espiral boletim d a associação fra ter nit as mo viment o da frater ternit nitas moviment vimento ANO xiII
-
N.º 47 - ABRIL/JUNHO de
2012
somos um só C ORPO CORPO sejamos coerentes POR fERNANDO fÉLIX
ecebi uma carta do nosso colega José da Silva Pin to, aliás grande colaborador para o «Espiral». Transcrevo apenas alguns parágrafos, onde adensa o seu sentir-se Igreja, em particular as suas dores e os seus desafios: «Há muito tempo, penso, medito e sofro: a nossa Santa Igreja Católica Apostólica tem retrocedido no número de católicos praticantes e no número de vocações sacerdotais e consagradas, em Portugal. Numa população de onze milhões, os católicos são metade, porque dois milhões se afastaram nos últimos dez anos. Isto não é triste? Mais, não será motivo para nos incomodar, preocupar e, mais importante do que isso, pela positiva, para nos lançarmos “à pesca”, à pregação? Os discípulos do Senhor eram pescadores, cobradores de impostos, médicos Tinham a cultura do povo. Desde que o Senhor os chamou, começaram a ser homens de Fé, de muita Fé, a ponto de darem a vida por Ele, como testemunho de Fé e de Amor fortes, indeléveis. Não teremos nós a mesma Fé e o mesmo Amor?» E José da Silva Pinto termina dizendo que todos os batizados precisamos de estar bem preparados para a responsabilidade de sermos testemunhas do Evangelho pelo exemplo de vida.
R
«Sejamos coerentes! Não existem dez mandamentos para os homens e dez mandamentos para as mulheres. Jesus pede às mulheres a mesma santidade que pede aos homens.»
o 32.º Encontro Nacional da Fraternitas, em Fáti ma, de 27 a 29 de abril, centrámos a atenção num dos dinamismos da Igreja: a presença e acão das mulheres. O tema foi orientado por Artur Cunha de Oliveira, biblista reconhecido, e Ana Vicente, do Movimento Nós Somos Igreja. O mote do tema do encontro foi a recente edição do livro «Jesus e as Mulheres. A propósito de Maria Madalena», pelo Artur Oliveira. Para ele, o único propósito da obra «é o de reabilitar a pessoa digníssima de Madalena e salientar a pessoa do Senhor Jesus, que até no trato com as mulheres é, para nós, um exemplo de delicadeza, de atenção, de carinho,
N
e até de afeto, sem ser sexual. Atualmente é que os homens olham para as mulheres com tensão sexual, e isso é animal. Não existe espiritualidade nesta atitude. Maria de Magdala não é uma qualquer, não é a Madalena das lágrimas, a pecadora, mas sim uma senhora de linhagem, da alta sociedade da altura e que se dedicou a Jesus, tal como Joana, a mulher de Cusa, que era administrador do Rei Herodes, e Susana. As três mulheres, com os seus bens, acompanhavam o senhor Jesus que era o profeta itinerante, assim como os discípulos que o seguiam mais de perto.» Artur acaba com a lenda de Maria Madalena pecadora, transportada pela própria Igreja. No livro, verifica-se que essa lenda começou com uma infeliz homília do Papa Gregório Magno, que, na Basílica de S. Clemente, em Roma, confundiu Maria Madalena com a “pecadora arrependida” do evangelista Lucas (7,36-50). A partir de então terminou a história e principiou a lenda. Agora tenta-se criar o Mito. Desde essa homília por diante houve que explorar este equívoco para satisfação das pecadoras, tendo em Madalena um exemplo, pois poderiam viver consoladas. E o autor assenta a sua tese em factos históricos. Basta verificar a bibliografia que é citada para verificar que os teólogos e biblistas o confirmam, porque está provado historicamente. Por sua vez, Ana Vicente defende que a Igreja Católica deverá ter uma estrutura menos hierarquizada, que permita um maior envolvimento de todo «o povo de Deus» nas questões essenciais. Na sua opinião, o imenso fosso que separa clero e leigos é totalmente despropositado. E, concretamente, excluir as mulheres dos ministérios na Igreja vai contra a mensagem de Jesus! De facto, permite-se à mulher ler a Palavra de Deus, mas elas não podem receber a ordem menor de leitor, por exemplo. Mas é a origem dessa discriminação que é absurda: na Igreja o masculino é que prevalece, porque Jesus era homem, sustenta o Magistério. Ana Vicente contrapõe com a frase paulina: «Não há homem nem mulher, pois todos sois um em Cristo.» E arremata: «Sejamos coerentes! Não existem dez mandamentos para os homens e dez mandamentos para as mulheres. Jesus pede às mulheres a mesma santidade que pede aos homens.»
2
espiral
Livro de Artur Oliveira apresentado no Encontro Nacional POR ALÍPIO AFONSO
O
Evangelho, enquanto Boa Nova, é herdeiro das Proclamações Imperiais, ditas Boa Nova, quer agradassem quer desagradassem aos populares, com esta grande diferença, o Evangelho não é mero discurso informativo mas, também e essencialmente, operativo com a força da eficácia purificadora do mundo (Bento XVI, Jesus de Nazaré, cap. III). Por sua vez, o Evangelho esclarece e completa a revelação das velhas Escrituras Sagradas que nasceram em tradições religiosas marcadas por várias culturas, transmitindo-nos no seu conjunto a convicção de ser Deus a falar-nos de muitos modos. O encontro com a eterna e discreta presença divina dá-se nesta sinuosidade de caminhos dos tempos (P.e Tolentino). Esquecer esta sinuosidade pode levar a graves erros. Assim aconteceu há 50 anos, aos 18 cardeais que acompanhavam João XXIII na igreja de S. Paulo, quando o papa anunciou a proclamação do Concílio, considerando-o inútil, mercê da interpretação (dogmática) declarada no Concílio de Trento. Este concílio separou a revelação inteiramente da ciência como afirmou ao programa Eclesiae, em 22/03/12, o presidente dum Instituto de Teologia, tornando norma o princípio do «Roma locuta causa finita». Deu asas novas ao divórcio latente entre a razão e a fé abandonando a dialética de aproximação às ciências, de que são testemunhas as cartas de Paulo, a Cidade de Deus de Agostinho, a Súmula Teológica de Tomás de Aquino, etc, etc. João XXIII tinha toda a razão humana e divina consigo, reforçada no exercício da nunciatura em vários países, ao proclamar um novo concílio como chave para reabrir as portas do
diálogo. Uma experiência e sabedoria que faltara, no séc. VII, ao papa Gregório Magno, confundindo Maria Madalena com Maria a pecadora por desatenção histórica e filológica, como neste livro o nosso grande Artur refere e contradiz historicamente. E faltara, em 1870, no decorrer do Vaticano I, a Pio IX, ao não atender uma delegação de bispos em nome da maioria do colégio pontifício, para desistir da imposição da infalibilidade pontifícia, sob a alegação de não ser necessária à Igreja e de dificultar os diálogos com outras igrejas. É conhecida a resposta de Pio IX: «A Igreja sou eu.» Estes acontecimentos pontifícios ajustam-se à saga do grande inquisidor, do romance Irmãos Karamazov, localizada em Sevilha, nos tempos da grande inquisição. Escreve Karamazov: «Jesus, por misericórdia, volta ao convívio dos homens sob a forma que tivera nos três anos de vida pública. Aparece docemente, mas todos o vão conhecendo. Atraído pela sua força irresistível, o povo comprime-se à sua passagem e segue-lhe os passos. Jesus,
silencioso, passa por entre a multidão com um sorriso de compaixão infinita. Estende-lhe os braços, abençoa-os. Um velho, cego de infância, exclama do meio da multidão: «Senhor cura-me e eu te verei.» O cego passa a ver. O povo derrama lágrimas de alegria e beija o chão sobre as marcas dos seus passos (...) As crianças lançam flores à sua passagem, cantando: «Hossana, é Ele, deve ser Ele! Exclama-se: só pode ser Ele!» Chega ao adro da Catedral de Sevilha no momento em que uma multidão acompanha um pequeno ataúde branco com o corpo de uma menina de 7 anos, filha única duma pessoa notável. «Ele ressuscitará a tua menina», gritam na multidão para a mãe lacrimosa. A mãe lançase aos pés de Jesus e exclama: «Se és Tu, ressuscita a minha filha», e estende os braços para Ele. O cortejo para. Descem o caixão sobre as lajes. Jesus contempla a defunta e cheio de compaixão diz: «Menina, levanta-te!» E a menina levantou-se. Neste momento, surge o grande Inquisidor. Olhando para o sucedido e reconhecendo entre a multidão a pessoa de Jesus, manda-o prender. Naquela noite, em silêncio, vai ter com Ele à prisão e diz-lhe: «Tu não podes fazer mais nada, o que tinhas a fazer já está feito. Agora somos nós que mantemos aquilo que disseste.» Para um cristão não há diálogo mais perturbador, comenta o P.e Tolentino. Mas é esta, muitas vezes, a religiosidade oficial, ao dizer-se: Deus é isto, o seu nome é aquilo. Deus tem de ficar ali encaixado, submisso: «Tu não podes, Tu não podes!» Por falta de diálogo eclesiástico-científico conclui o teólogo J. I. Gonzalez: «A Cúria é responsável por mais ateus que Marx, Nietzsche e Freud juntos.» E o teólogo, sociólogo e filósofo Anselmo Borges, em 11/12/01: «O atual papa
3
espirall
enquanto cardeal Ratzinger converteuse para muitos no principal obstáculo para a Fé.» O Vaticano II (1962) não foi tão longe como desejara João XXIII. Às reformas iniciais - tradução litúrgica do latim nas línguas vernáculas, reformulação catequética e atualização do Direito Canónico - seguiu-se um grande silêncio. Até hoje está longe de traduzir para o grande público todas as suas deduções, devido ao travão imposto pelas velhas Comissões Consistoriais. Vem faltando a muitas a coragem de pôr a Igreja contemporânea a refletir sobre a história no mundo contemporâneo, articulada nos dois eixos complementares: - Pensar a diferença/Viver a diferença - (sendo isto) o cerne do Vaticano II que não acrescentou verdades para acreditar (monge Sertório). O último - um fumo branco notório - tem a data de 1993, saído da Comissão Pontifícia Bíblica, ao declarar que o «o método histórico-crítico é indispensável para O ESTUDO CRÍTICO DO SENTIDO DOS TEXTOS ANTIGOS.» Aqui entra em pleno o nosso mestre Artur. Por sua vez, como apóstolo avalizado da Boa Nova, o Artur não guardou os talentos para si e seus familiares. Vem-nos dividindo connosco nestes encontros e com tantos outros em encontros similares e nas várias obras publicadas, a última das quais é a base da presente reflexão. Este decreto é a confirmação do que o Artur sempre afirmou. Nas entrelinhas do texto diz-se que a revelação não acabou, como o Artur nos vem demonstrando. Deus continua a revelar-se aos povos, segundo a capacidade de entendimento destes. Tal como afirmam o P.e Tolentino, em recente entrevista e D. Manuel Clemente, em resposta ao investigador Cardoso Bernardes. D. Manuel, neste contexto, atribui à Igreja o papel de estalagem rulote em andamento, (acrescentando), uma Igreja que pare não chega a Deus (J.N. 18/03).
«Ou respondemos aos homens e mulheres de hoje com uma linguagem de hoje, acompanhando a ciência, ou continuaremos a assistir ao esvaziamento das nossas igrejas», afirmou D. António Couto, bispo de Lamego, desafiando, por isso, os fiéis a seguirem com atenção os novos tempos com respostas cristãs atualizadas, contrapondo ao facilitismo existencialista, o valor cristão do amor das Bem-Aventuranças, atualizado em nós próprios e no fermento da massa que nos rodeia. Doutra forma o mundo continuará a passar-nos de lado por culpa nossa, por não cumprimos o preceito evangelizador - «Ide e ensinai». (Assembleia Diocesana, 27/03). Também Bento Domingues falando da doutrina social da Igreja reafirma que ela deve incarnar em cada época as exigências do Evangelho. Quando se procura responder, apenas, com as palavras de LEÃO XIII e de Bento XVI, correse o risco de identificar a Igreja com a Hierarquia, desprezando a pluralidade da realidade social estudada por Jean Yves Calvez e tantos outros (Mail, 25/03/12) Certamente que a presente falta de diálogo com o mundo contemporâneo é uma das causas responsáveis pela perda de dois milhões de católicos em Portugal, na última década? Por sua vez, esta rulote em andamento reveste-se de vários formatos, que nos são descritos pelos exegetas, linguistas, filólogos e teólogos, comprovados pelos exemplos dos santos e confirmados pela hierarquia. Os exegetas, filólogos e teólogos como guias teóricos, os santos como modelos, a hierarquia como autoridade. As rotas seguras pressupõem
a cooperação dos três. Em presença deles, o Espírito Santo talha a cada qual o seu caminho, de acordo com o próprio carisma. Cinco exemplos: 1. Teillard de Chardin no seu espantoso testamento espiritual que é a sua Missa sobre o Mundo: - Senhor já que uma vez mais longe das florestas da França, aqui, nas estepes da Ásia, não tenho pão, nem vinho, nem altar, eu me elevo acima dos símbolos até à pura majestade do Real, e vos ofereço, eu, vosso sacerdote, sobre o altar da terra inteira, o trabalho e o sofrimento do mundo... coloco sobre a minha patena, meu Deus, a messe esperada deste novo esforço. Derramo sobre o meu cálice todos os frutos que hoje são esmagados... A oferenda que esperais agora, Senhor, aquela de que tendes imensa necessidade cada dia para aplacar a vossa fome, para acalmar a vossa sede, é o crescimento do mundo impelido pelo devir universal. Este pão, o nosso esforço, não é em si, eu o sei, mais que uma degradação imensa. Este vinho, a nossa dor, não é, ainda, ai de mim, mais que uma dissolvente poção. Mas, no fundo desta massa informe, colocastes - disso estou certo, porque o sinto - um irresistível e incessante desejo que nos faz a todos gritar, desde o ímpio ao fiel: «Senhor, fazei-nos Um» no Amor. 2. Teresa de Calcutá, que a Deus rezava assim: «Senhor, não te importes com o que eu sinto.» E que de Deus dizia: «Quero amar a Deus por aquilo que Ele tira. Ele destruiu tudo em mim (...) O pensamento do Céu nada significa para mim e contudo vivo esta ânsia torturante de Deus (...) Se alguma vez vier a ser Santa serei com certeza uma santa da escuridão». Não ficou como a Santa da escuridão mas do Amor, levado ao extremo das suas capacidades. 3. Zaqueu. Na sequência do encontro com Jesus mudou de vida, comprometendo-se a distribuir metade da for-
4
espiral
tuna pelos pobres e a restituir em quádruplo o que roubara aos clientes. - Hoje veio a salvação a esta casa, o Filho do Homem veio para procurar e salvar o que estava perdido - confirmou Jesus. Um Amor arrependido, justo e solidário. 4. O jovem monge, que desafiou a regra. A história é sobejamente conhecida. Eram dos dois monges peregrinos. Chegados a uma ribeira encontram uma jovem e bela mulher angustiada, à espera de alguém que a passasse para o outro lado. Vendo-os, pede-lhes insistentemente para a transportarem às costas. Um pedido que ia contra as regras. O mais novo colocou as regras de parte e satisfaz-lhe o pedido. Chegada à margem oposta, a mulher agradeceu e cada qual seguiu o seu destino. O monge mais velho levou o resto da viagem a recriminar o colega, até que ele se encheu de coragem e lhe ripostou: «Eu transportei a mulher entre as margens e deixei-a, tu, transportaste-a até aqui.» Amor que faz o bem sem olhar a quem. Algo parecido fizemos nós padres casados. Transportámos contra as regras da ordem a mulher bela e presenteira, de entre as melhores de todas, falo por um meu familiar que conhece muitas de vós, que encontrámos à beira do rio da mudança. Depois fomos mais longe que o jovem monge. Prosseguimos a viagem juntos, por mútua afeição. No que nos diz respeito ao pensar do mais idoso, a Zélia e eu próprio compreendemos a sua reação institucional, face ao velho Direito Canónico que, neste ponto, não mudou uma vírgula. Sobrepusemo-nos a tudo e mantivemos sempre uma relação de amizade e de respeito mútuo com a hierarquia. 5. O pasteleiro condoído. Um casal pela manhã encomendara um bolo para o aniversário de um filho. Pelo meiodia o jovem morre atropelado e os pais mergulhados na dor não mais pensaram no bolo. Desconhecendo o sucedido, o pasteleiro recrimina-os uma e mais vezes pelo telefone. Uma saga que só acaba quando, passada a maior dor, os pais vão explicar-se à pastelaria. O pasteleiro
com os cotovelos apoiados no balcão ouve-os condoído e responde-lhes: «Só Deus sabe quanto os lamento. Agi como pasteleiro, desconhecendo o que se tinha passado.» Convidou-os a sentaremse, a tirarem os casacos ao mesmo tempo que ia colocando duas chávenas na mesa. Os pais passaram a ouvir o que o pasteleiro tinha para lhes dizer. Calmamente foi falando. Provavelmente, precisam de comer alguma coisa. Espero que comam estes bolinhos ainda quentes, feitos por mim. Foram comendo. As palavras do pasteleiro criaram neles um clima de acolhimento e escuta. A sua generosidade enxugara-lhes parte das lágrimas e foi-os abrindo ao perdão. Amor plurifacetado e mutuamente perdoado. As Rulotes acima, divergentes enquanto modelos, convergem na propulsão que é a idêntica em todas - Fé e Amor. Os únicos motores que permitem avançar espiritualmente, tornando o Reino de Deus presente em nós e no mundo, como diz, também, o P. e Tolentino. Neste contexto, vêm a propósito as seguintes respostas do P. e Anselmo Borges, fornecidas a determinado jornalista, pela afinidade que mostram com o sentir da Fraternitas em geral. A uma pergunta sobre quando terá começado a pensar que para conviver com a humanidade toda teria de renunciar a Deus e à Igreja, respondeu: «Renunciar, não. Mas rever, desconstruir e reconstruir. Foi aos 25 anos.» Por aqui passaram as vidas de todos nós, Senhoras e Homens da Fraternitas. A uma outra sobre como lidou com outros credos e outras maneiras de ser cristão, mormente quando frequentava a Universidade Gregoriana Pontifícia e fez férias na Alemanha, respondeu: «Saíamos de Portugal e de Roma dogmáticos. Fora da Igreja, que tudo sabia, não havia salvação. Enquanto miúdos fomos permanentemente formados nisso. Diziam-nos que os protestantes eram gente com quem nós não podíamos contactar, que estavam condenados
ao Inferno. Não foi isso que eu senti. Na Alemanha, uma família protestante, muito jovem, convidou-me para jantar. O mesmo aconteceu com uma família muçulmana. Perante eles, pessoas admiráveis, pensei o que na altura era um enorme atrevimento: em primeiro lugar somos todos homens, não podemos andar aqui a levantar barreiras. Este convívio trouxe-me a primeira crise. Fez-me repensar a Igreja e a própria figura de Jesus.» Este livro do Artur – «Jesus Cristo e as Mulheres» – insere-se neste aprofundado repensar científico-cristão. Sobre a forma como recebeu a acusação de herético, em 1970, o P. e Anselmo Borges respondeu: «Fui considerado herético pelo bispo de Portalegre de então. Foi-me acusar ao diretor do ISET, mas o diretor esteve muito bem e desafiou-o a apresentar por escrito as minhas heresias, que, tanto quanto sei, não terá feito.» Não teremos todos nós passado por apreciações semelhantes? Sobre quais as experiências mais marcantes nestas lutas, respondeu: «Várias. Uma foi acabar com o Inferno. Tinha 45 anos. Foi em 1989, numa viagem de comboio, depois de ler «A História de Deus», de Schillebeeckx (...) Foi uma libertação. Não há condenados (...) Mas há Céu? Espero convictamente que na morte não cairemos no nada, mas na plenitude de Deus. Sou ortodoxo no sentido de seguir a reta doutrina. Tal qual como Bento XVI em «Jesus de Nazaré». E continua: «Em 1994, tive de formar um puzzle: eu, Deus, os outros, as ciências. E consegui articular a minha fé com os diferentes saberes e sabores e os diferentes posicionamentos dos homens e das mulheres, ao longo dos tempos. Agora estou de bem. Foi um processo muito, muito doloroso. Tive de desconstruir muito do que me tinham ensinado.» Um caminho que vimos todos fazendo dentro da Fraternitas sob o precioso impulso do Santo P.e Filipe. Quanto à fé pessoal, respondeu: «A minha fé convive com a dúvida. É fé,
página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: direccao@fraternitas.pt * blogue: http://fraternitasmovimento.blogspo
5
espirall
embora com razões. A fé não tem a ver, em primeiro lugar, com os dogmas. Não acreditamos em dogmas. Isso são coisas, o divino “coisificado”. Nós acreditamos em Deus.» É o diálogo entre a ciência e a fé. O modelo global de orientação está no Pai-Nosso. No seu conteúdo reside o caminho da santidade, dirigido a todas as mulheres e homens, independentemente do tempo e do espaço vitais. Por outro lado, a maior e fatal desgraça que pode acontecer a alguém é não corresponder a este convite, é não ser santo. Sempre que recitarmos conscientemente o Pai-Nosso estamos a actualizar em nós o Fiat da criação e da redenção. (P.e Tolentino): O Fiat da 1.ª Criação da (terra e mar, dia e noite (...), plantas e animais, mulheres e homens). No que respeita à humanidade a criação não tem por base o a ordem divina do faça-se mas o façamos ... o ser mulher e homem à nossa imagem e semelhança. O Fiat da Redenção (Faça-se, Pai a Tua Vontade e não a minha) (também chamada 2.ª criação pelos padres da Igreja, iniciado no Fiat de Maria e con-
sumado na doação de Jesus: o meu alimento é fazer a vontade de meu Pai que me enviou e consumar a sua obra (Mt. 39, 46). Com Jesus o mundo deixou de ser só o cosmos original, é um mundo redimido O Fiat da (3.ª criação), o nosso Fiat dentro do mandato «Ccrescei, multiplicai-vos, dominai a terra.» É o Fiat da criação atual. A vida cósmica corrente, por vontade de Deus depende, também, do homem. Um poder delegado que nos engrandece. Como no deserto, onde um poço escondido o torna belo, nós somos belos pela beleza latejante de Deus em nós e em nosso redor. Ao pedirmos ao Pai - o pão Nosso de Cada dia nos dai hoje - estamos a dizer que somos uns para os outros na escuta da palavra, no silêncio e no riso, no dom e no afeto e no alimento necessário. É de vida partilhada que as nossas vidas se alimentam. E se nalgum momento nos desviamos do caminho do amor, há que voltar atrás e fazer como o oleiro de Isaías (18, 1-4) que quando um modelo não lhe saía bem misturava-o à massa e vol-
tava a moldá-lo. O perdão é o regresso ao amor. Deus que nos criou não deita fora o barro de que somos feitos. A oração que Jesus nos ensinou, é um sim continuado e concreto ao Amor, expresso nas entrelinhas destas palavras de S. Paulo: - Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, se não tiver amor sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência, ainda que eu tenha tão grande fé que transporte montanhas, se não tiver amor, nada sou. Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita. As profecias terão o seu fim, o dom das línguas terminará, só o amor jamais passará (1.ª Cor, 13) Ter mino com esta frase de Nietzsche: «Se a Boa Nova da Bíblia estivesse escrita, também, no vosso rosto, não teríeis necessidade de insistir na fé de modo tão obstinado. As vossas ações tornariam supérflua a leitura da Bíblia. Cada um de vós seria a própria Bíblia.»
A questão do “muitos” e do “todos” na consagração do vinho tur C Artur C.. de Oliveira POR Ar
S
egundo informação vaticana de 30 de abril, Bento XVI teria enviado aos bispos católicos da Alemanha uma mensagem determinando que a expressão pro multis, isto é, por muitos, da consagração eucarística do vinho, e que em várias línguas (incluindo a portuguesa) é atualmente traduzida por todos, seja a preferida, porque mais fiel ao texto bíblico. É verdade, filologicamente. Mas não, semanticamente. E em hermenêutica bíblica, se interessa a filologia, mais, muito mais nos deve interessar a semântica. Consagração eucarística do vinho É verdade que no texto original do
Missal Romano se lê, na fórmula eucarística da consagração do vinho e a propósito do sangue do Senhor Jesus: qui pro vobisetpro multiseffundetur in remissionempeccatorum, o que dá em português e consta dos missais canonicamente aprovados e em uso: derramado por vós e por todos os homens para remissão dos pecados. Assim também em outras línguas, em que o multis do Missal Romano, isto é, muitos, é traduzido por todos. Quem tem razão? Vamos a ver. Observações Prévias O primeiro documento bíblico que nos informa sobre o que hoje consideramos a Eucaristia (ou a Missa, se qui-
sermos), é a referência que Paulo faz à refeição fraterna dos fiéis de Corinto (1Cor.11,17-34) – esta Primeira Carta de Paulo aos Coríntios terá sido escrita uns vinte e poucos anos após a morte do Senhor Jesus. Nele, Paulo afirma taxativamente: Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: na noite em que foi entregue, o Senhor tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse “Isto é o meu corpo, que é entregue por vós; fazei isto em memória de mim”. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova Aliança no meu sangue: todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim (1Cor.11,23-26). E mais não disse. Paulo nem escreveu.
ot.com * e-mail: secretariado@fraternitas.pt * página oficial na Internet: www.fraternitas.pt * e-mail: tesouraria@fraternitas.pt
6
Outros bem puxados vinte anos depois, o médico Lucas, caríssimo discípulo e companheiro – Como bem se fica a saber pelo uso do plural por Lucas em Act.16,10-17; 20,5-15; 21,1-18; 27,128) e colaborador de Paulo (Cl.4,14; Flm.24; 2Tm.4,11), na narrativa da Ceia de Despedida do Senhor Jesus escreve: “Depois da ceia, fez o mesmo com o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova Aliança no meu sangue, que vai ser derramado por vós” (Lc.22,20), no que está essencialmente de acordo com Paulo (1Cor.11,25), diferindo, quanto ao sangue, apenas naquele: que vai ser derramado por vós. E nada mais. Os dois outros Sinópticos (Marcos, que escreveu antes dos demais, e Mateus) dão-nos as seguintes versões sobre o mesmo: Depois, tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele. E Ele disselhes: “Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos…” (Mc.14,23-24). Segundo Mateus: Em seguida, tomou um cálice, deu graças e entregou-lho, dizendo: “Bebei dele todos. Porque este é o meu sangue, sangue da Aliança, que vai ser derramado por muitos, para perdão dos pecados (Mt.26,2728). Embora no texto grego original, e quanto ao sangue derramado, a expressão num e noutro evangelista seja a mesma, é notável que a tradução em Marcos e Mateus do termo grego pollôn, que é o busílis da questão, não seja a mesma: todos, em Marcos, e muitos, em Mateus. Afinal em que ficamos? Em todos ou só em muitos? Segundo Bento XVI deverá ser muitos. Segundo me parece e justificarei, literariamente, o tradutor de Marcos tem razão: são todos. A chave da questão Não há dúvida nenhuma de que o termo grego pollôn – que significa «muito», «numeroso», e similares – se pode traduzir, à letra, por muitos. Assim leio na quase dúzia de versões portuguesas que possuo, à exceção de duas: a TEB - a tradução ecuménica, publicada no Brasil pelas Paulinas em 1995, com recomendação do Presidente da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, e cujo
espiral
texto é: derramado em prol da multidão, e A Boa Nova Para Toda A Gente, da Sociedade Bíblica, publicada em Lisboa em 1978 (Novo Testamento), com a aprovação de D. António, bispo do Porto, presidente da Comissão Episcopal da Doutrina da Fé, e cuja versão é: derramado em favor da humanidade. Claro que isto não são versões mas interpretações. S. Jerónimo quando, no século IV, traduziu a Bíblia do hebraico e do grego para o latim, foi filologicamente (e acentuo: filologicamente) fiel ao original, vertendo: qui pro multiseffundetur. E da Vulgata Latina terá passado para o Missal Romano. Mas, bem ou mal? Mal, porque não se trata apenas de uma questão filológica, mas também, e sobretudo, semântica. Ou, por outras palavras: o que é que aquele texto grego quer dizer: muitos ou todos? Estou convencido de que quer dizer todos e pelas seguintes razões: Primeira: A tradição cristã em voga no tempo tanto da redação dos Evangelhos segundo Marcos e Mateus, como
no tempo de S. Jerónimo, era a de que o Senhor Jesus de Nazaré era o Messias. Na Sua Paixão e Morte realizara o predito pelo Segundo Isaías (século VI a.C.) sobre o Servo de Yahwéh: “Por isso serlhe-á dada uma multidão como herança, há de receber muita gente como despojos, porque ele próprio entregou a sua vida à morte, e foi contado entre os pecadores, tomando sobre si os pecados de muitos (rabbim, no hebraico) e sofreu pelos pecados (Is.53,12). Quem não lê esta parte da “profecia” repercutida na fórmula consecratória do vinho em Mateus
(21,22)? Ademais, é e bom que se diga em abono da ciência bíblica, as narrativas da Ceia de Despedida nos Sinópticos não correspondem por inteiro ao que, historicamente, então se terá verificado, não repugnando, por isso, que constituam criações da primitiva Comunidade Cristã face à prática cada vez mais generalizada de se reunirem os fiéis discípulos do Senhor Jesus em comunitárias e fraternas refeições a que, pouco a pouco, se foi dando carácter sagrado. Em segundo lugar, o plural do adjetivo grego polús, pollê, polú (muito) é usado, tanto no grego clássico, como no grego bíblico do Novo Testamento no sentido da totalidade, de todos. Assim, por exemplo, quando Paulo escreve aos Romanos:Se pela falta de um só homem (ei gàrtôito?enòs (um) parapt?mati) todos morreram (hoipolloiapéthanon), com muito mais razão a graça de Deus, aquela graça oferecida por meio de um só homem (enósanthôpoy), Jesus Cristo, foi a todos (eis toyspolloys) concedida em abundância (Rm.5,15). Aqui, não há dúvida, o sentido do adjetivo grego é o de totalidade (todos) e não apenas de pluralidade (muitos). E, mais abaixo, volta Paulo a usar polys, pollê, poly no mesmo sentido de totalidade: De facto, tal como pela desobediência de um só homem (to?enòsanthôpoy), todos (hoipolloi) se tornaram pecadores... (Rm.5,19). Finalmente, o argumento da analogia da fé. Como é que que esta opção pelo muitos (sangue derramado por muitos), em vez de todos, se compagina com as afirmações bíblicas (e não é agora caso de tomar em mãos o tema, que isso nos levaria longe) da universalidade da salvação messiânica? Por desfastio, leia-se, entre outras, qualquer das seguintes citações: Lc.3,6; Jo.3,17;4,42;12,47; Act.4,12;28,28; Rm.11,11; 1Tm.2,4;4,10; Tt.2,11; 1Jo.4,14. Conclusão Filologicamente, é possível a tradução: derramado por muitos. Semântica e exegeticamente, não. Por isso, está certo e bem traduzir-se: derramado por todos, na fórmula consecratória do vinho.
7
espirall
Breves notícias do Secretariado ABRIL DO ARMANDO: «Acabei o segundo romance Quem matou a Laurissílvia?, que está com um possível editor para ver... Mas aquele silêncio não é de ouro, é de ferro...» No dia 12: «Faleceu hoje, nos EUA, a irmã mais nova da Pamela. Abraços de Ressurreição.» DO VINCENT Foi submetido a uma intervenção cirúrgica para extração de um cálculo num ureter, no dia 24. No dia 26: «Correu tudo bem... em relação ao do rim direito, terá ainda seguimento hospitalar, Cidália.» RESPOSTA DE D. ANTÓNIO TAIPA ao convite para Assistente Espiritual, no dia 29: «Infelizmente não poderei aceitar o convite, mas ficarei disponível para uma outra situação em que as coisas se conjuguem melhor.» UASP No passado dia 27 de abril, o bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, assinou o decreto de reconhecimento Canónico da UASP - União das Associações dos Antigos Alunos dos Seminários Portugueses, dando assim existência legal, à luz do direito canónico e, pela Concordata, do direito civil, a esta estrutura nacional, que queremos ao serviço dos ideais humanistas da Igreja e da sociedade. A UASP congrega Associações de antigos alunos dos seminários portugueses, Diocesanos e Religiosos. Vem dar corpo a um sonho que surge da ideia de congregar e fazer interagir forças emergentes de um fenómeno global e de importância nacional marcantes: o espírito e a cultura introduzidos na sociedade do último século, a partir dos Seminários Portugueses, no que respeita aos valores, à ciência e cultura em geral.
MAIO DO MANUEL P. BARROSO JORGE No dia do seu aniversário, dia 12: Foi atropelado na passadeira há quatro meses. Fraturou o perónio, andou engessado ficando imobilizado cerca de três meses... Andou também em cadeira de rodas. INAUGURAÇÃO DAS INSTALAÇÕES da Fundação Cónego Filipe de Figueiredo (Estarreja)/Sessão solene, dia 19: A sessão foi presidida por um representante de S. Exa. o ministro da Solidariedade e da Segurança Social e a missa de bênção presidida por D. António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro. Estive presente, mas à mente ocorreramme palavras ditas, escritas e sonhos dos tantos sonhos daquele santo de Padre, que (a manuscrito) assim terminava as suas cartas para os casais: “Tenho-vos sempre presentes no Altar e no coração, a vós e aos filhos, com a maior estima. O muito Amigo, Pe. Filipe.” Recebemos já o nº 3 de “Entre Gerações”, Jornal da Fundação, que desenvolve toda a página 13 para a FRATERNITAS MOVIMENTO. Consultar www.fcff.pt. MATRIMÓNIO de Fernando Félix e Maria José Bijóias, no Santuário do Senhor Jesus do Carvalhal, dia 26. «Este é o dia de alegria, que o Senhor preparou para nós», repetia-se no Cântico de Entrada. «Acompanhemo-los com o nosso afeto e amizade e com a nossa oração», surgiu na Saudação, e que assim seja. «Deus viu tudo o que tinha feito: era tudo muito bom», ouvimos na 1.ª Leitura (Gn 1, 26-28, 31a). Ao casal muitos parabéns, bênçãos e graças divinas.
CARTA DE JOSÉ S. PINTO «Fiquei muito contente com o policromado cartão (...) bem estrelaDo com os nomes e rubricas dos e das nossas companheiras de viagem (cartão timbrado da Fraternitas, assinado pelos participantes do Encontro Nacional em Fátima). Já sabem que enquanto o Senhor me quiser dar a magnífica – e, para mim, humanamente, alegria – de me deixar ver (...) rosto da nossa companheira Mariazinha – eu não poderei comparecer em corpo e alma, nos nossos (também meus) Encontros. Estou, aí, em Fátima, em espírito, memória, pena e oração. (...) Já não me conhece como marido ou familiar, há cerca de dois anos e não fala há cerca de 1,5 ano. Reconhece-me, pela voz, que já ouve há 37 anos. (...) Eu sinto-me o mais feliz, aquele a «Quem a quem o Senhor distribui a melhor parte» (...)»
DO ÂMBITO DA SAÚDE, são muitos e cada vez mais os associados que vão padecendo das suas maleitas, dores das suas doenças, que em família, são duplicadas, quando não triplicadas. Anotaram-se, aqui, apenas algumas ocorrências pontuais.
JUNHO MENSAGEM DO P.E RUI SANTIAGO Dia 25: «Já pensei na temática para o Encontro da Fraternitas de 5 a 8 de outubro. Podemos chamar-lhe assim: Andemos de Esperanças! A Esperança como fio condutor da Narrativa Bíblica.» TÉLIA sIL VA uRTÉLIA sILV POR uR
8
espiral
Homenagem a Henrique Maria dos Santos Em 13 de abril último, partiu para a Eternidade este sócio–fundador nº 37, casado com Maria Humberta Nunes de Freitas Santos, havendo um filho, residente(s) em Évora. Foi ordenado presbítero em 5 de agosto de 1943 em Vila Real. Segue uma singela homenagem através de excertos do livro de sua autoria Aventura Feliz, Évora 1999, edição aut or 1 1 pp. autor or,, 3 31 télia Sil va Urtélia Silv pOR Ur
N
a dedicatória, a manuscrito no livro oferecido à Fraternitas: «Não tenhais medo..» Sou o Henrique M. dos Santos nesta “AVENTURA FELIZ” da vida. Viver é conviver. Viver é amar. No banquete da vida a Amizade é o pão e o Amor é o vinho. A vida é divina porque é bela. (Laus Deo VirginiqueMatri! Sanfins do Douro 1920-2000” – Pag. 3; À minha Mulher e meu Filho – De alguns milhares de páginas que tenho escrito, numa vida já bastante longa, passada a estudar e a escrever, são estas, sem dúvida, as que eu queria que fossem menos desvaliosas (pag. 5). Cap. I – RECORDAÇÕES DA INFÂNCIA - (...) Saber quem somos é a nossa primeira obrigação. Mas saber a razão porque aparecemos nesta vida é algo que fica no domínio do misterioso. É pois, mistério desta vida: Nascer!... Sob o fulgor desse belo céu azul do Alto Douro, nasci em 11 de Novembro de 1920, na linda e pitoresca aldeia, hoje, Vila, de Sanfins do Douro, concelho de Alijó e distrito de Vila Real. Foi naquela terra bendita que tudo começou para mim. Foi, ali, que tomei os primeiros contactos com o deslumbrante espectáculo da vida, que recebi as primeiras impressões, que conheci os primeiros júbilos, que chorei as primeiras lágrimas. (...) Nos tempos da minha infância o Distrito de Vila Real foi agita-
do por acontecimentos políticos e religiosos de certo vulto. (...) No campo religioso, o Distrito e a minha aldeia viviam, e comentavam, o grande escândalo ocorrido: a fuga do 1º Bispo da Diocese de Vila Real, então Arcebispo-Bispo – D. João de Lima Vidal que havia negado funeral religioso àquele que fora o 1º Governador Civil da República, no Distrito, o professor primário Avelino Samardã. Receoso de enfrentar o protesto dos republicanos D. João de Lima Vidal fugira, pela calada da noite, para Aveiro, sua terra natal. Eu, reflectindo o espírito que animava estes acontecimentos, comecei logo a sintonizar a corrente de opinião em que mais tarde havia de assentar arraiais. (...) em 7 de Outubro de 1933 aparecia eu no Seminário de Vila Real, após o meu exame de admissão, causando, assim, grande espanto em todos quantos me conheciam, principalmente ao meu professor Matos e a todos os colegas de escola que nunca tinham observado em mim feitio eclesiástico. – Pag. 13-21. Cap. II – RECORDAÇÕES DA ADOLESCÊNCIA – Foi, pois, na companhia de minha querida e saudosa mãe que entrei para aquele casão enorme que acabava de levantar as suas primeiras paredes.(...) Minha mãe não podia ir além da portaria. Escusado será dizer que na vida do Seminário nunca entrava sob o mínimo pretexto que fosse qualquer ente feminino. A mulher era considerada um objecto perigoso que se impunha manobrar com muita prudência. E a verdade é que a razão talvez não faltasse por aquilo de que me fui apercebendo… Como é possível a vida deixar-se encaixar, assim, com tanto rigor, ético-religioso, dentro da redoma formada por conceitos tão rígidos e pouco elásticos?! Que se deve entender por más companhias, más leituras, impureza? Tudo em concreto tão discutível! (Pag. 23).
Ao reflectir sobre essas vivências no Seminário, e pense-se o que se pensar da teoria “einsteiniana” sobre a “relatividade” do espaço e tempo, e diga-se o que se disser, acerca do segundo, como apenas uma Quarta dimensão, o que ninguém por certo duvidará é da relatividade do “tempo psicológico”, a duração, dado da consciência e do tempo e espaços sociais. São estes últimos espaços e tempos os que mais interessam ao memorialista. Aqui tudo é relativo: o homem na temporalidade e o mundo social como sua criação, dimensões da sua existência. Se observarmos bem quando reflectirmos nisto e recordarmos o nosso passado e tento mais quanto mais velhos somos nunca devemos perder de vista esta importante verdade: o que eu pensei na infância e na adolescência, até mesmo na mocidade, aquilo que eu fui, então, o que eu vi e senti, não é exactamente o mesmo que que sou e como vejo e sinto hoje. (...) Não digam que a Verdade, com maiúscula, é só uma, absoluta e imutável. Eu respondo: será assim talvez filosoficamente e sobretudo metafisicamente. Mas o que está longe de ser uma é a maneira de exprimir essa Verdade hipotesiada quando ela exista, e, de reagirmos sobre ela, assim como, por exemplo, é sempre diferente a forma que reveste a água consoante o recipiente com que a colhermos. Vem todo este discurso, moderadamente relativista, a propósito de eu querer dizer que à medida em que eu fui crescendo física e espiritualmente até este momento em que me encontro, de respeitável ancião de provecta idade que tenho, via tudo sob uma cor assaz diferente daquela com que vejo hoje após sessenta e quatro anos. «A idade dá-nos perspectivas novas, mais amplas, das realidades que formam o horizonte da nossa consciência». Dura-se, vive-se, como chama de vela que a si mesmo se consome; a
9
espirall
temporalidade na vida está no tempo objectivo, absoluto; é pura dimensão da existência. Assim ocorreu comigo. Cresci, tomei a mais funda consciência através da minha existência, do meu próprio eu, e, surgiu em mim, quase de repente, um acirrado espírito crítico perante um ambiente em fui preparado para a vida.Tudo isso que destilei e adquiri no Seminário e na vida, em suma, sem quebra, aliás, de certa estima, respeito e gratidão, e, em alguns casos, de franca admiração por alguns dos meus educadores, o devo àqueles com quem emparceirei na vida. Os meus «espaço e tempo» foram-se tornando, então, outros. Os pontos de vida, os centros de que partiam em mim a observação e as relacionações do vivido deslocaram-se; em breve mudariam. Como não havia eu de mudar, também? Mas, como deixo já antever, esta mudança nascida como que de um impulso súbito só depois, através de uma evolução lenta, veio a atingir o seu ponto alto no momento em que me encontro. (Pag. 30). (...) Assim, quando terminei o Curso, pela confiança que mereci e conquistei, fui chamado a ocupar um dos lugares de maior responsabilidade, sendo investido na função mor da Abadia da Sé, e autorizado a publicar um semanário que por sugestão do ilustre Prelado ficou a denominar-se: “A VOZ DE TRÁS OS MONTES”. O pacto foi cumprido religiosamente.
Enquanto o ilustre antístite viveu tudo realizei sem medida ou reserva para corresponder não só ao pacto estabelecido mas, também, movido pelo muito carinho e apreço que o ilustre Prelado merecia. Porém, a diferença de carácter e timbre do sucessor deste Bispo, o profundo desgosto que senti pela morte do Papa João XXIII, golpe que me levou à cama com riscos de vida, pois, tão profundamente senti o desaparecimento do insigne Pontífice que veio ofuscar toda a esperança que eu depositava numa Igreja renovada; a minha consciência de Padre adulto, tudo isto, me levou decididamente a solicitar ao Vaticano a minha redução ao estado laical. Nesse estado afirmo-me, hoje, ser, sem escrúpulos ou sem remorsos, com verdade de homem feliz e realizado que procurei sempre ser aquilo que devia ser. Não rejeito nada do que fui, nem nego nada daquilo que fiz. No ambiente que aí fica descrito fui Padre com bastantes contrariedades mas com alegria e me realizei no exercício deste ofício o melhor que pude; sou agora, esposo feliz e pai, orgulhoso da mulher que tenho e de um filho que tenho que prezo. A minha saída de Padre depois de trinta anos, mais de um terço do caminho normal no itinerário de uma vida, o meu dar o salto, foi apenas a escolha de uma nova forma de caminhar na esperança de cumprir a existência em novas metas que era preciso alcançar e vencer. É necessário ter coragem para desafiar ou mesmo aceitar todos os combates e contrariedades do futuro. Recusei conscientemente uma ordem estabelecida que era um caos, pus de parte um lugar, um título, uma situação cómoda. Pensei e repensei na coragem necessária para desafiar todas as contrariedades que pudessem aparecer. Fruto de um longo amadurecimento podem-se reduzir a quatro palavras a razão que me levou, para além de outras, ao meu gesto: Solidão, Revolta, Solidariedade e Pressão. A Igreja não respeitava, nem respeita, os direitos totais da pessoa humana. Saí, pois, por questões de Fé que nunca
vi esclarecidas e pelo modo cruel e impiedoso como a Igreja governava e governa. Não concordava com Governo Ditatorial da Igreja… Não suportava a violação dos direitos humanos a que assistia no interior da Igreja, o sentimento do poder sagrado e eclesiástico. Agora, nesta aventura da vida sou um homem feliz. A Liberdade, como fenómeno psicológico e valor fundamental à volta do qual giram as grandes transformações culturais do nosso tempo foi a responsável pelos ex-padres, que como eu, e nesta ocasião, acabaram no seu casamento, a maioria provenientes de camadas sociológicas rurais determinados por tabus e pressões psicológicas. Assim, só no ano em que abdiquei, tomaram o mesmo gesto, em todo o País, 548 (quinhentos e quarenta e oito) sacerdotes, deste modo registados e confirmados nas diversas Dioceses: Em Vila Real, diocese a que eu pertencia, 43; Aveiro, 70; Braga, 110; Beja, 12; Algarve, 2; Lisboa, 70; Porto, 115; Coimbra, 34; Guarda, 24; Lamego, 15; Portalegre, 17; Viseu, 5; Bragança, 47; Évora, 12. Sem receios de trambolhões, depois de ter dado o salto, tenho procurado sempre fazer de cada derrota um degrau, de cada obstáculo uma escada para atingir e permanecer no caminho da verdadeira vida. É na luta, no combate que se obtém mais forte o nosso Querer. Não vencer é ser derrotado. Aceitar o condicionalismo que a vida impõe é cobardia. O esforço e a perseverança são as verdadeiras regras que devem ser acatadas para atingir o êxito. Como Watt não me deixei embarrilar pelas dificuldades que me impunham. Saltei o muro das convenções. Escolhi o caminho em frente e avante!... Mudei de campo, de combate e de caminho a seguir. Fiz mal? Só os mortos e os tolos é que não mudam. Podemos sempre viver de pouco quando temos muito porque viver. Este muito é o Ideal, o Ideal de beleza, de grandeza, darmo-nos ao nosso semelhante e a luta pela fraternidade universal.
10
Não podemos esquecer que o Ideal é complemento indispensável do verdadeiro homem. Nós não sabemos do somos capazes quando o Ideal nos anima. O melhor que existe em nós é melhor do que podemos compreender e, esse melhor ainda se transforma, se transfigura, quando se trata de fazer uma coisa nobre. Mas para isso é necessário ser consciente e viver o problema da Verdade e da Liberdade. A vontade cerceada, peada, mutilada, é insuficiente àquele anunciar, discutir, e acordar que faz mister, á acção esclarecida e à ciência. Escolhi a Liberdade, a livre vontade do respeito à verdade, Não tenho medo nem receio do meu procedimento. Parti de um determinado ponto, fiz a travessia da vida e cheguei onde me encontro, serenamente, conscientemente. A vida na sua expressão integral foi sempre para mim exacta, rectilínea. Deste jeito, o que fica registado, nestas páginas, de uma AVENTURA FELIZ, não é um desculpável devaneio, mas sim, um vibrar forte, intenso, perante o avistar da estrela boieira e me arrebatou do melhor da minha vida, da minha personalidade, e me levitou, guindou, da terra alçando-me aos longes dos longes, ao Ideal.(Pag.38, Capítulo II, pag.s 23 a 38). EPÍLOGO – (...) Perante a repugnância que se tem e se sente ao nada e pela convergência que todos temos ao infinito, ao nosso finar há-de corresponder, realmente, a imortalidade que fica registada nas nossas obras. Entre o berço e o túmulo, entre o arrebol e o crepúsculo da vida, distendese, alinha-se, engrena-se, uma longa série de pontos, uns negros, outros luminosos, que como tantas voragens nos vão dia a dia absorvendo a seiva e exaurindo as forças. (…) Ao chegarmos ao último palpitar do coração figuramos uma flor emurchecida, uma árvore desfolhada. Somos sombra de nós mesmos ao penetrar a região das sombras. Só além morte a treva será luz, a luta descanso, o mérito recompensa, o martírio gozo, - sabedoria sem dúvida, -ventura sem fel, - justiça e a perene florescência da glória e a visão do Eter-
espiral
no. O sol mergulha no Ocidente para emergir no levante; o homem anoitece no sepulcro para amanhecer na Eternidade. A sepultura, a cova é, também, berço: para cada corpo que recebe neste mundo agérrimo entrega um recémnascido a outro mundo melhor. O átomo não pode aniquilar-se. Por isso, das pulverizações do cadáver surgem as radiações que nós chamamos espírito, alma. Quando a morte encontra a vida, algo desta fica a cintilar nas trevas da morte. Esta realidade com a qual todos nós deparamos deve-nos levar a concluir que a ideia e a palavra, falada ou escrita, substitui a força e a tirania; as hierarquias e as classes se devem aproximar e distar menos umas das outras. (...) Todos nos devemos esforçar para ser a Sociedade em que estamos enxertados, uma família. A Sociedade em que vivemos devia ser uma translúcida confederação de todos os espíritos na dulcíssima unidade do mesmo afecto. Como Luther King que sonhava em voz alta eu afirmo: “os homens foram feitos para viverem uns com os outros como irmãos. (...) A fraternidade seja mais que uma simples palavra no final de uma oração. Com esta fé, poderemos trabalhar juntos, orar juntos, lutar juntos, ir para a prisão juntos, conservar a liberdade juntos. Sentarmo-nos juntos à mesa da fraternidade”. A Humanidade é composta por homens e mulheres. O homem personifica o espírito que é sublime e a mulher simboliza o sentimento do belo. Estes dois seres devem-se completar mutuamente com as suas qualidades diferentes, ostentando reunidos o fundo imortal da natureza humana. É este o sentimento que tenho vivido e destilado com minha mulher, por um mundo melhor em que conflui, se concerta, converge e identifica, o nosso filho. (...) expansão de duas vidas, (...) que connosco faz parte da grande família que é a Pátria que nos viu nascer e a Humanidade, o todo, a que pertencemos e sintonizamos. Laus Deo Virginique Matri!”- Pag.s 306 a 308..
Henrique,
F
aleceu em Évora, com 91 anos, o Dr. Henrique Maria dos Santos, nosso grande amigo, que foi Sócio Fundador da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO, na qual marcou presença constante e ativa, enquanto a saúde lho permitiu. Ainda me lembro do encontro de homenagem que fizemos em Évora ao nosso Fundador Cónego Filipe de Figueiredo, onde ele esteve com todo o seu entusiasmo e muito participativo na organização, e no final do segundo dia o fui levar a casa porque era novembro e estava frio no Seminário onde o encontro se processou. Nasceu em Sanfins do Douro em 11 de novembro de 1920. Foi Pároco da Sé de Vila Real durante 30 anos, e ser pároco da Sé implica ter confiança do seu bispo e de todos os sacerdotes de Vila Real. Acumulou essas funções com as de professor de Religião e Moral do Liceu, onde deixou nome como homem distinto e de ideias arejadas. Sempre muito pontual. Quase nunca faltava e os alunos que o conheceram tinham por ele uma extraordinária admiração, porque não tinha medo de dizer as verdades em quaisquer circunstâncias. Habituei-me a admirá-lo depois dos meus 12 anos. Era minha tia Maria a zeladora da capela de Nossa Senhora da Almodena. Ele fazia sempre uma novena preparatória com muita objectividade e muito amor e carinho pela Mãe de Deus. Não lia pelos livros. Falava sempre olhos nos olhos. Eu ficava embevecido a ouvi-lo. Todas as pessoas sentiam respeito e admiração por este homem. Chegou a ser professor no Seminário de Vila Real, impondo-se pelo aprumo e galhardia. Depois decidiu-se pelo casamento com Maria Humberta dos Santos, que era natural dos Açores, onde residiram algum tempo, sendo até professor na Escola Industrial da Horta (no Faial). Passaram depois para Évora, onde fixaram residência e chegou a leccionar
11
espirall
grande amigo e sócio fundador em praticamente todo o Alentejo, tendo sido Presidente do Conselho Diretivo da Escola Secundária do Redondo, passando mais tarde para Reguengos de Monsaraz, onde se reformou. No seu currículo constam diversas iniciativas de carácter social, destacandose nessa linha a criação de uma cantina na Sé, onde chegou a acolher cerca de 200 crianças e muitos idosos com necessidades. Para satisfazer ao essencial de tanta gente fundou “A Voz de Trá-osMontes”, propriedade da mesma cantina, que depois da sua transferência para Açores e Évora foi (sem o seu consentimento) passada para a posse da Diocese, sendo nomeado seu Diretor o padre António Maria Cardoso, que pelo menos de nome continua a sê-lo. Falei com ele particularmente sobre isso e disseme com alguma tristeza que nunca tive-
ram com ele qualquer conversa sobre o assunto, sentindo-se magoado por isso. Foi um homem de causas. Enfrentou com dignidade a ditadura de Salazar. Lutou incansavelmente pela igualdade social de todas as pessoas, procurando que todos tivessem o necessário para viverem com dignidade. Era tolerante e compreensivo para com todos e acima de tudo nos terrenos que pisou levava a mensagem de Cristo Salvador. Percorreu quase todo o Alentejo fazendo conferências de todos os níveis e procurando amar todos os que com ele se cruzavam na vida. Um Homem com Letra grande. Deixou-nos um livrinho, onde conta a sua vida, que se chama Aventura Feliz. Ofereceu-mo na primeira vez que estivemos juntos em Fátima. Lê-se de um fôlego, tal é a atração como diz as coisas.Ali descreve em pormenor todo
o percurso da sua vida, que foi muito cheia de tudo o que possamos imaginar. Vida linda até à exaustão. Num dos últimos telefonemas que fiz para a família, disseram-me que estava a escrever um livro sobre “a Fé”, para deixar de recordação ao filho. Como foi para o hospital fazer uma pequena operação à anca e se previa que dois dias depois estivesse em casa, apanhou uma pneumonia e dela acabou por falecer, sem que alguém o pudesse prever. Não acabou o livro, mas a esposa e o filho, que é advogado, estão com vontade de o finalizar. Parabéns pela ideia, forma brilhante e digna de o homenagearem. Saibamos honrar este homem de Deus. Talvez o tenha dado a conhecer mais depois de deixar o exercício das ordens. A vida tem destes segredos. POR Serafim de Sousa
Na Páscoa do Henrique…
C
arta aberta à Maria Humberta e a todos os meus irmãos e irmãs da Fraternitas... Trazemos em nós, desde o instante primeiro, duas dinâmicas que se acompanham como irmãs gémeas – A Vida e a Morte… Esquecemos isso demasiadas vezes e, mesmo quando dizemos que a Morte faz parte da vida, estamos a pensar que “é só lá para o fim da vida que a morte é uma parte dela”. Mas…A Biologia diz-nos que parece que não é bem assim. E a Fé faz-nos acreditar que, fazendo da nossa Vida um Dom, quando ela acabar, também acabou a morte – não haverá mais nada em nós para morrer e a Morte ficará de mãos vazias … Todos, mais cedo ou mais tarde somos confrontados com a despedida dos que amamos…Porque “toca a todos”. E todos morremos, sim, mas não da mesma maneira. Porque a maneira de morrer tem tudo a ver com a maneira como vivemos.
A despedida daqueles cujas vidas cruzam a nossa vida deixando nela uma marca de Beleza, Alegria e Paz não pode acontecer como ausência – “morrer é só não ser visto”, diz Sophia e os poetas sabem o que dizem… Àqueles que se apaixonam, acontece a MELHOR, a MAIS PRECIOSA de todas as riquezas – apaixonarmo-nos de verdade, amar de verdade, faz-nos incapazes de viver sozinhos, de nos centramos em nós, de fechar os nossos olhos por dentro, de fechar os ouvidos à Humanidade… Na Fé, acredito que o milagre maior das nossas vidas é sermos passados dos braços de quem mais amamos para os braços de quem mais nos ama – um Pai Todo Poderoso em Amor. Porque a nossa Esperança e a nossa Fé estão em Jesus ressuscitado. Nele está a nossa Salvação! Nele vivemos e nos movemos! É esse Jesus que nos acolhe e nos lava os pés à entrada do GRANDE Ban-
quete onde TODOS temos o lugar marcado com uma “pedrinha branca”. Nela está escrito o nosso verdadeiro nome, o nome que só nesse DIA saberemos. E esse é o DIA sem entardecer…o DIA da nossa Páscoa. O PRIMEIRO DIA! Na outra margem da Vida, não mais nos magoaremos uns aos outros, não haverá mais morte, nem sofrimento, nem luto, nem lágrimas… Toda a dor e toda a angústia foram vencidas pela Vida sem confins. Porque Deus SÓ é BOM! E…”porque a Vida está cheia de milagres; e a morte é o maior e mais estranho deles todos”(Rui Santiago) Por isso, sempre que Celebramos a Vida, a Graça, o Perdão e a Alegria, Celebramos COM todos os que amámos e tendo desaparecido dos nossos olhos estão VIVOS e vivem entre nós com Cristo ressuscitado! Porque vos amo muito. POR Glória
12
espiral
“PARA VÓS, SOU O VOSSO BISPO, As pala vr as são de Sant o A gos tinho, já no século V tãos de Hipona, quando ffoi oi nomeado bispo. palavr vras Santo Agos gostinho, V,, aos cris cristãos Mas calham bem, aplicadas ao nosso querido e saudoso D. Albino Cleto, que todos conhecemos, estimámos e acompanhámos no seu roteiro-itinerário do melhor humanismo e da mais cativante cordialidade, bem como de uma bem meritória e louvada missão. a Sil va (Primo) da Silv POR Manuel Ferreira d
S
empre jovial no seu modo humaníssimo de lidar e privar fosse com quem fosse - pois nunca discriminou ninguém - desde os bancos da escola até ao seminário, e até atingir a cúpula máxima do sacerdócio, como até Deus lhe fechar os olhos e dar ordem de descanso ao seu coração, foi D. Albino o padrão da mais transparente e fraternal cordialidade. Homem da sua família, Cidadão da sua terra, Lusitano da sua serra. Nunca o deslumbraram nem títulos nem capelos académicos, que os tinha, e com mérito; nem cargos eclesiásticos que, aliás, lhe foram confiados, e exerceu sempre com o mais generoso desempenho; nem incensos de pastoralidade eclesial e de teor meramente canónico. Era, o que se pode dizer, um Bispo no seu melhor, e sempre em dia com o seu dia-a-dia; o que lhe mereceu ser o que se diz “um homem em dia”. Foi a sua morte uma surpresa. Como um eclipse de alma, o cintilar de uma estrela, ou o deslizar de um meteoro. Vejo-o retratado por si próprio, em palavras que ele mesmo escreveu a meu pedido para alguém, mas que as aplico a ele agora com um mérito muito seu: “Aquilo que hoje sou deita raízes muito fundas dentro de mim: o respeito por Deus e pelo Sagrado, o amor à Igreja, as convicções da Fé, a alegria no serviço da Comunidade, o encanto com as festas cristãs, tudo isso germinou em mim desde pequeno, e à medida que os olhos o iam contemplando.” Ele fez da sua vida um reflexo suave, e do mais grato sabor, daquilo que nele sempre dominou: a alegria de ser e a generosidade de servir. Nunca a mitra e o solidéu lhe atrofiaram os mais gene-
rosos pensamentos. Nem o báculo lhe deu ares de potestade canónica. Nem os mais altos cargos e missões o afastaram da clara e humaníssima amizade com os amigos. Era um muito pessoal testemunho de proximidade. Alguém que, pelo seu testemunho, a todos nos ensinava como saber estar, fosse com quem quer que fosse. Não sabia escrever nem viver com reticências. A sua vida foi sempre de uma transparência cativante. Nunca ninguém lhe surpreendeu qualquer sombra de alma. O seu sorriso era o sol da sua vida, e que a muitos iluminou. Tudo nele era um testemunho de verdade, transparência e cordialidade. E sabia como poucos ser e fazer-se mais próximo do seu próximo. E sem qualquer discriminação. No momento do Congresso Nacional das Misericórdias em Coimbra, em abril de 2011, as Santas Casas prestaramlhe gratíssima homenagem, pelo muito pessoal e peculiar zelo pastoral que sempre dedicou às Santas Casas, que foi manifestamente sublinhado nas palavras de aplauso, louvor e congratulação de toda a comunidade misericordiana. Particularmente a Misericórdia de Coimbra, e com todas as Misericórdias
da diocese, foi testemunho institucional eloquente de homenagem, reconhecimento e devoção pastoral. Foi ainda com a Sé repleta de dirigentes das Santas Casas de todo o distrito de Coimbra que, no jubiloso passamento dos seus 75 anos, todas as Misericórdias da diocese homenagearam com particular, jubilosa e festiva cerimónia o seu prestimoso e muito estimado Bispo. Com bispos do teor pastoral de D. Albino, as Misericórdias sabem o que é, e como estarem com a Igreja sem serem da Igreja; não como tribuna de poder e decretos, mas como exemplo e estímulo pastoral a tudo o que seja um bem fazer em irmandade, e sem discriminações de qualquer ordem, e com o melhor espírito de confraria humanista e cristã. Não olham a quem servem, nem discriminam quem nelas e com elas queira servir. São Santas Casas de portas abertas. O mérito do seu humanismo ecuménico pertence-lhes de direito e por vocação. Na hora em que Deus o mobilizou para outras e mais altas missões, como a de interventor no Céu por todas as nobres Causas que serviu na terra, o seu nome é lembrado como quem lhe reza, sabendo, como publicamente é sabido, quanto as Misericórdias – a começar pela de Manteigas, sua terra natal – lhe estavam no mais quente do coração. Apostando numa “Nova Evangelização e Novos Caminhos para a Igreja”, ainda recentemente – abril de 2003 – sublinhava à FRATERNITAS: “O mundo da Igreja tradicional acabou. Até o mundo da nossa infância já não existe”. Então a primeira coisa que há a fazer agora é escutar a realidade social em que a gente vive.
13
espirall
CONVOSCO, SOU UM DE VÓS” E, quando se trata de perceber qual o sentido da caminhada a cumprir, é que é preciso ter sempre presente que o Senhor Jesus é o pioneiro de todos nós. Ele é a vanguarda. Importa, por isso, procurar saber o que Jesus fez e ensinou, a maneira como actuou, com quem se entendia, como os discípulos foram apreendendo a sua mensagem através do que Ele fazia e dizia, e pelo modo como abordava as pessoas e as recolhia; e como, após a ressurreição, essa mensagem era transmitida. Cada coisa nova deve encarar-se com o espírito de acolhimento; mas também com a consciência de que isso é o que se pode arranjar. Para além de tudo o mais, até pelo seu modo muito pessoal de conviver, o generoso ganhador de amigos, foi D. Albino um dos Homens da Igreja do melhor espírito de missão ecumenicista; e que, tendo sabido ser com a sua muito pessoal pastoralidade de humaníssima convivência, o Bispo do melhor espírito ecuménico, admitiu que em obras e instituições pastorais da Igreja possam participar cidadãos menos favorecidos, como os divorciados; estando, aliás, na mais ortodoxa linha pastoral do Concílio Ecuménico, que já dá fundamento para não serem excluídos de participar na Pastoral socio-caritativa da Igreja, conforme o jornal diocesano da Cáritas de Coimbra fazia publicar e lembrar o que nos documentos conciliares já estava consignado: “O grupo socio-caritativo –neste caso as Misericórdias – é um espaço privilegiado na Igreja para integrar pessoas “afastadas” de outras acções pastorais, por razões “jurídicas”, como por exemplo, muitas pessoas divorciadas” (Caritas Diocesana, Maio 2003). Pastoral da benevolência, da compreensão, do justo critério, de uma humaníssima alma de acolhimento, que dá corpo real à palavra de Cristo “vinde todos a Mim…” Agora que o Céu o chamou, e a
morte em nada lhe mudou o semblante da alma, aprendi com a sua abalada deste mundo que morrer não é acabar. É dilatar a vida para além do tempo, à dimensão da Fé em que D. Albino acreditou e ensinou a acreditar – e daí, o chamar-se-lhe “vida eterna”. Morrer foi apenas deixar a condição de peregrino, e entrar no Santo dos Santos, no santuário eterno, onde o tempo já não se conta. Quando em Manteigas puder peregrinar até junto do seu túmulo, conversarei com ele, e vou contar-lhe, como quem lhe reza as contas da saudade, o que dele disseram, que partiu tão rápido e com surpresa para todos. E foi assim o que recolhi a seu respeito de entre os muitos e sensibilizantes testemunhos: - Homem de serviço generoso, com horizontes abertos e sem reticências na alma. - Respirava Fé e transpirava serenidade e confiança, bem como bondade e presença sempre jovial, e sempre muito próximo dos mais pobres. - Foi um pastor de atenção e atenções para com todos, e sem discriminar quem quer que fosse. - Soube promover estruturas, e sem delas se tornar escravo nem senhor, sempre capaz de compreender e acompanhar a evolução dos tempos e dos acontecimentos - Lembrá-lo é mais do que alimentar apenas uma saudade; é prolongarlhe a memória no exemplo da sua vida, que foi sempre para todos.
- No seu modo de ser pastor, foi o mais cativante testemunho de uma pastoral de proximidade e convívio; e que foi sempre, e também, uma pastoral de benevolência, de compreensão, de justo critério, e de uma humaníssima alma de acolhimento, sem quaisquer reticências nem discriminações. - Cumpriu-se o que ele sempre desejou: vontade de voltar à serenidade e ao silêncio. Mas não se lembrou de que, como a S. Francisco Xavier, se lhe aplica com mérito a legenda: “O defunto ainda fala”. - Foi a pé ao encontro da morte. - Foi um homem à frente do seu tempo. - Intérprete da sociedade e dos mais necessitados, deixou por onde passou uma marca sua muito própria de humanismo e cativante bondade. - Um homem simples muito próximo dos mais pobres, destacando-se o seu humanismo, a ponderação, a simplicidade, a sua presença constante junto de quem mais precisava da sua bondade. Um bispo do povo, e de quem sempre quis sentir-se próximo. Nunca lhe tremeram as pernas, senão só no dia em que o Cardeal D. António Ribeiro o informou de que iria ser nomeado bispo. Todos estes dados foram colhidos em fontes de informação e comunicação social: Diário de Notícias, Diário de Coimbra, Diário de Aveiro, Voz da Verdade, Voz das Misericórdias, Notícias de Manteigas, Voz Portucalense, O Dever, A Guarda, A Defesa, Espiral, Notícias da Covilhã. Na hora em que o Céu no-lo arrebatou, não lhe dizemos “adeus!”; porque continuaremos a senti-lo connosco. A saudade sublinhará sempre uma presença de quem já partiu. Mas dizemoslhe só, e na mais agradecida amizadesaudade: “até um dia!” Se alguém lhe deve saudade-amizade, tenho um especial orgulho nessa dívida, porque me fica como uma marca na alma.
14
espiral
FAMÍLIA E IGREJA nos caminhos da Nova Evangelização Segue-se uma seleção dos ar ges Macedo TTeles, eles, resident e em Meridãos artigos Borges residente tigos do associado Joaquim Bor (T endais), concelho de Cinfães, que têm vindo a ser publicados com regularidade, quinzenalment e, no jornal (Tendais), quinzenalmente, diocesano “Voz de Lamego”, com a assinatura BORGES MACEDO (BM). A seleção é de Urtélia Silva.
NOTA PRÉVIA Foram publicadas as conclusões a nível nacional sobre os caminhos da nova evangelização na Igreja, na sequência dos trabalhos que se vão desenrolando na linha de se «Repensar a Pastoral em Portugal». Consta no ponto 19 dessas mesmas conclusões: «Criar dinâmicas de compromisso nas comunidades locais e na Igreja diocesana, nos vários sectores da pastoral (...).» Compreende o ponto 3 do Programa Pastoral da diocese de Lamego: «Opções pastorais para a nossa diocese para o ano pastoral 20112012: Família e Igreja nos caminhos da nova evangelização.» FAMÍLIA E EDUCAÇÃO É habitual ouvir-se dizer que as famílias abdicaram da educação dos filhos. Os pais acham que não são capazes de educar porque, como não querem dar aos filhos a educação que receberam, classificando-a de antiquada e desajustada aos tempos “modernos”, preferem deixá-los entregues à sua sorte ou à sociedade em que vivem. Ou seja, fazem o mesmo que o agricultor à árvore que semeou ou plantou: deixa-a entregue à terra onde a colocou, não se importando de que ela tenha adubo ou estrume, água suficiente; não coloca uma estaca para que ela cresça direita e com segurança; não corta os rebentos que a podem minar ou desencaminhar; não a poda para que ela não cresça desordenadamente, não chegando a dar frutos. (...). Enfim: Para quando a formação humana e cristã dos pais? Para quando a formação das verdadeiras famílias? Para quando a preocupação de que os jovens só serão verdadeiramente seguros na fé, se tiverem uma família que os apoie? (B.M., 1.11.11)
FAMÍLIA E EDUCAÇÃO ANTE MATRIMÓNIO Não foi por acaso que um grande investigador sobre EDUCAÇÃO chegou à conclusão de que a verdadeira educação «começa 20 anos antes do ser humano nascer». (...) Quem se debruçar sobre o documento do Conselho Pontifício para a Família, verificará que da preparação para o Matrimónio Cristão e Católico faz parte a preparação remota (...), próxima (...) e imediata (...). Chegamos à conclusão de que da Família é que parte toda a formação. (...) e se as nossas famílias vivem longe de Deus, como podem dar aos seus membros o Amor que esse mesmo Deus tanto lhes dedica? (B.M., 15.11.11) EDUCAÇÃO EM FAMÍLIA, DESDE A INFÂNCIA De facto estamos convencidos que mais ninguém, mas absolutamente, pode substituir uma família, na verdadeira acepção da palavra, quando se trata de proporcionar uma boa educação. (...) Nós, IGREJA DO SENHOR JESUS CRISTO, precisamos de formar os futuros pais e os que de momento enfrentam um ambiente difícil, para que estes reconheçam que sem Deus no centro da Família é impossível educar os seus filhos, desde o seu primeiro momento de vida já no seio materno. (B.M., 30.11.11) FAMÍLIA E EDUCAÇÃO NA FÉ Onde estão os cristãos seguidores do Mestre dos mestres, do Senhor dos senhores para levar os responsáveis pela Educação (...) a imitar a família de Nazaré nas pessoas de JOSÉ, MARIA E JESUS? (...) Como é feliz a família que se deixa conduzir pela Palavra do Senhor Jesus!... «Família que reza unida permanece unida.» (...) Como é belo e dá felicidade tentar fazer com que a Palavra de Deus oriente o rumo de vida de cada família (...), quando o Deus da Palavra está na nossa ação. Mas para que isso aconteça é necessário ter uma intervenção e ação contínuas e permanentes. (...) Vamos empenhar-nos em evangelizar, usando todas as forças e energias que o Senhor nos concede. (B.M., 27.12.11) FAMÍLIA E PRESENÇA DE DEUS A Sociedade em que vivemos tende a esquecer Deus, colocando-O fora do seu percurso. Isto verifica-se de uma maneira especial na vida da Família. (...), conforme recordou S. Paulo a Timóteo: «diante de Deus e de Cristo Jesus, que há-de julgar os vivos e os mortos, peço-te, encarecidamente, pela sua vinda e pelo seu reino: proclama a Palavra, insistem em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência» (2 Tm. 4, 1-2). Acredito que se Paulo vivesse nestes tempos, preocupar-se-ia com a realidade do sentimento de «intimismo» que se verifica nos membros da sua Igreja, ostracizando tudo aquilo que deveriam dizer e fazer sem medo e com a força interior de quem prega aquilo que deve ou devia viver. (...) Vamos criar grupos de famílias, por mais pequenos que sejam, em cada comunidade paroquial que tentem levar por diante um programa de formação a fim de que sejam fermento para o mundo que tenta destruí-las. (...) Deus, que nos ama e nunca nos abandona, que quer construir uma sociedade de AMOR, se torne o centro da vida familiar. (B.M., 17.01.12.)
espirall
FAMÍLIA E IGREJA NOS CAMINHOS DA NOVA EVANGELIZAÇÃO Cada vez dou mais realce àquela frase de Pascal (...): «Cristo morreu de braços abertos para que nós não vivêssemos de braços cruzados.» Decorreu, durante três dias, com início em 29 de movembro de 2011 a vigésima Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a Família, que teve como tema «Os 30 anos da exortação Familiaris Consortio do Papa João Paulo II», em que o cardeal E. Antonelli, presidente do Conselho, revelou, na apresentação do evento, que, apesar das atividades desenvolvidas pelo dicastério da Cúria Romana, as famílias, após 30 anos, se encontram ainda em situação de «grande dificuldade». (…) Nas nossas reflexões sobre o Evangelho, há necessidade de uma «CRISTIFICAÇÃO» MUITO PROFUNDA da vida do ser humano, para que a Nova Evangelização seja uma realidade. (B.M., 24.01.12)
15
O AMBIENTE SOCIAL E A FAMÍLIA Como cristãos não nos podemos deixar levar por pessimismos exagerados ao verificar que o ambiente social é adverso à existência de uma família sólida e cristã em profundidade. Mas, muito menos devemos embarcar no optimismo exagerado de quem perante um mundo de facilitismo desenfreado, deixa correr, entra no caminho do já não há nada a fazer, ou tudo está bem porque isto ainda não está mau como dizem (...). O Senhor Jesus quando chamou os primeiros discípulos disse-lhes a determinada altura «vinde e vede» e ainda «vigiai e orai». Encaremos a realidade. O que quereria Jesus significar com as expressões que acabo de citar? (...) Ganhemos consciência de que muito há a fazer (...). Vamos pegar na PALAVRA DE DEUS, nos documentos da Igreja e façamo-los chegar às famílias que se dizem cristãs. Desfaçamos todos os «tabus» de que as famílias (pais de hoje) se deixaram enfermar, a fim de que, com a força do Senhor Jesus, consigamos trazê-las para o PAI. (...) Só o poderemos conseguir quando juntarmos «muitos bocados de fermento» para levedar a «massa» - criando pequenos grupos de famílias que leiam e reflitam em conjunto e com verdade a Palavra de Deus e as orientações da Igreja. (B.M., 30.01.12) FAMÍLIA “SANTUÁRIO DE VIDA O Concílio Vaticano II chamou à família «Igreja doméstica» (LG, 11) onde Deus reside, é reconhecido, amado, adorado e servido. Por sua vez o mesmo Concílio ensinou que: «A salvação da pessoa e da sociedade humana estão intimamente ligadas à condição feliz da comunidade conjugal e familiar» (GS, 47). «Desta maneira a família, na qual convivem várias gerações, que se ajudam mutuamente em adquirir maior sabedoria e em harmonizar os direitos pessoais com outras exigências sociais, constitui o fundamento da sociedade» (GS, 52). Na exortação apostólica de Sua Santidade João Paulo II à Igreja em geral Familiaris Consortio, a família é apelidada de «Santuário de Vida», isto é, «lugar sagrado», pois é aí que a vida humana surge como de uma nascente sagrada e é cultivada e formada. É missão sagrada da família guardar, revelar e comunicar ao mundo o Amor e a Vida. (B.M., 14.02.12)
FAMÍLIA e “CURSOS PARA CASAIS” Apoiando-me no poema que o nosso bispo D. António Couto citou (...) no seminário de Resende, na festa da sua padroeira, N.ª S.ª de Lourdes, «podem tirar tudo ao homem neste mundo (dinheiro, bens materiais e culturais) não ficará mais pobre, podem metê-lo na prisão, não tirarão a liberdade, mas se lhe tirarem as canções que aprendeu em criança no seio da família, esse mesmo homem perderá o seu rumo», vou transcrever (...) o que escreveu Monsenhor Amílcar Amaral, em 1970, como prefácio ao livro «Curso para Casais»: (...) O Concílio Vaticano II determina: os pais devem ser reconhecidos como os primeiros e principais educadores. Esta função é de tanta importância que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida» (G.E.3). (...) De facto, esta obra é difícil e gigantesca; não há, por vezes, pessoas preparadas para se lançarem a ela ou para a concretizarem; faltam instrumentos de trabalho para a sua realização; a mentalidade da sociedade actual não está convencida da sua imperiosa necessidade. No entanto, ela é urgente e extremamente necessária. Pois, como dizia o Dr. Grasset: «Cada geração tem a responsabilidade da geração seguinte.» (B.M., março.12)
O
A
http://fraternitasmovimento.blogspot.com Visite. Deixe comentário. Mande mensagens para fraternitasmovimento@gmail.com
a natureza não resiste à pujança da primavera, também a humanidade não ficará indiferente à emergência do «amor é mais forte do que a morte» exaltado no Cântico dos Cânticos. Seja quais forem as obscuridades com que hoje a humanidade se confronta, é no seu seio que o Espírito de Deus continua a pairar. história bíblica da revelação mostra bem que os ca minhos de Deus muitas vezes se cruzaram com as vias tortuosas dos humanos. Só pode compreender esta aparente contradição quem aceitar que a fé desafia os limites e as fronteiras da razão. Escapa, por isso, à evidência racional uma experiência íntima que nos cabe anunciar a um mundo perturbado por um futuro cheio de incertezas: Deus só quer a plenitude da realização do Homem. O amor, tal como Deus, não se aprisiona numa definição, porque está para além daquilo que as palavras dizem por si. Mas essa inefabilidade, ao ser acolhida por nós, vivifica-nos e deslumbra-nos com uma amplitude infinita. Todos nós já teremos feito a experiência de instantes de amor que desenharam a nossa vida como eterna. A luminosidade que irradia dos olhos de uma criança ou o esplendor que por vezes invade o começo de uma relação amorosa são experiências que dançam no inefável. À semelhança do que acontece nestes pequenos momentos de Tabor, o mundo de hoje tem o direito a esta boa notícia: sabemos que vamos morrer, mas esse mistério da nossa finitude não nos separa da eternidade. Essa é a experiência fundamental a celebrar e a testemunhar neste tempo pascal. O primeiro dia da criação, que viu Deus separar a luz das trevas (Gn. 1,4), desabrochou neste acontecimento inaudito: Os tempos novos anunciados pelos profetas inauguraram-se na madrugada em que Cristo, luz sem ocaso, se ergueu vitoriosamente da escuridão do túmulo da morte. Cabe aos cristãos não só guardar esta alegria no seu coração mas também dizê-la e gritá-la. esperança é sempre a abertura para um mundo novo. Ela implica uma visão positiva da vida, decorrente não só da fé que a sustenta mas também de uma definição do homem que, pela sua própria natureza, tem um enorme potencial de mudança. O ser humano sempre foi autor da sua própria construção e sempre se revelou sujeito e ator de evolução. É verdade que a história é manchada por horrores e massacres horríveis, mas também é povoada de grandezas e de avanços que conduziram o homem para patamares de um maior reconhecimento da sua grandeza. Temos, pois, de acreditar que ele saberá enfrentar novas situações históricas, de forma construtiva, dando novo vigor às intuições do bom papa João, que no discurso de abertura do Concílio convidava a Igreja a olhar o futuro sem receio. Esta ousadia só a poderá ter quem acreditar que, tal como aconteceu na manhã de Páscoa, também hoje Deus manifesta-se ao mundo como o Amor «mais forte que a morte».
A
A
o Ribeiro POR Manuel António Ribeir
Boletim de Fraternitas Movimento | Trimestral | | P .Ta Malmequeres, 4 - 3.º Esq | 2745-816 QUEL U Z | E-mail: fernfelix@gmail.com P.Ta QUELU
s valores do cristianismo estão por vezes reféns de linguagens dessoradas por um moralismo desencarnado, incapaz de perscrutar os anseios mais profundos do homem do nosso tempo. Foi para reagir a esta frieza glaciar que, há cinquenta anos, João XXIII surpreendeu a Igreja e o mundo, ao convocar um concílio ecuménico. Nessa assembleia magna da Igreja católica reuniramse os bispos do mundo inteiro para, sem o controlo do centralismo da Cúria Romana, delinearem caminhos sintonizados com as «alegrias e as esperanças, as tristezas e angústias» do homem contemporâneo. Retomava-se, assim, uma tradição da Igreja, quando em momentos cruciais da sua história sentiu necessidade de definir caminhos que assegurassem uma maior fidelidade à sua missão. João XXIII, bom conhecedor da história da Igreja, sabia que esses concílios tinham sido convocados para resolverem crises desagregadoras, desde as heresias cristológicas, como o Arianismo (Niceia, em 325) ou o Nestorianismo (Éfeso, em 431), até aos abusos do clero (concílios medievais de Latrão). O Papa viu no Vaticano II a «flor de uma primavera inesperada», quando fez a sua convocação, em junho de 1960, rompendo com a inércia atrofiadora dos que temiam a abertura da Igreja. Após o encerramento do Vaticano II, em 1962, gerou-se em toda a Igreja uma espantosa onda de renovação, graças à qual as comunidades absorviam dos textos conciliares uma energia propulsionadora de criatividade e de entusiasmo. Mas esse dinamismo renovador tem vindo a debilitar-se nos últimos tempos, a ponto de ter hoje uma irrelevante visibilidade. Isto deveria ser motivo de reflexão. A necessidade de regressar às fontes do rejuvenescimento da Igreja terá hoje uma maior pertinência do que há meio século, já que as dimensões da viragem cultural e da presente crise se tornaram ainda mais desafiadoras. Neste tempo em que o exílio de Deus deixou um vazio que a racionalidade pura se mostra incapaz de preencher, cabe aos cristãos testemunhar que Deus não abandona o homem, mesmo quando tudo parece abandoná-lo. energia de todos os começos é a confiança, sem a qual se vão atrofiando os ânimos e se vai debilitando a capacidade de imaginação. A esperança é sempre uma aposta arriscada, mas é ela que alimenta a paixão inventiva e que torna possível a revelação iminente de novos horizontes. Assim acontecerá, por mais forte razão, com a esperança cristã, à luz da qual toda a realidade humana é vista como uma ponte para a nova criação. Os cristãos não deverão fazer outra coisa senão prolongar o eco das primeiras testemunhas da ressurreição, quando viram no sepulcro vazio uma ausência indicadora da irrupção da eternidade no tempo. Assim como
espiral
Redacção: Fernando Félix
Jubileu Conciliar avivar a torcida que fumega
espiral
16