Laboração continua

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451 Mariano Gago ou a modernização de um país Um antigo aforismo grego diz que “morrem cedo aqueles que os deuses amam”. O cientista e político de ciência José Mariano Gago morreu cedo, aos 66 anos, demasiado cedo para todos aqueles que esperavam mais do seu pensamento e da sua ação. Foi um físico experimental, especialista em física de partículas, mas, não contente com a sua ciência, interessou-se pela ciência dos outros. Tornou-se primeiro gestor de ciência e depois político da ciência, trazendo pela primeira vez a ciência para a mesa do Conselho de Ministros. Quis desenvolver todas as ciências, incluindo as ciências sociais e humanas, almejando sempre padrões internacionais. E, não contente com isso e consciente de que a ciência só era sustentável com o apoio da sociedade, quis promover a compreensão da ciência por parte do público. No político Mariano Gago pensamento e ação sempre estiveram firmemente ligados. Pensava maduramente aquilo que dizia a respeito do país, como se pode comprovar hoje lendo o seu livro “Manifesto para a Ciência em Portugal” saído na Gradiva está quase a fazer 25 anos. E a palavra dele servia a ação, uma ação que tivemos a felicidade de ver prolongada durante quatro governos ao longo de quase 13 anos. Na política procurou concretizar a sua ideia central de que o país precisava de ciência para se tornar desenvolvido, para se aproximar da generalidade dos países europeus. Em retrospetiva, é fácil reconhecer um tempo na ciência nacional antes e depois do Ministério da Ciência e Tecnologia, criado e dirigido por Mariano Gago em 1995, para dar lugar anos volvidos ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. É uma diferença da noite para o dia. Em 1995 o investimento, público

e privado, em ciência era de 460 mil milhões de euros, em 2011, quando ele deixa o ministério (teve uma pequena pausa a meio), o investimento já era de 2566 mil milhões, cerca de cinco vezes mais. Com esse reforço de investimento, muitos portugueses jovens conseguiram formação científica ao mais alto nível. Em 1995, houve 567 novos doutores em todas as áreas do conhecimento, mas em 2011 já foram 1845, cerca de três vezes mais. Esses novos doutores e outros doutores menos novos, assim como com os numerosos estudantes entretanto cativados para as ciências, publicaram cada vez mais artigos nos melhores periódicos internacionais. Em 1995 registaram-se 2402 publicações científicas ao passo que em 2011 esse número passou para 15.233, cerca de seis vezes mais. Passámos a fazer parte de organizações internacionais de ciência, como o Laboratório Europeu de Física de Partículas – CERN, a Agência Espacial Europeia (ESA) e o Observatório Europeu do Sul (ESO). Abandonámos, na área da ciência e tecnologia, a cauda da Europa, um lugar que nos devia envergonhar, para nos aproximarmos dos países da União Europeia. Deixámos de ser atrasados para sermos, ainda que modestamente, modernos. Infelizmente, o processo de convergência com a Europa foi interrompido nos anos mais recentes, um retrocesso que nos devia envergonhar. Na ciência foi escrita, por meio de um consenso político que Gago cultivou, uma das mais belas páginas da história do regime democrático, surgido com o 25 de abril de 1974. Com a ajuda da Europa, que o ministro soube procurar e manter, muitos fundos europeus serviram para proporcionar uma maior qualificação de mais portugueses (o que foi assegurado por bolsas de

Rua dos Santos Mártires, 3810-171 Aveiro · tel. 234 427 053 · www.fabrica.cienciaviva.ua.pt · www.facebook.com/fccva · fabrica.cienciaviva@ua.pt

por Luísa Ferreira

Intervenção do professor Mariano Gago no 1º Fórum Ciência Viva

doutoramento e pós-doutoramento), para criar estruturas e infraestruturas de investigação científica (submetidas periodicamente a uma avaliação internacional séria, recentemente substituída por um simulacro de avaliação) e uma rede destinada a alimentar a cultura científica por todo o território nacional. Este último aspeto, devido à sua originalidade e relevância, merece ser destacado. José Mariano Gago criou, para além do Pavilhão do Conhecimento no Parque das Nações em Lisboa, uma rede de centros Ciência Viva que se espalhou a todo o país, desde Trás-os-Montes (Bragança) ao Algarve (Faro, Tavira e Lagos) passando pela Beira Interior (Proença-a-Nova) e pelo Alentejo (Lousal). A rede chegou mesmo às ilhas, a Porto Moniz (Madeira) e à Lagoa (S. Miguel, nos Açores). Por todo o lado os curiosos pela ciência, principalmente os jovens, puderam alimentar a sua sede de saber, ao mesmo tempo que se divertiam. Houve também projetos nas escolas e ações de Ciência Viva nas férias. Os órgãos de comunicação social foram dando conta de todas estas atividades, refletindo o crescente papel da ciência na sociedade portuguesa. Poucos políticos puderam ajudar tanto o país, deixando uma obra de tão grande vulto. Agora, quando não podemos mais contar com Mariano Gago, a missão que nos fica é a de preservar e aumentar o seu legado. O país, para ser mais rico material e intelectualmente, precisa de mais ciência. São precisas mais bolsas, mais apoio às unidades de ciência e mais Ciência Viva. Carlos Fiolhais Departamento de Física da Universidade de Coimbra Ciência na Imprensa Regional/Ciência Viva

Visita de Mariano Gago à Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro em 2006.

Entre 23 e 27 de novembro, comemora-se a Semana da Ciência e da Tecnologia e o Dia Nacional da Cultura Científica. Como forma de relembrar o professor Mariano Gago, figura de referência neste âmbito, deixamos um excerto da sua intervenção no 1º Fórum Ciência Viva, que decorreu a 6 e 7 de julho de 1997. “Lançado há cerca de um ano, o Programa Ciência Viva afirmou-se como contributo indispensável para a promoção da cultura científica de base em Portugal. (…) e a necessidade imperiosa de sublinhar o papel insubstituível da experimentação - isto é, da confrontação organizada do pensamento e do real - na apropriação de cultura científica. (…) O segundo instrumento de intervenção do Programa visa criar, em todo o país, Centros de Ciência Viva, espaços interativos de divulgação científica para o público em geral, locais privilegiados de encontro de atores regionais apostados na intervenção cultural, educativa, profissional e económica, centros de apoio à Escola e unidades de formação e estágio de professores e animadores. Nestes Centros exercer-se-á a prática profissional da divulgação científica entendida não como espetáculo da ciência mas como diálogo experimental livre, por diferentes meios de comunicação, com a generalidade da população e com as escolas. (...)

A cultura científica e tecnológica dos cidadãos é um dever de cidadania e uma condição de participação informada na vida social e económica. Não é pois um objetivo exclusivo de professores, animadores e comunicadores ou de cientistas. Mas o papel insubstituível dos cientistas e de outros profissionais das ciências e das tecnologias na promoção da cultura científica de base dos cidadãos é insubstituível e constitui, em meu entender, parte essencial da responsabilidade social dos cientistas. O envolvimento da comunidade científica e das suas instituições na promoção da cultura científica deve ser reforçado, especialmente na escola básica. É prioridade assumida da nossa política científica promover esse envolvimento das instituições científicas e dos cientistas na educação científica de base da população portuguesa. A atividade científica real, os seus saberes e práticas, comunica com as restantes atividades humanas, é por elas condicionada e delas recebe alimentos e estímulo, assim como ela mesma contribui para o seu enriquecimento e para a formação da reflexividade crítica e das capacidades de interpretação, de argumentação e controvérsia. Na tradição cultural portuguesa - marcada nos séculos de afirmação da ciência moderna pela intolerância, o dogmatismo e a perseguição ao espírito livre - o combate à retórica balofa que lista definições e classificações como se de verdadeiro saber se tratasse (e não de meras convenções) continua na ordem do dia. Por isso, é necessário reafirmar o primado essencial da experimentação na formação de cultura científica repito experimentação, como atividade organizada de confrontação do pensamento e do real, e portanto não só implícita nas ciências da natureza mas também nas de índole social e humana. Esse combate é também um combate social, porque a retórica estática privilegia sempre os que dispõem, à partida, de maior capital de cultura simbólica e dos meios formais de atualizar esse capital, designadamente pela capacidade de uso da língua. Experimentar não é maravilhar com o espetáculo do insólito produzido em ambiente de laboratório ou com equipamento científico ou multimédia. O espetáculo da ciência pode suscitar curiosidade e atenção - e é, nessa medida, útil na formação da cultura científica. Mas, sem pensamento, sem diálogo estruturado sobre o porquê das coisas, sem controvérsia, sem enigma, sem verdadeira experimentação, não há ciência nem educação científica. Pensar a formação da cultura científica de base é assim um grande desafio que o programa Ciência Viva constrói à vista de todos e hoje expõe e debate como contributo para a melhoria segura da nossa cidadania.” José Mariano Gago

(Fonte: www.cienciaviva.pt)

CAFÉS DE CIÊNCIA

CONVERSAS COM LUZ VER COM UMA LUZ INVISÍVEL 6ª FEIRA | 27 NOVEMBRO’15 | 21H30 VITOR AMARAL

Departamento de Física da Universidade de Aveiro CICECO – Instituto de Materiais de Aveiro

Verdes são os campos, de cor de limão… A visão dada por uma câmara termográfica de infravermelhos é sobretudo conhecida pela possibilidade de obter o mapeamento de temperatura, mas também desvenda novas dimensões sensoriais para um poema diferente e não só... Aceite o convite para um percurso colorido, que combina aspetos científicos quantitativos, aplicações técnicas e potencialidades artísticas da observação com a luz invisível emitida pelos corpos e objetos, que foi explicada por Max Planck no despertar da física quântica.

Data sexta-feira, 27 novembro’15 Local Hotel Moliceiro, Aveiro Horário 21h30 – 23h00 Público-alvo jovem e adulto Contactos 234 427 053 ou fabrica.cienciaviva@ua.pt Entrada livre.

Ciência na Agenda

06 >

28 nov

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Exposição Coletiva de Imagens Científicas “Nanos”, na Biblioteca Municipal de Albergaria-a-Velha.

29

Semana Europeia da Robótica 2015, na Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro e no Laboratório IRIS (Universidade de Aveiro).

24 nov

Exposição “Rosetta no rasto do cometa”, na Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro.

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jan

27 nov

19h30 Babysitting de Ciência, na Fábrica Centro

27 nov

21h30 Conversas com Luz – Ver com uma luz

>00h00 Ciência Viva de Aveiro.

invisível, com Vitor Amaral, no Hotel Moliceiro.

Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro 2015


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