VESTINDO OUTUBROS
De grรกtis
ANO 3, nยบ 1
Pocket Zine
A ditadura do livro diz que não basta ler. Descartados os gibis, livros de auto-ajuda, os livros que “não criam linguagem”. É preciso ler a “fina literatura”. E vêm as denúncias dos ditadores: Paulo Coelho não é literatura. Seu sucesso é explicado pela visão ingênua e otimista do mundo. Diz-se: Best seller não passa de entretenimento, longe de ser literatura. Bá! Mais: não se formam leitores, nem na escola. As vivências com literatura são marcadas pela falta de interesse, quando não instauram o desprazer pela leitura. Claro! Não se pode ler sem ter que resenhar em seguida, nem ao menos ler o que se quer (é necessário ler o que cria estética!). Se estética existe, é justamente para cada um dizer sobre o seu gostar de ler, que é diferente do gostar de ler das outras pessoas. E aqui vale a nota: pode não ser imortal, posto que é chama. É que um livrinho de banca de jornal pode ser mais infinito que outro, preso ao cordão de ouro de uma literatura para poucos. Aquilo que está no lugar do inatingível diz pouco a um povo e não há leitura que o sustente. Você! Gosta de ler o que?
Ricardinho...O que é isso que você tá escondendo aí atrás de você??
Ai... Ferrou!
Num é nada não, mãe! Então mostra!
... Não acredito! Um best seller, Ricardo! Vai já pro quarto! Uma semana de castigo! E eu quero uma resenha de O Cortiço! Amanhã!
Não se trata de dizer: qualquer coisa é literatura. Há, claro, o burilamento na linguagem, teorias de recepção, o impacto que certa literatura pode provocar. Reflexão. Teria a literatura esta função? Ouvimos dizer certa vez, de um professor de prática de escrita: a poesia é inútil. Tem de ser! Para não ser comparável aos eletrodomésticos, por exemplo. Úteis do ponto de vista capitalista. Mas estamos aqui, na contra mão, para defender o leitor. Para defender o gosto de cada um, a liberdade de ir e vir nos títulos e temas que melhor lhe apetecerem. Apetitus. Porque, se não for para cumprir com alguma satisfação de desejo do leitor, então, pra quê? Mesmo os livros considerados ruins podem ensinar aos leitores que há algo no livro que vale a pena. O Brasil é o país do futebol! E por que será? Já reparou que qualquer moleque joga com qualquer latinha amassada? Se não há uma função da literatura, então como classificá-la? E se existem, são subjetivas. E quando se fala em subjetividade, cada um é que sabe da sua.
Cada vez mais tem se discutido a importância de ler. Os argumentos são vários: estimula a criatividade, facilita a aquisição de conhecimento, de valores, de cultura, blá blá blá. Ok, estes argumentos são válidos. Mas há aqui um incômodo. Trabalhos acadêmicos, políticas públicas, aulas na escola, etc. Estamos sempre repetindo. É uma ordem aqui (leia!), um conselho ali (você tem que ler mais!), uma vergonha acolá (você não lê/leu?). E como é um crime estar fora deste círculo, surgem explicações: “não tenho tempo”, “cansa a vista”, “não consigo”, etc. Mas todos sabem: ler é importante! É, mas e daí? O ato de ler, com toda esta preocupação sobre sua importância, acaba se tornando uma obrigação, e daí chateia. Ora! Não se fala da importância de viajar. Simplesmente vamos por prazer. E por que não fazermos isso com a leitura? Ler e deixar ler pelo prazer das descobertas da história. Ler para os filhos, para os alunos, sem pressão e sem tarefas. Degustemos a leitura. Deixemos degustar. Sem ditadura. Apenas ler.
Despeja em mim as palavras Quando falo pra dentro E quando calo pra fora Regata-me as rodas de signos gira-mundo gigantes Como o mar a cada segundo : expelir o cerne E absorver o mundo Expelir o cerne E absorver o mundo Expelir o cerne e
(LetĂcia Mendonça)
O DIREITO DE NÃO LER Por um lado temos que mudar a cultura de que o Brasil é um país feito de gente que não lê. Eu me pego com os botões da cultura popular, dos cordéis, das histórias orais, do Patativa do Assaré que escrevia de cor por não saber grafar palavras. Dr Honoris Causa em várias universidades e, atualmente, estudado na França (mais lá do que cá), como um clássico brasileiro do cancioneiro popular. Por outro lado também há uma disparidade no mantra: é preciso ler os clássicos, os russos, principalmente se você quer ser escritor. Minhas generalizações vão contra. Dizem apenas: é preciso ler o mundo; e a partir das experiências. Acho Clarice uma chata. Não leio. Li Machado só na escola. Não leio mais. Mas adoro Doris Lessing, Kawabata, Peter Handke. Sim, temos que mudar a cultura da leitura. E que esta nunca seja uma imposição feitas por críticos que escolhem alguns poucos em detrimento de outros muitos. E, só pra provocar: todo escritor tem o direito de não ler. É que estou cansada de um mundo ditando o que devo ou não fazer. Às vezes me sinto sem voz própria. Fernanda de Aragão
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