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GENERO
Organizadoras:
KERLE DAYANA TAVARES DE LUCENA LAYZA DE SOUZA CHAVES DEININGER
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Organizadoras: Kerle Dayana Tavares de Lucena Layza de Souza Chaves Deininger
1ª Edição Escola de Enfermagem Nova Esperança João Pessoa - 2018
Diretora FAMENE Kátia Maria Santiago Silveira Vice-Diretor FAMENE Eitel Santiago Silveira Secretária Geral Carolina Santiago Silveira Polaro Araujo Secretário Adjunto Edielson Jean da Silva Nascimento Coordenadora Acadêmica Faculdades Nova Esperança Nereide de Andrade Virgínio Coordenadora do Curso de Medicina-FAMENE Gladys Moreira Cordeiro da Fonseca
ISBN: 978-85-99789-09-4 Todos os direitos reservados aos autores. A responsabilidade sobre textos são dos respectivos autores.
Revisão Editorial Amanda Marília da Silva Sant’Ana Revisão Ortográfica (Língua Portuguesa) Josane Cristina Batista Santos Projeto Gráfico e Diagramação Flaviana Silva de Lima
ESCOLA DE ENFERMAGEM NOVA ESPERANÇA LTDA - FAMENE Campus: Av. Frei Galvão, 12 - Gramame, João Pessoa - PB CEP 58067-695 | Fone/Fax : (83) 2106-4777
APRESENTAÇÃO Este livro, no formato de coletânea de artigos, está incluído em um processo mais amplo de reflexão sobre a categoria gênero e o fenômeno da violência doméstica contra a mulher. Constitui-se em um importante ponto de inflexão nesse processo de compartilhamento e produção de saberes, objetivando aprofundar o debate em curso, auxiliando discentes, docentes, profissionais de saúde e a sociedade contemporânea sobre a compreensão acerca das questões de gênero, incluindo conceitos de patriarcado, machismo e violência perpetrada contra as mulheres. “Ensaios sobre gênero” foi produzido a partir do grupo de pesquisa: GPESC- “Saúde e Comunidade: buscando a integralidade do cuidado”. Este grupo abrange discentes do cursos de medicina da FAMENE - Faculdade de Medicina Nova Esperança/PB e de Enfermagem da Universidade Estadual de Ciências da Saúde/AL. A elaboração deste E-book valoriza a atividade de pesquisa desenvolvida nas Faculdades e auxilia na construção do pensamento crítico pelos alunos, ampliando sua qualificação, bem como viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade. O estímulo à publicação nos grupos de pesquisa valoriza-a como uma atividade acadêmica nas Faculdades, em que o processo de elaboração e divulgação das informações são de grande importância, pois reforça o conceito de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Os artigos produzidos por discentes e docentes abordam os mais diversos subtemas que envolvem gênero e violência. Reúne o que existe de mais atual na literatura sobre tais questões e provoca o leitor para aprofundar o debate e se questionar sobre a necessidade da emancipação de gênero para as mulheres e a dificuldade de superar o machismo. Utilizou-se em toda produção uma linguagem acessível, com método de pesquisa do tipo revisão integrativa e bibliográfica, no sentido de ampliar o escopo dos subtemas e assim, produzir mais materiais para essa discussão que vem ganhando espaço em revistas, livros e demais instrumentos de divulgação e pesquisas. Salienta-se a importância de fomentar nos alunos e dentro da academia a desconstrução diária do machismo e dialogar acerca do empoderamento feminino no tocante a igualdade de direitos. Nessa perspectiva, “Ensaios sobre gênero” inicia trazendo conceitos de gênero e patriarcado para que possamos mergulhar na história, para produzir assim, uma transformação social. Os demais artigos contemplam pesquisas sobre outros segmentos da população, tais como a violência contra idosos, violência de gênero, dentre outras. Convidamos a você, leitor e leitora, a mergulhar nessa produção feita por tantas mãos e com tanto zelo e amor. Juntos somos mais fortes! Kerle Dayana Tavares de Lucena Layza de Souza Chaves Deininger
Agradecimentos ร FAMENE pelo apoio pedagรณgico e administrativo. Ao CNPq pelo apoio financeiro do projeto 430299/2016-8.
SUMÁRIO 1.
GÊNERO: EUFEMISMO PARA PATRIARCADO?
.............................................................6
2.
LEI MARIA DA PENHA: AVANÇOS E DESAFIOS NA ATUALIDADE
3.
TIPIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
4.
IMPACTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA SÁUDE DAS MULHERES
5.
VIOLÊNCIA DE GÊNERO
.................................16
.....................................................27 ....................................41
.............................................................................................53
6. PAPEL DOS PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ........................................................................64 7. BASES LEGAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ................................................................................................................................77 8.
VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBT
9.
VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA
APRESENTAÇÃO ORGANIZADORAS
................................................................95
.....................................................................106
......................................................................................115
CAPÍTULO 1 GÊNERO: EUFEMISMO PARA PATRIARCADO?
RESUMO Os termos Gênero e Patriarcado possuem diferentes definições, gerando discussões entre os grupos que os definem. Este estudo trata-se de uma revisão bibliográfica que utilizou artigos publicados entre 2012 e 2017, além de monografias e capítulos de livros. O termo “patriarcado” aponta para o exercício da dominação masculina. A fixidez desse conceito permanece no quadro de referências de uma estrutura determinante, fundada nas bases materiais. A relação de dominação-submissão é fomentada por uma estrutura social machista e patriarcal. A violência de gênero é na maioria, mulheres vítimas de homens, tendo o patriarcado enraizado. Estudos feministas apontam o patriarcado como um quesito que pode levar à violência contra a mulher, embora essa questão seja insuficiente para o agravo. Apesar das conquistas feministas, a postura de dominação em relação à mulher continua a acontecer, de forma menos evidente, disfarçada de liberdade. DESCRITORES: Identidade de gênero. Violência doméstica contra a Mulher. Feminismo.
Amanda Coelho Xavier
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Carla Laís dos Santos Fernandes
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Crislanny Regina Santos da Silva
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Lara Monteiro Costa Araújo
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Bárbara Meira de Oliveira
Mestranda em Modelos de decisão e Saúde, UFPB. Membro do GPESC.
Kerle Dayana Tavares de Lucena
Professora Doutora pela UFPB. Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO Gênero é uma categoria sociológica que, segundo Stoller (1994), refere-se a grandes áreas da conduta humana, como sentimentos, pensamentos e fantasias relacionadas com o sexo, porém sem base biológica. Entretanto, o termo tem uma gama de conceitos, os quais divergem de acordo com os ideais dos grupos que o dão significância, gerando discussões acaloradas e incertezas contínuas (SCOTT, 2012). Nesse sentido, as questões de gênero atravessam diversas relações humanas em suas múltiplas esferas, como social, política, econômica, cultural (GUIRALDELLI, 2008). O foco de muitos trabalhos sobre gênero tem sido, majoritariamente, sobre as mulheres, uma vez que estas são as mais afetadas por esta desigualdade (LUCENA, 2017). A perspectiva feminista defende que o patriarcado é fonte de maus-tratos às mulheres, sendo o termo “gênero” uma maneira de amenizar os erros contra as mulheres (SCOTT, 2012). Segundo Aguiar (2000), patriarcado é um termo muito utilizado na literatura intelectual feminista e é também muito debatido. As discussões abrangem diversos âmbitos sociais, desde a História, com o passado das famílias brasileiras, até o governo, pautado nos setores privados e públicos. Uma discussão mais profunda é apresentada por Saffioti (2004), que retrata a formação do patriarcado. Segundo a mesma autora, nas sociedades antigas, a mulher era o centro da família, uma vez que gerava o alimento e a prole. Todavia, com o passar dos tempos e com as mudanças sociais, como o início da agropecuária, tornou-se necessário o aumento das famílias, com intuito de mais trabalhadores a fim da acumulação de bens e, a partir daí, viu-se que o homem também tinha participação na reprodução. Assim, a mulher perde sua posição inicial e passa a ser dominada e explorada pelos homens, evidenciando o que foi nomeado de patriarcado. Nos dias atuais, ainda se vive em um mundo dominado pelos homens, da mesma forma que há 2500 anos, conforme os estudos de historiadores. Tais quais as sociedades primitivas, a nossa sociedade é, ainda, marcada pela desigualdade nas relações de classe e raça/etnia. A escolha da terminologia mais adequada para explicar esse fenômeno na vida política, familiar e social sempre foi ensejo para reflexão dos teóricos da área. A escolha das categorias “gênero”, “patriarcado”, ou o uso simultâneo de ambos traz, no seu bojo, implicações políticas sérias que merecem ser destacadas. Nessa perspectiva, é salutar refletir acerca do tema, principalmente, num momento em que a participação feminina na vida social cresce significativamente (LUCENA, 2017). Ainda segundo Saffioti (2004), pelo grande contexto de domínio e discriminação que o termo patriarcado abrange, há eminente relação deste com as palavras Raça/Etnia e Capitalismo, os quais, muitas vezes, adquirem difícil dissociação (AGUIAR, 2000). Instituições como a família, o estado, as religiões, serviram para reproduzir e manter o status de inferioridade feminina ao longo dos anos (FACCIO, 1999). Segundo Fonseca (2005), além de classes sociais, gênero é uma das categorias de análise importante para a compreensão do processo saúde-doença, porque apesar de ser relativa a uma especificidade biológica, expressa, também, uma condição de desigualdade no espaço social que determina a posição social dos sujeitos, e, consequentemente, sua saúde.
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CAPÍTULO 1 A espécie humana é constituída por homens e mulheres. A contradição produzida em suas relações resultou na desigualdade de gênero e, portanto, deve ser compreendida, explicada e combatida, pelo prejuízo causado às mulheres, pela perda de desenvolvimento de relações sociais solidárias entre os sexos, ao impor-se, nessas relações, a dominância da desigualdade em detrimento da diversidade (BERLINGUER, 1993). Nessa perspectiva, a violência doméstica contra a mulher é uma das consequências das desigualdades provocadas pelas questões de gênero. Trata-se de um ato baseado nas relações entre os sexos, que provoca danos físicos e psicológicos ou sofrimento para a mulher (LUCENA, 2017). Segundo o Mapa da Violência 2015, em um panorama internacional, o Brasil ocupa a quinta posição, entre os 83 países analisados, quanto à taxa de homicídios por 100 mil mulheres, possuindo 48 vezes mais homicídios femininos do que o Reino Unido (WAISELFISZ, 2015). No Brasil, a desigualdade de gênero tem raízes no patriarcalismo colonialista que se foi produzindo tendo a categoria gênero como pano de fundo, mesclando-se com o racismo. Com o advento do capitalismo, as classes sociais floresceram em sua plenitude. As contradições decorrentes da produção dessas categorias constituem uma realidade regida por uma lógica igualmente contraditória (GUEDES, 2006). As contradições produzidas a partir da construção social dos sexos, sobretudo, por meio da cultura e da ideologia, obriga-nos a uma identificação por sexo, marcada por poder ou falta dele. Nesse sentido, objetivou-se apresentar reflexões acerca do uso dos termos “gênero” e “patriarcado” na literatura feminista. METODOLOGIA Trata-se de um estudo do tipo revisão bibliográfica, com a finalidade de sintetizar e analisar as informações disponibilizadas por estudos relevantes publicados, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento e orientação de uma análise crítica do tema abordado (MANCINI, 2006). Esta pesquisa foi norteada pelo questionamento acerca da influência dos valores patriarcais e suas consequências nas relações de gênero. Portanto, realizou-se, no período de setembro a novembro de 2017, um levantamento retrospectivo de publicações que abordassem o tema gênero e patriarcado. Foram utilizadas as bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino Americana e do Caribe (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e US Nacional Library of Medicine (PUBMED), além de monografias, teses de mestrado e capítulos de livros. Considerou-se critérios de inclusão bibliografias que atendessem à temática gênero e/ou patriarcado nos idiomas inglês, português e espanhol, sendo excluída qualquer bibliografia que não atendesse a esses critérios. Para a busca, utilizou-se os seguintes descritores: Identidade de Gênero, Violência Doméstica Contra a Mulher e Feminismo, já que os termos patriarcado e gênero não são descritores.
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CAPÍTULO 1 PATRIARCADO, GÊNERO E RELAÇÕES DE GÊNERO A partir da literatura feminista, evidenciou-se que as organizações humanas nem sempre foram patriarcais. De acordo com estudos antropológicos, no início da história da humanidade, as primeiras sociedades humanas eram tribais, coletivistas e matrilineares, organizadas predominantemente em torno da figura da mãe, a partir da descendência feminina, menos competitiva, e mais igualitária. Os papéis sexuais e sociais de homens e de mulheres não eram definidos de forma rígida e as relações sexuais não eram monogâmicas. A hipótese antropológica mais aceita para essa organização é a de que os homens no Período Paleolítico Superior desconheciam a participação masculina na reprodução, permitindo à mulher um papel central. (NARVAZ, 2006). O termo “patriarcado” remete, em geral a um sentido fixo, uma estrutura fixa que imediatamente aponta para o exercício e presença da dominação masculina. O termo “gênero” remete a uma não fixidez nem universalidade das relações entre homens e mulheres. Remete à ideia de que as relações sociossimbólicas são construídas e transformáveis (MACHADO, 2000). Esses conceitos não se situam no mesmo campo de referência, segundo Weber (1964) chama-se patriarcalismo a situação na qual, dentro de uma associação, na maioria das vezes fundamentalmente econômica e familiar, a dominação é exercida (normalmente) por uma só pessoa, de acordo com determinadas regras hereditárias fixas. Elisabeth Lobo critica a fixidez do conceito de patriarcado, para ela a formulação do patriarcado, mesmo relativizada pelas diferenciações históricas, permanece no quadro de referências a uma estrutura determinante, fundada nas bases materiais. De certa forma, o patriarcado funda a divisão sexual do trabalho e é por sua vez fundado nas bases materiais da sociedade. Já o gênero é uma categoria engendrada para se referir ao caráter fundante da construção cultural das diferenças sexuais, a tal ponto que as definições sociais das diferenças sexuais é que são interpretadas a partir das definições culturais de gênero. Gênero é assim uma categoria classificatória que, em princípio, pode metodologicamente ser o ponto de partida para desvendar as mais diferentes e diversas formas de as sociedades estabelecerem as relações sociais entre os sexos e circunscreverem cosmologicamente a pertinência da classificação de gênero (COSTA, 2011). Enquanto o conceito de gênero permite a interrogação de toda e qualquer formação cultural e social, o conceito de patriarcado se circunscreve a formas sociais que sejam definidas como tal e tende a aprisioná-las como totalidade neste único sentido. O conceito de gênero não implica o deixar de lado o de patriarcado. Ele abre a possibilidade de novas indagações, muitas vezes não feitas porque o uso exclusivo de “patriarcado” parece conter já, de uma só vez, todo um conjunto de relações: como são e porque são. Trata-se de um sistema ou forma de dominação que, ao ser (re)conhecido já (tudo) explica: a desigualdade de gêneros (MACHADO, 2000) Segundo Oliveira (2013), o conceito de “relações de gênero” não veio substituir o de “patriarcado”, mas sim, o de “condições sociais da diferença sexual”, o de “relações sociais de sexo”, e o de “relações entre homens e mulheres”. Para Teles (2002), gênero é uma categoria criada para demonstrar que a grande maioria das diferenças entre os sexos são construídas social e culturalmente a partir de
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CAPÍTULO 1 papéis sociais diferenciados que, na ordem patriarcal, criam polos de dominação e submissão. O sexo descreve as características e as diferenças biológicas que estão exclusivamente relacionadas a anatomia e a fisiologia. Gênero, por sua vez, engloba as diferenças socioculturais existentes entre o sexo feminino e o masculino, as quais foram historicamente construídas. Nas sociedades patriarcais, o homem, a partir do falo, é construído socialmente como homem, sendo constantemente educado para prover, comandar, atingir seus objetivos, trabalhar e conviver no espaço público. Enquanto que a mulher, a partir da vagina, é tornada socialmente mulher, sendo educada para cuidar dos outros, da casa e da família, devendo ceder, obedecer e se preservar, permanecendo no espaço privado (BOURDIEU, 2005). O patriarcado é uma especificidade das relações de gênero, estabelecendo, a partir delas, um processo de dominação-subordinação. Este só pode, então, se configurar em uma relação social. Pressupõe-se, assim, a presença de pelo menos dois sujeitos: dominador(es) e dominado(s). A ideologia sexista, portanto, está corporificada nos agentes sociais de ambos os polos da relação de dominação-subordinação. O gênero não é tão-somente social, dele participando também o corpo, quer como mão-de-obra, quer como objeto social, quer, ainda, como reprodutor de seres humanos (SAFFIOTI, 2004). A relação de dominação-submissão é fomentada por uma estrutura social machista e patriarcal. O machismo está estabelecido numa relação que coloca o senhor (o patriarca) na posição de dominador, detentor da força e de um poder absoluto sobre tudo e todos, inclusive o poder de dominação sobre as mulheres, pois, como bem apresenta Freyre (2003), a força concentrou-se nas mãos dos senhores, considerados donos das mulheres. Essa posição de patriarca, considerada comum e natural, foi construída há milênios (VITÓRIA, 2015). Singly (2000) descreve um modelo distinto de família moderna, em pleno século XX na França, marcado pelo processo de individualização, com a maior independência das mulheres, a possibilidade do divórcio por consentimento mútuo e a lei de 1970 que dá fim à autoridade parental. Apesar de tais avanços, é predominante na atualidade brasileira ainda um modelo patriarcal estruturador de uma concepção hierárquica das famílias e das relações sociais. Machado (2001) em “Tendências contemporâneas no Brasil” corrobora com a ideia de um modelo cultural relacional e hierárquico de sociabilidade, introduzido na sociedade brasileira colonial que permaneceu inter-relacionado aos processos posteriores de instituição e construção de um modelo igualitário e individualista em suas diferentes fases. Surge, então, um patriarcado moderno, cuja conformação é alterada, mas mantem as premissas de um patriarcado tradicional.
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CAPÍTULO 1 PATRIARCADO E VOLÊNCIA DE GÊNERO A violência de gênero é uma concepção ampliada da violência em geral que pode acometer vítimas mulheres, crianças e adolescentes, de quaisquer sexo, sendo na maioria, mulheres punidas por homens, os quais exercem suas posições patriarcais, reprimindo o que, na sua visão, seja um transvio, como forma de exercer a dominação, imposta pela categoria social a qual estão inseridos, por meio da violência, diferentemente do sexo feminino, que não apresentam em sua essência esse tipo de valor (SAFFIOTTI, 2001). A violência contra a mulher retrata um episódio social recorrente, podendo ser de forma a denegrir a moral, o psicológico ou o físico da mesma, demonstrando relação de submissão ou poder pelo companheiro (BANDEIRA, 2014). É possível analisar que o poder patriarcal presente nos homens pode ser utilizado por eles próprios, ou por outras pessoas delegadas por eles, tendo potencial de muitas vezes, esse poder recair sobre outros homens. Essa realidade é mais fortemente presente no gênero masculino, devido a sociedade defendê-los mais em relação ao poder e julgá-los menos (SAFFIOTTI, 2001). “A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar, visando sua legitimação.” (BORDIEU, 1998).
O vigor masculino perpassa todas as relações sociais, tornando-se algo concreto, fazendo com que existam estruturas hierarquizadas, levando ao senso comum da masculinidade, na qual os homens são superiores e podem exercer função de autoridade em relação a mulher (SAFFIOTTI, 2001). Considerando o feminismo, o gênero como uma ideação da sociedade caminha por toda a realidade, desde questões sexuais, até as religiosas, variando de acordo com as culturas locais. Muitas religiões pregam que mulheres e homens são totalmente distintos, sendo os homens responsáveis e adequados para cuidar de grandes governos e do poder como um todo, e, as mulheres, encarregadas da domesticidade e reprodução (ROSADO, 2015). A sociedade impõe, na grande maioria das vezes, a existência de duas esferas: masculino e feminino, não se complementando, mas sim, como forma de soberania da parte masculina em relação a feminina, consolidando ainda mais o patriarcado ainda presente no meio atual (ROSADO, 2015). Apesar do avanço das religiões com os impactos do feminismo, a modificação da análise feminista nas religiões é lenta, afastando-se, muitas vezes, do campo do gênero, sendo elas ainda solidificadas nas questões da proeminência masculina (ROSADO, 2015). Para Haraway (2004), gênero é “um conceito desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em múltiplas arenas de luta. A teoria e a prática feminista em torno de gênero buscam explicar e transformar sistemas históricos de diferença sexual nos quais “homens” e “mulheres” são socialmente constituídos e posicionados em relações de hierarquia e antagonismo.” De acordo com Butler (2003), o feminismo como sujeito está atrelado ao sistema
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CAPÍTULO 1 político imposto pela sociedade, o qual diferencia os gêneros, sendo o masculino encontrado em um patamar diferencial de dominação. Ela afirma que ao buscar estabelecer uma relação integral com as lutas contra a opressão racial e colonialista, torna-se cada vez mais importante ao feminismo resistir à estratégia epistemológica colonizadora que subordina diferentes configurações de dominação à rubrica de uma noção transcultural do patriarcado. Observa-se a imposição da diferença entre os gêneros em todos os aspectos, muitas vezes, os homens se encontram concedidos a infundir o patriarcado em suas mulheres, mesmo que para isso utilizem da força física, tendo em sua natureza o agir de forma autoritária e proeminente (SAFFIOTTI, 2001). Estudos feministas sobre a violência de gênero afirmam que um dos quesitos importantes para a violência contra a mulher é o patriarcado, mas é visto que há outros pontos na prática violenta, sendo o patriarcado e a dominação masculina, de forma isolada, questões insuficientes para elucidar a violência contra mulher (BANDEIRA, 2014). Os termos gênero e patriarcado são, muitas vezes, colocados como opostos, não os sendo de fato. A expressão patriarcado refere-se a atuação da dominação masculina, já o gênero leva a ideia de que relações podem ser construídas e transformadas ao longo do tempo (MACHADO, 2000). É possível constatar que essa definição de antagonismo entre gênero e patriarcado possa se dá por conceitos e interpretações de estudiosas feministas, as quais se envolvem apenas com a situação das mulheres, por sofrerem a força da reprodução da dominação dos homens, sendo o gênero, acreditado por elas, como forma de utopia e otimismo, esquecendo-se da forte presença do patriarcado na atualidade, mesmo que com aparências distintas de anos atrás (MACHADO, 2000). Os quesitos patriarcais delineados em novos contornos e na sua heterogeneidade mantêm-se evidente na contemporaneidade, implicando-se no seu sentido totalizador, atenuando seus aspectos contraditórios, fugindo do apresamento do termo patriarcado (MACHADO, 2000). É possível constatar a elevada e crescente taxa de violência de homens contra mulheres, principalmente a que concerne as violências sexual e física dos seus parceiros, detectando uma séria adversidade para a saúde pública. Esse tipo de violência doméstica leva a danos significativos à saúde física e mental, por contradizerem a integridade das pessoas, ocasionando, frequentemente, transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e insônia, pela má qualidade de vida dessas mulheres (LUCENA, 2017). Mesmo com a existência de leis vigorosas, como a Lei Maria da Penha, a mais conhecida, algumas mulheres não se sentem resguardadas para realizar a denúncia, por medo da sua segurança ou dos filhos, por ameaças exercidas pelo parceiro ou, até mesmo, pela imposição da sociedade que afirma que as mulheres apresentam algum tipo de culpa por se encontrarem nessa situação, devido ao forte patriarcado ainda enraizado na atualidade (LUCENA, 2017). Constata-se que a violência doméstica contra a mulher é uma situação que se encontra presente em todos fragmentos sociais, sendo mais expressivo em classes mais baixas ou naquelas com maiores desigualdades sociais. A atuação dos profissionais existentes no território inserido, por essas mulheres, demanda apresentar ações intersetoriais e transdisciplinares, visando intensificar as ações de saúde para ajudá-las nessa situação (LUCENA,
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CAPÍTULO 1 2012). A caracterização de gênero ainda se encontra aplanada no quesito poder, sendo este um elemento motivador das desigualdades existentes entre homens e mulheres, o qual corrobora para a violência e atinge negativamente a qualidade de vida e saúde das mulheres (LUCENA, 2012). CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo aponta que o termo gênero é utilizado por algumas autoras no sentido mais amplo, porém com raízes no patriarcado. Ser homem ou mulher é algo construído historicamente e está diretamente relacionado à cultura patriarcal de domínio masculino. Na atualidade brasileira, é predominante ainda um modelo patriarcal moderno, estruturador de uma concepção hierárquica das famílias e das relações sociais. Apesar dos avanços e conquistas feministas, as injustiças e a postura de dominação em relação à mulher continuam acontecer, de forma menos evidente e mais disfarçada de liberdade. Nesse sentido, a oposição hierárquica homem-mulher se reproduz durante séculos, em circunstâncias diversas, de maneira a naturalizar a falta de autonomia, a restrição à liberdade de expressão e a submissão feminina à violência física e psíquica. Indissociável as questões de gênero estão as condições do contexto racial, socioeconômico, cultural e educacional que reforçam as dificuldades para a concretização do respeito à mulher.
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CAPÍTULO 2
LEI MARIA DA PENHA: AVANÇOS E DESAFIOS NA ATUALIDADE
RESUMO A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, foi resultado de um processo histórico de violência doméstica sofrida por mulheres. Sua institucionalização trouxe mudanças na visibilidade dos abusos, contribuindo para prevenção e proteção das vítimas. Contudo, após 10 anos de sua vigência, ainda há desafios no que tangem à aplicabilidade e eficácia do aparato legal. Assim, este trabalho objetivou verificar os avanços e desafios enfrentados atualmente, no tocante à Lei Maria da Penha. Trata-se de uma revisão integrativa, sintetizando esse processo em 6 etapas. A questão norteadora do estudo foi: “Lei Maria da Penha: quais avanços e desafios existem na atualidade?” Os dados foram coletados em artigos publicados no período de 2008 a 2017, nas bases de dados e bibliotecas eletrônicas: SciELO, LILACS, PubMed e BVS. Foram obtidos 438 estudos, dos quais restaram 13 para compor a revisão integrativa, após análise dos critérios pré-estabelecidos, sendo 7 da SciELO, 3 da BVS e 3 da LILACS. Após a promulgação da Lei Maria da Penha, observou-se um aumento na visibilidade da violência contra a mulher, sendo abrangente na população o conhecimento sobre o problema e a possibilidade de recorrer à legislação. Todavia, alguns embargos retardam o progresso, como o sucateamento das delegacias especializadas de atendimento à mulher e o julgamento do poder judiciário baseado na crença sobre as mulheres, construídas no sistema patriarcal. A capacitação do profissional de saúde para promover uma assistência resolutiva à mulher se mostrou imprescindível. DESCRITORES: Identidade de gênero. Violência doméstica contra a Mulher. Feminismo. Luana Ferreira Leite Araújo
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Brenda Helen Albuquerque de Araújo
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Rodrigo Otávio Lianza Dias
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Roseana Maria Barbosa Meira
Professora Doutora pela UNB.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
Kerle Dayana Tavares de Lucena
Professora Doutora pela UFPB. Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 2 INTRODUÇÃO A violência contra as mulheres é considerada uma das principais formas de violação dos direitos humanos (ALVES, DINIZ, 2005; BRITO et al., 2011). No ambiente doméstico e familiar, essa violência, devido ao gênero, caracteriza-se por causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (BRASIL, 2006). Um estudo conduzido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou, por meio de revisão sistemática da literatura, que a prevalência global de violência física e/ou sexual, cometida por parceiro íntimo, foi de 30,0% (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013). Logo, os praticantes de tal ato, em sua grande maioria, são conhecidos da vítima, maridos, companheiros e parentes próximos (GARBIN, 2006). Esse tipo de violência contribui para a manutenção do desequilíbrio de poder entre homens e mulheres. Em alguns casos, os agressores usam a violência como um mecanismo de subordinação. É bastante frequente que as mulheres não reajam a essas situações por medo de represálias do violentador ou de humilhação diante da sociedade. A situação desigual das mulheres reforça sua vulnerabilidade à violência, o que, por sua vez, alimenta a violência perpetrada contra elas (WATTS, 2002). Por se tratar de um problema de Saúde Pública de grande magnitude no mundo, os movimentos sociais se engajaram para uma revisão jurídica junto às instituições do sistema de justiça criminal, culminando na criação da Lei nº 11.340/2006, batizada como Lei Maria da Penha, que visa coibir de todas as formas a violência, lesão e morte, sofridas por mulheres (BRASIL, 2006). Até o ano de 2006, o Brasil era o único país da América Latina a não possuir uma legislação específica para a violência doméstica contra a mulher (PIOVESAN, 2007). Caracterizada como um marco na legislação brasileira, sua presença está marcada na ênfase a valorização e a inclusão da vítima no contexto do processo penal, correspondendo às necessidades de inúmeras brasileiras vítimas de violência que foram privadas de participarem dos diversos setores sociais e judiciais durante séculos (HERMANN, 2008). A legislação prevê a detenção dos agressores em um prazo máximo de três anos e prevê outras medidas, tais como a saída do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida. Além disso, a mulher é impedida de retirar a acusação nesses crimes (ROMAGNOLI, 2015). Considerada uma lei de caráter multidisciplinar, suas medidas não abrangem apenas ações de punição aos agressores, mas englobam mecanismos de prevenção e de assistência, como a psicossocial. Também, pode-se afirmar que a Lei Maria da Penha visa à igualdade de gênero, pois promove uma quebra de paradigmas no que tange à herança cultural da violência, a fim de romper com os padrões de práticas de agressão que sempre estiveram presentes na história da humanidade. O presente estudo tem por objetivo analisar a produção científica nacional dos últimos 10 anos sobre a Lei Maria da Penha, dando ênfase em seus avanços e desafios.
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CAPÍTULO 2 METODOLOGIA Trata-se de uma revisão integrativa, método de pesquisa utilizado na Pesquisa Baseada em Evidências, que tem como objetivo reunir e sintetizar dados e informações sobre determinado tema a partir de estudos anteriores, de maneira sistemática e ordenada, permitindo o aprofundamento do conteúdo investigado (MENDES, 2008). Para tanto, realizou-se esse processo de síntese em seis etapas, a saber: delimitação da questão norteadora, estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão, coleção de dados a serem extraídos dos artigos selecionados, avaliação crítica dos estudos selecionados a comporem a revisão integrativa, discussão e interpretação dos resultados e apresentação da síntese elaborada (SOUZA, 2010). A questão que direcionou o estudo foi: “Lei Maria da Penha: quais avanços e desafios existem na atualidade?”, para compor a primeira etapa. A pesquisa foi realizada durante o mês de outubro de 2017, nas bases de dados e bibliotecas eletrônicas: SciELO (Scientific Eletronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde), PubMed e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde). Foram coletados dados dos últimos 10 anos, de 2008 a 2017, tendo em vista que a Lei Maria da Penha foi promulgada em 2006. A busca dos artigos científicos foi realizada por meio de quatro descritores em ciências da saúde (DeCS) que formaram duas combinações, ao se utilizar os operadores booleanos OR e AND: 1- “Violência de gênero OR Violência contra a mulher AND Lei” e 2- “Violência de gênero OR Violência contra a mulher AND Legislação”. Os critérios de inclusão estabelecidos para a pesquisa nas bases de dados e bibliotecas eletrônicas foram: artigos científicos de periódicos online que abordassem a questão da aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos últimos 10 anos (conteúdos disponibilizados de forma gratuita), e textos completos nos idiomas português, inglês e espanhol. Para exclusão, os critérios avaliados foram: publicações com data inferior a 2008, teses, monografias, dissertações, artigos duplicados, materiais não disponíveis na íntegra, ou que não apresentassem resumos acessíveis. Após a busca dos artigos, procedeu-se à leitura dos títulos e resumos. Os estudos enquadrados nos critérios de inclusão foram lidos na íntegra, sendo selecionados os que mais se adequavam e de maior relevância para a temática abordada. Em seguida, os estudos foram classificados de acordo com o nível de evidência (MELNYK, 2005), como pode ser observado na Tabela 1. Tabela 1: Cenário das publicações na base de dados e biblioteca virtual por descritores Nível de Evidência I II III IV V VI VII
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Tipo de Estudo Revisão sistemática ou metassíntese Experimentos randomizados ou controlados Experimentos controlados sem randomização Estudo de coorte ou caso-controle Revisão sistemática de estudos qualitativos ou descritivos Estudos qualitativos ou descritivos Opinião de autoridades ou comitê de especialistas
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CAPÍTULO 2 RESULTADOS Na biblioteca virtual LILACS, ao utilizar a combinação “Violência de gênero OR Violência contra a mulher AND Lei”, foram encontrados 38 estudos que, submetidos ao filtro, resultaram em 26 artigos científicos, sendo 24 em português, 1 em inglês e 1 em espanhol (Tabela 1). Destes, foram analisados títulos e resumos, resultando em 10 artigos que abordavam a Lei Maria da Penha. Entretanto, apenas 4 foram condizentes com a temática em questão, sendo selecionados 2 para compor o presente estudo. Na combinação “Violência de gênero OR Violência contra a mulher AND Legislação”, encontrou-se 62 publicações, restando apenas 15 ao ser aplicado o filtro, sendo 11 em português, 3 em espanhol e 2 em inglês. Somente 1 artigo científico se relacionava com a temática em questão, sendo selecionado (Tabela 2). Na base de dados SciELO, utilizando-se a combinação “violência de gênero OR violência contra a mulher AND lei”, foram encontrados 41 estudos. Após os filtros, restaram 36 artigos, sendo 33 em português, 2 em inglês e 1 em espanhol. Após a análise dos títulos e resumos, foram selecionados 9 artigos a serem lidos na íntegra. Ao utilizar a combinação de descritores “violência de gênero OR violência contra a mulher AND legislação”, foram encontrados 9 estudos, restando 7 após filtros, todos em português. Após aplicar critérios de inclusão e exclusão, restaram 2 artigos a serem lidos na íntegra. Utilizando a plataforma BVS, para a combinação de descritores “violência de gênero OR violência contra a mulher AND lei” foram encontrados 89 resultados, restando 42 artigos disponíveis, sendo 40 em português e 2 em inglês. Em seguida, os títulos e resumos foram lidos, sendo selecionados 8 artigos. Com a combinação “violência de gênero OR violência contra a mulher AND legislação”, foram encontrados 199 estudos. Após aplicação dos filtros, restaram 22 artigos, sendo 11 em português, 9 em inglês e 2 em espanhol. Com os critérios de inclusão e exclusão, 3 artigos foram selecionados a serem lidos na íntegra. Na PubMed, não foram encontrados publicações em nenhuma das combinações dos descritores. Tabela 2: Resultados da combinação 1: “violência de gênero OR violência contra a mulher AND lei” Base de Dados/ Biblioteca virtual
Estudos obtidos
Estudos selecionados
Estudos excluídos
LILACS SciELO BVS PubMed
38 41 89 0
2 9 8 0
36 32 80 0
Tabela 3: Resultados da combinação 2: “violência de gênero OR violência contra a mulher AND legislação”
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CAPÍTULO 2 Base de Dados/ Biblioteca virtual
Estudos obtidos
Estudos selecionados
Estudos excluídos
LILACS SciELO BVS PubMed
62 9 199 0
1 2 3 0
61 7 196 0
Após serem lidos na íntegra, os artigos foram analisados de acordo com os critérios de inclusão/exclusão e adequação ao tema proposto. Foram selecionados 9 artigos advindos da base de dados SciELO, contudo, destes 9, 2 estavam duplicados, restando 7. Foram selecionados 8 artigos obtidos na BVS, porém, 4 destes já estavam presentes na relação obtida na SciELO e 1 presente na relação obtida na LILACS, sendo descartados. Na biblioteca virtual LILACS, os 3 artigos selecionados a serem lidos na íntegra se adequavam ao tema e estavam dentro dos critérios de inclusão. Totalizaram, desse modo, 13 artigos que compõem esta revisão integrativa (Quadro 1). Quadro 1: Disposição dos artigos conforme combinação dos descritores nas fontes de pesquisa.
Autores
ALVES et al.
Base de Dados/ Biblioteca
SciELO
Ano
2012
Nível de Evidência
Título do Estudo
Periódico de Publicação
VII
Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica em Porto Alegre
Revista Gaúcha de Enfermagem
Revista Direito GV
PASINATO
SciELO
2015
VI
Acesso à Justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha
FREITAS
SciELO
2014
VII
Argumentação e discurso sobre Lei Maria da Penha em acórdãos do STJ
Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso
BANDEIRA
SciELO
2014
I
Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação
Revista Sociedade e Estado
CAMPOS
SciELO
2015
VII
A CPMI da violência contra a mulher e a implementação da Lei Maria da Penha
Estudos Feministas
VI
A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada
Serviço Social e Sociedade
VI
Direitos Humanos e violência doméstica contra as mulheres: oito anos de encontros e desencontros no Brasil
Faces de Eva
CARNEIRO et al.
MADERS et al.
SciELO
SciELO
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2012
2014
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CAPÍTULO 2 Autores
Base de Dados/ Biblioteca
Ano
Nível de Evidência
Título do Estudo
Periódico de Publicação
Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial
CAMPELLO et al.
BVS
2014
VI
Avaliação do trauma da face sob as perspectivas do Código Penal e das inovações trazidas com a Lei Maria da Penha
CARDOSO et al.
BVS
2015
I
Possíveis impasses da Lei Maria da Penha à convivência parenteral
Estudos e Pesquisas em Psicologia
RAMAGNOLI
BVS
2014
VI
Várias Marias: efeitos da Lei Maria da Penha nas delegacias
Fractal: revista de psicologia
VI
Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011
Epidemiol. Ser. Saúde
Texto Contexto Enfermagem
Estudos de psicologia
GARCIA et al.
LILACS
2013
AMARAL et al.
LILACS
2013
VI
Mortalidade feminina e anos de vida perdidos por homicídio/agressão em capital brasileira após promulgação da Lei Maria da Penha
PORTO et al.
LILACS
2010
VII
Lei Maria da Penha: as representações do judiciário sobre a violência contra as mulheres
Após a seleção dos 13 estudos, todos foram avaliados levando-se em consideração os autores, o ano de publicação, o título, a base de dados/biblioteca virtual na qual foram encontrados e o periódico de publicação. No que tange à base de dados/biblioteca virtual, a SciELO possuiu maior representatividade (53,8%), seguida da BVS e LILACS, cada uma com 23%, respectivamente. A PubMed não apresentou representatividade. DISCUSSÃO A Lei Maria da Penha (LMP), uma importante conquista legal, criou múltiplos mecanismos protetivos, além de colocar em evidência a violência doméstica acometida dentro da instância familiar, o que quebrou o paradigma desta instituição como uma estrutura perfeita e inacessível. Essa lei é bastante “popular”, conforme diversas pesquisas atestam. Há um amplo conhecimento da lei: 98% da população já ouviu falar da LMP. Embora se possa argumentar que esse conhecimento não se refere ao conteúdo integral da lei, é importante considerar que a população sabe que se trata de uma legislação de proteção às mulheres (DATASENADO, 2013). A visibilidade gerada pela repercussão da LMP contribuiu na prevenção da violência doméstica e no problema da desigualdade de poder nas relações entre homens e mulhe-
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CAPÍTULO 2 res, de maneira que a sociedade enxergasse mais nitidamente as situações de desrespeito aos direitos humanos fundamentais das mulheres agredidas (ALVES, 2009). Com relação aos instrumentos da LPM, um avanço na implementação foi a altera ção do Código de Processo Penal, de modo que se instituiu a possibilidade do juiz fazer o decreto de prisão preventiva do réu. Outra modificação é em relação à Lei de Execução Penal, a qual permite que o juiz determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. A lei apresenta ainda, avanços no que concerne às medidas de urgência, incluindo o afastamento do lar, suspensão de visitas aos filhos, prestação de alimentos provisionais, entre outras ações. Essas medidas cerceiam a atuação do agressor e são aplicadas de imediato (BRITO, 2011). Pesquisa realizada na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul, em 2012, apontava que, embora as denúncias de violência doméstica aumentassem significativamente, após a entrada em vigor da LMP, a situação de impunidade persistia, pois as mulheres, em muitos casos, renunciavam ao direito de processar o agressor, resultando em casos de violência reincidentes (CARNEIRO, 2012). Outro estudo realizado na cidade de Porto Alegre concluía que, apesar do aumento de notificações dos casos de violência doméstica contra as mulheres após a LMP, ainda persistiam problemas de registro e consequente subnotificação (MONTEIRO, 2006). Em decisão recente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que retratações da vítima são incondicionadas, o que representa um grande avanço, pois, muitas vezes, a mulher acaba retrocedendo e perdoando o agressor, ficando propensa a mais agressões (CAMPELLO, 2014). Com relação ao impacto da Lei Maria da Penha no que se refere à diminuição do número de crimes contra a mulher, um estudo feito no Brasil, comparando-se a mortalidade das mulheres por agressão nos períodos antes e após a vigência da Lei, não foi observada redução nas taxas de mortalidade de mulheres por agressões. Apesar das taxas terem sido pouco menores em 2006 e 2007, anos próximos ao momento no qual a LMP entrou em vigor, nos períodos seguintes, elas retornaram aos patamares anteriores (GARCIA, 2013). Outros estudos apresentam resultados semelhantes, apontando indicativo de aumento do número de homicídios a partir de 2009 (AMARAL, 2013). Em decorrência da tradicional dicotomia público/privado, várias situações em que ocorre violência contra a mulher são consideradas pertencentes à singularidade das pessoas. Assim, há agentes públicos que consideram a denúncia de tais violências como uma quebra do imperativo moral que mantém a separação entre as instâncias pública e privada (BANDEIRA, 2014). Em estudo realizado em uma cidade do Norte do Brasil, foram analisados alguns processos que se enquadram na Lei 11.340/2006 com sentença de mérito deferida, partindo do pressuposto de que há uma subjetividade, a partir de crenças e valores pessoais dos magistrados, enraizada e permeando o trâmite legal. A partir da análise, observou-se que o contexto da situação de violência muitas vezes é minimizado em favor do agressor, de forma que, em alguns casos, os operadores da lei contradizem os próprios ditames legais, negando a existência da violência no âmbito da relação conjugal. Tal atitude é prejudicial, pois pode resultar na banalização do ato cometido, aumentando, indiretamente, os números de violência contra a mulher (PORTO, 2010). Fica demonstrado que o discurso jurídico não é imparcial, de modo que muitos operadores legais não assumem posições políticas
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CAPÍTULO 2 claras sobre a questão da violência de gênero e, ao invés de decidirem pelo ideal igualitário, acabam reforçando parâmetros da cultura machista patriarcal (FREITAS, 2014). Apesar da institucionalização da LMP, é evidente que a intervenção judicial, por si só, não é suficiente para prevenir as formas de abusos e para alcançar a resolutividade dos conflitos, sendo necessário identificar e fortalecer as formas de enfrentamento da violência doméstica. Vale salientar, entretanto, que mesmo operando para o fim da impunidade de crimes desta natureza, a LMP acaba impossibilitando outros meios intervencionistas, como a mediação de conflitos e a escuta (ROMAGNOLI, 2015). Desta maneira, quando as medidas de proteção cabíveis entram em cena, a convivência dos filhos com os progenitores pode ficar ameaçada, sendo necessário o acompanhamento de equipes multidisciplinares no desenrolar dos desdobramentos legais (CARDOSO, 2015). A precariedade de políticas públicas específicas voltadas para violência contra a mulher fica evidente em um artigo que analisa as conclusões da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, criada pelo Congresso Nacional em 2012, de modo que, para alcançar maior efetividade da LMP, é necessária, além da superação de paradigmas jurídicos ultrapassados, a solidificação dessas políticas, como a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (HEIN, 2015). Muitas dificuldades decorrentes da aplicabilidade da LMP são resultado da falta de investimento público em estruturas essenciais na formação e qualificação de pessoal capacitado para lidar com casos de violência com base em gênero. Um atendimento digno e qualificado, apto a compreender as particularidades desse tipo de abuso, em todas as etapas do atendimento, é imprescindível na concretização do acesso à justiça (PASINATO, 2015). Assim, espaços de acolhimento para as mulheres, como é previsto em lei, são fundamentais para aumentar seu alcance, trazendo à tona a sensibilidade que a questão desse tipo de violência implica (MADERS, 2014). Desse modo, torna-se evidente que esforços para prevenir a violência contra a mulher devem ser integrados a políticas sociais e educacionais para reduzir as desigualdades sociais e de gênero, que representam o mais importante fator de risco entre os diversos tipos de violência. Apenas com uma série de intervenções, incluindo reformas legais, fortalecimento dos serviços de proteção social, educação e direito, as desigualdades poderão ser reduzidas (KRUG, 2002). CONSIDERAÇÕES FINAIS A naturalização da violência, que ocorre diversas vezes devido ao seu cunho sociocultural, mantém a impunidade dos agressores e camufla complexas relações de poder. A Lei Maria da Penha trouxe visibilidade para a violência doméstica sofrida por mulheres, refletindo um aumento no número de denúncias, quebrando paradigmas da naturalização da subjugação feminina no contexto da sociedade patriarcal. Coloca em evidência, assim, uma situação de violência outrora banalizada. Apesar de haver falhas no texto legal, a Lei 11.340/2006 trouxe benefícios e garantias que buscam combater a impunidade dos agressores. Entretanto, sua eficiência não é absoluta, pois comumente o dispositivo legal não é usado adequadamente pelos ope-
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CAPÍTULO 2 radores da lei para proteção da mulher, reflexo da subjetividade inerente as tomadas de decisões nos trâmites judiciais. A fragilidade de políticas públicas e da formação de recursos humanos, principalmente dos agentes envolvidos no atendimento inicial à vítima, contribuem para ineficácia do aparato legal. Assim, além da qualificação dos profissionais e do fortalecimento de estruturas acolhedoras, é necessária a superação de conceitos jurídicos ultrapassados e empoderamento das vítimas no que diz respeito ao contexto de abusos no qual estão inseridas. REFERÊNCIAS ALVES, E. D. S.; OLIVEIRA, D. L. L. C.; MAFFACCIOLLI, R. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica em Porto Alegre. Revista Gaúcha Enfermagem, v. 33, n. 3, p.141-147, 2012. ALVES, S. L. B.; DINIZ, N. M. F. Eu digo não, ela diz sim: a violência conjugal no discurso masculino. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 58, n. 4, p. 387-392, 2005. AMARAL, N. D. A.; AMARAL, C. D. A.; MACIEL, T. L. A. Mortalidade feminina e anos de vida perdidos por homicídio/agressão em capital brasileira após promulgação da Lei Maria da Penha. Texto & Contexto Enfermagem, v. 22, n. 4, p. 980-988, 2013. BANDEIRA, L. M. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, 2014. BRASIL. Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal. Brasília(DF); 2006. BRITO, D. C.; SOUZA, J. L. C.; COSTA, K. S. Subnotificação de delitos e violências contra a mulher na cidade de Belém-Pará, Brasil. In: Anais... 11º Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais Salvador, Brasil. Salvador: Universidade Federal da Bahia, p. 17, 2011. CAMPELLO, R. et al. Avaliação do trauma da face sob as perspectivas do Código Penal e das inovações trazidas com a Lei Maria da Penha. Revista de Cirurgia e Traumatologia Buco-maxilo-facial, v. 14, n. 4, p. 23-26, 2014. CARDOSO, F. S.; BRITO, L. M. T. Possíveis impasses da Lei Maria da Penha à convivência parental. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 15, n. 2, p. 529-546, 2015. CARNEIRO, A. A.; FRAGA, C. K. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada. Serviço Social & Sociedade, v. 369, n. 110, p. 369-397, 2012. DATASENADO - Secretaria de Transparência. Violência doméstica e familiar contra a mulher, 2013. Disponível em: < http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/Da-
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CAPÍTULO 3 TIPIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO CENÁRIO NACIONAL E INTERNACIONAL RESUMO Com o objetivo de analisar a produção científica nacional e internacional, que aborda a tipificação da violência contra a mulher, o presente artigo foi elaborado caracterizando-se como uma revisão bibliográfica do tipo revisão integrativa. A violência contra a mulher tem recebido grande destaque no mundo todo, pois está profundamente enraizada em diversas culturas, em diversos locais e tem sido cada vez mais denunciada. Uma enorme parcela da população feminina, aproximadamente, uma a cada três mulheres no mundo, já sofreu violência física e/ou sexual, e já foi vítima de pelo menos um episódio de agressão verbal ou abuso emocional. Como a maioria dos casos de violência contra a mulher ocorre no âmbito doméstico, muitas vezes esse tipo de agressão não é notificado o que ocasiona a invisibilidade do fato. Nos artigos analisados, alguns fatores evidenciaram que os motivos que geram agressões estão intimamente ligados a fatores como educação, cultura, família, preconceito, empregabilidade, poder econômico, relacionamentos, uso/não uso de álcool e outras drogas, gravidez e filhos. Isso leva às vítimas a aceitar os maus tratos por crerem que fazem parte de uma convivência normal. DESCRITORES: Violência Doméstica. Violência Contra a Mulher. Atenção Primária à Saúde. Violência de gênero. Maus tratos conjugais.
Ana Beatriz Batista Neves
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Ana Cristina Fernandes Coronel
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Elba Rangel Nunes Ramalho
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Maria Clara de Medeiros Santos
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Monara Dantas Paiva
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 3 INTRODUÇÃO Em todo o mundo, a violência contra a mulher tem recebido grande destaque no intuito de favorecer decisões para coibir as práticas de violência sofridas pelas mulheres. As autoridades, os intelectuais e a população, em geral, têm dado ênfase especial a esse assunto (SILVA, 2015). É um tipo de violência que é influenciada histórica, cultural e socialmente, tornando relevante que as políticas sejam redirecionadas, no sentido de sua erradicação (LIMA, 2016). De acordo com uma pesquisa da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais, incluindo 42.000 mulheres, 33% das mulheres europeias sofreram violência física ou sexual, desde a idade de 15 anos (FRA, 2014). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 35% das mulheres no mundo já sofreram violência física e/ou sexual. Ou seja, mais de uma, a cada três mulheres no mundo, já foi vítima de pelo menos um episódio desse tipo de violência, que abrange a agressão verbal, abuso emocional, além da violência física ou sexual (OMS, 2013). A grande importância dessa temática não impede a subnotificação dos casos devido à grande incidência de agressão causada por parceiros íntimos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). A violência contra a mulher é caracterizada por sua invisibilidade, ocorrendo, principalmente, dentro dos lares, sendo praticada por seus próprios companheiros (NETO, 2015). Por este motivo, a maioria das ocorrências não gera atendimentos e não são notificadas nos sistemas de informação, acarretando em subenumeração dos eventos, o que reforça tal invisibilidade (OMS, 2013). O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAM), do Ministério da Saúde, registrou 17.781 atendimentos a mulheres vítimas de estupro em 2015, o que gera uma média de 49 atendimentos por dia, ou mais de dois por hora. Supondo que os casos notificados correspondam a 10% das ocorrências, o número estimado de estupros por ano no Brasil seria de aproximadamente 500 por dia, ou mais de 20 a cada hora (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). Na esfera da saúde, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, tem como um de seus eixos a violência sexual contra mulher. A notificação da ocorrência de violências é um dos elementos da assistência realizada pelos profissionais de saúde, favorecendo a notificação e o acolhimento das mulheres agredidas (DELZIOVO, 2017). A violência contra a mulher no Brasil tem legislação própria: a Lei Maria da Penha, que tipifica a violência contra a mulher como física, sexual, psicológica, moral ou patrimonial. A agressão pode ocorrer isolada ou reiteradamente, na maioria das vezes acontece associada a outros tipos de violência (COSTA,2015). No Brasil, há diversas políticas públicas e serviços especializados com o intuito de combater a violência contra a mulher, tais como: Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM), Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM), Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializada da Assistência Social (CREAS), Delegacias de Proteção da Criança e do Adolescente (DEPCA), Conselho Tutelar (COSTA,2015). É fundamental que os serviços de saúde estejam a disposição nos dias em que a vítima apresentar necessidade como em finais de semana, noites e madrugadas, pois muitas vezes são o primeiro local onde buscam atendimento, então importante quanto o acesso aos serviços, deve ser o preparo dos profissionais para acolher e notificar os casos de vio-
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CAPÍTULO 3 lência (GARBIN, 2016). Culturalmente, homens e mulheres têm rígidos papéis e o patriarcado está arraigado na sociedade, o que contribui para que a violência contra as mulheres seja perpetuada de geração em geração e que a sua identificação se torne muito difícil, visto que, na maioria das vezes a violência nem é visualizada como tal. Diante do exposto, é de extrema importância que sejam realizados debates sobre o tema e que a violência contra mulher seja divulgada e desnaturalizada, focando na igualdade de gênero. Assim, o presente estudo teve como objetivo analisar a produção científica nacional e internacional que aborda a tipificação da violência contra a mulher.
METODOLOGIA Este estudo caracteriza-se como uma revisão bibliográfica do tipo revisão integrativa. O referido trabalho foi realizado em sete etapas: 1- identificação do tema e objetivo do estudo, 2- categorização dos estudos através de combinações, 3- utilização de filtros para determinação dos critérios de inclusão e exclusão dos artigos, 4- análise dos temas pré-selecionados, 5- leitura integral dos temas pré-selecionados e interpretação dos dados, 6- discussão dos resultados e 7- apresentação da revisão bibliográfica (DEININGER et al, 2015). O estudo apresenta como questão norteadora: Quais os tipos de violência contra a mulher e de que maneira eles influenciam em sua vida? Foram definidos três descritores a partir da busca nos Descritores em Ciências da Saúde (DECS), para posteriormente realizar as combinações, utilizando os booleanos AND e OR, sendo essas: violência contra a mulher, mulheres agredidas e maus tratos conjugais e, em seguida, utilizando os operadores booleanos realizou-se três combinações: “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND maus-tratos conjugais”; “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas”; “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas OR maus-tratos conjugais”. Utilizaram-se as combinações nas fontes de busca e pesquisas científicas Medline, ScientificElectronic Library Online(Scielo)e Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS). O tema em análise é a tipificação da violência contra a mulher, de acordo com a produção científica nacional e internacional. Assim, como critérios de exclusão, os fatores avaliados foram: artigos publicados há mais de 5 anos, que não estejam nos idiomas inglês, português e espanhol, bem como, estudos repetidos, resumos, teses ou monografias e os que não se encaixaram no objetivo da pesquisa. Já os fatores de inclusão elencaram-se como sendo artigos nacionais e internacionais, que estejam presentes nas bases de dados mencionadas anteriormente, em português, inglês e espanhol, e que se relacionem com o objetivo determinado. Utilizando as combinações de descritores atrelados aos booleanos AND e OR, foi realizado uma seleção inicial dos artigos. Após essa pré-seleção, foram realizadas as leituras dos títulos e resumos, descartando conforme critérios de exclusão. Somente após essa etapa de seleção, os artigos foram lidos na íntegra com a finalidade de verificar se os estudos escolhidos abordavam o tema proposto para este trabalho e, consequentemente, compor o estudo.
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CAPÍTULO 3 RESULTADOS Após a seleção dos artigos, todos foram lidos na íntegra a fim de verificar se abordam o tema específico proposto nesta pesquisa, e por fim, selecionou-se 17 diferentes artigos a serem incluídos nesta revisão de um total de 527. Com a finalidade de obter-se uma análise mais detalhada, objetiva e clara destes, optou-se por apresentar os dados de uma forma geral contendo informações sobre o título, autor, ano, objetivo e resultado de cada um (Quadros 1, 2, e 3). Em relação as três combinações realizadas (Tabela 1), com a primeira, “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND maus-tratos conjugais”, foram encontrados 27 artigos na base de dados Scielo. Onze (11) foram pré-selecionados com os filtros, 7 estavam repetidos ou não tinham relação estrita com o tema e 4 desses foram selecionados e lidos na íntegra. No que se refere a Medline, foram encontrados 104 artigos no total e 30 com filtro, 14 foram pré-selecionados e após exclusões, 4 lidos na íntegra. Já na base da LILACS, 93 trabalhos foram localizados sem filtro, 22 com filtro, 17 excluídos e 5 totalmente lidos. Na segunda combinação, titulada como “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas”, a base de dados Scielo apresentou 8 artigos sem filtro e 4 com filtro, todos repetidos. Já no Medline, localizou-se 58 artigos sem filtro e 19 com, desses nenhum entrou no estudo. E no LILACS, obteve-se o maior número de artigos, com 103 artigos sem filtro e 10 com filtro, 4 lidos totalmente, após 6 exclusões. Na terceira combinação, “Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas OR maus-tratos conjugais”, a base de dados Scielo apresentou 28 artigos sem filtro e 5 com, na Medlineforam encontrados 40 artigos sem filtro e 5 com, já a LILACS gerou 66 resultados no total, 14 com filtro e 52 sem ele. Todos os citados eram repetidos ou se excluíam pelo tema. Tabela 1: Cenário das publicações na base de dados e biblioteca virtual por descritores
Descritores de busca Base de Dados
Violência contra a mulher OR violência de gênero AND maus-tratos conjugais
Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas
Violência contra a mulher OR violência de gênero AND mulheres agredidas
Nº Total
Amostra
Nº Total
Amostra
Nº Total
Amostra
Scielo
27
4
8
0
28
0
LILACS
93
5
103
4
66
0
Medline
104
4
58
0
40
0
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CAPÍTULO 3 Quadro 1: Cenário das publicações na base de dados e biblioteca virtual por descritores
Título
Violência conjugal: as controvérsias no relato dos parceiros íntimos em inquéritos policiais
Mulheres de classe média, relações de gênero e violência conjugal: um estudo exploratório
Incidência e fatores de risco para violência por parceiro íntimo no período pós-parto
Violência pelo parceiro íntimo e gravidez não pretendida: prevalência e fatores associados
Ano
2014
2013
2015
2013
Autores
Silva, Coelho, Njaine
Cortez, Souza
Silva, Valongueiro, Araújo, Ludermir
Azêvedo, Araújo, Valongueiro, Ludermir
Objetivo
Resultados
Investigar o que proporciona a presença da violência nas relações dos cônjuges.
Os maiores índices de agressões entre os parceiros encontram-se nos âmbitos socioeconômicos, nas drogas, ciúme, bem como na cultura de gênero da sociedade atual. Foi constatada também a incapacidade do homem em reconhecer-se com autor de violência contra sua esposa.
Averiguar a interferência do alto nível socioeconômico nos casos de violência doméstica.
Foi constatado que o contexto da violência, como também as experiências vividas pelas mulheres independem da condição socioeconômica e que o fator dos valores de gênero arraigados na sociedade só mantém a perpetuação de relacionamentos violentos.
Estipular a frequência e descobrir os elementos de risco que promovem a violência do companheiro no pós-parto
A maior incidência de violência pós parto deu-se em mulheres sem renda própria, mais expostas a zona de pobreza, que não residiam com o parceiro afetivo, e que este fazia uso de álcool ou droga ilícita. Pôde-se constatar também que a maior frequência de agressões em mulheres ocorria quando o relacionamento tinha menos de um ano de duração ou o companheiro era dominador.
Averiguar a relação entre a gravidez não desejada e a violência acometida pelo parceiro íntimo antes da gravidez atual.
A maioria das mulheres que não pretendiam engravidar estavam desempregadas, não moravam com o companheiro ou eram divorciadas. Além disso, a maior parte dos parceiros estava desempregada, faziam uso de álcool e eram usuários de drogas ilícitas
Quadro 2: Artigos retirados da Medline com base no título, ano de publicação, autores, objetivo e principais resultados. Título
Burden of intimate partner violence in The Gambia - a cross sectional study of pregnant Women
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Ano
2015
Autores
Idoko, Ogbe, Jallow, Ocheke
Objetivo
Resultados
Verificar o ônus da violência entre parceiros íntimos em relação às mulheres grávidas na Gâmbia
As formas verbais de violência de parceiro íntimo eram as mais comuns, com 12% necessitando de atendimento médico por causa da violência de parceiros íntimos e 3% impedidos de buscar cuidados de saúde como resultado dessa violência. Desse modo, os dados do estudo evidenciaram
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CAPÍTULO 3 Título
Ano
Autores
Objetivo
Resultados que 61,8% das mulheres grávidas na clínica pré-natal sofreram Violência do Parceiro Íntimo.
Gender-based violence against adolescent and young adult women in low- and middle-income countries
Intimate partner violence among women with mental health-related activity limitations: a Canadian population based study
Understanding adolescent and family influences on intimate partner psychological violence during emerging adulthood and adulthood
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
2015
2014
2013
Decker, Latimore, Yasutake, Haviland, Ahmed, Blum, Sonenstein, Astone
Analisar a violência baseada em gênero (VBG) como uma questão global de saúde e direitos humanos com determinantes individuais e sociais.
Estima-se que 28% de adolescentes e 29% de mulheres adultas jovens relataram IPV física ou sexual de vida, mais prevalente na região da África Oriental e Austral. A variação regional e transnacional emergiu em padrões de violência por idade. Em geral, as mulheres adultas jovens demonstraram maior risco para o IPV do ano passado em relação às mulheres adultas (índice de chance de meta-análise, 1,20; intervalo de confiança de 95%, 1,10-1,37) e adolescentes tinham um risco comparável (odds ratio de meta-análise, 1,07 Intervalo de confiança de 95%, .91-1.23). A estreia sexual forçada foi estimada em 12% em geral, mais alta na região da África Oriental e Austral. Em uma análise de regressão logística, as probabilidades de ter experimentado qualquer IPV permaneceram maiores para as mulheres que relatam AL sempre / frequentemente (OR = 3,65; IC 95%: 2,10, 6,32) e às vezes (OR = 3,20; IC 95%: 2,15, 4,75) do que aqueles que não relatam ALs.
Du Mont, Forte
Analisar a violência baseada em gênero (VBG) como uma questão global de saúde e direitos humanos com determinantes individuais e sociais. Examinar o risco de violência de parceiro íntimo (IPV), uma forma de violência que muitas vezes é recorrente e vinculada a consequências físicas e psicológicas negativas, entre uma amostra representativa de mulheres não institucionalizadas com limitações de atividade (ALs) devido a uma condição de saúde mental.
Em uma análise de regressão logística, as probabilidades de ter experimentado qualquer IPV permaneceram maiores para as mulheres que relatam AL sempre / frequentemente (OR = 3,65; IC 95%: 2,10, 6,32) e às vezes (OR = 3,20; IC 95%: 2,15, 4,75) do que aqueles que não relatam ALs.
Compreender as influências da adolescência e da família na violência psicológica do parceiro íntimo durante a idade adulta e a idade adulta emergentes.
Os resultados mostram que a exposição à violência psicológica entre pais e filhos durante a adolescência é um preditor chave da violência entre parceiros íntimos durante a idade adulta. Além disso, a emotividade negativa e o número de parceiros sexuais na adolescência previram a violência entre parceiros íntimos na idade adulta e na idade adulta emergentes. A exposição ao estresse familiar foi associada positivamente à violência do parceiro íntimo na idade adulta, mas não na idade adulta emergente, enquanto que dificuldades acadêmicas foram encon-
Lohman, Neppl, Senia, Schofield
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CAPÍTULO 3 Título
Ano
Autores
Objetivo
Resultados tradas para aumentar a violência somente na idade adulta emergente. Ao contrário da pesquisa anterior, os resultados não apoiaram o efeito direto da violência psicológica interparental sobre a violência psicológica na próxima geração. As diferenças de gênero foram encontradas apenas na adultez emergente.
Quadro 3: Artigos encontrados da LILACS com base no título, ano de publicação, autores, objetivo e principais resultados.
Título
Homicídios conjugais: o que dizem os processos criminais
Prevalência de violência por parceiro íntimo relatada por puérperas
A face marcada: as múltiplas implicações da vitimização feminina nas relações amorosas
A configuração da rede social de mulheres em situação de violência doméstica
Mulheres com HIV: violência de gênero e ideação suicida
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Ano
2014
2013
2014
2013
2014
Autores
Objetivo
Resultados
2014
Estudar os casos de homicídio envolvendo parceiros conjugais ocorridos em Florianópolis, nos anos de 2000 a 2010
Prevalência de casos em o que o homem é o sujeito responsável pela violência. Os fatores que antecedem a ação na sua maioria são a criminalidade, a violência conjugal, a ameaça de morte e o abuso de álcool. Sugere-se também, que o número de homicídios por parceiros íntimos está intimamente ligado a violência na relação.
Marcacine, Abuchaim, Abrahão, Michelone, Abrão
Estipular o predomínio da violência sofrida por mulheres no período pós parto, determinando o tipo de agressão sofrida, o período do ciclo gravídico puerperal na ocorrência e caracterizar o perfil do companheiro.
A violência psicológica representou o tipo de violência mais comum, seguida de violência física e sexual. Os perfis dos parceiros eram de idade jovem, com boa escolaridade, que não faziam uso de álcool, tabaco ou outras drogas.
Dourado, Noronha
Apreender os sentidos atribuídos pelas vítimas à violência vivenciada e identificar as implicações decorrentes da experiência vitimizadora.
Apontaram para limites no modelo de atenção biomédico, ainda predominante nos serviços de saúde, para lidar com a complexidade envolvida na vitimização conjugal feminina, bem como para a necessidade de articulação das várias áreas de atuação que tangenciam esse fenômeno.
Dutra, Prates, Nakamura, Villela
Este artigo apresenta a configuração da rede social das mulheres que vivem em situação de violência doméstica num município da região metropolitana de São Paulo.
Verificou-se que a violência impingida às mulheres pelos seus parceiros impossibilita a manutenção dos vínculos sociais, colocando-as em situação de isolamento e fragilidade.
Ceccon, Meneghel, Hirakata
Analisar a relação entre violência de gênero e ideação suicida em mulheres com HIV.
Oitenta e duas mulheres com HIV referiram ideação suicida (50,0%), 78 (95,0%) das quais haviam sofrido violência de gênero. Idade da primeira relação sexual < 15 anos, maior número de filhos, pobreza, maior tempo de vida
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CAPÍTULO 3 Título
Ano
Autores
Objetivo
Resultados com HIV e presença de violência mostraram-se estatisticamente associadas à ideação suicida. Mulheres que sofreram violência de gênero apresentaram risco 5,7 vezes maior de manifestar ideação suicida.
Violencia física en El embarazo: realidad en el extremo sur de Chile
A Violência Doméstica a Partir do Discurso de Mulheres Agredidas
Women in situations of gender violence: meanings of affective experience
Mulheres que denunciam violência de gênero em uma Unidade de Polícia Pacificadora
2014
2013
2013
2013
Descrever o perfil das mulheres designados para Programa de Violência, Punta Arenas, Chile, e que apresentaram violência física durante a gravidez.
A prevalência de violência durante a gravidez foi de 28,8%. O agressor foi em sua maioria o parceiro e 52,9% afirmaram que os golpes ou os chutes foram no abdômen. 100% apresentaram violência psicológica, física leve e grave e 70,6% violência sexual. 58,8% tinham entre 15 e 29 anos de idade e 35,5% completaram o ensino secundário. O perfil era, em sua maioria, de católicos, trabalhavam fora de casa, viviam juntos, tinham três ou mais crianças e estrato socioeconômico de médio a significativamente baixo.
Zancan, Wassermann, Lima
Compreender a percepção de mulheres sobre a violência sofrida pelo parceiro íntimo.
Identificou- se que a violência representa para as mulheres o medo das constantes ameaças, e que a permanência no relacionamento ocorre devido à esperança da mudança de comportamento do cônjuge.
Catão, Lucena
Analisar mulheres em situação de violência de gênero: significados da vivência afetiva, por mulheres em atendimento em Centro de Referência no Nordeste do Brasil.
Moura, Netto, Leite, Lima, Teixeira
Analisar a violência de gênero contra mulheres a partir dos registros de uma Unidade de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro/Brasil.
Estefó, Sáez
Mendoza,
A análise realizada aponta três temas inter-relacionados: concepções da violência de gênero, perfazendo 59,9% dos significados elaborados; dificuldades enfrentadas com 22,4% das falas; perspectiva de mudança com 17,7%, que são menos predominantes nos discursos elaborados. Prevaleceram os tipos de violência: 66,3% física, 23,6% psicológica, 7,9% física e psicológica, e 2,2% sexual. A maioria das mulheres (50,6%) não registrou a violência em Boletim de Ocorrência. Verificou-se que 69,7% dos casos ocorreram em residência, sendo os agressores conhecidos (70,8%). Entre aquelas que não registraram a denúncia, na maioria dos casos, os agressores foram os parceiros íntimos.
Com a análise dos estudos selecionados, foi possível observar que dos 17 artigos, 11 (65%) estão em português, 1 (6%) em espanhol e 5 (29%) em inglês. Quanto à base de dados, foram encontrados no Scielo 4 (23%), e na LILACS 9 (53%), e Medline 4 (24%) desses 17 artigos. Em relação aos anos de publicação, a maioria observada
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CAPÍTULO 3 foi em 2013 (47%), 2014 (35%) e, por último, 2015 (18%). Não foi encontrado nenhum artigo entre 2016 e 2018. Já em relação aos periódicos com mais publicações estão a Revista de Saúde Pública e a Revista Ciência & Saúde Coletiva com 2 publicações cada (11%). As demais apresentaram apenas uma publicação por artigo, resultando em um total de 78%. No que se refere à análise dos objetivos e dos resultados dos artigos selecionados, observou-se que a violência contra a mulher pode se manifestar por meio de várias abordagens diferentes e se prolongar em várias fases de sua vida. Os 17 artigos estudados na íntegra investigaram: as controvérsias existentes no relato dos parceiros íntimos em inquéritos policiais de violência contra a mulher; a interferência da condição socioeconômica na ocorrência desse tipo de violência; o ônus da violência em relação a mulheres grávidas, a relação entre a violência e uma gravidez não desejada, bem como a incidência, prevalência e os fatores de risco para a ocorrência dessa violência no período pós-parto. Abordou-se ainda, a violência baseada em gênero como uma questão global de saúde e direitos humanos, com determinantes individuais e sociais. O risco de violência de parceiro íntimo contra mulheres, com limitações de atividade, devido a uma condição de saúde mental; as influências da adolescência e da família na violência psicológica do parceiro íntimo ao atingir idade adulta; os casos de homicídio envolvendo parceiros conjugais; a percepção e os sentidos atribuídos pelas vítimas e as implicações, decorrentes da experiência de violência. A configuração da rede social das mulheres, que vivem em situação de violência doméstica, e as impossibilita de manter vínculos sociais, colocando-as em situação de isolamento e fragilidade; a relação entre violência de gênero e ideação suicida em mulheres com HIV; a violência de gênero contra mulheres a partir dos registros de uma Unidade de Polícia. DISCUSSÃO Os tipos de violência contra as mulheres são os mais variados possíveis, se manifestando na totalidade dos 17 artigos estudados. A violência física, mental e sexual, integra a vida das mulheres de diferentes países, crenças, níveis socioeconômicos e educacionais, desde a fase da adolescência, passando por adultas jovens até a meia-idade. (LOHMAN et al., 2013; CORTEZ; SOUZA, 2013; DECKER et al., 2015; DU MONT; FORTE, 2014; CECCON; MENEGHEL; HIRAKATA, 2014. Com base na leitura e interpretação dos artigos, fica evidente que fatores como educação, cultura, família, preconceito, empregabilidade, poder econômico, relacionamentos, uso/não uso de álcool e outras drogas, gravidez e filhos, estão ligados intimamente aos motivos que geram agressões. Além disso, esses fatores levam as vítimas a pensar nas agressões de forma aceitável e a acreditar que maus-tratos fazem parte de uma convivência normal. Atitudes como a de esconder a violência sofrida ou calar-se diante dela por causa de sentimentos como medo (do agressor, do preconceito social, da perda de convivência), são frequentes em todos os artigos analisados. Dos artigos selecionados, 82,4% estudaram a violência praticada por parceiros
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CAPÍTULO 3 íntimos contra as mulheres, levantando dados relacionados aos possíveis motivos das agressões e como as vítimas respondiam a elas. Durante estudo com mulheres grávidas no Chile, 52,9% das agressões foram causadas pelos companheiros por motivos banais (ESTEFÓ; MENDONZA-PARRA; SAÉZ, 2014). A maioria das pesquisas demonstram que a cultura de diferentes regiões age ativamente de forma a incentivar a violência contra a mulher (SILVA; COELHO; NJAINE, 2014; CORTEZ; SOUZA, 2013; SILVA et al., 2015; DECKER et al., 2015; LOHMAN et al., 2013; DUTRA et al., 2013; CECCON; MENEGHEL; HIRAKATA, 2014; ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013; CATÃO; LUCENA, 2013; MOURA et al., 2013). Um estudo transversal com mulheres grávidas na Gâmbia, África, demonstrou que a violência é tida como aceitável por 80% das vítimas, de uma amostra em que 61,8% das mulheres afirmaram ter sido violentadas por seus companheiros, enquanto somente 4% relatou o evento a polícia (IDOKO et al., 2015). A rede social em que as mulheres se inserem, como o vínculo com a mãe e a sogra, que trazem consigo o idealismo de manter, sob qualquer circunstância, a união do lar, além da esperança da mulher agredida na possível mudança de hábitos do parceiro, que cessariam as agressões, são fatores que corroboram para a manutenção do ciclo da violência (DUTRA et al., 2013; ZANCAN; WASSERMANN; LIMA, 2013). Somado a esses fatores à presença de filhos, a prática da violência é limitada na maioria dos casos, apenas pelo medo quando surgem ameaças à vida. A violência surge em todas as fases da vida do casal e os estudos apontam tempo de no mínimo 1 a no máximo 35 anos de relacionamento (SILVA; COELHO; NJAINE, 2014; CORTEZ; SOUZA, 2013; AZÊVEDO et al., 2013). Predomina entre pessoas separadas ou divorciadas, por fatores como a recusa da mulher em retomar o relacionamento, ou ciúme e comportamento controlador por parte do parceiro, muitos associados ao uso de álcool e outras drogas (SILVA; COELHO; NJAINE, 2014). Alguns estudos foram realizados com mulheres que sofreram maus-tratos antes da gravidez, durante e no puerpério (SILVA et al., 2015; AZÊVEDO et al., 2013; IDOKO et al., 2015; MARCACINE et al., 2013; ESTEFÓ; MENDOZA; SÁEZ, 2014). Em Recife, Brasil, 60,3% de 1.054 mulheres que participaram de uma amostra, relataram gravidez não pretendida, resultado de violência, em geral associada a uso de drogas pelo parceiro, gerando recusa a gravidez e mais agressões da parte dele (AZEVÊDO et al., 2013). É possível perceber que os maus-tratos estão presentes em todas as classes sociais. Em entrevista de mulheres de renda média acima de 6 salários, independentes financeiramente e até provedoras do lar, a violência dos parceiros se personifica, piorando com o passar dos anos de convivência. Sempre relacionados ao uso de álcool e outras drogas (BECCHERI-CORTEZ; SOUZA, 2013). Outro tipo de associação foi relacionado a mulheres que sofrem distúrbios na saúde mental, não ficando claro, no entanto, se essas limitações eram causa da violência conjugal, ou consequência dela. Estudos corroboram a existência de um maior número de violência por parceiro íntimo em mulheres com atividades limitadas por condições de saúde mental, e que essa, piora os transtornos já instalados (DU MONT, 2014). Foi percebido que, na maioria dos relatos dos homens, em estudo de análise de
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CAPÍTULO 3 inquéritos policiais, em Santa Catarina, que a justificativa para suas agressões está no fato de que suas companheiras também os agridem de alguma forma (verbal ou física) (SILVA; COELHO; NJAINE, 2014). Não fica claro se é como forma de defesa ou por costume os atos violentos, apenas que é mais uma forma de propagação da violência. Os tipos de violência mais comuns entre os estudos foram (60%) verbal, (55%) física e (22%) sexual (IDOKO et al., 2015). Na maioria dos casos, os maus-tratos se iniciam em formas de xingamentos, gritos, comportamento controlador, prisão domiciliar e ameaças de morte. Passam para a violência física, com tapas, golpes, chutes ou uso de armas, nos casos mais extremos. Os relatos de violência sexual são menos frequentes, em casos de violência conjugal (MOURA et al., 2013; MARCACINE et al., 2013) A falta de apoio da sociedade para com essas mulheres, o preconceito disseminado contra as que deixam seus maridos, o envolvimento de crianças e as dificuldades no andamento de processos judiciais, dificulta o caminho de saída das mulheres em situações de agressão. As mulheres são tomadas pela dor, sofrimento, opressão, humilhação, vergonha e baixa estima, não levando tanto em conta a agressão física em si e não sabendo como se libertar dessas situações (CATÃO, LUCENA; 2013). CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com os achados de estudo, foi possível evidenciar que a violência contra a mulher tem influência social, histórica e cultural. Dentre os abusos sofridos destacam-se: agressão verbal, emocional, além de violência física ou sexual, o que contribui para uma maior suscetibilidade da saúde mental e física. Tendo em vista os artigos estudados, observou-se que tais hostilidades surgem à medida que aumenta o tempo de relacionamento, predominando entre pessoas divorciadas, atitudes ciumentas ou controladoras por parte do parceiro, como também o uso de álcool e drogas. O preconceito contra a mulher divorciada ainda arraigado nas sociedades, dificuldade dos processos judiciais e envolvimento de crianças dificultam o processo de denúncia, por parte dessas mulheres, impedindo que elas se libertem dessas situações. Além disso, poucos estudos relatam os outros tipos de violência que não são causados por parceiros homens como agressor. Assim, faz-se necessária a maior divulgação e discussão sobre o tema, como também, a qualificação de políticas que valorizem a autonomia da mulher sobre seus corpos, e ainda, que incentivem um maior número de denúncias, a fim de reduzir esses casos frequentes de violência.
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CAPÍTULO 4
IMPACTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL NA SÁUDE DAS MULHERES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
RESUMO Este estudo teve como objetivo analisar a produção científica nacional e internacional sobre o impacto da violência sexual na saúde das mulheres. A referida revisão integrativa foi realizada no mês de outubro de 2017, por meio de levantamento de publicações que abordam violência sexual, abuso sexual e violência de gênero. O efeito negativo da violência sexual é refletido não só em danos imediatos, mas também a longo prazo. O risco de infecções por doenças sexualmente transmissíveis consiste em outro aspecto que causa receio, sendo a infecção pelo HIV a maior preocupação para as mulheres vítimas de agressão sexual. Diante disso, é de grande importância que os profissionais de saúde percebam a violência e facilitem o atendimento direcionando à vítima para uma assistência adequada. Porém, existe descaso dos gestores diante do problema. Somente oito estados apresentaram a violência sexual como prioridades de plano, o que foi relatado nos estudos sobre a implementação do Plano de Enfrentamento à Feminização da Aids e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis. O enfrentamento da violência contra a mulher passa pela redução das desigualdades de gênero e requer a participação de diversos setores da sociedade para que seja resguardado o direito das mulheres de viver sem violência. DESCRITORES: Abuso sexual. Agressão sexual. Violência de gênero.
Estephanye Vasconcelos Nunes de Farias
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Marcela Rolim da Cruz
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Maria Eduarda Belo Osório Salzano Lago
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Rafaella Fiquene de Brito Filgueira
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Thássia Rachel Brito de Figueiredo Almeida
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 4 INTRODUÇÃO A violência é uma realidade no mundo, assim como no Brasil, em que diariamente pessoas são expostas aos mais diversos tipos de agressões, sofrendo grandes consequências físicas e mentais em decorrência de tais atos, podendo chegar inclusive ao óbito. Os índices são avassaladores nos mais variados tipos, seja a violência no trânsito, no trabalho, nas periferias, contra idosos, homossexuais, crianças, mulheres. Acerca desta última modalidade, os números são assustadores, demonstrando o desrespeito contra a mulher que ainda permeia a sociedade, desde os séculos passados (MEDEIROS, 2015). Esse desrespeito à figura feminina tomou maior forma com a busca da igualdade de prerrogativas pelas mulheres. Na segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, a mulher começou a adentrar no mercado de trabalho, buscando uma equiparação de direitos com os homens. Apesar de representar uma importante conquista para a classe feminina, a luta por igualdade de gêneros passou a ser vista pela sociedade, marcada por séculos de patriarcado, como uma afronta e uma ameaça ao poder masculino (GARCIA; CONFORTO, 2012). Assim, as mulheres passaram a ter sua força de trabalho explorada, já que representavam uma classe mais “frágil” e sua mão-de-obra era considerada mais barata e de trato mais fácil. Sobrevieram então os casos de assédio sexual contra a mulher no ambiente de trabalho, pois essa era uma das formas vistas pelos homens de eliminar a concorrência feminina, visto que a maioria das vítimas não levava o ocorrido ao conhecimento de outras pessoas (GARCIA; CONFORTO, 2012). A violência se constitui em problema de saúde pública, desde 1993, conforme apresentou a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). Requer uma abordagem da área da saúde sobre esse tema, com o devido tratamento das vítimas, bem como a divulgação correta de informações acerca do referido assunto (SOUZA, 2014). No Brasil, com o advento da Constituição Federal de 1988, o país teve abarcada a proteção à dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Assim, começou-se a tutelar os direitos humanos, de forma mais intensa e cuidadosa, e a violência sexual passou a representar uma grave violação dos direitos fundamentais (BRASIL, 1988). Assim, em face da crescente demanda de violência contra a mulher no Brasil, foi promulgada a lei 11340/06, conhecida como Lei Maria da Penha. Essa Lei tem como objetivo coibir violência doméstica e familiar contra o sexo feminino, por meio de mecanismos que garantam proteção jurídica às vítimas (SOUZA, 2014). Muitas vezes a violência doméstica contra mulher está interligada à violência sexual. Assim, é importante esclarecer a distinção entre o assédio e o abuso sexual. O primeiro caracteriza-se pela sedução, sem violência. Já o segundo, tem como principal característica o emprego da violência, sendo o próprio ato sexual. Pode ser caracterizada por diversas condutas que atentam contra a honra, a intimidade e a liberdade sexual da vítima e que são consideradas reprováveis. Constitui-se em violação do princípio de livre disposição do próprio corpo, em que a vítima muitas vezes não leva o ocorrido ao conhecimento das autoridades (DE ANTONI, 2011). Analisando o cenário nacional da violência sexual contra a mulher, percebemos que
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CAPÍTULO 4 este é carregado de atmosfera tensa, estressante. No ano de 2015, até o mês de outubro, foram registradas no Brasil 63.090 denúncias de violência contra a mulher, desse total, 3.064 correspondem a violência sexual (MEDEIROS, 2015). Assim, mulheres que sofrem violência sexual costumam apresentar as chamadas doenças psicossomáticas, que, diferentemente das doenças orgânicas, são aquelas causadas por distúrbios psicológicos, como o estresse e a depressão. Isso faz com que as vítimas liberem tamanha tensão ao seu corpo, desenvolvendo sintomas que lhes causam danos. Além disso, há os danos físicos, como a contração de patologias infectocontagiosas, a exemplo das doenças sexualmente transmissíveis (ANDRADE, 2015). Contudo, além de sinais de disfunções físicas, o maior dano que a violência sexual pode causar a uma vítima são os de ordem psíquica, causados pelo terror psicológico que esse tipo de conduta acarreta, gerando distúrbios emocionais como a depressão e a síndrome do pânico. Esse terror psicológico é desenvolvido pela vítima em consequência aos atos violentos praticados pelo agressor, atos esses que acarretam grande sofrimento. Pessoas que sofrem desse mal costumam apresentar alguns sintomas como depressão, ansiedade e/ou ataques de pânico, estresse traumático e pós-traumático, insônia e/ou pesadelos, vergonha, culpa, dificuldade de concentração, dores de cabeça, fadiga ou perda de concentração, esquecer compromissos, transtornos alimentares, dentre outros (LIRA, 2017). Diante do exposto, é oportuno e relevante discutir sobre o impacto que a violência sexual causa na vida de inúmeras mulheres vítimas dessas agressões, no intuito de combatê-las. A abordagem do tema precisa ser amplamente difundida para que políticas públicas de saúde sejam desenvolvidas com enfoque na assistência à saúde, oportunas e de qualidade às vítimas. Assim, o estudo objetiva analisar a produção científica nacional e internacional sobre o impacto da violência sexual na saúde das mulheres. METODOLOGIA Estudo bibliográfico do tipo revisão integrativa. Método este que possibilita a síntese do estado de conhecimento de um determinado assunto. O seu produto final traz o estado atual de conhecimento de um determinado tema, servindo assim como um meio para analisar a situação e assim promover intervenções efetivas, como também apontar as falhas e as lacunas que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos.(MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008). A revisão integrativa é norteada por seis etapas: identificação do tema e elaboração da questão de pesquisa; estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão da amostragem; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão; discussão dos resultados e síntese do conhecimento. Foi definida como questão norteadora da pesquisa << Qual o impacto da violência sexual na saúde das mulheres? >> Essa revisão foi realizada no mês de outubro de 2017, por meio de levantamento retrospectivo de publicações que abordam o tema impacto da violência sexual na saúde das mulheres. Os critérios de inclusão foram: artigos publicados no período de 2013 a
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CAPÍTULO 4 2017 que abordassem o tema proposto, disponíveis na integra na internet; artigos publicados em inglês, espanhol e português; artigos indexados nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Os descritores empregados foram: abuso sexual, agressão sexual, violência de gênero e violência contra a mulherem múltiplas combinações, utilizando os booleanos AND e OR, foram elas: ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher’’; ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero’’; ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher’’, nos idiomas inglês, português e espanhol. Os critérios de exclusão foram tese, monografia, recursos não científicos, artigos cujos resumos não estiveram disponíveis para acesso e que o conteúdo estivesse em outra língua, que não a desejada, artigos que após a leitura do resumo não tratava sobre o tema e as duplicatas nas bases de dados. Foi então realizada a pesquisa para encontrar os artigos que estavam de acordo com os critérios citados acima e os títulos e os resumos foram lidos e, após a seleção inicial os artigos, foram lidos na íntegra, analisando os que abordavam o tema em questão e selecionando-os para compor o estudo. Os selecionados foram avaliados a partir de um instrumento de coleta de dados, que organiza e tabulam as informações, contendo os títulos, autores, ano, tipo de estudo, local de publicação, banco de dados e combinação dos descritores. RESULTADOS Utilizando-se de uma busca criteriosa, foram encontrados 213 artigos com base em um conjunto de três descritores: ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher’’; ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero’’; ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher’’, bem como os seguintes filtros: publicações do período de 2013 a 2017; idiomas em português, inglês e espanhol; e ser artigos. Utilizando o conjunto de descritor ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher’’, foi possível obter um total de 62 resultados dos quais: 6 da Scielo, 2 PubMed e 54 Lilacs. Utilizando o descritor ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero’’ foi possível obter 84 resultados dos quais 15 foram da Scielo, 0 da Pubmed e 69 daLilacs; e ‘’Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher’’ foi possível encontrar 57 resultados: 8 da Scielo, 5 da PubMed e 54 daLilacs. Tendo como base a questão principal dessa revisão integrativa, que é o impacto da violência sexual com a saúde da mulher, a seleção final dos artigos foi feita, a partir de uma exclusão dos títulos e resumos que não se enquadravam na questão norteadora. Em seguida, foi feita uma leitura na íntegra dos resultados pré-selecionados, sendo atribuídos como relevantes apenas os que mais se adequavam, como pode ser observado na Tabela 1.
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CAPÍTULO 4 Tabela 1: Disposição da seleção dos artigos com base nos descritores e bases cientificas de busca da artigos. Descritores: Agressão sexual OR Abuso sexual AND Violência contra mulher Biblioteca/ Base de Dados
Resultados totais
Relevantes
Não relevantes
Scielo
6
1
5
PubMed
2
0
2
LILACS
54
5
49
Descritores: Agressão sexual OR Abuso sexual AND Violência de gênero Biblioteca/ Base de Dados
Resultados totais
Relevantes
Não relevantes
Scielo
15
1
14
PubMed
0
0
0
LILACS
69
4
65
Descritores: Agressão sexual OR Abuso sexual AND Violência de gênero OR Violência contra mulher Biblioteca/ Base de Dados
Resultados totais
Relevantes
Não relevantes
Scielo
8
1
7
PubMed
5
1
4
LILACS
54
4
50
Total
213
17
196
O Quadro 1 apresenta os títulos dos artigos, seus autores, ano, local de publicação, banco de dados em que foram selecionados e seus respectivos descritores. A partir de 213 resultados obtidos, 17 foram relevantes e selecionados para o estudo, dos quais: 3 (18%) da SciELO, 1 (6%) da PubMed e 13 (76%) da LILACS. Ainda dos resultados relevantes, 3 (17,64%) foram correspondentes a publicações no ano de 2013, 3 (17,64%) ao ano de 2014, 4 (17,64%) ao ano de 2015, 3 (17,64%) ao ano de 2016 e 4 (23,52%) ao de 2017. Foram encontrados 9 (54,94%) resultados no idioma português e 8 (47,06%) inglês. Quadro 1: Estudos selecionados entre 2013 e 2017 com base no titulo, autores, ano, revista, fonte e combinação de descritores. Artigo
Título
Autores
Ano
Revista
Fonte
Combinação descritor
A1
Violência sexual e gravidez: percepções e sentimentos das vítimas
NUNES et al.
2016
Revista da SPAGESP
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
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CAPÍTULO 4
Artigo
Título
Autores
Ano
Revista
Fonte
Combinação descritor
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
A2
Representações de mulheres sobre violência e sua relação com qualidade de vida
PALHONI et al.
2014
Escola de enfermagem Aurora de Afonso Costa
A3
Psychological suffering in the daily lives of women who have experienced sexual violence: a phenomenological study
TRIGUEIRO et al.
2017
Escola Nery
A4
Sexual abuse in childhood and its repercussions in adult life
LIRA et al.
2017
Texto & Contexto -enfermagem
SCIELO
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
2013
Journal of Human Growth and Development
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
2014
Revista Baiana de Saúde Pública
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência contra mulher
A5
Tempo decorrido entre agressão VERMATTI et al. sexual e a chegada aos serviços de saúde no Brasil
Anna
A6
HIV/AIDS e violência: situações de vulnerabilidade entre as mulheres
A7
The invisible magnitude of violence GARCIA et al. against women
2016
Epidemiologia e Serviços de Saúde
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero
A8
Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas DELZIOVO et al. notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil.
2017
Cadernos de Saúde Pública
SCIELO
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero
A9
Violência contra a mulher: agresSILVA et al. sores usuários de drogas ilícitas
2015
Rev. pesqui. cuid. fundam. (Online)
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero
A10
Women in situation of violence by their intimate partner: making a NETTO et al. decision to seek a specialized violence support service
2015
Revista Gaúcha de Enfermagem
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero
A11
Fundamentalismo religioso e violên- DREZZETT cia sexual
2013
Reprodução & Climatério
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero
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OLIVEIRA ; ALMEIDA
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CAPÍTULO 4
Artigo
Título
Autores
Ano
Revista
Fonte
Combinação descritor
A12
Intimate partner violence and incidence of common mental disorder
MENDONÇA; LUDEMIR
2017
Revista de saude publica
PUBMED
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
A13
Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil
ANDRADE et al.
2013
Cadernos de Saúde Pública
SCIELO
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
A14
Dependência química e violência no universo feminino: revisão integrativa
SILVA JÚNIOR et al.
2016
Revista pesquisa e cuidados fundamentais
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
A15
Vítimas de violência sexual atendidas em um serviço de referência
TRIGUEIRO et al.
2015
Cogitare Enfermagem
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
A16
Violência sexual contra mulheres no Brasil: conquistas e desafios do setor saúde na década de 2000
DE LIMA; DESLANDES
2014
Saúde e Sociedade
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
A17
Notificações de violência sexual contra a mulher no Brasil
MOREIRA et al.
2015
Revista brasileira de promoção à saúde
LILACS
Agressão sexual OR abuso sexual AND violência de gênero OR violência contra mulher
DISCUSSÃO Esta revisão integrativa aborda questões relacionadas ao impacto da violência sexual na saúde da mulher, a partir de dados evidenciados na literatura, no período de 2013 a 2017. Os trabalhos selecionados para este estudo referem-se aos danos causados não só à saúde física, mas também mental das mulheres que sofrem episódios de abuso sexual, caracterizando os fatores de maior proporção de impacto, os riscos e medos enfrentados pelas vítimas. Diante dos achados relevantes dos estudos, conclui-se que a violência gera reflexos globais na vida das mulheres, sendo estes agravados quando se sofre mais de um tipo de abuso e pela falta de acompanhamento e atendimentos adequados para essas situações. A violência social vivida pelas mulheres é um problema de saúde prevalente e
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CAPÍTULO 4 que Segundo Vermatti et al. (2013) a humilhação experimentada pela vítima e o medo de vingança, por parte de um agressor, são fatores de grande peso que dificultam as denúncias. O constrangimento e os tabus sociais dificultam a exposição da intimidade das vítimas, como lacerações ou sangramentos vulvares e vaginais. Um fato curioso é que a culpa perante a família só é superada nesses casos de lesões graves. O impacto da violência sexual é perceptível na saúde mental das mulheres. Estudos relatam que quanto mais grave a agressão, maior o impacto sobre a saúde mental das vítimas. No âmbito psicológico e social, o medo decorrente da violência sexual interfere claramente nas relações sociais, afetivas e sexuais, no trabalho e na escola. As mulheres explicitam a necessidade de companhia para sair às ruas, devido ao medo do contato com pessoas que as fazem relembrar o agressor (TRIGUEIRO et al., 2017). Além disso, foi observada que a maior incidência de transtornos mentais comuns (TMC), que consiste no aparecimento de sintomas como irritabilidade, fadiga, problemas do sono, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas, aliados à depressão e ansiedade, ocorreu em vítimas que relataram diferentes formas de violência (MENDONÇA; LUDEMIR, 2017). O efeito negativo da violência sexual é refletido não só em danos imediatos, mas também a longo prazo, e são acentuados pela sobreposição de violências sofridas. Na violência sexual contra mulher a penetração vaginal é predominante nas agressões, submetendo as vítimas ao risco de gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis (IST), como o HIV e a hepatite viral (DELZIOVO et al., 2017). Nas análises foram constatadas representações de culpa relacionada à violência, bem como da gravidez como algo totalmente maléfico. Foram citados, também, sentimentos de constrangimento, aversão, pavor, desespero e repugnação em relação à violência e à gravidez (NUNES et al., 2016). Além disso, há ainda tentativas de impedir o acesso das mulheres vítimas de violência sexual ao seu direito de interrupção da gestação, constituindo um ato de perversidade obrigar as vítimas desse tipo de violência a levar a gravidez até o final. Isso decorre especialmente das classes que questionam o exato momento do início da vida e que são absolutamente contrárias a tal interrupção, como a comunidade religiosa católica (DREZETT, 2013). No entanto, no desfecho da gravidez seja por interrupção ou por continuidade, geralmente, há mudança na percepção e na saúde mental das mulheres, seja por alívio do desfecho, pelo reconhecimento de que a criança não tem culpa ou pelo próprio desenvolvimento de vínculo com a criança (NUNES et al., 2016). A autorização para aborto em casos de gravidez por violência sexual prevista no Código Penal Brasileiro e a Norma Técnica sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos contra Mulheres e Adolescentes contém as medidas a serem adotadas na rede pública para atendimento adequado dessas vítimas (TRIGUEIRO et al., 2015). A infecção pelo HIV é a maior preocupação para as mulheres vitimas de agressão sexual. Sabe-se que o risco de contração do HIV depende do tipo de exposição a que a vítima é submetida (anal, vaginal, oral), o número de agressores, a susceptibilidade da mulher, traumatismos ou lesões genitais associadas, carga viral do agressor, mas principalmente o tempo decorrido entre o contato com indivíduo infectado e o início das medicações profiláticas (VERTAMATTI et al., 2013). Além disso, pesquisas sobre o perfil dos agressores, relatam que o uso de álcool
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CAPÍTULO 4 e outras drogas, principalmente as ilícitas, como ecstasy, maconha e cocaína, pelos parceiros íntimos ou quaisquer agressores, mantém relação direta com o risco de a mulher se tornar uma vítima de violência sexual, e com a exposição a Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e ao Vírus da Imunodeficiência Humana (SILVA et al., 2015). Em outro estudo, ainda, pode-se dizer que o uso de substâncias psicoativas pelo parceiro, aumenta em até três vezes o risco de violência contra mulheres (SILVA JÚNIOR et al., 2016). Segundo pesquisas, pessoas que sofreram violência sexual têm maiores chances de se infectarem pelo HIV, principalmente mulheres agredidas por parceiros, já que não há autonomia feminina e a negociação de uma prática sexual segura. Diante disso, é de suma importância que os profissionais de saúde percebam a violência e facilitem o atendimento direcionando à vítima para uma assistência adequada, pois a demora do diagnóstico pode interferir no prognóstico. Por isso, é necessário desenvolver ações para prevenção da violência e dos seus agravos na saúde da mulher, como também o atendimento eficaz e oportuno (OLIVEIRA; ALMEIDA, 2014). A profilaxia anti-HIV deve ser iniciada precocemente, pois o vírus pode chegar à circulação sanguínea e infectar suas células alvo, após cerca de 48 horas, por isso o limite aceitável dentro as quais as drogas antirretrovirais poderiam fazer efeito protetor é de 72 horas (VERTAMATTI et al., 2013). Nos estudos sobre a implementação do Plano de Enfrentamento à Feminização da AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis, somente oito estados apresentaram a violência sexual como uma de suas prioridades de plano, evidenciando o descaso dos gestores diante do problema. No âmbito do controle social sobre a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) é preciso conhecer e monitorar o papel da gestão em municípios e estados na atenção à violência sexual (LIMA; DESLANDES, 2014). A violência contra a mulher é falsamente reconhecida como um fenômeno de menor magnitude do que a que vitimiza o homem, visto que quase a metade dos municípios brasileiros não notificam esse tipo de violência e, no caso dos que notificam, nem todas as vítimas chegam a ser atendidas nos serviços de saúde, havendo, também, a subnotificação das que são atendidas. Além do fato de ocorrer principalmente no âmbito privado e ser, em grande parte, praticada por familiares e conhecidos, o que faz com que a maioria das ocorrências não gere atendimentos e não seja reconhecida pelos sistemas de informação, resultando em uma subnumeração dos eventos, reforçando a invisibilidade da violência contra a mulher. Lamentavelmente, este tipo de violência ganha visibilidade somente quando ocorrem casos extremos (GARCIA, 2016). Políticas e estratégias públicas que visam reduzir a violência de gênero e também sexual podem contribuir para a prevenção e redução dos sintomas de Transtornos Mentais Comuns entre as vítimas da violência. É de extrema importância também o tratamento das consequências da violência por parceiro íntimo e o apoio às mulheres na busca de proteção nos serviços públicos (MENDONÇA; LUDEMIR, 2017). Segundo Netto et al. (2015), os profissionais de saúde, nos mais diversos setores, devem estar atentos aos casos de violência às mulheres com foco no acolhimento e cuidado prestado, proporcionando uma atenção à sua integridade física e atendimento especial. Para Andrade et al. (2013), o conhecimento das características da população e do
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CAPÍTULO 4 evento faz com que seja possível que a equipe que vai prestar acolhimento e assistência a vítima de violência possa fazer estruturação e modelo atendimento de forma mais precisa e coeza, o que segundo Moreira et al. (2017) torna-se possível com a capacitação profissional. Esta capacitação para o manejo dos casos de violência é importante para a efetivação da notificação e qualidade dos registros, uma vez que a desinformação compromete e traz prejuízos à revelação da magnitude e características dos casos e inviabiliza estratégias para o enfrentamento do problema (MOREIRA et al., 2015). De acordo com Nunes et al. (2017), na maioria das vezes, as mulheres não obtêm sucesso na busca por tratamento das lesões, ou sequelas causadas pela violência. Por isso, é necessário que exista um aperfeiçoamento dos sistemas de informação com intuito de corrigir as falhas nas estatísticas sobre a violência contra a mulher, fazendo com que esse grave problema de saúde pública seja prevenido e encarado adequadamente. O enfrentamento da violência contra a mulher passa pela redução das desigualdades de gênero e requer a participação de diversos setores da sociedade para garantir a liberdade e o direito básico dessas mulheres de viver sem violência (GARCIA, 2016). CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do estudo realizado, pode-se observar o impacto que a violência gera na saúde das mulheres agredidas, afetando sua saúde mental e o convívio social. A presença dos sintomas desenvolvidos por elas, aliado ao risco de contração de doenças sexualmente transmissíveis, são fatores preocupantes que enfatizam a necessidade de combater essas agressões que até então são pouco difundidas. Este estudo é de grande relevância pelo fato de a violência sexual ainda ser um problema pouco priorizado pelos estados e possuir grande invisibilidade dentro da sociedade, em que apenas os casos extremos são evidenciados. Dessa forma, percebe-se a necessidade de desenvolver ações preventivas da violência e dos seus agravos na saúde da mulher, melhorar e dar acesso ao tratamento das consequências da violência e o apoio às mulheres na busca de proteção nos serviços públicos. A garantia da liberdade e do direito básico das mulheres de viverem sem violência é um combate que necessita da participação de vários setores da sociedade, sendo necessário uma melhora na rede de assistência às vítimas, corrigindo as falhas presentes nos serviços para que, com isso, o problema em questão seja devidamente encarado e visibilizado.
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CAPÍTULO 4 REFERÊNCIAS ANDRADE, T. D. S. et al. Violência sexual: estudo descritivo sobre as vítimas e o atendimento em um serviço universitário de referência no Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 29, n. 5, p. 889-898, 2013. ANDRADE, R. F. V. et al. Violência por parceiro íntimo após diagnóstico de doenças sexualmente transmissíveis. Revista de Saúde Pública, v. 49, n. 3, p. 1-9, 2015. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. DE ANTONI, C. et al . Abuso sexual extrafamiliar: percepções das mães de vítimas. Estud. psicol. (Campinas), Campinas, v. 28, n. 1, p. 97-106, 2011. DELZIOVO, C. R. et al. Características dos casos de violência sexual contra mulheres adolescentes e adultas notificados pelos serviços públicos de saúde em Santa Catarina, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 33, n. 6, p. 1-13, 2017. DREZETT, J. Fundamentalismo religioso e violência sexual. Reprodução & Climatério, v. 2, n. 28, p. 47-50, 2013. GARCIA, L. P. The invisible magnitude of violence against women. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 25, n. 3, p. 451-454, 2016. GARCIA, L. S.; CONFORTO, E. A inserção feminina no mercado de trabalho urbano brasileiro e renda familiar. 2012. Disponível em: <www.fee.tche.br/sitefee/download/jornadas/2/h7-03.pdf>. Acesso em, 10 Out. 2017]. LIMA, C. A.; DESLANDES, S. F. Violência sexual contra mulheres no Brasil: conquistas e desafios do setor saúde na década de 2000. Saúde e Sociedade, v. 23, p. 787-800, 2014. LIRA, M. O. S. C. et al. Sexual Abuse in Childhood and its Repercussions in Adult Life. Texto & Contexto-Enfermagem, v. 26, n. 3, p. 1-8, 2017. MENDONÇA, M. F. S.; LUDERMIR, A. B. Intimate partner violence and incidence of common mental disorder. Revista de saúde pública, v. 51, n. 32, p. 1-8, 2017. MEDEIROS, M. A violência contra a mulher na sociedade contemporânea brasileira. 2016. Disponível em: <https://monalysamedeiros.jusbrasil.com.br/artigos/303302196/a-violencia-contra-mulher-na-sociedade-contemporanea-brasileira>. Acesso em, 17 Out, 2017. MENDES, K. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVAO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto contexto - enfermagem, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008.
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CAPÍTULO 4 MOREIRA, G. A. R. et al. Notificações de violência sexual contra a mulher no Brasil. Revista Brasileira em Promoção da Saúde, v. 28, n. 3, p. 327-336, 2015. NETTO, L. A. et al. Women in situation of violence by their intimate partner: making a decision to seek a specialized violence support service. Revista gaúcha de enfermagem, v. 36, n. SPE, p. 135-142, 2015. NUNES, M. C. A.; MORAIS, N. A. Violência sexual e gravidez: percepções e sentimentos das vítimas. Revista da SPAGESP, v. 17, n. 2, 2016. p. 21-36. OLIVEIRA, C. A; ALMEIDA, L. C. G. HIV/AIDS e violência: situações de vulnerabilidade entre as mulheres. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 37, n. 4, 2014. p. 1029. PALHONI, A. R. G. et al. Representações de mulheres sobre violência e sua relação com qualidade de vida. Online Brazilian Journal of Nursing, v. 13, n. 1, p. 15-24, 2014. SOUZA, V. P. Violência doméstica e familiar contra a mulher – A Lei Maria da Penha: uma análise jurídica. 2014. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/violencia-domestica-e-familiar-contra-mulher-lei-maria-da-penha-uma-analise-juridica>. Acesso em, 17 Out. 2017. SILVA, C. D. et al. Violência contra a mulher: agressores usuários de drogas ilícitas. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online, v. 7, n. 2, 2015. Disponível em: < http://www. redalyc.org/html/5057/505750946026/>. Acesso em, 17 Out. 2017. SILVA JÚNIOR, F. J. G. et al. Dependência química e violência no universo feminino: revisão integrativa. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental, v. 8, n. 3, p. 4681-4688, 2016. TRIGUEIRO, T. H. et al. Psychological suffering in the daily lives of women who have experienced sexual violence: a phenomenological study. Escola Anna Nery, v. 21, n. 3, p.1-7, 2017. VERTAMATTI, M. A. F. et al. Tempo decorrido entre agressão sexual e a chegada aos serviços de saúde no Brasil. Journal of Human Growth and Development, v. 23, n. 1, p. 46-51, 2013.
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CAPÍTULO 5
VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UMA REVISÃO INTEGRATIVA
RESUMO Esta revisão integrativa teve como objetivo analisar a produção científica nacional sobre a violência de gênero dos últimos 5 anos. A revisão foi realizada entre os meses de setembro e outubro de 2017, através do levantamento retrospectivo de publicações que as abordavam. Analisando o contexto histórico mundial, percebe-se que as mulheres ainda continuam sendo violentadas, e muitas são as que não denunciam seus agressores por quererem manter um padrão ideal de família, por medo de novas agressões, ou por receio de serem discriminadas pela sociedade e taxadas como merecedoras das agressões. O estudo relata os diversos tipos de violência sofridos pelas mulheres, destacando-se a psicológica e a física, a extensa faixa etária dos grupos femininos violentados, o nível sociocultural das vítimas, o perfil do agressor e as consequências da violência na vida dessas mulheres. Ao final do estudo, observou-se a necessidade de rastreamento dos casos de violência de gênero com maior efetividade e de torná-los mais visíveis, para que essas mulheres possam receber a ajuda adequada com suas peculiaridades dos órgãos públicos de saúde, e para que sejam punidos com maior rigorosidade os agressores. DESCRITORES: Violência de Gênero. Violência Psicológica. Violência Física.
Tomás Jataí Soares Fernandes
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Maiala de Fátima Liberato de Moura
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Bruno Beserra da Silva
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Fernanda Maia Barboza
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Fernanda Lucena da Costa
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Kerle Dayana Tavares de Lucena
Professora Doutora pela UFPB. Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 5 INTRODUÇÃO O termo gênero é definido como a construção social do sexo, diferenciando-se da variável sexo porque esta tem como referência a dimensão biológica da caracterização anatomofisiológica dos seres humanos, reconhecida como essencial e inata na determinação das distinções entre homens e mulheres (MEYER, 2015). A violência de gênero, também conhecida como violência contra a mulher ou violência doméstica, caracteriza-se como um fenômeno de múltiplas determinações em que se define qualquer ato baseado nas relações de gênero, que resulte em danos físicos e psicológicos ou sofrimento para a mulher (GARCIA et al., 2013). Refere-se à hierarquia de poder, desejos de dominação e aniquilamento do outro e que pode ser utilizada algumas vezes, conscientemente, nas relações conjugais como mecanismo para subordinação da mulher ao parceiro (BANDEIRA, 2014). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil apresenta uma taxa de 4,8 homicídios por 100 mil mulheres, num grupo de 83 países com dados homogêneos, e ocupa a 5ª posição, evidenciando que os índices locais excedem, em muito, os encontrados na maior parte dos países do mundo. El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil (WAISELFISZ, 2015). No Brasil, a violência contra mulheres apenas ganhou maior notoriedade com a criação da Lei 11.340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha. Este fenômeno passou, então, a ser definido como um crime específico e possíveis mudanças na forma de punição aos agressores foram proporcionadas (ALVES et al., 2012). Vale destacar que a violência doméstica e familiar assumem várias formas dentro da sociedade, encontrando-se divididas e classificadas, dentre outras formas, como violência física, violência patrimonial, violência sexual, violência moral e a violência psicológica ou emocional (FONSECA et al., 2012). A literatura descreve diversos fatores associados à violência doméstica, tais como: os antecedentes familiares de atos violentos, o uso de álcool pelo parceiro, o desemprego, a pobreza, o baixo nível socioeconômico da vítima, o baixo suporte social ofertado à mulher e a dependência emocional em relação ao agressor. Nessa perspectiva, emerge a necessidade de políticas públicas. Para isso, normas sociais e padrões culturais (tanto de homens quanto de mulheres), os quais confirmam, autorizam, naturalizam e banalizam a dominação masculina sobre a mulher, precisam ser combatidos, com o intuito de minimizar, ou até mesmo eliminar, as grandes divergências existentes entre o gênero, criadas e mantidas por um forte contexto histórico e que, felizmente, não condiz com a sociedade moderna: de direitos iguais e para todos (GONTIJO et al., 2010). As políticas públicas promovidas pelo Governo Federal do Brasil, através da Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM, apresentam várias ações, entre elas as políticas para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Nestas políticas, há uma demanda explícita pelo trabalho de um profissional de Psicologia, porém essa demanda apresenta uma contradição: há uma expectativa de que a intervenção psicológica promova mudanças na vida das mulheres que sofrem violência. Contudo, as orientações apresentadas nos manuais dos serviços que atendem essas mulheres tendem para uma intervenção indife-
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CAPÍTULO 5 renciada dos profissionais da equipe multidisciplinar (BRASIL, 2009; BRASIL, 2006; BRASIL, 2005). Dentre as várias ações estão as delegacias de defesa da mulher, as casas abrigo e os centros de referência multiprofissionais, na última década foram criados os serviços de atenção à violência sexual para prevenção e profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e para realização de aborto legal, quando for o caso (SILVESTRE NETO, 2015). Diante dessa problematização e justificativa acerca do tema proposto, este estudo objetivou analisar a produção científica nacional da violência de gênero dos últimos cinco anos. METODOLOGIA Trata-se de uma revisão integrativa com abordagem quantitativa, retrospectiva e documental, realizada com o levantamento das produções científicas nacionais, publicadas no período de 2012 a 2017, e localizadas por meio da base de dados do LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde). A revisão integrativa da literatura é um dos métodos de pesquisa utilizados na Pesquisa Baseada em Evidências (PBE), que permite a incorporação das evidências na prática clínica. Esse método tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão, de maneira sistemática e ordenada, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento do tema investigado (MENDES, et al., 2008). A análise do nível de evidências é classificada em sete níveis e em ordem decrescente, tendo como a revisão sistemática a modalidade de estudo como maior nível de qualidade. Quadro 1: Níveis de evidência.
Níveis de Evidência
Níveis de Evidência
Nível 1
As evidências são provenientes de revisão sistemática ou metanálise de todos os relevantes ensaios clínicos randomizados, controlados, ou oriundos de diretrizes clínicas baseadas em revisões sistemáticas de ensaios clínicos randomizados controlados
Nível 2
Evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado
Nível 3
Evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização
Nível 4
Evidências provenientes de estudo de coorte e de caso-controle bem delineados
Nível 5
Evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos
Nível 6
Evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo
Nível 7
Evidências oriundas de opinião de autoridades e / ou relatórios de comitê de especialistas
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CAPÍTULO 5 A estratégia utilizada para obtenção das publicações teve como eixo norteador os seguintes descritores registrados nos Descritores em Ciências da Saúde (Desc/Biblioteca Virtual de Saúde): “violência de gênero”, “violência doméstica” e “violência psicológica”. Para a coleta de dados foram adotados os seguintes critérios de inclusão: pesquisas publicadas nos idiomas inglês e português, publicações entre os anos de 2012 e 2017. O ano inicial de 2012 foi escolhido com a finalidade de buscar publicações mais recentes, ou seja, dos últimos 5 anos. Foram selecionados artigos de periódicos online indexados, abordando o tema Violência de Gênero, textos disponibilizados na íntegra que apresentassem autores, o título do estudo, ano de publicação, periódico publicado e local da Pesquisa. Para exclusão dos artigos, os critérios avaliados foram: artigos com data de publicação anterior a 2012, que não apresentassem o resumo online disponível, além de teses, monografias, estudos duplicados e que não apresentassem texto completo, disponível gratuitamente nas bibliotecas, ou base de dados eletrônicos pesquisados. Com a finalidade de ter acesso ao texto do artigo na íntegra, foi selecionado o link disponível diretamente no BVS. Contudo, nem sempre o conteúdo do resumo relacionava-se a descrição contida no artigo. Diante disso, para a construção deste estudo, optou-se por fazer uma leitura completa de todas as publicações analisadas. Assim, o processo de busca de manuscritos na referida base de dados resultou em 222 artigos. Após o estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão e, a realização da leitura prévia dos títulos e resumos, foram selecionados 21 artigos. Ao término a leitura dos artigos, foram extraídos deles o conteúdo e recomendações mais relevantes indicadas com relação à Violência de Gênero. RESULTADOS Após escolha da Biblioteca de dados LILACS foram obtidos 68 artigos. Para filtrar os estudos que abordassem o tema Violência de Gênero, foi realizada, inicialmente, a leitura dos títulos dos trabalhos seguido da leitura dos resumos ou abstract, e, somente após esses critérios, os artigos foram lidos na íntegra e finalmente 21 foram incluídos na Revisão Sistemática. Selecionados os 21 artigos, todos foram avaliados de acordo com as seguintes variáveis: autores, biblioteca virtual, ano de publicação, título do estudo e o periódico de publicação. Todos os estudos apresentaram dois ou mais autores e todos os títulos dos artigos apresentavam enfoque na violência de gênero. Com base nos anos de publicação, seis (28,62%) foram publicados em 2012, sete (33,3%) em 2013, dois (9,52%) em 2014, três (14,28%) em 2015 e três (14,28%) em 2016. Os anos de 2012 e 2013 foram os que apresentaram os maiores números de publicações totalizando mais de 50% dos artigos selecionados. Na maioria dos artigos, o objeto de estudo eram as vítimas, e o periódico de publicação que mais apareceu foram os relacionados à saúde e a psicologia. A abordagem dos estudos variavam, sendo a predominância de estudos descritivos e qualitativos (A1, A2, A3, A4, A6, A7, A8, A11, A12, A13, A15, A16, A17, A18 e A20) seguido dos quantitativos (A4, A5, A9, A10), os de abordagem com caráter transversal (A13, A21) e exploratórios (A14, A19).
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CAPÍTULO 5 Quadro 2: Estudos selecionados entre 2012 e 2017 com base no título, autores, ano, revista, fonte e combinação de descritores.
Artigo
Autores
Biblioteca/ Base de dados
Ano
Título do estudo
Periódico de publicação
Estudos de Psicologia
A1
Santini e Williams
LILACS
2016
Efeitos de procedimentos para maximizar o bem-estar e a competência parental em mulheres vitimizadas
A2
Brilhante et al.
LILACS
2016
Um estudo bibliométrico sobre a violência de gênero
Saúde e Sociedade
2016
Urgências psicológicas no cuidado às mães em casos de abuso sexual intrafamiliar
Estudos de psicologia
2015
Violência contra a mulher: revisão sistemática da produção científica nacional no período de 2009 a 2013
Ciênc. saúde coletiva
Revista de pesquisa: cuidado é fundamental
A3
A4
Lima e Alberto
Silva e Oliveira
LILACS
LILACS
A5
Leite et al.
LILACS
2015
Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor
A6
Silva et al.
LILACS
2015
Análise da violência Revista brasileira de crescidoméstica na saúde mento e desenvolvimento das mulheres humano
A7
Rosa e Falcke
LILACS
2014
Violência conjugal: compreendendo o fenômeno
A8
Gomes et al.
LILACS
2014
Enfrentamento de mulheres em situação de vi- Revista baiana de enfermaolência doméstica após gem agressão
Revista SPAGESP
A9
Venâncio e Fonseca
LILACS
2013
Mulheres trabalhadoras de restaurantes univerRevista baiana de enfermasitários: condições de gem vida, trabalho e violência de gênero
A10
Moura et al.
LILACS
2013
Mulheres que denunciam violência de gênero Revista eletrônica de enferem uma Unidade de magem Polícia Pacificadora
2013
Caracterização dos casos de violência física, psicológica, Epidemiologia e Serviços sexual e negligênde saúde cias notificados em Recife, Pernambuco, 2012
A11
Silva et al.
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LILACS
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CAPÍTULO 5
Artigo
A12
A13
A14
A15
A16
A17
Autores
Colossi e Falcke
Albuquerque et al.
Griebler e Borges
Veloso et al.
Gomes et al.
Labronici
A18
Fonseca et al.
A19
Pimentel e Mindello
A20
A21
Porto et al.
Oliveira et al.
Biblioteca/ Base de dados
Ano
Título do estudo
Periódico de publicação
LILACS
2013
Gritos do silêncio: a violência psicológica no casal
Psico
2013
Violência doméstica: características sociodemográficas de mulheres cadastradas em uma unidade de saúde da família
Revista Eletrônica de Enfermagem
2013
Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em boletins de ocorrência da Lei Maria da Penha
Psico
2013
Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole do Brasil
Ciência e Saúde Coletiva
2012
Vivência e repercussões da violência conjugal: o discurso feminino
Revista de Enfermagem UERJ
2012
Processo de resiliência nas mulheres vítimas de violência doméstica: um olhar fenomenológico
Texto e Contexto - Enfermagem
2012
Violência doméstica contra a mulher: realidades e representações sociais
Psicologia & Sociedade
2012
Base teórica para estudos exploratórios da experiência consciente da violência psicológica
Revista da Abordagem Gestáltica
2012
Violência, mulheres e atendimento psicológico na Amazônia e no Distrito Federal
Psicologia em Estudo
2012
Violência intrafamiliar: a experiência dos profissionais de saúde nas Revista Brasileira de EpiUnidades de Saúde da demiologia Família de São Joaquim do Monte, Pernambuco
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
DISCUSSÃO A questão da Violência de Gênero é tida como um problema social cuja relevância tem ganhado visibilidade pela sociedade em geral. Há uma tendência crescente no reconhecimento de sua importância enquanto problema de saúde pública com necessi-
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CAPÍTULO 5 dade de intervenções, apesar de ainda não existirem elementos suficientes para lidar com a totalidade da complexidade do fenômeno (SILVA; OLIVEIRA, 2015). Kury et al. (2015) defendem que entre os anos de 2009 e 2012, foram notificados 2.362 casos de violência. No ano de 2009, foram notificados apenas 58 casos, em contraste com o ano de 2012, este com 1.250 notificações, o que equivale a um incremento aproximado de 2.000% no número de notificações no período. Brilhante (2016) aponta que, uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente já ter sofrido algum tipo de violência por parte de um homem, e que, a cada 15 segundos, uma mulher é espancada por um homem. Estima-se que ocorreram 16.993 mortes, resultando em uma taxa corrigida de mortalidade anual de 5,82 óbitos por 100 mil mulheres. Os resultados foram analisados a partir dos elementos da realidade social e que mais se apresentaram na literatura, tendo destaque o nível sociocultural da vítima, os tipos de violência sofrida (física e psicológica), as manifestações das mulheres, a percepção quanto ao agressor e as consequências da violência. Em relação ao nível sociocultural, o estudo de Gomes (2014) revelou que as faixas etárias apresentadas pelas mulheres variavam entre 19-55 anos, com predominância de mulheres casadas e com nível de escolaridade baixo a maioria não alfabetizadas ou com ensino fundamental incompleto, a maioria era do lar e tinham filhos, corroborando com a pesquisa de Albuquerque (2013), em que 86 mulheres foram analisadas, das quais 54 (63%) foram vítimas de violência, 45 (39%) informaram que foram agredidas pelos seus companheiros e 12 (11%) pelos ex-maridos. Revelou ainda que as mulheres agredidas não fazem uso de álcool e que mulheres com baixa escolaridade são mais violentadas. O perfil das vítimas é de mulheres com faixas etárias de vida de 20 aos 39, observando que a violência ultrapassa diferentes faixas etárias e momentos de vida da mulher. Gribler e Borges (2013) constataram que 67,96% das mulheres agredidas tinham até 40 anos. O grau de escolaridade variou, sendo o Ensino Fundamental Completo (57,7%) mais prevalente e a configuração conjugal mais predominante foi a União Estável (37,5%). O estudo realizado por Veloso (2012) indicou uma divergência com os demais estudos em relação à idade, onde foi observado que 83,2% das vítimas eram mulheres com faixa etária mais acometida por esse crime de 10 a 19 anos de idade (45,9%). Kury (2015) revela em seu estudo que a forma de violência identificada com maior frequência foi a física: 435 casos notificados em 2012. Houve incremento também do relato de violência psicológica/moral, de quatro casos em 2009 para 338 em 2012, indo ao encontro do apresentado por Veloso (2012), em que a violência psicológica se apresentou como a segunda notificação mais prevalente com 26,3%, perdendo apenas para a violência sexual (41,8%). Já no estudo de Brilhante (2017), a violência sexual foi a mais frequentemente abordada (36,8%), seguida da física (31,9%). Gomes (2014) mostrou no seu trabalho que a violência física e psicológica vivenciada pelas mulheres foi praticada pelo companheiro. Os resultados das pesquisas demonstraram que algumas mulheres reconheceram a desigualdade de gênero e as contradições decorrentes da relação conjugal que culminam em atos violentos. Outras identificaram a violência como um fenômeno natural inerente à agressividade própria do sexo masculino, impedindo sua compreensão como mulher, revelando uma subordinação ao companheiro. No estudo de Albuquerque (2013), entretanto, a violência psicológica prenominou no grupo investigado e apresentou várias formas: rejeição, depreciação, indiferença, discriminação e desrespeito.
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CAPÍTULO 5 As participantes do estudo de Gomes (2014) revelaram que as situações de violência vivenciadas demarcaram sentimentos de medo, raiva, mágoa, tristeza, interferindo no seu estado emocional. Esses sentimentos propiciam adoecimento da mulher, contribuindo para que se sinta fragilizada, humilhada, impotente, arrependida, com prejuízos, sobretudo, a sua saúde mental. Gribler e Borges (2013) relataram que a existência de um clima de medo e de ameaças constantes, contra a vida das mulheres, está associada a paralisia, a impotência, a culpa, e a submissão. Esse abuso psicológico em geral tem sido associado a sequelas duradouras, na autoestima, na passividade e na personalidade das mulheres em situação de violência. Colossi e Falcke (2013) encontraram o alcoolismo como primeiro fator preditor de violência psicológica, subvertendo a supressão das verbalizações e que as vítimas apresentavam aspectos convergentes em relação à dificuldade de expressão emocional e à história familiar de violência. Brilhante (2016) afirma que os agressores são jovens, geralmente com menor grau de escolaridade que as mulheres, casados, com antecedentes criminais. Santini (2016) ainda traz que os motivos mais frequentes para agressão, mencionados pela mulher, estão relacionados ao uso de álcool/drogas, ciúmes, por parte dos parceiros, questões do âmbito doméstico e intenção de separação, por parte da mulher, queixas estas que contabilizam um total de 84,6% dos casos. Os achados vão ao encontro do que ressaltou Leite (2015) ao afirmar que grande parte dos agressores apresenta-se na entre a faixa etária de 40 a 49 anos, são da raça/cor branca, têm algum tipo de ocupação e cursaram até o ensino fundamental completo. O uso de droga pelo agressor foi negado em 59,6% dos casos, enquanto o uso de bebida alcoólica foi confirmado em 76,2% dos casos. O ciúme foi apontado em 33,3% dos casos como a causa principal de desencadeio da violência. Gomes (2014) defende uso do álcool pelo homem, como fator que desempenha papel importante no contexto de violência, uma vez que o comportamento de beber constitui-se como desencadeador e como motivo direto da desavença entre os casais. Em relação às consequências da violência, Silva e Oliveira (2015) incluem desde uma lesão corporal leve até o óbito, os agravos mais citados repercutiram na saúde física e mental das vítimas. Essas consequências não se limitam apenas a danos físicos imediatos, mas também a efeitos em longo prazo, tais como depressão, tentativas de suicídio, gravidez indesejada, dentre outros. Lima (2016) revela que as consequências da vitimação por abuso sexual, são entendidas como impactos compostos por três fatores como provocadores de consequências que ultrapassam àquelas geradas pelo abuso sexual em si (tempo de duração, parentesco com o vitimador, como foi a reação dos demais familiares e se há a presença de outras formas de violência) o que inclui impactos relacionados a fatores intrínsecos (vulnerabilidade e resiliência) e extrínsecos (rede de apoio social e afetivo). Santini (2016) diz que a mulher vitimizada deixa claro sua confusão de sentimentos, após passar pelo fantasma da violência. As vítimas desenvolvem insegurança nos sentimentos demonstrados, uma vez que variam de um extremo a outro, podendo ser inferidas dessas situações, questões relacionadas ao domínio da relação pelo homem e a violência de gênero, em que se observam comportamentos de submissão, medo, ingenuidade e vulnerabilidade feminina construída ao longo do tempo.
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CAPÍTULO 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A violência de gênero compreende agressões de caráter físico, psicológico e sexual que culminam em graves problemas de saúde pública, afetando todas as classes sociais e correspondendo à população masculina o exercício da dominação pela força física. A revisão integrativa conseguiu analisar a produção científica nacional da violência de gênero dos últimos cinco anos, sendo possível destacar os dois principais tipos de violência contra a mulher: a física e a psicológica. Além disso, encontrou-se uma ampla faixa etária feminina que sofre algum dos tipos de agressão, ou seja, todas as mulheres poderiam ser vítimas, independentemente da faixa etária, conforme observado nas literaturas analisadas. Em relação ao nível cultural, a maioria apresentava baixa escolaridade e grande parte era agredida por seus companheiros. Os efeitos da violência podem perdurar e exigem tratamento e apoio, tanto dos profissionais de saúde quanto pela família e pelos amigos. Isso leva a algumas reflexões sobre o papel do serviço de saúde no atendimento de suas vítimas, o desafio e a responsabilidade dos profissionais de saúde no reconhecimento dos casos, bem como a importância do trabalho interdisciplinar no atendimento a essas mulheres vítimas de qualquer tipo de abuso, seja ele físico ou mental. Desse modo, é necessário realizar mais estudos abrangentes e multidisciplinares para que assim, possa ser rastreado com maior efetividade e visibilidade os casos de agressão. Além de utilizar da divulgação exaustiva, como um método de prevenir a violência, promover saúde a essas mulheres e reintegrá-las a sociedade.
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CAPÍTULO 5 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, J. B. C. et al. Violência doméstica: características sociodemográficas de mulheres cadastradas em uma Unidade de Saúde da Família. Revista eletrônica de enfermagem, v. 15, n. 2, p. 382-90, 2013. ALVES, E. S.; OLIVEIRA, D. L. L. C.; MAFFACCIOLLI, R. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência doméstica em Porto Alegre. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 33, n. 3, p. 141-147, 2012. BANDEIRA, L. M. Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Revista Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, 2014. BRASIL. Lei Nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lex: coletânea de legislação e jurisprudência. Presidência da República. Brasília, 2006. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Atenção integral para mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual: matriz pedagógica para formação de redes. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. 64 p. – (Série B. Textos Básicos de Saúde). BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Impacto da violência na saúde dos brasileiros. Brasília: Ministério da Saúde, 2005. 340 p. – (Série B. Textos Básicos de Saúde). BRILHANTE, A. V. M.; MOREIRA, G. A. R.; VIEIRA, L. J. E. S.; CATRIB, A. M. F. Um estudo bibliométrico sobre a violência de gênero. Saúde e Sociedade, v. 25, n. 3, p. 703-715, 2016. COLOSSI, P. M.; FALCKE, D. Gritos do silêncio: a violência psicológica no casal. Psico, v. 44, n. 3, p. 310-318, 2013. FONSECA, D. H.; RIBEIRO, C. G.; LEAL, N. S. B. Violência doméstica contra a mulher: realidade e representações sociais. Psicologia & Sociedade, v. 24, n. 2, p. 307-314, 2012 GARCIA, L. P.; FREITAS, L. R. S.; HÖFELMANN, D. A. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade de mulheres por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 383-394, 2013. GOMES, I. C. R. Enfrentamento de mulheres em situação de violência doméstica após agressão. Revista Baiana de Enfermagem, v. 28, n. 2, p. 134-144, 2014. GONTIJO, D. T.; ALVES, H. C.; PAIVA, M. H. P.; GUERRA, R. M. R.; KAPPEL, V. B. Violência e saúde: uma análise da produção científica publicada em periódicos nacionais entre 2003 e 2007. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 20, n.3, p. 1017-1054, 2010. GRIEBLER, C. N.; BORGES, J. L. Violência contra a mulher: perfil dos envolvidos em boletins de
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CAPÍTULO 5 ocorrência da Lei Maria da Penha. Psico, v. 44, n. 2, p. 215-25, 2013. KURY, C. M. H. et al. Implantação de um centro na área das violências doméstica e sexual em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, 2009-2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 24, v. 4, p. 771-776. LEITE, F. M. C.; BRAVIM, L. R.; LIMA, E. D. F. A.; PRIMO, C. C. Violência contra a mulher: caracterizando a vítima, a agressão e o autor. Revista de pesquisa: cuidado é fundamental, v. 7, n. 1, p. 2181-2219, 2015. LIMA, A. J.; ALBERTO, M. F. P. Urgências psicológicas no cuidado às mães em casos de abuso sexual intrafamiliar. Estudos de Psicologia, v. 21, n. 3, p. 337-347, 2016. MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & contexto – enfermagem, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008. MEYER, D. E. Teoria e políticas de gênero: fragmentos históricos e desafios atuais. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 57, n. 1, p. 13-18, 2005. MOURA, M. A. V.; ALBUQUERQUE NETTO, L.; LEITE, F. M. C.; LIMA, F. R. S.; TEIXEIRA, S. V. B. Mulheres que denunciam violência de gênero em uma Unidade de Polícia Pacificadora. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 15, n. 3, p. 628-35, 2013. SANTINI, P. M.; WILLIAMS, C. A. efeitos de procedimentos para maximizar o bem-estar e a competência parental em mulheres vitimizadas. Estudos de Psicologia, v. 33, n. 4, p. 711-721, 2016. SILVA, L. E. L.; OLIVEIRA, M. L. C. Violência contra a mulher: revisão sistemática da produção científica nacional no período de 2009 a 2013. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n. 11, p. 35233532, 2015. SILVESTRE NETO, J. et al. Violência contra mulher no contexto de saúde pública. Revista Ciências Saúde Nova Esperança; v. 13, n. 2, p. 60-65, 2015. VELOSO, M. M. X.; MAGALHÃES, C. M. C.; DELLAGLIO, D. D.; CABRAL, I. R.; GOMES, M. M. Notificação da violência como estratégia de vigilância em saúde: perfil de uma metrópole do Brasil. Ciência e Saúde Coletiva, v. 18, n. 5, p. 1263-1272, 2013. WAISELFISZ, J. J. Mapa da violência 2015. Homicídios de mulheres no Brasil. Brasília. 2015. [Acesso 19 out 2017]. Disponível em: http://www.mapadaviolencia. org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf.
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CAPÍTULO 6 PAPEL DOS PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER RESUMO Violência pode ser definida como uso de força para obrigar alguém a fazer algo que não está com vontade. A Violência Doméstica Contra a Mulher (VDCM) constitui-se uma violação dos direitos humanos e das liberdades essenciais. Esse estudo objetiva analisar a produção científica sobre o papel dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher. Trata-se de uma revisão integrativa com abordagem quantitativa, retrospectiva e documental, sendo utilizados como descritores: violência de gênero, violência contra a mulher, atenção primária e profissional de saúde, que foram combinados utilizando os operadores booleanos OR e AND, nos idiomas inglês, português e espanhol. Através das bases PUbMed, BVS, Scielo e LILACS foram encontrados 213 artigos publicados entre 2012 e 2017, sendo selecionados 14 deles, cujos critérios foram: artigos em inglês, português e espanhol e compatibilidade com o tema e os objetivos. O papel dos profissionais da APS no manejo da VDCM mostrou-se uma temática relevante, permitindo dimensionar a contribuição desses profissionais no enfrentamento da problemática. Esse estudo torna-se importante na identificação de lacunas e deficiências da APS no manejo de situações de violência contra a mulher, possibilitando a realização das adequações necessárias. DESCRITORES: Violência de Gênero. Violência Psicológica. Violência Física. Antônio Rafael de Holanda Cavalcante
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
José Wilton Saraiva Cavalcanti Filho
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Kaline Daniele de Souza Amaro
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Sérgio Roberto Simões Houly Júnior
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Victor Hugo Nunes Soares Costa
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 6 INTRODUÇÃO O conceito epistemológico de violência pode ser estabelecido como uso de força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou lesionada e morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, de forma a restringir a liberdade de uma pessoa ou grupo de pessoas, caracterizando-se como uma violação dos direitos essenciais do ser humano (TELES, 2017). Ao analisar a temática da violência sobre o prisma da Violência Doméstica Contra a Mulher (VDCM), essa se constitui como uma violação dos direitos humanos e das liberdades essenciais, atingindo a cidadania das mulheres, impedindo-as de tomar decisões de maneira autônoma e livre, de ir e vir, de expressar opiniões e desejos e de viver em paz, compreendendo violação, abuso sexual, tortura, maus-tratos, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual (TELES, 2017) A VDCM pode ser considerada como um fator de risco de doenças, pois além de provocar lesões físicas imediatas e sofrimento psicológico, aumenta o risco de prejuízos futuros à saúde como, por exemplo, síndromes de dores crônicas e distúrbios gastrointestinais, além da ansiedade, depressão e fobias. Pode, também, aumentar a incidência de uma variedade de comportamentos negativos, como o tabagismo, o consumo de bebidas alcoólicas e drogas (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). A violência contra a mulher pode ocorrer desde a infância até a velhice, seja no campo do trabalho, nas dimensões religiosas, culturais e/ou comunitárias, entre outras. No Brasil e no mundo, a violência que vitima as mulheres se constitui em sério problema de saúde pública, por ser uma das principais causas de morbidade e mortalidade feminina. Todo e qualquer ato de violência contra a mulher configura-se como violação de seus direitos, sendo necessário esforço da sociedade para garantir a prevenção e seu efetivo enfrentamento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2013), 40% dos homicídios de mulheres no mundo são causados por parceiros íntimos, sendo as mulheres jovens as principais vítimas: 31% tinham entre 20 e 29 anos e 23% entre 30 e 39 anos. No que se refere à taxa de mortalidade, verificou-se que 54% dos óbitos foram de mulheres com idade entre 20 e 39 anos. Entre 2009 e 2011, o Brasil registrou 16,9 mil feminicídios, ou seja, mortes de mulheres por conflito de gênero, especialmente em casos de agressão por parceiros íntimos. Esse número indica uma taxa de 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2013). Nesse contexto, esta temática tornou-se um problema de saúde pública de grande repercussão no mundo e mobilizou a criação de propostas nacionais e internacionais as quais vêm sendo debatidas sobre a situação da mulher, prevendo uma abordagem global para reduzir as iniquidades e dar condições para sua participação na vida pública, privada e social (SILVA et al., 2015). Considera-se que o setor saúde é fundamental para a intervenção da violência doméstica contra as mulheres, através da identificação do problema, da realização do acolhimento, da escuta qualificada, do apoio às usuárias e do acompanhamento dos casos,
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CAPÍTULO 6 uma vez que está pautado na atenção integral aos usuários (HESLER et al., 2013). Para isso, o modelo de rede de atenção permite o atendimento integral e intersetorial, o qual é recomendado por estudos nacionais e internacionais (GARCIA-MORENO et al., 2015). Sob essa perspectiva, a Atenção Básica tem papel importante na identificação de situações de violência e, assim, nas primeiras abordagens realizadas com as mulheres, além da promoção do cuidado e do acesso a informações sobre serviços da rede que possam apoiá-las. Os profissionais precisam conhecer a rede intrasetorial de seu município para garantir o encaminhamento adequado para outros serviços e unidades das redes, no intuito de atender a todas as necessidades da mulher (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016). Em virtude do dimensionamento que a problemática em pauta fomenta, é evidente a necessidade da realização de estudos que abordem a violência doméstica contra a mulher, uma vez que ela é uma questão que necessita ser globalmente discutida e combatida nas diversas esferas sociais. A partir dessa perspectiva, é extremamente relevante ressaltar a importância de discutir sobre o papel dos profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS), no enfrentamento da violência contra a mulher, visto que a APS está mais próxima das situações de violência, além de ser ordena e coordenadora da rede de cuidados. Através desse paradigma, esse estudo objetiva analisar a produção científica nacional e internacional sobre o papel dos profissionais da atenção primária à saúde no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher.
METODOLOGIA A estratégia metodológica adotada para o alcance do objetivo proposto foi a revisão integrativa da literatura, que tem o propósito de reunir e resumir resultados de estudos, acerca de uma questão ou tema específico, de modo ordenado e sistemático, com vistas a contribuir para o aprofundamento do conhecimento do conteúdo investigado (MENDES, 2008), possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam ser preenchidas com a realização de novos estudos. Este método de pesquisa permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma particular área de estudo. É um método valioso para a área de saúde, pois muitas vezes os profissionais não têm tempo para realizar a leitura de todo o conhecimento científico disponível devido ao volume alto, além da dificuldade para realizar a análise crítica dos estudos (POLIT, 2006). Para realização deste estudo, foram utilizadas todas as etapas previstas da revisão integrativa: identificação do tema e elaboração da pergunta norteadora, busca na literatura com critérios de inclusão e exclusão definidos, definição das informações a serem extraídas dos estudos selecionados por meio de uma ficha bibliográfica previamente construída, coleta de dados propriamente dita, avaliação com análise crítica dos estudos incluídos na revisão, discussão dos resultados e apresentação da revisão integrativa (GANONG, 1987). A questão norteadora da revisão integrativa foi: quais as evidências disponíveis na literatura sobre o papel dos profissionais da APS no enfrentamento da violência doméstica contra a mulher?
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CAPÍTULO 6 Foram utilizados como descritores: violência de gênero, violência contra a mulher, atenção primária e profissional de saúde, combinados, utilizando os operadores booleanos OR e AND, nos idiomas inglês, português e espanhol. Tais combinações foram: violência de gênero OR violência contra a mulher AND atenção primária AND profissional de saúde; gender violence OR violence against women AND primary care AND Professional of health; violencia de gênero OR violencia contra la mujer AND atención primaria AND profesional de la salud. As buscas dos artigos foram realizadas no mês de outubro de 2017, em quatro bases de busca científicas — PUbMed (Public Medline), BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), Scielo (Scientific Electronic Library Online) e LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde). Em cada base de dados e bibliotecas utilizadas, a pesquisa foi realizada e os artigos acessados na íntegra pelo meio online. Além disso, foi realizado um refinamento referente ao ano de publicação, sendo utilizados artigos publicados a partir do ano de 2013 a 2017. Para a seleção dos artigos, foram observados os títulos e, naqueles que se enquadravam no tema proposto, foi realizada a leitura do resumo, para que, a partir daí, fosse realizada a leitura completa dos artigos selecionados. Para isso, utilizou-se os seguintes critérios de exclusão: artigos científicos publicados antes de 2013, os não pertinentes ao assunto e os repetidos. Quanto aos critérios de inclusão, foram relevantes artigos publicados no período de 2013 até 2017, nos idiomas português, inglês e espanhol, cujos títulos e resumos contemplassem aspectos relativos à pergunta norteadora e estivessem disponibilizados na íntegra. RESULTADOS Foram selecionados 14 artigos, de um total de 213, cujos critérios utilizados foram: apenas artigos dos últimos 5 anos em inglês, português e espanhol; compatibilidade com o tema levando em consideração os objetivos propostos pelo respectivo trabalho, através da leitura prévia dos títulos e resumos. Quanto aos critérios para exclusão dos artigos previamente selecionados, foram levados em consideração artigos fora do intervalo de tempo proposto, incompatibilidade com o tema e artigos repetidos. Quando combinados os descritores violência de gênero OR violência contra a mulher AND atenção primária AND profissional de saúde, encontrou-se na LILACS 13 artigos, porém, após a filtragem dos últimos cinco anos e a exclusividade de serem somente artigos, reduziu-se para 9 estudos, dos quais 7 foram selecionados e 2 excluídos por incompatibilidade do tema. Em relação à Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), foram encontrados 19 artigos, mas após a filtragem, reduziu-se para 12 estudos, dos quais 10 encontravam-se na LILACS, visto que havia repetição de um mesmo estudo na mesma base de dados. Um artigo foi excluído por incompatibilidade do tema e apenas 1 foi selecionado. No que tange à Scielo, encontrou-se 11 artigos, após a filtragem reduziu-se para 7, os quais todos já estavam presentes na LILACS. Na PUBMED não foram observados nenhum estudo com estes descritores (Tabela 1). Quando combinados os descritores gender violence OR violence against women AND primary care AND professional of health, observou-se na LILACS um total de 13 artigos, do quais 8 estudos foram selecionados após a filtragem dos anos, e destes, 5
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CAPÍTULO 6 foram excluídos por repetição em outras bases de dados e 2 por não ter relação com o tema abordado. Em relação à BVS foram encontrados 29 artigos, os quais, após o filtro, permaneceram 17 estudos e desses 14 foram repetidos das outras bases e 2 excluídos por incompatibilidade com o tema. Na Scielo, foram encontrados 41 artigos. Contudo, após a filtragem dos anos e do tipo de estudo, sobraram 12 artigos, sendo todos excluídos, 10 por repetição em outras bases de dados e 2 por incompatibilidade com o tema. Na PUBMED, 53 artigos foram observados, dos quais apenas 8 foram selecionados após a filtragem dos anos. Quatro estudos foram excluídos por incompatibilidade e 2 por repetição em todas as outras bases pesquisadas. Quando os descritores violencia de género OR violencia contra la mujer AND atención primaria AND profesional de la salud foram combinados, observou-se na LILACS 7 artigos e, após a filtragem, seis foram selecionados, porém todos estavam repetidos em outras bases de dados vistas previamente. Na BVS, 18 artigos foram encontrados, porém após a filtragem, restaram 16. Destes, 12 foram repetidos de outras bases vistas anteriormente, e 2 excluídos por inadequação ao tema. Com relação à Scielo, foram encontrados 9 artigos, e após a filtragem permaneceram na mesma quantidade. Dessa maneira, todos os artigos foram excluídos, 8 por repetição das outras bases e 1 por incompatibilidade ao tema. No que tange à PUBMED, nenhum estudo foi encontrado com esses descritores. Assim, de forma geral, 57,1% dos artigos selecionados foram da LILACS, 28,5% da BVS, 0% do Scielo e 14,4% da PUBMED. Tabela 1: Apresentação da seleção dos artigos com base nos descritores e bases de busca cientifica. Descritores: violência de gênero OR violência contra a mulher AND atenção primária AND profissional de saúde Base de busca científica
Total de artigos encontrados
Total de artigos após filtro
Artigos Repetidos
Incompatibilidade com o tema
Artigos Repetidos
LILACS
13
9
0
2
7
BVS
19
12
10
1
1
Scielo
11
7
7
-
-
PUBMED
-
-
-
-
-
Descritores: gender violence OR violence against women AND primary care AND professional of health Base de busca científica
Total de artigos encontrados
Total de artigos após filtro
Artigos Repetidos
Incompatibilidade com o tema
Artigos Repetidos
LILACS
13
8
5
2
1
BVS
29
17
14
2
1
Scielo
41
12
10
2
-
PUBMED
53
8
2
4
2
Descritores: violencia de género OR violencia contra la mujer AND atención primaria AND profesional de la salud Base de busca científica
Total de artigos encontrados
Total de artigos após filtro
Artigos Repetidos
Incompatibilidade com o tema
Artigos Repetidos
LILACS
7
6
6
-
-
BVS
18
16
12
2
2
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CAPÍTULO 6 Descritores: violencia de género OR violencia contra la mujer AND atención primaria AND profesional de la salud Scielo
9
9
8
1
-
PUBMED
-
-
-
-
-
Dos artigos selecionados, 57,14% foram encontrados em português, 21,42% em inglês e 21,42% em espanhol. Ainda em relação aos selecionados, 21,4% eram de 2012, 14,28% de 2013, 21,4% de 2014, 14,28% de 2015, 14,28% de 2016 e 14,28% de 2017. Em relação ao número de autores por artigos, 28,57% tinha dois autores, 14,28% três autores, 21,42% 4 autores, 14,28% cinco autores e 21,42% seis autores. No que tange à temática das respectivas revistas, 64,8% diziam respeito a revistas de saúde pública, 21,42% eram revistas voltadas ao profissional de enfermagem, 7,14% detinham o foco para os profissionais médicos e 7,14% relacionavam-se à temática de saúde da mulher. Dos 14 artigos utilizados, 64% perceberam a maior necessidade de capacitação dos profissionais da atenção primária, visto que muitos ressaltaram a dificuldade na abordagem da vítima de violência de gênero, bem como limitações no processo de identificação desses agravos. Aproximadamente 21% dos artigos estudados relataram o quão essencial é a ênfase na escuta qualificada e consequente criação de vínculo, e 14% dos artigos referiram a persistência da conduta medicalizadora e biomedicista na abordagem dessas vítimas. Cerca de 14% dos artigos destacaram a falta de prioridade por parte da ESF, porém, destacaram o papel do Agente Comunitário de Saúde no reconhecimento dessas situações de violência contra a mulher, bem como na sua abordagem (Quadro 1).
Quadro 1: Apresentação dos artigos com base nos autores, local de busca, revista, ano e principais resultados dos estudos.
Autores
OLIVEIRA et al.
CORDEIRO et al.
Base de dados/ Biblioteca Virtual
BVS
LILACS
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
Revista/ Ano
Principais Resultados
Revista de enfermagem UFPE, 2016
Destacou-se a importância de profissionais capacitados na assistência das vítimas sexuais, bem como a necessidade do acolhimento por intermédio da escuta classificada em serviços especializados. Outro ponto ressaltado foi a integralidade do cuidado pautada na articulação de serviços e a persistência da retrógrada visão medicalizadora da assistência.
Revista Baiana de Enfermagem, 2015
Existem baixos índices de notificação de agravo na USF estudada, visto que dos 35 profissionais avaliados, apenas 6 declararam ter notificado. Além disso, 23 profissionais destacaram a falta de discussão da violência contra a mulher em capacitações e reuniões da equipe de saúde. Quanto à formação acadêmica dos profissionais entrevistados, a temática não foi abordada na graduação de 24 profissionais e na pós-graduação de 14 das(os) entrevistadas(os).
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CAPÍTULO 6
Autores
VISENTIN et al.
MOREIRA et al.
ALMEIDA; SILVA e MACHADO
GOMES et al.
SIGNORELLI; AUAD; PEREIRA
Base de dados/ Biblioteca Virtual
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
LILACS
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
Revista/ Ano
Principais Resultados
Investigación y Educación en Enfermería, 2015
Os profissionais de saúde ressaltaram a dificuldade de verbalização sobre a violência por parte das vítimas, mas que pode ser amenizada com a criação de vínculo e empatia dos profissionais, destacando a importância da escuta qualificada. Existem algumas limitações na abordagem dessas vítimas, como: falta de treinamento profissional, falta de tempo, devido à sobrecarga de trabalho; dificuldade dos profissionais em reconhecer e lidar com situações de violência devido à sua complexidade e sentimento de impotência dos profissionais.
Saúde e sociedade, 2014
A organização do serviço a partir das diretrizes da Estratégia de Saúde da Família é geradora de condições favoráveis para o enfrentamento da violência doméstica. As ações das equipes estudadas voltavam-se basicamente para as situações de maus-tratos contra a criança, mostrando que a violência contra a mulher em geral não foi tomada como objeto da equipe, o que revela diferentes graus de “visibilidade” entre as violências. Os agentes comunitários de saúde e os profissionais do NASF foram os principais protagonistas nesses atendimentos, a partir do diálogo com as famílias e suas necessidades.
Interface (Botucatu), 2014
A violência contra mulher, além de pouco percebida, foi igualmente desvalorizada por boa parte dos profissionais da Equipe de Saúde da Família estudada. Os profissionais relataram como dificuldade para intervenção o fato desse assunto ser tido como delicado e íntimo; falta de tempo; falta de demanda e despreparo dos mesmos, ressaltando a necessidade de capacitação em gênero. Houve de forma quase unânime depoimentos que enfatizavam a importância do psicólogo no serviço para tratar desses assuntos tidos como de interesse e práticas da saúde mental. Os profissionais demonstraram pouco conhecimento acerca da concepção de gênero e relataram forte domínio do poder masculino como sendo natural, subjugando a queixa dessa mulher.
Saúde e sociedade, 2014
O presente estudo relata o despreparo dos profissionais que atuam na ESF na identificação da violência conjugal como agravo à saúde da mulher. Refere-se também a necessidade de expor informações sobre como realizar as notificações da violência, como ocorre o acompanhamento familiar, social e psicológico. Além disso, para os profissionais entrevistados, a capacitação dos mesmos deve ocorrer, preferencialmente, durante as reuniões da equipe.
Cadernos de Saúde Pública, 2013
A pesquisa revelou atendimentos centrados em: preceitos, com foco em lesões físicas e medicalização, mas também no diálogo, escuta ativa, questões psicossociais e estabelecimento de vínculos, com destaque para os agentes comunitários de saúde nesta abordagem.
70
CAPÍTULO 6
Autores
BARALDI et al.
RODRÍGUEZ -BLANES et al.
TORRALBAS -FERNÁNDEZ, A; CALCERRADA GUTIÉRREZ
HASSE; VIEIRA
Base de dados/ Biblioteca Virtual
LILACS
PUBMED
PUBMED
LILACS
ORTIZ-BARREDA ; VIVESCASES
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
BVS
Revista/ Ano
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, 2012
Principais Resultados Os profissionais estudados obtiveram êxito em cerca de 76% a 90,2% das questões sobre definição de violência de gênero e 78% alcançaram altos escores em questões sobre epidemiologia da violência. Contudo, 70,6% desconhecem sua epidemiologia nos serviços de pré-natal. 83,7% dos enfermeiros apresentaram bom conhecimento acerca da abordagem das vítimas, a fim de obter a revelação da violência, e 52% expuseram conhecimento sobre o manejo dos casos.
Gaceta Sanitaria, 2017
O presente estudo, realizado na Espanha, demonstrou que 67,2% dos profissionais de saúde alegaram questionar acerca da violência de companheiro íntimo (VCI) durante o atendimento. As ações mais frequentes são as de referência a outros serviços especializados, aconselhamento individual e fornecimento de informações. O nível avançado de treinamento dos profissionais, o conhecimento das políticas e programas, uma implementação apropriada de protocolos e os altos recursos são fatores que potencializam as chances de investigação do respectivo contexto. Percebe-se, também, que quanto maior é o nível de treinamento desses profissionais, maior é capacidade de abordagem e consequente criação de melhores protocolos.
MEDICC Review, 2016
O respectivo estudo realizado em Cuba revelou, entre esses profissionais, equívocos acerca da violência doméstica e um entendimento insuficiente das suas causas, ocorrendo uma maior tolerância da violência psicológica, do que a física e sexual.
Saúde e debate, 2014
Sobre a formação de como lidar com a violência contra a mulher, 116 (52,7%) afirmaram ter tido algum conteúdo sobre o assunto, sendo que destes, 78,5% o tiveram nos seus cursos curriculares. Apenas 27% dos entrevistados referiram ter tido algum tipo de capacitação no atendimento em caso de violência, havendo diferença na formação de médicos e enfermeiros. Apenas 3% conheciam valores epidemiológicos do real quadro de violência contra a mulher. 90% dos entrevistados referiram ter atendido mulheres em situação de violência e todos relataram algum tipo de conduta ou encaminhamento. 89,3% fizeram encaminhamentos considerados adequados, 7,3% entrevistados fizeram encaminhamentos inadequados e 3,2% fizeram encaminhamentos adequados e inadequados.
Gaceta Sanitaria, 2012
Dos 115 países analisados, 55 possuem leis relacionadas à violência contra a mulher, com a participação de intervenções do setor de saúde. A participação ocorre principalmente através da denúncia de casos detectados e na atenção de casos originados de interferências policiais. Foram identificadas cerca de 24 leis que mencionam explicitamente intervenções desenvolvidas pelos setores de saúde, principalmente na prevenção terciária.
71
CAPÍTULO 6
Autores
Base de dados/ Biblioteca Virtual
Revista/ Ano
Principais Resultados
BVS
Gaceta Sanitaria, 2017
Os participantes perceberam que o cuidado centrado na pessoa, bem como outros atributos nessa abordagem do cuidado dentro da atenção primária, facilitam a detecção da violência doméstica, garantindo uma melhor resposta ao problema. Entretanto, eles também relataram que o gerenciamento do sistema de saúde atual (sobrecarga de trabalho, pouca supervisão e pequeno feedback) dificulta a sustentação dessa abordagem.
LILACS
Revista Electrónica de las Ciencias Médicas en Cienfuegos, 2012
Existe conhecimento insuficiente e escassas habilidades, bem como valores para o manejo preventivo e assistencial da violência à mulher pelos membros da Equipe Básica de Saúde.
GOICOLEA et al.
RUÍZ HERNÁNDEZ; LÓPEZ ÂNGULO; HERNÁNDEZ CABRERA
No que tange à formação acadêmica desses profissionais da atenção primária à saúde, dois dos artigos selecionados abordaram o respectivo tema, porém, em suas respostas, apenas um mostrou boa abordagem no período acadêmico. Em relação ao manejo dessas vítimas em situação de violência na rede de atenção, dois artigos referiram abordagem adequada dessas mulheres, assim como o correto referenciamento para níveis de atenção de maior complexidade, devido ao maior treinamento desses profissionais. DISCUSSÃO A Atenção Primária à Saúde (APS) tem, como um de seus deveres, fazer uso de variadas e complexas técnicas de cuidado a fim de atender as necessidades de saúde dos usuários. Ao observar as vulnerabilidades mais frequentes da área na qual atua, os profissionais podem traçar um planejamento direcionado, aumentando a probabilidade de que o problema em questão seja resolvido (GALAVOTE, 2016). É devido a esse papel fundamental que a Estratégia Saúde da Família (ESF) existe, e a coloca como uma das principais formas de identificar os casos em que a mulher se encontra em situação vulnerável e vítima da violência. Os principais resultados dos trabalhos levantados mostraram a importância do papel dos diferentes trabalhadores que compõem a APS no atendimento à mulher, vítima de violência doméstica (OLIVEIRA et al. 2016; MOREIRA, 2017; RODRIGUEZ-BLANES, 2017). Além disso, os estudos apontaram para a baixa inserção de planos de estudo que abordem a forma de como lidar com a violência contra a mulher na formação profissional da equipe, o que prejudica diretamente a vítima à medida que o despreparo, por parte do profissional, potencializa a angústia, o medo e o sofrimento da usuária (OLIVEIRA et al., 2016; GOMES, 2013; BARALDI, 2012; RODRIGUEZ-BLANES, 2017; HASSE; VIEIRA, 2014; RUÍZ; LÓPEZ; HERNÁNDEZ, 2014)
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 6 De acordo com os estudos revisados, a assistência das mulheres vítimas de violência doméstica deve ser feita por profissionais capacitados a fim de existir, por meio de uma escuta qualificada, o melhor acolhimento possível, tornando a relação profissional e usuária mais próxima (OLIVEIRA et al., 2016; VISENTIN et al.,2015; MOREIRA et al., 2014; SIGNORELLI; AUAD; PEREIRA, 2013; GOICOLEA et al., 2017). Em relação à integralidade do cuidado, a literatura estudada evidenciou que uma assistência à saúde humanizada possibilita uma melhor articulação entre os serviços da rede de saúde, voltados para atender as necessidades de saúde da vítima. Esses serviços, ao serem combinados com uma maior segurança fornecida pelas autoridades competentes, e com ações desenvolvidas pelos gestores da comunidade, chegam a uma integralidade do cuidado (OLIVEIRA et al., 2016; MOREIRA et al., 2014; GOICOLEA et al., 2017). O que também se destacou foi o fato de que, muitas vezes, a vítima esconde o que ocorreu. Elas não falam por sentirem vergonha, dependência, culpa ou até medo, e esses fatos dificultam o processo de cuidado e quebra do ciclo da violência. Essa situação, junto com a dificuldade do profissional da equipe de saúde em lidar com a VDCM, são umas das responsáveis por haver uma subnotificação dos casos e uma consequente falha da assistência, sendo, na maioria das vezes, tratada apenas a parte física e negligenciando o que há por trás do machucado (VISENTIN et al., 2015; ALMEIDA; SILVA; MACHADO, 2014; RODRIGUEZ-BLANES et al., 2017). A literatura mostra fortes indícios da falta de cuidado com a mulher vítima de violência doméstica, principalmente nas vítimas de violência psicológica. A partir da tomada de decisão da equipe, é possível perceber que o tipo de violência em questão é negligenciado, e não recebe a atenção que merece. Um exemplo desse quadro é o fato de que o número de notificações de casos que envolvem a mulher é consideravelmente menor do que os notificados referentes a crianças e adolescentes, fato bem relatado nos artigos de Cordeiro et al. (2015), Moreira et al. (2014), Almeida, Silva e Machado (2015), bem como no de Torralbas e Calcerrada (2016). Assim, faz-se necessário o atendimento de uma equipe multiprofissional preparada para acolher as vítimas, no intuito de identificar e resolver as necessidades de saúde da mulher, podendo receber auxílio de outros profissionais, como do Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB). No que se refere à organização dos serviços de saúde ofertados, os trabalhos levantados mostraram que um importante componente que pode interferir no desempenho do papel dos profissionais é a falta de um esquema organizacional eficiente. A forma de organização dos serviços de saúde atuais, caracterizada por pouca fiscalização, alta e crescente sobrecarga de trabalho e quase nenhum feedback (referência e contra referência), dificulta uma abordagem resolutiva. Tudo isso faz com que o serviço de saúde que não possui uma cronologia lógica para lidar com casos do tipo estudado cometa erros, como o encaminhamento para os serviços de referência errados, como elucidado nos artigos de Moreira et al. (2014), Gomes et al. (2013) e Goicolea et al. (2017). Esse fato apenas piora a situação da vítima, que não recebe auxílio para quebrar o ciclo da violência. Além disso, as leis vigentes são determinantes para o aumento ou diminuição da violência doméstica contra a mulher. Segundo Ortiz e Vives (2012), dos 115 países analisados, 55 possuem leis com alguma relação ao tema abordado, o que auxilia no
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 6 combate das ocorrências. No Brasil, por exemplo, a Lei Maria da Penha – Lei 11340/06, instituída em 2006, criou mecanismos contra a violência doméstica contra a mulher (MENEGHEL et al., 2013). Essa nova lei mudou a visão da sociedade e deu voz às vítimas, tirando-as, em grande parte dos casos, de uma posição de impotência e de medo. Com base na literatura revisada, foi possível perceber que os profissionais da APS, em sua grande maioria, não possuem preparação para atender às mulheres vítimas de violência. É preciso que haja investimento nas mais variadas dimensões, se estendendo desde a formação acadêmica até o estabelecimento do vínculo equipe-usuário. CONSIDERAÇÕES FINAIS A problematização do papel dos profissionais da APS no manejo da VDCM mostrou ser uma temática de importante relevância biopsicossocial, a qual permite dimensionar a contribuição desses profissionais no enfrentamento da problemática em pauta, possibilitada pelos pilares do acolhimento e integralidade do cuidado, as quais potencializam a resolubilidade das ações em saúde na APS nos casos de VDCM. Não obstante, o estudo do tema também se demonstrou importante para avaliar as condições técnicas em que se encontram essa ferramenta de saúde no cuidado da mulher vítima de violência. Diante dos resultados obtidos, destaca-se a questão do despreparo dos profissionais da ESF no cuidado das usuárias vítimas de violência doméstica. Em virtude disso, torna-se imperativo uma mudança desse paradigma, respaldada pela capacitação técnica da equipe de saúde nas situações de VDCM, a qual possibilita a organização e a padronização do cuidado na rede de saúde. Por ser um tema de ampla abordagem nas esferas dos saberes, esse estudo também evidenciou a importância social de leis adequadas no enfrentamento da violência contra a mulher. A partir dessa perspectiva, destaca-se a Lei Maria da Penha como um agente determinante nessa batalha. Através dessa perspectiva, esse estudo torna-se relevante na identificação de lacunas e deficiências da APS no manejo de situações de violência contra a mulher, possibilitando a realização das adequações necessárias. Outrossim, possibilitou-se reforçar a importância da atuação dos profissionais de saúde no enfrentamento da VDCM, tendo papel transformador nesse componente biopsicossocial.
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 6 REFERÊNCIAS ALMEIDA, L. R.; SILVA, A. T. M. C.; MACHADO, L. S. O objeto, a finalidade e os instrumentos do processo de trabalho em saúde na atenção à violência de gênero em um serviço de atenção básica. Interface-Comunicação, Saúde, Educação, v. 18, n. 48, p. 47-60, 2014. BARALDI, A. C. P. et al. Violência contra a mulher na rede de atenção básica: o que os enfermeiros sabem sobre o problema? Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 12, n. 3, p. 307318, 2012. CORDEIRO, K. C. C.; SANTOS, R. M.; GOMES, N. P.; MELO, D. S.; MOTA, R. S.; COUTO, T. M. formação profissional e notificação da violência contra a mulher. Revista Baiana de Enfermagem, v. 29, n. 3, p. 209-217, 2015. TELES, M. A. A.; MELO, M. O que é violência contra a mulher. 1ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 2017. OLIVEIRA, O. S. et al. Assistência de profissionais de saúde à mulher em situação de violência sexual: revisão integrativa. Journal Nursing UFPE on line, v. 10, n. 5, p. 1828-1839, 2016. GALAVOTE, H. S. et al. O trabalho do enfermeiro na atenção primária à saúde. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 20, n. 1, p. 90-98. 2016. GANONG, L. H. Integrative reviews of nursing research. Research in Nursing & Health. v. 10, n. 1, p. 1-11, 1987. GARCÍA-MORENO, C. et al. The health-systems response to violence against women. The Lancet, v. 385, n. 9977, p. 1567-1579, 2015. GOICOLEA, I. et al. Primary health care attributes and responses to intimate partner violence in Spain. Gaceta Sanitaria, v. 31, n. 3, p. 187-193. 2017. GOMES, N. P. et al. Significado da capacitação profissional para o cuidado da mulher vítima de violência sexual. Escola Anna Nery Revista de Enfermagem, v. 17, n. 4. p. 683-689, 2013. HASSE, M.; VIEIRA, E. M. Como os profissionais de saúde atendem mulheres em situação de violência? Uma análise triangulada de dados. Saúde debate, v. 38, n. 102, p.482-493, 2014. HESLER, L.Z. et al. Violência contra as mulheres na perspectiva dos agentes comunitários de saúde. Revista Gaúcha Enfermagem, v. 34, n. 1, p. 180-186, 2013. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. IPEA revela dados inéditos sobre violência contra a mulher. Brasília, 19 set. 2013 MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa
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CAPÍTULO 6 para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008. MENEGHEL, S. N. et al. Repercussões da Lei Maria da Penha no enfrentamento da violência de gênero. Ciência & saúde coletiva, v. 18, n. 3, p. 691-700, 2013. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa. Brasília. p. 232. 2016. MOREIRA, T. N. F. et al. The foundation of care: family health program teams dealing with domestic violence situations. Saúde e Socidedade, v. 23, n. 3, p. 814-827, 2014. ORTIZ, B. G.; VIVES, C. C. Violencia contra las mujeres: el papel del sector salud em la legislación internacional/ Violence against women: the role of the health sector in international legislation. Gaceta Sanitaria, v. 26, n. 5, p. 483-489, 2012. POLIT-O’HARA, D., BECK , C. T. Essentials of nursing research. Methods, appraisal and utilization. Lippincott Williams & Wilkins, v. 1, p. 457-494, 2006. RODRIGUEZ-BLANES, G. M. et al. Detección de violencia del compañero íntimo en atención primaria de salud y sus factores asociados. Gaceta Sanitaria, v. 31, n. 5, p. 410-415, 2017 . RUÍZ HERNÁNDEZ, M.; LÓPEZ, A. L.; HERNÁNDEZ, C. Y. Superación profesional dirigida al Equipo Básico de Salud para el manejo de la violencia conyugal/ Professional Training for Basic Health Staff in order to Handle Domestic Violence. Revista Electrónica de las Ciencias Médicas en Cienfuegos, v. 10, n. 2, p. 64-71, 2012. SIGNORELLI, M. C.; AUAD, D.; PEREIRA, P. P. G. Violência doméstica contra mulheres e a atuação profissional na atenção primária à saúde: um estudo etnográfico em matinhos, Paraná, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 29, n. 6, p. 1230-1240, 2013. SILVA, S. A. et al. Analysis of domestic violence on women’s health. Journal of Human Growth and Development, v. 25, n. 2, p.182-186, 2015. TORRALBAS, F. A.; CALCERRADA, G. M. Using Primary Care to Address Violence against Women in Intimate Partner Relationships: Professional Training Needs. MEDICC Review. v. 18, n. 4, p. 3841, 2016. VISENTIN, F. et al. A enfermagem na atenção primária ao cuidar de mulheres em situação de violência de gênero. Investigación y Educación en Enfermería, v. 33, n. 3, p. 556-564, 2015.
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 7 BASES LEGAIS PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
RESUMO A Violência Contra a Mulher é um tema ainda negligenciado pela sociedade. Portanto, é necessário desenvolver estudos para melhorar as políticas públicas que prestam assistência às vítimas e combatem os abusos contra as mulheres. A partir disso, o presente estudo teve como objetivo analisar a produção nacional e internacional sobre as bases legais para o enfrentamento da Violência Doméstica Contra a Mulher. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que respondeu à seguinte questão: “Quais são as leis vigentes no Brasil e no mundo que abordam o combate à violência contra a mulher?”. Após a seleção nas bibliotecas e bases de dados eletrônicas, foram obtidos 187 artigos que foram filtrados a partir da leitura do título, análise dos resumos ou abstracts e, somente após esses procedimentos, os estudos foram lidos na íntegra. Ficou evidenciado que as bases legais voltadas ao combate da Violência Contra as Mulheres ainda têm muito a avançar. A hierarquia da figura do homem faz com que essa problemática ainda persista maciçamente no tempo presente. A Lei Maria da Penha no Brasil representou um avanço na linha de enfrentamento do problema, mas o medo da mulher agredida denunciar ainda é uma barreira a ser quebrada. DESCRITORES: Violência doméstica e sexual contra a mulher. Violência contra a mulher. Violência de gênero. Legislação. Leis. Kauê Tavares Menezes
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Ilary Gondim Dias Sousa
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Rafael Calado Dantas
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Natália Gondim Cavalcanti
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
José Raimundo Coelho Dias
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 7 INTRODUÇÃO O vocábulo violência vem do latim violentia, de violentus (com ímpeto, furioso, à força) e representa o ato de demonstrar força (CABETTE, 2017). Dessa forma, a violência contra a mulher consiste em qualquer ato que resulta, ou pode resultar, em dano físico, sexual ou psicológico, ou em sofrimento, sendo considerado um fenômeno multidimensional, um problema social e de Saúde Pública, por atingir mulheres de diversas idades e etnias (GARCIA; FREITAS; HOFELMANN, 2013; LIMA et al., 2016). Ela abrange cenários diversos como estupro, assédio no trabalho, tráfico de mulheres, violência étnica e racial, mutilação genital e outros (SCHRAIBER; D’OLIVEIRA, 1999). A violência contra mulher (VCM) pode ser classificada em duas subcategorias: doméstica e comunitária. A primeira ocorre entre membros da família ou entre parceiros íntimos. Já a outra, está associada ao comportamento criminal, como assaltos, brigas, sequestros e assassinatos (BERNADINO et al., 2017). A violência doméstica contra a mulher vem ganhando mais destaque devido à gravidade das lesões nas mulheres acometidas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 30% das mulheres em todo o mundo já sofreram violência física e/ou sexual em algum momento da vida. Além disso, na África, no Mediterrâneo Oriental e no Sudeste da Ásia, o índice de agressão por parceiro íntimo eleva-se para 37% entre as mulheres que já tiveram um parceiro (BERNADINO et al., 2017). No cenário nacional, segundo a pesquisa “Visível e Invisível: a vitimização das mulheres no Brasil” de 2016, foi constatado que 29% das mulheres brasileiras já consideravam ter sofrido algum tipo de violência, sendo que 43% dos relatos indicaram o domicílio como o local em que ocorriam as agressões mais graves (CERQUEIRA et al., 2017). Entre as medidas de combate a esta violência, em nível mundial, incluem-se a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul) e a Diretiva Europeia sobre os direitos das vítimas de crime (2012/29/UE), que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e faz referência especificamente às vítimas de violência de gênero, sexual e de relações de intimidade (EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS, 2017). Em âmbito nacional, foi expedida em 2006 a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, que representa uma conquista de vários segmentos sociais, especialmente grupos feministas, que lutam pelos direitos das mulheres e contra a violência de gênero. Esta foi elaborada com o intuito de combater a banalização com que eram tratadas as mulheres vítimas de violência pelo poder Judiciário. Dessa maneira, essa lei tem por escopo aumentar o rigor das punições, possibilitando decreto de prisão, aumento das penas e outras medidas de proteção (AMARAL et al., 2016). Essa lei é um marco para o processo histórico de construção e reconhecimento dos direitos das mulheres no Brasil (PASINATO, 2015). Entretanto, mesmo após vários anos de vigência, ainda há grandes desafios para sua completa implementação e obtenção de resultados concretos (CAMPOS, 2015), sendo um dos principais o medo e a insegurança das vítimas em procurar a justiça brasileira: apenas 11% busca uma delegacia da mulher (CERQUEIRA et al., 2017).
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 7 Com base no que foi exposto, a VCM é um tema ainda negligenciado pela sociedade, apesar de paulatinas mudanças nas bases legais estarem sendo feitas. Ainda é necessário o desenvolvimento de estudos na tentativa de melhorar as políticas públicas que prestam assistência às vítimas e combatem os abusos contra as mulheres. Assim, o presente estudo objetivou analisar a produção nacional e internacional sobre as bases legais para o enfrentamento da Violência Doméstica contra a Mulher. METODOLOGIA Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, guiado por meio das seguintes etapas: 1- identificar o problema de revisão; 2- selecionar estudos; 3-extrair dados dos estudos selecionados; 4- avaliar os estudos incluídos; 5-interpretar os resultados; 6- apresentar a revisão ou síntese do conhecimento do conteúdo dos artigos estudados. A questão a ser respondida pelo estudo foi: “Quais as legislações vigentes no Brasil e no mundo que abordam o combate da violência contra a mulher?” A pesquisa por artigos para revisão foi realizada em outubro de 2017, combinando descritores em português, inglês e espanhol nas bases SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde) e PubMed. Na pesquisa, foi usada a seguinte combinação de descritores e operadores booleanos (AND e OR): 1- “Violência doméstica e sexual contra a mulher OR Violência contra a mulher OR Violência de gênero AND Legislação OR Leis”; 2- “Violence Against Women AND Legislation”; 3- Violence Against Women AND Legislation OR Laws”; 4- “Violence Against Women AND Legislation AND Laws”; 5- “Violencia contra La Mujer AND Legislation OR Leyes”. O critério de inclusão para seleção dos artigos foi que as pesquisas estivessem publicadas na íntegra em português, inglês e espanhol, nos últimos 5 anos. Os artigos de periódicos online indexados, abordando o tema, foram incluídos ao apresentar textos disponibilizados na íntegra, autores, título do estudo, ano de publicação, periódico e local da pesquisa. Por sua vez, para exclusão de estudos, os critérios adotados foram: data de publicação anterior a 2013, desvio do eixo temático e resumo online indisponível. Assim, foram selecionados 20 artigos após a triagem dos estudos. Em seguida, foi realizada a leitura na íntegra dos artigos e os dados mais relevantes foram extraídos. A partir dos resultados, foram analisadas as estratégias legislativas para o combate da violência contra a mulher, que foram julgadas segundo sua eficácia. Por fim, classificaram-se os estudos selecionados de acordo com o nível de evidência: I- revisões sistemáticas ou metanálise de relevantes ensaios clínicos; II - evidências de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; III - ensaios clínicos bem delineados sem randomização; IV - estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; V – revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; VI - evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; VII - opinião de autoridades ou comitês de especialistas incluindo interpretações de informações não baseadas em pesquisas; VIII análise de bases de informações ou de leis (MELNYK; FINEOUT-OVERHOLT, 2005).
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 7 RESULTADOS Após a seleção nas bibliotecas e bases de dados eletrônicos, foram obtidos 187 artigos. Para filtrar a pesquisa, o primeiro critério para seleção foi a leitura dos títulos dos estudos, mantendo aqueles que não fugiam ao tema, bases legais de combate à violência contra a mulher, e, posteriormente, foram avaliados os resumos ou abstracts. Deste modo, os artigos foram analisados na integra como critério final para inclusão do artigo no estudo. As buscas foram feitas nas bases científicas virtuais, iniciando-se na Pubmed, com 85 resultados pela combinação dos descritores no idioma inglês “Violence Against Women AND Legislation” e nenhum com a combinação “Violência doméstica e sexual contra a mulher OR violência contra a mulher OR violência de gênero AND legislação OR lei”, 34 resultados pelas combinações “Violence Against Women AND Legislation OR Laws”, nenhuma combinação para “Violencia contra la Mujer AND Legislation OR Leyes” e 11 resultados para a combinação “ Violence Against Women AND Legislation AND Laws”. Após seleção, apenas 12 estudos da Pubmed entraram na pesquisa (Tabela 1). Na SciELO, foram encontrados 47 artigos no idioma português através dos descritores “Violência doméstica e sexual contra a mulher OR violência contra a mulher OR violência de gênero AND legislação OR leis”. Nenhum artigo foi encontrado com as mesmas combinações em inglês e espanhol. Desses, 6 estudos foram incluídos. Na LILACS, por sua vez, foram observados 10 estudos (dois para cada combinação de descritores), sendo dois destes, considerados para o estudo. Tabela 1: Disposição dos artigos conforme fonte de pesquisa e número de estudos e combinação dos descritores. Base de dados
Estudos obtidos
Estudos excluídos
Estudos selecionados
Combinação de descritores
PUBMED
0
0
0
Violência doméstica e sexual contra a mulher OR violência contra a mulher OR violência de gênero AND legislação OR leis
PUBMED
85
79
6
Violence Against Women AND Legislation
PUBMED
34
33
1
PUBMED
0
0
0
PUBMED
11
6
5
SUBTOTAL
130
118
12
SCIELO
47
41
6
Violência doméstica e sexual contra a mulher OR violência contra a mulher OR violência de gênero AND legislação OR leis
SCIELO
0
0
0
Violence Against Women AND Legislation
SCIELO
0
0
0
SCIELO
0
0
0
SCIELO
0
0
0
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
Violence Against Women AND Legislation OR Laws Violencia contra la Mujer AND Legislation OR Leyes Violence Against Women AND Legislation AND Laws
Violence Against Women AND Legislation OR Laws Violencia contra la Mujer AND Legislation OR Leyes Violence Against Women AND Legislation OR Laws
80
CAPÍTULO 7 SUBTOTAL
47
41
6
LILACS
2
0
2
Violência doméstica e sexual contra a mulher OR violência contra a mulher OR violência de gênero AND legislação OR leis
LILACS
2
2
0
Violence Against Women AND Legislation
LILACS
2
2
0
LILACS
2
2
0
LILACS
2
2
0
SUBTOTAL
10
8
2
TOTAL
187
167
20
Violence Against Women AND Legislation OR Laws Violencia contra la Mujer AND Legislation OR Leyes Violence Against Women AND Legislation OR Laws
Após a seleção, os 20 estudos foram avaliados de acordo com as variáveis: autores, base de dados/biblioteca virtual, ano de publicação, título do estudo e periódico de publicação. Todos os estudos apresentaram dois ou mais autores. Em relação à Biblioteca ou base de dados pesquisada, a PubMed exibiu doze (60%) dos estudos selecionados; a SciELO, 6 estudos (30%) e a LILACS dois (10%). Com base nos anos de publicação, dois foram em 2013 (5%), sete em 2014 (35%), cinco em 2015 (25%), quatro em 2016 (20%) e dois em 2017 (10%). Os anos de 2014 e 2015 apresentaram maiores números de publicações, somando juntos 60% dos artigos selecionados. Todos os títulos dos artigos selecionados apresentavam como enfoque as bases legais no mundo que visam à redução da violência contra a mulher. Os periódicos com mais publicações sobre o tema, foram os que apresentam ênfase em saúde pública, saúde coletiva e saúde da mulher: Revista Estudos Feministas com dois estudos (10%), Violence Against Women com três estudos (15%) e Epidemiologia e Serviços de Saúde com dois (10%). As revistas restantes contribuíram com um estudo (5%) cada. Ademais, ainda foram coletados estudos nos jornais: British Journal of Community Nursing, Journal of Womens Health e Journal of Forensic and Legal Medicine, cada um também contribuindo com 5%. Os idiomas utilizados como filtros para a pesquisa foram: português, inglês e espanhol. Na PubMed dos 12 artigos selecionados, 11 eram em inglês (91,6%) e um em português (8,4%). Na SciELO e na LILACS, todos os estudos eram em português (100%) (Quadro 1). Quadro 1: Distribuição dos estudos selecionados entre os anos de 2013 a 2017.
Código
P1
Autores
Artigo
Periódico publicação
Ano
Base/Idioma
Valls, Puigvert, Melgar et al.
Breaking The Silence at Spanish University: Findings From the First Study of Violence Against Women on Campuses in Spain
Violence Against Women
2016
PUBMED/Inglês
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
81
CAPÍTULO 7 Código
Autores
P2
Heidari e Moreno
Thomson, Bah, Rubanzana et al.
Ano
Base/Idioma
Gender-Based Violence: A Barrier to Sexual and Repro- Reproductive Health Matters ductive Health and Rights
2016
PUBMED/Inglês
Correlates of Intimate Partner Violence Against Women During a Time of Rapid Social Transition in Rwanda: Analysis of the 2005 And 2010 Demographic And Health Surveys
BMC Women’s Health
2015
PUBMED/Inglês
P4
Intimate Partner Violence Regueira-Diéguez Against Women in Spain: A et al. Medico-Legal And Criminological Study
Journal of Forensic and Legal Medicine
2015
PUBMED/Inglês
P5
Sexual Violence in India: Sharma, UnnikrishAdressing Gaps Between nan e Sharma Policy and Implementation
Health Policy and Planning
2015
PUBMED/Inglês
P6
Frames in Contestation: Gendering Domestic Violence Policies in Five Central And Eastern European Countries
Violence Against Women
2014
PUBMED/Inglês
Griffith
Government Implementation of Domestic Violence British Journal of Community Protection Measures NaNursing tionwide
2014
PUBMED/Inglês
Lodhia
“Stop Importing Weapons of Family Destruction!”: Cyberdiscourses, Patriarchal Anxieties, and the Men’s Blacklash Movement in India
Violence Against Women
2014
PUBMED/Inglês
Journal of Women’s Health
2014
PUBMED/Inglês
Global Public Health
2014
PUBMED/Inglês
Revista Panamericana de Salud Pública
2013
PUBMED/Inglês
Ciência e saúde coletiva
2017
PUBMED/Português
P3
P7
P8
P9
P10
P11
Krizsan e Popa
Modi, Palmer Armstrong
Artigo
The Role of Violence Against e Women Act in Adressing Intimates Partner Violence: A Public Health Issue
Violence Against Women Jejeebhoy, Santhya in South Asia: The Need for e Acharya The Active Engagement of The Health Sector Legislation on Violence Ortiz - Barreda e Against Women: Overview Vives-Cases of Key Components
Periódico publicação
P12
Pinto et al.
Políticas Públicas de Proteção à Mulher: Avaliação do Atendimento em Saúde de Vítimas de Violência Sexual
S1
Sousa
Cultura do Estupro: Prática e Incitação à Violência Sexual Contra Mulheres
Estudos Feministas
2017
SCIELO/Português
S2
Silva e Oliveira
Características Epidemiológicas da Violência Contra a Mulher no Distrito Federal, 2009 a 2012
Epidemiologia e Serviços de Saúde
2016
SCIELO/Português
S3
Brilhante et al.
Um Estudo Bibliométrico Sobre a Violência de Gênero
Saúde & Sociedade São Paulo
2016
SCIELO/Português
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CAPÍTULO 7 Código
Autores
Artigo
Periódico publicação
Ano
Base/Idioma
S4
Bragagnolo, Lago e Rifiotis
Estudo Dos Modos de Produção de Justiça da Lei Maria da Penha em Santa Catarina
Estudos Feministas
2015
SCIELO/Português
S5
Freitas
Bakhtiniana
2014
SCIELO/Português
S6
Escorsim
Revista Katálysis
2014
SCIELO/Português
L1
Guimarães e Pedrosa
Violência Contra a Mulher: Problematizando Definições Teóricas, Filosóficas e Jurídicas
Psicologia & Sociedade
2015
LILACS/Português
L2
Garcia Freitas e Höfelmann
Avaliação do Impacto da Lei Maria da Penha Sobre a Epidemiologia e Serviços de Mortalidade de Mulheres Saúde por Agressões no Brasil, 2001-2011
2013
LILACS/Português
Argumentação e Discurso sobre Lei Maria da Penha em Acórdãos do STJ Violência de Gênero e Saúde Coletiva: um Debate Necessário
Na Tabela 2 pode-se observar que sete (35%) dos artigos apresentaram nível de evidência VIII, cinco (25%) dos artigos se enquadraram nos níveis V e VII e três (15%) se englobam no nível de evidência VI. Tabela 2: Artigos conforme tipo de estudo e nível de evidência.
Código do artigo
Estudos excluídos
Nível evidência
P11, P12, S1, S3, L1
Revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos
V
P1, P4, S4
Estudo qualitativo
VI
P2, P5, P8, P10, S5
Opinião e interpretações de informações
VII
P3, P6, P7, P9, S2, S6, L2
Análise de bases de informações ou de leis
VIII
DISCUSSÃO A extensão da VCM em todo o mundo é alarmante e cada vez mais reconhecida não só como grave violação dos direitos humanos, mas também como um problema de saúde pública que afeta a vida de milhões de mulheres, sendo uma das principais causas de morte entre mulheres em idade fértil (MORAIS; MORAIS, 2012). A VCM, na modernidade, representa uma ofensa direta à busca pela equidade almejada nas sociedades atuais, fundamentadas pelo paradigma de um Estado democrático e de direito, que tem o dever de promulgar e aplicar leis que proíbam e penalizem este tipo de violência. Assim, usam de numerosas convenções, declarações, leis, tratados internacionais, além de políticas públicas e da ação do judiciário em seu combate (GUI-
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CAPÍTULO 7 MARÃES; PEDROSA, 2015; FREITAS, 2014). A violência de gênero é um fenômeno mundial em ascensão, que fere a dignidade humana, ao contrariar a igualdade entre os povos, partindo de valores culturais e socialmente produzidos. São crimes de ódio, em que a população masculina corresponde o domínio pela força física e psicológica em todas as classes sociais e, preferencialmente, no âmbito doméstico (BRILHANTE et al., 2016). Uma análise da OMS, que combina dados de 77 estudos em 56 países, estimou que, na África, 37% das mulheres já sofreram com violência física ou sexual infringida pelo parceiro íntimo. Estas taxas foram semelhantes às do Mediterrâneo Oriental (37%) e do Sudeste Asiático (38%), mas superiores as das Américas (30%), da Europa (25%) e do Pacífico Ocidental (25%) (OMS, 2014; THOMSON, 2016). É frequente que a VCM ocorra dentro do lar e que seja infringida por um parceiro íntimo (antigo ou atual). Ela não só compromete os direitos humanos básicos, como também resulta em danos físicos diretos, doenças sexualmente transmissíveis e/ou gravidez, além de poder ocasionar problemas de saúde mental e física em longo prazo. A autoridade masculina outorgada e cristalizada no seio familiar naturalizou a violência de gênero no âmbito doméstico, punindo não somente a mulher, mas também os filhos (as) (THOMSON, 2016). Segundo a OMS, estima-se que 35% das mulheres em todo o mundo já tenham sofrido qualquer violência física e/ou sexual, praticada por parceiro íntimo ou por um não-parceiro, em algum momento de suas vidas. Ao mesmo tempo, alguns estudos nacionais mostram que até 70% das mulheres já foram vítimas de violência física e/ou sexual por parte de um parceiro íntimo (UN WOMEN, 2017). A importância de pôr fim a todas as formas de violência contra mulheres e meninas foi reiterada na resolução “The Sustainable Development Goals” (SDGs) que, pela primeira vez, reconhece como fundamental a realização de debates sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres (HEIDARI; MORENO, 2016). Esses debates possibilitaram maior compreensão sobre direitos e cidadania, e a luta feminina tomou maiores proporções. A partir da Declaração para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres em 1967, abriu-se caminho para a “década das mulheres” entre 1976 e 1985, em que ocorreram a I Conferência sobre as Mulheres, na Cidade do México (1975), e a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979). Após o fim desta década e até 1995, a ONU realizou mais três conferências mundiais sobre mulheres: Copenhagen (1980), Nairóbi (1985) e Pequim (1995) (BRILHANTE, 2016; HEIDARI; MORENO, 2016). Entre os debates mundiais, vale destacar a Declaração de Erradicação da Violência contra a Mulher em 1993 e a Conferência Internacional com os ministros de saúde das Américas em 1994, realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A partir deles, houve o reconhecimento da VCM como um problema de saúde pública e, então, o assunto ganhou força no meio acadêmico, o que foi refletido na curva ascendente das pesquisas sobre a violência em seus mais diferentes âmbitos (BRILHANTE, 2016). Devido a repercussão científica, foi possível levantar dados mais precisos sobre o real impacto desse problema social e confirmar que a VCM é um problema significativo e generalizado, com taxas de incidência e mortalidade com aumento anual. Percebeu-se também, uma disparidade entre as nações, pois, mesmo que em 125 países já exista a
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CAPÍTULO 7 possibilidade de condenar os agressores, cerca de 603 milhões de mulheres vivem em países onde as agressões contra elas não são consideradas crimes (BRILHANTE, 2016; HEIDARI; MORENO, 2016). Cada país possui sua própria legislação de acordo com sua necessidade cultural. Na Espanha, por exemplo, a relevância da questão se reflete na reforma do Código Penal Espanhol, em 2003 (Lei 11/2003) e na aprovação da Lei Orgânica sobre Medidas Integradas de Proteção contra a Violência de Gênero, em 2004 (Lei 1/2004), que descreve como crimes puníveis: maus tratos ocasionais, habituais maus tratos, coação e ameaças (REGUEIRA-DIEGUEZ, 2015). Após isso, foi aprovada em 2007 pelo Governo Espanhol a lei para a igualdade efetiva entre mulheres e homens, que aborda aspectos relacionados à desigualdade de gênero assim como a questão da VCM, recomendando ações não só para superar a violência contra as mulheres, mas também evitá-la em instituições públicas (VALLS et al., 2016). Esta nova política estabeleceu não apenas penalidades mais severas para os infratores, mas também promoveu programas de treinamento para profissionais de saúde e juízes. As estratégias de prevenção e intervenção para combater este problema são agora uma prioridade política e social na Espanha, onde a conscientização pública sobre esse problema aumentou nos últimos anos (REGUEIRA-DIEGUEZ, 2015). Aproximando-se da realidade do Brasil, é possível dizer que, mesmo com uma sociedade bastante patriarcalista, o país encontra-se muito à frente da legitimação dos diretos das mulheres que outros países. No Código Penal Indiano, por exemplo, há apenas duas leis antiviolência: as Seções 498ª de 1983 e 304B de 1986, ambas abordam as agressões domésticas. A primeira é a única que pune a VCM, pois envolve os crimes de crueldade marital, proibindo explicitamente todas as formas de crueldade física e mental, realizada pelo marido e seus parentes (LODHIA, 2014). Em 2005, houve uma nova conquista do movimento feminista no país, através do Ato de Violência Doméstica. Entretanto, protege apenas as mulheres com maior renda e educação, deixando as mais humildes quase que desamparadas. Vale ressaltar que, nessa mesma época, surgiram movimentos de cunho machista contra a Seção 498ª, alegando que esta gera abuso para os patriarcas. Em 2010, os avanços encontravam-se quase estagnados e, segundo a constatação do National Crime Records Bureau, uma mulher a cada hora era morta, na Índia, devido à violência relacionada ao dote (LODHIA, 2014). Em 2013, foi aprovado o Ato de Alteração do Direito Penal que se focou apenas na definição de estupro e na punição de violência sexual, deixando de lado as próprias vítimas de estupro. Também foi ignorada a recomendação de usar os guidelines da OMS para treinar os profissionais de saúde para as adversidades. Assim, na Índia, há falta tanto de recursos legais como de pessoal treinado para identificar as situações de VCM (SHARMA, 2015). Na Bulgária, por sua vez, as intervenções na violência doméstica começaram apenas depois da Conferência de Pequim de 1995. A implementação da Plataforma de Pequim para Ação em 1996 descreve medidas a serem tomadas para prevenir e até eliminar todas as formas de VCM. Com a luta de grupos feministas, em 2001, 26% dos elegidos para o Parlamento búlgaro foram mulheres (KRIZSAN; POPA, 2014). Através disto, em 2005, foi aprovada a Lei de Proteção Contra a Violência Doméstica na Bulgária. Antes dela, o debate sobre a VCM era modesto e não havia discussão sobre os
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CAPÍTULO 7 direitos da mulher como indivíduo. A principal ferramenta da lei de 2005 é a imediata proteção da vítima, caso haja risco a sua vida. Hoje, existem vários avanços no país, como a criação de programas que protegem a criança ameaçada (KRIZSAN; POPA, 2014). A Conferência de Pequim também influenciou a Romênia, que atentou para a alta incidência de violência doméstica e para a ausência de qualquer resposta legal. Todavia, em minoria, os grupos feministas centraram mais na proteção da família do que do gênero em si. Nesse contexto, mesmo com a Lei contra a Violência na Família em 2003 e a criação da Agência Nacional de Proteção da Família em 2004, houve duras críticas devido à baixa resolutividade do problema e por seguir a ideia de família como instrumento para reprodução (KRIZSAN; POPA, 2014). As lutas na Hungria sucederam-se de modo bem diferente. Após várias falhas, os movimentos feministas tiveram sua primeira vitória apenas em 2006 com a aprovação da Lei sobre as Ordens de Restrição, que levou à adoção desta Lei para Violência Doméstica em 2009. Ambas foram muito criticadas por grupos feministas por ser gênero-indiferentes, pois não especificam as vítimas femininas (KRIZSAN; POPA, 2014). A lei de 2009 tem como vantagem a proteção dada aos filhos e à família, porém maiores conquistas são improváveis, pois os debates se voltaram para os direitos dos agressores. Ademais, na própria história do país, várias vezes as mulheres são postas à parte das discussões nacionais, nas quais várias organizações feministas perderam seus cargos políticos (KRIZSAN; POPA, 2014). A situação na Polônia não é distinta dos outros países, onde os grupos feministas são excluídos dos debates sobre a criação de políticas. Com muita luta ainda aprovou-se a Lei Contra a Violência Doméstica, duramente criticada pela sua falta de igualdade de gênero e sua fraqueza em punir o agressor. Neste país, o combate da VCM está ligado à luta contra o alcoolismo, de onde se baseou, em 2006, o Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (KRIZSAN; POPA, 2014). Avanços maiores ocorreram na Croácia, onde as campanhas feministas ocorrem desde 1997. Após diversas batalhas, houve várias conquistas: a Lei da Família em 1999, a alteração no Código Criminal em 2000, a Lei dos Delitos Menores em 2002, a Lei de Procedimentos Criminais em 2003 (KRIZSAN; POPA, 2014). A única lei que concedeu à mulher búlgara direitos individuais foi a Lei de Proteção da Violência Doméstica em 2003 (O ato legislativo mais eficaz sobre o tema no país), pois as demais eram gênero-indiferentes. (SHARMA, 2015). Com isto, verificou-se maior inserção da mulher na política: cerca de 30% dos cargos do município e do Ministério da Família foram ocupados por mulheres. (KRIZSAN; POPA, 2014). No caso dos países desenvolvidos europeus, a Inglaterra criou o Esquema de Divulgação de Violência Doméstica, também conhecido como a Lei de Clare em 2012. Através desta norma, a polícia pode divulgar o histórico violento dos parceiros para que vítimas sejam empoderadas a tomar uma decisão consciente sobre o futuro do relacionamento. Antes disso, em 2010, já havia tentativas de controlar a violência contra a mulher no país, através do Ato de Crime e de Seguridade, que implementa a ordem de proteção contra a violência doméstica e o aviso de proteção da violência doméstica (GRIFFITH, 2014). Em Viena, na Áustria, houve resultados positivos, após a Conferência sobre os Direitos Humanos realizada em 1993.Como exemplo, pode ser citada a Declaração de
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CAPÍTULO 7 Viena para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres (BRILHANTE, 2016). Globalmente, a VCM permanece como uma grande barreira à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos, em parte devido aos padrões culturais de cada nação. Países como Bangladesh e Egito consideraram a ação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher como prática do “imperialismo cultural e intolerância religiosa”, por difundir a ideia de igualdade entre homens e mulheres, mesmo que dentro da mesma família (BRILHANTE, 2016). Em setembro de 1994, com base no esforço coletivo do movimento de mulheres maltratadas, agências de aplicação da lei, defensores de agressões sexuais, tribunais e advogados, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei Federal de Violência contra as Mulheres (Ato de Controle de Crime Violento e Aplicação da Lei de 1994), com o intuito de proteger as mulheres da violência de parceiros íntimos (MODI; PALMER; ARMSTRONG, 2014). Já a Argentina, El Salvador, o México e a Venezuela são notáveis pela sua referência e definição de outras formas de violência materna (por exemplo, “institucional”, “simbólica” e “mídia”) em sua legislação. Guatemala, El Salvador e México destacam-se pela inclusão e definição de outros termos mais específicos para VCM (por exemplo, “femicídio” e “misoginia”) (ORTIZ-BARREDA; VIVES-CASES, 2013). No Brasil, devido ao contexto histórico, a evolução legal se deu de maneira lenta, graças à cultura colonial e ao forte significado de honra como respeito adquirido, através do sangue e da tradição familiar. Neste modelo, o detentor deve se portar de forma ilustre e, as mulheres mantidas sob seu domínio, além de prezar pela pureza sexual de sua filha, deveriam manter a exímia fidelidade das esposas (RAMOS, 2012). Nesta relação, a mulher era uma propriedade e sua reputação pública estava intimamente ligada à honorabilidade do homem que a dominava. O casamento funcionava como um dispositivo para preservar interesses familiares e facilitar os arranjos políticos para que a aristocracia do sangue não se dissipasse, mantendo a pureza das gerações, o status social e sua reputação da nobreza. De acordo com os valores da época, o caminho da infidelidade feminina seria perigoso por duas razões, a desonra do pai ou do marido perante a sociedade e o risco dessa traição prover filhos estranhos, ilegítimos (RAMOS, 2012). A submissão da mulher foi legalmente resguardada através das Ordenações Filipinas exibidas pela Corte Portuguesa. Este código não pressupunha ideia de igualdade e destinava à mulher a ausência de direitos, uma vez que ela não tinha direito a fala e quem decidia sobre sua vida era seu pai ou marido. Em seu Livro V, concedia direito ao homem de lavar sua honra em casos de adultério através da morte da esposa (RAMOS, 2012). Somente com o primeiro Código Penal Brasileiro, 8 anos após a independência, em 1830, conhecido como o Código Criminal do Império do Brasil, o direito de matar a esposa foi revogado. Porém, com o regime republicano, em 1889, o conceito de legítima defesa corrobora a continuidade dos assassinatos de mulheres consideradas infiéis (RAMOS, 2012). Com a promulgação do Código Civil de 1916, o primeiro elaborado especificamente no Brasil, a monogamia virou lei, bem como a anulação do casamento face a não-virgindade da mulher e a retirada do direito à herança da filha de comportamento “desonroso”. Embora fosse um avanço para República, permanecia bastante conserva-
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CAPÍTULO 7 dor, pois a esposa se tornava incapaz de exercer sua capacidade civil plena, de modo que, necessitaria de consentimento do marido para praticar inúmeros atos que na maioridade ou por ser solteira seriam permissíveis (RAMOS, 2012). A igualdade de punição entrou em vigor apenas em 1940, com o Código Penal no Brasil, ao menos no papel. Para ambos os cônjuges, poderia haver uma pena de detenção de 15 dias a seis meses. Vinte anos após, foi aprovado o Estatuto Civil da Mulher Casada (Lei n. 4.121/62), proporcionando redução do preconceito contra a mulher casada e, além disso, a igualdade de impedimentos legais, devendo existir o consentimento mútuo para situações de fiança, alienação de bens imóveis e oferecimento de bens em hipoteca, por exemplo (SILVA; OLIVEIRA, 2016). Mesmo com estes avanços jurídicos, a posição subalterna da mulher perante o homem ainda continuava a ser disseminada. Pontos positivos, como a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), com a possibilidade do fim da sociedade conjugal, contrastavam com a possibilidade de anular o casamento quando a moça não fosse virgem, de casos de defesa da honra pelo réu durante o julgamento (Crimes da paixão) e da permanência de termos como “mulher honesta” para se referir às mulheres ditas de bem (SILVA; OLIVEIRA, 2016). As vítimas desta histórica violência também são de responsabilidade do setor saúde, cuja função, além de acolher, é realizar a vigilância, a prevenção e dar assistência a essas mulheres. Normatizando este propósito, a Lei 10.778 de 24 de novembro de 2003 tornou obrigatório aos profissionais de saúde notificar os casos de VCM atendidos (ESCORSIM, 2014). Baseado nisto, foi publicada a lei 12.845 em 01 de agosto de 2013, como objetivo do atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual. Desta forma, todos os hospitais da rede SUS devem oferecer às vítimas o atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, visando o controle e o tratamento dos agravos físicos e psíquicos decorrentes de violência sexual e, encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social (PINTO et al., 2017). A relevância de registrar os acontecimentos está em nortear ações voltadas solucionar os desvios da normalidade. O crescimento da violência está diretamente relacionado ao aumento dos gastos em saúde pública, pois se correlaciona com o atendimento emergencial em saúde e com a recuperação e reabilitação, tanto física quanto psicológica, das vítimas atendidas. Em 2001, O Ministério da Saúde publicou a Portaria n.737, também conhecida como Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violência, com objetivo de orientar os serviços de saúde para o planejamento de ações em todos os níveis de gestão do sistema. Em 2006, o Ministério da Saúde implantou em todas as regiões brasileiras o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) (ESCORSIM, 2014; PINTO et al., 2017). O poder de decisão da mulher como parte da família apenas se consolidou com a elaboração da Constituição Federal de 1988. Apesar disso, somente no ano de 2005, o adultério deixou de ser considerado crime devido à criação da Lei n. 11.106/05. Devido a esse avanço unido à intensificação das lutas feministas e à posterior criação da Lei Maria da Penha em 2006, a sociedade começou a ficar mais crítica em relação aos casos de VCM (SILVA; OLIVEIRA, 2016). A Lei Federal nº 11.340 (Lei Maria da Penha) entrou em vigor no dia 07 de Agosto
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CAPÍTULO 7 de 2006, e desde então se tornou um marco normativo no combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela norteia as condutas de assistência e proteção em casos em que seja infringido qualquer tipo de sofrimento (físico, sexual e/ou psicológico) à mulher (FREITAS, 2014; BRILHANTE, 2016; DIAS, 2015; BRAGAGNOLO; LAGO; RIOFITIS, 2015; JEJEEBHOY; SANTHYA; ACHARYA, 2014). No mesmo ano de sua criação, essa lei foi declarada pela ONU, a terceira melhor lei do mundo no combate a violência doméstica. Após sua vigência, o número de serviços especializados de atendimento para a mulher vítima de violência no Brasil cresceu substancialmente. Como prova desta afirmação, a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), da Presidência da República, retrata que de 2003 para 2012, o número de Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) subiu de 248 para 384 (GARCIA, FREITAS; HOFELMANN, 2016; DIAS, 2015). Além disto, houve a criação de 220 Centros de Referência de Atendimento à Mulher, 122 Núcleos de Atendimento à Mulher em delegacias comuns, 72 Casas Abrigo, 45 Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, 48 Varas Adaptadas de Violência Doméstica e Familiar, 29 Promotorias Especializadas ou Núcleos de Gênero do Ministério Público e 56 Núcleos ou Defensorias Especializados, totalizando 974 serviços em todas as Unidades da Federação (GARCIA; FREITAS; HOFELMANN, 2016). Entretanto, mesmo que a Lei Maria da Penha tenha sido uma norma fundamental na mudança de cenário para o enfretamento da VCM, não houve grandes mudanças nas taxas de mortalidade de mulheres por agressões no início de sua vigência. Experiências têm mostrado repetidamente que, sem esforços contínuos para mudar a cultura e a prática institucional, a maior parte das reformas legais e políticas têm pouco efeito (FREITAS, 2014; RAMOS, 2012). Esses fatos têm sua relevância reforçada pelo aumento do número das denúncias públicas, seja pela popularização da Lei seja pela vocalização contínua dos movimentos da sociedade civil organizada (PINTO et al., 2017). Apesar de todas estas mudanças, a cultura não recriminável sobre a conduta de homens que matam ou ferem suas esposas, companheiras ou namoradas em nome de uma suposta honra conjugal ou familiar persiste na sociedade brasileira atual. Ainda se persevera a ideia da mulher como um sujeito inferior, passível de violência, sensível, vulnerável e instintivamente transgressora. O uso da violência seria então justificável para mantê-la sob controle (SILVA, OLIVEIRA, 2014; PINTO et al., 2017). O grande desafio da Lei Maria da Penha é implementar grandes inovações jurídicas políticas e culturais, diante de uma longa tradição social e jurídica, presente na estrutura familiar (base da sociedade), que nega tais direitos. Embora a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 manifestem a igualdade de direitos entre homens e mulheres com o auge do movimento feminista, não há como desvencilhar as heranças machistas e patriarcais tanto na lei quanto em sua aplicação (FREITAS, 2014). Portanto, o problema não está na escrita da lei, mas no caráter do discurso jurídico, munido de estratégias de poder que empregavam a prerrogativa da impunidade dos assassinos das mulheres consideradas adúlteras, anteriormente, e, da persistência da superioridade masculina na atualidade (SILVA; OLIVEIRA, 2014). Desse modo, a alocação judiciária utiliza uma ilusão de igualdade ao fomentar a “visão imparcial” e manter aparentes características de naturalidade de seu discurso. Essa crença na imparcialidade intensifica a necessidade da percepção e engajamento da comunidade com as questões políticas, e assim, assumir uma posição clara sobre temas
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CAPÍTULO 7 sociais em geral, possibilitando o ganho de espaço para que várias decisões, contrariamente ao ideal igualitário, não redobrem a força da cultura machista, dando-lhe sustentação normativa (FREITAS, 2014). No Brasil, o conceito de justiça, muitas vezes, se confunde com a sensação de impunidade. A morosidade nos trâmites dos processos é uma lamentável face da justiça brasileira, atingindo até mesmo os processos que envolvem crimes contra os direitos humanos das mulheres. Esses, quase sempre, têm penas aplicadas tardiamente, deixando a mulher à mercê do agressor (BRAGAGNOLO; LAGO; RIOFITIS, 2015; BRASIL, 2005). Este fato, é fruto da própria organização social na qual é possível verificar a dificuldade da denúncia. A mulher violentada pelo cônjuge se depara com o questão: se ocorreu ou não o estupro. Vem a ela a imagem de várias testemunhas, do contato e do afeto entre vítima e agressor, levando a questionamentos sobre se aquilo foi realmente um ato violento ou permitido (SOUSA, 2017). A legislação é formada pelo momento de maturidade social e indica até onde se transgride o mínimo imperativo do convívio em comunidade. Segundo o art. 213 do Código Penal, nesse contexto a mulher não tem obrigação de manter relações sexuais com o marido, desde que seja apresentada uma causa justa para a negativa, do contrário dificilmente o crime é “consolidado” (SOUSA, 2017). O imaginário popular levou à construção social de uma imagem de estuprador bestial à espreita de um beco escuro, à busca de uma vítima, que luta e acaba ficando cheia de hematomas. Este modus operandi não é predominante e pode encobrir o perfil do violentador no interior do lar que, muitas vezes, não é reconhecido como estuprador. Desse modo, a violência doméstica contra a mulher é muito mais comum do que se imagina, podendo ocorrer no ambiente familiar desde a mais tenra idade. O tempo que levará para que haja a denúncia está intimamente relacionada à maturidade social (SOUSA, 2017). Considerando esse ponto de vista, a inserção da celebridade processual no rol dos direitos e garantias fundamentais, pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, que regula o art. 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal (CF) de 1988, possibilita a reparação temporal dos danos sofridos pela mulher que foi vítima de violência. A celeridade processual já vem prevista desde o Pacto de São José da Costa Rica de 1969 e, neste momento, a CF/88 soma forças com a Convenção de Belém do Pará, compelindo o país a respeitar um limite temporal razoável para que se conclua o processo. Caso contrário, poderá sofrer punição moral internacional, assim como a vítima que se sentir prejudicada poderá buscar reparação diante das cortes internacionais (BRASIL, 2005). As dimensões éticas, políticas e culturais devem estar constantemente em diálogo para a reflexão e a ação em direitos humanos. Esta compreensão nos permite incorporar mais uma faceta à discussão proposta sobre violência que diz respeito à questão da dignidade humana como alicerce dos direitos humanos. Logo, ao compreendermos a violência como uma violação de direitos humanos, é possível se atentar ao quanto um ato de violência se estrutura pela negação da dignidade do outro, ao mesmo tempo em que pela anulação da própria dignidade daquele que atua pela violência (GUIMARÃES; PEDROZA, 2015).
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CAPÍTULO 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da literatura apresentada, foi possível perceber que as bases legais para o combate da VCM ainda têm muito a avançar. Na atualidade, VCM representa uma ofensa direta ao ideal igualitário almejado pelas sociedades de nossa época e ao tão visado Estado democrático e de direito. Assim, ela tem sido alvo de políticas públicas e da ação do judiciário em seu combate. Porém, para que haja maiores avanços, também é necessário maior engajamento da comunidade. As mulheres são as principais vítimas da violência e são, até hoje, consideradas mais frágeis e incapazes que o sexo oposto. Isso foi evidenciado em vários dos artigos. Tal hierarquização irreal, que coloca o homem como o soberano no relacionamento, faz com que esses índices de violência cresçam a cada dia e sejam evidenciados nos estudos analisados. Além disso, vários países buscam reduzir as taxas de VCM. Entretanto, a maioria encontra dificuldades no cumprimento e na criação de leis. No Brasil não é diferente, foi criada a Lei Maria da Penha, que facilita o (re)conhecimento da violência relacionamentos afetivos e conjugais. Apesar disso, ocorrem muitos casos de subnotificações, principalmente porque as mulheres sentem medo de prestar queixas contra os agressores, e ainda existe despreparo dos profissionais para atender as necessidades de saúde das vítimas no momento de vulnerabilidade. Desse modo, há necessidade de reestruturação e ampliação das leis, usando a perspectiva da igualdade de direitos. Assim, o combate da violência enquanto uma forma brutal de desrespeitos aos direitos mais básicos poderá ganhar maior apoio, inclusive da população. Além disso, diante desta perspectiva, é preciso que haja mudanças política e cultural para que seja possível criar uma sociedade mais crítica em relação ao problema da VCM e mecanismos eficazes para a execução das leis já existentes. REFERÊNCIAS AMARAL, L.; VASCONCELOS, T.; SÁ, F.; SILVA, A.; et al. Violência doméstica e a Lei Maria da Penha: perfil das agressões sofridas por mulheres abrigadas em unidade social de proteção. Revista Estudos Feministas, v. 24, n. 2, p. 521-40, 2016. BERNARDINO, Í.; BARBOSA, K.; NÓBREGA, L.; CAVALCANTI, G.; et. al. Violência interpessoal, circunstâncias das agressões e padrões dos traumas maxilofaciais na região metropolitana de Campina Grande, Paraíba, Brasil (2008-2011). Ciência & Saúde coletiva, v. 22, n. 9, p. 3033-3034, 2017. BRAGAGNOLO, R.; LAGO, M.; RIFIOTIS, T. Estudo dos modos de produção de justiça da lei Maria da Penha em Santa Catarina. Revista Estudos Feministas, v. 23, n. 2, p. 601-17, 2015. AGENDE. Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento. 10 Anos da adoção da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra mulher. 3a edição, Brasília: Agende, 2005.
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CAPÍTULO 7
BRILHANTE, A. V. M.; MOREIRA, G. A. R.; VIEIRA, L. J. E.; CATRIB, A. M. F. Um estudo bibliométrico sobre a violência de gênero. Saúde & Sociedade, v. 25, n. 3, p. 703-715, 2016. CABETTE, E. Violência contra a Mulher - Legislação Nacional e Internacional. 2017. Disponível em: <https://eduardocabette.jusbrasil.com.br/artigos/121937941/ violencia-contra-a-mulher-legislacao-nacional-e-internacional>. Acessado em: 12 de outubro de 2017. CAMPOS, C. Desafios na implementação da Lei Maria da Penha. Revista direito GV, v. 11, n. 2, p. 391-405, 2015. CERQUEIRA, D.; LIMA, R. S.; BUENO, S.; VALENCIA, L. V; HANASHIRO, O.; MACHADO, P. H. G.; LIMA; A. S. Violência contra a mulher. Atlas da violência 2017. Rio de Janeiro: Ipea e FBSP, 2017. p. 36-42. DIAS, E. Lei Maria da Penha: a terceira melhor lei do mundo. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/36178/lei-maria-da-penha-a-terceira-melhor-lei-do-mundo>. Acessado em: 20 de outubro de 2017. EUROPEAN UNION AGENCY FOR FUNDAMENTAL RIGHTS. Physical and/or sexual violence by a partner or a non-partner since the age of 15. Disponível em: <http://fra.europa.eu/ en/publications-and-resources/data-and-maps/survey-data-explorer-violence-against-women-survey>. Acessado em: 14 de outubro de 2017. ESCORSIM, S. Violência de gênero e saúde coletiva: um debate necessário. Revista Katálysis, v. 17, n. 2, p. 235-241, 2014. FREITAS, L. G. Argumentação e discurso sobre Lei Maria da Penha em acórdãos do STJ. Bakhtiniana Revista de Estudos do Discurso, v. 1, n. 9, p. 71-89, 2014. GARCIA, L. P.; FREITAS, L. R.; HOFELMANN, D. A. Avaliação do impacto da Lei Maria da Penha sobre a mortalidade por agressões no Brasil, 2001-2011. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 22, n. 3, p. 383-394, 2013. GRIFFITH, R. Government implementation of domestic violence protection measures nationwide. British Journal of Community Nursing, v. 19, n. 6, p. 303-306, 2014. GUIMARÃES, M. C.; PEDROZA, R. L. Violência contra a mulher: problematizando definições teóricas, filosóficas e jurídicas. Psicologia & Sociedade, v. 27, n. 2, p. 256-266, 2015. HEIDARI, S.; MORENO, C. G. Gender-based violence: a barrier to sexual and reproductive health and rights. Reproductive Health Matters, v. 24, n. 47, p. 1-4, 2016. JEJEEBHOY, S.; SANTHYA, K.; ACHARYA, R. Violence against women in South Asia: The need for the active engagement of the health sector. Global Public Health, v. 9, n. 6, p. 678-690, 2014.
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CAPÍTULO 7 KRIZSAN, A.; POPA, R. Frames in Contestation: Gendering Domestic Violence Policies in Five Central and Eastern European Countries. Violence Against Women, v. 20, n. 7, p. 758-82, 2014. LIMA, L.; MONTEIRO, C.; JÚNIOR, F.; COSTA, A. Marcos e dispositivos legais no combate à violência contra a mulher no Brasil. Revista de enfermagem referência, v. 4, n. 11, p. 139-146, 2016. LODHIA, S. “Stop Importing Weapons of Family Destruction!”: Cyber discourses, Patriarchal Anxieties, and the Men’s Backlash Movement in India. Violence Against Women, v. 20, n. 8, p. 905936, 2014. MELNYK, B.; FINEOUT-OVERHOLT, E. Making the case for evidence-based practice. In: MELNYK, B.; FINEOUT-OVERHOLT, E. Evidence-based practice in nursing & healthcare: a guide to best practice. Philadelphia: Lippincot Williams & Wilkins, 2005. p. 3-24. MODI, M.; PALMER, S.; ARMSTRONG, S. The Role of Violence Against Women Act in Addressing Intimate Partner Violence: A Public Health Issue. Journal of Women’s Health, v. 23, n. 3, p. 25359, 2014. MORAIS, T. R.; MORAIS, M. R. A sexualidade na adolescência como um problema de saúde pública. Revista de Ciências da Saúde Nova Esperança, v. 10, n. 1, p. 67-74, 2012. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS), Relatório Mundial Sobre a Prevenção da Violência (2014). Disponível em: <http://nevusp.org/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf>. Acessado em: 30 de outubro de 2017. ORTIZ-BARREDA, G.; VIVES-CASES, C. Legislation on violence against women: overview of key components. Revista Panamericana de Salud Pública, v. 33, n. 1, p. 61-72, 2013. PASINATO, W. Acesso à justiça e violência doméstica e familiar contra as mulheres: as percepções dos operadores jurídicos e os limites para a aplicação da Lei Maria da Penha. Revista direito GV, v. 11, n. 2, p. 407-24, 2015. PINTO, L.; OLIVEIRA, I.; PINTO, E.; LEITE, C.; et al. Políticas públicas de proteção à mulher: avaliação do atendimento em saúde de vítimas de violência sexual. Ciência & Saúde Coletiva, v. 22, n. 5, p. 1501-08, 2017. RAMOS, M. D. Reflexões sobre o processo histórico-discursivo do uso da legítima defesa da honra no Brasil e a construção das mulheres. Estudos Feministas, v. 20, n. 1, p. 53-73, 2012. REGUEIRA-DIEGUEZ, A.; PEREZ-RIVAS, N.; MUNHOZ-BARÚS, J. I.; VAZQUEZ-PORTOME, F.; et. al. Intimate partner violence against women in Spain: A medico-legal and criminological study. Journal of Forensic and Legal Medicine, v. 34, p. 119-126, 2015. SCHRAIBER, L. B.; D’OLIVEIRA, A. F. Violência contra a mulher: interfaces com a saúde. Interface (Botucatu), v. 3, n. 5, p. 11-26, 1999.
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CAPÍTULO 7 SHARMA, P.; UNNIKRISHNAN, M.; SHARMA, A. Sexual violence in India: addressing gaps between policy and implementation. Health Policy and Planning, v. 30, n. 5, p. 656-9, 2015. SILVA, E. L.; OLIVEIRA, L. C. Características epidemiológicas da violência contra a mulher no Distrito Federal, 2009 a 2012. Epidemiologia e Serviços de Saúde, v. 25, n. 2, p. 331-42, 2016. SOUSA, R. Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres. Estudos Feministas, v. 25, n. 1, p. 9-29, 2017. THOMSON, D. R.; BAH, A. B.; RUBANZANA, W. G.; MUTESA, L. Correlates of intimate partner violence against women during a time of rapid social transition in Rwanda: analysis of the 2005 and 2010 demographic and health surveys. BMC Women’s Health, v. 15, n. 96, p. 1-13, 2016. UN WOMEN, Facts and figures: Ending violence against women. 2017. Disponível em:<http:// www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violence-against-women/facts-and-figures>. Acessado em: 14 de outubro de 2017. VALLS, R.; PUIGVERT, L.; MELGAR, P.; GARCIA-YESTE, C. Breaking the Silence at Spanish Universities: Findings From the First Study of Violence Against Women on Campuses in Spain. Violence Against Women, v. 22, n. 13, p. 1519-1539, 2016.
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CAPÍTULO 8
VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO LGBT: REVISÃO INTEGRATIVA
RESUMO O preconceito e a discriminação quando se apresentam em forma de violência, atingem grupos populacionais em situação de vulnerabilidade, dentre os quais, estão à população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT). Nesse contexto, este estudo tem o objetivo de analisar a produção científica nacional e internacional acerca da violência contra a população LGBT. Trata-se de um estudo bibliográfico, do tipo revisão integrativa. A coleta de dados para a pesquisa foi realizada em outubro de 2017 a partir de buscas, por meio da combinação dos descritores no idioma português, nas bases de dados bibliotecas eletrônicas: Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online (SCIELO). Seguindo os critérios de exclusão, totalizaram-se 16 artigos para análise. A partir da literatura estudada, foi observado que as variadas formas de violência geram danos profundos a esses indivíduos, como hospitalização, desenvolvimento de enfermidades mentais e até mesmo casos de homicídios e suicídios. A cultura heteronormativa da sociedade oprime comportamentos que fogem ao seu padrão, refletindo em ações hostis que reprimem o indivíduo LGBT. Portanto, faz-se necessário uma construção educacional, para haver uma mudança geral da sociedade que discrimina essa parcela da população. DESCRITORES: Minorias sexuais. Violência. Homofobia.
Amanda Ingryd Lopes Fernandes
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Amanda Justino Costa
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Daniella Jéssica Muniz Honorato
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Taisa Gonçalves Farias
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Vitor Arrais de Lavor Monteiro
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Layza de Souza Chaves Deininger Professora Doutoranda pela UFPB. Vice Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 8 INTRODUÇÃO A violência, enquanto um complexo processo relacionado à dinâmica social, afeta a integridade física, moral, mental ou espiritual das pessoas. Ela é multicausal, na medida em que se relaciona à evolução da civilização e aos instintos de sobrevivência, bem como pode assumir um caráter eminentemente social, resultante das diferenças e desigualdades existentes entre as pessoas (NATARELLI et al., 2015). Nesse sentido, o preconceito e a discriminação quando se apresentam em forma de violência, atingem grupos populacionais em situação de vulnerabilidade, dentre os quais, estão à população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBTT). Dentre as formas de violência contra esse grupo, está a violência psicológica. Consideram-se como violência psicológica agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir sua liberdade ou, ainda, isolá-la do convívio social. Em estudo realizado na região Nordeste, foi apontado a violência psicológica como a principal manifestação de violência perpetuada contra a população LGBT (ALBURQUERQUE et al., 2017). Além desta, tem-se também a violência letal, que gera morte, a qual começou a ser documentada, no Brasil, através da ação pioneira do Grupo Gay da Bahia (GGB), sob a liderança do antropólogo Luiz Mott, no início dos anos 1980. O GGB passou a construir um Banco de Dados de evidências da violência letal homofóbica na mídia impressa, televisiva e virtual (FERNANDES, 2013). Segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), no ano de 2012, por meio do Disque 100, foram registradas 27,34 violações de direitos humanos por dia contra o grupo LGBT, de caráter homofóbico, o que caracteriza um aumento de 46,6% das violações em relação ao ano de 2011. Conforme o relatório, a principal manifestação de violência perpetrada contra a população LGBT é a psicológica, perfazendo um total de 83,2% em 2012 contra 42,5% em 2011 (BRASIL, 2012). Ainda de acordo com o Disque 100, de 2011 a 2014, foram registradas 7.649 denúncias, sendo aproximadamente 16% contra travestis e transexuais. Em 2014, essa porcentagem subiu para 20% com o registro de 232 denúncias. A discriminação e a violência psicológica estão entre as violações mais recorrentes dos casos denunciados contra a população LGBT em 2014, com 85% e 77%, respectivamente (BRASIL, 2017). Nesse contexto, torna-se imprescindível a atuação dos governos no que diz respeito à criação e à ampliação de políticas, serviços ou qualquer outro tipo de programa que tenha como objetivo proteger e/ou beneficiar a comunidade LGBT. Assim, em 2011 foi criado a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Política Nacional de Saúde Integral LGBTT) que busca promover à saúde de forma integral a população LGBT além de diminuir as desigualdades e as violências que ocorrem de forma frequente, nesse setor (BRASIL, 2017). Estudos que priorizem essa temática tornam-se cada vez mais relevantes, uma vez que se trata de uma forma de agressão que atinge o ser humano em seus diversos níveis de complexidade, desde o estado psíquico à sua integridade física. Portanto, dados que reflitam tal aspecto devem ser de conhecimento público, para que assim as diversas formas de preconceito possam ser combatidas permanentemente na sociedade. Nessa perspectiva, o
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CAPÍTULO 8 presente artigo tem como objetivo analisar a produção científica nacional e internacional acerca da violência contra a população LGBT. METODOLOGIA O artigo consiste em um estudo bibliográfico, do tipo revisão integrativa. O método discutido trata-se de resumo dos documentos disponíveis sobre o tema abordado, por meio da análise dos resultados já evidenciados nos estudos de pesquisadores sobre o determinado tema. Portanto, torna-se o mais adequado, uma vez que permite uma abordagem global, sobre diferentes perspectivas do assunto abordado. Através dos estudos existentes sobre o tema, buscou-se responder a seguinte questão norteadora: “Quais os tipos de violência praticados contra a população LGBT e os danos que ela acarreta a suas vidas ao longo dos anos?” A coleta do material para a pesquisa foi realizada em outubro de 2017 a partir de buscas, por meio da combinação dos descritores, nas bases de dados bibliotecas eletrônicas, Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual Em Saúde (BVS) e Scientific Electronic Library Online(SCIELO). A busca dos artigos foi realizada por três combinações de descritores, nas fontes de busca acima, utilizando os operadores booleanos AND/OR: 1- “Pessoas LGBT OR Violência”, 2- “Homofobia AND Violência” E 3- “Minorias Sexuais AND Violência OR Violência Social”. Foram definidos como critérios de inclusão para seleção de artigos no estudo: pesquisas publicadas no idioma português, artigos de periódicos online abordando o tema e publicações entre os anos de 2013 e 2017, por se tratar de um tema que vem ganhando mais força nos últimos anos, sendo mais adequado a busca por artigos mais recentes. Para exclusão dos artigos, os critérios avaliados foram: artigos com data de publicação anterior a 2013, artigos em inglês e espanhol, além de teses, monografias, estudos duplicados e que não apresentassem texto completo disponível nas bases de dados eletrônicos pesquisados. Após a realização da seleção nas bases eletrônicas (SciELO e LILACS) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) foram obtidos 16 artigos. Como critério de escolha, foram filtrados os estudos que abordassem o tema: violência contra a população LGBT, através da leitura dos títulos dos artigos e depois foram avaliados os resumos. Após estes primeiros processos de seleção, os artigos foram analisados na íntegra e selecionados como critério final para inclusão destes no estudo. RESULTADOS Os artigos foram selecionados por meio das consultas nas bases de dados e biblioteca virtual. Na base de dados da Biblioteca Virtual Em Saúde (BVS), foram encontrados dezenove mil setecentos e oitenta e um (19.781) artigos. Após o uso dos filtros e relacionados ao tema, restaram sete (7). Na base de dados LILACS, foram encontrados
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CAPÍTULO 8 cento e treze mil quatrocentos e quarenta e cinco (113.445) artigos. Após o uso de filtros de exclusão, onze (11) artigos foram pré-selecionados para a leitura do título, resumo e palavras-chave, e apenas quatro (4) artigos foram definitivamente selecionados. Na SciELO, foram encontrados três mil e setenta e três (3.073), ficando apenas cinco (5) após a aplicação dos critérios de exclusão. Visto que ambas as bases apresentavam artigos repetidos, por fim restaram dezesseis (16) artigos, os quais apresentavam visões importantes sobre o tema discutido. Analisando por combinação de descritores, na BVS, em que foram encontrados inicialmente 429 artigos com a combinação dos descritores “minorias sexuais AND violência OR violência social”, após o filtro (artigos dos últimos cinco anos, em português), restaram dois artigos, porém ao ser analisada a temática, restou apenas um artigo. Nessa mesma fonte de pesquisa, com a combinação dos descritores “homofobia AND violência”, foram encontrados 73 artigos, após os filtros, restaram seis que condiziam com o tema de estudo. Com a combinação “pessoas LGBT OR violência” foram encontrados 19.781, mas após o filtro não restou nenhum. A base de dados LILACS apresentou 30 artigos com a combinação de descritores “homofobia AND violência”. Utilizando os seguintes critérios de exclusão: ano em que foi publicado (2013 a 2017), apenas artigos em idioma português, e considerando apenas o tipo de documento artigo. Restaram 11 artigos, dos quais 2 estavam repetidos, totalizando 10 artigos a serem analisados. Desse número, 6 foram desconsiderados por não possuírem relação com o tema. Restando 4 artigos para serem analisados. Já pesquisa com a combinação de descritores “minorias sexuais AND violência OR violência social” resultou em 11 artigos. Utilizando os fatores de exclusão, restou um artigo, que, por sua vez, não possuía relação com o tema. Com a combinação “pessoas LGBT OR violência” foram encontrados 113.404, porém com o filtro não restou nenhum artigo. A base de dado SciELO apresentou utilizando a combinação de descritores “pessoas LGBT OR violência” 8.966 resultados, após a seleção do ano de publicação (2013 a 2017), idioma português e tipo de documento artigo como fatores de exclusão, restaram 1568 artigos, dos quais apenas 7 condiziam com tema, contudo, 5 desses estudos já haviam sido selecionados para analise em outras bases de dados. A pesquisa realizada com a combinação de descritores “homofobia AND violência” obteve 46 resultados, em que ao utilizar os filtros de ano de publicação (2013 a 2017), idioma português e apenas tipo de documento artigo, apresentou 19 estudos. Destes, 7 estavam de acordo com o tema, entretanto 4 já haviam sido selecionados em outras combinações de descritores. Ademais, a busca de artigos pela associação dos descritores “minorias sexuais AND violência OR violência social” resultou em 17 artigos, após os critérios de seleção ano de publicação (2013 a 2017), em português e tipo de documento artigos, restaram 2 artigos e esses não condiziam com o tema do estudo (Tabela 1). Tabela 1: Disposição dos artigos conforme fonte de pesquisa e número de estudos e combinação dos descritores. Base de dados
Estudos obtidos
BVS
429
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
Estudos selecionados
1
Estudos excluídos
428
Combinação de descritores “Minorias Sexuais AND Violência OR Violência Social”
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CAPÍTULO 8 Base de dados
Estudos obtidos
Estudos selecionados
Estudos excluídos
Combinação de descritores
BVS
73
6
67
“Homofobia AND violência”
BVS
19781
0
19781
“Pessoas LGBT OR Violência”
TOTAL
20283
7
20275
LILACS
11
0
11
“Minorias Sexuais AND Violência OR Violência Social”
LILACS
30
4
26
“Homofobia AND violência”
LILACS
113404
0
113404
“Pessoas LGBT OR Violência”
SUBTOTAL
113445
4
113441
SciELO
8966
2
8964
“Minorias Sexuais AND Violência OR Violência Social”
SciELO
46
3
43
“Homofobia AND violência”
SciELO
17
0
17
“Pessoas LGBT OR Violência”
SUBTOTAL
9029
5
9024
Com base nos anos de publicação, três (18,73 %) foram publicados em 2013, três (18,73%) em 2014, cinco (31,25%) em 2015, 4 (25%) em 2016 e um (6,25%) em 2017. Os anos de 2015 e 2016 foram os que apresentaram mais publicações, totalizando 56,25% dos artigos selecionados. Todos os artigos apresentaram como foco a violência contra a população LGBT. Os periódicos que mais exibiram publicações sobre o tema foram os que apresentaram ênfase em psicologia (31,25%), que englobava a Revista Estudos de Psicologia, Revista Polis e Psique, Psicologia: ciência e profissão e Temas em Psicologia. Em segundo lugar, os periódicos da área de saúde coletiva (18,75%): saúde em Debate e Caderno Saúde Pública. Os outros periódicos eram com temáticas diversas: Cadernos Pagu, Escola Anna Nery, Barbarói, Estudos Feministas, Caderno EBAPE, Revista Katál, Revista Gaúcha Enfermagem e RAC, Rio de Janeiro. Em relação aos bancos de dados, a BVS apresentou o maior número de artigos (43,75%), seguido da SciELO (31,25%) e LILACS (25%). Quadro 1: Distribuição dos estudos selecionados entre os anos de 2013 a 2017.
Código
Autores
Biblioteca / base dados
Ano
Título do Estudo
Periódico
A1
PERUCCHI; BRANDÃO; VIEIRA
SciELO
2014
Aspectos psicossociais da homofobia intrafamiliar e saúde de jovens lésbicas e gays.
PUBMED/Inglês
Saúde em Debate
Cadernos Pagu
A2
FERNANDES
SciELO
2013
Assassinatos de travestis e “pais de santo” no Brasil: homofobia, transfobia e intolerância religiosa.
A3
FILHO; ROBERTO
SciELO
2015
Corpos brutalizados: conflitos e materializações nas mortes de LGBT.
ENSAIOS SOBRE GÊNERO
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CAPÍTULO 8
Código
Autores
Biblioteca / base dados
Ano
Título do Estudo
Periódico
A4
CASSAL
BVS
2013
Homofobia e Cidade: Um Ensaio Sobre Lâmpadas, Segurança e Medo.
Revista Polis e Psiqué
A5
SOUZA; SILVA; SANTOS
BVS
2015
Homofobia na escola: as representações de educadores/as.
A6
LIRA; BORIS; MORIS
LILACS
2016
(In)Visibilidade da Vivência Homoparental Feminina: entre Preconceitos e Superações
Psicologia: ciência e profissão
A7
NATARELLI; BRAGA; OLIVEIRA; SILVA
LILACS
2015
O impacto da homofobia na saúde do adolescente
Escola Anna Nery
Barbarói, Santa Cruz do Sul
Periódicos eletrônicos Psicologia
A8
COSTA; SCHWINN
BVS
2016
O reconhecimento da condição de refugiado em razão da orientação sexual ou identidade de gênero
A9
MELLO; AVELAR; BRITTO
BVS
2014
Políticas públicas de segurança para a população LGBT no Brasil
Estudos Feministas, Florianópolis
Caderno EBAPE.BR
A10
CARRIERI; AGUIAR; DINIZ
LILACS
2013
Reflexões sobre o indivíduo desejante e o sofrimento no trabalho: o assédio moral, a violência simbólica e o movimento homossexual
A11
MENEZES; SILVA
BVS
2017
Serviço Social e homofobia: a construção de um debate desafiador
Revista Katál., Florianópolis
A12
SILVA; SOUZA; SENA ET AL.
SciELO
2016
Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste brasileiro
Revista Gaúcha Enfermagem
A13
AGUIAR; SOUZA; CARRIERI
LILACS
2014
Trabalho, Violência e Sexualidade: Estudo de Lésbicas, Travestis e Transexuais
RAC, Rio de Janeiro
A14
FAZZANO; GALLO
BVS
2015
Uma Análise da Homofobia Sob a Perspectiva da Análise do Comportamento
Temas em Psicologia
A15
SOUZA; MALVASI; SIGNORELLI; PEREIRA
SciELO
2015
Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil
Caderno Saúde Pública
A16
ALBUQUERQUE; PARENTE ;BELÉM; GARCIA
2016
Violência psicológica em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do Ceará, Brasil
Saúde Debate
BVS
DISCUSSÃO A intolerância em relação à população LGBT está presente em praticamente todos os países do mundo, desde aqueles com uma legislação mais opressora em relação aos direitos desse grupo social (países com pena de morte, punições corporais e prisão),
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CAPÍTULO 8 aos países com legislação positiva (países com aprovação do casamento homossexual e com leis que proíbem a discriminação baseada na orientação sexual). Dos 191 países do mundo, 88 tem leis contrárias à homossexualidade, sendo que em 72 deles existem penas de prisão para quem expuser sua orientação sexual. Em 7 países, a pena para homossexuais é a morte (MISKOLCI, 2011). Enquanto grupo social vulnerável e sujeito à criminalização, as pessoas LGBT estão sujeitas a diferentes formas de perseguição como, por exemplo, textos de leis penais genéricos, com expressões como “prática de atos carnais contra a natureza”; “satisfação imoral de desejos sexuais” ou ainda, “ataque à moral pública”, geram grave violência física e/ou psicológica, intervenção médica involuntária como conduta persecutória, sanções desproporcionais pela prática de crime como conduta persecutória, extorsão, roubo e marginalização econômica e social (OLIVA,2013). O Brasil contemporâneo é também definido pelos altos índices de violência letal contra as populações LGBT. A violência letal começa a ser documentada no país através da ação pioneira do Grupo Gay da Bahia (GGB), no início dos anos 1980. O GGB passou a construir um Banco de Dados de evidências da violência letal homofóbica na mídia impressa, televisiva e virtual. A violência letal homofóbica não se trata de crimes comuns, fruto de assalto ou bala perdida, nem de “crimes passionais” como as páginas policiais costumam noticiar. São “crimes de ódio”, em que a condição homossexual da vítima foi determinante no “modus operandi” do agressor (FERNANDES, 2013). No que diz respeito à população LGBT, apesar da legislação antidiscriminatória e de programas como o Brasil sem Homofobia, os casos de violência, inclusive os que levam à morte, são diários. No Congresso Nacional, as bancadas conservadoras atuam de forma a retroceder a luta do movimento LGBT por igualdade, embora o poder judiciário tenha proporcionado importantes vitórias (COSTA; SCHIWINN, 2016). O movimento LGBT busca dar visibilidade aos crimes motivados pela orientação sexual não heterossexual, divulgando o termo ‘homofobia’ para designar tais atos violentos contra toda a comunidade LGBT. Atualmente, variantes como LGBTfobia são adotadas, pois incluem de forma mais explícita lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (COSTA; SCHIWINN, 2016). A homofobia é um dispositivo de controle que reforça a ideia de naturalização da normalidade relacionada à orientação heterossexual e que se manifesta nas relações sociais, por meio de agressões físicas, verbais, psicológicas e sexuais (COSTA; SCHIWINN, 2016). Associada aos sintomas psicopatológicos e sentimentos negativos que provoca (medo, incômodo, ódio, repúdio), além do preconceito, a discriminação e a violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Assim, à homofobia, se associam às relações de poder e de gênero que se fazem presentes na sociedade (TEIXEIRA; RONDINI, 2012). A literatura científica indica que a homofobia é um dos determinantes para a saúde dos adolescentes. Um estudo com 300 adolescentes não heterossexuais, desenvolvido no Canadá, com o objetivo de conhecer diferentes formas de bullying homofóbico, modelando relações entre o fenômeno e seu processo de internalização e questões de autoestima, verificou que a homofobia causa efeitos negativos sobre o bem-estar, a qualidade de vida e a saúde dos adolescentes. Evidencia-se, ainda, a associação entre a orientação sexual e ideações e tentativas de suicídio na adolescência, pois os homossexuais têm mais chances de pensarem e tentarem suicídio, comparativamente em relação
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CAPÍTULO 8 aos heterossexuais (BLAIS et al., 2014). As agressões por violência verbal, psicológica, física, sexual e negligência, estão presentes na vida das pessoas que se identificam a um outro gênero que não seja o heterossexual. Não há lugar específico onde essa violência ocorra. Os serviços de saúde, por exemplo, são destacados como um local improvável, mas que é relatado por muitos travestis e transexuais, por não serem acolhidos de forma humanizada, pois muitos profissionais de saúde desqualificam a atenção à saúde por preconceito e discriminação. Sendo assim, a homofobia pode ser caracterizada como um obstáculo para que a população LBGT tenha acesso a serviços de saúde e receba um cuidado mediante suas necessidades de saúde específicas (NATARELLI et al., 2015). Uma lacuna pode ser observada sobre registros de boletins de ocorrência e notificações em sistemas de informação, pois muitas formas de violência vivenciada pela população LGBT são perpetuadas como manifestações simbólicas em espaços onde deveriam existir acolhimento e proteção, como a família, os serviços de saúde e as delegacias. Entretanto, nesses mesmos locais há um agravamento, por diversas vezes, de um sofrimento, pois ao procurar auxílio, é que muitos são novamente vítimas de discriminação e preconceito, resultando na subnotificação (SILVA et al., 2016). A naturalização do processo de violência decorre de uma orientação afetivo-sexual, que diverge da imposta pela heteronormatividade, e é auxiliada pela ausência de ação por parte do Estado. A instauração de diferentes obstáculos à promoção da igualdade entre toda a população institucionaliza a violência contra todos aqueles que apresentam práticas não-heterossexuais. Essa homofobia estatal decorre de uma herança histórica e, por estar completamente enraizada nas esferas legais, é de difícil erradicação (MENEZES; SILVA, 2017). Apesar da sigla LGBT unir e representar várias identidades, é importante compreender que existem diversas particularidade e diferenças entre o comportamento da violência simbólica e interpessoal nas pessoas que compõem a sigla LGBT. A obrigação de adotar padrões considerados normais, que se inserem na matriz heterossexual, é uma violência simbólica a qual se instala pela perpetuação de um pensamento imposto associado a estruturas preexistentes (CARRIERI; AGUAIR, 2014). A passagem por uma experiência de casamento heterossexual com constituição de família está presente na vida de algumas pessoas homossexuais, em que, por imposição familiar e religiosa, sentem-se coagidas a se inserir em padrões de uma construção sócio-histórica de uma matriz heterossexual a qual não se identificam desde cedo. O rompimento com esses padrões de dominação ocorre mais tardiamente, quando não se sentem mais obrigadas a seguir o modelo heterossexual (CARRIERL; AGUAIR, 2014). A violência simbólica nos transexuais está presente em seu próprio corpo, pois não há uma identificação entre o corpo biológico e a identidade de gênero a qual gostaria de pertencer. Os transexuais buscam ajustar-se ao modelo binário padrão de gênero masculino ou feminino, sendo para esses a única possibilidade de construção de seus corpos. Ademais, a não submissão a operação de mudança de sexo é, por si só, uma violência para essas pessoas, pois ficariam divididos entre o seu sexo biológico e a sua identidade de gênero (CARRIERI; AGUAIR, 2014). A violência interpessoal presente na atividade de trabalho decorre da diferença à normalidade estabelecida. A não revelação da identidade homossexual é a principal estratégia adotada pelas lésbicas para proteger-se do medo da exposição. Assim como, os
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CAPÍTULO 8 transexuais que escondem sua condição de transgêneros, diversas vezes, encaixando-se no modelo binário de gênero. Contudo, a visibilidade do antagonismo entre o gênero e o corpo é prejudicial para a busca por paz no ambiente de trabalho (CARRIERI; AGUAIR, 2014). Os travestis, de modo particular, não apresentam efetividade ao buscar trabalhos formais, devido à vulnerabilidade aos atos de violência interpessoal, sendo considerados, muitas vezes, como não humanos e tratados como objetos, pois a invisibilidade não é uma alternativa possível para eles. Ademais, a violência interpessoal transpassa as intimidações, as ameaças de assédio, os comentários verbais, o preconceito, as ações e os gestos hostis, configurando principalmente para os travestis, uma violência física (CARRIERI; AGUAIR, 2014). A busca por garantia de direitos e combate ao preconceito deve ter contribuição dos profissionais de saúde, para auxiliar no empoderamento dos militantes e usuários LGBT. A atuação profissional deve ser capaz de reconhecer e responder, com êxito, as demandas dessa população, abordando a violência com fortalecimento pessoal dos indivíduos e com a promoção de mudanças sociais, em especial, a abordagem para com esses usuários como sujeitos detentores de direitos civis, sociais e políticos (MENEZES; SILVA, 2017). Dessa forma, ressalta-se com os estudos analisados, a persistência de discriminação e violência na maior parte da população LGBT, mesmo nos locais onde deveriam estar seguros, como no vínculo familiar, ou no Sistema Único de Saúde. Ademais, muitas legislações que deveriam contemplar esses cidadãos, resultam em uma forma de violência institucional, proporcionando embasamento para exclusão e violação da integridade física e psicológica. CONSIDERAÇÕES FINAIS A população LGBT está exposta cotidianamente à violência, sendo expressa por diferentes formas de agressões, sejam elas verbalizadas, físicas, psíquicas e até mesmo em gestos hostis. Seja qual for a forma de preconceito, afeta de maneira generalizada a vítima que, por muitas vezes, acaba se privando do convívio social, como forma de proteção individual. A partir da literatura estudada, foi visto que as diferentes formas de violência geram danos inenarráveis a esses indivíduos, como hospitalização, falta de oportunidade de empregos, desenvolvimento de enfermidades mentais e até mesmo casos de homicídios e suicídios. Sendo, portanto, necessário à ampliação do conhecimento acerca desses dados, para que assim, o tema seja amplamente discutido e, com isso, possa haver uma mudança nos pensamentos e nos comportamentos daquelas pessoas que, por vezes, julgam equivocadamente essa parcela da população. Porém, nem sempre esses objetivos são alcançados, seja por falha pública, ou da sociedade como um todo. Diante disso, é extremamente importante que novos estudos sejam realizados no âmbito de promover a conscientização da população e desmistificação do tema, pois somente assim, a discriminação, o preconceito e, consequentemente, as diferentes formas de violência, serão combatidas e diminuídas com o tempo.
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CAPÍTULO 8 REFERÊNCIAS ALBURQUERQUE, G. A.; GARCIA, L. C.; ALVES, M. J. H.; QUEIROZ, C. M. H. T. ADAMI, F. Homossexualidade e o direito à saúde: um desafio para as políticas públicas de saúde no Brasil. Saúde em Debate, v. 37, n. 98, p. 516-524, 2013. ALBURQUERQUE, G. A.; PARENTE, J. S; BÉLEM, J. M; GARCIA, C. D. L. Violência psicológica em lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no interior do Ceará, Brasil. Saúde em Debate, v. 40, n. 109, p. 100-111, 2016. BLAIS, M.; GERVAIS, J.; HÉRBERT, M. Internalized homophobia as a partial mediator between homophobic bullying and self-esteem among youths of sexual minorities in Quebec (Canada).Ciência & saúde coletiva , v. 19, n. 3, p. 727-735, 2014 CARRIERI, A. P.; SOUZA, E. M.; AGUAIR, A. R. Trabalho, Violência e Sexualidade: Estudo de Lésbicas, Travestis e Transexuais. RAC, v. 18, n. 1, p. 78-95, 2014. CARRIERI, A. P.; AGUAIR, A. R.; DINIZ, A. P. R. Reflexões sobre o indivíduo desejante e o sofrimento no trabalho: o assédio moral, a violência simbólica e o movimento homossexual. Cadernos EBAPE.BR, v. 11, n. 1, p. 165-180, 2013. CASSAL, L. C. B. Homofobia e Cidade: Um Ensaio Sobre Lâmpadas, Segurança e Medo. Revista Polis e Psiqué, v. 3, n. 3, p. 24-38, 2013. COSTA, M. M. M.; SCHIWINN, S. A. O Reconhecimento da condição de refugiado em razão da orientação sexual ou identidade de gênero. Barbarói, v. 47, p. 44-58, 2016. FAZZANO, L. H.; GALLO, A. E. Uma análise da homofobia sob a perspectiva da análise do comportamento. Temas em Psicologia, v. 23, n. 3, p. 535-545, 2015. FERNANDES, F. B. M. Assassinatos de travestis e “pais de santo” no Brasil: homofobia, transfobia e intolerância religiosa. Saúde debate, v. 37 n. 98, p. 485-492, 2013. FILHO, R. E. Corpos brutalizados: conflitos e materializações nas mortes de LGBT. Cadernos pagu, n. 46, p. 311-340, 2016. LIRA, N. A.; MORAIS, N. A.; BORIS, G. D. J. B. (In)Visibilidade da Vivência Homoparental Feminina: entre Preconceitos e Superações. Psicologia: Ciência e profissão, v. 36, n. 1, p. 20-33, 2016. MELLO, L.; AVELAR, R. B. R; BRITO, W. Políticas públicas de segurança para a população LGBT no Brasil. Estudos Feministas, v. 22, n. 1, p. 297-320, 2014. MENEZES, M. S; SILVA, J. P. Serviço Social e homofobia: a construção de um debate desafiador. Revista Katálysis, v. 20, n.1, p.122-129, 2017.
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CAPÍTULO 8 BRASIL. Ministério da saúde. Casos de agressão contra homossexuais. 2015. Disponível em <http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/lgbt-noticias/19415-sus-e-saude-suplementar-vao-registrar-casos-de-agressao-por-homofobia>. Acesso em 25 out. 2017 BRASIL. Direitos humanos. Relatório sobre violência homofóbica no Brasil: ano de 2012. Brasília, DF. 2013. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violenciahomofobica-2011 1>. Acesso em: 21 out. 2017 MISKOLCI, R.; BALIERO, F. F. O drama público de Raul Pompeia: sexualidade e política no Brasil finissecular. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 26, n. 75, p. 73-88, 2011. NATARELLI, T. R. P.; BRAGA, I. F; OLIVEIRA, W. A; SILVA, M. A. I. O impacto da homofobia na saúde do adolescente. Escola Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 19, n. 4, p. 664-670, 2015. OLIVA, T. D. Direito de Refúgio das Minorias Sexuais. In: JUBILUT, Liliana Lyra et al. Direito à Diferença. Vol. 2 São Paulo: Saraiva, 2013. p. 490-493. PERUCCHI, J.; BRANDÃO, B. C.; VIEIRA, H. I. S. Aspectos psicossociais da homofobia intrafamiliar e saúde de jovens lésbicas e gays. Estudos de Psicologia, v. 19, n.1, p. 67-76, 2014. SILVA, G. W. S; SOUZA, E. F. L; SENA, R. C. F; MOURA, I. B. L; SOBREIRA, M. V. S; MIRANDA, F. A. N. Situações de violência contra travestis e transexuais em um município do nordeste brasileiro. Revista Gaúcha de Enfermagem, v. 37, n. 2, e56407, 2016 SOUXA, M. H. T; MALVASI, P.; SIGNORELLI, M. C. Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, v. 31, n. 4, p. 767-776, 2015. SOUZA, E. J.; SILVA, J. P.; SANTOS. C. Homofobia na escola: as representações de educadores/as. Temas de psicologia, v. 23, n. 3, p. 635-647, 2015. TEIXEIRA, F. F. S; RONDINI, C. A. Ideações e tentativas de suicídio em adolescentes com práticas sexuais hetero e homoeróticas. Saúde em Debate, v. 21, n. 3, p. 651-667, 2012.
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CAPÍTULO 9 VIOLÊNCIA CONTRA A PESSOA IDOSA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA RESUMO A violência contra o idoso é um ato que envolve desde agressões físicas, como também, psicológica, sexual, financeira, negligência, autonegligência ou ausência. Ainda existe uma subnotificação no que diz respeito ao tipo de violência que o idoso é submetido, devido, principalmente, a falta de critérios para avaliar esses maus-tratos. Além disso, existe uma inversão demográfica na faixa etária nacional, em que houve um aumento da população idosa ativa e, a partir dessa informação, reflexões são levadas em consideração para melhor compreensão sobre condicionantes desse processo. Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou analisar a produção científica nacional e internacional acerca da violência contra a pessoa idosa nos últimos cinco anos. A metodologia utilizada foi baseada em um estudo descritivo, explorativo, do tipo revisão integrativa, baseado em dados bibliográficos nacionais e internacionais, no período dos últimos cinco anos. De acordo com os artigos revisados e demonstrados ao longo do estudo, foi percebido que ainda há uma falta de informações no que diz respeito a uma temática tão relevante. Apesar da problemática dos maus-tratos aos idosos ser antiga, observa-se que a questão da violência contra os idosos ainda é pouco considerada pela sociedade em geral. A questão da violência envolve não apenas o idoso, mas também os familiares e os profissionais de saúde, responsáveis por ele. Dessa forma, a identificação de situações de maus tratos e violência é fundamental para a manutenção da saúde da vítima e para prevenção de agravos. DESCRITORES: Violência. Idoso. Agressão. Bruno Henrique Arruda de Paula
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Carolina Leitão Sales de Oliveira Freitas
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Jennifer Kathelen Lima Alexandre
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Maryna Ramalho de Carvalho
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Natália Ângela Navarro Lima da Costa
Estudante de Medicina da Faculdade de Medicina Nova Esperança. Membro do GPESC.
Kerle Dayana Tavares de Lucena
Professora Doutora pela UFPB. Líder do GPESC - FAMENE - UNCISAL
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CAPÍTULO 9 INTRODUÇÃO Em 2014, a OMS definiu a violência contra a pessoa idosa como um ato ou repetições deste, que ocorre em qualquer relacionamento em que existe uma expectativa de confiança e que cause danos ou sofrimento a uma pessoa idosa (OMS, 2014). Esta prática pode ocorrer de diversas formas, tais como: física, psicológica, sexual, financeira, por negligência, autonegligência ou ausência (RODRIGUES et al., 2017). Esses atos podem ser classificados em: violência institucional ou estrutural, doméstica (intrafamiliar/interpessoal) e simbólica. Com isso, é difícil identificar a violência exercida contra o idoso, uma vez que não se trata apenas de agressão física - perceptível especialmente pelas marcas corpóreas resultantes; mas, também, danos sociais, psicológicos e morais (OLIVEIRA et al., 2013). Estima-se que um a cada dez idosos é vítima de violência, porém esse tipo de violência ainda é subnotificado, relacionando-se as próprias restrições dessa população e ao medo que sentem, visto que a maioria dos agressores são do convívio íntimo da vítima. Além disso, salienta-se a dificuldade dos profissionais de saúde em notificar as agressões, como também a falta de critérios para se avaliar esses maus-tratos (RODRIGUES et al., 2017). Um estudo recente, realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), traduziu com respaldo e de forma criteriosa a escala de seleção de vulnerabilidade e abuso (Vulnerability to Abuse Screening Scale). Esta escala tem com potencial para tornar-se válida no Brasil, objetivando identificar idosos com alta vulnerabilidade à violência, facilitando aos profissionais de saúde vigiar a ocorrência de violência por um parceiro íntimo ou membro da família (DANTAS, 2017). No que tange a parte legal, a Lei nº 8.842/94 (Política Nacional do Idoso), o Decreto nº 1.948/96 e a Lei nº 10.741/03 (Estatuto do Idoso) trazem algumas legislações em defesa da pessoa idosa. O Estatuto do Idoso preconiza ações concretas mais organizadas para o enfrentamento da violência contra essa população, determinando que nenhuma pessoa idosa poderá ser objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão (PARAIBA et al., 2015). Ao analisar a história nacional, percebe-se, a partir da metade para o final do século XX, o surgimento de uma revolução demográfica, o que constitui uma das mais importantes modificações estruturais verificadas nessa sociedade. Ao mesmo tempo em que houve uma redução das taxas de crescimento populacional e alterações na estrutura etária, com um crescimento mais lento do número de crianças e adolescentes, há um aumento da população idosa ativa, transformando a pirâmide etária nacional (SIMÕES, 2016). Tal modificação na estrutura da sociedade tem motivado discussões e reflexões na busca de melhor compreensão sobre os condicionantes desse processo, principalmente, a grupos populacionais específicos, particularmente o de idosos, cuja tendência é de crescimento contínuo (SIMÕES, 2016). Com isso, os idosos tornam-se um contingente populacional expressivo e de maior necessidade de atenção, uma população vulnerável que passa a se socializar mais e, consequentemente, a apresentar mais problemas relacionados à violência. Baseado nessa mudança demográfica e a expressão social do idoso na população brasileira, é de grande interesse analisar a violência a essa população, o que vem sendo
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CAPÍTULO 9 mais expressivo na literatura nos últimos anos, para poder entender sua real vulnerabilidade. Nessa perspectiva, o presente estudo objetivou analisar a produção científica nacional e internacional acerca da violência contra a pessoa idosa nos últimos cinco anos. METODOLOGIA Trata-se de um estudo descritivo, explorativo, tipo revisão integrativa, baseado em dados bibliográficos nacionais e internacionais, no período dos últimos cinco anos. Segundo Lucena et al. (2015), para sistematizar a pesquisa, essa revisão é norteada em seis etapas, descritas a seguir: 1) Identificação do tema e questão de pesquisa para a revisão; 2) Estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; 3) Busca dos dados a serem extraídas dos estudos selecionados; 4) Análise dos dados incluídos na pesquisa; 5) Interpretação dos resultados dos estudos; 6) Apresentação da síntese do conhecimento. A questão definida para guiar a pesquisa foi “Qual é o conhecimento científico produzido a respeito da violência contra a pessoa idosa?”. A coleta do material para a pesquisa ocorreu no período de setembro a outubro de 2017. Foram realizadas buscas, por meio de combinação dos descritores no idioma português, inglês e espanhol na biblioteca eletrônica Scielo (Scientific Electronic Library Online) e nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde), PubMed e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A busca dos artigos se deu pelas combinações dos descritores: violência; idoso; agressão. Optou-se pela combinação mínima de três descritores por se tratar de um tema específico, com exceção do Pubmed em que, para se ter um melhor aproveitamento, optou-se pela aplicação de apenas dois, violência e idoso. Foram estabelecidos como critérios de inclusão artigos nacionais e internacionais indexados nas bases de dados já mencionadas, publicados em português, inglês e espanhol, que abordassem o tema proposto, disponíveis na íntegra na internet de maneira gratuita. Para exclusão dos artigos os critérios avaliados foram: artigos com data de publicação anterior a 2013, teses, monografias, estudos duplicados e que não apresentassem texto completo disponível gratuitamente nas bibliotecas ou base de dados eletrônicos pesquisados. Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, selecionou-se nove artigos para fins de análise, que foi realizada de maneira minuciosa, extraindo-se o máximo de informações necessárias para contribuir com a pesquisa. Durante a análise do material, buscou-se focar no tema proposto, violência contra a pessoa idosa, através da leitura atenta dos artigos envolvidos na pesquisa e objetivando trazer novas discussões no contexto tão amplo sobre esta questão norteadora. RESULTADOS Após estabelecer as bibliotecas e base de dados eletrônicos que seriam utilizadas, foram obtidos 1.335 artigos, cuja seleção está representada na Tabela 1.
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CAPÍTULO 9 As primeiras consultas foram realizadas na BVS, na qual os descritores violência AND idoso AND agressão, originaram 1.238 resultados. Após os filtros (texto completo disponível; base de dados internacionais e nacionais; assunto principal: violência, maus-tratos ao idoso, agressão; limite: idoso; idioma: inglês, português, espanhol; ano de publicação: 2013, 2014, 2015, 2016, 2017), resultaram 83 artigos. Excluíram-se artigos que não estavam disponíveis online e selecionados, primeiramente, a partir da leitura do título, posteriormente do resumo, e em último caso, a leitura na íntegra. Desses, quatro foram selecionados como relevantes ao tema. O LILACS, com os mesmos descritores, apresentou inicialmente 68 artigos. Depois da utilização dos filtros, 21 e, a partir das análises e excluindo repetições, restaram três. No SciELO foram inicialmente 9, dos quais 4 se inseriam nos filtros, porém todos estavam repetidos. Na base de dados Pubmed, foram aplicados apenas dois descritores, violência AND idoso. Assim, obteve-se 3 resultados, dos quais dois foram relevantes. Tabela 1: Disposição das fontes de pesquisa e número de artigos conforme descritores e seleção.
Fonte do artigo
Número de artigos inicial
Número com filtro
Número de artigos selecionados
Descritores
BVS
1255
82
4
“Violência AND idoso AND agressão”
LILACS
68
21
3
“Violência AND idoso AND agressão”
Pubmed
3
3
2
“Violência AND idoso”
SciELO
9
4
0
“Violência AND idoso AND agressão”
TOTAL
9
Após selecionados os 9 estudos, todos foram avaliados de acordo com as seguintes variáveis: ano de publicação, título do estudo, autores, base de dados e o periódico de publicação. Os resultados estão expostos no Quadro 1. Quadro 1: Distribuição dos estudos selecionados entre os anos de 2012 a 2017.
Ano
Autores
Título do Estudo
Biblioteca / base dados
Periódico de publicação
2013
OLIVEIRA et al.
“Maus-tratos a idosos: revisão integrativa da literatura”
BVS
Revista Brasileira de Enfermagem
BVS
BMC Psychiatry
LILACS
Revista de pesquisa: cuidado é fundamental
2014
2014
“Attitudes of clinical staff toward MCCANN; BAIRD; the causes and management of MUIR-COCHRANE aggression in acute old age psychiatry inpatient units” GONÇALVES et al.
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“Percepção e conduta de profissionais da área da saúde sobre violência doméstica contra o idoso”
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CAPÍTULO 9 Ano
Autores
Título do Estudo
Biblioteca / base dados
Periódico de publicação
2015
RODRIGUES; ARMOND; GORIOS
“Agressões físicas e sexuais contra idosos notificadas na cidade de São Paulo”
LILACS
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia
2015
PARAÍBA; SILVA
“Perfil da violência contra a pessoa idosa na cidade do Recife-PE”
BVS
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia
2016
SILVA; DIAS
“Violência Contra Idosos na Família: Motivações, Sentimentos e Necessidades do Agressor”
BVS
Psicologia: Ciência e Profissão
2016
GARBIN et al.
“Idosos, vítimas de maus-tratos: cinco anos de análise documental”
LILACS
Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia
2017
RODRIGUES et al.
“Violência contra idosos em três municípios brasileiros”
Pubmed
Revista Brasileira de Enfermagem
2017
DANTAS; OLIVEIRA; SILVEIRA
“Propriedades psicométricas da Vulnerability to Abuse Screening Scale para rastreio de abuso contra idosos”
Pubmed
Revista de Saúde Publica
Destaca-se a predominância de estudos publicados no Brasil e, além disso, observa-se uma divisão equitativa de artigos, distribuídos em dois por ano (22%), exceto ano de 2013 que só foi selecionado 1 artigo (11%). No que se refere aos periódicos científicos, houve um artigo na Revista de pesquisa: cuidado é fundamental, outro na Psicologia: Ciência e Profissão e mais um na BMC Psychiatry, mas destacaram-se a Revista Brasileira de Enfermagem (22%) e a Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia (33%). As bases de dados foram principalmente a BVS (44%), LILACS (33%) e Pubmed (22%), mas esse resultado se refere a exclusão de repetições.
DISCUSSÃO Na análise dos artigos descritos, apesar da quantidade significativa revisada, a discussão foi dificultada devido ao grande número de artigos que abordam basicamente os mesmos pontos da temática violência contra a pessoa idosa. O assunto discutido é de bastante relevância no cenário atual nosso país, visto que, a expectativa de vida aumentou de forma significativa nos últimos anos, com isso, fica o questionamento: Por que ainda existe uma lacuna de informações no tocante a um tema tão relevante? Apesar da problemática dos maus-tratos aos idosos ser antiga, observa-se que a questão da violência contra os idosos ainda é pouco considerada pela sociedade em geral (FLORÊNCIO; FERREIRA; SÁ, 2007). É interessante, então, que todo o conhecimento produzido sensibilize a população diante dos diversos modelos de violência na própria comunidade e que ela possa intervir nessas ocorrências, denunciando imediatamente aos órgãos jurídicos competentes para as providências cabíveis. A questão da violência envolve não apenas o idoso, mas também os familiares e os profissionais de saúde responsáveis por ele (MARTINS et al., 2012). No que diz respeito ao âmbito social, os profissionais de saúde devem ter uma participação expressiva,
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CAPÍTULO 9 de forma articulada e multidisciplinar, com o intuito de proteger a pessoa idosa e punir os agressores. O idoso, vítima da violência, deve ser analisado, bem como, as consequências que originam essa situação. A identificação de situações de maus tratos e violência é fundamental para a manutenção da saúde da vítima e para prevenção de agravos (SILVA; FREITAS; JORGE, 2009). A formação universitária e a capacitação dos profissionais de saúde podem ser ferramentas úteis para a identificação dos casos de violência doméstica. Com isso, é importante ressaltar que tanto os profissionais que atuam na rede básica de saúde, quanto àqueles que prestam ações nos serviços de emergência precisam de capacitação específica para que possam identificar e avaliar casos de violência. Durante a assistência, devem observar os sinais e as marcas deixadas por lesões e traumas em idosos que comparecem aos serviços e não conseguem mais sair com vida (MINAYO, 2003). Cabe salientar que a defesa dos direitos do idoso não deve ser apenas responsabilidade dos serviços de saúde, mas deve incluir os serviços de proteção social, lideranças comunitárias, ministério público, conselhos de saúde (AMORIM; SILVA; SHUTZ, 2011), como também, do próprio idoso, familiares e comunidade. Em relação aos fatores que podem incitar a violência do agressor com a pessoa idosa, destaca-se o uso de álcool ou drogas pelos membros da família. A dificuldade de maior entendimento do perfil dos agressores se dá devido a subnotificação. O preparo inadequado dos profissionais de saúde que investigam os casos, a infraestrutura deficiente de atendimento e a fragilidade das redes de apoio são considerados fatores para a subnotificação. Os idosos podem não relatar o abuso devido a fatores como: medo de retaliação, medo de ser institucionalizado em lares para idosos, medo que seu cuidador seja prejudicado legalmente, culpa, constrangimento, baixa autoestima e sensação de que o abuso foi merecido (BOND; BUTLER, 2013; HERNANDEZ-TEJADA et al., 2013). A vivência com os agressores, por sua vez, pode não só afetar a saúde do idoso, como constituir um dos grandes empecilhos para que a vítima denuncie. Entre as ocorrências, a mais prevalente foi a violência psicológica, que inclui agressão verbal, ameaças, isolamento social, entre outros atos capazes de infligir sofrimento psíquico ao idoso. A questão da dependência do idoso em busca de ajuda e assistência na realização de atividades cotidianas pode provocar esse tipo de abuso, quando associado ao estresse e à falta de preparo do cuidador (NOGUEIRA et al., 2011; MELO et al., 2006). Outros tipos de maus-tratos são apontados como: a negligência, apropriação indevida de bens materiais e agressões de ordem física. Os principais agressores contra os idosos, por sua vez, são os membros da família, pois é estabelecido um grau elevado de dependência. Depender de outra pessoa quer dizer estar sobre o poder dela, o que torna maior a realização de repressão. Cabe salientar que o risco de abuso ou violência física é maior para os idosos que vivem com familiares devido à maior oportunidade de contato interpessoal, gerando conflitos e tensões (LAKS et al., 2006). Além disso, as características socioculturais da população idosa brasileira apontam o risco de situações de sobrecarga dos familiares de idosos dependentes como um importante determinante para situações de abusos, negligência e maus-tratos, caracterizados como elementos constitutivos da violência intrafamiliar. Essa dependência da pessoa idosa a um membro familiar pode ocorrer devido a doenças crônicas não trans-
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CAPÍTULO 9 missíveis, limitações motoras, deficiências cognitivas ou perda do cônjuge. A mudança para uma nova residência acaba alterando a dinâmica da estrutura familiar que, em muitos casos, não consegue se adaptar às demandas de cuidado que uma pessoa idosa apresenta (OLIVEIRA et al., 2013). Dessa forma, faz-se necessário a implementação da notificação para subsidiar políticas públicas de prevenção à violência voltada para a terceira idade. O setor saúde tem se tornado protagonista, assumindo o compromisso de revelar e monitorar os casos notificados, contribuindo com a tomada de decisões pelos setores responsáveis (PARAÍBA; SILVA, 2015). Do mesmo modo, o amparo jurídico a esses idosos deve ser levado em consideração. A criação do Estatuto do Idoso foi uma das mais importantes conquistas nesse âmbito, tendo a finalidade de assegurar os direitos às pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos, dever não apenas do Estado, mas, também, da sociedade e da família (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2003). Apesar da elaboração de leis que garantem a defesa da dignidade e do bem-estar na velhice, muitos esforços ainda precisarão ser desenvolvidos contra a violência à pessoa idosa, tendo em vista que, na maioria dos casos, o agressor é um familiar que se configura como a única pessoa que pode desempenhar o papel de cuidador, sendo angustiante e preocupante para o idoso denunciá-lo, bem como para os demais membros familiares, que não querem/podem se responsabilizar pelo idoso (SANCHES et al., 2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS Expõe-se uma realidade pouco valorizada e bastante preocupante quanto à saúde na velhice e as intervenções que precisam ser tomadas diante o quadro de vulnerabilidade da terceira idade no Brasil. A inversão na pirâmide etária nacional que vem sendo percebida há um tempo é mais um fator que corrobora com as intenções de medidas para com os idosos, visto que futuramente o Brasil tende a ser um país com predominância dessa faixa etária. A análise dos sinais de agressão mental e psíquica são mais difíceis de serem feitas, mas de suma importância para as medidas de prevenção e tratamento. A ideia de acusação dos agressores, mesmo quando são familiares, deve ser difundida, com o objetivo de conscientizar a terceira idade dos seus direitos e proteções legais. O tema deve ser abordado e estudado primordialmente pelos profissionais de saúde, que são os mais indicados a terem um olhar de percepção e, assim, serem aptos a intervir. Para tal, é idealizada a qualificação desses na escuta e nos indicativos de abuso, seja físico ou não. Além de trabalhar uma maneira mais suave de indagar sobre o tema, de modo a obter informações dos pacientes sem levantar constrangimentos.
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CAPÍTULO 9 REFERÊNCIAS AMORIM, L. O. G.; SILVA, R. C. L.; SCHUTZ, V. The use of sugar in venous ulcers infected by pseudomonas aeruginosa an experience report. Revista de pesquisa: Cuidado é fundamental, v. 2, n. 4, 1450-1455, 2010. BOND, M. C.; BUTLER, K. H. Elder abuse and neglect definitions, epidemiology, and approaches to emergency department screening. Clinics in Geriatric Medicine, v. 29, n.1, p. 257-273, 2013. DANTAS, R. B.; O. G. L.; SILVEIRA, A. M. Psychometric Properties of the Vulnerability to Abuse Screening Scale for Screening Abuse of Older Adults. Revista de Saúde Pública, v 51, n. 31, p.1-11, 2017. DECRETO nº 1.948/96. Regulamenta a Lei n° 8.842, de 4 de janeiro de 1994, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso, e dá outras providências. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1948.htm> Acesso em: out 2017 FLORÊNCIO, M. V. L.; FERREIRA FILHA, M. O., SÁ, L. D. A violência contra o idoso: dimensão ética e política de uma problemática em ascensão. Revista Eletrônica de Enfermagem, v. 9, n. 3, p. 847-857, 2007. HERNANDEZ-TEJADA, M. A. et al. The National Elder Mistreatment Study: Race and Ethnicity Findings. Journal of elder abuse & neglect, v. 25, n. 4, p. 281-293, 2013. LAKS, J.; WERNER, J.; MIRANDA-SA JUNIOR, L. S. Psiquiatria forense e direitos humanos nos pólos da vida: crianças, adolescentes e idosos. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 28, supl. 2, p. s80-s85, 2006. LUCENA, K. D. T.; LIMA, W. R.; DEININGER, L. S. C. et al. Emancipação das mulheres em condições de oprimidas e subordinadas ao homem: revisão integrativa. Revista de enfermagem - UFPE online, v. 9, n. 9, p.9254-9263, 2015. MARTINS, J. J.; SILVA, R. M.; NASCIMENTO, E. R. P. et al. Idosos com necessidades de cuidado domiciliar. Revista de Enfermagem UERJ, v. 16, n. 3, p. 319-325, 2008. MCCANN T. V; BAIRD J; MUIR-COCHRANE E. Attitudes of clinical staff toward the causes and management of aggression in acute old age psychiatry units. BMC Psychiatry, v. 14, n. 80, p. 2-9, 2014. MELO, V. L.; CUNHA, J. O. C.; FALBO NETO, G. H. Maus-tratos contra idosos no município de Camaragibe, Pernambuco. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 6, supl. 1, p. s43-s48, 2006. MINAYO, M. C. S. Violência contra idosos: relevância para um velho problema. Cadernos de Saúde Pública, v. 19, n. 3, p. 783-791, 2003.
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ORGANIZADORAS KERLE DAYANA TAVARES DE LUCENA Doutora em Modelos de Decisão e Saúde pela UFPB (2015). Mestre em Modelos de Decisão e Saúde pela UFPB(2011).Epidemiologista pela Universidade Federal de Goiás(2012). Especialista em Educação Permanente em Saúde pela UFRGS (2015).Enfermeira pela Universidade Federal da Paraíba(2008). Atuou na gestão municipal de João Pessoa, como apoiadora matricial, diretora técnica e na Direção Geral do Distrito Sanitário IV (2008-2013). Na área da docência foi professora da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba, dos cursos de graduação: Enfermagem e Medicina(2010-2017). Atualmente é docente efetiva da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, Líder do Grupo de Pesquisa Saúde e Comunidade: buscando a integralidade do cuidado; Professora Adjunta da Faculdade de Medicina Nova Esperança (FAMENE) e Apoiadora Institucional Descentralizada do Projeto Mais Médicos no estado de Alagoas. Professora visitante no Programa de Pós-Graduação em Modelos de Decisão e Saúde da UFPB. Áreas de interesse: interdisciplinar, saúde coletiva, saúde da mulher, saúde mental, Bioestatística aplicada à saúde, gestão em saúde e epidemiologia em saúde.
LAYZA DE SOUZA CHAVES DEININGER Possui graduação em enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba (2010), especialista em Enfermagem do trabalho (2011), Politica e Gestão do Cuidado com enfase no Apoio Matricial(2012-UFPB), e Preceptoria no âmbito do SUS (2012- Sírio-Libanês). Mestra em Modelos de Decisão e Saúde pela Universidade Federal da Paraíba (2013-2015). Doutoranda em Modelos de Decisão e Saúde (2016). Professora da Faculdade de Medicina Nova Esperança (FAMENE). Vice-líder do Grupo de Pesquisa Saúde e Comunidade: buscando a integralidade do cuidado. Tem experiência na área de gestão em saúde no âmbito da Atenção Primária e saúde coletiva, atuando principalmente nas seguintes áreas: Áreas de interesse: interdisciplinar, saúde coletiva, saúde da mulher, gestão dos serviços e epidemiologia da saúde.