinho Via Facebook

“Ciência é um dos maiores bens da humanidade. Por meio dela, que é fundamental aos homens, tudo se transforma. Além de gerar novas técnicas e conquistas, as práticas científicas explicam o que é a humanidade e analisam sua ‘função’. Ciência, enfim, é tudo!” Heberth Fontoura de Castro, Professor do curso de Gestão de Pessoas nas faculdades PUC Minas e Novos Horizontes Belo Horizonte (MG)

“Ciência é uma forma diferente de ver a realidade e de interpretar o mundo, as pessoas e as múltiplas variáveis que nos cercam. Trata-se de um modo de ver o mundo em toda a sua complexidade, assim como de observar as múltiplas possibilidades nas diversas áreas, analisando o passado, compreendendo o presente e idealizando o futuro! Não existem mais fronteiras para a ciência: com os volumes de informação que processamos hoje, a vanguarda do pensamento pode estar nas grandes instituições ou na mais humilde cidade do globo. Precisamos encontrar e canalizar

esse grande potencial disperso, em prol do progresso da raça humana, acima de tudo.” Alisson Teixeira Via Facebook

“A ciência é responsável por estudar o planeta Terra, além de analisar o modo como o ser nasce, vive e morre. Os cientistas também estudam todas as relações entre os seres humanos.” Pedro Semeão Aluno do sexto ano do ensino fundamental Belo Horizonte (MG)

“É um conjunto de explicações sobre fatos e fenômenos mais ou menos organizados, com base na observação humana e em experimentações. É uma extensão da inteligência humana, expressa em teses e teorias que podem ser comprovadas, rechaçadas, debatidas e interpretadas conforme a leitura de cada humano. Em outro plano, a ciência explica racionalmente o que não entendemos em observação primária e ajuda-nos a compreender sistemas e fenômenos.” Natanael Vieira Via Facebook

ERRATA Na edição nº 60 da revista MINAS FAZ CIÊNCIA, não registramos o crédito da imagem usada na capa da publicação. A fotografia da gorila Imbi com seu filhote é de autoria de Hernandes Tinoco.

MINAS FAZ CIÊNCIA tem por finalidade divulgar a produção científica e tecnológica do Estado para a sociedade. A reprodução do seu conteúdo é permitida, desde que citada a fonte. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2015

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Ci ên ci a Ab erta

O que é

ciência


especial

Conhecimento para todos

As proposições da Ciência Aberta podem modificar as práticas tradicionais de pesquisa, aproximandoas de seus públicos de interesse Camila Alves Mantovani

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A ciência é abordada a partir de diferentes perspectivas, sejam elas sociológicas, filosóficas ou históricas. Alguns pontos, no entanto, parecem convergir. O nascimento da ciência moderna, no século XVII, por exemplo, é visto como o marco do surgimento de certa forma de pensar, compreender e explicar o mundo e seus fenômenos, para além das esferas religiosas e míticas, assim como da transição da atitude contemplativa do homem – no que tange à natureza e aos seres – a uma postura intervencionista. Com base nessa perspectiva, pode-se dizer que há uma ciência institucionalizada, praticada e vivenciada nas universidades, nos institutos de pesquisa, em comunidades científicas ou em congressos. Para além de tais “personagens”, assiste-se, atualmente, ao debate acerca de práticas e métodos científicos, do papel dos pesquisadores e dos ideais de verdade. Trata-se de discussões que conduzem o homem a noções distantes daquelas nascidas, no século XVII, com Galileu Galilei (1564-1642). Dentre os variados temas hoje suscitados, destaque para aqueles que se vinculam ao processo de abertura da ciência e englobam desde os sistemas de comunicação científica (acesso aberto), até as proposições de pesquisa e metodologias. Nos últimos anos, questões sobre difusão do conhecimento passaram, invariavelmente, pelo debate acerca do acesso livre, movimento considerado, por muitos autores, como um dos mais importantes deste século. As inovações nas formas de publicação científica surgiram nos anos 1990 e trouxeram consigo a expectativa de que processos tradicionais de validação do saber seriam modificados. Contudo, a adesão aos novos procedimentos não foi (e ainda não é) tranquila. Apesar de se basearem nos ideais de democratização e transparência – em princípio, caros a uma visão de ciência pautada pela verdade e pela emancipação do homem –, nem todos os “pares” legitimaram as propostas. Ainda que a verdade científica seja produto de consenso e as novas tecnologias possam democratizar o processo de avaliação do conhecimento, muitos membros da comunidade de pesquisadores

– cuja função seria zelar pela “qualidade” dos estudos, de modo a evitar a presença de “falsários” e “charlatões” –, apenas a forma tradicional de divulgação do conhecimento parece legítima. No artigo “A comunicação científica e o movimento de acesso livre ao conhecimento”, de 2006, a pesquisadora Suzana Mueller ressalta que tal visão é reforçada pelos interesses das grandes editoras, as quais, de certa maneira, impedem o desenvolvimento de sistemas de comunicação científica pautados pelos preceitos do acesso livre ao saber. Neste aspecto, um marco nas discussões sobre acesso aberto foi a Declaração de Budapeste, publicada pela primeira vez em 2002 e que, em 2012, ganhou reformulações, de maneira a dar conta das crescentes demandas em torno do tema, assim como de refletir os avanços ocorridos nas discussões. Segundo Helio Kuramoto, professor do Departamento de Organização e Tratamento da Informação da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos principais motivos para a primeira formulação da declaração foi o fato de, no final do século passado, as editoras científicas terem “elevado absurdamente o preço das assinaturas de algumas revistas científicas importantes”. Como resultado, diversas universidades, tanto nos Estados Unidos quanto nos países da Comunidade Europeia, cancelaram as assinaturas, provocando grande descontentamento entre os pesquisadores, que eram, em sua maioria, também autores que publicavam nessas revistas. “Em consequência, alguns dos principais pesquisadores reuniram-se em Budapeste para discutir a questão e buscar uma solução. Lançaram, então, a conferência Boai, que preconizava duas principais e importantes estratégias: as vias Dourada e Verde”, comenta. Na via Dourada (golden road), a estratégia é estimular a construção e/ou conversão de revistas científicas em publicações de aceso livre, notadamente, via internet. Já a Verde (green road) preconiza o uso de repositórios institucionais de acesso aberto, geridos pelas instituições produtoras de conhecimento científico

Budapest Open Access Initiative (Boai)

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(universidades, centros de pesquisas, agências de fomento etc.), para armazenamento da produção acadêmica de seus pesquisadores. Para muitos pesquisadores, a Declaração de Budapeste pode ser lida como um marco das iniciativas para a composição de uma “Ciência Aberta” – termo que, segundo Raniere Silva, graduando em matemática pela Unicamp e membro do grupo de trabalho em Ciência Aberta, pesquisador de um grupo intitulado com a expressão, extrapola a expressão “acesso aberto”, presente no próprio documento internacional. Segundo o pesquisador, “Ciência Aberta” representa a possibilidade de oferecer, na internet, os materiais/conteúdos de pesquisas científicas, de forma que qualquer pessoa seja capaz de reproduzir e ampliar a pesquisa. “Tal movimento conta com várias frentes de investigação, relativas a ‘dados abertos’, ‘cadernos de anotações abertos’ ou ‘ciência cidadã’. Todas essas frentes, porém, são fruto de áreas científicas distintas, e não de uma diferença na definição de Ciência Aberta”, completa.

Por dentro da LAI A chamada Lei de Acesso à Informação (LAI), no 12.527, entrou em vigor no Brasil em maio de 2012. Em termos gerais, busca-se assegurar o direito fundamental de acesso à informação, a ser executado em conformidade com os princípios da administração pública. No entanto, desde que entrou em vigor, a LAI tem sido cumprida de maneira não-uniforme, em parte, devido ao desconhecimento dos cidadãos sobre como proceder à solicitação de informações e ao fato de que os órgãos públicos não se prepararam para fazer cumprir a norma. A professora Maria Aparecida Moura, da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), explica que, quando a regra entrou em vigor, houve uma série de mal-entendidos sobre a legalidade e os riscos de publicizar dados sensíveis e informações privadas, sob a chancela do poder público. A pesquisadora ressalta, ainda, que a recente história do Brasil, que viveu sob a égide da ditadura militar por mais de 20 anos, torna mais complexo o entendimento do que seria a lei e aumenta a desconfiança da sociedade civil sobre as prerrogativas dadas ao estado. Conforme destacado no site acessoainformacao.gov.br, onde o cidadão pode conhecer melhor a lei e conferir um guia para requisição de informações, eis os princípios a reger a LAI:

Divulgação máxima: acesso é regra; sigilo, exceção.

Transparência ativa: a divulgação proativa de informações é de interesse coletivo e geral.

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Não exigência de motivação: o requerente não precisa dizer por que e para que deseja a informação.

Transparência passiva: a criação de procedimentos e prazos facilita o acesso à informação.

Limitação de exceções: hipóteses de sigilo são limitadas e legalmente estabelecidas.

Gratuidade da informação: o fornecimento de informações é gratuito, salvo quando há custo de reprodução.

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O termo é definido na própria Declaração de Budapeste: “‘Acesso aberto’ à literatura científica revisada por pares significa a disponibilidade livre na internet, permitindo a qualquer usuário ler, fazer download, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar ou referenciar o texto integral desses artigos, recolhê-los para indexação, introduzi-los como dados em software, ou usá-los para outro qualquer fim legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas que não sejam inseparáveis ao próprio acesso a uma conexão à internet. As únicas restrições de reprodução ou distribuição e o único papel para o direito autoral neste domínio são dar aos autores o controle sobre a integridade do seu trabalho e o direito de ser devidamente reconhecido e citado.

Assim como Raniere Silva, Alexandre Abdo, também pesquisador do grupo Ciência Aberta e doutor em Ciências pelo Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), identifica diversos movimentos que propõem estratégias para maior abertura das práticas científicas. “O movimento de acesso aberto tem a Budapest Open access initiative; o de dados científicos, o Panton principles; o de instrumentos abertos, a Open source hardware definition e a Free software definition. As definições surgem na medida em que determinada prática ganha escala e coesão”, explica. Para Alexandre, as terminologias compartilham a substituição das baixas expectativas, hoje predominantes, de transparência, participação e integração do trabalho acadêmico, por uma cultura de acesso e inclusão radicais, baseada na natureza abundante dos bens intelectuais e no poder de comunicação e processamento das tecnologias digitais. “Consequentemente, faz parte dessa cultura geral recusar restrições sobre o uso de obras como forma de organização da produção. Neste caso, aplica-se a definição geral de Open definition”, conclui.


A Open definition pode ser encontrada no site da Open knowledge, rede sem fins lucrativos que, por meio de artifícios legais, de tecnologia e treinamentos, busca permitir o acesso à informação, para que as pessoas possam criar e compartilhar conhecimento. No caso, a definição de “abertura” se dá em relação aos dados e ao conteúdo. O pesquisador norte-americano Paul David, um dos principais estudiosos sobre o tema e autor do ensaio “The historical origins of ‘Open Science’”, esteve no “Seminário internacional Ciência Aberta, questões abertas”, realizado em agosto de 2014. No evento, o especialista ministrou a conferência “The republic of Open Science: the institution’s historical origins and prospects for continued vitality” (“A república da Open Science: origens históricas da instituição e perspectivas de vitalidade contínua”), na qual traçou os caminhos percorridos pelo termo e apresentou suas características definidoras. Sobre a origem do conceito, o autor remonta ao surgimento da ciência moderna, no século XVII, quando se dá o rompimento com a tradição medieval de não revelar o conhecimento obtido sobre a natureza. Na visão de Paul David, a Ciência Aberta apresenta, como características, a colaboração entre pesquisadores, a autonomia na proposição de temas de estudo e a percepção dos ganhos para além da dimensão financeira. Trata-se, afinal, de algo vinculado à reputação – algo concedido pela comunidade, que pode acompanhar a pesquisa em função do acesso aberto a métodos empregados e resultados. Com relação ao último ponto, cabe destacar o papel das tecnologias de informação e comunicação como ferramentas de grande potencial para fazer cumprir os preceitos de abertura desse modelo de prática científica.

Tecnologias

É inegável que, nos últimos anos, as tecnologias alteraram a produção do conhecimento e promoveram maior abertura à participação dos sujeitos, não apenas no que se refere às formas de acesso à informação, mas, principalmente, a questões

relativas à produção e à distribuição dos conteúdos que circulam nas redes digitais. A ampliação da presença do “usuário” na rede tornou-se possível, em termos práticos, devido ao desenvolvimento de uma infraestrutura tecnológica descentralizada e de baixo custo, que permitiu às pessoas acessar, produzir e disseminar conteúdos. O exemplo mais contundente dessa estrutura é a chamada web 2.0 e os conceitos que lhe dão base: folksonomia, sindicalização, cauda longa, escrita colaborativa, redes sociais, user-generated content [conteúdo gerado pelo usuário], dentre outros. No caso dos cientistas, para além do interesse pelo desenvolvimento da ciência em si, há o desejo de conhecer outros pesquisadores, de trocar informações e conhecimentos, e, principalmente, tornar seu trabalho conhecido, para, dessa forma, obter prestígio e abrir oportunidades profissionais. Diante disso, a presença das tecnologias digitais colaborativas, não apenas como ferramentas de divulgação científica, mas como auxiliares à produção de conhecimento, revela-se algo complexo. Isso porque o ideal corrente de cientifici-

Livres para informar A noção de “liberdade de informação” foi reconhecida, inicialmente, pela Organização das Nações Unidas, em 1946. Durante sua primeira sessão, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 59 (1), que afirmava: “A liberdade de informação constitui um direito humano fundamental e [...] a pedra de toque de todas as liberdades a que se dedica a ONU”. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Dudh), adotada em 1948, é considerada a declaração primordial dos direitos humanos internacionais. Seu artigo 19 garante o direito à liberdade de expressão e à informação nos seguintes termos: “Todos têm o direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de expressar opiniões sem interferência e de buscar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e sem limitações de fronteiras”. É importante destacar a questão do direito de não apenas transmitir, mas, também, de buscar e receber informações. Nesse caso, tem-se reconhecida não apenas a importância da liberdade de fala, como, também, a ampliação da noção do livre fluxo de dados em uma sociedade.

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No Brasil, uma boa iniciativa para organizar e definir os diários virtuais especializados foi a criação da rede Anel de Blogs Científicos (ABC). Iniciativa do Laboratório de Divulgação Científica e Cientometria (LDCC) da USP, a ABC busca reunir e categorizar blogs científicos em língua portuguesa. Apesar disso, conforme ressalta Osame Kinouchi, professor do Departamento de Física da USP e um dos criadores do projeto, a ideia não é “patrulhar” a blogosfera – ou dar início a longa discussão sobre o conceito de ciência –, mas refletir sobre como esse espaço digital contribuiu para a formação de uma cultura científica, para além dos campi e institutos de pesquisa. O selo de qualidade dos blogs, portanto, é dado pela comunidade de leitores, formada, em grande parte, por pesquisadores, que, constantemente, avaliam os conteúdos.

dade é sustentado por uma infraestrutura que combina mecanismos diversos, como a avaliação entre pares, as formas colegiadas e as sociedades científicas, que buscam controlar a produção de saber. Tais estruturas atuam como filtros, que garantem a legitimidade e a validade do conhecimento científico. Quando as tecnologias digitais colaborativas se inserem nesse contexto, sua ação parece ter um efeito “desordenador” dos fluxos, pois as informações começam a circular em outros ambientes, que não os tradicionalmente reconhecidos pela prática tradicional.

Novas escritas

A presença de outras mediações por onde a informação científica pode circular vem, muitas vezes, cumprindo importante papel no que se refere aos preceitos de visibilidade e transparência. Ao analisar os blogs especializados – e o tipo de interação que estabelecem –, por exemplo, é possível perceber que eles contam com dupla interface: ao mesmo tempo em que se dirigem ao público especializado, falam aos leigos em geral. Blogs acadêmicos podem cumprir diversas funções, figurando como ferramentas importantes para a prática científica – em especial, aquelas que buscam se atentar aos preceitos de abertura da ciência. Isso porque se apresentam como meios de comunicação sem intermediários/editores e permitem publicações mais rápidas e diretas com os públicos

de interesse. Além disso, possibilitam que os usuários se manifestem a respeito dos conteúdos, de forma também mais objetiva e interativa. Outra questão importante é que os blogs, ao dar visibilidade às atividades e notícias mais relevantes sobre o projeto de um pesquisador individual – ou mesmo de instituições e grupos de pesquisa –, podem aumentar as referências aos conteúdos divulgados, e, por conseguinte, conforme dito anteriormente, aumentar o prestígio dos autores/pesquisadores envolvidos. Já há algum tempo, estudos têm chamado a atenção para o fato de que os pesquisadores encontram-se, no contexto digital, tanto na posição de produtores quanto na de receptores de conteúdos. De acordo com Maria Aparecida Moura, professora da Escola de Ciência da Informação e diretora de Governança Informacional da UFMG, das listas de discussões aos blogs e wikis, as tecnologias digitais colaborativas têm permitido a “horizontalização da comunicação científica”. Segundo a pesquisadora, elas encorajaram o surgimento de novos tipos de publicação e de formatos criativos, que tornam mais amigáveis as trocas entre os cientistas. Neste cenário, interessante ressaltar, ainda, que o texto impresso perde espaço para as formas fluidas do digital. No entanto, Aparecida Moura chama a atenção para o fato de que a formação e a conquista do público são fundamentais, revelando-se um desafio às práticas da Ciência Aberta.

Em território nacional No Brasil, a abertura das práticas científicas tem sido discutida de maneira ainda dispersa entre os pesquisadores. Uma tentativa de organizar o debate foi feita pelo Grupo de Trabalho em Ciência Aberta (www.cienciaaberta.net/grupo-de-trabalho), que busca oferecer espaços de discussão e de troca de experiências entre pesquisadores brasileiros interessados em promover e/ou compreender o assunto. O grupo nasceu da iniciativa de pesquisadores com histórias particulares de práticas que, agora,são identificadas como Ciência Aberta. “Mesmo sem nos organizarmos, não raro nos encontrávamos por interesses e dificuldades comuns para introduzir tais práticas no meio acadêmico. No início de 2013, também inspirados pela

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experiência de grupos semelhantes no âmbito da Open Knowledge International, criamos uma lista de e-mails e o portal da Wikiversidade para registrar todos e colocá-los em contato ao redor do tema”, esclarece o pesquisador Alexandre Abdo. Em 2014, houve importante evento nacional, cujos conteúdos e apresentações foram registrados em vídeo e em texto. Criou-se, então, o blog do grupo. Outra importante iniciativa é a Open Knowledge Brasil (OKBr) (http://br.okfn.org/participe/), a versão brasileira da rede internacional Open Knowledge. Além de incentivar debates e práticas em Ciência Aberta, a OKBr torna acessíveis, em português, as principais discussões da rede internacional, o que, inegavelmente, facilita o acesso e o engajamento dos pesquisadores nas discussões.


Os significados da união No campo científico, quando se veem diante de um desafio – metodológico, teórico ou empírico –, muitos pesquisadores buscam ajuda e conselhos com os colegas. Apesar de valiosa, tal rede profissional de especialistas revela-se limitada. Afinal, por vezes, aquela pessoa que realmente poderia apresentar contribuição efetiva à solução de um problema encontra-se em outra universidade. Neste cenário, as tecnologias de informação e comunicação têm desempenhado papel fundamental. Mesmo assim, manter a relação de proximidade não é algo simples, ainda mais se isso envolver compartilhamento de dados de pesquisa. O trecho acima baseia-se na introdução de artigo publicado, em 2011, pelos pesquisadores Michael Woelfle, Piero Olliaro e Matthew H. Todd, no periódico Nature Chemistry, cujo título, “Open Science is a research accelerator” (“A Ciência Aberta é um acelerador de pesquisas”, em tradução livre), vai direto ao ponto principal de reflexão empreendida. No texto, a partir da experiência dos autores para desenvolvimento de um medicamento, são discutidas as potencialidades e limitações da Ciência Aberta. Neste caso, a abertura foi fundamental para que se pudesse realizar a pesquisa, já que a droga investigada, usada no combate da esquistossomose, não interessava às grandes indústrias farmacêuticas, devido ao baixo valor de mercado. Os autores tomaram por base um tipo de metodologia praticada no desenvolvimento de softwares e que se apresenta como opção quando há demandas por custos baixos e agilidade de entrega. Em tal contexto, em vez de se trabalhar com equipe fechada,

altamente especializada e com sistema hierárquico bem definido, investe-se em projeto no qual as limitações para ingresso na equipe são praticamente inexistentes, não havendo definição de papéis. No decorrer do artigo, os autores pontuam as vantagens da prática da Ciência Aberta, como a participação voluntária dos pesquisadores, que, por terem acesso a todos os dados e etapas da pesquisa, podem contribuir de forma específica e eficaz com o desenvolvimento do estudo. Contudo, para além da velocidade, os pesquisadores destacam pontos importantes, como a questão da transparência em relação ao uso de recursos financeiros. Tendo em vista que grande parte do financiamento da ciência vem dos órgãos públicos, é fundamental que o cidadão possa acompanhar a destinação dos investimentos. Outros dois pontos, não menos importantes, estão relacionados à revisão por pares e à autoria. Com relação ao primeiro aspecto, para os pesquisadores, a Ciência Aberta é constantemente revisada, já que seus dados e resultados encontram-se disponíveis na web para comentários – os quais são monitorados pela comunidade de interesse. No caso da autoria, os pesquisadores destacam que a pesquisa pode (e deve) ser publicada, ainda que tenha sido oferecida na rede. Afinal, contribui para compilar tudo o que foi pesquisado e recompensa aqueles que participaram do processo, tendo em vista o modelo tradicional de autoria de investigações científicas.

Saiba mais DAVID, Paul A. The Historical Origins of ‘Open Science’: An Essay on Patronage, Reputation and Common Agency Contracting in the Scientific Revolution. Stanford University & the University of Oxford, 2007. [Disponível em http://www-siepr. stanford.edu/workp/swp06008.pdf]. DAVID, Paul. The Republic of Open Science: The institution’s historical origins and prospects for continued vitality. In: Conferência de Abertura do Seminário Internacional Ciência Aberta, Questões Abertas. Rio de Janeiro, 18-22 de Agosto de 2014. [Disponível em: http:// www.cienciaaberta.net/encontro2014/].

MOURA, Maria Aparecida (org). A construção social do acesso público à informação no Brasil: contexto, historicidade e repercussões. 1. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. 283p MUELLER, Suzana. A Comunicação científica e o movimento de acesso livre ao conhecimento. Ci. Inf., Brasília, v. 35, n. 2, p. 27-38, mai/ago. 2006 WOELFLE, M.; OLLIARO, P.; TODD, M.H. Open science is a research accelerator. Nature Chemistry. v.3, set. 2011, 745– 748 pp. [Disponível em: http://www.nature.com/nchem/journal/ v3/n10/pdf/nchem.1149.pdf].

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entrevista

O brasileiro não é perdulário Professor da Escola de Engenharia da UFMG, Carlos Barreira Martinez discute atual crise hídrica e reaviva a história do setor energético no País

Maurício Guilherme Silva Jr.

Engenheiro Civil, com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Barreira Martinez conhece como poucos as maravilhas e os percalços do sistema hídrico brasileiro. Ligado ao Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o professor integra a equipe de especialistas do Centro de Pesquisas Hidráulicas e Recursos Hídricos (CPH), que, aos poucos, tem se transformado numa espécie de núcleo de desenvolvimento de pesquisas na área de energia. Nesta entrevista à revista MINAS FAZ CIÊNCIA, Carlos Martinez discute, com clareza e sobriedade, alguns dos principais desafios do homem contemporâneo, da escassez de água aos desafios do sistema hidrelétrico nacional. Autor de mais de 300 artigos científicos e orientador de dezenas de trabalhos de mestrado e doutorado, o pesquisador investiga temáticas como

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transposição de peixes, sistemas fluidos mecânicos e modelagem física. Como o senhor analisa a atual situação da água doce no Brasil e no mundo? A distribuição da disponibilidade de água, no planeta, não é homogênea. Certas regiões têm grande oferta, enquanto outras são secas. Na história da humanidade, normalmente, as populações se dirigem às regiões mais úmidas. O mundo, contudo, é dinâmico e sofre modificações de caráter ambiental, por inúmeros motivos. Apesar disso, de forma geral, o clima se altera e as populações também mudam, ao longo de centenas de anos, de acordo com as condições climáticas. À medida em que a população cresce, torna-se maior a pressão sobre as fontes de água, principalmente, para fins de consumo. A crescente demanda cria conflitos, que extrapolam questões políticas e podem se transformar em conflitos armados. Parte da briga no Oriente

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Médio, por exemplo, dá-se em função da disputa pela posse de recursos hídricos. O Brasil conta com ampla extensão territorial e vasta diversidade, pois, ao mesmo tempo, há regiões semiáridas e áreas úmidas. De modo geral, portanto, temos oferta de água bastante razoável, além de capacidade tecnológica para vencer desafios. O que impede certas correções de percurso, basicamente, são decisões de cunho político. Hoje, o Brasil tem boa disponibilidade hídrica, salvo sazonalidades, como a que agora vivemos, mas, por vezes, desconsideramos nossos recursos naturais. Tratamos muito mal os nossos rios e aquíferos. Eis a parte má do sistema brasileiro. No que se refere a Minas Gerais, o que dizer do panorama hídrico? O Norte do Estado é a região mais seca, onde a demanda por água não é perfeitamente abastecida, o que se reflete no nível de vida das populações. Tal dificuldade,


Maurício Guilherme Silva Jr.

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porém, pode ser suplantada. Ou seja: recursos aplicados podem modificar certas condições. O ideal seria que o Estado tivesse foco e planejamento, e não se baseasse em distribuição de recursos calcada em interesses meramente políticos. Uma região semiárida, por exemplo, pode ser usada para instalação de atividade econômica específica, mas não me parece razoável a instalação de fábricas de grande porte, que necessitarão de grandes áreas, em região com terras férteis. O ideal é que a indústria fosse construída em terreno improdutivo. Tal tipo de planejamento é falho no Brasil. Da mesma forma, não se pode imaginar atividades que demandam grandes quantidades de água no Norte de Minas. O planejamento, repito, precisa ser melhor. Quanto às regiões central e Sul do Estado, temos menor problema de água, mas há desafios como gerenciamento de recursos e poluição. Há décadas, por exemplo, Belo Horizonte revela-se grande poluidora do Rio das Velhas. Importante ressaltar, contudo, que as crises referem-se ao modo como o Estado age há cerca de 200 anos, tendo em vista que sua formação deu-se, propriamente, a partir de 1808, com a chegada da família real. A situação é complicada: não há tratamento de esgotos ou proteção de bacias. Além disso, os interesses econômicos sobrepujam outras demandas. Em comparação com outros povos, o que dizer da relação do cidadão brasileiro com a água? Somos negligentes? Não acredito nisso. Quando se fala em consumo de água, penso sempre no norte-americano que mora na Califórnia, pois creio que todos têm direito a ter tal padrão de vida. Só não sei se temos planeta para tal. Almejo isso, mas temos limitações. Do ponto de vista do consumo, o brasileiro não desperdiça tanto. Ele toma um banho mais longo, mas banhar-se também é um ato de prazer. Não é possível que um povo que paga 40% de impostos não pode tomar um banho prazeroso, cultivar pequena horta ou

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lavar o carro. Alguma coisa está errada nesta história. O que as pessoas se esquecem é que a companhia de saneamento perde de 40% a 50% da água na rede. Ora, o Estado que detém uma companhia concessionária, e admite que ela perde 40% dessa água no solo, não pode chamar o povo de perdulário. Os números de consumo de água no Brasil são altos para os padrões de quem vive no deserto, mas baixos para aqueles que vivem na Califórnia. Basta escolher a base de comparação. O povo é econômico, mas os governos são incompetentes. Nosso sistema está falido e seguiremos de crise em crise, até que haja boa reforma do estado brasileiro. Ainda com relação à crise hídrica no Brasil, o que, a seu ver, é fruto da escassez de chuvas e o que se refere a fatores antropogênicos? É difícil realizar tal análise, pois há possibilidade de a mudança global ter caráter ambiental. Apesar disso, a maior parte dos pesquisadores encara as mudanças como resultado de ações antropogênicas – a exemplo da influência, no meio ambiente, das queimas de petróleo e carvão. Se isso realmente for constatado, passaremos por alterações muito sérias, mas as venceremos, pois temos as condições tecnológicas para tal. Importante lembrar, porém, que os governantes precisam se atentar para a situação e se posicionar. Neste sentido, técnicas de irrigação, padrões de consumo e de distribuição de água possivelmente terão de mudar. Temos, por isso, que ampliar os sistemas de distribuição e impedir que fiquem tão sobrecarregados, com altos níveis de pressão. Trata-se, afinal, de questão importantíssima ao sistema de distribuição de água. Façamos a seguinte correlação: compare a rede hídrica com o sistema vascular de uma pessoa. Aumentar a pressão de água na rede é o mesmo que elevar a pressão vascular do indivíduo. Neste caso, o que ocorre? Ele terá um derrame. Eis o que tem ocorrido


com o sistema de distribuição de águas, que vive de derrame em derrame. Há solução? É claro! Politicamente, contudo, está tudo errado e o fato parece não interessar a ninguém. Que experiências internacionais podem nos servir de exemplo? Todos no mundo passam pelos mesmos problemas. À medida em que as populações crescem, é normal que haja restrições ao fornecimento de águas. O próprio Brasil passou por situação similar durante o período do Império. A Floresta da Tijuca foi recomposta artificialmente porque a cidade do Rio de Janeiro ficou sem água. Esse exemplo é o melhor de todos. Não há necessidade de observar experiências internacionais, sendo que, no próprio País, resolveu-se o problema de forma fantástica. No que se refere à fauna e à flora, quais as consequências da crise hídrica? A crise trará forte impacto à fauna e à flora dos rios. A redução da quantidade de água impede os processos de piracema, de desova e de reprodução de peixes, moluscos e crustáceos. Temos que compreender, contudo, que a fauna, ao longo de milhões de anos, adaptou-se a passar por ciclos de abundância e escassez. Por isso, creio que haverá recuperação. O maior problema relaciona-se à poluição e à interrupção de rios por instalação de barragens – o que contribui para a implosão das espécies. É claro que, com menos água, existem mudanças. Tudo, contudo, é sazonal. O problema está em aliar a redução de água ao aumento da pressão antrópica e ao lançamento de esgotos e poluentes. Desse modo, é possível o processo de desertificação local. Como analisa o sistema energético brasileiro? Corremos risco de racionamento? O sistema energético nacional nasceu há 120 anos. Tal processo remonta, basicamente, a quatro momentos. A primeira fase,

por volta de 1895, caracteriza-se pelo investimento privado, com participação de empresas nacionais e internacionais. Trata-se do início da geração e do fornecimento de energia para as cidades. Esse sistema evoluiu, lentamente, até a década de 1930. Desde o começo, contudo, por falha de legislação, ele tinha problemas e criava conflitos para o uso da geração de energia. Tais conflitos tornaram-se sérios, mas foram resolvidos com a implantação do Código de Águas, em 1934. A norma estabeleceu parâmetros de uso da água para fins de energia elétrica. Desde aquela época, ficou claro que, para tal atividade, a água seria propriedade do estado. Nesta segunda fase, houve entrada de capital privado no sistema, além da regulamentação dos processos. Logo depois, veio a Segunda Guerra Mundial, que culminou com baixos investimentos internacionais no Brasil e o sistema nacional se enfraqueceu, tornando-se insuficiente para abastecer o País. No fim da década de 1940, a situação era crítica. Nas cidades, os apagões duravam semanas ou meses. Na década de 1950, a situação tornou-se crítica para o crescimento nacional, de modo a comprometer o processo de industrialização. Foi quando, em meados dos anos 1950, o governo mudou o foco para as grandes distribuidoras de energia elétrica. Começou-se, então, a investir, por exemplo, em empresas como a Cemig [Companhia Energética de Minas Gerais]. Da Cemig, nasceu a ideia de Furnas, em Passos. Posteriormente, o governo federal recorreu ao corpo técnico da própria Cemig e montou Furnas Centrais Elétricas. Trata-se, pois, da era das grandes companhias de energia elétrica, com centenas de técnicos e trabalhadores que levaram à terceira fase do setor, nos anos 1980. Trata-se de etapa com falha de concepção, fruto da ideia de que o lucro das empresas seria garantido em 10% do capital. Isso levou as empresas à insolvência, por excesso de gastos com pessoal. Os processos de falência obrigaram o governo à quarta

fase do setor. Trata-se da etapa de leilões, de empresas privatizadas e da comercialização de energia como bem de consumo. Hoje, o setor é controlado pelo estado, mas empresas públicas e privadas são responsáveis pela geração de energia elétrica. Nem tudo, porém, é um mar de rosas. As empresas, tanto públicas quanto privadas, encaram processos tributários selvagens. Mais da metade da tarifa de energia é representada por impostos. Por isso, sobra muito pouco dinheiro para investimento em outras atividades. Outro problema, ocorrido na década de 1980, diz respeito à grita do pessoal do meio ambiente com relação à implantação de reservatórios, porque eles ocupam áreas extensas e deslocam populações. Deixamos, então, de fazer usinas maiores e com reservatórios. Importante dizer que isso não ocorreu por ação de grupos internacionais. Trata-se de fruto de falha da terceira fase do setor, sob a batuta do governo militar. Naquela época, quando se implantava uma grande usina, demarcava-se a área do reservatório e os moradores da região eram mandados embora, para, talvez, receber indenizações. Essas populações tornaram-se miseráveis, lançadas que foram às periferias das grandes cidades. Tal fato criou um “caldo de cultura”, segundo o qual as empresas hidrelétricas destruiriam a vida das pessoas. Os movimentos dos atingidos de barragens e outros movimentos sociais são fruto, portanto, da inação e da inabilidade do governo à época. Hoje, temos grandes usinas, mas poucos reservatórios para as demandas do País. Migramos, então, dos reservatórios de águas para os de petróleo, e passamos a construir, como forma de segurança para o setor, uma série de centrais termelétricas a óleo. Além disso, armazenamos energia em tanques. Hoje, as termelétricas são parte da matriz de geração, mas elas deveriam ser nossa reserva. Eis, na verdade, o grande problema: não temos reserva! Caso haja imprevistos, portanto, poderemos ter apagão.

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divulgação científica

Por uma ciência que ecoe

FAPEMIG e UFMG realizam primeira pesquisa em Minas Gerais sobre percepção pública acerca das práticas científicas Vivian Teixeira

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Como mensurar a importância da ciência sem compreender seu verdadeiro papel na vida das pessoas? Eis uma das questões que motivou a FAPEMIG e o Observatório Incite (Inovação, Cidadania e Tecnociência) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pesquisar o tema. Não bastava, contudo, realizar estudos teóricos sobre o acesso da população às práticas científicas; era preciso ir a campo, entrar na casa dos cidadãos e fazer perguntas como: “A ciência traz mais benefícios ou malefícios?”, “Quanto você confia nos jornalistas como fonte de informação?”, “Visitou algum museu ou espaço de pesquisas no último ano?” Iniciou-se assim a primeira enquete de percepção pública da ciência realizada em Minas Gerais. O trabalho, que envolveu equipe de especialistas de diversas instituições, começou com a elaboração do questionário, que considerou três pontos principais: os padrões internacionais adotados em pesquisas desse tipo – de forma que os dados obtidos pudessem ser comparados com outras enquetes importantes, possibilitando o exame da situação do Estado frente à de outros países –, as orientações do Manual de Antígua, que considera a amostra probabilística como ponto fundamental, levando em conta a estratificação por gênero, idade, região e nível de instrução dos entrevistados, e o uso da metodologia cognitiva, que consiste em aplicar o questionário como teste a algumas pessoas para perceber se o que está sendo perguntado é o que os indivíduos realmente entendem. Na etapa de campo, foram ouvidas duas mil pessoas em seus domicílios, durante o mês de agosto de 2014, e em todas as regiões do Estado. Dividida em blocos, justamente para garantir as diferentes dimensões da opinião pública, a pesquisa continha questões relativas ao interesse da população em relação à C&T, ao acesso, à atitude. Além disso, consideraram-se, em um último bloco de perguntas, os valores dos entrevistados. “Foi um critério muito original porque tentamos verificar quanto o posicionamento político, religioso

ou moral das pessoas interfere em sua percepção sobre ciência”, comenta Yurij Castelfranchi, coordenador da pesquisa junto a Elaine Vilela, ambos professores do Departamento de Sociologia da UFMG. O módulo sobre valores permitiu a verificação, por exemplo, de que quanto maior a atividade social e política das pessoas – por meio da participação em manifestações, greves ou abaixo-assinados –, mais elas percebem a ciência de forma positiva, porém crítica, e cobram mecanismos de controle ético. Ao contrário, quanto menor o engajamento social das pessoas, maior é a percepção da ciência como algo maravilhoso ou como uma coisa perigosa. Ou seja, tais indivíduos posicionam-se de forma extrema. Castelfranchi conta que pesquisas desse tipo ocorrem periodicamente nos Estados Unidos e na Europa. “Elas são reconhecidas como formas de avaliar o sistema de ciência e de tecnologia dos países. Seus resultados são divulgados junto a indicadores como a quantidade de livros publicados e o número de patentes registradas”, explica o pesquisador, que estuda o tema há dez anos. No Brasil, foram realizadas três pesquisas similares pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, nos anos de 1987, 2006 e 2010. Em Minas Gerais, o trabalho é pioneiro, mas já sinaliza questões importantes.

Resultados Muitos dados foram produzidos e certas informações ainda estão em processo, mas o estudo já permitiu conclusões. Percebe-se, por exemplo, que as atitudes dos mineiros sobre os efeitos, a importância e os benefícios da C&T são positivas – mas, nem por isso, simplistas ou acríticas. A população expressa fortemente a opinião de que a ciência e a tecnologia também possuem implicações delicadas e questionáveis do ponto de vista dos efeitos sociais, ambientais e éticos. A maioria dos entrevistados se declara favorável a um controle social e político da ciência, à formulação de códigos de conduta e ao princípio de precaução, além de afirmar

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que, nas decisões importantes, a população deveria ser ouvida. Os mineiros declaram ter interesse bastante elevado por temas de cunho científico e tecnológico. Nas respostas, a temática aparece à frente de assuntos como política, economia e cultura. No entanto, apesar do interesse declarado e da visão globalmente positiva, o acesso a esse tipo de informação é ainda baixo e marcado por grandes desigualdades. Muito escassa, também, é a visitação de espaços ou a participação em atividades de difusão cultural e científica, a exemplo de museus, debates ou palestras. Apenas 6,2% dos entrevistados afirmaram ter visitado um museu de ciência no último ano, sendo que o principal motivo para tal seria a falta de estabelecimento semelhante na região onde moram. Outra questão interessante considera o posicionamento de pessoas que tenderam a revelar comportamento machista, ao responder que homens são melhores cientistas do que as mulheres – ou que seria mais importante que a ciência fosse estudada pelos homens, por exemplo. As pes-

soas que tiveram conduta sexista tendem a ter menos interesse pelas práticas científicas, além de comportamento acrítico. Dado relevante para a FAPEMIG é que, proporcionalmente, a Fundação é mais conhecida em áreas como o Vale do Jequitinhonha e do Mucuri do que na Região do Triângulo Mineiro e no Sul de Minas Gerais. Segundo o coordenador da pesquisa, isso pode sinalizar a importância de investimentos em ações que impactam diretamente a vida das pessoas, como é o caso dos projetos apoiados pelo Edital de Extensão. Repetido ao longo do

tempo, o estudo também pode medir como a ciência é percebida por diferentes grupos sociais e o quanto as pessoas se apropriam e têm acesso às práticas científicas com o passar dos anos. Além de gerar artigos e uma publicação a ser distribuída a interessados, as informações resultantes da enquete subsidiarão políticas públicas para a área de Ciência e Tecnologia no Estado. “A ideia é que os números se transformem em ações, de modo a representar benefícios para toda a população”, comenta o professor Evaldo Ferreira Vilela, presidente da FAPEMIG. Um resumo executivo da enquete está disponível no portal www.fapemig.br.

Ciência e educação Para Leonardo Oliveira Barbosa, professor de Ciências Naturais e Biologia, pesquisas como essa são importantes porque a comunidade ainda vê as práticas científicas como algo “sagrado”, capaz de resolver todos os problemas da sociedade. “Quando se divulgam notícias de cunho especializado, elas não são questionadas.

Os mineiros e a ciência Por que não vou ao museu? 39% Não existem na sua região Não tem tempo Não está interessado Ficam muito longe

20%

Não sabe onde existem esses centros ou museus

12%

10%

NA Não tem dinheiro para ir

8% 6%

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4% 1%

Outro motivo NR


Além disso, muitos comerciais usam ‘apelação científica’ para divulgar seus produtos. Como a formação e as discussões sobre ciência são muito rasas, o conceito não se amplia”, acredita. No ambiente escolar, Barbosa avalia a visão dos professores sobre o conhecimento como “positivista”, de forma que o conteúdo trabalhado seja passado aos estudantes como verdade absoluta. Para ele, a partir do momento em que os alunos não conseguem ou não sabem fazer leituras críticas, por nunca terem sido incentivados durante sua formação, tendem a achar tudo “legal”, mas não consomem produtos e informações relacionados à Ciência e Tecnologia. “Acredito que o papel da escola seja promover trabalhos de campo com os estudantes em espaços de divulgação científica e comunicar a sociedade sobre essa programação. Também é importante difundir em sites e jornais escolares as atividades dos espaços culturais e estabe-

lecer parcerias com centros de excelência em divulgação científica”, aposta. No futuro, Castelfranchi pretende estender os objetivos da pesquisa de percepção a grupos específicos, como professores e alunos, que são personagens fundamentais à ampliação do interesse e da compreensão da ciência. Ele também acredita que expandir o acesso da população à informação de qualidade é um ponto importante nesse processo. “Percebo que, de forma geral, o brasileiro não tem o hábito de leitura, não frequenta museus, nem se informa por meio de revistas semanais ou jornais diários. A TV é, para muitos, a única fonte de informação. Isso prejudica não só a compreensão da ciência, mas de diversas áreas do conhecimento”, avalia, ao destacar a importância da promoção de ações integradas e multidisciplinares entre professores de português e de ciências, por exemplo, que possam facilitar e estimular o aprendizado de forma conjunta.

Participação social Apesar de a pesquisa constatar que as pessoas gostariam de ser envolvidas nas decisões relativas à C&T, existe uma dificuldade, por parte dos indivíduos, de conhecer e participar desses instrumentos. Para Castelfranchi, um dos mecanismos mais conhecidos no mundo são as conferências de consenso, que reúnem cientistas, representantes da sociedade civil e políticos em um espaço para discutir temas como aquecimento global, células-tronco ou transgênicos. Nesses espaços, os pesquisadores apresentam os critérios científicos das questões abordadas e a população tem o direito de opinar, questionar e debater. Ao final do encontro, é produzida uma declaração e o poder público assume o compromisso de levar aquelas observações em consideração na hora de formular as novas legislações. “No Brasil, as conferências de consenso ainda ocorrem de forma experimental, mas o País desenvolveu outras experiências interessantes, como o orçamento participativo, e, ao menos no papel, o Comitê Técnico de Biossegurança (CTNBio). Já existem muitos instrumentos para a participação e a apropriação social da C&T. É importante começar a usá-los”, sublinha. De acordo com dados da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na última legislatura (2011 a 2014), foram apresentados 31 projetos de lei relacionados à Ciência, Tecnologia e Inovação, dos quais quatro foram transformados em norma jurídica. A casa conta com comissão especialmente dedicada às discussões sobre o tema. Tais temas e atividades especiais a serem discutidos em cada encontro ficam disponíveis no site da Assembleia (www.almg.gov.br).

Projeto: A Opinião e o Conhecimento dos Mineiros sobre Ciência e Tecnologia Coordenador: Yurij Castelfranchi Edital: Auxílio Universal Complementar Valor: R$ 241.425,45

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AGRICULTURA

Sertão produtivo Pesquisas da Epamig no semiárido mineiro alavancam plantio de bananas e morangos na região Camila Alves Mantovani*

*Colaborou Virgínia Fonseca

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A produção de alimentos sempre foi um desafio para a humanidade. A busca por cultivos capazes de driblar as adversidades do ambiente, como instabilidade climática, defeitos do solo e, mais recentemente, aumento das temperaturas e crise hídrica, tem movido os homens e a ciência. No contexto brasileiro, o semiárido – mais conhecido pela alcunha de “sertão” – corresponde a áreas geográficas onde a escassez de água e as características do terreno desafiam a produção agrícola, bem como a permanência de indivíduos. Ao longo dos anos, diversos projetos buscaram soluções para tais problemas. Dentre eles, destaque para aqueles implementados no semiárido mineiro, que representa 10,54% do território nacional coberto pelo referido clima e se localiza no Norte do Estado e no Vale do Jequitinhonha. Bastante diversificado, o semiárido mineiro apresenta produção agrícola que vai da pecuária – com índices que fazem do Estado o segundo maior rebanho bovino do Brasil – ao cultivo de áreas secas (sequeiros), geralmente para subsistência, e à pujante fruticultura irrigada. A região possui quatro perímetros públicos de irrigação da Companhia de Desenvol-

No total, 85 municípios mineiros das regiões Norte e do Vale do Jequitinhonha integram o semiárido brasileiro, por apresentarem características como índice de acidez de até 0,5, calculado pelo balanço hídrico, e risco de seca superior a 60%.

Para constatar tal diversidade, basta perceber a lista com as principais frutas produzidas no Norte de Minas Gerais:

vimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), além de muitos outros particulares. Desde a década de 1970, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) desenvolve trabalhos junto às propriedades de fruticultura do semiárido mineiro – com especial atenção à cultura de banana. Em 2012, a área foi responsável por 23% dos quase 2,5 milhões de toneladas de frutas produzidas em Minas Gerais, o que faz da fruticultura a grande atividade geradora de emprego e renda na região. Desse total, o destaque vai para a bananicultura, que responde por 60,7% da colheita. Hoje, a banana é a fruta mais produzida no Norte de Minas Gerais, em parte, graças à tecnologia desenvolvida a partir de pesquisas na região. “A demanda hoje existente faz necessária a continuação e o aprimoramento dos trabalhos realizados pela Epamig e por outras instituições que ali atuam”, avalia a engenheira agrônoma Maria Geralda Vilela Rodrigues, pesquisadora da Unidade Regional Epamig Norte de Minas, que coordena projetos focados em bananicultura.

Toneladas

% da região

Produção de fruteiras do Norte de MG

572.172

1

Banana

347.462

60,73

2

Lima ácida Tahiti

51.947

9,08

3

Manga

48.627

8,50

4

Mamão

37.120

6,49

5

Laranja

34.249

5,99

6

Coco da Bahia (nº frutos)

19.113

3,34

7

Tangerina

9.603

1,68

8

Maracujá

7.307

1,28

9

Uva

6.040

1,06

10

Abacaxi (mil frutos)

5.140

0,90

Fonte: IBGE, 2012

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De acordo com a pesquisadora, as condições edafoclimáticas da região – que dizem respeito às condições do solo para o cultivo vegetal – são adequadas à bananicultura, que, se bem manejada, atinge altos rendimentos. No entanto, para que tal potencial seja alcançado, é preciso atentar-se às questões ligadas à irrigação. Como a precipitação regional é insuficiente para a cultura, o custo da produção acaba sendo elevado, diante dos investimentos necessários em irrigação. Para Maria Geralda, essa questão, somada às altas temperaturas absolutas, que ocorrem em certas épocas do ano, também é um desafio que não permite amadorismos. Em 1979, a Epamig realizou seu primeiro experimento com irrigação, já que a água é o fator mais correlacionado à produção na região. “Esse trabalho é contínuo e ainda se mantém, especialmente neste momento em que a disponibilidade de água é discutida não só no semiárido, mas em âmbito nacional. Hoje, até mesmo nos perímetros públicos de irrigação da região, há limitação hídrica”, destaca a pesquisadora. No que concerne ao escopo dos trabalhos de pesquisa, Maria Geralda ressalta

que as atividades abrangem todo o sistema de produção: propagação, plantio (tipos de mudas, espaçamento), irrigação, manejo da fertilidade do solo e da nutrição de plantas, adubação, manejo das plantas (desbaste, desfolha), genótipos melhorados e selecionados, manejo dos cachos (ensacamento, retirada do coração, desbaste de pencas), conservação da fruta na pós-colheita (fitossanidade, ponto de colheita, temperatura, umidade, atmosfera controlada e modificada em câmaras de conservação), manejo de pragas e doenças. No caso, os resultados obtidos são disponibilizados ao público em formatos diversos: publicações seriadas, capítulos de livros, softwares, artigos científicos, eventos nacionais e internacionais, dias de campo e atendimento ao produtor. “No momento, preparamos o ‘VIII Simpósio Brasileiro sobre Bananicultura’, a ser realizado em Montes Claros, entre 8 e 12 de junho de 2015”, adianta Maria Geralda.

Arranjos produtivos

Os principais polos de produção de banana do Brasil são o Vale do Ribeira, em São Paulo, o Norte de Minas Gerais, o lito-

Produção de banana e área colhida por mesorregiões de Minas Gerais Mesorregiões de Minas Gerais

Mil t produzidas

Mil ha colhidos

Norte

347,5

14,39

Sul/Sudoeste

122,3

10,96

Vale do Rio Doce

44,2

3,64

Zona da Mata

41,7

3,98

Metropolitana de Belo Horizonte

41,4

2,79

Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba

36,0

2,38

Jequitinhonha

22,8

1,14

Noroeste

9,1

0,41

Campo das Vertentes

8,4

0,93

Vale do Mucuri

6,9

0,47

Centro

3,5

0,37

Oeste

3,4

0,31

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – 2012

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ral Norte e o Vale do Itajaí, em Santa Catarina, o médio São Francisco, na Bahia, as cidades de Juazeiro e Petrolina, na divisa entre Bahia e Pernambuco, e o litoral norte do Ceará. Apesar disso, segundo a pesquisadora, sempre que houver semelhança edafoclimática e de arranjos produtivos, os resultados obtidos no trabalho com o cultivo de banana, no semiárido mineiro, poderão contribuir para o cultivo dessas frutas em outras regiões do País. Minas Gerais é o quarto maior produtor de bananas no Brasil, com 687,29 mil toneladas produzidas em 41,77 mil hectares, o que resulta em rendimento de 16,5 t/ ha, com grande variação entre as mesorregiões (veja quadro à página 22). Segundo Maria Geralda, o baixo rendimento deve-se às cultivares plantadas – em sua maioria do subgrupo Prata, sendo que, em certas regiões, ainda se cultiva a Prata Comum –, mas, também, às tecnologias empregadas no plantio e cultivo. O Norte de Minas responde por mais de 50% da produção do estado, onde se semeia, basicamente, a Prata-Anã irrigada, com alto rendimento de 24,1 t/ ha. Neste contexto, o Estado apresenta-se como tradicional produtor de bananas do subgrupo Prata. “A bananicultura do Norte de Minas se desenvolveu muito nos últimos 20 anos, tanto em área cultivada quanto em produção e em nível tecnológico adotado”, destaca a pesquisadora. Para Maria Geralda, o sucesso da bananicultura regional se deve ao esforço de todos os envolvidos: pesquisadores, produtores e consultores. Além disso, as condições edafoclimáticas, no geral, mostram-se bastante adequadas. “Como se trata de um longo período de pesquisa, com resultados pontuais, mas sempre em evolução, com adoção em somatório, é difícil separar quanto do sucesso da bananicultura da região se deve ao trabalho da Epamig e de outras instituições e universidades”, conclui. A pesquisadora ressalta, ainda, que o mercado está cada vez mais exigente, não somente no que se refere à qualidade do alimento, mas também às condições ambientais e ao bem-estar dos trabalhadores e demais envolvidos na cadeia produtiva. “Tanto os pesquisadores quanto os produtores do Norte de Minas estão de olho nessa tendência e,

hoje, já é possível observar, na região, propriedades que são modelos de produção”, afirma. Para Maria Geralda, a presença da Epamig e de outras instituições de pesquisa na região, há mais de três décadas, gerou grande quantidade de informações adaptadas à área. Somem-se a isso o mercado bem estabelecido, a facilidade para encontrar especialistas na cultura, além de insumos e ferramentas específicos na própria região – em função da tradição do cultivo –, condições que facilitam a vida do produtor.

“Em se plantando, tudo dá!”

Outro cultivo que tem se destacado na região do semiárido mineiro é o de morango. Segundo Mário Sérgio Carvalho Dias, pesquisador da Unidade Regional Epamig Norte de Minas, o histórico da fruta na região é recente, tendo se iniciado em 2002. “Ainda não há produção significativa, mas muitas informações geradas pelas Epamig apontam a viabilidade técnica da cultura na região”, afirma. No Brasil, a maior região produtora encontra-se em Minas Gerais, concentrando-se, principalmente, no Sul do Estado. Dentre os aspectos tratados pelas pesquisas com morango conduzidas pela Epamig no semiárido mineiro norte de Mi-

nas, o foco está na seleção de cultivares que se adaptam às condições climáticas. Um direcionamento importante, mencionado pelo pesquisador, é o manejo diferenciado que a cultura requer nas condições semiáridas, como o sistema de irrigação, a seleção de mulching (cobertura do solo dos canteiros, imprescindível à produção), o espaçamento das plantas, os sistemas de produção de mudas e a produção e o armazenamento de polpa. Outro importante ponto a ser destacado é o fato de o cultivo se estender a regiões de semelhança edafoclimática, como o Nordeste do País. Mário Sérgio destaca que, atualmente, o principal desafio é a obtenção de uma cultivar nacional adaptada ao semiárido. “Já obtivemos resultados positivos em nossas pesquisas com a cultura no semiárido, a exemplo da seleção de cultivares, do sistema de irrigação, do tipo de mulching, da disposição de plantas no canteiro e do espaçamento, do sistema de produção de mudas e da produção e conservação de polpa. No entanto, ainda precisamos visualizar esses avanços na produtividade, principalmente, em números”, completa.

Percentual da produção de banana em Minas Gerais, por mesorregião Norte de Minas

Noroeste de Minas

50,6%

1,3%

Jequitinhonha

3,3%

Central Mineira

0,5%

Triângulo Alto Paranaíba

Vale do Mucuri

1,0%

5,2%

Vale do Rio Doce

6,4%

Oeste de Minas

Zona da Mata

0,5% Sul/Sudoeste de Minas

17,8%

6,1%

Região Metropolitana BH Campo das Vertentes

1,2%

6,0%

Fonte: IBGE, 2012

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INOVAÇÃO

De

olho

no futuro Projeto MGTI reúne quatro entidades tecnológicas mineiras para aumentar o poder de inovação das empresas

Ana Luiza Gonçalves

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A história da computação talvez tenha se iniciado nos primórdios do século XV, com a criação de uma calculadora mecânica desenvolvida pelo multifacetado Leonardo da Vinci (1452-1519), com vistas a efetuar equações matemáticas simples. Em 1600, o escocês John Napier (1550-1617), criador dos logaritmos, inventou os chamados “Ossos de Napier”, que eram tabelas de multiplicação gravadas em bastão para evitar a memorização da tabuada. Em suas respectivas épocas, contudo, as duas ferramentas não poderiam ser consideradas computadores, pelo simples fato de que não eram programáveis. Somente no começo do século XVIII é que essas programações tornaram-se possíveis, por meio do desenvolvimento de um sistema de tear que recortava tecidos de forma automática, feito por Joseph Marie Jacquard (1752-1834), que inspirou Charles Babbage (1992-1987) a criar uma máquina programável. Contudo, o primeiro computador mesmo só surgiu no século XX, com o alemão Konrad Zuse (1910-1995), criador da máquina mecânica, em 1933. Em 1936, Alan Turing estabeleceu os princípios teóricos do computador, e, em 1937, surgiu o primeiro equipamento elétrico, conhecido como Atanasoff-Berry Computer, desenvolvido por John Atanasoff (19031995) e Clifford Berry (1918-1963). A partir disso, iniciou-se uma revolução tecnológica e, na década de 1970, aparecem os aperfeiçoamentos das máquinas por meio das empresas Apple e Microsoft. Para acompanhar a evolução dos computadores, era necessário profissionalizar o setor. Desse modo, a Tecnologia da Informação (TI) tornou-se o curso responsável, nas universidades, por formar profissionais atuantes em áreas estratégicas das empresas, capazes de compreender o funcionamento de um sistema corporativo, além de criar, instalar e manter a infraestrutura da informática em tais ambientes. Para transformar Belo Horizonte na capital nacional de TI (veja box à página 16) e pôr Minas Gerais em posição de destaque nos cenários nacional e internacional, quatro entidades representativas do setor mineiro, juntamente aos governos federal, estadual e municipal, lançaram o

A Indústria Brasileira de Softwares e Serviços (IBSS) promove a separação entre quem trabalha ou não no setor.

Programa MGTI 2022. A iniciativa nasceu da reunião entre a Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação de Minas Gerais (Assespro-MG), a Fumsoft, o Sindicato das Empresas de Informática de Minas Gerais (Sindinfor) e a Sociedade de Usuários de Informática e Telecomunicações de Minas Gerais (Sucesu-MG), que, em 2012, pensaram em um projeto com maturação de médio prazo. Em 2022, o Brasil completa 200 anos de sua independência, e, na visão das quatro empresas, a verdadeira independência será o domínio do conhecimento.

Aonde chegar?

Em 2011, realizou-se um levantamento do setor de TI no Brasil (veja quadro à página 26) e os dados foram medidos com o auxílio da Fundação Dom Cabral, por meio do quociente locacional, que aferiu a quantidade de pessoas trabalhando na área em relação à quantidade em serviço. Percebeu-se que era necessário aumentar a competitividade das empresas, tendo em vista que um dos primeiros indicadores mundiais de medida de eficiência é o tanto de produção por pessoas em ofício. “Nos Estados Unidos, a média do setor de TI é de U$ 150 mil por funcionário. Para chegar a esse valor, divide-se o faturamento da empresa pelo número de funcionários. Com R$ 2 bilhões divididos por 17 mil profissionais, chega-se a R$ 117 mil por funcionário/ano. Desse modo, chegamos à conclusão de que nossa mé-

Trata-se de programa nacional de aceleração de startups, com iniciativa do Governo Federal e em parceria com aceleradoras, para incentivar novas empresas tecnológicas.

dia é 1/3 do índice americano”, comenta Leonardo Fares, presidente da Fumsoft. Com o objetivo de alcançar o resultado pretendido, seria necessário atuar em várias ações: promover o aumento da produtividade, para chegar a padrões internacionais, ser retrativo a empresas de outros estados e países, trabalhar o desenvolvimento de companhias e startups locais, gerar trabalho qualificado, arrecadar impostos e, principalmente, contribuir para a melhoria do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Dessa maneira, percebeu-se que todas as medidas englobavam quatro principais eixos: capacitação, geração de negócios, adequação do ambiente regulatório e criação de um condomínio temático de TI. A primeira iniciativa refere-se à capacitação gerencial das empresas e à formação de recursos humanos. “Atualmente, temos cerca de 20 mil empregos no setor e precisamos aumentar 52 mil posições. A cada três profissionais formados na capital, um vai para o setor IBSS, outro para o não IBSS e o último sai do Estado”, explica Leonardo. É preciso tentar reduzir o número de profissionais que saem de Minas Gerais. Para tal, por meio de parceria com a Universidade Stanford, buscou-se capacitar o setor corporativo. O programa é inédito e desenvolve o perfil empreendedor e inovador das empresas, da visão de mercado ao planejamento de negócios e de público consumidor. “Embora tenha 27 prêmios Nobel, a Universidade de Stanford sente orgulho em dizer que o valor de mercado de empresas que saíram de lá é de mais de US$ 500 milhões. Eles se orgulham de ser fornecedores de empresas. Tudo isso é muito bonito, mas se não tiver negócio, é perda de tempo”, diz. Por isso, o Programa também investe em Gestão de Negócios, o que engloba as áreas de empreendedorismo, consórcio e consolidação de empresas, internacionalização e poder de compra dos governos, além do Centro de Inovação Empresarial. O Acelera MGTI, aceleradora do “Start-up Brasil”, é uma ação voltada ao empreendedorismo, que auxilia na gestão da empresa e na visão de mercado e de gestão. CEO da Fumsoft, Flávia Guerra explica que a ação ensina as pessoas a em-

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preender seus próprios negócios. “Você tem uma bela ideia, mas não sabe como transformá-la em algo palpável. Aqui, temos três estágios: a pré-incubação, a aceleração e a incubação de empresas. Assim, trabalhamos juntos e ensinamos a transformar a imaginação em negócio”, resume.

Mundo afora

Outro ponto destacado por Flávia diz respeito à internacionalização. Segundo ela, tal demanda não se refere apenas à ideia de abrir as portas ao exterior para a venda de produtos, mas, principalmente, à oportunidade de ter competências e se tornar uma empresa de mercado global. “É possível trabalhar a internacionalização sem sair do País, pois desenvolvemos competência, produtos e serviços para qualquer parte do mundo”, afirma. O Programa busca construir projetos dentro de visão estratégica mais ampla, de modo a desenvolver a TI para que o Estado não perca mão de obra, como ocorre hoje. Belo Horizonte, por exemplo, conta com problemas de incentivos fiscais, de infraestrutura e de logística – o que, é óbvio, precisa mudar. A Câmara dos Vereadores da capital mineira fez um benchmarking para comparar a legislação local à de diversas outras cidades. Constatou-se que BH perde em 19 itens. “Há muita coisa prosaica. Em certas cidades, existem startups bem estabelecidas, com arranjos elaborados e que, a depender do número de funcionários, pagam vale-transporte e vale-refeição. No Paraná, por exemplo, o setor de TI não paga ICMS [imposto sobre circulação de mercadorias e serviços]”, esclarece Leonardo Fares.

O último eixo de ações refere-se ao “condomínio temático”, que atua nos campos “físico” e “virtual”. O primeiro é uma referência ao Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC), onde cabem cerca de 200 empresas. Já o espaço virtual permite uma rede infinita para conexão das empresas, com as mesmas vantagens de quem estiver no ambiente físico. “O projeto envolve fibra ótica em todo o Estado. A ideia é aproximar todos os atores: quem vende, compra, ensina, estuda e fomenta, além de revelar os editais de fomento disponíveis. O mundo com tijolo é limitado, porque um prédio, por exemplo, tem 20 andares. No mundo virtual, ao contrário, cabe todo mundo”, frisa Flávia Guerra.

Futuro

Competividade entre empresas, atratividade para empresas de outros estados e países, desenvolvimento de empresas locais, geração de postos de trabalho mais qualificados e de tecnologias inovadoras, incremento da arrecadação de impostos e contribuição definitiva para melhoria do IDH de Belo Horizonte e Região Metropolitana são os resultados pretendidos pelo MGTI até 2022. Flávia Guerra ressalta que o Programa tem se destacado pela alta demanda de projetos e pelos efeitos positivos. “As pessoas começaram a entender o que é o MGTI. Hoje, vamos no Ministério e eles já sabem o que é o Programa. Seguimos à Prefeitura de Belo Horizonte e também lá eles já o conhecem. Além disso, temos a parceria de várias entidades de cidades como Uberlândia, Viçosa e Santa Rita”, conclui.

Softwares e serviços de TI no Brasil Ranking mundial de TI 2011: 7º lugar 2022: 5º lugar

Geração de empregos 2011: 1,2 milhões 2022: 2,1 milhões

PIB do setor 2011: US$ 102 bilhões 2022: US$ 200 bilhões

Déficit previsto de profissionais de TI: 280 mil

Participação de TI no PIB 2011: 4,4% 2022: 6,0%

Perda de receita líquida prevista: R$ 115,4 bilhões

Fonte: MacroMetas e projeções TI Maior – Governo Federal (agosto de 2012)

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O setor de TI na Região Metropolitana de Belo Horizonte

faculdades com cursos na área

18 profissionais empregados

3.500

17 mil

empresas (ou 70% das companhias de Minas Gerais)

R$ 2

bilhões de faturamento

R$ 51

milhões em impostos gerados em 2012

do Produto Interno Bruto (PIB) do Estado

1,6%

Fontes: RAIS 2011, Estudo Fundação Dom Cabral, Softex e IBGE 2008


FI SI OT ER AP I A

Pesquisa busca tornar mais ativa e saudável a vida de pacientes cardiopatas e com dor crônica Vivian Teixeira

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Um dia, a pessoa se aposenta; no outro, para de fazer compras. Um tempo depois, já não vai ao portão de casa e, de repente, o sofá é o único local a que frequenta. Eis a trajetória comum de muitos idosos que têm a capacidade funcional reduzida ao longo da vida. Alguns param sem perceber, para evitar dores causadas no corpo pelas atividades, por medo de sofrer um novo evento cardíaco ou por ter dificuldades de respirar. O difícil é descobrir onde se origina o problema: a capacidade funcional é prejudicada devido à falta de atividades físicas em decorrência das doenças ou o sedentarismo é que contribui para o aparecimento das doenças? Ligada ao Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Raquel Rodrigues Britto desenvolve estudos relacionados, justamente, a tal questão. Segundo a pesquisadora, a capacidade funcional representa, na área de saúde, a condição ampla do indivíduo de desenvolver atividades físicas, laborativas e sociais. Com o constante aumento da expectativa de vida dos brasileiros – que subiu para 74,9 anos em 2013, para ambos os sexos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) –, será mais comum encontrar idosos comprometidos, pois a capacidade funcional deteriora-se à medida em que envelhecemos. “Além disso, as doenças estão mais presentes quando vivemos mais. Em virtude das enfermidades crônicas, os indivíduos acabam tendo essa função prejudicada. As pessoas diminuem as atividades cotidianas porque sentem muitas dores e tornam-se muito sedentários, o que piora as condições crônicas e gera um ciclo vicioso”, explica. Para investigar o problema, Raquel Britto, em conjunto com as pesquisadoras Verônica Parreira e Danielle Gomes e equipe usam o Laboratório de Avaliação e Pesquisa em Desempenho Cardiorrespiratório (LabCare) da UFMG para desenvolver seus projetos relacionados à linha de pesquisa Desempenho Cardiorrespiratório do Pro-

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grama de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação (PPGCR). Diversos fatores estão relacionados à baixa capacidade de realização de atividades físicas nos idosos e em doentes crônicos. “A identificação desses fatores é importante para viabilizar o desenvolvimento de programas de intervenção mais específicos e que possam reduzir a limitação. Além disso, é necessário identificar as características sociodemográficas e o uso de serviços de saúde para melhor direcionamento e planejamento do atendimento dos indivíduos”, esclarece a pesquisadora.

Público

No que diz respeito ao perfil das pessoas atendidas no LabCare, há voluntários saudáveis interessados em participar de projetos que têm como objetivo disponibilizar valores de referência para variáveis fisiológicas obtidas a partir de diversos testes que avaliam o desempenho cardiorrespiratório. Pessoas com doenças respiratórias, cardíacas e vasculares e hemiplégicos, com diversos níveis de comprometimento neurológico, também são avaliados. Grande parte do voluntariado reside na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Quanto aos pacientes, a maioria está na rede pública de saúde, especialmente, no Hospital das Clínicas da UFMG. Mais de 60% do público atendido no LabCare é formado por idosos, mas também são desenvolvidos estudos com crianças e recém-nascidos. Todos são avaliados para obtenção de dados relacionados a capacidade cardiorrespiratória, com foco principalmente na ventilação e na investigação sobre o modo como tais indicadores pioram com o passar dos anos. Segundo Raquel Britto, isso é importante para diferenciar respostas a doenças inerentes ao processo natural de envelhecimento. “Desenvolvemos projetos relacionados, por exemplo, à insuficiência cardíaca causada pela Doença de Chagas, muito presente em Minas Gerais, pois é uma condição na qual o aumento do ta-

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manho do coração pode comprimir os pulmões, comprometendo a ventilação. O Hospital das Clínicas é referência no controle dessa enfermidade”, esclarece. Outros idosos avaliados são os pacientes com arteriopatia periférica crônica, considerada uma doença cardíaca relacionada à redução do fluxo de sangue, principalmente nas artérias que irrigam as pernas. Responsável por essa área, a fisioterapeuta Danielle Gomes destaca que a avaliação considera as diversas restrições das pessoas em virtude do problema. “No caso das arteriopatias, os pacientes têm dificuldades de deslocamento. Eles começam a mancar, pois a perna fica pesada devido à má oxigenação dos tecidos. Sentem muita dor e não conseguem andar longas distâncias. As pessoas com problemas cardíacos e respiratórios também tendem a se cansar com facilidade. Ficam muito ofegantes e acabam por deixar as atividades


físicas. Por isso é importante trabalhar com esse público”, acrescenta.

Cuidados próprios A pesquisa busca ir além da identificação das dificuldades do paciente, de modo a propor soluções, por meio de encaminhamento a serviços específicos. Considerando que o protocolo de intervenção do Programa de Reabilitação Cardíaca desenvolvido no Complexo do Hospital das Clínicas não dura mais de três meses, o grupo investe em maneiras de mostrar às pessoas que elas são responsáveis por cuidar de si. “Nesses três meses, o paciente faz intervenções durante três dias na semana, reduz para dois, para um e é orientado a continuar os exercícios em casa, até completar 6 meses. Depois da reavaliação, ele pode ser indicado a continuar participando do Programa ou ser encaminhado para outros projetos que cui-

dam de pacientes mais estáveis”, explica Raquel Britto. A falta de serviços públicos de reabilitação cardiovascular faz com que a continuidade das ações fique prejudicada. Apesar de existirem divulgações e portarias do Ministério da Saúde dizendo que o foco precisa estar na prevenção, isso não acontece na prática. Atualmente, apenas em Belo Horizonte, existem cerca de 60 Academias da Cidade, mas faltam profissionais para orientar os usuários. “Não adianta oferecer o espaço e deixar o usuário com doenças cardíacas, vasculares e respiratórias sem orientação específica. O que percebemos é que muitos pacientes não frequentam esse tipo de serviço porque se sentem inseguros e não sabem qual e quanto tempo de exercício podem fazer”, explica Danielle Gomes. Foco recente do ​LabCare na área de Reabilitação Cardíaca é a verificação do

impacto de um programa sistematizado de educação do paciente – com aulas e material educativo específico – na adesão ao programa, e, especialmente, na incorporação de hábitos saudáveis, que contribuam para o controle dos fatores de risco para doenças coronarianas. Em 2015, está prevista parceria da equipe com a York University, do Canadá, quando terá início um estudo com tal intenção. “Acreditamos que o paciente precisa ter autonomia sobre seu cuidado. Estudos mostram que eles precisam aprender e ser responsáveis por seu próprio tratamento, tornando-se mais autônomos”, afirma Raquel Britto. Sobre a pergunta lançada no início desta reportagem, uma ideia é consenso entre as pesquisadoras: independentemente dos problemas de saúde, sempre é possível ter uma vida mais ativa, saudável, e, assim, interromper o ciclo sedentarismo-doença. Esses hábitos devem ser cultivados muito antes de envelhecer.

Projeto: Capacidade funcional de indivíduos com doenças cardíacas e de idosos com dor crônica Coordenadora: Raquel Rodrigues Britto Edital: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00

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ENGENHARIA CIVIL

Tudo pela solidez Pesquisas sobre estruturas metálicas aprimoram precisão, rapidez e custo-benefício do uso do aço na construção civil

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Verônica Soares


No campus Morro do Cruzeiro, da UFOP, o prédio da Escola de Minas é um exemplo de construção em estrutura metálica: tanto galpões quanto prédios e laboratórios foram feitos a partir de tal técnica. Para ilustrar a rapidez do processo, o professor explica que, à época das obras, a estrutura propriamente dita ficava pronta em duas ou três semanas: “Perdíamos tempo, justamente, com o fechamento, tubulações e instalações elétricas que ainda eram feitas e projetadas com métodos tradicionais”.

Multifacetada, a Engenharia Civil inclui diversificado rol de atividades e investigações, da construção aos transportes, da Geotecnia à hidráulica. Um de seus mais importantes campos de atuação diz respeito à área de estruturas, por meio da qual são estudados os comportamentos de vigas, pilares, pórticos, placas e cascas, feitos com diferentes tipos de materiais – concreto, metais, madeiras, etc. –, usados, por exemplo, na sustentação de casas, pontes, prédios e reservatórios. O uso das estruturas metálicas em larga escala, contudo, é ainda um desafio para o mercado, embora pesquisas indiquem seu grande potencial como matéria-prima eficiente para o setor. Material dúctil, o aço permite que se tire o maior proveito de seu uso em situações de cargas extremas. “Se você tem uma curva de resistência de determinada seção metálica, é possível ir ao limite do aço na execução do projeto”, explica Ricardo Silveira, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), que estuda o comportamento e o dimensionamento de estruturas metálicas e mistas no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil (PROPEC) da Escola de Minas. Financiado pela FAPEMIG, seu projeto sobre análise computacional avançada de estruturas metálicas e de concreto é dividido em três subáreas: análise estática não linear, cujo objetivo é estudar os efeitos de segunda ordem, plasticidade e as ligações semirrígidas entre estruturas; análise dinâmica não linear, que avalia as frequências de vibração de uma estrutura e sua resposta ao longo do tempo quando sujeita a carregamentos dinâmicos – como a batida de um veículo, a ação do vento ou a remoção de uma coluna; e problemas de contato, com particular interesse na interação solo-estrutura. Este último caso tem enfoque multidisciplinar, pois considera também conhecimentos em Geotecnia. A pesquisa dá continuidade a estudos anteriores sobre equilíbrio e estabilidade (elástica e inelástica) estática e dinâmica das estruturas. A análise dinâmica, em particular, é feita considerando a presença de ações externas aplicadas em curto espaço de tempo, como ventos fortes, terremotos, colapso progressivo, e choques e batidas

de veículos – ou seja, cargas de caráter transitório aplicadas com grande intensidade. “Diante dessas circunstâncias, nós nos perguntamos: como a estrutura vai se comportar? É o que chamamos de problema dinâmico”, esclarece Ricardo Silveira. O pesquisador tanto utiliza programas computacionais já disponíveis no mercado, quanto desenvolve softwares “caseiros” em colaboração com alunos e pesquisadores da Ufop e de outras instituições, como a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). “Essas ferramentas permitem que sejam inseridos dados relacionados às análises lineares e não lineares e oferecem informações sobre as consequências de considerarmos ou não essas variáveis ao projetar uma estrutura”, comenta, ao explicar que as estruturas metálicas são industrializadas e exigem projetos mais bem elaborados. Para fins de comparação, “costuma-se dizer que os erros de projeto em estruturas metálicas são calculados em milímetros, enquanto, no concreto, a marcação se dá em centímetros. Porém, para trabalhar com esse tipo de estrutura, você precisa de mão de obra especializada e bem treinada”. Justamente por demandar qualificação profissional e depender de um projeto meticuloso, as construções metálicas têm menor margem de erro: “Principalmente, quando se pensa na estabilidade. Hoje, existe o concreto de alta resistência, mas também o aço de alta resistência, que permite a construção de estruturas esbeltas, ou seja, mais finas, e, ainda assim, muito seguras estruturalmente. É o peso do aço, ou do concreto, que define o preço da estrutura e o valor final da obra”. Atualmente, existe tendência de projeção de estruturas cada vez mais leves e esbeltas que, além de considerarem o fator arquitetônico, levam em conta questões econômicas: quanto mais fina a estrutura, menos aço ela utiliza e menor o custo. Entretanto, o professor alerta que projetos de estruturas mais esbeltas preocupam em função de outros fatores: “Na hora em que fazemos a ligação da viga com o pilar, por exemplo, é preciso evitar o que chamamos de excentricidades. Se um projeto for bem feito, como exigem as concepções de

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estruturas metálicas, reduzem-se as excentricidades”. Outra característica vantajosa da estrutura metálica está na capacidade de fornecer cargas menores para a fundação, o que reduz os custos com essa etapa do projeto e alivia ainda mais o orçamento global. “As estruturas metálicas também apresentam resistência absurda. Se conseguíssemos desenvolver não só a estrutura, mas todos os demais materiais para casas ou edifícios – ou seja, um produto final todo industrializado –, teríamos a situação ideal. Infelizmente, o mais comum ainda é o fechamento tradicional, que são os tijolos”, lamenta Ricardo. Com a industrialização dos processos, o tempo de construção se reduz drasticamente, o que justificaria o investimento na estrutura metálica. “Você gastará um pouco mais com o aço, mas uma obra que poderia ser concluída entre seis meses e um ano ficará pronta em 60 dias”, exemplifica. Ainda que apresente vantagens relacionadas a seu uso, à segurança e ao custo-benefício, as estruturas metálicas não são amplamente usadas no Brasil. Na lógica do processo, seria possível vender kits de estruturas metálicas para a construção em lojas de materiais, por exemplo. No entanto, a realidade esbarra no fato de que a cultura do concreto ainda é muito forte. Além disso, a mão de obra não está preparada para lidar com os projetos em aço. “Montar uma casa em estrutura metálica vai envolver mais conhecimento do que simplesmente fazer o concreto e usar tijolos”, relata Ricardo Silveira. Ao analisar o cenário da construção civil no Brasil, o professor defende a melhoria do nível da mão de obra por meio da educação: “Esse é o calcanhar de Aquiles da estrutura metálica no País. Além disso, esbarramos na questão do preço: mesmo com a ampla oferta do minério de ferro em Minas Gerais, o preço varia de acordo com o mercado internacional, o que torna difícil a manutenção de um valor diferenciado”.

Modelagem computacional

De maneira multidisciplinar, o desenvolvimento de softwares de modelagem computacional contribui com a construção de modelos estruturais mais eficazes para

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a construção civil. “Acredito que, com softwares “caseiros” ou por meio do bom uso dos recursos computacionais já existentes no mercado, o trabalho do engenheiro fica bem mais fácil em termos de modelagem. Contudo, só o programa não basta. É preciso ter conhecimento para avaliar os dados usados e resultados apresentados. O software fornecerá um resultado, mas a grande questão é saber se ele está adequado à realidade do problema”, pontua o professor. A dissociação entre os problemas “real” e “matemático-modelo estrutural” é o que pode gerar consequências desastrosas, como desabamentos e acidentes. “O engenheiro trabalha, usualmente, em cima de modelos matemáticos aproximados. É a única forma que ele tem de resolver o problema de engenharia real”. Atualmente, Silveira busca desenvolver modelos matemáticos estruturais que se adequem a diferentes problemas físicos reais da engenharia estrutural: “Esses modelos devem ser bem calibrados e precisos, ou seja, devem considerar os fatores relevantes na análise das estruturas em aço, procurando sempre a obtenção do comportamento mais realístico da estrutura, principalmente quando ela é submetida a cargas estáticas e dinâmicas extremas. Esses fatores estão relacionados com efeitos de segunda ordem, ligações flexíveis, imperfeições (geometrias e tensões residuais), plasticidade, resposta transiente, vibrações lineares e não lineares e colapso progressivo”. Com os recursos computacionais disponíveis, é possível considerar todos esses efeitos e fatores numa modelagem computacional, que faz a análise não linear, incorporando todas as consequências, no que é chamado de “análise avançada de estruturas”. Uma das próximas etapas da pesquisa depende de investimentos para o desenvolvimento de softwares gráficos interativos, em parceria com profissionais da computação gráfica, a fim de melhorar a visualização dos dados em 2D e 3D, e facilitar a visualização dos resultados dos modelos idealizados. “A colaboração com profissionais da computação gráfica é essencial para a análise de estruturas e outras áreas na Engenharia Civil”, conclui o professor.

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Em 2014, a queda do viaduto Batalha dos Guararapes, em Belo Horizonte, gerou comoção em todo o Brasil. Ricardo Silveira comenta que causou estranheza a queda ter acontecido antes mesmo de o viaduto estar em pleno uso: “O colapso aconteceu somente com a carga permanente da própria estrutura”. Segundo o professor, análises do caso indicam que o bloco que recebia o pilar e distribuía a carga para as estacas foi, possivelmente, subdimensionado, ou o modelo computacional adotado não considerou variáveis importantes. “Esses dados não estão prontos. É preciso testar as configurações e os cenários. Não adianta ter recursos computacionais extremamente eficientes se não tivermos um modelo estrutural adequado para o problema de engenharia específico”.

Projeto: Análise computacional avançada de estruturas metálicas e de concreto Coordenador: Ricardo Azoubel da Mota Silveira Edital: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00


ALIMENTOS

Missão antifalcatrua Pesquisadores investem em processos e equipamentos para detecção rápida e eficaz de fraudes em azeites de oliva Maurício Guilherme Silva Jr.

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Certas empresas no Brasil costumam alterar a composição de mercadorias alimentícias, de modo a baratear uma série de custos de fabricação. Cientes da dificuldade de fiscalização do governo – resultante da falta de profissionais especializados e da complexidade dos mecanismos de análise técnica –, produtores “espertinhos” modificam a constituição natural dos produtos, com o claro intuito de aumentar suas margens de lucro – mesmo que, para tal, prejudiquem a saúde de milhões de consumidores no País. Diante de cenário para lá de inóspito, pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) têm desenvolvido processos e equipamentos para detecção – rápida e eficaz – de falcatruas em alimentos. Inicialmente, os estudos buscavam revelar alterações na composição do leite. Hoje, o alvo são os azeites de oliva extravirgem. “Começamos há dez anos, com projetos individuais de técnicas espectroscópicas para identificação de fraudes em leite, fruto da adição de soro, água, soda cáustica, formol etc. A necessidade de separar os componentes lácteos, especialmente as gorduras, mostrou-nos a vastidão do assunto, e, ainda, os problemas não resolvidos, especialmente a falta de processos rápidos de detecção de fraudes”, esclarece Maria Jose Valenzuela Bell, professora do departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas da UFJF e coordenadora dos trabalhos. Ligada ao Laboratório de Espectroscopia de Materiais e à frente do mestrado profissional em Ciência e Tecnologia do Leite e Derivados, a pesquisadora lembra que, lamentavelmente, as fraudes em alimentos são comuns em território brasileiro. No que tange ao azeite de oliva, as alterações revelam-se bastante similares às mudanças de composição do leite – inclusive, no que diz respeito a motivações econômicas e práticas. Testes efetuados nas marcas brasileiras mais comuns apontam que o produto é frequentemente adicionado a óleos vegetais. “Daí a necessidade de metodologias a serem usadas in loco – especialmente, no local da fabricação – e de forma contínua, para avaliar a qualidade da matéria-prima antes que o produto seja envasado”, destaca, ao comentar que, nor-

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Engenheiro químico polonês, formado pela Universidade Politécnica de Lwow, em sua terra natal. Doutor em Ciências pela Victoria University of Wellington, na Nova Zelândia, e em Ciência de Alimentos, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituição na qual tornou-se livre docente. Iniciou a carreira profissional em 1928, na Unilever, encerrando-a, em 1999, na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Autor de mais de 100 publicações científicas em diversos idiomas, dedicou boa parte da vida à modernização dos métodos de análise de óleos e gorduras.

malmente, o consumidor só descobrirá o problema após o consumo. A grande vantagem da proposta dos pesquisadores é, justamente, a realização do controle antes da comercialização, de maneira a evitar que o azeite suspeito chegue à mesa dos brasileiros. “Neste sentido, é possível o uso de técnicas espectroscópicas para detecção rápida de adição de óleo de soja em azeite de oliva, com sensibilidade elevada. Naturalmente, a metodologia pode ser expandida para a identificação de outros óleos vegetais. No atual estágio da pesquisa, nosso laboratório tem total condição de efetuar análises rápidas e com boa confiabilidade”, explica Maria Jose Valenzuela.

Técnicas físicas

Atualmente, a pesquisa encontra-se na fase de validação da metodologia espectroscópica proposta – a qual, aliás, já foi submetida a publicação em revista internacional. “Além disso, pretendemos usar várias técnicas físicas disponíveis no laboratório para avaliar a capacidade de detecção de fraude e a viabilidade para o desenvolvimento de equipamentos capazes de gerar resultados rápidos, preferencialmente, em tempo real”, explica a coordenadora, ao sublinhar que, ao fim do projeto, almeja-se o desenvolvimento

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de um produto destinado aos fabricantes ou aos fornecedores da matéria-prima, a fim de permitir a rápida avaliação da qualidade do material adquirido. A intenção dos pesquisadores é divulgar, ao mesmo tempo, a metodologia proposta e o problema das fraudes. “Afora isso, aprimoramos e avaliamos, constantemente, a possibilidade de combinar procedimentos analíticos e instrumentais com técnicas estatísticas e computacionais”, afirma. O objetivo é propor metodologias alternativas e confiáveis, que possam ser efetivamente usadas para avaliar a qualidade, a segurança e a autenticidade dos alimentos e dos insumos de produção. A proposta foi apresentada no 24° Congresso Brasileiro de Ciência e Tecnologia de Alimentos (CBCTA), realizado em setembro de 2014, quando o grupo recebeu o prêmio Leopold Hartman, instituído pela família do pesquisador para premiar pesquisas científicas que tenham contribuído, significativamente, com os estudos na área de óleos e gorduras. “Apesar do prêmio, sabemos que há certo caminho a percorrer, no que diz respeito a um produto final. Isso passa por diversos testes, além da validação e do registro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o que pode levar bastante tempo”, conclui.


M ETALURG I A

Nada se perde,

mesmo!

Projeto propõe recuperação de metais nobres do lixo eletrônico para diminuir impacto ambiental e promover reuso na indústria Camila Alves Mantovani

No contexto das populações urbanas, pode-se dizer que os equipamentos eletroeletrônicos estão integrados ao cotidiano de maneira bastante orgânica. Na relação com tais objetos, chama a atenção o fato de que, com o passar dos anos, eles são

substituídos em intervalos cada vez mais curtos. Já se foi a época em que a geladeira durava “uma vida inteira”. No caso das tecnologias de informação e comunicação ­­– computadores, celulares, tablets, televisores, câmeras fo-

tográficas –, a migração do analógico para o digital tornou esse movimento ainda mais evidente. A lógica da obsolescência programada gera, cada vez mais, a necessidade do consumo de equipamentos de última geração. Seja por meio da amplia-

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ção do acesso aos bens, das inovações no design, ou de atualizações no sistema operacional dos dispositivos, que passam a exigir mais memória e desempenho dos aparelhos, os consumidores acabam “estimulados” a trocar seus aparelhos. Além de suscitar questões relativas ao consumo excessivo, o cenário acima descrito põe em pauta a discussão em torno do lixo eletrônico: para onde vai tudo aquilo que não nos serve mais? O volume de lixo produzido pelo descarte desse material é bastante significativo. De acordo com os últimos dados divulgados pela Organização das Nações Unidas, a partir da iniciativa StEP (Solving the E-Waste Problem) – parceria entre a ONU, empresas, governos e organizações não governamentais –, em 2012, o Brasil gerou 1,4 milhão de toneladas de lixo eletrônico, montante que corresponde a sete quilos por habitante. No mundo, o número corresponde a quase 49 milhões de toneladas e as projeções feitas no estudo apontam que, até 2017, o volume aumentará 33%. Dentre os efeitos nocivos do descarte “desordenado” de eletrônicos (e-waste), destacam-se os impactos produzidos no meio ambiente, pois, na composição de vários dos materiais, estão presentes metais prejudiciais à saúde, como chumbo e cádmio. Em busca de soluções para o problema, o pesquisador Carlos Antônio de Morais, do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte, desenvolve projetos que pretendem recuperar os metais existentes em partes desses equipamentos, como monitores de computadores, baterias de celular, dentre outros. De acordo com Morais, esse é um tipo de material complicado de ser disposto e descartado em um aterro sanitário tradicional. Dessa forma, a recuperação ajudaria o ambiente a se livrar dos metais tóxicos, e, por meio de técnicas como as de hidrometalurgia, os componentes resultantes poderiam ser reutilizados em outros setores. O pesquisador conta que o interesse pelo tema surgiu à época de seu doutorado em Engenharia Metalúrgica e de Minas, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), quando trabalhou com os

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Elementos Terras Raras (ETR). Trata-se do grupo dos lantanídeos e, na tabela periódica, vão do lantânio ao lutécio. “Ao todo, são 15 elementos lantanídeos, somados ao ítrio e ao escândio, que têm comportamento químico similar aos lantanídeos”, explica Carlos Antônio. No caso da sucata eletrônica, viu-se que, dentre os metais recuperados nos monitores de computadores, por exemplo, estavam presentes Elementos Terras Raras como o európio e o ítrio. Segundo o pesquisador, esses elementos têm muita aplicação na indústria eletrônica. Eles poderiam voltar para a própria cadeia de produção de eletroeletrônicos – o que inclui carros e bicicletas elétricos, trens-bala, superimãs, telas de tablets, monitores e chips de computador e televisores, dentre outros –, como também para outras aplicações. Como exemplo, Carlos Antônio cita o európio e o ítrio, responsáveis pela cor vermelha e que podem ser usados como tinta para criar os aviões invisíveis. “A tinta absorve a radiação do radar, que detecta os aparelhos por meio da emissão de uma energia que retorna. Elementos como o ítrio têm a capacidade de absorver tal energia. Por isso, ela não retorna e o radar não vê”, explica. No caso dos monitores, o pesquisador destaca que, geralmente, a forma como os aparelhos são descartados provoca a quebra dos tubos e a contaminação do solo com o pó de revestimento, que, além dos Terras Raras, contém metais tóxicos como zinco, cádmio e chumbo (Zn, Cd e Pb). “A recuperação dos metais európio, ítrio (Eu e Y), os de maior valor agregado presentes no pó de revestimento das telas, torna viável a recuperação simultânea de outros elementos presentes, como Cd, Zn e Pb, bem como dos tubos de vidro e do próprio plástico, também passíveis de reciclagem”, afirma.

Elementos puros

O foco do projeto está no desenvolvimento de processos para a obtenção dos óxidos de európio e ítrio, de elevada pureza, pelas técnicas de redução eletroquímica/precipitação e de extração por solventes. Afinal, conforme ressalta o

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Trata-se do grupo de elementos químicos da série dos lantanídeos (números atômicos entre 57 e 71), começando em lantânio (La) e terminando em lutécio (Lu), acrescidos do escândio (Sc) e do ítrio (Y), que apresentam comportamentos similares. A aparência terrosa de seus óxidos levou à denominação de “terras”. Quanto à raridade, trata-se de referência ao fato de que suas jazidas, no planeta, estão em pequeno volume. No entanto, apesar de o nome sugerir, esses metais não são tão raros quanto o ouro, por exemplo. Na crosta terrestre, alguns deles têm concentrações similares às do cromo, do níquel, do cobre ou do chumbo.


Divulgação

Metais encontrados em equipamentos eletrônicos podem ser reutilizados

pesquisador, quando são conseguidos os elementos puros, agrega-se valor a eles. No projeto “Recuperação de metais nobres de sucata eletrônica, com ênfase na recuperação de Eu, Y, In e Zn”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e pela FAPEMIG, o processo de coleta, segundo Carlos Antônio de Morais, exigiu esforço hercúleo. Para conseguir um quilo do pó de Terras Raras, foram necessários quase 300 monitores de computadores. O material acabou coletado por raspagem, mas, de acordo com o pesquisador, a técnica pode ser melhorada, por exemplo, por meio de sucção. No caso do projeto, o processo foi todo manual. Depois da obtenção do pó, realizou-se uma abertura química. Trata-se de gestão ácida ou lixiviação, processos pelos quais os metais de interesse, que estão sólidos, passam para a fase aquosa. Segundo o pesquisador, o tratamento químico dissolve, além dos metais de interesse, outros metais, gerando um licor impuro, que precisa passar pelo processo de purificação, até que se chegue ao elemento de interesse. No projeto, a purificação foi feita pela técnica de extração por solventes, também conhecida por extração líquido/líquido. Nesse processo, uma solução aquosa entra em contato com uma fase orgânica e imiscível – que não se mistura na etapa

aquosa – e os metais são transferidos, seletivamente, para a fase orgânica, por meio de ajustes na fase aquosa. “Dependendo da acidez do meio, há extratantes específicos para cada metal. No CDTN, fazemos um estudo em bancada primeiro. Depois, em um laboratório contínuo de extração por solvente, com vários estágios de misturadores e decantadores, fazemos novo processo em busca da purificação dos metais”, conta. Carlos Antônio aponta para a necessidade, em estudos futuros, de se investir numa parceria público-privada para viabilizar o processo. Segundo o pesquisador, há países que já fazem a recuperação de metais, mas o investimento é muito alto, sendo necessário mensurar bem o retorno. “O reuso, muitas vezes, é na própria indústria. No caso do Brasil, como muitas coisas não são produzidas aqui, não existe mercado para certos produtos, o que, num primeiro momento, dificulta a viabilização de projetos. Percebemos a possibilidade técnica. A viabilidade econômica dependerá de outros fatores”, conclui. O reuso e o aumento do ciclo de vida dos produtos eletrônicos são temas que já começam a aparecer na agenda política internacional. Apesar disso, são necessários esforços maiores, por parte dos governos e dos cidadãos, para que esse problema ambiental não seja subestimado.

Projeto: Recuperação de metais nobres de sucata eletrônica, com ênfase na recuperação de Eu, Y, In e Zn Coordenador: Carlos Antônio de Morais Edital: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00

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PSICOLOGIA SOCIAL

De boca fechada, não se vai longe Iniciativa revela que movimentos sociais podem transformar a sociedade, ao intermediar relação entre cidadãos e governos Ana Luiza Gonçalves

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No dia 23 de maio de 2014, a presidente da república, Dilma Rousseff, lançou o decreto nº 8.243, que instituía a Política Nacional de Participação Social (PNPS) e o Compromisso Nacional pela Participação Social. As iniciativas promovem o diálogo entre governo e sociedade, de modo a incentivar a participação dos cidadãos em movimentos, além de promover o acompanhamento à formulação, à execução e à avaliação de programas e políticas públicas no País. Conselhos, conferências, audiências, ouvidorias e mesas de diálogos, integrados à administração governamental há bastante tempo, buscam fortalecer a democracia no Brasil. Outra forma de mobilização diz respeito ao ParticipaBR, canal de debates no qual é possível contribuir propondo e divulgando temas e propostas. A plataforma promove a integração social e tem o objetivo de apoiar o cidadão já mobilizado nas ruas. Além dessas formas de acesso à democracia, existem outras ações online, como o All Out e o Avaaz, que reúnem pessoas do mundo inteiro em nome da luta pela igualdade e levam a voz da sociedade para a política. Participação, na verdade, é algo fundamental à construção de direitos sociais. Historicamente, na sociedade ocidental, o debate e a implementação de ações acerca do assunto deram-se a partir de mobilizações, lutas e reivindicações realizadas por grupos organizados, que buscavam interpelar os estados nacionais, o governo e as instituições, a fim de promover transformações e ampliações dos direitos e da justiça coletiva. “Ao longo dos séculos XIX e XX, a luta dos trabalhadores e operários, que se organizaram e reivindicaram importantes melhorias para o reconhecimento de seu lugar como cidadãos e sujeitos de direito, revela que esses movimentos não são contemporâneos. De algum jeito, a organização coletiva obrigará as instituições a se posicionar e a se reorganizar”, explica Claudia Andréa Mayorga Borges, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

A pesquisadora coordenou o projeto “Aspectos psicossociológicos da participação social gênero, juventude e movimentos sociais”, desenvolvido no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão – Conexão de Saberes da UFMG. Duas grandes ações faziam parte da iniciativa, com a proposta de compreender a formação da identidade coletiva em diferentes experiências políticas. A primeira refere-se à reinvenção das relações de gênero e do espaço público. Por meio dela, busca-se entender o modo como as questões de gênero são identificadas e se articulam a categorias como raça, orientação sexual e classe, e como elas estão presentes na participação e nas lutas por democratização de certos movimentos sociais. A segunda ação corresponde a problemáticas ligadas à relação entre juventude e participação política. Os pesquisadores investigam as atuais formas de mobilização de jovens em diferentes regiões do Brasil, considerando a percepção de que os mais novos participam pouco da vida pública. Segundo a coordenadora, é muito comum identificar discursos de que os jovens são alienados e de que não se conformam com os mecanismos de organização da sociedade. “Nas décadas de 1960 e 1970, vê-se, claramente, em nosso imaginário, a ideia do jovem universitário envolvido em movimento estudantil, na luta contra a ditadura militar. Muitas vezes, contudo, a observação de que o jovem não participa, ou não se interessa por política, é algo bastante reproduzido no presente”, contesta. As formas de participação são muito heterogêneas e fundamentais para que se reinventem ou repensem os processos democráticos, ao partir do pressuposto de que a mobilização revela-se como elemento fundamental. “Ao longo da história, há muitos indícios presentes no contemporâneo. As formas de participação, a pluralização de vozes, as divergências e as posições contrárias àquelas instituídas foram frequentemente desqualificadas, criminalizadas e, até mesmo, exterminadas ou reprimidas”, conta Claudia Mayorga.

O Núcleo busca compreender as dinâmicas psicossociais e políticas que marcam os processos da desigualdade social brasileira. Neste sentido, investiga-se a disparidade marcada por questões de gênero, sexualidade, raça, classe e geração. Para além disso, são estudadas as formas de enfrentamento e de ação coletiva e política construídas, individual ou coletivamente, por diversos atores, com o intuito de enfrentar tais mecanismos de desigualdade.

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Inicialmente, o interesse do projeto estava em questionar as formas de organização dos diversos atores, com foco nas perspectivas dos movimentos sociais. Segundo a coordenadora, o eixo central poderia ter sido a resistência individual ou institucional, nos partidos ou sindicatos. Apesar disso, a maior preocupação da pesquisa acabou por se fixar na articulação de várias causas e bandeiras – tanto na dinâmica interna quanto na externa –, nas ações desenvolvidas e nos enfrentamentos propostos e realizados. “Nos interessava estudar a articulação de causas relacionadas à questão de gênero pautadas pela juventude, além de problemas ligados à sexualidade e, também, à prostituição. Sendo assim, os pesquisadores buscaram conhecer as dinâmicas psicopolíticas e psicossociais”, conclui.

Os movimentos

Para participar ativamente! http://www.participa.br/ http://www.avaaz.org/po/ http://allout.org/pt/

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Por que trabalhar a partir de categorias tão distintas, como gênero, raça, sexualidade e classe? Claudia Mayorga explica que a desigualdade social brasileira envolve todas essas problemáticas. Os grupos estudados no projeto demonstram que a disparidade no País não se dá apenas a partir de questões de classe. Como exemplo, ressalte-se que o movimento feminista é um dos mais importantes no Brasil, por abordar o papel e os direitos das mulheres no enfrentamento à violência – principalmente, doméstica –, no trabalho, na sexualidade, na educação e na política. A força da mobilização só é possível a partir de organizações de grupos de diversos países e contextos, que denunciam instituições e estados que agem de forma desigual e reivindicam o reconhecimento de sujeitos de direito a serem compreendidos em sua integridade, a partir dos princípios da igualdade, da justiça social e da liberdade. O movimento negro é outro grupo também muito bem organizado na reivindicação por seus direitos, principalmente, no que tange à luta pelo acesso igualitário aos espaços educacionais. De acordo com Claudia Mayorga, a mobilização por cotas

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nas universidades e a promoção de políticas de ação afirmativa no trabalho partem da constatação dos próprios sujeitos. Afinal, existe uma experiência social de negros e negras no País que não é vivenciada de forma igualitária. “Reconhecer essa desigualdade nos leva a pensar em medidas institucionais, no campo dos direitos, das legislações, mas, também, na cultura, que pode viabilizar o reconhecimento radical dos grupos como sujeitos de direitos e como cidadãos”, destaca. Os movimentos são muito dinâmicos e ocorrem a partir de oportunidades políticas em determinados contextos, que, de alguma maneira, marcam a forma como os sujeitos se organizam, assim como as pautas, as bandeiras e reivindicações a serem construídas. Neste cenário, observam-se duas dinâmicas entre os mobilizados: a primeiro é a “externa”, que revelará os adversários dos valores do grupo; a segunda, a “interna”, relativa ao modo como as coletividades se organizam, se identificam e constroem um objetivo comum. Na verdade, há uma série de tensões e negociações internas a serem trabalhadas pelos indivíduos. Claudia Mayorga ressalta que as mobilizações sociais não são homogêneas, mas plurais. “Trata-se de movimentos em movimento, que se articulam, se rearticulam, se separam, se organizam e se aproximam. Tal dinâmica interna revela muito sobre os processos de democratização vivenciados pela sociedade brasileira”, completa.

Projeto: Aspectos psicossociológicos da participação social: gênero, juventude e movimentos sociais Coordenadora: Claudia Andréa Mayorga Borges Modalidade: Programa Pesquisador Mineiro Valor: R$ 48.000,00


Física

Magnéticas possibilidades

Estudos sobre estruturas denominadas “gelos de spin” revelam multifuncionalidade do nanomagnetismo Maurício Guilherme Silva Jr.

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Partículas elementares hipotéticas, que se comportam como ímãs de polo único e apresentam carga.

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Em período de vasta discussão acerca da escassez de água e da diminuição do potencial hidrelétrico brasileiro (veja entrevista à página 12), o investimento em equipamentos com melhor consumo energético parece tema imprescindível ao futuro do País. Neste sentido, que tal imaginar mecanismos capazes de substituir, até mesmo, o uso da própria energia elétrica? Pouco conhecido das pessoas, o nanomagnetismo poderia auxiliar a criação de uma série de mecanismos e equipamentos aptos a funcionar à base da chamada magnetricidade. Some-se à boa nova a particularidade inerente ao prefixo “nano”: trata-se, afinal, de minúsculas redes de ímãs, em escala nanométrica – dimensão da ordem dos bilionésimos de metro. “Para que se tenha ideia do que isso significa, em um milímetro quadrado, conseguimos construir redes ordenadas com cerca de dez milhões de nanoímãs”, explica Clodoaldo Irineu Levartoski de Araújo, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e coordenador do Laboratório de Spintrônica e Nanomagnetismo (LabSpiN). Doutor em Ciência dos Materiais, o pesquisador lidera, na UFV, a equipe de especialistas responsável por demonstrar, de maneira inédita, a possibilidade de criação de monopolos em sistemas magnéticos nanoestruturados, mais conhecidos como “gelos de spin artificiais” (veja quadro à página 43). “Neles, é como se os polos positivo e negativo dos ímãs se separassem. O movimento das cargas magnéticas isoladas acaba por gerar correntes de magnetricidade”, esclarece Clodoaldo, ao destacar que o tamanho reduzido dos ímãs facilita o controle das propriedades magnéticas. Os dispositivos em fase mais avançada de teste são aqueles compostos por redes unidirecionais, nos quais os pesquisadores foram capazes de construir um sistema que transporta corrente ordenada. “Eis o primeiro passo para a magnetrônica, em que, no lugar da eletricidade, haverá correntes de cargas magnéticas. Em tais dispositivos, observamos diretamente, por meio de microscopia

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Pode-se dizer que se trata do equivalente magnético da eletricidade – ação demonstrada experimentalmente, pela primeira vez, por cientistas do London Centre for Nanotechnology, na Inglaterra. A comprovação de que uma carga magnética tem a capacidade de se comportar e interagir, em certos materiais, de modo similar à corrente elétrica promete amplo horizonte de avanços tecnológicos. Para além disso, muitas das teorias no campo do magnetismo passaram, necessariamente, a ser reavaliadas.

magnética de força atômica, realizada na UFV, os monopolos”, completa. O termo “gelo de spin” surgiu da investigação de sistemas naturais do tipo “pirocloro”, que apresentam estrutura tridimensional com átomos nos vértices de um tetraedro. “Em função disso, os ‘momentos’ magnéticos dos átomos são ditos frustrados, pois nunca satisfazem as condições de menor energia”, afirma o coordenador. A nomenclatura também remonta à similaridade entre a configuração dos gelos de spin e a dos átomos de hidrogênio na água em estado sólido. “Apesar disso, na investigação experimental dos sistemas de pirocloros, por exemplo, a observação dos monopolos magnéticos é dificultada pelo fato de que tais materiais apresentam dimensão atômica e tridimensional”, comenta, ao lembrar que as propriedades magnéticas são observáveis a baixíssimas temperaturas – índices da ordem de centenas de miliKelvins. Kelvin (K) é o nome dado à unidade de base do Sistema Internacional de Unidades (SI) para a grandeza da temperatura termodinâmica. Ela é usada para medir a temperatura absoluta de um objeto, com zero absoluto sendo zero K. Um miliKelvin representa um milésimo de Kelvin.


Conforme explica Clodoaldo Levartoski, a revolução no estudo dos gelos de spin deu-se a partir da proposta do grupo liderado por P. Schiffer, da Penn State University, nos Estudos Unidos. O pesquisador investigou um sistema artificial bidimensional, composto por nanoilhas magnéticas que apresentam frustração, assim como nos gelos de spin naturais. Logo após tal descoberta, veio a previsão teórica realizada pelo grupo, sediado na UFV, quanto ao fato de que tais sistemas também apresentam monopolos magnéticos de Nambu em seus vértices. Na instituição mineira, por meio de microscópio especial, os pesquisadores conseguem visualizar os gelos de spin e controlar a corrente de monopolos magnéticos, que, além de criados, são movimentados, de maneira a gerar corrente magnetrônica ou magnetricidade: “É possível fazer ilhas que geram monopolos conforme nosso desejo. Podemos manipular e mudar os desenhos para obter melhores resultados”.

Vertentes de ação Como resultado das pesquisas experimentais realizadas na UFV, têm sido desenvolvidas e caracterizadas diversas re-

des de gelos de spin – com foco naquelas cujas geometrias favoreçam maior liberdade ao transporte dos monopolos, a partir, por exemplo, da aplicação de campo magnético externo. “Dentre elas, destaco a rede retangular, que se diferencia das quadradas, convencionais, pelo distanciamento das ilhas em uma direção. Neste caso, observa-se diminuição considerável da energia de ligação entre os monopolos, o que lhes proporciona maior mobilidade”, diz. Conseguir controlar e ordenar o movimento dos monopolos é ingrediente essencial à potencialização da nova tecnologia conhecida por “magnetrônica”, que, conforme ressaltado, baseia-se na corrente magnética. No que se refere à mobilidade ordenada, observa-se um transporte quase “balístico” dos monopolos, numa rede de ilhas alinhadas linearmente. Outra frente de trabalho dos pesquisadores diz respeito à criação de sistemas macroscópicos que imitam os nanométricos. “Temos construído uma rede composta por ímãs esféricos de neodímio, com liberdade de rotação sobre seu eixo. Além disso, investigamos o estado de menor energia para diferentes arranjos bi e tridi-

O gelo de spin

Nesta representação de um gelo de spin artificial, há monopolos gerados pela inversão de spin de uma nanoilha e a criação de carga magnética residual. Na figura, pode-se observar uma carga entrando e três saindo (monopolo vermelho), assim como uma saindo e três entrando (monopolo azul).

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Divulgação

Clodoaldo Levartosk: criação inédita de monopolos em sistemas magnéticos nanoestruturados

mensionais. Esperamos que tais sistemas possam permitir a ‘visualização’ das geometrias que mais favoreçam o movimento dos monopolos”, completa.

Projetos colaborativos Em 2013, quando chegou à universidade mineira, Clodoaldo Levartoski iniciou projeto de colaboração teórico-experimental com o Grupo de Teoria de Campos em Física da Matéria Condensada (TCFMC), coordenado pelos professores Afranio Rodrigues Pereira e Winder Alexander de Moura-Melo. A partir de tal parceria, nasceria o Laboratório de Spintrônica e Nano-

nos sistemas artificiais. Tal previsão foi rapidamente confirmada por experimentos conduzidos na Universidade de Leeds, na Inglaterra”, sublinha o pesquisador. No que se refere ao grupo experimental da UFV, trata-se de equipe formada por profissionais experientes na fabricação e na caracterização de nanoestruturas magnéticas. Tais pesquisadores desenvolvem dispositivos de gelos de spin artificiais no Brasil desde 2013. Atualmente, o LabSpiN encontra-se associado ao Sistema de Laboratórios em Nanotecnologias (SisNano), enquanto os grupos de pesquisa fazem parte

magnetismo (LabSpiN). A equipe é hoje

do Programa de Apoio aos Núcleos de Ex-

reconhecida pelas contribuições aos cha-

celência (Pronex) da FAPEMIG e do grupo

mados “sistemas magnéticos frustrados”,

nacional de Spintrônica e Nanomagnetis-

e, de modo particular, aos gelos de spin

mo, com projeto submetido aos Institutos

artificiais. “Em projeto pioneiro, o grupo

Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs)

previu a existência dos monopolos magnéticos de Nambu, partículas emergentes

do Conselho Nacional de Desenvolvimento

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Científico e Tecnológico (CNPq).

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Projeto: Desenvolvimento de materiais, heteroestruturas e dispositivos laterais para eficiente injeção, transporte e detecção de spins. Coordenador: Clodoaldo Irineu Levartoski de Araújo Modalidade: Programa Primeiros Projetos (PPP) Valor: 21.000,00


Pesquisa interinstitucional investiga novos usos do vidro na construção civil Diogo Brito Os vidros são materiais com múltiplas utilidades – do simples objeto de decoração aos utensílios de cozinha, das ampolas de remédio às janelas de um grande edifício. Em resumo, é impossível imaginar o mundo sem tal matéria-prima. O melhor e mais louvável, contudo, está por vir: além de cem por cento reciclável, o vidro pode ser reaproveitado inúmeras vezes. A razão disso está em sua composição: areia, barrilha, calcário e feldspato. Quando fundidos em fragmentos ou cacos, os ingredientes do vidro permanecem os mesmos, sem necessidade de nova extração na natureza – o que minimiza impactos ambientais. Além disso, produtos com embalagem de vidro podem ser reaproveitados sem perda de material. Resultado? O reuso reduz a emissão de resíduos e partículas de CO2 no meio ambiente. Em contrapartida, depois de utilizado, o material não recebe o descarte adequado e, por vezes, segue a aterros sanitários, onde pode demorar até quatro mil anos para se decompor. No Brasil, a demanda por reciclagem de vidros ainda é pequena, se se comparada a outros materiais recicláveis, como papel e alumínio. Há quatro anos, a edição nº 46 de MINAS FAZ CIÊNCIA abordou o trabalho de pesquisadores de instituições nacionais e estrangeiras em torno do processo de adição de vidro moído às fórmulas de concreto. A ideia era substituir, por vidro, ingredientes extraídos da natureza e usados na fabricação de cimento. Formada por professores do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de São João Del-Rey (UFSJ), em parceria com a Universidade de Sheffield, na Inglaterra – além da colaboração de um pesquisador do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) –, a equipe anuncia novidades e outros bons resultados.

Os primeiros testes revelavam ser necessário o controle da proporção do vidro a ser adicionado ao concreto. A ação, feita de maneira aleatória e sem controle, gerava reações expansivas do material: sem controle eficiente da quantidade de vidro moído, fissuras e pequenas rachaduras apareciam no concreto, comprometendo a integridade estrutural das peças. Hoje, a ação que abalava as estruturas do concreto – chamada de Álcali-Agregado – está controlada. “Anulamos, com sucesso, o efeito deletério da adição do vidro, permitindo seu uso em maiores teores, em substituição aos agregados naturais”, explica Túlio Panzera, professor da UFSJ e atual coordenador da pesquisa. Apesar de impedir que o concreto perca sua integridade, o pesquisador ressalta que, embora a pesquisa tenha investigado número relevante de condições experimentais, é possível encontrar novas misturas capazes de maximizar as propriedades físicas, mecânicas e químicas desejadas. Túlio Panzera lembra que “é difícil nomear condições ideais ou uma espécie de receita padrão”. Além de analisar benefícios ao meio ambiente, o estudo de fatores econômicos ganhou destaque na pesquisa. Ainda não se sabe, porém, quando o material será comercializado. Só é possível prever que as residências serão indiretamente beneficiadas por produtos cimentícios de boa qualidade e menor custo, feitos com agregados de vidro, como blocos para alvenaria e pavimentos. Por outro lado, os produtos com agregados vítreos podem ter seu valor reduzido, desde que os custos de reciclagem e processamento não inviabilizem o mecanismo. Para Túlio Panzera, hoje, são necessárias soluções em harmonia com o meio ambiente. Além disso, devem ser realizadas sem perda de qualidade. “Ao adicionarmos

mais vidro ao cimento, contribuímos para o desenvolvimento de concreto sustentável e mantemos os requisitos mecânicos e de durabilidade dos materiais”, conclui.

Parcerias

A parceria inicial com a Universidade de Sheffield, na Inglaterra, reduziu-se nas novas etapas da pesquisa. As ações em conjunto com instituições internacionais surgem em momentos pontuais, ligados à realização de ensaios. Em outras ocasiões, investe-se em colaborações mais significativas ou duradouras. Atualmente, a equipe conta com a colaboração da Universidad de Cantabria, na Espanha, do Instituto Superior de Engenharia do Porto e da Universidade do Porto, em Portugal. Vale destacar, também, o importante intercâmbio com a universidade inglesa de Bristol. O grupo de pesquisadores cresceu nos últimos anos. Atualmente, a equipe é formada por seis professores doutores e cerca de 30 alunos de graduação e pós-graduação. Além do projeto sobre incorporação de vidros reciclados em produtos cimentícios, são investigados resíduos industriais e minerais – fragmentos de garrafa pet, borracha de pneus, isopor, rejeitos de mineração e de pedras São Tomé e Sabão – como matéria-prima para novos objetos e estruturas. Cabe lembrar, por fim, que, em 2011, foi depositada a patente de novo material para restauração de fachadas e monumentos históricos esculpidos em pedra sabão. Além disso, compósitos de fibras naturais têm sido investigados pelo grupo, com significativa citação em congressos e periódicos internacionais. Que o diga a inclusão de micro e nanopartículas cerâmicas em compósitos poliméricos para a indústria aeroespacial – foco de recentes pesquisas em colaboração com universidades britânicas.

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LEMBRA DESSA?

Sustentabilidade transparente


5 PERGUNTAS PARA...

Marcos Assunção Pimenta Natural de Belo Horizonte, Marcos Assunção Pimenta foi uma criança bastante curiosa. Seus interesses fixavam-se em detalhes a que os amigos não davam importância. Ele sempre quis saber, por exemplo, como eram os brinquedos por dentro – do funcionamento dos “motores” ao arranjo das pequeninas peças que compunham seus objetos de diversão. Tal vocação acabaria por levá-lo, anos mais tarde, a realizar doutorado em Física pela Université d’Orléans, onde, sob orientação de François Gervais, investigou as transições de fase incomensuráveis e superiônicas, a partir do uso de técnicas de refletividade infravermelha e de espalhamento Brillouin. Professor titular do Departamento de Física da UFMG, Marcos Pimenta implantou, na instituição, o Laboratório de Espectroscopia Raman. De 1997 a 1998, trabalhou no grupo do pesquisador Mildred Dresselhaus, no Massachusetts Institute of Tecnology (MIT), onde realizou contribuições importantes ao estudo de nanotubos de carbono. De 2002 a 2005, foi co-coordenador do Instituto do Milênio de Nanociências, entidade ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação. Orientador de centenas de trabalhos de pós-graduação, publicou mais de 120 artigos científicos, sendo nove em Physical Review Letters e 36 em Physical Review B. Atualmente, é um dos coordenadores do Centro de Tecnologia em Nanotubos de Carbono (CT-Nanotubos). Em 2014, durante assembleia geral da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (Twas), o pesquisador recebeu importante prêmio internacional. A condecoração anual destina-se a estudiosos de destaque nas áreas de Ciências Agrárias, Biologia, Química, Ciências da Terra, Ciências de Engenharia, Matemática, Física e Ciências Médicas. No mais recente reconhecimento a seu trabalho, Marcos Pimenta foi agraciado com o Prêmio de Pesquisa Básica Marcos Luiz dos Mares Guia, criado pelo Governo do Estado de Minas Gerais e apoiado pela FAPEMIG. A premiação contempla pesquisadores mineiros responsáveis pela condução de estudos e pesquisas de grande contribuição para a ciência e o desenvolvimento tecnológico.

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Quais os desafios enfrentados em suas pesquisas com nanotubos de carbono? No início, os principais desafios foram a falta de recursos humanos e de infraestrutura disponível para fazer pesquisas nesta área. Gastamos alguns anos formando e qualificando pessoas para trabalhar. Ao mesmo tempo, ao longo dos anos, conseguimos obter dinheiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da FAPEMIG para comprar uma série de equipamentos fundamentais ao desenvolvimento dos projetos de pesquisa. Há metas para 2015? As principais metas são o aumento da escala na produção de nanotubos de carbono, a otimização de processos e a redução de custos dos nanocompósitos com polímeros e cimento. Além disso, buscaremos desenvolver um protocolo para o uso desses materiais. Outra extensão dessa linha de pesquisa é o estudo do grafeno, uma folha bidimensional formada

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por átomos de carbono, que, à forma dos nanotubos, apresenta uma série de potenciais de aplicações tecnológicas, a exemplo do aumento das propriedades térmicas e mecânicas de outros materiais. A produção de nanotubos de carbono em Minas Gerais é considerada de ponta, em comparação a outros centros de pesquisa no Brasil? O grupo mineiro é pioneiro nas pesquisas em nanotubos de carbono e lidera essa área de pesquisa no Brasil, devido aos financiamentos que recebeu dos governos federal e estadual ao longo dos últimos anos. Para que essa liderança seja mantida, é fundamental que, em 2015, continuemos a obter recursos para continuar progredindo.

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Iniciativas como a criação de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) podem ajudar? Em primeiro lugar, é preciso propiciar a formação de recursos humanos, na gradu-

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Diogo Brito

ação e na pós-graduação, já que o sucesso de qualquer projeto de pesquisa depende de um corpo de pesquisadores qualificados. Por outro lado, estes grandes projetos permitem a compra de grandes equipamentos de uso compartilhado e possibilitam a interação entre pesquisadores de diferentes instituições, por meio do financiamento de missões de colaboração científica. Que cenários o senhor prevê para a Nanotecnologia brasileira? Hoje, a Nanotecnologia já está sendo usada em vários produtos, principalmente, na melhoria das propriedades de materiais e dispositivos convencionais. Outro progresso importante deve ser esperado na área de eletrônica, com a fabricação de dispositivos mais eficientes e rápidos do que os atuais. Por outro lado, espera-se, também, o desenvolvimento de aplicações nas áreas de Biologia e Medicina, como a transição gênica e o desenvolvimento de novas vacinas.

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As celebridades compõem, cada vez mais, a cena pública. Antes confinadas nas revistas e nos programas de TV especializados em fofocas, atualmente elas se desdobram em inúmeros veículos – das capas de revistas de informação a telejornais de prestígio, passando por diversas plataformas on-line. A vida profissional e privada dos famosos são tematizadas nos diferentes dispositivos midiáticos, convocando os sujeitos comuns a louvar as glórias, lamentar as quedas ou mesmo zombar dos fracassos das pessoas célebres.

A humanidade sempre buscou louvar seus ídolos. A partir do século XX, porém, tal culto ganhou dimensões estratosféricas: desde então, celebridades ocupam espaço privilegiado na programação dos mais diversos dispositivos e estruturas midiáticas. Organizada pelos pesquisadores Vera França, João Freire Filho, Lígia Lana e Paula Simões – ligados à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e à Universidade Federal do Rio de Janeiro – , a presente obra busca compreender tal processo de exacerbação dos ícones pop, “no contexto social contemporâneo e de seu papel de espelhamento de valores sociais”. Dividido em três partes – “A ascendência das celebridades na cultura moderna”, “Celebridades e construção de valores” e “A mídia, os ídolos e seus públicos” –,

Tramas

Sujeito enaltecido, sujeito humilhado: ao que parece, é sempre por meio dessa inversão entre o pró e o contra que se faz a abordagem do sujeito; daí seria preciso concluir que o ‘eu’ das filosofias do sujeito atopos, sem lugar garantido no discurso. Em que medida se pode dizer que a hermenêutica do si-mesmo, aqui elaborada, ocupa um lugar epistêmico (e ontológico, como se dirá no décimo estudo) situado além dessa alternativa de cogito e anticogito.

o livro – que “participa da consolidação de um campo de pesquisa sobre fama no Brasil – aborda temáticas (gerais e específicas) como a relação entre identificação, idealização e consumo, aspectos de mídia e idolatria no futebol e contradições da fama nas periferias – a exemplo do ocorrido com a funkeira carioca Tati Quebra-Barraco.

Livro: Celebridades no século XXI Autores: Vera França, João Freire Filho,

Lígia Lana, Paula Simões (organizadores) Editora: Sulina Páginas: 286 Ano: 2014

do “eu”

Ao analisar as nuances por trás do “locutor do discurso”, o filósofo Paul Ricoeur (1913-2005), um dos mais importantes pensadores franceses do pós-guerra, constrói amplo panorama acerca dos “mistérios” da identidade. Nesta importante obra, traduzida à língua portuguesa por Ivone C. Benedetti e agora publicada pela editoria WMF Martins, o pensador lança problematizações ao vento: “Quem é o agente ou o paciente da narrativa? Quem é o responsável por um ato?”. Catedrático em Filosofia e doutor em Letras, Ricoeur promove, em O si-mesmo como outro, dez relevantes estudos, nos quais “pretende ficar tão distante da apolo-

gia do Cogito quanto de sua destituição”. Trata-se de investigações sobre temas como “A ‘pessoa’ e a referência identificadora”, “A enunciação e o sujeito falante”, “Da ação ao agente”, “O si e a identidade narrativa” e “O si-mesmo e a sabedoria prática”.

Livro: O si-mesmo como outro Autores: Paul Ricouer Editora: WMF Martins Páginas: 438 Ano: 2014

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LEITURAS

De olho nas celebrities


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Nas ondas do rádio A Rede Ondas da Ciência (ROC) é uma iniciativa do Programa de Comunicação Científica e Tecnológica (PCCT) da FAPEMIG, que busca ampliar a difusão de conhecimento no rádio. A ROC reúne estações radiofônicas dispostas a abrir espaço à divulgação científica e a contribuir com a democratização do saber. Além do programa Ondas da Ciência, publicado em podcasts no endereço blog.fapemig.br, é possível ter acesso ao conteúdo de ciência e tecnologia em emissoras de todo o Estado – dentre as quais, UFMG Educativa, Inconfidência FM e Ufop Educativa. Em 2015, contamos com seu apoio para ampliar o alcance da Rede! Que tal divulgar a boa nova entre os amigos pesquisadores e jornalistas? As rádios interessadas podem entrar em contato pelo e-mail acs@fapemig.br.

Experimentos caseiros Inspirado no lançamento do livro Manual do mundo, o Ciência no Ar produziu dois episódios especiais com experimentos para fazer em casa. São atividades divertidas e diferentes, especialmente interessantes para despertar, em crianças e adolescentes, o interesse pela ciência e tecnologia. As experiências podem ser realizadas com itens e ingredientes do dia a dia. No primeiro vídeo, aprenda a fazer o “tobogã de gás”. No segundo, saiba como as cargas elétricas podem render uma boa competição.

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Açaí X Colesterol Delicioso e refrescante no verão, saboroso e nutritivo em qualquer estação, o açaí ganhou o gosto dos brasileiros de Norte a Sul do País após se popularizar, no final dos anos 2000, devido a seu poder antioxidante. Estudos desenvolvidos por pesquisadoras da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) indicam que a fruta também contribui para redução do colesterol ruim (LDL) e aumento do bom, o chamado HDL. Apesar disso, atenção: os estudos são feitos com a fruta ao natural, sem adição de açúcar ou guaraná.

Todos contra a diabetes Em novembro de 2014, o blog Minas faz Ciência publicou uma série de posts em atenção ao “Dia Mundial do Diabetes”, celebrado no dia 14 daquele mês. Caso você tenha perdido alguma postagem, pode acessar a tag #diabetes no blog e rever todo o conteúdo. Responsável por diversas implicações, a doença exige cuidados não apenas do paciente, mas, também, da família e outras pessoas próximas. Além disso, os impactos nos sistemas público e privado de saúde – do tratamento cotidiano às possíveis complicações – mostram-se bastante expressivos. Informar-se sobre a doença também é uma forma de prevenção.

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Na imagem ao lado, eis o inato mistério de um crânio de irara (Eira barbara). Trata-se de animal onívoro, da família dos mustelídeos, com aspecto similar ao das martas e fuinhas e que habita florestas tropicais nas américas Central e do Sul. O clique é de autoria do fotógrafo Henrique Perini, também formado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e em Cinema pelo Centro Universitário UNA.

VARAL

Henrique Perini


Investimentos em CT&I gerando resultados para toda a sociedade Na área da Ciência, Tecnologia e Inovação, “plantar” e “colher” guardam uma distância temporal entre si. Resultados de investimentos e ações na área têm seu tempo certo de maturação e não são imediatos – mas são robustos e duradouros. Em Minas Gerais, a política estadual de CT&I estabeleceu as bases para uma economia do conhecimento vigorosa e competitiva. Os frutos desse investimento já estão sendo colhidos!

#trabalho em conjunto PACOTES PARA AS INSTITUIÇÕES ESTADUAIS

A FAPEMIG possui linhas de financiamento e programas destinados a aprimorar a competência institucional das universidades e centros de pesquisa estaduais. Entre eles, destaca-se o acesso ao Portal de Periódico da Capes e o Programa de Reestruturação da Infraestrutura de Pesquisa. No conjunto, esse pacote tem estimulado uma mudança de patamar das instituições mineiras.

PARCERIAS COM OUTRAS SECRETARIAS DE ESTADO

No espírito de cooperação para resultados, a FAPEMIG possui projetos em parceria com outras secretarias e órgãos estaduais. Com a Secretaria Estadual de Saúde, por exemplo, lança, desde 2004, um edital que financia pesquisas voltadas para o Sistema Único de Saúde. Outros parceiros são as secretarias estaduais de Educação, Cultura e Esportes. MINAS FAZ CIÊNCIA • MAR/ABR/MAI 2015

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