Reportagem Vox 52 - Pnad 2012

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Torturando os números Para o governo, PNAD mostra crescimento sustentável do país Para oposição pesquisa mascara problemas históricos Lucas Alvarenga Gil Leonardi - Imprensa MG

Os comentários que emanaram dos corredores de Brasília indicam o tom dos discursos pela disputa presidencial em 2014. Na visão dos governistas, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada no fim de setembro, reflete a consolidação de avanços trabalhistas que tiveram a mais absoluta atenção durante os governos Lula e Dilma. “A pesquisa surpreende. Afinal, 2012 foi o ano do ‘pibinho’. O PIB cresceu 0,9%, mas a renda média dos brasileiros subiu 7,98%, já descontada a inflação”, declarou o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e secretário de Assuntos Estratégicos, ministro Marcelo Neri. A oposição, porém, entende que a pesquisa aponta para o esgotamento de algumas políticas, sobretudo as de transferência de renda. E o índice de Gini (mecanismo que mede a concentração de renda em determinado grupo) comprova. A desigualdade caiu apenas um ponto percentual entre 2011 e 2012 no Brasil. 12 | www.voxobjetiva.com.br

Se os dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a Pnad dividem opiniões, na terceira economia nacional eles relativizam certos resultados. A distribuição de renda se estabilizou em Minas Gerais, mas nem por isso o estado parou de avançar na inclusão. Assim como no país, subiu de 2003 a 2012 o número de mineiros com acesso à internet a partir dos 10 anos de idade. No Brasil, o ganho foi de 253,4%. Em Minas, ele atingiu 359%. O contingente de lares com internet se expandiu no mesmo período. Hoje, 40,3% deles podem navegar pela rede no país, contra 39,52% no estado – alta de 29,3% e 30,91%, respectivamente. “Esse crescimento se justifica pela popularização de celulares e computadores nos últimos anos. Mas a tendência é de que ele se arrefeça”, projeta Luciene Longo, supervisora estadual de Disseminação de Informações do IBGE. Indicadores, como o acesso quase universal à energia elétrica e a expansão da coleta de lixo, de esgoto e do


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abastecimento de água, ratificaram avanços nos serviços essenciais. A Pnad registrou 99,8% dos lares mineiros com eletricidade, 0,3% acima da média brasileira; 86,3% das residências com água tratada, quase um ponto percentual superior ao índice do país; e 89,5% dos domicílios com coleta de lixo, índice próximo à porcentagem nacional, de 89,3%. Mas nenhum desses números destoou tanto como o de lares com coleta de esgoto: 77,3% contra 57,1% apurados em todo o Brasil. “Os valores não me espantam. Minas Gerais, São Paulo e Paraná concentram 18 das 20 maiores cidades do país à frente nas questões de saneamento básico”, justifica Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil. Químico, Édison comanda a instituição responsável por ranquear as 100 maiores cidades do país a partir de dados sobre gestão das águas e do esgoto oferecidos pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). O executivo garante: os mineiros têm motivos de sobra para se orgulhar. Além de ser o estado mais avançado em saneamento, Minas Gerais encabeça, com Uberlândia, a última lista do Trata Brasil. Lá, 99% do esgoto urbano e 100% da água são tratados. Os investimentos no setor se tornaram constantes na cidade há algumas gestões, fazendo dela um raro modelo de continuidade administrativa. “Universalizar o saneamento depende de recursos, planejamento, vontade política e popular e eficiência por parte de quem faz as obras e de quem gere a água e o esgoto”, detalha Édison Carlos.

Para além do acesso Nem sempre, porém, os esforços para a promoção dos serviços básicos vêm acompanhados de qualidade. O governo estadual comemorou o salto no número de crianças que frequentam as escolas entre 4 e 5 anos, conforme a Pnad. De 2011 para 2012, o índice subiu de 73,8% para 79,3%, acumulando um índice 4,7% superior ao brasileiro. Nesse período, o analfabetismo despencou meio ponto percentual no estado, enquanto o Brasil assistia ao indicador subir 0,1%, ainda dentro da margem de erro da pesquisa. Gerente técnica do Movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco adverte para a obrigatoriedade do acesso das crianças de 4 a 5 anos à escola até 2016 e lembra: “para que a inclusão delas aconteça com qualidade, é preciso dar conta da falta de profissionais e da infraestrutura necessária para atender à demanda”. Os ligeiros avanços de escolarização na faixa dos 6 aos 17 anos, em Minas Gerais, também não escapam ao alerta de Alejandra. “Não basta que crianças e adolescentes frequentem a escola. É preciso que eles estejam nas séries adequadas à sua idade”, elucida. Segundo a gerente, a Pnad não aprofunda em aspectos fundamentais para o diagnóstico da qualidade do ensino, como a proficiência, o que pode mascarar o nível da educação no Brasil e nos estados. A situação se repete com as informações sobre saneamento, garante o presidente do Trata Brasil. Para Édison

Divulgação Trata Brasil

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Líder em saneamento básico no país, Minas Gerais ainda convive com quase dois terços do esgoto produzido sem nenhum tipo de tratamento | 13


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Carlos, mesmo estando um ano à frente, a Pnad não se mostra tão real quanto os dados do SNIS. Um em cada três litros de água distribuídos no estado se perde e apenas 28% do esgoto é tratado, conforme expõe o relatório de 2011 do SNIS. O déficit de qualidade não mensurado pela Pnad é o grande desafio do país e das unidades da federação, de acordo com os pesquisadores ouvidos. “Não faltam recursos para o saneamento. Resta má preparação para recebê-los e para fazer as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) avançarem”, alfineta Édison Carlos. No caso da educação, esse problema vai além. “São necessárias políticas que integrem setores, como a saúde e a assistência social, no combate às várias faces da exclusão”, argumenta Alejandra. Ações como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), baseado no Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic) do Ceará, são passos importantes para o letramento nos primeiros três anos do ensino fundamental e o combate às desigualdades.

Diferenças que persistem As disparidades sociais presentes na vida de mineiros e brasileiros não se limitam à educação. Elas encontram no ensino uma das causas, que se juntam às questões de raça e de gênero. O último relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com informações de 2010, enumera 7,2 milhões de empregados domésticos no Brasil,

sendo 6,7 milhões de mulheres (93,05%). A pesquisa registrou também que 17% das trabalhadoras brasileiras são domésticas. “As mulheres conquistaram gradativamente espaço no mercado de trabalho, mas continuam mais concentradas em serviços que remuneram menos”, ressalta Luciene Longo. De fato, o rendimento mensal das mulheres representa 72,9% dos ganhos de um brasileiro e 66,34% de um mineiro. Uma das justificativas apontadas pelo IBGE para a interrupção de dez anos de queda nas diferenças entre sexos está na elevação mensal da receita, que entre homens chegou a 6,2% e entre as mulheres não ultrapassou 5%. Mas este pode ter sido um ano fora da curva. Chama atenção outro índice, que no Brasil recuou 8,8%, mas que no estado subiu 55,81%. Trata-se do trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos. Conforme o Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (Fectipa), as meninas representam 95% dos pequenos trabalhadores domésticos, enquanto 64,66% dos menores que laboram são negros. “O IBGE eliminou a faixa etária de 5 a 9 anos do Censo, de modo que, para a comunidade internacional e para os Objetivos do Milênio, o Brasil erradicou o trabalho infantil nessa faixa etária”, atenta Elvira Mirian Veloso Consendey, coordenadora do Fectipa em Minas. Em 2010, o Censo encabeçava Minas Gerais como o estado líder em números absolutos de menores de 10 a 17 anos que enfrentavam o trabalho infantil doméstico, 34,7 mil no total.

AMOSTRAGEM MINEIRA Pesquisa do IBGE apurada em 2012 retrata envelhecimento e enraizamento da população do estado, além de redução no número de ricos e de gestações na adolescência e na juventude MAIS IDOSOS

AINDA PRECOCES

13% dos mineiros estavam com 60 anos ou mais ↑0,4% acima da média nacional

10,4% das grávidas mineiras tinham de 15 a 19 anos 4% inferior à média brasileira

POUCOS FORASTEIROS

QUEM RECEBIA MAIS DE 20 MÍNIMOS

8,7% moravam em Minas, mas não eram daqui ↓ 7% inferior à média nacional

Ricos eram 26 mil Atualmente são 25 mil

Pnad 2012, do IBGE

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