OLD Nº 78

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5 Carta do editor/ Letter from the Editor

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ana paula vitorio

articulações entre gênero y raça no fotolivro sul-africano contemporâneo/ gender and race connections in contemporary south african photography books [texto especial/special text]

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Laryssa Machada Eu vim de lá pequeneninha/ I came from there littlezinha

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Erick Peres

O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã/ Crying May last for a Night, but joy comes in the morning

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Lívia Melzi

Estudo para um monumento Tupinambá/Study for a Tupinambá monument

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Eustáquio Neves Entrevista/Interview 94

Bomju Coelho Corpografias

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Romeu Silveira Unportraits

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Cicero Costa Epílogo/Epilogue

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Resenhas/Reviews

Title Lois Stagg who with her husband rents and runs the cafe. Both she and her husband came to New Mexico with their families from Texas. She won 4-H awards shown.

Pie Town, New Mexico. Creator(s) Lee, Russell, 1903-1986, photographer; Date Created/Published 1940 June; Medium 1 negative: nitrate; 35 mm.

Título Lois Stagg que com o marido aluga e administra o café. Ela e o marido vieram do Texas para o Novo México com suas famílias. Ela ganhou prêmios 4-H.

Pie Town, Novo México. Criador(es) Lee, Russell, 1903-1986, fotógrafo; Data de criação/publicação junho de 1940; Mídia 1 negativo: nitrato; 35 mm.

Carta do editor/ Letter from the Editor

Five years ago I wrote what could have been the last editor letter of OLD. In May 2019 we went on hiatus with no date to return. Now, after a longer break than expected, I can write again to you, the reader, about the joy of being able to publish a magazine like OLD.

This time around, we made every effort possible to bring the best content about Brazilian photography, in an even more plural and collaborative way. We count on the essential support of Proac, with the production of Frida!, with a new visual identity created by Bloco Gráfico and with an editorial board, composed of Daniele Queiroz, Milena Costa and Vitor Casemiro, which guaranteed – through intense research and debate – a plural and relevant selection of what is produced in photography today in Brazil.

In this new edition we seek projects that discuss central points of the contemporary image, such as identity, colonialism, belonging and, essentially, the making of individuals and communities within a political and cultural environment as complex as the one we live in today.

I close this brief letter by inviting you to enjoy every bit of this edition, cherishing every image and every word that I hoped to bring to you for the last five years. It is an immense joy to see the project that I started in 2011, still in college, return to a new life, with new collaborators, new images and the renewed desire to present the best of Brazilian photography to everyone who wants to see it.

Há cinco anos eu escrevia o que poderia haver sido a última carta do editor da OLD. Em Maio de 2019 entramos em um hiato sem data definida para voltar. Agora, depois de um intervalo mais longo do que o esperado, volto a escrever para você, leitor, sobre a alegria que é poder publicar uma revista como a OLD.

Nesta volta, fizemos todo o esforço possível para trazer o melhor conteúdo sobre a fotografia brasileira, de uma maneira ainda mais plural e colaborativa. Contamos com o essencial apoio do Proac, com a produção da Frida!, com uma nova identidade visual feita pelo Bloco Gráfico e com um conselho editorial, composto por Daniele Queiroz, Milena Costa e Vitor Casemiro, que garantiu – através de intensa pesquisa e debate –um recorte plural e relevante do que se produz em fotografia hoje no Brasil.

Nesta nova edição buscamos trabalhos que discutem pontos centrais da imagem contemporânea, como identidade, colonialismo, pertencimento e, essencialmente, a construção de indíviduos e comunidades dentro de um ambiente político e cultural tão complexo como o que vivemos hoje.

Encerro esta breve carta te convidando para aproveitar cada pedacinho desta edição, curtindo cada imagem e cada palavra que esperava trazer pelos últimos cinco anos. É uma imensa alegria ver o projeto que comecei em 2011, ainda na faculdade, voltar para uma nova vida, com novos colaboradores, novas imagens e o desejo renovado de apresentar o melhor da fotografia brasileira para todos que quiserem vê-la.

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articulações entre gênero y raça no fotolivro sul-africano contemporâneo

ana paula vitorio

gender and race connections in contemporary south african photography books

heirs of a movement in photography and the visual arts that emerged on the African continent as of the 1950s, contemporary South African photography books reveal a new generation of photographers who connect history and memory as objects of artistic experimentation. These are projects in which authors, examining particularities and relating them to phenomena that are experienced in wider spheres, expand the frontiers of the photography of resistance, taking political expression and aesthetic experimentation in new directions. In this scenario, the works of women and non-binary people stand out, artists such as Lebohang Kganye, Sophia Klaase, Nontsikelelo Veleko and Zanele Muholi. Their photography books, in addition to serving as testimony of the agency of African women and queer people in photography, are shining examples of the creative and philosophical pathways taken by the production of photography books in post-apartheid South Africa.

Lebohang Kganye and Sophia Klaase are two artists whose books unfold as ways to visit and ponder the history of their families and communities. In both cases, their photographic collections (inherited or work of their own) lead to the shaping of photography books that cover questions such as belonging and ancestrality, and examine the intergenerational effects that racism and colonialism have had in their country. published in two volumes, Ke Lefa Laka/ Her-story (2021) was created by Kganye during the period she was grieving over the loss of her mother. While perusing the belongings she had inherited, the artist came upon some photo albums. This initiated a process of immersion in the images, in a quest for connection to her mother, her ancestors, and history itself. Describing the photography books, whose title in Sesotho means “this is my legacy”, Lebohang Kganye muses over the creative process triggered by her encounter with old family photos. “These photos led me to my mother’s essence, which in fact, is my essence; they are my constructions, my memories and fantasies of the person whom I know in only one way: as my mother”, she explains.

as she immersed herself in her mother’s belongings, searching for the traces of her presence, Lebohang found, in addition to the photographs, clothing

herdeiros do movimento ocorrido na fotografia y artes visuais do continente a partir de 1950, os fotolivros sul-africanos contemporâneos evidenciam uma nova geração de fotógrafos que articulam história y memória como objeto de experimentação artística. Tratam-se de projetos nos quais suas autoras y autores, ao olhar para suas particularidades y relacioná-las com o que é vivenciado em esferas mais amplas, expandem as fronteiras da fotografia de resistência em novas direções de expressão política y experimentação estética. Nesse cenário, destacam-se as criações de mulheres y pessoas não-binárias, como Lebohang Kganye, Sophia Klaase, Nontsikelelo Veleko y Zanele Muholi. Os fotolivros dessas artistas, além de evidenciar a agência de mulheres africanas y pessoas queer na fotografia, são casos exemplares dos caminhos criativos y filosóficos que caracterizam a produção de livros fotográficos na África do Sul pós-apartheid.

Lebohang Kganye y Sophia Klaase são duas artistas cujos livros desenvolvem-se como formas de visitar y refletir sobre a história de suas famílias y comunidades. Nos dois casos, acervos fotográficos (herdados ou próprios) dão origem a fotolivros que abordam questões como pertencimento y ancestralidade, além de examinar os efeitos intergeracionais do racismo y colonialismo no país.

publicado em dois volumes, Ke Lefa Laka/ Her-story (2021) foi criado por Kganye durante o processo de luto pela perda da mãe. Quando, visitando os pertences herdados, a artista se deparou com álbuns de fotografias, iniciou um processo de imersão nas imagens em busca por conexão com a mãe, com seus ancestrais y com a própria história. Ao descrever os fotolivros cujo título significa “esse é o meu legado” em Sesotho, Lebohang Kganye reflete sobre o processo criativo disparado pelo encontro com as fotografias antigas da família. “Eu identifiquei nessas fotografias a essência da minha mãe que, na verdade, é a minha essência, são minhas construções, minhas memórias y fantasias dessa pessoa que eu conheci em uma só forma: como mãe”, explica. enquanto mergulhava entre os pertences da mãe, buscando pelos vestígios de sua presença, Lebohang encontrou, além das fotografias, roupas y outros objetos pessoais. Nos fotolivros, a artista re-

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6 e/and 9:

9 Texto Especial
Páginas/pages Lebohang Kganye, Ke Lefa Laka/Her-story (2021)
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Sophia Klaase, Hanging on a wire (2016)

and other personal items. Her photography books reproduce a selection of images in which she places herself alongside her mother, dressing like her and mimicking her gestures. The collages spring from overlaps and partial mirrorings that point to the ambiguous relationship of similarity and differentiation between the two, and raises issues such as presence, absence, rupture and continuity. “By putting myself into my mother’s pictorial narrative, her story becomes ours”, explains Kganye, who also highlights her intention to “reconstruct a new story and build a bridge on which she becomes me and I become her. I performed the photographs (...) in the same places where she was photographed, wearing the same clothes, and mimicking the poses and expressions to reconnect with her spirit. Through visual manipulation, my reconnection with my deceased mother became a substitute for the paucity of memory,” she muses.

Sophia Klaase’s Hanging on a wire (2016), is another important South African photography book that begins from an archive. As in Kganye’s case, family narratives and personal stories are key elements in Klaase’s creative practice. The project that led to the book began in 1999, when the photographer, still a teenager, began to document life in her remote village of Paulshoek (Namaqualand), recording daily activities of her relatives, friends, and community. The collection grew to 1500 images, including records of residents’ everyday lives, event coverage, posed and staged portraits, self-portraits, etc. The portraits that make up the book evoke the peculiarity with which the photographer recorded her environment and herself during the early years of the “new” South Africa. The singularity of Klaase’s only photography book, Hanging on a wire – she passed away, a victim of tuberculosis, two weeks after its launching – springs from the way it introduces and ponders a young South African woman’s passage from her teen years to adulthood during the country’s transition to the post-apartheid era.

identity and self-creation are two fundamental concepts reflected in the works of Nontsikelelo “Lolo” Veleko y Zanele Muholi, artists born in the decade of the 1970s and whose first photography books were published in the current century. These are works that

produz uma seleção das imagens colocando-se junto à mãe, vestindo-se como ela y reproduzindo seus gestos. As colagens resultam de sobreposições y espelhamentos parciais que apontam para a ambígua relação de similaridade y diferenciação entre as duas, além colocar em pauta questões como presença, ausência, ruptura y continuidade. “Ao me inserir na narrativa pictorial da minha mãe, a história dela se torna nossa”, explica Kganye que também evidencia seu intuito de “reconstruir uma nova história y construir uma ponte por meio da qual ela sou eu y eu sou ela. Eu performei as fotografias (...) nos mesmos lugares em que ela foi fotografada, vestindo as mesmas roupas y mimetizando as mesmas poses y expressões para me reconectar com o seu espírito. Minha reconexão com minha mãe falecida se tornou um substituto para a escassez de memória por meio da manipulação visual”, reflete. Hanging on a wire (2016), de Sophia Klaase, é outro importante fotolivro sul-africano criado a partir de arquivo. Como no caso de Kganye, as narrativas familiares y histórias pessoais são elementos cruciais nas práticas criativas de Klaase. O projeto que deu origem ao livro iniciou-se em 1999, quando a fotógrafa, ainda adolescente, começou a documentar a vida em sua remota vila, Paulshoek (Namaqualand), registrando o dia a dia de seus familiares, amigos y comunidade. O acervo chegou a 1500 imagens, entre as quais se encontram registros do dia a dia dos moradores, coberturas de eventos, retratos posados y encenados, auto-retratos etc. A seleção que integra o livro evidencia a particularidade com que a fotógrafa registrava seu entorno y a si mesma nos primeiros anos da “nova” África do Sul. Único fotolivro de Klaase – que faleceu de tuberculose, aos 34 anos, duas semanas após o lançamento –, Hanging on a wire singulariza-se por apresentar y refletir sobre as complexidades que entrelaçam a passagem da jovem sul-africana para a idade adulta com a transição do país para a era pós-apartheid. identidade y autocriação são conceitos frequentemente refletidos nos trabalhos de Nontsikelelo “Lolo” Veleko y Zanele Muholi, artistas nascidas nos anos 1970 y cujos primeiros fotolivros foram publicados já neste século. São trabalhos que reivindicam y tomam como premissa criativa a liberdade da autorrepresen-

11 Texto Especial

reclaim and assert freedom of self-representation as their creative premise, sealing the expressive ruptures that have taken place in African photography, in relation to the positivist ethnographic representations that prevailed in the recent past.

urbanization and fashion are the two major themes that Lolo Veliko addresses in her books, to represent and ponder Black identity in post-apartheid South Africa. The most well-known of them is Wonderland (2008) in which the artist, together with the characters that emerge from her photographs, explores clothing and colors as a way to challenge identity assumptions based on appearance and historical context. “I look at fashion and how it creates identity because fashion toys with identity. That is how I see fashion in South Africa; it is entertaining, it’s like a game”, she explains. The publication continues and deepens the project Beauty is in the Eye of the Beholder, begun in 2004 and taking years – until 2013- to materialize as a photography book. In both cases – as well as in her French publication Nontsikelelo Veleko photographe (les carnets de la création) (2007) – Lolo’s gaze conjoins South African countercultures and public spaces. She relates multiple languages and references in order to create and present vibrant representations of identities that define contemporary South African urban landscapes.

although Zanele Muholi’s photography books focus on themes that are different from Lolo Veleko’s, they also orbit around the question of identity, signaling the relevance of self-creation and self-representation in contemporary African photography. As examples, I cite the two volumes of Faces and Phases (2010 y 2014) and Somnyama Ngonyama – Hail the Dark Lioness (2018), publications that highlight Muholi’s ability to follow different creative paths based on common agendas. The result of a project initiated as a response to the hate crimes suffered by lesbians and trans men in contemporary South Africa – still unabated, in the context of a recently inaugurated democracy –, Faces and Phases develops as a collection of portraits whose characters face the camera in gestures that reclaim the recognition of their existence. By portraying Black lesbians and Black trans men and compiling their stories, these books become archives of the South

tação, selando rupturas expressivas ocorridas na fotografia africana com relação às abordagens etnográficas positivistas que vigoraram no passado recente. urbanização y moda são os principais temas abordados por Lolo Veleko em seus livros para representar y pensar a identidade negra na África do Sul pós-apartheid. No mais conhecido deles, Wonderland (2008), a artista explora, junto com as personagens que fotografa, combinações de roupas y cores como forma de desafiar suposições de identidade baseadas em aparência y contexto histórico. “Eu olho para a moda y para como ela cria identidade porque a moda brinca com a identidade. É assim que eu considero a moda na África do Sul, é divertida y é como um jogo”, explica. A publicação dá continuidade a aprofunda o projeto Beauty is in the Eye of the Beholder, inicialmente desenvolvido em 2004, mas que ganhou fotolivro homônimo apenas anos depois, em 2013. Em ambos casos – como em sua publicação francesa Nontsikelelo Veleko photographe (les carnets de la création) (2007) –, Lolo converge o olhar para as contraculturas sul-africanas y para os espaços públicos, relacionando múltiplas linguagens y referências de modo a criar y oferecer representações vibrantes das identidades que definem as paisagens urbanas contemporâneas na África do Sul.

os fotolivros de Zanele Muholi, embora se debrucem sobre temas distintos dos de Lolo Veleko, também se centram na questão da identidade, apontando para a relevância da autocriação y autorrepresentação na fotografia contemporânea africana. Entre os exemplos, cito os dois volumes de Faces and Phases (2010 y 2014) y Somnyama Ngonyama – Hail the Dark Lioness (2018), publicações que evidenciam a habilidade de Muholi em seguir caminhos criativos diversos fundamentados por agendas comuns. Resultado de um projeto iniciado como resposta aos crimes de ódio sofridos por lésbicas y homens trans na África do Sul contemporânea – ainda numerosos no contexto da recente democracia –, Faces and Phases desenvolve-se como uma coleção de retratos em que suas personagens encaram a câmera em gestos que reivindicam notabilidade às suas existências. Ao retratar lésbicas negras y homens trans negros, y compilar seus relatos, os livros configuram-se como arquivos da comunida-

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13 Texto Especial
Nontsikelelo “Lolo” Veleko, Wonderland (2008)
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Nontsikelelo “Lolo” Veleko, Beauty is in the Eye of the Beholder (2013)

African queer community, mapping and preserving its memory. “When I started photographing Faces and Phases (...), I didn’t anticipate that the project would involve much more than documenting my community... What was initially a visual project became the creation of an unprecedented archive (... ). I wanted to fill a gap in South Africa’s visual history that, even 10 years after the fall of apartheid, completely ignored our existence. (...) I asked questions and looked into the eyes of Black lesbians who were mothers, sisters, daughters and sons, wives, and husbands. I was invited to enter their lives and learn about their individual joys, hopes, desires, scars, suffering and endless love”, wrote Muholi when reporting on the creative process of the photo books that became symbols of the struggle for the visibility of the country’s Black lesbians and Black trans men.

in Somnyama Ngonyama – the title meaning “Save the Black Lion” in free translation from Zulu–Muholi provides a sequence of over 90 meticulously scripted self-portraits. The visual artist creates images of herself through the triple relationships between her body, props that evoke African ancestralities, and the camera. Revisiting and reworking the ethnographic tradition that marks the imperialist photography of her country, Muholi reveals the devices through which colonialism and its correlates – racism, misogyny, and objectification – shaped the history of photography, not only in South Africa but across the entire continent.

the artists and photography books discussed in this text are examples of the multifaceted and challenging ways in which women and non-binary people have been involved with photography and contemporary photography books in South Africa. The cases commented on here highlight connections between gender, race and photography in the country which respond not only to questions posed by Black feminism and the anti-colonial movement. They also, in themselves, become a guide for reflections on gender and race, and for works in photography, photography books and the visual arts on the African continent. ■

de queer sul africana, mapeando y preservando sua memória. “Quando comecei a fotografar Faces and Phases (...), eu não previa que o projeto envolveria muito mais do que documentar a minha comunidade… O que era inicialmente um projeto visual se tornou a criação de um arquivo sem precedentes (...). Eu queria preencher uma lacuna na história visual da África do Sul que, mesmo 10 anos após a queda do apartheid, ignorava completamente a nossa existência. (...) Eu fiz perguntas e olhei nos olhos de lésbicas negras que eram mães, irmãs, filhas y filhos, esposas y maridos. Fui convidada a entrar em suas vidas y a aprender sobre suas alegrias individuais, esperanças, anseios, cicatrizes, sofrimentos y amor sem fim”, escreveu Muholi ao relatar sobre o processo criativo dos fotolivros que se tornaram símbolos da luta pela visibilidade de lésbicas negras y homens trans negros no país.

em Somnyama Ngonyama – título que significa “Salve a Leoa Negra” em livre tradução do Zulu – Muholi sequencia mais de 90 autorretratos meticulosamente roteirizados. Neles, a ativista visual cria imagens de si por meio de relações tríplices entre o próprio corpo, adereços evocativos de ancestralidades africanas y o aparato fotográfico. Ao revisitar y reelaborar a tradição etnográfica que marcou a fotografia imperialista em seu país, Muholi coloca em evidência artifícios pelos quais o colonialismo y seus correlatos racismo, misoginia y objetificação pautaram a história da fotografia não só na África do Sul como em todo o continente. as artistas y fotolivros abordados neste texto são exemplos das formas multifacetadas y desafiadoras com que mulheres y pessoas não binárias têm se envolvido com a fotografia y o livro fotográfico contemporâneos na África do Sul. Os casos comentados evidenciam uma articulação entre gênero, raça y fotografia no país que não só responde a questões postas pelo feminismo negro y por movimentos anticoloniais, como são eles mesmos capazes de pautar reflexões sobre gênero y raça, além de fotolivro, fotografia y artes visuais no continente africano. ■

15 Texto Especial

Laryssa Machada Eu vim de lá pequeneninha/ I came from there littlezinha

Laryssa Machada’s images are not confined to a single genre or practice. It is in interdisciplinarity and collaboration that her work is produced and grows, achieving a striking aesthetic essentially her own. She imagines a future, in a proactive representation of those commonly marginalized, of dissenting bodies in a place of prominence and strength. These are the elements that comprise her aesthetic imaginary. Her work emerges within a scenario that seeks to build new narratives, new creations of present and future, from the prism of decolonization. Most of her images contain a claim for a new future, one that she and her collaborators envision. Political advocacy and the desire for change are also inherent in Laryssa’s art. These images envision, but also make proposals and ask for protagonism, wherever they go.

As imagens de Laryssa Machada não se confinam a um único gênero ou prática. É na interdisciplinaridade e colaboração que seu trabalho se produz e cresce, alcançando uma estética marcante e essencialmente sua. A imaginação de um futuro, uma representação propositiva daqueles comumente marginalizados, corpos dissidentes em um lugar de protagonismo e força. São estes os elementos que constroem seu imaginário estético. Sua produção surge dentro de um cenário que busca construir novas narrativas, novas criações de presente e futuro, dentro do prisma de descolonização. Há, na maioria de suas imagens, a reinvidicação de um novo futuro, imaginado por ela e por aqueles que com ela colaboram. Não escapa da produção de Laryssa a reinvidação política, o desejo de mudança. Da mesma forma como imaginam, essas imagens também propõe e pedem protagonismo por onde passam.

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Your relationship with the image traverses various fields and techniques: journalism, social sciences, visual arts, photography, cinema, performance. How do these elements contribute to your visual creation? What was it like to adopt photography as your main form of expression (if indeed you consider it so)?

I think my desire has always been communication. Communication and invention, too. I started in journalism, narrating stories of populations that I found important and that at that time, in 2010/2011, were not seen in many spaces. Not much time has passed, but the popularization of the internet and its transformation of information flows are very recent. Fortunately, we’ve undergone democratization in content production- with various other issues arising, such as immediacy and superficiality, yet change is always taking place. So I think that in this path of learning a language, photojournalism comes along. After a few years, it starts moving in other directions, in an artistic but also political desire to generate other realities, to materialize them in the world.

Sua relação com a imagem atravessa diversos campos e técnicas: jornalismo, ciências sociais, artes visuais, fotografia, cinema, performance. Como esses elementos contribuem para a sua criação visual? Como foi o processo para encontrar a fotografia como principal forma de expressão (se é que você a considera assim)? Acho que o desejo sempre foi comunicação. Comunicação e invenção, também. Começo no jornalismo para narrar histórias de populações que acho importantes e que naquela época, em 2010/2011, não se viam em muitos espaços. É pouco tempo mas a popularização da internet e a transformação na circulação de informações é muito recente. Felizmente tivemos uma democratização na produção desse conteúdo – com suas várias outras questões surgindo, de instantaneidade e superficialidade, mas movimentos aconteceram.

Então acho que nesse caminho de aprender uma linguagem, o fotojornalismo chega. Depois de uns anos ele vai escoando para outros lados, num desejo artístico mas também político de gerar outras realidades, concretizar elas no mundo. Suas imagens criam um distanciamento da imagem de pobreza e ausência de perspectiva muitas vezes associada ao Brasil e suas comunidades minoritárias, colocando em seu lugar uma estrutura de inovação, futurismo e construção de um imaginário próprio. Como se deu a construção desta estética, especialmente em suas fotoperformances?

Acho que tudo acontece a partir de muita escuta, sempre chamo atenção pra isso. Somos profundamente criativos nessa terra. Se a gente estiver atento pra tudo que o povo dá o giro no dia a dia pra seguir vivendo, é de chorar. Então acho que essas tecnologias merecem reconhecimento e mais que isso, circulação enquanto conhecimento replicável. Mas em caminho conjunto, acho que os trabalhos também não apagam as rasuras que o passado de exploração deixou nesse chão, nessas vidas. Passado e presente. A vontade que o tempo de bem-viver chegue pra todas e todos é o impulso, mas há muita restituição histórica por fazer.

19 Laryssa Machada

Your images create a distancing from the images of poverty and lack of perspective often associated with Brazil and its minority communities, replacing them with structures of innovation, futurism, and the construction of an imaginary of its own. What was it like to construct this aesthetic, especially in your photo performances?

I think everything unfolds through a lot of listening; I always draw attention to that. This is a land of profound creativity. If we are attentive to everything that people do in their daily lives to keep going, it’s heart wrenching. So I think these technologies deserve recognition and even more than that, circulation as replicable knowledge. But together, I also think these works do not erase the marks that a past of exploitation has made on this ground, in these lives. Past and present. The desire for a coming age of a good life for everyone drives us, but there is much historical restitution to be done.

An important part of your creation is done collectively, both in front of and behind the cameras. What is the importance of bringing more people and visions into your process? How does this choice contribute to the final result of your work?

I think it’s essential. I don’t believe in doing things alone, at least not for me. Everything comes from something I learned from someone, something I heard on the street, a scene I saw, a shared story. So I think intelligence expands a lot collectively. There are some friends I usually work with, and it seems like my ideas don’t come alive unless we start talking together, dreaming together; only then the magic happens.

Uma parte importante das suas criações é feita de maneira coletiva, tanto diante como atrás das câmeras. Qual a importância de trazer mais pessoas e visões para o seu processo? Como essa escolha contribui para o resultado final do seu trabalho?

Acho que é essencial. Não acredito no fazer sozinha, pelo menos não pra mim. Tudo vem de algo que aprendi com alguém, que escutei na rua, uma cena que vi, uma história compartilhada. Então acho que a inteligência se expande muito em coletivo. Tem alguns amigos e amigas que costumo trabalhar e que parece que a ideia não chega se a gente não começar a conversar em conjunto, sonhar em conjunto, aí a magia acontece.

Você define a construção de suas imagens ‘enquanto rituais de descolonização (& expansões de liberdade) e novas narrativas de presente/ futuro.’ Qual a importância de dar lugar de destaque a estas narrativas no momento em que estamos? Como suas imagens buscam construir (ou representar) um futuro distinto do que está traçado neste momento?

Olha, não vou mentir que estou num momento bastante encruzilhada com o que viemos acompanhando nesses últimos anos. Parece que esse ano que bateu o choque de termos vivido a pandemia, os desastres climáticos se acirrando, essa esperança duvidosa que tenta se acender a muito custo. Acho que o grande ponto é que sabemos, enquanto sociedade, o que deve ser feito para que a terra se reequilibre. Muitos povos vêm falando e lembrando há muito tempo. O problema é que as pessoas não estão dispostas a transformar radicalmente o ciclo exploratório. Então acho que essas imagens também acontecem como ensaios, como tentar aprender esse Tempo Possível, muitas fotografias nascem com uma ideia e só anos depois que entendo exatamente o que precisava compreender dela.

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You define the construction of your images as ‘rituals of decolonization (& expansions of freedom) and new narratives of present/future.’ What is the importance of giving prominence to these narratives at this moment? How do your images seek to construct (or represent) a future that is different from the shapes that lie before us now? Well, I can’t say that I’m at a crossroads regarding what we’ve been witnessing in recent years. It seems that this year we’ve felt the shock of having experienced a pandemic, intensified climate disasters, this dubious hope that seeks ignition at great cost. I think the big issue is that we, as a society, know what needs to be done so that the earth can again find equilibrium. Many different peoples have been speaking and reminding us of this for a very long time. The problem is that people are not willing to radically transform the cycle of exploitation. So I think these images also come together as essays, as trying to learn this ‘Possible Time’; many photographs are already born with an idea but it may take years for me to realize what I need to take away from it. Another key point of your discourse is your work’s emphasis on dissenting bodies (LGBTQIA+, indigenous, Afro-diasporic, street people). What is the importance of creating images that have these bodies as a central presence? How can we positively impact the political relevance of these communities, through photographic imagery? We already know about the invisibility of these narratives. The important thing is to create dialogues until these images become, as I said, knowledge that circulates, public policy, land for all, healthy food, abundance. Anyway, I think I’m quite concrete in my perspectives. Photography is a flight, a dream, a dystopia, but it longs very much for reality. ■

Outro ponto chave do seu discurso é o destaque para corpos dissidentes (LGBTQIA+’s, indígenas, afrodiaspóricos, povo da rua) na sua produção. Qual a importância de criar imagens que tenham estes corpos como presença central? Como impactar positivamente na relevância política destas comunidades com a imagem fotográfica?

A questão da invisibilização dessas narrativas a gente já sabe. A importância é abrirmos diálogos até que essas imagens se tornem, como falei, conhecimento em circulação, política pública, terra para todos, alimentação saudável, abundância. Enfim, acho que sou bastante concreta em minhas perspectivas. A fotografia é um vôo, um sonho, uma distopia, mas ela anseia muito pela realidade. ■

33 Laryssa Machada

O choro pode durar uma noite, mas

a alegria vem pela manhã

Erick Peres

Crying May last for a Night, but joy comes in the morning

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Erick Peres nos leva por uma jornada visual e emocional que se desenrola a partir de fotografias de arquivo, cartas, embalagens de cigarro e imagens autorais, mergulhando na sua memória familiar. O trabalho aborda o desaparecimento do passado e do presente, recriando lacunas e explorando a ausência paterna comum em muitos lares de bairros periféricos. A mescla de imagens vernaculares e contemporâneas, juntamente com a incorporação de cartas e fotografias pessoais, destaca o cuidado de Peres ao reconstruir não apenas sua própria memória, mas a vida que seu pai viveu. A narrativa, complexa e íntima, aborda questões de classe, raça e a busca pela figura paterna, expandindo-se para uma reflexão mais ampla sobre as dinâmicas familiares brasileiras. Este trabalho é uma exploração corajosa e sensível, entre diversos suportes e caminhos fotográficos.

Erick Peres takes us on a visual and emotional journey unfolding from archival photographs, letters, cigarette packages, and original images, delving into his family memory. His work addresses the disappearance of the past and present, recreating gaps and exploring the paternal absence that is common to many households of urban peripheries. Peres’ blend of vernacular and contemporary images, along with the incorporation of personal letters and photographs, shows the care he takes in reconstructing not only his own memory but also the life his father lived. His narrative, complex and intimate, tackles issues of class, race, and the quest for the father figure, expanding into a broader reflection on Brazilian family dynamics. This work is a courageous and sensitive exploration across various photographic mediums and paths.

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Erick, how did your interest in photography begin? In my first interview for Revista Old in 2020 (which was not published at the time), I lied. A little lie amidst other truths. Seeing others’ stories in response to the question, as someone still taking their first steps in contemporary photography, I was hit by imposter syndrome, and I think it’s important today, a few years later, to share what happened. My family didn’t give me a camera. Photography wasn’t really present in my childhood, nor did I detour as much from crooked paths as I claimed in my previous response. In fact, at 18, I was still involved in trouble in the neighborhood. I had dropped out of school because of these and other issues, and when I googled “What kind of work can I do without a high school diploma” one of the answers that popped up was “Photography.” And then, a few years later, after a lot of hustling and skillfully dodging some predicaments, here we are. So, I think it’s also essential to come back to my first answer to this question, years ago, with a different mindset: Photography came about by chance, at an unexpected moment. A series of coincidences that unfolded over time reveal that photography was already in my childhood without me realizing it. I had a troubled adolescence, with a number of problems at school, in the neighborhood, family problems that were resolved later, through photography, before they could be resolved through sports. I played basketball my whole adolescence, which gave me the discipline and focus that were essential during that time of my life, taking me off some crooked paths. When I was about 18, I had an injury that made me stop training for 8 months. During this break, I began to question what I would do. So, in a nostalgic moment, rummaging through family albums, I found a small photo album that I had made as a child when my mother gave me a compact family camera to play with. That triggered a simple desire that made me study photography on my own, out of pure curiosity and interest, with no pretension at all. I ended up taking some courses, and before I knew it, I was completely immersed.

Erick, como começou seu interesse pela fotografia?

Em minha primeira entrevista para a Revista Old em 2020 (que acabou não sendo publicada na época) eu menti. Uma pequena mentira no meio de outras verdades. Ao ver a história de outras pessoas em resposta a essa pergunta, fui tomado por uma síndrome de impostor de quem ainda estava dando os primeiros passos dentro da fotografia contemporânea e acho importante hoje, alguns anos depois, compartilhar este processo. Minha família não me presenteou com uma câmera. A fotografia não estava realmente presente em minha infância assim como, não desviei tanto assim de alguns caminhos tortos como disse na resposta passada. Na verdade, aos 18 anos, ainda estava envolvido em algumas tretas lá no bairro. Tinha saído da escola devido a essas e outras questões, quando pesquisei no Google “O que posso trabalhar sem diploma do ensino médio” e uma das respostas foi “Fotografia”. E então, alguns anos depois, após muita correria e uma habilidade exímia da esquiva de vários B.O’s, estamos aqui. Então, acho fundamental deixar também minha primeira resposta a essa pergunta, anos atrás, com outra cabeça:

A fotografia surgiu por acaso, em um momento inesperado. Uma série de coincidências se desdobraram com o passar do tempo, revelando que a fotografia esteve já na minha infância sem que eu percebesse. Tive uma adolescência conturbada, entre diversos problemas na escola, no bairro, família, problemas que posteriormente vieram a ser resolvidos com a fotografia antes foram resolvidos com o esporte. Joguei basquete minha adolescência inteira, o que me rendeu disciplina e foco que se fizeram fundamentais nesse período da vida, me tirando de alguns caminhos tortos. Quando lá pelos 18 anos tive uma lesão que me fez parar de treinar por 8 meses. Nesta pausa passei a questionar o que iria fazer. Então em um momento nostálgico vasculhando álbuns de família, encontrei um pequeno álbum de fotos que eu havia feito ainda criança, quando minha mãe deu uma câmera saboneteira da família para que eu brincasse. Ali surgiu uma simples vontade que me fez estudar fotografia por conta própria, por pura curiosidade e interesse mesmo, sem pretensão alguma. Acabei fazendo alguns cursos e quando vi já estava totalmente imerso.

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Tell us about the process of creating “Weeping May Last a Night, but Joy Comes in the Morning”. This is a research project I’ve been working on for 7 years. It began when I realized that my father’s image was gradually disappearing from the album of my childhood. My father was not physically present in my life, but he was present in the traumas left in my mother, in me, in male escape, in the gaps, the absence. The work then became a way to rebuild my memory but also to reconstruct the life he’d lived. It became a search for my father’s identity. Understanding him through the life he had. So I started looking for traces of him in my family’s archives, also taking photographs that reminded me of the places he frequented, etc. Over the years of this research, other elements introduced themselves. Like the class and race boundaries that lie between my father’s and mother’s families, or the attempt to talk about love in a place that introduced me to violence very early on. So, it moves towards a story that is not only personal but a recap of Brazilian families across neighborhoods.

Nos conte sobre o processo de criação de O Choro pode durar uma Noite mas a Alegria vem pela Manhã.

Esta é uma pesquisa que desenvolvo há 7 anos. Teve início ao perceber que em meu álbum de infância, a imagem de meu pai ia desaparecendo aos poucos. Meu pai não foi fisicamente presente em minha vida, mas foi presente nos traumas deixados em minha mãe, em mim, no aborto masculino, nas lacunas deixadas, na falta. O trabalho então se tornou uma forma de reconstruir minha memória, mas também de reconstrução da vida que ele viveu. Se tornando uma busca sobre a identidade de meu pai. Compreendê-lo através da vida que teve. Então passei a buscar vestígios dele em arquivos de minha família, produzindo também fotografias que me remetiam aos lugares em que ele frequentava, etc. Com o passar de tantos anos em cima desta pesquisa, outros elementos foram se apresentando. Como os recortes de classe e raça que se apresentam entre as famílias de meu pai e minha mãe, também esta tentativa de falar sobre amor em um lugar que me apresentou a violência com muita antecedência. Para então ir de encontro a uma história que não é somente pessoal, mas um resumo de famílias brasileiras pelas vilas de qualquer lugar.

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In 2023 “The Weeping...” was published as a book by Selo Turvo in partnership with Lovely House. What was the process of making the book like?

What were its main challenges?

The book materialized thanks to the interest two publishers had in it, along with my contact with Vitor Casemiro. Then in 2023, to get it out, it took a process of revisiting archives, photographs, memories, and more direct contact with my mother, where we talked a lot on the phone to reconstruct the “love” story between her and my father. After one call, where I asked her questions like what beer he drank, what cigarettes he smoked, etc., she sent me a 6-page handwritten letter, detailing the story from the beginning. Over these years of research, I had removed some images, some texts, thinking they were “too personal.” So I went back to some works that were already in the project, such as a police report documenting moments and situations I was subjected to in childhood. Perhaps the challenges led to understanding the maturation of the work over time, the perception of these family cycles, which tend to repeat themselves, these issues that were rarely talked about between men, such as betrayals and abandonments that already marked our grandparents, way back. Despite its search for the father figure, the project also expands along other pathways, with symbols and elements that I like to leave open.

Em 2023 O Choro… foi publicado como livro pelo Selo Turvo em parceria com a Lovely House. Como foi o processo de construção do livro? Quais foram os principais desafios deste processo?

A materialização do livro se deu a partir do interesse das duas editoras pela publicação, junto também com meu contato com o Vitor Casemiro. Agora em 2023, para a publicação, ocorreu um processo de revisitação aos arquivos, fotografias, memórias e também um contato mais direto com minha mãe, onde conversamos bastante por telefone para ir reconstituindo a história de “amor” entre ela e meu pai. Após uma ligação, onde questionei a ela, qual cerveja ele bebia, qual cigarro fumava, etc, ela me enviou uma carta de 6 páginas escritas a mão, contando detalhadamente a história desde o início. Ao longo destes anos de pesquisa eu havia removido algumas imagens, alguns textos, por achar ser “pessoal demais”. Então, retornei a algumas obras que já estavam no projeto, como por exemplo, um documento da delegacia relatando momentos e situações a que fui submetido na infância. Talvez, os desafios foram a compreensão do amadurecimento do trabalho com o passar do tempo, a percepção destes ciclos familiares, que se repetem de tempos em tempos, estas questões pouco debatidas entre os homens, como as traições e abandonos que já ocorriam entre os avós, lá atrás. Por mais que exista a busca pela figura paterna, o projeto se amplia também para outros caminhos, com símbolos e elementos que gosto de deixar em aberto.

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You mix vernacular images with contemporary ones in this work. How did you make this choice? What function does each group of images serve? The work transitions between appropriations from my childhood albums and photos I take at night, letters written by my father and mother, and also some photos I took as a child, where I photographed flowers at night, probably the first photos I took in my life. This process of reconstructing memory and understanding the reflections of the past -bohemianism, troubled relationships, traumas- in the present seeks to connect the dots and understand how these marks can return in adulthood. This essay has a strong connection to your personal history. How did you seek to visually portray important points of this journey? I began photographing my discomforts. Scenes that ironically generated childhood memories. Also trying to recreate and organize facts and moments by alternating past and present, understanding that memory deceives due to its influx of feelings. Mixing love letters with samba compositions, cigarette packs, burn marks, etc. How did you seek to organize the chaos of the night and its characters into a photographic sequence? The night and its characters were never distant. They were inside the house, on the neighborhood corner, in the bars. Alcoholism, family troubles, blood mixed in with the mud of the streets. I didn’t seek out bohemian life, night, and chaos. They simply made their way into my life. And I was just another character within this environment. Organizing everything into a photographic sequence was like going for an early hour walk in my neighborhood, telling the story of anyone who lives around here. ■

Você mescla imagens vernaculares com imagens contemporâneas neste trabalho. Como se deu esta escolha? Que função cumpre cada grupo de imagens? O trabalho transita entre apropriações de arquivo dos meus álbuns de infância e fotos que produzo a noite, cartas escritas por meu pai e minha mãe e também algumas fotos que fiz quando era criança, onde fotografei flores a noite, provavelmente as primeiras fotos que fiz na vida. Nesse processo de reconstrução de memória e compreensão dos reflexos do passado no presente, boêmia, relacionamentos conturbados, traumas, buscando ligar os pontos e compreender como estas marcas podem retornar na vida adulta.

Este ensaio tem uma forte conexão com a sua história pessoal. Como você buscou retratar pontos importantes desta jornada de maneira visual? Passei a fotografar meus incômodos. Cenas que ironicamente geraram lembranças de infância. Também tentando recriar e organizar fatos e momentos intercalando passado e presente, entendendo que a memória engana pela contaminação dos sentimentos. Misturando as cartas de amor com composições de samba, embalagens de cigarro, queimados, etc.

Como você buscou organizar o caos da noite e seus personagens em uma sequência fotográfica?

A noite e seus personagens nunca estiveram distantes. Estavam dentro de casa, na esquina do bairro, nos botecos. O alcoolismo, as tretas de família, o sangue misturado no barro da rua. Não procurei a vida boêmia, a noite e o caos. Eles simplesmente se fizeram presentes na minha vida. E eu era só mais um personagem dentro deste meio. Organizar tudo em uma sequência fotográfica foi como sair para caminhar pela madrugada no meu bairro, contando a história de qualquer pessoa que mora por aqui. ■

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Lívia Melzi iniciou sua pesquisa sobre os mantos Tupinambá examinando as peças expostas em acervos de museus europeus. Este processo desencadeou uma investigação sobre o processo de colonização e apropriação cultural que nos impactou durante tantos séculos. Hoje ela está activamente a trabalhar, acrescentando mais camadas ao seu intenso processo criativo, confrontando a identidade, a imagem e o imaginário à medida que emergiam no território europeu. O espectador é colocado em condições de mergulhar na história de opressão e apropriação que a cultura construiu ao longo dos séculos. Nas páginas seguintes, Lívia apresenta um panorama de suas criações, suas preocupações e os caminhos que a trouxeram até aqui.

Estudo para um monumento

Tupinambá Lívia Melzi Study for a Tupinambá monument

Lívia Melzi began her research on Tupinambá cloaks by examining the pieces on display in European museum collections. This process sparked enquiry into the process of colonization and cultural appropriation that has impacted us for so many centuries. She is actively at work today, adding more layers to her intense creative process, confronting identity, image and imaginary as they emerged within European territory. The viewer is placed in a position to delve into the history of oppression and appropriation that the culture constructed over the course of the centuries. In the following pages, Lívia presents an overview of her creations, her concerns and the paths that have brought her here.

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Livia, the selected images that we present in this issue of OLD are drawn from over five years of your research. When did your interest in the theme begin? How many ramifications do you see this project having, and what new pathways do you expect to emerge from it?

I believe that confronting the European imagination was, and still is, a very intimate task. Although my projects don’t address who I am in my own terms, they inhabit my subjectivity and speak to how it was constructed. I think of my work as something that evolves, beginning with the figure of the 19th century naturalist, a character that has always been on my mind. It was that curious and multidisciplinary being that I sought to embody when I studied Oceanography, or rather, it was the image of that being, constructed and disseminated by Europeans and rooted in my imagination, that I sought to grasp. Later, at photography school in Arles, I understood that an identity/image/imaginary triangulation was the answer to my fascination. Thus, my life in Europe became a living laboratory to understand how this continent “invented” the world’s identity. Since then, I have sought to build a space of artistic action that works as a mirror for the European public, confronting them with the machine that they’ve built. The “museum machine” is one of those fertile and obvious scenarios for thinking about the collective imagination. Hence, in this most recent work, I focus on the history of Tupinambá cloaks present in European museum collections.

This work begins in 2018 and really has a tentacular vocation, with many possible angles of attack (it’s no wonder that so much has been done and heard about this subject in recent months). In my case, photography is my means to examine a complex story. I use photography as an instrument to question the truth, in the most ethical way possible. Some gestures are almost obvious, such as using the documentary style to portray each of the artifacts, leaving the subject frontal, sharp, clear, for the intent purpose of questioning the certainty that accompanies photography. Of the countless issues that are brought out through this collection of cloaks, anthropophagy is without a doubt the one

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Lívia, a seleção de imagens que apresentamos nesta edição da OLD cobre um período de mais de cinco anos de pesquisa. Como começou seu interesse por essa temática? Quantas ramificações você vê deste projeto e quais novos caminhos estão por vir para ele?

Acredito que confrontar o imaginário europeu foi, e é até hoje, um trabalho muito íntimo. Apesar dos meus projetos não falarem sobre quem eu sou em termos próprios, eles habitam minha subjetividade e falam de como ela foi construída. Eu penso no meu trabalho como algo em evolução, que começa com a figura do naturalista do século XIX. Esse personagem sempre povoou minha mente. Era aquele ser curioso e pluridisciplinar que eu buscava encarnar quando fui estudar Oceanografia, ou melhor, era a imagem daquele ser, construída e difundida pelos europeus e enraizada no meu imaginário, que eu buscava experimentar. Mais tarde, na escola de fotografia de Arles, eu entendi que a triangulação identidade/ imagem/imaginário era a resposta do meu fascínio. Assim, morar na Europa virou um laboratório vivo para entender como este continente ”inventou” a identidade do mundo. Desde então, eu procuro construir um terreno de ação artística que funcione como um espelho para o público europeu, colocando-os em frente a essa máquina que eles construíram. A “máquina museu” é um desses cenários férteis e óbvios para pensar o imaginário coletivo, e por isso, nesse último trabalho me concentrei na história dos mantos tupinambá presentes nas coleções europeias. Esse trabalho começa em 2018 e realmente tem uma vocação tentacular, com muitos ângulos de ataque possíveis (não é à toa que muito se fez e se ouviu sobre esse assunto nos últimos meses). No meu caso, a fotografia é o meio que possuo para olhar essa história tão complexa. Eu busquei usar a fotografia como um instrumento questionador da verdade, da maneira mais ética possível. Alguns gestos foram muito evidentes, como usar o estilo documental para retratar cada um dos artefatos, deixando o assunto frontal, nítido, claro, pra exatamente questionar essa certeza que acompanha a fotografia. Das inúmeras questões que atravessam essa coleção de mantos, a antropofagia é sem dúvidas a que me interessa

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that interests me the most and the one I have worked on most recently. The project ends with images of the same bust of Maurício de Nassau appearing in three locations around the world. It became a way of bringing the project to a close, with a spotlight on two subjects: the restitution of the cloaks – a process already underway – and the removal of colonial monuments. This project comes to an end here, but the fundamental issues that my artistic practice raises are continued in the work I am doing today at the national museum in Rio.

One of the interesting aspects of this work is your collaboration with other artists, such as Glicéria Tupinambá. What is your take on these collaborations? How do they contribute to your work and vision as an artist?

Collaboration has become a methodological constant in my projects, and this has happened for several reasons. In Glicéria’s case, our collaboration changed the nature of my project, as her gesture to remake the cloak gave new meaning to the photos I had done. She became a necessary presence in the project, to finalize the cloak portrait collection, yet this need posed a major question to me, as an artist: how, as a non-indigenous artist, could I include her image and that of her cloak in the project? I could not aestheticize Glicéria or her cloak, a gesture that, within the project, would only reinforce the cruel role that photography has in “inventing” the other. The camera is still a weapon that colonizes people and imagination. The answer I found, in this case, was to invite her to produce self-portraits using a large format camera. This collection of images bears many important layers because there, Glicéria uses photography to symbolically respond to the countless historical images of her people, from Théodore de Bry’s 16th century engravings to portraits that other people have made of her. I made sure to heed all the ethics of documentary photography. When Glicéria, wearing the cloak, uses the camera that has been historically wielded by colonists to objectify others, she recreates an entire imaginary, including my own place in the project.

Alongside your work with other artists, you connect to other languages, such as performance,

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mais e a que eu mais trabalhei nos últimos tempos. O projeto termina com as imagens de um mesmo busto do Maurício de Nassau em 3 locais do mundo e foi uma forma de fechar o projeto deixando dois sujeitos em destaque : a restituição dos mantos (que já está acontecendo) e a destituição de monumentos coloniais. Esse projeto termina neste ponto, mas as questões fundamentais da minha prática artística se prolongam no que estou fazendo hoje no museu nacional do Rio.

Um dos aspectos interessantes deste trabalho é a colaboração com outros artistas, como a Glicéria Tupinambá. Como você pensa essas colaborações? Como elas contribuem para o trabalho e para sua visão como artista?

A colaboração tem se tornado um aspecto metodológico constante nos meus projetos e isso ocorre por motivos plurais. No caso da Glicéria, a colaboração mudou a natureza do meu projeto, pois seu gesto, ao refazer o manto, deu um outro sentido pras fotografias que eu já havia feito. A presença dela no projeto era necessária para fechar a coleção de retrato dos mantos, porém, essa necessidade me trouxe uma grande questão como artista : como eu, mulher não indígena, incluiria a imagem dela e do seu manto nesse projeto ? Eu não poderia estetizar a Glicéria nem seu manto, pois esse gesto, dentro do projeto, reforçaria o papel cruel que a fotografia tem em “inventar” o outro. O aparelho fotográfico ainda é uma arma colonizadora de povos e imaginários. A resposta que encontrei, neste caso, foi convidá-la para produzir auto retratos usando uma câmera grande formato. Essa coleção de imagens carrega muitas camadas importantes, pois ali, a Glicéria usou a fotografia para, simbolicamente, responder às inúmeras imagens históricas do seu povo, desde as gravuras de Théodore de Bry no século XVI até retratos dela feitos por outras pessoas. Naquele momento, toda a ética da fotografia documental estava presente. Quando a Glicéria, portando o manto, usa um aparelho fotográfico usado historicamente pelos colonos para objetificar o outro, ela recria todo um imaginário, inclusive sobre o meu lugar nesse projeto.

Além da colaboração com outros artistas, também há uma conexão com outras linguagens,

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sculpture, and video. Is there a specific role for each one of these languages in your work? How does this plurality contribute to the narrative construction of this project?

Photography is the founding gesture in my projects to date, but this may of course change at some moment. Conversation with other languages is meant to expand the power of images, rehearsing new encounters with materiality. Bry’s Théâtre Cannibal is a good example. In this project I chose to include the French tapestry technique of the Aubusson workshop, known for making real tapestries. I made this choice because the main theme of the exhibition was anthropophagy’s encounter with the French art de la table. For centuries, tapestries were decorative items that spread images of the new worlds (for example, the famous Teinture des Indes series, made at the Gobelin workshop). These decorative artifacts – alongside engravings, drawings, paintings and wallpapers – helped to build the way Europeans imagined Brazil. I have great interest in decorative items because although they appear to be silent, their contents may reverberate for centuries in the minds of a people.

It was in this deceptive silence of the tapestries that I worked for the exhibition Tupi or not Tupi. Woven into them were a series of engravings by Théodore de Bry portraying the anthropophagic ritual of the Tupinambá people, based on written reports. The transposition of engraving onto textile enabled new readings of both the object and the content it bore.

Within a semicircle made of hanging tapestries, I invited the audience to an internal conversation on feelings of estrangement. What does our encounter with this textile (linked to decoration and an idea of “beautiful”) do to us when it bears images of “violence”? What was and is the political role of decorative objects? Is it possible to empty these representations of their content and relate only to their fictional essence? Why are these images still considered violent today? Who constructed the discourse that infuses these images? In my projects, questions of this type emerge from the meeting of different languages.

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como a performance, a escultura e o vídeo. Há um papel definido para cada uma dessas linguagens na sua produção? Como essa pluralidade contribui para a construção narrativa deste projeto?

A fotografia é o gesto fundador nos projetos que desenvolvi até hoje, mas claro que isso pode se inverter um dia. O diálogo com outras linguagens tem a vocação de tentar expandir a potência das imagens, de testar novos encontros também em relação à materialidade. A obra Théâtre Cannibal de Bry é um bom exemplo. Nessa obra eu escolhi incluir a técnica da tapeçaria francesa, feita na manufatura de Aubusson, conhecida por produzir tapeçarias reais. Essa escolha foi feita pois o tema principal da exposição era o encontro da antropofagia com a art de la table francesa. Durante séculos as tapeçarias foram suportes decorativos que acolhiam imagens dos novos mundos (por exemplo a famosa série Teinture des Indes, feitas na manufatura de Gobelins). Esses artefatos decorativos ajudaram a construir o imaginário da Europa em relação ao Brasil, assim como gravuras, desenhos, pinturas e papéis de parede. Eu tenho grande interesse nos suportes decorativos pois eles parecem silenciosos mas seus conteúdos podem ecoar durante séculos na mente de um povo.

Foi nesse falso silêncio das tapeçarias que trabalhei para a exposição Tupi or not Tupi. Nelas foram tecidas a série de gravuras do Théodore de Bry, que retratam o ritual antropofágico do povo tupinambá a partir de relatos textuais. A transposição da gravura para o têxtil possibilitou novas leituras tanto sobre o suporte quanto sobre o conteúdo que ela carregava. Dentro do semicírculo feito de tapeçarias suspensas, eu convidei o público a dialogar internamente com uma sensação de estranhamento. O que o encontro daquela matéria têxtil (ligada à decoração e a uma ideia de “belo”) nos causa quando recebe imagens que carregam “violência” ? Qual foi e é o papel político dos objetos decorativos ? É possível esvaziar o conteúdo dessas representações e se relacionar apenas com a essência ficcional delas ? Por que aquelas imagens até hoje são consideradas violentas ? Quem construiu esse discurso para essas imagens ? Nos meus projetos, são questões dessa natureza que emergem durante os encontros de diferentes linguagens.

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There is evident political and historical value in the images you build, as you go back to the visuality of the cape and of the many other symbols that appear in your work. Why is it important to roll out this theme? Does this work evoke expectations for change?

When I started the project on capes, I was interested in thinking about the relationship between the museum and photography, and the power these institutions hold over the circulation of objects and their images. The museums in Europe that keep these cloaks not only own the artifacts, but have the power to control their image and their circulation as object and discourse. That is why I took portraits of each of them, despite the hundreds of images available in high resolution on the internet. The issue became access and the possibility of creating a new image, free of the discursive layer of the institution. I chose to look at the cloaks because of the collection’s historical complexity. The fact that they are all in Europe, the unique history of each of the pieces, the restitution policies that were at stake... all of this is fertile ground for addressing issues in different areas. When I met Glicéria and heard of the research to reconstruct the cloaks, the purpose of my series expanded. The project, previously concentrated in the great European museums, migrated to the research table of an indigenous artist and activist. Discursive power changes when these cloaks are framed in the Brazilian political context. There is indeed political and historical value in this work, reinforced by the 2024 return of one of the capes. The image I had crafted in Copenhagen changed status as soon as this restitution was announced.

Nonetheless, I am somewhat pessimistic about art and social change. I think that, all things considered, art is still an elitist product in terms of form, content and consumption. Photography is perhaps a case of its own, due to its reproduction and accessibility, yet the market is the same. It is perverse and manages to undermine everything that could be dangerous, determining what is or is not a trend, and consequently, giving and taking away value from works (and artists). I look very carefully at the issue of visibility and the objectification of certain themes... So, to answer your question, I don’t think I have

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Há um claro valor político e histórico na produção dessas imagens, na recuperação da visualidade do manto e de tantos outros símbolos que vão se fazendo presentes nas suas obras. Qual a importância de trazer esse tema à tona? Há uma expectativa de transformação com este trabalho?

Quando eu comecei o projeto sobre os mantos o interesse era pensar a relação do museu e da fotografia, no poder dessas instituições sobre a circulação de objetos e de suas imagens. Os museus que conservam os mantos na Europa não são apenas proprietários desses artefatos, eles também possuem o poder de controlar a imagem, os discursos e a circulação desses objetos. Por isso realizei os retratos de cada um dos mantos, mesmo tendo disponível centenas de imagens em alta resolução na internet. A questão ali era o acesso e a possibilidade de criar uma imagem nova, sem a camada discursiva da instituição. Escolher olhar para os mantos se deu pela complexidade histórica que essa coleção carrega. O fato de todos estarem na Europa, a história singular de cada uma das peças, as políticas de restituição que estavam em jogo… tudo isso é um campo fértil para abordar questões em diversas áreas. Quando eu encontro a Glicéria e descubro a pesquisa para reconstruir os mantos, a vocação dessa série se expande e o projeto, antes concentrado nos grandes museus europeus, migra para a mesa de pesquisa de uma artista e ativista indígena. O poder discursivo muda quando elas são inseridas no contexto político do Brasil. Existe sim um valor político e histórico nesse trabalho reforçado pela volta de um dos mantos em 2024. A imagem que fiz em Copenhague mudou de status assim que essa restituição foi anunciada. Apesar disso, eu sou um pouco pessimista sobre as expectativas de transformações que a arte tem. Pra mim, apesar de tudo, a arte ainda é um produto elitista em termos de forma, conteúdo e consumo. A fotografia talvez seja um grande caso a parte por conta da reprodução e da acessibilidade mas o mercado é o mesmo. Ele é perverso e consegue minar tudo que representa perigo, determinando o que é ou não tendência, e consequentemente, dando e tirando valor, de obras (e de artistas). Eu observo com muita cautela a questão da visibilidade e a objetificação de certos temas… então pra responder, acho que

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expectations regarding social change, but I believe in the life of the work, once it is out there, and in its ability to resonate in unusual places. Nonetheless, seeing my photos become part of Glicéria’s work, out there with the people, brought a smile to my face. Most of the development of this project took place in Europe; you live on the European continent, and the cloaks are on display in European museums. How has your experience as a Brazilian living in Europe impacted your production? You also had the opportunity to work at the National Museum of Rio de Janeiro at the end of 2023. How did this experience impact your production?

Immigration is always a sensitive experience, regardless of how it unfolds. As immigrants, we experience a fragility of belonging, and the issue of otherness is very latent. Up until now, my projects have been closely linked to the fact that I am a foreigner, as if I were always observing Europe from the stance of the “other”. I mentioned earlier photography’s role as a colonizing machine and I think that it operates as such in my own practice, but directed towards Europe. Perhaps photographing the cloaks in museums, placing these photos next to each other and exhibiting them at European festivals is a way of saying: look, this is the way you look at, create, and define your “others”. It is a conversation that we also find in the relationship between Levi Strauss and Luís de Castro Faria, for example, when the journalist writes about the images of tristes tropiques framed as “cannibal”. So, when I work with the history of cloaks I am not speaking, and could never speak, about how an indigenous person experiences this collection. I try to question European institutions and their relationships with everything that is not European. And this involves museology, libraries, the way we organize knowledge, archives… And we can go on to my new project, which began in January at the National Museum. A first chapter was made in January in the archeology department where I photographed the objects that survived the fire. I’m going back in June to continue the project and the idea is to build a large collection of images from other departments as well. In this case, it posits the issue of the history of the place, which is very rich and super relevant for thinking about Brazil and its plural histories. ■

não tenho expectativa sobre transformações porém acredito na vida da obra, uma vez que ela está pronta, e na sua capacidade de ecoar por lugares inusitados e apesar de tudo, ver minhas fotos dentro do trabalho da Glicéria na casa do povo, me fez sorrir.

A maior parte do desenvolvimento deste projeto se deu na Europa, com você vivendo no continente e com os mantos presentes em museus Europeus. Como a sua vivência como brasileira vivendo na Europa impactou sua produção? Além disso, você teve a oportunidade de trabalhar no Museu Nacional do Rio de Janeiro no final de 2023. Como essa experiência impactou sua produção?

A imigração é sempre uma experiência sensível, independente de como ela se desenvolve. Esse lugar nos faz experimentar uma fragilidade de pertencimento e a questão da alteridade fica muito latente. Até hoje meus projetos foram intimamente ligados ao fato de eu ser estrangeira, como se eu estivesse sempre observando a Europa como o “outro”. Eu falei antes sobre esse lugar da fotografia como uma máquina colonizadora e acho que na minha prática ela opera assim, mas em direção à Europa. Talvez fotografar os mantos nos museus, colocar essas fotos uma ao lado da outra e expor nos festivais europeus seja uma forma de dizer : vejam, é assim que vocês olham, criam e determinam “os outros”. É um diálogo que encontramos também na relação entre o Levi Strauss e o Luís de Castro Faria, por exemplo, quando o jornalista escreve sobre as imagens de tristes trópicos serem um “enquadramento canibal”. Então, quando eu trabalho com a história dos mantos eu não falo, e nunca poderia falar, da experiência que essa coleção tem para um indígena, mas eu tentei questionar as instituições europeias e suas relações com tudo o que não é europeu. E isso passa pela museologia, pelas bibliotecas, pela forma como organizamos o conhecimento, pelos arquivos… E aí podemos falar do meu novo projeto, que começou em janeiro no museu Nacional. Um primeiro capítulo foi feito em janeiro no departamento de arqueologia onde eu fotografei os objetos que sobreviveram ao fogo. Em junho volto pra continuar o projeto e a ideia é construir uma grande coleção de imagens também nos outros departamentos. Neste caso, tem a questão da história deste lugar que é riquíssima e super pertinente para pensar várias outras histórias do Brasil. ■

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Eustáquio Neves

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Entrevista/Interview

Um dos principais artistas brasileiros e químico de formação, Eustáquio Neves traz em sua pesquisa a inquietação ligada às ideias de memória, identidade e o racismo estrutural e sistêmico que atravessa suas origens. A partir de manipulações visuais em imagens de família, autorretratos e imagens institucionalizadas no século XIX, o artista tece complexas camadas de criação e fabulação de histórias sobre a imigração forçada e violenta de pessoas escravizadas, as travessias atlânticas e a maneira como os escravizados eram registrados nos documentos históricos oficiais. Neves combina esses elementos para traçar uma linha do tempo particular, ultrapassando a linearidade para dar lugar a um discurso espiralado de personagens que se repetem e dialogam, provocando a história da fotografia.

por/by DANIELE QUEIROZ

One of the main Brazilian artists and a trained chemist, Eustáquio Neves brings into his research the preoccupations linked to the ideas of memory, identity and the structural and systemic racism that runs through his origins. Through visual manipulations on family images, self-portraits and images institutionalized in the 19th century, the artist weaves complex layers of creation and fabulation of stories about the forced and violent immigration of enslaved people, the Atlantic crossings and the way in which the enslaved were recorded in official historical documents. Neves combines these elements to trace a specific timeline, going beyond linearity to give way to a spiraling discourse of characters that repeat themselves and dialogue, poking at the history of photography.

Neves

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Caos Urbano/Urban Chaos
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Eustáquio Neves Futebol/Soccer

Can you tell us a little bit about the cultural scene in Belo Horizonte and Minas Gerais at the beginning of your career and how it influenced your work at that time?

From the age of 11 to 24, I lived between Contagem and Belo Horizonte. Contagem, for those who don’t know, is a very important industrial center, and the young people in the community always had their own culture, although the municipality was considered part of Greater Belo Horizonte. The punk scene was very strong, there was a skateboarding movement, a cinema club, and only one movie theater. I studied in Belo Horizonte, where I interacted with other tribes besides my own, in Contagem. Until I was 24, I was more inclined towards the poetry and music crowd. At that age I left Minas and went to Goiás, for my first job as a certified industrial chemical technician. I returned five years later as a photographer. The Winter Festival at Federal University of Minas Gerais was one of the main local artistic movements and was of utmost importance in my trajectory. Following the visibility I gained from an exhibition of my first series, “Urban Chaos”, done as part of the festival’s agenda, I began to connect with a group of Black artists, as a spontaneous artistic movement began to unfold. This was very aptly recalled by the poet Ricardo Aleixo, who headed the Black Arts Festival (FAN) in its first edition in 1995.

In an interview with Itaú Cultural, you stated that “Photography was the most comfortable place you found to express yourself.” How did photography enter your life? What makes it this place of comfort for

Você pode nos contar um pouco sobre a cena cultural em Belo Horizonte e Minas Gerais no início de sua carreira e como ela influenciou sua produção naquele momento?

Vivi dos 11 aos 24 anos de idade entre o município de Contagem e Belo Horizonte. Contagem, para quem não sabe, é um centro industrial muito importante e os jovens dessa comunidade sempre tiveram uma cultura própria, apesar do município ser considerado uma grande Belo Horizonte. A cena punk era fortíssima, o movimento de skate, havia um cine clube e apenas uma sala de cinema. Estudei em Belo Horizonte, onde frequentava outras tribos além do meu meio em Contagem. Até os 24 anos, meu flerte era mais com o pessoal da poesia e da música. Saio de Minas para Goiás nessa idade, formado em técnico químico industrial para o meu primeiro emprego nessa profissão. Volto cinco anos depois como fotógrafo. O Festival de Inverno da UFMG era um dos principais movimentos artísticos locais e foi de suma importância na minha trajetória. A partir da visibilidade decorrente de uma exposição da minha primeira série, Caos Urbano, feita dentro da agenda do festival, começo a me aproximar de um grupo de artistas negros onde um movimento artístico espontâneo começa acontecer. Isso foi muito bem lembrado pelo poeta Ricardo Aleixo, que esteve à frente do Festival de Arte Negra, FAN, na sua primeira edição em 1995.

Em entrevista para o Itaú Cultural você afirmou que “A fotografia foi o lugar mais confortável que en-

The fact that we, Black people, don’t have as many records, or that there are records that don’t truly represent us, makes me delve into the archives and try, minimally, to tell a bit of our history from another perspective, hence the importance of archives in my photographic narrative.
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O fato de nós, negros, não termos tantos registros ou de haver registros que não nos

representam

de fato me faz ir para os arquivos e tentar minimamente contar um pouco da nossa historia de uma
outra perspectiva, por isso a importância dos arquivos

na minha narrativa fotográfica

you, and in what context does it allow you to understand yourself as an artist?

I wanted to go into theater, but didn’t. I’ve always been interested in music, and I even took a year of classical guitar lessons and had a band that played everything. But I took none of that as seriously, got as intensely involved with, or mastered as much as I believe I did with photography.

Family genealogy and autobiography are central points of your art. How, from your trajectory, do you understand and perceive that such narratives are also collective and part of a resistance project of Brazil’s Black population?

I think a lot about the sense of community in the place and environment where I grew up, community in the sense of what is common to all, the sharing of knowledge and wisdom. It took me a while to understand and see the importance of what I had learned, and how to give it back in the form of some kind of manifesto. I had been expressing myself since a very young age, when I was about fifteen, sixteen years old, through my afro hair, my clothes, and at the matinées of the Máscara Negra dances in downtown Belo Horizonte on weekends. But it really started to sink in when I was eighteen. Applying all my knowledge, my questioning, and my indignation, which only came about through the tool of photography at the end of the 80s, when I was almost 30.

Reviewing photographic archives, both public and familial, has become a central practice in contemporary production. What is the importance of this activity in

controu para se expressar”. Como a fotografia entrou na sua vida? O que faz dela esse lugar de conforto e em que contexto ela te permite se entender como artista?

Eu quis fazer teatro, não fiz. Me interessei por música desde sempre e cheguei a fazer um ano de violão clássico e ter uma banda que tocava de tudo. Mas nada disso eu levei tão a sério, me envolvi tanto e tive tanto domínio como o que acredito que tive na fotografia.

A genealogia familiar e a autobiografia são pontos centrais da sua produção artística. Como se dá, em sua trajetória, o entendimento e a percepção de que tais narrativas são também coletivas e parte de um projeto de resistência da população negra no Brasil?

Penso muito sobre o senso de comunidade no lugar e no meio no qual eu cresci, comunidade no sentido do que é comum a todos, o compartilhamento de conhecimentos e saberes. Eu levei um tempo para entender e ver a importância do que aprendi e de como devolver isso em forma de algum manifesto. Eu já me expressava desde muito cedo, com o meu cabelo black power, roupas e nos matinês dos bailes do Máscara Negra, no centro de Belo Horizonte nos finais de semana quando tinha uns quinze/dezesseis anos. Mas a ficha começou a cair aos dezoito anos. Aplicar todos meus conhecimentos, questionamento e indignação, isso só veio a partir da ferramenta fotografia já no final dos anos 80, com quase 30 anos.

A revisão de arquivos fotográficos, públicos e familiares, tem se demonstrado enquanto prática central da produção contemporânea. Qual a importância des-

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Foto Pintura/Photo Painting
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Eustáquio Neves Arturos/Arturos

The discovery of the universe of the photographic image seemed for me, as for many people, very magical and captivating at first. But it was that thing of beauty, the image for the sake of the image, knowing how to use the resources that photographic mechanisms offered and still offer. From the moment I learned about these mechanisms, questions and disobedience to photographic norms popped up.

your poetic research, and how do images of Black people produced throughout the 19th and 20th centuries enter your work?

The fact that we, Black people, don’t have as many records, or that there are records that don’t truly represent us, makes me delve into the archives and try, minimally, to tell a bit of our history from another perspective, hence the importance of archives in my photographic narrative.

Your work employs manipulation and intervening on photos as one of its most potent expressive forms. How did this way of creating arise, and how does this choice relate to your thematic interests, such as autobiography and memory?

The discovery of the universe of the photographic image seemed for me, as for many people, very magical and captivating at first. But it was that thing of beauty, the image for the sake of the image, knowing how to use the resources that photographic mechanisms offered and still offer. From the moment I learned about these mechanisms, questions and disobedience to photographic norms popped up.

In the field of expanded photography, you also work with video as a language and artistic support, as we saw in the exhibition “Outros Navios” [Other Ships]. Can you tell us a bit about your creative process, your

sa ação em sua pesquisa poética e como as imagens de pessoas negras produzidas ao longo dos séculos XIX e XX entram em seu trabalho?

O fato de nós, negros, não termos tantos registros ou de haver registros que não nos representam de fato me faz ir para os arquivos e tentar minimamente contar um pouco da nossa historia de uma outra perspectiva, por isso a importância dos arquivos na minha narrativa fotográfica

Seu trabalho tem na manipulação e na intervenção de fotografias um de seus pontos expressivos mais potentes. Como surge essa maneira de produzir e de que maneira essa escolha se relaciona com seus interesses temáticos, como a autobiografia e a memória?

A descoberta do universo da imagem fotográfica para mim, assim como para muitas pessoas, pareceu muito mágica e cativante no começo. Mas era aquela coisa do belo, a imagem pela imagem, saber usar os recursos que os mecanismos fotográficos ofereciam e oferecem. A partir do momento em que eu conheço esses mecanismos vem junto os questionamentos e a desobediência às normas fotográficas.

Ainda no campo da fotografia expandida, você trabalha também com o vídeo como linguagem e suporte artístico, como vimos na exposição Outros Navios. Pode contar um pouco sobre seu processo, como

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thinking on narrative, editing, and the spatial arrangement of video works?

Whether in stills or in moving images, the way I think about my videos is not very linear, or not linear at all. I’m very interested in the conversation between different media. In video, I allow myself to go into other areas, drawing, text, etc...

Speaking of editing, many of your images seem to contain within themselves this cinematic experience, arranging elements and sequences within a single frame. What aspects of cinematic editing inspire you in your creative process?

Mainly Tarkovsky, Wim Wenders. One of my greatest joys was when my work was featured alongside Wim Wenders’ photography in the English magazine C. Magazine, from Ivory Press.

How did the image of your grandfather influence the execution of your “Retrato Falado” [‘Composite Sketch’] – project?

It was precisely the absence of a photographic record of him that led me to this series.

How do you incorporate painting into your process? How did your partnership with the artist Dalton Paula come about?

I’ve always drawn and I ventured into painting before photography. Today, photography allows me to

pensa na narrativa, montagem e disposição espacial dos trabalhos em vídeo?

Seja no still ou a imagem em movimento, é muito pouco ou nada linear a forma como penso meus vídeos. Me interessa muito a conversa entre mídias. No vídeo eu me permito ir para outras áreas, desenho, texto etc…

Falando em montagem, muitas de suas imagens parecem conter em si essa experiência cinematográfica, dispondo elementos e sequências dentro de um único frame. Quais aspectos da montagem cinematográfica te inspiram em seu processo criativo?

Principalmente Tarkovski, Wim Wenders. Uma das minhas maiores alegrias foi quando meu trabalho saiu junto ao trabalho fotográfico do Win Wenders na revista inglesa C. Magazine, da Ivory Press.

Como a imagem do seu avô influenciou a execução do projeto Retrato Falado?

Foi justamente a ausência do registro fotográfico dele que me levou a essa série.

Como você encontra a pintura em seu processo?

Como surgiu sua parceria com o artista Dalton Paula?

Eu desenho desde sempre e já me arrisquei na pintura antes da fotografia. Hoje, a fotografia me permite combinar essa outra expressão. O Dalton veio fazer uma residência comigo mais ou menos no início da carreira dele nas artes. Descobrimos muitas coisas

A descoberta do universo da imagem fotográfica para mim, assim como para muitas pessoas, pareceu muito mágica e cativante no começo. Mas era aquela coisa do belo, a imagem pela imagem, saber usar os recursos que os mecanismos fotográficos ofereciam e oferecem. A partir do momento em que eu conheço esses mecanismos vem junto os questionamentos e a desobediência às normas fotográficas.

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combine this other form of expression. Dalton came to do a residency with me at the beginning of his arts career. We discovered we had many things in common beyond our professions: our last names, the orixás, etc... We became friends and partners in some projects.

Your book “Aberto pela Aduana” [Opened by customs] – is both an art book and one that is commercially distributed, published by Editora Origem. What was the process of creating this book like? What is the importance of materializing your work in a publication like this?

I stopped caring about making a book a long time ago, and without any specific goal, while rummaging through my archives, I discovered that I had one, or even more: stories in fragments of images that I wouldn’t put out in any other way than the one I did in the book.

Your latest work – Sete [‘Seven’] – also works with family archives, this time from an image of you as a child. What is the intention behind the repetition of the image, which we see not only in this series but also in previous works? What is the importance of the “Sete” series in the context of your genealogical research, which has at other times involved the image of your mother, your grandfather, and your own image as an adult?

Sometimes I see an image as a book with very broad levels of interpretation. In all my series, each image can be seen as a fascicle to tell a story. The “Sete” series is a large paragraph in this family book, mainly questioning colonialism and reaffirming the number seven as a number of resistance, for its strength and meaning within African-derived religions. ■

em comum além dos nossos ofícios: o sobrenome, os orixás etc… nos tornamos amigos e parceiros em alguns projetos.

Seu livro Aberto pela Aduana é tanto livro de artista como um livro de comercial de maior tiragem, publicado pela Editora Origem. Como foi o processo de criação deste livro? Qual a importância de materializar sua obra em uma publicação como esta?

Há muito tempo eu desencanei de fazer um livro e sem nenhuma pretensão, vasculhando meus arquivos, descobri que eu tinha uma e até mais histórias em fragmentos de imagens que eu não colocaria em circulação de outra forma que não fosse essa que eu coloquei no livro.

Seu último trabalho – Sete – também trabalha o acervo familiar, dessa vez a partir de uma imagem sua quando criança. Qual a intenção da repetição da imagem, que vemos não somente nessa série, mas também em trabalhos anteriores? Qual a importância da série Sete no contexto da sua pesquisa genealógica, a qual perpassou em outros momentos pela imagem da sua mãe, seu avô e da sua própria imagem enquanto adulto? Às vezes eu vejo uma imagem como um livros com níveis de interpretação bem amplos. Em todas minhas séries, cada imagem pode ser vista como um fascículo para contar uma história. A série Sete é um grande parágrafo desse livro família, questionando principalmente o colonialismo e reafirmando o número sete como número da resistência, pela força e significado dele dentro das religiões de matriz africana. ■

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Bomju Coelho desfaz e reconstrói corpos de maneira constante. Um braço, uma trança, uma barba cheia, uma boca que ri. Cada uma dessas partes pode se unir ou se separar de acordo com os seus desejos. Usando o corpo como elemento condutor de suas colagens, Bomju consegue criar imagens que lidam com a alegria, a ironia, o caos e mais. Há momentos em que seus personagens estão isolados, livres em um universo branco. Em outros, se unem a variados elementos gráfico que constroem a atmosfera surreal presente nas peças. É importante notar que os corpos de Bomju não estão estáticos. Há um interessante desejo de aproximar o movimento da dança e do cinema à estaticidade da fotografia e da colagem. Ao romper estes corpos e recriá-los, ela pode unir diversos tempos em uma só imagem, uma série de etapas de um mesmo movimento, presentes através de cada um destes recortes, um eco de cada uma das imagens usadas para criar este novo ser visual.

Bomju Coelho Corpografias

Bomju Coelho constantly dismantles and rebuilds bodies. An arm, a braid, a full beard, a laughing mouth. Each of these parts can come together or separate according to her desires. Using the body as a guide for her collages, Bomju manages to create images that deal with joy, irony, chaos, and more. There are moments when her characters are isolated, free-floating in a white universe. In others, they join various graphic elements that construct the surreal atmosphere present in the pieces. It is important to note that Bomju’s bodies are not static. They show an interesting desire to bring the movement of dance and cinema closer to the stillness of photography and collage. By breaking these bodies apart and recreating them, she can unite different tempos in a single image, a series of stages of the same movement, present in each of these cutouts, an echo of each of the images used to create this new visual being.

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Bomju, how did your relationship with collage begin? What keeps you coming back to this technique in constructing your works?

My relationship with collage art comes from childhood, making covers for school projects and notebooks. In my teenage years, I became interested in making collages on other supports to create autonomous compositions. But it was only when I was about 20 years old, after leaving Minas Gerais and studying graphic design in Curitiba, that I recognized that the collage circulates around the world; I saw that there were people developing this as a graphic language, and realized that I could become a collage artist. Gradually, collage became a catalyst in my life, bringing me closer to other visual artists and introducing me to the possibility of becoming an artist myself and developing an original body of work.

I always come back to collage art because it’s a territory where I can flow through relevant pillars of my poetics, such as improvisation, composition, and the creation of fictional images. I delight in the possibility of combining a nose with a grape with a bicycle. Exercising the fantastic is fundamental to me because it’s a way to release the pressure of material and concrete reality.

Your practice is quite multimedia, with works in different artistic languages. What benefits does this approach bring you? What influences or characteristics do you seek within each technique that you use?

I like the places in between the figurative and the abstract, and navigating between languages helps to have material of the sort. I’m also interested in processes and graphic procedures in a broad sense, and each language expresses itself in a different voice that is more in tune with a certain way of doing things. The cool thing about crossing media is subverting the most common strategies of each one to combine with others. This helps to arrive at fresh and unexpected graphic studies and inputs. The richness of serendipitous analog collage is different from the editing possibilities that digital collage allows, which is different from the gestural experience of stamping, which is different from the chromatic response of a screen print, and is yet distinct from the textural expression of a fabric print,

Bomju, como começou sua relação com a colagem? O que te mantém voltando para esta técnica na construção dos seus trabalhos?

Minha relação com a colagem vem de criança, compondo em capas para projetos na escola e cadernos. Na adolescência, fui me interessando por colar em outros suportes, para serem composições autônomas – mas foi só com uns 20 anos, depois que saí de Minas e fui estudar design gráfico em Curitiba, que reconheci a colagem circulando no mundo e descobri que existiam pessoas desenvolvendo linguagens gráficas autorais nesse lugar, daí saquei que eu poderia me tornar uma colagista. Aos poucos, a colagem se tornou um agente catalisador na minha vida, me aproximando de outros artistas visuais e me apresentando para a possibilidade de ser também uma artista e desenvolver um trabalho autoral.

Volto sempre pra colagem porque é um território onde consigo fluir em pilares importantes da minha poética como o improviso, a composição e a criação de imagens ficcionais. Me delicio com a possibilidade de juntar nariz com uva com bicicleta. O exercício do fantástico é fundamental para mim, porque é uma possibilidade de vazão para suportar a força da realidade material e concreta.

Sua prática é bastante multimídia, com trabalhos em diferentes linguagens artísticas. Que benefícios essa abordagem te traz? Que influências ou características você busca dentro de cada técnica utilizada?

Gosto dos lugares no meio do caminho entre o figurativo e o abstrato e a navegação entre linguagens ajuda a ter material dentro desse espaço. Também me interesso por processos e procedimentos gráficos de uma forma ampla e cada linguagem se expressa numa voz diferente e que é mais afinada com um certo jeito de fazer as coisas. O legal de atravessar mídias é subverter as estratégias mais usuais de cada uma para combinar com outras. Isso ajuda a chegar em estudos e insumos gráficos frescos e inesperados. A riqueza do acaso da colagem analógica é diferente das possibilidades de edição que a colagem digital possibilita, que é diferente da experiência gestual com carimbo, que é diferente da resposta cromática de uma serigrafia e que será ainda distinta da expressão

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for example. I like to approach the voice of each one to understand the graphic gestures that they favor, to use them in ways that interest me, both in terms of technique and scale.

The body plays a central role in your research. What relationships do you seek to build through it? What do you aim for by intertwining and building new bodies in your collages?

The body has made itself present in my work in a variety of ways, but my initial approach and interest in it developed alongside my enquiry into photography and image production. When I picked up my first camera to start learning, I took self-portraits obsessively and developed the practice of editing them. The photos were a means to an end. I edited color and light, and I also started to do cutouts and intervene graphically, more experimentally. So I understood myself as a graphic creature, as initial material that could become an image that could become other things in Photoshop.

When I started dancing, I already had this perspective of mine on photography and video, and I began to understand myself as a living being who created drawings and silhouettes in space. During this period of observation, experimentation, recording, and editing with my body, I understood that it aroused a deeper curiosity in me, one which seeped into all the other languages of my work, whether considering my own body in self-portrait or in performance, or experimenting with someone else’s body or appropriating other bodies in collages and stamps.

In constructing collages, as well as bodies and beings, I seek to create images with a touch of humor, disorderliness, inadequacy, potency, and movement –within the crazy and playful world of each composition.

You mention the desire to create rhythm and strangeness with your works. How does this appear in your collages? What narrative structure do you seek for them?

I draw strangeness in the pieces that come together imprecisely, overlapping more than fitting together. I think of strangeness alongside an idea of rhythm and pulsation; I work on the composition of the scale of the elements, seeking a proportion between them that is different from realistic propor-

de textura de uma impressão em tecido, por exemplo. Gosto de me aproximar da voz de cada uma para entender os gestos gráficos que elas favorecem para poder utilizá-los de formas que me interessam, tanto em termos de técnica como também de escala.

O corpo tem um papel central na sua pesquisa. Que relações você busca construir dentro desta investigação? O que você busca ao entrelaçar e construir novos corpos em suas colagens?

O corpo foi se fazendo presente de várias formas no meu trabalho, mas o início da minha aproximação e interesse por ele se desenvolveu colado com a investigação em fotografia e produção de imagem. Quando peguei minha primeira câmera pra aprender, eu tirava autorretratos obsessivamente e fui desenvolvendo a prática de editar esses retratos. As fotos eram o meio do caminho pra outra coisa. Editava cor e luz, e passei também a recortá-las e intervir graficamente nelas de uma forma mais experimental. Então me entendi como um bicho gráfico, um material inicial que poderia virar uma imagem que poderia virar outras coisas no Photoshop.

Quando passei a dançar, estava com esse olhar para a fotografia e o vídeo, e fui me entendendo como um ser vivo que criava desenhos e silhuetas no espaço. Nesse período de observação, experimentação, registro e edição com meu corpo entendi que ele me despertava uma curiosidade mais profunda e que vazava em todas as linguagens do meu trabalho, tanto considerando meu próprio corpo em autorretrato ou em performance, quanto experimentando com o corpo do outro, quando me aproprio de outros corpos nas colagens e carimbos.

Na construção das colagens e desses corpos e seres eu busco criar imagens com um pouco de humor, de desencaixe, de inadequação, potência e movimento em um mundo doidinho e lúdico de cada composição.

Você menciona o desejo de construir ritmo e estranhamento com seus trabalhos. Como isso aparece nas suas colagens? Que estrutura narrativa você busca para elas?

Desenho o estranhamento nos pedaços que se encontram de forma imprecisa, que mais se sobrepõem do que se encaixam. Penso estranhamento

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tions, composing fits that preserve a sense of movement between them. I make fragments occupy space in a way that creates zones of pulsation and zones of respite, which is what I recognize as rhythm.

There is an interesting mention in your introductory text about the body, about movement, and the graphic mark it makes. I am intrigued by this association between mediums dealing with continuous time (like cinema and dance) and those that freeze it (photography or drawing, for example). How did this interest arise? How do you aim to represent it in your images?

I constantly think about the graphic mark of the composition, the overall expression of the image in terms of occupation and voids, and how movement presents itself through the silhouette of the represented thing itself.

There is indeed a correlation in my collages between media that deal with continuous time and those that deal with the freezing of time, in terms of language, because photography, video, and dance are important and active fields of research for me, and they end up influencing creations a lot. It’s as if the collages were a flattening of a frozen three-dimensional moment, a kind of portrait of an action in progress, where the elements are distorted in scale, like the representation of the echo of a scene, describing the sensations it leaves behind and the strongest marks it makes as it unfolds. A distorted echo, like an edited memory or the incomplete pieces of a dream. ■

junto com uma ideia de cadência e pulsação, onde trabalho a composição da escala dos elementos buscando uma proporção entre eles que seja diferente da proporção realista, compondo encaixes que preservam uma sensação de movimento entre os elementos. A ocupação dos fragmentos no espaço também é feita para criar zonas de pulsação e zonas de pausa, que é o que reconheço como ritmo.

Há uma menção interessante em seu texto de apresentação sobre o corpo, movimento e a mancha gráfica que este produz. Me parece uma associação muito interessante entre meios que lidam com tempo contínuo (como o cinema e a dança) e aqueles que lidam com o congelamento do tempo (fotografia ou desenho, por exemplo). Como surgiu este interesse? Como você busca representá-lo nas suas imagens? Tenho o pensamento constante na mancha gráfica da composição, na expressão geral da imagem em termos de ocupações e vazios e em como o movimento se apresenta através da silhueta da coisa representada.

Tem realmente uma correlação em minhas colagens entre meios que lidam com o tempo contínuo e os que lidam com o congelamento do tempo em termos de linguagem, porque a fotografia, o vídeo e a dança são campos de pesquisa importantes e ativos pra mim e eles acabam influenciando bastante nas criações. É como se as colagens fossem uma planificação de um momento tridimensional congelado, uma espécie de retrato de uma ação em andamento, onde os elementos se apresentam distorcidos em escala, como a representação de um eco da cena, descrevendo a sensação que ela deixa e as marcas mais fortes que ela imprime enquanto se apresenta. Um eco distorcido, como uma memória editada ou um sonho com pedaços incompletos. ■

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Romeu Silveira’s Unportraits are a response to the challenges of the pandemic, an inquiry into the concept of ‘non-portraits’ that begins from out-of-focus images captured through Google Street View. In an era when interactions are limited to digital platforms and our virtual reflections become our constant companions, Silveira applies himself to the way a North American giant of technology constructs Brazil and its inhabitants. To differentiate his work from other projects carried out using this imagery base and to introduce an element of strangeness, Silveira saturates his images, separating them from their cold original context. This image-borrowing is a central element of his creative process, transforming commonplace pictures into works that explore the fragility and ephemerality of the digital world. Critical reflections on the surveillance and loss of control embedded in our relationship with technology come to the forefront, fostering crucial analysis of the role of images in our lives, and of a scenario that needs scrutiny.

Romeu Silveira Unportraits

Unportraits, de Romeu Silveira, é uma resposta aos desafios impostos pela pandemia, explorando o conceito de ‘nãoretratos’ a partir de imagens desfocadas capturadas pelo Google Street View. Numa era em que as interações se limitaram a plataformas digitais e o nosso reflexo virtual tornou-se um constante companheiro, Silveira mergulhou na reprodução do Brasil e de seus habitantes construída por um gigante norte-americano da tecnologia. Para destacar seu trabalho de outros projetos realizados a partir da mesa base imagética, e introduzir um elemento de estranhamento, Silveira satura suas imagens, as separando de seu frio contexto original. A apropriação de imagens é um elemento central do seu processo criativo, transformando imagens antes consideradas banais em obras que exploram a fragilidade das imagens digitais e sua efemeridade. A reflexão crítica sobre a vigilância e a perda de controle nessa relação com a tecnologia é evidente, provocando uma importante análise sobre o papel das imagens em nossas vidas e a necessidade de uma postura crítica diante desse cenário.

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What led you to the theme of Unportraits? How did this project come about?

I started the series during the pandemic, in mid2020, at a moment when our relationships to other people were reduced to video chats and we were obliged to see our own faces on the screen, like digital mirrors, over long stretches of time. During that same period, my attention was caught by a report that claimed that stories where users’ faces appeared were more engaging to viewers. This context was what drew me to the blurred human faces captured by Google Street View. The publisher zero-Edições had just appeared, so I began to capture these non-portraits and upload them to a page created on the publisher’s site; it functioned as a digital installation where the publishing process was shared for a limited time. The page was updated weekly until we reached a large number of images, enough to publish the book. It came out in 2021.

You mention a more saturated presentation, as opposed to the cold photographic record made by Street View. What led to that aesthetic choice? What other transformations of the original images did you consider pertinent?

The decision to saturate emerged from commentaries I remembered, from when Google Street View was first launched, saying that its images of cities and places were cold and impersonal. Shortly thereafter, I began to think about how, as a series devoted to non-portraits of Brazilians, it might be interesting to saturate the images, establishing a counterpoint to the platform’s original images, and also breeding a certain estrangement. Since most works done using images from Google Street View have been European or North American, saturation becomes a way of marking out a distinct territory.

O que te levou ao tema de Unportraits? Como surgiu esse projeto?

A série foi iniciada durante a pandemia, em meados de 2020, naquele momento em que nossas relações com outras pessoas foram reduzidas a conversas em vídeo, onde tivemos que encarar por longos períodos o nosso próprio rosto como um espelho digital. Nesse mesmo período, me chamou atenção uma matéria em que dizia que os storys em que os usuários apareciam mostrando o rosto engajavam mais. Todo esse contexto me fez prestar atenção para os rostos desfocados das pessoas capturadas pelo Google Street View. A zero-Edições tinha acabado de nascer, então comecei a capturar os não-retratos e subir numa página criada dentro do site da editora, que funcionava como uma instalação digital onde o processo de edição do livro era compartilhado durante um período limitado de tempo. Essa página foi atualizada semanalmente até atingir um número considerável de imagens para a produção do livro, que foi lançado em 2021.

Você menciona uma apresentação mais saturada, em oposição ao registro frio da câmera do Street View. Por que você escolheu este caminho estético? Que outras transformações você considerou pertinentes em relação às imagens originais?

A decisão pela saturação apareceu ao lembrar de comentários feitos quando o Google Street View foi lançado, que as imagens das cidades e dos lugares eram frias e impessoais. Em seguida, comecei a pensar que por ser uma série dedicada a não-retratos de brasileiros, poderia ser interessante trabalhar na saturação das imagens como uma forma de estabelecer um contraponto com as imagens originais da plataforma, e também um certo estranhamento. Como a maioria dos trabalhos

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How did you choose the characters that appear in the project? What guided you in building a narrative with this sequence of non-portraits?

In my first image-capture sessions, I was looking for curious scenes, like someone getting out of a car, a street vendor moving, two people chatting on the street. But little by little I realized that these images didn’t work as portraits, so I started focusing on capturing characters who were standing still and facing forward. During the process of editing the book, I decided to bring some of the images that I had discarded back in because they seemed to add rhythm to the series. I didn’t think about a specific narrative during the process of editing the book, because I consider each image/non-portrait as a bearer of its own narrative. This leaves us free to speculate about what the person was doing, where they were going, where they were coming from, at the exact moment that the Google Street View camera caught them.

What role does appropriation take within your creative process? Do reflections on the excess of images in the digital world affect the making of your work?

Appropriation is a key and constant practice within my creative process. I like to think that all these works are part of something bigger, of a digital archaeology. I transform these collections of images, which are often disposable and useless, giving them some kind of dignity as they return to the world as books, installations, a series of collages or videos. I use the term ‘dignity’ because most of the images I appropriate are commonplace; to use a concept from Hito Steyerl, they are ‘poor images’. And in the case of Street View images, they are screenshots, reworked and returned to the world as high-resolution images. Transformed into a book, into a series, their value changes; it is a way of adding value to that which previously had none. This process is something that I really enjoy when I think about my series. How can I give value to this collection of images that until then had no value? This fragility of digital images, how everything is ephemeral and can easily be lost, inspires me to continue creating this archeology. It works as a commentary and a reflection on the moment we live in.

Your work provides a critical view of the image surveillance imposed on us by technology. Do you belie-

feitos com imagens do Google Street View são europeus ou norte americanos, a saturação funciona como uma marcação de território.

Como você escolheu os personagens que aparecem no projeto? De que maneira buscou construir uma narrativa com esta sequência de não-retratos?

Nas primeiras sessões de captura, eu buscava por cenas curiosas, como alguém saindo do carro, um vendedor ambulante em movimento, duas pessoas conversando na rua, mas aos poucos fui percebendo que essas imagens não funcionavam como retratos, então comecei a focar em capturar personagens que estavam parados e de frente. Durante o processo de edição do livro, resolvi resgatar algumas das imagens que foram descartadas porque considerei que elas dão ritmo a série. Não pensei numa narrativa especifica durante o processo de edição do livro, porque eu considero que cada imagem/não-retrato carrega uma narrativa própria, então ficamos livres para especular sobre o que aquela pessoa estava fazendo, para onde estava indo, de onde estava voltando, no exato momento em que foi capturada pela câmera do Google Street View.

Qual o papel da apropriação dentro do seu processo criativo? A reflexão sobre o excesso de imagens em um mundo digital atravessa a produção dos seus trabalhos?

A apropriação é uma prática constante e central dentro do meu processo criativo. Eu gosto de pensar que todos esses trabalhos são parte de algo maior, de uma arqueologia digital. Quando transformo essas coleções de imagens, que muitas vezes são descartáveis e sem utilidade, dou a elas algum tipo de dignidade ao retornar para o mundo como livros, instalações, série de colagens ou vídeo. Eu falo em dignidade porque a maioria das imagens que eu me aproprio são banais, ou utilizando um conceito da Hito Steyerl, são imagens pobres. E neste caso das imagens do Street View, são capturas de telas, que foram retrabalhadas e devolvidas ao mundo como imagens de alta resolução, e ao serem transformadas em livro, em séries, é uma maneira de alterar o valor delas, de agregar valor ao que antes não tinha valor nenhum. Esse processo é algo que eu gosto muito de fazer quando penso as minhas séries, como eu posso dar valor pra essa coleção de imagens que até então não tinha valor nenhum? Essa fragilidade das

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ve that we still have control over this relationship? Or are we increasingly observed while ever less observant?

I think we have already lost that control. Most of us are increasingly willing to sell/exchange our own images for comfort, security, prestige, validation, and everything else these platforms can offer. I think we are at a critical moment in which most of our activities are aimed at producing images, and at first glance it may seem like we have become great observers of the world, but I have the sensation that little of what is recorded is retained, analyzed, and preserved as real memory, beyond mere digital file. Maybe we’re all waiting for an image bug, something that will redefine the way we deal with all this saturation. And until that day arrives, all we can do is look out over this entire ocean of imagery with a critical eye. ■

imagens digitais, em como tudo é efêmero e pode ser perdido facilmente, me inspira a continuar criando essa arqueologia, que funciona como um comentário e uma reflexão sobre o momento que vivemos.

Há uma visão crítica em relação à vigilância imagética imposta sobre nós pela tecnologia em seu trabalho. Você considera que ainda estamos no controle desta relação? Ou somos cada vez mais observados e cada vez menos observadores?

Eu penso que já perdemos esse controle, a maioria de nós esta cada vez mais disposta a vender/trocar suas próprias imagens por conforto, segurança, prestígio, validação e tudo mais o que essas plataformas puderem oferecer. Acho que estamos em um momento crítico em que a maioria das nossas atividades é feita visando a produção de imagens, e a primeira vista isso pode parecer que nos tornamos grandes observadores do mundo, mas a sensação é que pouco do que é registrado é realmente retido, analisado, conservado como memória real e não como um mero arquivo digital. Talvez estamos todos esperando por um bug das imagens, algo que vai redefinir a maneira como lidamos como toda essa saturação. E enquanto esse dia não chega só nos resta encarar todo esse oceano imagético de maneira crítica. ■

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Cícero Costa Epílogo/Epilogue

A História passa por uma constante filtragem, um processo de decisão – se não arbitrária, profundamente limitada – do que merece ser reconhecido e registrado e do que não. Mesmo na contemporaneidade, com mais vozes, canais e espaços, ainda há quem defina o que entra e o que não entra em espaços centrais de registro, como a Wikipédia. Com Wikipédia Maria, Cícero Costa rompe essa barreira à sua maneira, criando uma página na enciclopédia para sua mãe, narrando sua história, pontos marcantes de sua vida e caminho até aqui. Apesar de não ser aceita como página oficial, a entrada sobre Maria está disponível através do site do artista e pode ser vista por todos. Em uma edição em que refletimos sobre territórios, identidade e cultura, nos parece perfeito chegar ao final com este epílogo e a vida de Maria.

History goes through constant filtering, a decision process – if not arbitrary, deeply limited – of what deserves to be recognized and recorded and what does not. Even in contemporary times – with more voices, channels and venues – there are still those who define what enters and what does not in central recording spaces, such as Wikipedia. With Wikipedia Maria, Cícero Costa breaks this barrier in his own way, creating a page in the encyclopedia for his mother, telling her story, highlighting her life and her path to this point. Despite not being accepted as an official page, the entry about Maria is available through the artist's website and can be seen by everyone. In an edition in which we reflect on territories, identity and culture, it seems perfect to end with this epilogue and the life of Maria.

veja o trabalho na íntegra/see the work in full https://marteloagalopado.tumblr.com/wikipedia-maria

Resenhas/Reviews

Leve a sério o que ela diz/ Take what she says seriously

Isabella Lanave [Lovely House]

https://livrosdefotografia.org/publicacao/37521/leve-a-serio-o-que-ela-diz

Um dos grandes fotolivros lançados no Brasil nos últimos anos, Leve a sério o que ela diz nos convida a olhar para a nossa própria saúde mental através de relatos de pessoas neurodiversas e suas relações familiares.

Xênia, Tais, Roseli, Luana, Lúcia, Vino, Victor, Stilo, Luiz e Lucas. Dez pessoas que compartilham suas experiências por meio de cartas, desenhos, poemas, músicas e fotografias produzidas em colaboração com a autora.

“Ouvi, desde criança, para não levar a sério o que minha mãe dizia. Após seu primeiro diagnóstico de transtorno mental, acreditei que essa era a justificativa para o que me diziam. Com o tempo percebi que não era exatamente sobre isso. Leve a sério o que ela diz é parte da minha transformação em olhar para a loucura, para minha mãe e para a minha existência.” Diz Isabella Lanave.

O livro parece se passar todo num bosque. Na mitologia o bosque é um lugar onde acontecem encontros mágicos e transformações. Nem sempre existe uma transição de um personagem para o outro, de forma que as histórias se misturam. Duas fotos específicas me chamaram a atenção. A primeira foi logo a de abertura do livro, uma fotografia antiga em preto e

branco de um jardim florido. A segunda veio mais pro final do livro, um detalhe das mãos de uma senhora que aparentemente não fazia parte da história dos personagens principais. A autora me conta em mensagem que a imagem do jardim faz parte do arquivo de sua avó, e as mãos no detalhe pertencem à mesma. Isso me fez pensar que a história do livro não é narrada somente por Isabella, mas também por sua própria avó, e em consequência por sua mãe. “A nossa casa é como um “mini-manicômio” diz a legenda de outra foto.

“Quando olhar seu medo, você se tornará mais responsável, aí acontecerá a mudança.” diz Taís enquanto abraça sua filha Juliana. Lucas atravessa a ponte onde um dia jurou se jogar, e nos pede para atravessá-la também. Xênia nos lembra da importância de escrever cartas a nós mesmos e aos que amamos. Vento que sopra. Mãos que seguram outras mãos, rede de apoio, teias, raízes. Uma carta entregue ao vento, espero que leia e escreva de volta.

One of the great photobooks published in Brasil in recent years, Take what she says seriously invites us to look at our own mental health through the narratives of neurodiverse people and their family relationships.

Xenia, Tais, Roseli, Luana, Lúcia, Vino, Victor, Stilo, Luiz and Lucas: ten people who share their experiences through letters, drawings, poems, music and photography that they have produced, in collaboration with the book’s author.

“Since I was a child, I heard people telling me not to take what my mother said seriously. I took her

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first mental health diagnosis as a reason to believe what they had been saying. Over time I realized that it wasn’t just about that. Taking what she said seriously became part of a transformation of my way of looking at madness, at my mother and at my own existence”, Isabella Lanave tells us.

The entire book seems to take place in a forest. In mythology, the forest is a place where magical encounters and transformations occur. There is not always a transition from one character to another, so their stories sometimes merge. Two specific photos caught my attention. The first was at the very beginning of the book, an old black and white photograph of a flower garden. The second came towards the end of the book, in a detail: the hands of a lady who apparently was not among the main characters of the story. The author conveys the message that the image of the garden belongs to her grandmother’s archive, and that the hands in the detail are hers. This made me think that the story that the book tells is narrated not by Isabella alone, but also by her grandmother, and therefore by her mother. “Our house is like a ‘mini-asylum’ says the caption of another photo.

“When you look your fear in the eye, you become more responsible, and this is where change kicks in,” says Taís while hugging her daughter Juliana. Lucas crosses the bridge he once swore he would jump off, and he invites us to cross it with him. Xenia reminds us of the importance of writing letters to ourselves and those we love. The wind is blowing. Hands are holding other hands, as well as support networks, webs, roots. A letter is cast to the wind. I hope you read it, I hope you write back.

Leve a sério o que ela/ Pay attention to what she says

Lovely House

Edição/Edition

Isabella Lanave

Design

Thalita Sejanes

140 páginas, 18 × 24 cm, lombada exposta; impressão offset por Gráfica Cinelândia; tiragem de 500 cópias/ 140 pages, 18 × 24 cm, coptic stitch binding Offset; printing by Gráfica Cinelândia; Print run: 500 copies

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I know I exist because you imagine me

Nearest Truth Editions

Edição/Edition

Brad Feuerhelm e Gui Marcondes

Design

Gui Marcondes

84 páginas, 20 × 30 cm, lombada exposta e sobrecapa em acetato; impressão offset; tiragem de 300 cópias/ 84 pages, 20 × 30 cm, coptic stitch binding and acetate dust jacket; offset printing; 300 copies

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I know I exist because you imagine me

Marcondes

https://www.nearesttrutheditions.com/books/ gui-marcondes

Ao longo dos últimos sete anos, Gui Marcondes publicou uma série de zines intitulada Gira, na qual o autor compila imagens que representam sua experiência anual, sempre em trânsito entre Nova York e São Paulo. “I know I exist because you imagine me” é a culminação desse trabalho.

O livro se inicia com uma citação do filme Sans Soleil, um documentário experimental dirigido por Chris Marker, lançado em 1983. No filme, Marker adota uma abordagem não linear, combinando imagens de arquivo, filmagens de viagens e narrações contemplativas. A narradora do filme reflete sobre a condição efêmera da memória, questionando a maneira como lembramos e interpretamos eventos passados.

Os dioramas do Museu de História Natural de Nova York se misturam com restos jogados numa praia após as celebrações do Dia de Iemanjá. O constante chiado de uma televisão se funde com o crepitar de uma floresta em chamas. Fotografias de um paulistano criado em Salvador, editadas por um americano que mora na Eslováquia, a mistura de tudo com tudo, McDonalds com Macumba.

Assim como Marker, Marcondes explora a ideia de perda de identidade e do inconsciente coletivo, transformando suas idas e vindas em fragmentos,

tanto reais como imaginados. Destaque para a impecável impressão feita na Bulgária e para a capa produzida em serigrafia sob acetato.

Over the last seven years, Gui Marcondes has published a series of zines under the title Gira [Spin] in which he compiles images that represent his annual experiences, shuttling between New York and São Paulo. “I know I exist because you imagine me” is the culmination of this project.

The book begins with a quote from the film Sans Soleil, an experimental documentary directed by Chris Marker, released in 1983. Marker’s approach to the film is non-linear, mixing archival footage, travel footage and contemplative narration. The film’s narrator reflects on the ephemeral condition of memory, questioning the way we remember and interpret events of the past.

New York Museum of Natural History dioramas mix with the trash thrown on the beach after Iemanjá Day celebrations in Brazil. The constant hiss of a television merges with the crackle of a burning forest. Photographs by a São Paulo native raised in the city of Salvador, edited by an American who lives in Slovakia, are a mix of everything and everything, from McDonalds to Macumba rituals.

Like Marker, Marcondes explores the idea of loss of identity and the collective unconscious, turning his own comings and goings into fragments, both real and imagined. Highlights include the impeccable printing done in Bulgaria, and the cover made using silkscreen printing on acetate.

131 Resenhas/Reviews
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Editor Chefe/Editor-in-chief

Felipe Abreu

Conselho Editorial/ Editorial Board

Daniele Queiroz

Milena Costa

Vitor Casemiro

Projeto Gráfico/Design

Bloco Gráfico

Produção Executiva/ Executive Production Frida!

Texto e entrevistas/ Text and interviews

Ana Vitório

Daniele Queiroz

Felipe Abreu

Vitor Casemiro

Artistas desta edição/ Artists in this issue

Bomju Coelho

Cícero Costa

Erick Peres

Eustáquio Neves

Laryssa Machada

Lívia Melzi

Romeu Silveira

Maio/May 2024

ISSN 2525-5622

revista.old@gmail.com

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