Caliban 2. Tempo

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Volume 11, Nยบ 1, Ano 2013




Federação Psicanalítica da América Latina

Volume 11, Nº 1, Ano 2013 ISSN 2304-5531

Publicação oficial da Fepal (Federação Psicanalítica da América Latina) Luis B. Cavia 2640 apto. 603 esq. Av. Brasil, Montevideo, 11300, Uruguay. revista@fepal.org Tel: 54 2707 7342. Telefax: 54 2707 5026. www.facebook.com/RevistaLatinoamericanadePsicoanalisis

Editores • Mariano Horenstein (Argentina), Editor-chefe. • Laura Verissimo de Posadas (Uruguai), Editora suplente e editora da seção Argumentos. • Ana Maria Andrade de Azevedo (Brasil), Editora associada. • Raya Angel Zonana (Brasil), Editora associada suplente e editora de Dossiê. • Andrea Escobar Altare (Colômbia), Editora associada. • Jean Marc Tauszik (Venezuela), Editor associado suplente e editor da seção Clássica & Moderna. Comissão executiva: Jorge Bruce (Peru-Editor da seção O estrangeiro), Alberto Cabral (Argentina-Editor da seção Vórtice), Gloria Gitaroff (Argentina-Editora da seção Bitácula), Admar Horn (Brasil), Marta Labraga de Mirza (Uruguai-Editora da seção Cidades Invisíveis), Sandra Lorenzon Schaffa (Brasil-Editora da seção De memória), Fernando Orduz (Colômbia-Editor da seção Textual), Lúcia Palazzo (Brasil). Conselho de editores regionais: César Luís de Souza Brito (SPPA), Helena Surreaux (SBPPA), Candida Holovko (SBPSP), Viviane Frankenthal (SBPRJ), Maria Arleide da Silva (SPR), Miriam Catia Bonini Codorniz (SPMS), Claudia Borensztejn (APA), Cristina Bisson (APdeBA), Eduardo Kopelman (APC), Rosa Amaro (SPM), Mabel Sapino (APR), Julia Braun (SAP), Marta Labraga de Mirza (APU), Marta Guzmán (APCH), Jorge Bruce (SPP), Carlos GómezRestrepo (Socolpsi), Rómulo Lander (SpdeC), Paolo Polito (AsoVeP), Julia Casamadrid (APM), Adriana Lira (APG). Revisão da versão em espanhol: Andrea Escobar Altare. Revisão da versão em português: Raya Angel Zonana. Colaboradores: Natalia Mirza (APU), Noemí Chena (APC), Iliana Horta Warchavchik (SBPSP), Raquel Plut Ajzenberg (SBPSP), Regina Weinfeld Reiss (SBPSP), Osvaldo Canosa (APA), Verónica Ester Díaz (APdeBA), Adriana Yankelevich (APdeBA), Eloá Bittencourt Nóbrega (SBPRJ), Wania Maria Coelho Ferreira Cidade (SBPRJ), Luis Grieco (APU), Analía Wald (APA), Felipe Muller (APA), Vivian Schwartzman (SPP), Alfredo Valencia (APM), Helena Surreaux (SBPPA). Logística & Comercialização: Jorge Federico Gómez. Tradução e correção: Denise Mota, Mauricio Erramuspe. Projeto gráfico: Di Pascuale Estudio [www.dipascuale.com].

Comissão Diretora da Fepal Presidente Abel Mario Fainstein (Asoc. Psic. Argentina) Suplente: Fernando Weissmann (Asoc. Psic. Argentina) Secretaria Geral Jeanette Dryzun (Asoc. Psic. Argentina) Suplente: Darío Alberto Arce (Asoc. Psic. Argentina) Coordenador Científico Sergio Lewkowicz (Soc. Psic. de Porto Alegre) Suplente: Zelig Libermann (Soc. Psic. de Porto Alegre) Diretora da Sede Susana Garcia Vázquez (Asoc. Psic. del Uruguay) Suplente: Ana Maria Chabalgoity (Asoc. Psic.del Uruguay) Diretora do Conselho Profissional Amelia Jassan (Asoc. Psic. Mexicana, A.C.) Suplente: Alexis Schreck Schuler (Asoc. Psic. Mexicana, A.C.) Diretora de Comunidade e Cultura Mónica Cardenal (Asoc. Psic. de Buenos Aires) Suplente: Nara Amália Caron (Soc. Psic. de Porto Alegre) Coordenador de Crianças e Adolescentes Sérgio Nick (Soc. Bras. de Psic. do Rio de Janeiro) Suplente: Maria Cecilia Pereira da Silva (Soc. Brasileira de Psicanálise de São Paulo) Diretor de Publicações Luis Alejandro Nagy Urbina (Soc. Psic. de México, A.C.) Suplente: Alejandro Martini Morel (Soc. Psic. de México, A.C.) • As opiniões dos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade e não refletem necessariamente as dos editores da publicação. Permitida a reprodução, desde que seja citada a fonte e somente com autorização expressa e por escrito dos editores. • Os editores fizeram o possível para contatar-se com os detentores dos copyrights das imagens utilizadas. Se você é responsável por alguma dessas imagens e não entramos em contato, por favor, comunique-se conosco através do nosso correio.


Índice

6

Editoriais

7

Palavras da Comissão Diretora da Fepal

9

Zeitgeist por Mariano Horenstein

15

Argumentos

16

História, espaço e tempo no processo analítico por Vera L.C. Lamanno-Adamo

31

Sobre tempos e contratempos por Javier García

43

Psicanálise na infância: Em defesa de certo tempo por Celso Gutfreind

53

Vicissitudes do tempo por B. Miguel Leivi

73

Tempo e história na clínica psicanalítica por Bernardo Tanis

93

O estrangeiro

94

Do Tempo o que se diz por Ricardo Kubrusly

105 106

117

Textual Uma intelectual de cabotagem Entrevista com Beatriz Sarlo

Vórtice: Escritas psicanalíticas (escrever, ler e publicar na América Latina)

118

De “Achados, ideias, problemas”, uma longa viagem até Calibán por Raya Angel Zonana

3


123

A Revista Latinoamericana de Psicoanálisis, com o passar dos anos por Gloria Gitaroff

127

Versões da Revista Latinoamericana de Psicoanálisis desde a sua fundação até Calibán

129

Como escrever a psicanálise clínica por Eduardo Laverde-Rubio

129

Escrever a psicanálise? por Marta Labraga de Mirza

136

Uma revista nova por Edmundo Gómez Mango

139

Reencontrando as raízes: Novos ares por Luís Carlos Menezes

145

Controvérsias editoriais/Controvérsias em psicanálise por Leticia Glocer Fiorini

148

Revista de Psicanálise por Ana María Viñoly

149

Revista Brasileira de Psicanálise: Um sonho transformado em realidade por Bernardo Tanis

150

“Yes, nós temos bananas!!?” por Ana Maria Andrade de Azevedo, Ana Maria Stucchi Vannucchi, Ester Hadassa Sandler

166

4 Índice

Dossiê: Walter Benjamin

169

Restos de um naufrágio por Diana Sperling

175

Catástrofe e despertar. O tempo em Walter Benjamin por Victor J. Krebs & Eduardo Jochamowitz

182

Passagens do sonho ao despertar da história por Aléxia Bretas

191

Walter Benjamin e o tempo dos oprimidos por Alicia Entel


198

No coração das coisas por Roseli Stier Azambuja

206

Aquele anjo ferozmente humano por Adriana Yankelevich

212

Os personagens de Benjamin por Jean Marc Tauszik

216 218

227 228

233

Clássica & moderna Fabio Herrmann e a máquina de pensar de Freud por Sandra Lorenzon Schaffa

Cidades invisíveis Bogotá, 2.600 metros mais perto das estrelas por Fernando Orduz

De memória

234

“Venha, vamos jogar” por Miguel de Azambuja

236

Sprezzatura de J.-B. Pontalis por Marcelo Marques

239

Pontalis: Tão longe, tão perto por Marilú Pelento

242

Bitácula

Índice 5


Editoriais

Santiago Borja

6


Palavras da Comissão Diretora da Fepal

É um grande prazer prefaciar este segundo número da nossa Revista LatinoAmericana de Psicanálise, Calibán. Este número dedicado ao “Tempo” nos introduz em um tema de enorme interesse na psicanálise contemporânea. A noção de temporalidade não é alheia ao nosso trabalho terapêutico, e é necessária para que qualquer projeto seja desenvolvido e consolidado. Calibán não escapa a isso. Cada uma das seções inauguradas no número um se renovam em termos temáticos, desta vez, mas mantêm a originalidade de uma revista que reflete, fundamentalmente, a interface entre a psicanálise e o restante da nossa cultura latino-americana através de uma edição muito bem cuidada que faz de cada exemplar um objeto de beleza singular. Criada durante a gestão presidida por Leopold Nosek, a quem devemos agradecer o entusiasmo imprescindível para lançar esse tipo de projeto, nossa revista latino-americana requer hoje todo o nosso apoio para que seja possível mantêla e desenvolvê-la. Na Comissão Diretiva da Fepal, estamos empenhados em fazer com que isso seja possível, estimulados pela recepção favorável obtida pelo número um. Vivemos um momento especialmente fértil para nossas publicações em castelhano e em português. Àquelas que são tradicionalmente editadas por cada sociedade, algumas das quais com muitas décadas de relevante presença no mundo psicanalítico, somam-se as internacionais que, como o International Journal of Psychoanalysis e em breve o Psychoanalytic Quarterly, possuem seleções anuais em espanhol e em português que facilitaram muito a sua leitura. Se adicionarmos as múltiplas revistas de outros grupos e sociedades, e as coleções de livros editadas pelas sociedades, teremos um riquíssimo conjunto que reflete a riqueza da nossa psicanálise regional e também dos nossos interesses. Por sua vez, as edições online abrem um território impensado para essa atividade, e Calibán já tem sua versão eletrônica, que pode ser consultada através da página da Fepal na internet. Agora é o momento de trabalhar com os seus conteúdos e é nosso objetivo como Diretiva da Fepal estimular essa atividade. As publicações se enriquecem se podem servir ao nosso ofício cotidiano da psicanálise, em nossos consultórios, em nossas sociedades, nos seminários dos institutos, na universidade e em qualquer outro âmbito da comunidade social propício a essa prática. A diversidade de teorias e práticas que reflete e da qual podemos ter orgulho nos convida a refletir sobre elas, já que suas páginas também se enriquecem com as nossas Palavras da Comissão Diretora da Fepal 7


leituras e comentários, e estão abertas a novas produções de cada um de nós. O presente número será seguido pelo de “Excesso”, para que se completem as duas edições previstas por ano, e depois teremos os dois números destinados ao próximo Congresso Psicanalítico Latino-Americano, que estamos organizando em Buenos Aires, em setembro de 2014, e que tem como tema “Realidades e Ficções”. Convidamos a todos para que se apropriem dessa herança, enviando-nos seus comentários ou trabalhos para serem avaliados para publicação. Comissão Diretora da Fepal Abel Fainstein, presidente Jeanette Dryzun, secretária-geral Sergio Lewkowicz, diretor científico Luis Alejandro Nagy, diretor de publicações

Santiago Borja 8 Palavras da Comissão Diretora da Fepal


Mariano Horenstein

Zeitgeist

Esta nova revista, esta nova versão da nossa Revista Latino-Americana, foi planejada a partir de um breve mote que formulamos por alto para os editores: fazer uma revista de psicanálise infiltrada, em consonância com o nosso Zeitgeist. Zeitgeist é uma palavra que vale ser citada no alemão original porque condensa com uma potência inusitada o que, nas línguas românicas, precisaríamos de várias outras palavras para explicar. Tem a ver com o tempo, claro, mas em sua dimensão de contemporaneidade: o “espírito do nosso tempo” é o que reverbera no Zeitgeist, algo escorregadio, difícil de apreender porque não se revela em traços explícitos e inquestionáveis, mas sim em matizes, ecos, sutis linhas de força que o porvir desenha no presente. Nossa disciplina guarda, como poucas outras, um lugar para o passado no presente. Foi a partir daí que Freud se converteu em um dos pensadores mais relevantes do século que acaba de terminar. No entanto, qualquer um que exerça a clínica psicanalítica sabe que o que conta na verdade é o futuro, que não se trata aí, em nossos consultórios, de praticar exercícios de nostalgia nem de um estéril afã de saber histórico, e sim da tentativa desesperada de parir um futuro que escape da repetição. E esse futuro –o de cada um dos nossos pacientes, mas também o de cada analista, o da nossa disciplina, inclusive– se conjuga no presente. Está em jogo, literalmente, a possibilidade que tivermos de capturar –de modo não servil, e sim crítico– algo do contemporâneo, do Zeitgeist. A partir daí, não é casual que o tema deste número seja o Tempo, um tema com múltiplas arestas e facetas, entre as quais abordaremos apenas algumas. Não é nosso objetivo fazer um compêndio tão inabarcável, senão apenas oferecer algumas linhas para pensar o tempo no nosso contexto psicanalítico latino-americano.

Passado e presente Beatriz Sarlo, a quem apenas com autoironia poderíamos considerar uma “intelectual de cabotagem” –tal como ela mesma se intitula na entrevista que aparece na seção Textual da revista–, escreveu dois textos fundamentais para entender nossa relação com a memória e com o modo como se atualiza: Tiempo pasado e Tiempo presente. Desde a arte da capa, o trabalho fotográfico do artista argentino Hugo Aveta articula com sutileza passado e presente, memória e Zeitgeist. Zeitgeist 9


Permitamo-nos uma breve incursão pelo passado recente de Calibán – RLP, apenas a necessária para entender o número que o leitor tem em suas mãos e imaginar –ou conjurar– o futuro. Parte desse mesmo objetivo aparece em Vórtice –seção destinada a desdobrar, de um modo coral, temas controversos–, dedicada neste número às publicações psicanalíticas latino-americanas. Talvez valha a pena citar aqui R.H. Etchegoyen quando editorializava, quase 20 anos atrás, no primeiro exemplar da Revista Latino-Americana: “Desde a fundação do Copal, no Terceiro Congresso Latino-Americano de Santiago do Chile, em 1960, os analistas latino-americanos pensaram sempre que, para além dos congressos que convidam à discussão e ao intercâmbio, um elemento essencial de unidade e desenvolvimento científico tinha que ser uma revista”. Resenhamos nessa seção a história da Revista Latino-Americana, suas conquistas e fracassos, sua persistência no tempo, seus antigos editores, a tradição que a inerva. Incluímos também um panorama das três dezenas de revistas societárias que convivem no nosso continente. Essa tradição editorial é o solo fértil do qual se nutre o projeto novo de Calibán. Nosso desejo é que essa seção sirva para que cada leitor conheça mais sobre cada uma dessas publicações, para que as leia e comente, para que as analise e critique, para aproximá-las dos psicanalistas para além das fronteiras de cada uma das sociedades que as editam. Aí, no meio de um feixe de revistas e editores latino-americanos, será percebida a presença de J.-B. Pontalis. Além de homenageá-lo na nossa seção De memória com três belos textos escritos por analistas que se vincularam de um modo íntimo, transferencial, com a sua obra e personalidade, incluímos um texto sobre ele em Vórtice. Nele desenhamos o perfil de Pontalis enquanto editor, do Pontalis que inventou a inovadora Nouvelle Revue de Psychanalyse da qual talvez, sem que saibamos completamente, sejamos devedores. Também aí encontrará o leitor um contraponto onde se debate qual é o modo de escrita que mais convém à psicanálise e testemunhos dos editores das duas publicações latino-americanas com maior trajetória na região: a Revista de Psicoanálisis, editada pela APA, em língua espanhola, e a Revista Brasileira de Psicanálise –editada pela Febrapsi– em língua portuguesa. Ao lado de artigos que problematizam a estandardização da psicanálise e apresentam as diferentes tradições editoriais, reeditamos um texto publicado no International Journal of Psychoanalysis que dialoga com o restante da seção. Como ao longo de toda a revista, os textos se cruzam, dialogam entre si, se contaminam e se fertilizam, vão buscando contrastes ou afinidades e criando cumplicidades. De alguma maneira, a seção Vórtice inteira tenta reunir elementos de reflexão para a pergunta que de algum modo nos fazemos: o que significa escrever, ler, editar na América Latina? Ou melhor ainda: o que significa escrever, ler, editar em uma língua menor? Porque tanto o castelhano como o português, em psicanálise, são “línguas menores”. Claro que com a ênfase que Deleuze e Guattari lhe dão quando escrevem sobre o poder imenso que têm as “línguas menores”. Talvez um psicanalista “em língua menor” tenha muito a ensinar às “línguas maiores”. Essa é a nossa aposta. Stefano Bolognini, então presidente eleito da IPA, disse em São Paulo meses atrás, enquanto conversávamos sobre essas questões, que na Europa –com poucas exceções– não se lia autores latino-americanos. 10 Mariano Horenstein


Esse dado cru por si só, em contraste direto com a variedade e a vitalidade das nossas publicações e com a quantidade de analistas das nossas associações, justifica os esforços para que uma publicação latino-americana de psicanálise exista. Em Argumentos, nossa seção doutrinária, publicamos trabalhos de relevantes colegas de Porto Alegre e de São Paulo, de Buenos Aires e de Montevidéu, que trabalham o tema central a partir de diversas perspectivas. Junto a eles incluímos o trabalho que obteve o prêmio Psicanálise e Liberdade. Nos próximos números, iremos publicando os outros trabalhos premiados pela Fepal. Continuamos a traçar a cartografia imaginária das cidades analíticas latinoamericanas, na seção Cidades invisíveis, desta vez com uma crônica sobre Bogotá. E, na seção Clássica & moderna, publicamos uma revisão do pensamento fecundo de Fabio Herrmann, muito conhecido no Brasil, ainda que muito menos entre os psicanalistas de língua castelhana. Neste número recorremos a intelectuais de distintos países da região para traçar um esboço biográfico de Walter Benjamin, pensador cada vez mais fértil aos analistas para problematizar a nossa prática. À frente do seu tempo, soube capturar o Zeitgeist como poucos, e talvez por isso sua leitura interessa ainda hoje, tantos anos depois da sua morte. Em um dos textos, Roseli Azambuja sente falta da sua presença para pensar as contradições do nosso tempo. Tanto como nós podemos sentir agora a falta de Roseli, de conhecê-la, de levar a ela uma revista em mãos e escutar suas opiniões. Acabávamos de receber esse belo texto chamado “No coração das coisas” quando soubemos do seu falecimento, quase uma concretização do que a questão do tempo evoca, no fundo: o ineludível tema da finitude e da morte. Uma introdução de Diana Sperling e dois textos escritos por analistas integrantes da equipe de Calibán ajudarão o leitor a articular o complexo pensamento de Benjamin com a nossa prática e com o que tem para ensinar a nós, analistas. No final das contas, poderíamos nos considerar parte dessa “comunidade dos que têm o ouvido alerta”, à qual sem dúvida pertencia. Tanto o Dossiê como a entrevista com Beatriz Sarlo e o ensaio escrito por Ricardo Kubrusly, matemático e poeta carioca que publicamos em O estrangeiro, formam esse espaço forasteiro que imaginamos na revista para poder pensar velhos temas de um modo novo.

Confissões de um leitor Sempre é incerto o destino das revistas. Há quem as colecione sem a necessidade de lê-las, bastando saber que estão ali em sua biblioteca, inclusive como fetiches. Às vezes, permanecem prontas para uma busca, para um chamado. Em outras, acontecem encontros inesperados com algum artigo que, sem que tenha sido procurado, subitamente nos ilumina. Frequentemente apenas as folheamos e acreditamos que isso é o suficiente para ter um panorama rápido das discussões atuais. Posso me reconhecer, enquanto leitor, em qualquer uma dessas variantes, à qual acrescentaria outra que experimentei com um quê de surpresa. Ainda que houvesse lido e relido –como editor– todos os trabalhos, quando tive o número anterior de Calibán já publicado em mãos li a revista inteira outra vez. Dessa vez, não o fiz como editor, com os vícios que adquirimos os Zeitgeist 11


psicanalistas quando trabalhamos nessa função e que frequentemente contaminam, quando não arruínam, o prazer do texto. Refiro-me a encontrar com uma passada de olhos o erro, a inconsistência, a repetição, as fraquezas de um trabalho sempre imperfeito que passa por muitas etapas e onde intervêm muitas pessoas. Li-a inteira de novo, de uma só vez, como leitor. E me surpreendi ao desfrutá-la. Tomara que tenha acontecido a mesma coisa com outras pessoas. Esta revista é produzida, em maior ou menor medida, por um grupo crescente de colaboradores que vivem em vários países, que falam distintas línguas. Nós nos propusemos a fazer um trabalho editorial que abarque os matizes da psicanálise em toda a região, que teça cada número de Calibán com distintos fios, com distintas consistências e texturas. Apesar de essa heterogeneidade inicial talvez dificultar a tarefa, confiamos que resultará em uma maior riqueza à medida que o processo vá avançando. No final das contas, uma revista é também um gesto, uma intervenção em um campo, no nosso caso o da psicanálise, sobre o qual ainda é cedo para arriscar dizer algo sobre os seus efeitos. Uma intervenção em muitos sentidos, inclusive no artístico, como aquela de Santiago Borja no Freud Museum de Londres, onde substituiu os preciosos tapetes orientais que cobriam o divã de Freud por outros que havia levado consigo desde o longínquo México, tecidos pelos indígenas huichóis e fabricados com a matéria dos seus próprios sonhos. Gostaríamos de pensar que a cada novo número de Calibán contribuímos para esse outro tecido coletivo que é a psicanálise pensada a partir da América Latina. Esta revista nasceu embalada tanto pelo desejo de muitos como pela necessidade –à qual parecemos condenados em nosso continente– de potenciar a imaginação para que algo exista e perdure. Frente a inúmeras dificuldades, começou a circular, vai viajando através das fronteiras dos nossos países de mão em mão, em caminhões, em aviões, como se tratasse de um contrabando, voando como excesso de peso em bagagens cúmplices. Para cada um daqueles que tornaram possível a existência deste número de Calibán, vai nosso imenso agradecimento. A sorte de qualquer publicação, para além das vicissitudes institucionais, para além das dificuldades que deva enfrentar em seu caminho, está, definitivamente, nas mãos de cada leitor. Cada um de vocês é quem decidirá –assinando, enviando trabalhos, lendo-a, criticando-a, comentando ou recomendando esta revista– se vale a pena ou não que continue a existir. Mariano Horenstein Editor-chefe Calibán-RLP

12 Mariano Horenstein


Santiago Borja Zeitgeist 13


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