Caio Fernando Abreu - Clipping

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JORNAL DO BRASIL

Domingo, 30 de agosto de 2009 cadernob@jb.com.br

Exposição

Rio perde espaço no circuito das grandes mostras B2 e B3

Cinema

Uma conversa com Hayao Miyazaki, o ‘Disney japonês’ B4 e B5

Saudade visceral Arrebatador como Cazuza e Renato Russo, o escritor Caio Fernando Abreu ganha documentário cuja missão é redimensionar a obra que influenciou uma legião de jovens nos anos 80

Literatura

Dois textos inéditos de Emil Cioran surgem na França B12

B CPDoc JB/Vânia Toledo

Página B8 e B9


Jornal do Brasil B8 |JB CADERNO B |Domingo, 30 de agosto de 2009

cadernob@jb.com.br

Jornal do Brasil Domingo, 30 de agosto de 2009

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CADERNO B |B9

CAPA

O sentimento que salta pelos poros Luiz Felipe Reis

F

ruto dos conturbados anos 60 e 70, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996) aprontou muitas e boas em seus 47 anos de escrita e paixão. Enfrentou e sobreviveu à barra pesada da repressão militar, época em que foi preso três vezes; e experimentou os sabores e dissabores de quem se deixa levar pelos excessos e pela excitação da liberdade sexual que desabrochou e foi catapultada pelo flower power. Radicado em São Paulo durante a maior parte da sua vida profissional, em que atuou como jornalista, cronista, romancista, entre outras facetas, manobrou nas ondas lisérgicas do movimento hippie e se jogou de cabeça na noite negra e concreta dos punks. Fez de tudo. Viveu como se não houvesse amanhã. Vítima de Aids, morreu cedo. Justo na época em que seus livros ganhavam projeção internacional e fincavam seu nome como ícone de uma juventude libertária. Trajetória de filme que, após ganhar versão impressa talhada intimamente pela amiga e escritora Paula Dip, finalmente ruma às telas, em documentário que marca a estreia de Candé Salles na direção. – Encontrei a Paula no lançamento do livro e ela fez o convite para fazermos o documentário. Ela já havia resgatado imagens de acervo familiar e captado alguns depoimentos de amigos, como Maria Adelaide Amaral, Luiz Arthur Nunes, Joyce Pascowtich e Graça Medeiros – lembra Salles, que acertou com a Conspiração Filmes a produção do longa. – Ela estudou o quanto eu conhecia e admirava o Caio. E imediatamente mergulhei novamente em todos os livros. Pesquisamos entrevistas de TV em que ele fala sobre a doença, o planeta e literatura, descobri um filme sensacional em Super-8, de 1975, rodado quando ele morava em Londres, e em que ele atua. Outro totalmente inédito, na França, em que ele filma passagens narradas por alguns textos, mostra seus passeios pelos parques, sua condição de estrangeiro. Agora é hora de pegar a câmera e sair entrevistando gente como o Gilberto Gawronski, Marcos Breda, Bruna Lombardi, Vânia Toledo, e muito mais. A minha pretensão é a de conseguir fazer um documentário doce, simples, bonito e poético, como ele.

O escritor está vivo no YouTube

Arrebatadora como a aparição de Cazuza e Renato Russo no cenário musical brasileiro, a literatura visceral de Caio Fernando Abreu abriu um clarão de possibilidades na literatura nacional contemporânea – com especial impacto entre os jovens. Em vez de amplificadores, microfones e guitarras distorcidas, lançou mão, literalmente, de um arsenal de impressões, sensações, sentimentos e questionamentos atemporais que fagulhavam em sua mente irrequieta, atravessava seu corpo até sair pelos poros. Ou melhor, por dedos que batucavam, em ritmo frenético, numa velha e surrada máquina de escrever – seu instrumento de ação. Ao mesmo tempo em que rever-

Fernando Souza

As ideias viscerais de Caio Fernando Abreu inspiram documentário sobre o escritor cujos textos tocaram profundamente toda uma geração, nos anos 80

Acervo Luiz Arthur Nunes

Acervo da UFRGS

Marcos Santilli/Divulgação

Ele procurou por um amor que nunca aconteceu. Sua grande companheira era a literatura Paula Dip Escritora

beravam os versos cunhados pelos ídolos roqueiros, a década de 1980 fez explodir obras do quilate de Morangos mofados, Triângulo das águas e Os dragões não conhecem o paraíso, que cravam, até hoje, seu nome no imaginário de uma geração que põe abaixo uma de suas marcantes frases: “Queria tanto que alguém me amasse por alguma coisa que escrevi”. – O motor desse documentário é fazer com que os jovens de hoje se interessem e tenham mais informações sobre ele. É impressionante ver o quanto essa garotada está interessada na obra do Caio. Pessoas que não conviveram, não o viram na TV, nem o leram no jornal... Queremos homenageá-lo. Essa moçada precisa ler esse grande escritor brasileiro, as editoras têm que se

Reprodução

REENCONTRO – Amigo pessoal do escritor Caio Fernando Abreu, Candé Salles dirige seu primeiro documentário, que conta com imagens dos anos 70, 80 e 90, resgatadas do acervo familiar

interessar em reeditar. Quanto mais se fala, mais atenção. É só acessar o YouTube ou os blogs para ver a quantidade de garotos que escrevem ou que montam seus textos. Candé foi um desses. Produtor de teatro, cinema, diretor de casting e de programas de TV, como As pegadoras, da emissora à cabo Multishow, aos 12 anos ele iniciou sua incursão ao universo artístico. Fez o Tablado e, logo depois, já deu o ponta pé em suas primeiras produções. Aos 17, surge com Bailei na curva, texto que serviu como début ao ator Felipe Camargo como diretor teatral. Após a temporada, indicado pela amiga Gabriela de Chevalier, debruçou sobre o clássico Morangos mofados. “Metido a se meter nas coisas”, como diz, se uniu

aos amigos-atores Maurício Branco e Natália Lage para montar A beira do mar aberto – colagem de textos pinçados de seis contos sobre a solidão. Aprovada pelo autor, entrou em cartaz em Fortaleza, dirigida por Gawronski, no último ano da sua vida. – Seus textos eram o que eu queria ler. Comprei todos os livros, me viciei completamente e comecei a presentear os meus amigos. Costurei os textos para a peça e pedi autorização para a maluquice. Ele amou, ficou impressionado porque eu era muito novo. Na estreia, passamos uma semana juntos e eu fiquei louco, mais apaixonado do que eu já era. Ele era engraçado, sensível e muito observador. Apesar de doente, em nenhum momento deixou de

fazer nada, ir à piscina, sair para jantar e fumar. Seu vício. Após o primeiro encontro, passaram a se falar por telefone, trocar planos, intimidades e ideias sobre teatro, literatura, astrologia, entre outros interesses. – Éramos amigos. Ligava apenas para ouvir a sua voz, aquela coisa de fã – conta. – Foi uma identificação forte gerada pela capacidade de descrever e exemplificar sentimentos e sensações que eu nunca havia visto. Sempre li muito, mas ele tocava no meu coração e na minha ferida. Foi o primeiro escritor que me fez chorar, que me fez ver o mundo de outra forma. Como a Paula diz, eu tive a honra de conviver com ele. Poucos da minha geração tiveram o prazer de ter sido tocado por ele

na minha formação como ser humano e homem. Íntimos por mais de 20 anos, tendo trabalhado juntos em redações de revistas e jornais, a autora de Para sempre teu, Caio F., Paula Dip – que participa da mesa Escrever Sobre Escritores, na 15ª Bienal do Livro, com início no dia 10 de setembro – não estava no país durante os últimos dois anos de vida do autor. Se comunicavam por telefone ou cartas, as quais Caio escrevia diariamente para os amigos. – Sofri a morte do Caio 10 anos depois, quando me deparei com suas imagens de arquivo. Espero que o filme emocione. Inserida como personagem de seu próprio livro, ela mergulhou fundo em lembranças.

– Cativava amizades com cartas e diários que escrevia sem parar. 24 horas era pouco. Adorava cuidar do jardim, ouvir música, tomar chá, apreciar bons vinhos e sair para dançar, quando tinha grana. Nunca juntou, não quis ficar rico. O autor, que rejeitava o rótulo de literatura gay, respeitava, acima de tudo, sua individualidade. – Era sexualmente livre, namorava homens e mulheres, fazia o suas vontades, algo que vejo nos jovens. Tinha altos e baixos. Precisava da solidão, a mesma a qual se debatia. Escreveu sobre a vida, a morte e a superficialidade das relações. Procurou a vida toda por um grande amor que, talvez, nunca tenha acontecido. Sua grande companheira era a literatura.













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