Violência Urbana em Niterói: Aspectos de Degradação da Cidade na Última Década

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VIOLÊNCIA URBANA EM NITERÓI: ASPECTOS DE DEGRADAÇÃO DA CIDADE NA ÚLTIMA DÉCADA Fernanda Ferreira Barreto (IC) Carlos Andrés Hernández Arriagada (Orientador)

Apoio:PIVIC Mackenzie

RESUMO Este artigo procura compreender a atual situação da cidade de Niterói, imersa em uma onda de crescimento da violência urbana, com um significante número de conflitos com traficantes e assaltos, além de índices de violência e letalidade cada vez mais altos. O estudo tem como objetivo principal analisar as condicionantes que contribuem decisivamente para os problemas que a segurança pública enfrenta, sejam internos ou externos à cidade, além das medidas governamentais que estão sendo tomadas para combate-la. A cidade, que até a última década teve um dos melhores índices de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil, hoje se encontra em meio a um conflito que tem gerado insegurança à população, alterando rotinas e funcionamento de serviços indispensáveis como hospitais, comércio e escolas.

Palavras-chave: Violência urbana, Planejamento urbano, Niterói

ABSTRACT This article seeks to understand the current situation of Niterói city, immersed in a growing wave of urban violence, with numbers of traffic conflicts and robberies triggered, as well as increasing rates of violence ad lethality. The main objective of the study is to analyze the conditions that contribute decisively to the problems that public security faces, both internal and external, as well as the government measures being taken to combat it. One city, which in the last decade was among the highest human development index (HDI) of Brazil, today is in the middle of a conflict that feared insecurity to the population, changing routines and operation of indispensable services such as hospitals, street market and schools.

Keywords: Urban violence, Urban planning, Niteroi


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1. INTRODUÇÃO Para que ocorra uma intervenção em um território, é necessário que haja inicialmente uma abordagem científica e compreensão não apenas do território, mas também da sociedade inserida no local de estudo. O projeto de pesquisa trata-se de uma análise da cidade fluminense de Niterói, que sofre com o incessante aumento da violência urbana, cada dia mais visível no cotidiano local, e em grande parte um efeito colateral da violência e do tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro, que tem Niterói e São Gonçalo como refúgios para as intervenções militares das UPPs nas favelas da cidade, ocasionando um deslocamento da mancha criminal do tráfico carioca. O estudo tem o objetivo de inicialmente realizar uma análise local, que juntamente com uma leitura bibliográfica, visita a campo e depoimentos, fornecerão ferramentas necessárias para melhor compreensão do âmbito atual e de quais fatores impulsionaram a violência urbana no território, em seus aspectos mais relevantes, permitindo assim que possam ser tiradas conclusões sobre o tema em questão, para que assim sirvam de material de estudo para futuras discussões ou intervenções no território. A escolha do tema deve-se à contribuição desta análise ao território investigado, quanto ambiência urbana e às novas possibilidades de políticas públicas. O tema está atrelada ao controverso fato da cidade ter sido eleita pelo por diversos estudos como Sistema Firjan, Faculdade Getúlio Vargas (FGV) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como uma das melhores cidades do país para se viver, sendo a número um do Estado do Rio de Janeiro, pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), metodologia de 2010 adotada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e pela Organização das Nações Unidas. Paralelamente, o território veio a se deteriorar, se tornou uma zona de batalha entre traficantes e militares, com o número de assaltos e homicídios se elevando todos os anos, sendo registrados diariamente em documentos oficiais e diários como BBC, Jornal do Brasil, O Globo, O Fluminense e Nexo Jornal. O problema em questão é a compreensão de como a violência urbana em Niterói aumentou na última década, alterando drasticamente o cenário urbano da cidade fluminense. A partir desta questão, serão apontadas as causas para maior entendimento dos efeitos sobre o território e a população, tais como o incessante aumento da violência no território de estudo, que está cada dia mais presente no cotidiano da população, gerando terror e insegurança, independente da hora ou local de permanência ou passagem.


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2. REFERENCIAL TEÓRICO O livro Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana, de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, relata detalhadamente a metrópole do Rio de Janeiro, conduzindo o leitor por todos os âmbitos relevantes para a compreensão territorial, econômica e social, desde o século XIX até os dias atuais, permitindo assim a melhor compreensão do território do município de Niterói como um todo, não somente a partir de relatos e gráficos sobre a cidade, mas também de relações entre os municípios que ocorrem ao longo das décadas. Tais relações são essenciais para o entendimento e análise sobre a influência que os outros municípios exercem sobre Niterói, até que chegue no contexto atual. Há um grande enfoque no relacionamento Rio-Niterói, evidenciando todas as perdas que Niterói sofre a cada situação que a cidade do Rio de Janeiro se encontra inserida, como o fim do Estado da Guanabara, ou eventos mundiais como a Jornada Mundial dos Jovens (JMJ) de 2013. Depois de um feriado tenso, em Niterói, a população da cidade, mais do que nunca, reclama da violência. Para sociólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eleonaldo Julião, a cidade de Niterói sofre, assim como outros municípios fluminenses, de abandono do poder público em prol do Rio de Janeiro, hoje centro das atenções por vir a sediar os mega-eventos esportivos: Copa do Mundo e Olimpíadas. (...) Para Eleonaldo, esse aumento de criminalidade na cidade de Niterói tem sim relação com as UPPs, e não é isolado. Ele acontece em diversas cidades do estado do Rio de Janeiro, por razões interligadas: "As UPPs têm relação com essa violência nas cidades vizinhas porque faz com que os criminosos tenham que migrar para evitar conflito. “ (JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro: Grupo Jornal do Brasil, [1891] – Diário. Disponível em < goo.gl/zu6gqr > 27 abr 2014 às 06h31 - Atualizada em 21 mai 2014 às 16h23

O estudo acadêmico tem como um dos principais pilares para referencial teórico as publicações em periódicos, jornais e revistas com notícias, tendo os jornais BBC, O Fluminense, O Globo e Nexo Jornal como principais fontes de informações. A visita ao campo de estudo foi essencial para a conquista de depoimentos e melhor compreensão da situação atual de aumento de violência.


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3. METODOLOGIA A pesquisa tem como suporte princípios técnicos e científicos, afim de desenvolver conhecimento com relação ao território em questão e a temática voltada para políticas públicas e violência urbana. O processo foi conduzido a partir de quatro grande estágios: O primeiro envolve o levantamento de dados bibliográficos a partir de livros como Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana, de Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Architecture and Disjunction, de Bernard Tchumi, imagens, estatísticas, cartografias e qualquer tipo de documentação que tenha relevância para a pesquisa acadêmica, como informativos de violência urbana, favelas, focos de tráfico e disputa territorial, áreas degradadas e focos endêmicos. O segundo estágio se dá a partir de um estudo de campo, com o objetivo de compreender melhor o território, desenvolver o conhecimento territorial e da problemática abordada; visitando áreas problemáticas que são essenciais para a pesquisa como os bairros de Icaraí e Caramujo, áreas de grande contraste econômico e social entre si mas ambas drasticamente afetadas pela violência urbana. O terceiro estágio se caracteriza por debates e reflexões sobre o tema em questão. Os debates devem girar em torno do conteúdo abordado nas etapas anteriores, para uma reflexão sobre a situação de violência urbana atual de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. A última etapa se deve à redação e formatação dos resultados obtidos ao longo de todo o processo da iniciação científica, compreensão dos fatores, resultantes e busca por estudos de caso para possíveis soluções arquitetônicas à violência urbana.

3.1.

BREVE HISTÓRICO

Localizada à leste da Baía da Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro, a cidade de Niterói possui um histórico complexo desde o século XVI. Em 1819 tornou-se Vila Real da Praia Grande, ganhando importância e reconhecimento após a cidade do Rio de Janeiro se tornar capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve e, subsequentemente, em 1834 se transformando em Capital da Pronvíncia do Rio de Janeiro, enquanto a cidade do Rio de Janeiro se tornava capital do Império, um Município Neutro. No ano seguinte, passou a se chamar Nictheroy, nome tupi que tem como significado “Águas Escondidas”. (Prefeitura de Niterói, 2010) O maior marco para o crescimento econômico veio em 1974, com a inauguração da Ponte Presidente Costa e Silva, conhecida como Ponte Rio Niterói, foi o sinal para o


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redirecionamento de investimentos públicos, da especulação imobiliária, da infra-estrutura e ocupação de bairros da Região Oceânica. Após perder o posto de capital durante a Revolta Armada, Niterói voltou a ser capital fluminense até o ano de 1975, quando houve a fusão do Estado da Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro. Durante esse período passou por um impulso de modernização, com construção de praças, deques, parques e edificações, tais como a Prefeitura no Largo do Pelourinho (Palácio Araribóia), a Câmara do Largo do Rocio (atual Jardim São João), o Campo de São Bento e a Praça Coronel Gomes Carneiro (atual Praça do Rink), além de melhorias urbanas na infraestrutura urbana como a iluminação a gás, a inauguração da 1° linha de bondes elétricos (Figura 01) ligando o Centro à Icaraí, alargamento das ruas e avenidas principais e a inauguração da Central de esgotos, durante os primeiros anos do século XX. (IBGE, 2017) Em 1992, foi elaborado o Plano Diretor de Niterói, baseado na constituição de 1988, direcionando a criação de várias leis no município, como a de Uso e Ocupação do Solo (1995) e o Plano Urbanístico (Praias da Baía - 1995). Esse período resultou na Niterói Cidade Sorriso, com o melhor IDH do Rio de Janeiro e assumindo a posição de 7º do Brasil, de acordo com a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita em 2010.

Gráfico 01. Atlas IDHM 2013 no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas com dados do IBGE. (G1, 2013).


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3.2.

VIOLÊNCIA URBANA NA AMÉRICA LATINA A América Latina é a região com o maior número de homicídios do planeta, tanto em termos relativos quanto em termos absolutos (Dudley, 2013). De acordo com BBC, das 50 listadas no ranking de 2019, apenas oito não são latino-americanas, sendo o Brasil o país mais citado na lista. A região que compõe apenas 8% da população do planeta, concentra 37% dos homicídios registrados. (LISSARDY, Geraldo). Para o Instituto Agarapé, organização sem fins lucrativos que faz análises e estudos nas áreas de segurança, mais de 2,5 milhões de latino-americanos foram violentamente assassinados desde 2000. Apesar da região ter sofrido quedas das taxas de pobreza e grandes investimentos em segurança pública, com um gasto quase duas vezes maior que a média de países desenvolvidos, o crescimento do crime organizado por conta do narcotráfico e o fácil acesso à armas de fogo são fatores determinantes para o aumento da violência generalizada. Segundo a ONU, 3 a cada 4 homicídios ocorridos em 2017 foram causados por armas de fogo na América Latina, taxa bem mais alta que o resto do mundo.

Gráfico 02. Ranking de homicídios no mundo. (ONU, 2012)


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"Na América Latina, o crime organizado e as gangues são mais violentos", diz Me, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Ela acrescenta que esses grupos violentos podem influenciar de 25% a 70% de todos os homicídios na região. Além do crime, a América Latina conta com uma das maiores taxas de desigualdades de renda do mundo. A região sofreu uma drástica transição urbana e crescimento acelerado nos útimos 50 anos, o que resultou na ausência do Estado em serviços básicos como educação e saúde para a população mais carente. Na cidade do Rio de Janeiro não foi diferente, a comercialização de drogas nos morros que começou de maneira singela, nos anos de 1930 com a proibição da maconha, só foi tomar força depois três décadas, quando os estudantes passaram a procurar pela erva durante a repressão militar, em busca de liberdade individual. De acordo com a antropóloga Alba Zaluar, que pesquisa o tema há 40 anos, a violência tomou conta do tráfico na década seguinte, nos anos de 1970. Com a cocaína mais barata, os traficantes passaram a se armar para defender suas bocas, que se tornaram locais de concorrência. Por ser mais rentável, os assaltantes de rua passaram a se unir ao tráfico. A situação se agravou com a formação de comandos nas prisões, que passaram a exigir lealdade e o pagamento de quem quer ser protegido na cadeia.

Gráfico 03: Taxa de homicídios a cada 100.000 pessoas na América Latina (2015)


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3.3.

UNIDADES DE POLÍCIA PACIFICADORAS (UPPS) Inauguradas em 2008 como projeto da Secretaria Estadual de Segurança Pública do

Rio de Janeiro, As Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) surgiram com o intuito de instituir unidades policiais comunitárias nas favelas, afim de acabar com o crime organizado, tendo sua primeira unidade instalada na Favela Santa Marta (Figura 02), na cidade do Rio de Janeiro. O programa inicialmente teve um resultado impactante, com a diminuição da letalidade, aprovação popular e persepção de melhoria dos moradores. Figura 02. Favela Santa Marta, Rio de Janeiro.


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O grande problema das UPPs é que tudo ocorreu de imediato. A taxa de homicídios, que caiu entre 2009 e 2012, no ano de 2013 voltou a subir. O projeto que trouxe esperança de mudança para a cidade, sofreu efeito reverso com a falência do Estado e a resposta dos traficantes às tentativas de pacificação. Segundo dados do Nupevi (Núcleo de Pesquisa das Violências), citados pelo pesquisador Marcos Barreira no livro Até o último homem, as UPPs estão presentes em menos de 3% das mais de mil favelas do Rio, enquanto as milícias dominam 41,5% e o tráfico, 56%. Não é um processo só da cidade, mas de toda a região metropolitana. As UPPs diminuíram os homicídios com base no controle de circulação de armas de grosso calibre, mas isso mudou o mercado de drogas e de armas e, agora, há uma nova dinâmica da violência em movimento - afirma o professor da UFF. - Os grupos que migraram da capital para a Baixada Fluminense, cidades do interior e Região dos Lagos estão voltando e retomando seus territórios, agora fortalecidos, porque o mercado está mais amplo. As pesquisas de campo mostram que as UPPs provocaram essa nova dinâmica. 3.4.

CONSEQUÊNCIAS EM NITERÓI

Violência urbana por definição no dicionário, é o conjunto de ações que infringem à lei e a ordem pública nos centros urbanos e metrópoles. Possivelmente, é a violência mais comum do mundo contemporâneo, e todos que vivem em centros urbanos têm uma percepção melhor sobre ela; pode se manifestar de diversas formas, desde atitudes pequenas que comprometam os bens públicos até ações que atentem com a vida alheia, como furtos, assaltos, tráfico de drogas ou homicídios.


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Dada a contiguidade territorial nas favelas (e nos territórios da pobreza em geral), a sociabilidade violenta, levando nestes locais a ameaça à integridade pessoal ao paroxismo gera medo nos atores que não estão preparados para nela integrar-se ativamente, seu estatuto sendo o da vítima submissa. A consequência é o desenvolvimento de uma desconfiança generalizada, cujo resultado é uma tácita "lei do silêncio" mais perniciosa do que se costuma pensar. Não se trata apenas de manter as aparências e esconder. dos forà' os aspectos -menos abonadores da vida local, mas da incomunicabilidade· e do esgarçamento das tradicionais relações de vizinhança produzidos pelo medo e pela desconfiança. Esta talvez seja a consequência mais perversa da sociabilidade violenta como ordem instituída- afora, é claro, a letalidade que lhe é inerente, As populações mais diretamente afetadas (ou, dito de outra maneira, menos protegidas) a viver uma vida "normal': porém à custa de uma enorme atenção e continuam um diuturno esforço adicional destinado a garantir a continuidade das rotinas, permanentemente ameaçadas pela proximidade da sociabilidade violenta 16 organizadas como subalternas que são à ordem estatal, mas sob a condição de serem impedidas de se apropriarem coletivamente da "outra parte" desta mesma normalidade cindida. (Machado da Silva, 2008) Para a cidade de Niterói, o resultado das tentativas de pacificação da cidade do Rio de Janeiro foi devastador. De acordo com um levantamento feito em 2013 pelo O Globo a partir de dados do Instituto de Segurança Pública, a quantidade de crimes como assaltos de pedestres e roubos de carros e residências aumentou. A pesquisa levou em conta os cinco primeiros meses de cada ano dos períodos pré-Upp (2003 a 2008) e pós-UPP (2009 a 2013); em 2013 foram 528 casos de roubo de veículos, com uma média de 105 por mês. Como uma maneira de evitar locais de crime, a população de Niterói tem buscado aplicativos que informam em tempo real a localidade de tiros, assaltos e arrastões. Segundo a plataforma Onde Tem Tiroteio (OTT), que já conta com mais de 4,7 milhões de downloads em todo o Brasil, Niterói ocupou o segundo lugar no mês de dezembro, em todo o estado do Rio, entre os municípios com mais registros. (...) Uma outra plataforma, o Fogo Cruzado, informou que em 2018 Niterói registrou 554 tiroteios, perdendo apenas para a capital (5.713), São Gonçalo (913) e Belford Roxo (734). Ainda segundo a plataforma, o bairro em que aconteceram mais mortes por arma de fogo foi o Fonseca, na Zona Norte, com 22 registros. (Vinícius Rodrigues, 2019).


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Gráfico 04. Infografia Wemerson Marreiro / Fonte: FogoCruzado (2019)

3.5.

RELATOS DE MORADORES LOCAIS

A abordagem de visitas ao território de análise, relatos e depoimentos de moradores locais, possibilita não apenas a compreensão do entendimento popular com relação às mudanças que levaram ao aumento da violência na cidade, mas também aos efeitos psicológicos causados à população que vivem na situação de medo e insegurança. Kim Rollof, assistente comercial e moradora de Icaraí há anos, passou a mudar sua rotina matinal pela grande quantidade de assaltos locais no período da manhã e passou a sair mais tarde para o trabalho. Enquanto Raphaela Badini, funcionária pública e moradora do Fonseca, tem sentido as mudanças no seu cotidiano ao entardecer; no bairro em que vive, os comércios passaram a fechar mais cedo e os motoristas de aplicativos evitam aceitar corridas para a região. Conforme pesquisas realizadas pela Seguro Auto, Niterói teve 2.154 carros roubados em 2017, enquanto em 2016 foram 1.520 carros. Em 2018, a média foi de 6 veículos rubados por dia, sendo a área de maior visibilidade o Fonseca, com 345 roubos, seguido da região oceânica, com 109 roubos. Com esses dados acrescídos ao aumento de crimes violentos, os motoristas de aplicativos passaram a se limitar a regiões e horários específicos, aumentando a procura e tempo de espera dos clientes, que procuram o automóvel como uma opção mais segura.


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Figuras 03 e 04. Pontos de assaltos frequentes a pedestres e motoristas / Fonte: O Globo

(2019)


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Para Vanessa Salzeda, 32, estudante de psicologia e local de Icaraí, o maior impacto da violência urbana foi psicológico. Ao ser questionada sobre os principais desafios enfrentados com o aumento da violência na cidade, sua resposta foi instintiva. “Para mim, o que mais impactou, pensando também na minha rotina de família com meu marido, foi a sensação de liberdade. Hoje escolhemos o que faremos, por onde vamos passar, se a rua estará deserta, a quantidade de horas e horário do que faremos; até porque hoje não basta apenas estar tarde, se escurece já me sinto insegura. A violência acaba sendo o fator predominante para todas as tomadas de decisões, sejam elas cotidianas ou mais definitivas. A violência não é visível como no imaginário das pessoas que não estão aqui, mas o medo e a insegurança estão sempre presentes.”


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4. RESULTADO E DISCUSSÃO 4.1.

OPERAÇÕES URBANAS COMO SOLUÇÃO 4.1.1. Operações Adotadas em Niterói

Em outubro de 2017, o então prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, afirmou em uma entrevista que iniciaria o programa Segurança Presente na cidade, aos moldes do programa já existente na cidade do Rio de Janeiro, Centro Presente, que se extendeu ao Aterro do Flamengo, Lagoa Rodrigo de Freitas, Leblon, Ipanema, Tijuca, Méier e Lapa; o anuncio foi feito um dia depois da consulta pública realizada na cidade apontar que 70% da população não quer armar a guarda municipal. O programa totalmente custeado pela Prefeitura de Niterói, pelo investimento anual de R$ 25 milhões, conta diariamente com a atuação e interação da população, com mais de 300 agentes da segurança que trabalham de forma integrada, podendo assim liberar os homens do 12º Batalhão da Polícia Militar para atuar em outras regiões da cidade. Teve início em 2017 no bairro de Icaraí, o mais afetado pela violência urbana, e logo se extendeu ao Centro, Santa Rosa e Alameda São Boaventura, no Fonseca, no ano seguinte (Prefeitura de Niterói). Gráfico 05. Despesas do Município de Niterói com segurança pública / Fonte: Pacto Niterói Contra

Violência

De acordo com a Prefeitura de Niterói, os jornais O Fluminense, São Gonçalo e o site da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Niterói, o programa obteve resultados positivos. Em cerca de oito meses, os agentes de Niterói Presente tiraram das ruas mais de 200 pessoas suspeitas de roubo, furto, tráfico e outros crimes, com uma média de 100 prisões com mandados de prisão expedidos pela Justiça.


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Em Icaraí, desde que o Niterói Presente foi iniciado, houve uma redução de 33% no número de roubos a pedestres e em 40% o número de roubos de veículos no bairro. Além disso, melhorou a sensação de segurança na população que vê os agentes diariamente nas ruas. Isso já justifica os expressivos investimentos feitos nesse programa que é totalmente custeado pela prefeitura. (NEVES, 2018). Figura 05. Agentes da operação Niterói Presente.

Em 2018, o programa Niterói Presente também passou a atuar em ações conjuntas com a Guarda Municipal, a Policia Militar e outros órgãos de segurança em um novo programa denominado Pacto Contra Violência. O programa prevê investimento de R$ 304 milhões nos próximos dois anos em 18 projetos nos eixos de prevenção, policiamento e Justiça, convivência e engajamento dos cidadãos e ação territorial integrada, de acordo com a Prefeitura da Cidade ( O Fluminense).

4.1.2. Medelín: Arquitetura como solução A cidade de Medellín, na Colômbia, até a década de 1990, foi considerada a metrópole mais violênta do mundo, sendo dominada por quartéis de drogas, regidos por Pablo Escobar. Na década de 2000, o quadro foi revertido, a partir de uma combinação de iniciativas para a melhoria da segurança pública, como a intensa repressão policial e a oferta de programas sociais para a saída do mundo do crime, além de intervenções urbanas tecnológicas que proporcionaram à cidade em 2013 pelo Wall Street Journal, em parceria com o Citigroup, o título de cidade mais inovadora do mundo, através do concurso City Of The Year. (SANTANNA, Lourival)


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Medellín é a prova de que os resultados de uma política voltada para transformações urbanas, com foco em melhorias do espaço público e na redução da violência só trás benefícios à cidade. Uma das iniciativas mais curiosas foram as Unidades de Vida Articulada (UVA); ao desenvolver o plano mestre de iluminação urbana para Medellín, foram reveladas ilhas de escuridão em meio ao tecido urbano, que correspondiam a 144 reservatórios de água construídos nas periferias da cidade. Os tanques de 14 áreas consideradas em situação mais crítica tornaram-se ferramentas para a conexão, infraestrutura e recursos de espaços públicos para a população local. Cada caso foi tratado de forma única, com a ajuda das pessoas da comunidade, que contribuíram com suas ideias e desejos para o local. As paredes e cercas dos tanques foram removidas e um programa foi desenvolvido para cada espaço público novo, fomento ao esporte, recreação, cultura e participação comunitária.

Gráfico 06. Dados de Medellín após intervenção urbana.


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Os projetos foram seccionados em duas tipologias: a tipologia A, ou “leve” (Figura 06), foi construída ao redor dos tanques de armazenamento de água abandonados, com programas mais simples e estrutura de Parques Bibliotecas, com áreas de qualidade para a população; enquanto a tipologia B, ou “pesada” (Figura 07), com um amplo programa com quadras, piscinas, salas de aula, auditório, entre outras possibilidades. O projeto das UVAs nasce a partir do Plano Maestro de Iluminação de Medellín, que tem como foco uma sociedade ambientalmente sustentável e socialmente equilibrada e integrada, a partir do fornecimento de iluminação pública de acesso gratuito, que impulsiona e valoriza a economia local, a partir do menor consumo de energia e cuidado com o meio ambiente.

Figura 06. UVA La Alegría, Tanque Campo Valdés.


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Figura 07. UVA Los Sueños, Tanque Versalles.

1. CONSIDERAÇÕES FINAIS O desenvolvimento do estudo possibilitou uma análise ampla não apenas da situação atual da cidade de Niterói, mas o processo em âmbito macro que desencadeou o aumento da violência na cidade. Dada à importância do assunto que assola toda a região central do Estado do Rio de Janeiro, e que vem crescendo como resposta às tentativas de diminuição do tráfico carioca, torna-se necessária a discussão de novas alternativas para o combate à violência. Investir em segurança pública tem sido eficaz até certo ponto, mas gastar milhões com UPPs ou programas como Cidade Presente são como tapar os olhos para o real problema e focar apenas em tentar limitar suas consequências. Apesar dos grandes gastos com segurança pública, o Estado do Rio de Janeiro está em falência, e quem sofre as consequência é a população. O ambiente de medo, insegurança e falta de recursos faz com que as condições ambientais possam ser classificadas quase que como insalubres, enquanto o tráfico, o armamento e a violência surgem para muitos periféricos como soluções diante da decadência que o Estado vive. Diante dos agravantes fatos e dados de violência urbana, a arquitetura e o planejamento urbano, como ferramenta de combate à desigualdade e a falta de recursos para a população, podem fazer grandes transformações na sociedade urbana, como ocorre em Medellín, com as UVAs. Segundo José Marcelo Zacchi, assessor e chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, ao desenvolver políticas públicas de segurança em bairros onde há conflitos armados e mortes violentas, “o objetivo não pode ser


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cidade pacificada, tem de ser cidade integrada. E, no longo prazo, se não for integrada, pacificada não será”. Ao compararmos os resultados da intervenção urbanística de Medellín com os programas de Niterói, ambos são positivos porém com uma desproporcionalidade contrassensa. Ao colocar a população na rua como agentes de segurança para vigia e apreensão de delinquentes, o programa niteroiense está embasado no sentimento generalizado de proteção, seguridade e solidariedade. Já a intervenção colombiana teve o grande sucesso pelo trabalho em conjunto de suscetivos prefeitos com o setor privado, para solucionarem a raíz do problema de Medellín, com uma resolução a longo prazo: promover espaços públicos de boa qualidade para a população carente marginalizada em áreas degradadas e abandonadas. Enquanto o Estado do Rio de Janeiro busca soluções imediatas há mais de três décadas, Medellín sofreu uma reviravolta social, econômica e de segurança pública extremamente positiva em menos de 20 anos.

2. REFERÊNCIAS TSCHUMI, Bernard. Architecture and Disjunction. 1. Ed. – Cambridge: MIT Press, 1996 RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz. Rio de Janeiro: transformações na ordem urbana. 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital; Observatório das Metrópoles, 2015 Nicolas. Como Medellín transformou seus reservatórios de água em verdadeiros parques públicos. ArchDaily Brasil, 22 Jul 2016. (Trad. Souza, Eduardo) <https://www.archdaily.com.br/br/791843/como-medellin-transformou-seus-reservatoriosde-agua-em-verdadeiros-parques-publicos> SANTANNA, Lourival. Como Medellín Virou a Cidade-Modelo Que Está Vencendo o Crime.

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