Revista em homenagem aos 100 anos de resende costa

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Uma viagem pela história de Resende Costa, a antiga Lage Visite um dos berços da Inconfidência Mineira Conheça as origens da tradição têxtil de Resende Costa e muito mais...


Editorial O rancho de tropeiros, a Capela de Nossa Senhora da Penha de França e suas casas aos arredores: eis os marcos fundadores do arraial das Lajes em 1749. De capela curada à emancipação política em 1912, Resende Costa teceu e tece a sua história. Sem minas de ouro, a Laje se dedicou à agropecuária, ao artesanato de tecido, ao comércio provincial e interprovincial, construindo fazendas, escravarias, fortunas, elites, marginalizados e “História Pátria”, Pátria aqui entendida como local de pertencimento. Nas lutas contra Portugal ou pela construção da Nação, a nossa Pátria foi “berço de heróis nacionais”. Os heróis símbolos são os José de Resende Costa, pai e filho, nomes eternos no Panteão dos Inconfidentes de 1789, prova maior da Pátria Lageana na construção da Nação. A eles a homenagem maior: em 1912, a Laje ganhou o nome de Resende Costa. Nesses Cem Anos, são muitas as permanências, como a cultura da religiosidade colonial em nossa Semana Santa, em nossa Festa do Rosário, em nossas Folias de Reis. Também são muitas as rupturas, como o nosso carnaval dos anos de 1950 ao pré-carnaval mais famoso das Vertentes; os nossos grupos culturais de todo o século XX às tentativas recentes de resgatar momentos sublimes da arte musical, teatral e literária. Nossa cultura esportiva, o futebol de campo e o futsal, são marcantes, encantaram e encantam torcedores e atletas. Nos aspectos econômicos e sociais, a ruptura maior foi provocada pela preponderância da economia do artesanato de tecidos, fato percebido desde 1980, o que levou a um acelerado desenvolvimento urbano. Nesta revista, o primor, a ciência e a poesia dos autores registram fragmentos de nossa história e prestam um tributo à Resende Costa, o que nos faz lembrar Tolstoi: somos universais quando cantamos nossa aldeia! Assim, Adriano Valério e Murton Moreira apresentam a geografia do lugar. Ana Paula, Rosalvo Pinto, Rafael Chaves, Ângelo Márcio, Fernando Chaves, Evaldo Balbino e Max Lara revisitam a nossa história social, política, militar e cultural. João Magalhães nos revela um Monsenhor Nelson ainda pouco conhecido. André Oliveira nos relata as memórias de Dulce Mendes. Emanuelle Ribeiro discorre sobre as lendas do futebol resende-costense. Luis Cláudio dos Reis tece comentários sobre as potencialidades do turismo como fonte geradora de rendas. Flávia Cristina e Gustavo Melo analisam a história e a sociologia de nosso artesanato, e a poesia de José Antônio é do tamanho da beleza do nosso horizonte visto das lajes. Adriano Aparecido Magalhães - Bacharel e Licenciado em História pela PUC/SP. Especialista e Mestre em História pela UFSJ. É professor de História da Rede Municipal de Educação de Resende Costa e da Rede Estadual de Educação de Minas Gerais.

Expediente Realização: Prefeitura Municipal de Resende Costa

Organização e Editoração: Fernando Chaves Textos: Adriano Magalhães Adriano Valério Resende Ana Paula M. de Resende André Eustáquio M. Oliveira Ângelo Márcio Resende Emanuelle Ribeiro Evaldo Balbino Fernando Chaves Flávia Cristina Silva Gustavo Melo João Magalhães José Antônio Resende Luís Cláudio dos Reis Maximiliano Vale R. Lara Murton Moreira Rafael M. Chaves de Resende Rosalvo Pinto Tiragem: 3 mil exemplares


Que lugar é este?

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esende Costa está localizada no centro-sul de Minas Gerais, no Campo das Vertentes. O município possui 618,27 km², sendo um dos maiores da região, e limita a leste com Oliveira, São Tiago e Ritápolis; a oeste com Lagoa Dourada; a sul com Coronel Xavier Chaves e a norte com Passa Tempo, Desterro de Entre-Rios e Entre-Rios de Minas. Possui dois distritos (a sede e Jacarandira) e várias comunidades rurais, dentre as principais: Barracão, Boa Vista, Cajuru, Curralinho dos Andradas, dos Maias e dos Paulas, Micaela, Pintos, Restinga, Ribeirão e Tabuados. A população é de 10.918 habitantes (5.372 homens e 5.546 mulheres), dos quais 2.136 vivem na zona rural. Curiosamente, as edificações do centro da cidade foram construídas em cima de uma gigantesca pedra, estando rodeadas por três afloramentos (rochas visíveis à superfície), chamados Laje de Cima ou da Matriz, Laje de Baixo ou do Quartel e a Laje da Cadeia (situada atrás do Fórum – antiga cadeia – e atualmente inacessível aos moradores e turistas). Na Laje de Cima, ocorreu um processo geológico de fraturamento da rocha, formando uma grande caverna, chamada pela população de Buraco do Inferno. Das terras do município, 60% são onduladas e 20% montanhosas, estando a região sujeita a fortes processos erosivos. A altitude quase sempre está acima de 1.000m. A máxima é de 1.350m (Serra do Capão Grande – perto da Micaela) e a mínima de 900m (várzea do ribeirão dos Paulas). A Igreja Matriz, ponto mais alto da sede, está a 1.140m. A região é um planalto, ondulado e ravinado, que é subdivido em várias serras: Serra da Galga na divisa com São Tiago e Passa Tempo, Serra do Corisco na divisa com Desterro, Serra do Florentino ou de São Miguel na divisa com Ritápolis, Serra da Cebola nas proximidades do Cajuru e a famosa Serra das Vertentes, que corta o centro-oeste do município, formando uma sequência alinhada de serras (cumeeira), sentido Lagoa Dourada e empresta seu nome à mesorregião do Campo das Vertentes. Na Serra das Vertentes, estão as nascentes do ribeirão de Cima e dos córregos do Tijuco, Quilombo, Barracão e Floresta. Curiosamente essa serra é, em

Adriano Valério Resende¹ Resende Costa, a área que tem a maior porcentagem de vegetação florestal nativa, além de ser um divisor de águas entre duas bacias nacionais: a do rio São Francisco e a do rio Grande. No munícipio, a bacia do São Francisco compreende o córrego do Andrade e o ribeirão dos Paulas, que são afluentes do rio Paraopeba; e os córregos do Jacarandira, do Cajuru e da Cachoeira, que são afluentes do rio Pará. A bacia do rio Grande é representada pelo rio do Peixe e pelo rio Santo Antônio e seus afluentes: ribeirão do Mosquito, córregos do Barracão, do Quilombo, da Floresta, da Aguada, ribeirões de Baixo e de Cima. São dois os mananciais de abastecimento de água da cidade: córrego do Tijuco (principal) e ribeirão Pinhão, ambos afluentes do rio Santo Antônio. A região apresenta um clima tropical de altitude com verão chuvoso e inverno seco, as temperaturas oscilam entre a mínima de 13,9ºC, média de 20,7ºC e a máxima de 26,2ºC. A precipitação pluviométrica média anual é de 1.367mm e a estação chuvosa vai de outubro a dezembro. De abril a setembro tem-se um prolongado estio (10% das chuvas). Em sua maior parte, os solos do município são cambissolos, isto é, solos rasos, pouco férteis, ácidos e às vezes cascalhentos. O alto teor de silte (partícula do solo mais fina que areia), a baixa permeabilidade e a pouca profundidade acentuam processos erosivos naturais, que aliado à prática de uma agropecuária de baixa tecnologia, provoca uma grande ocorrência de voçorocas e erosões laminares. A região caracteriza-se pela presença de espécies tanto da floresta tropical (Mata Atlântica) como do cerrado, sendo uma faixa de transição. A vegetação nativa foi muito devastada e substituída por campos para a criação de gado (brachiária) e recentemente pela silvicultura (eucalipto). Ao longo de alguns cursos d’água, as matas ciliares, e nas encostas a cobertura vegetal nativa ainda se mantém. ¹Adriano Valério Resende é mestrando em Geografia (Tratamento da Análise Espacial, na PUC Minas) e Analista Ambiental da Fundação Estadual do Meio Ambiente.


No alto da Lage surgiu um Arraial... Ana Paula Mendonça de Resende¹

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a região das Minas Gerais era assim: os pequenos núcleos populacionais se formavam em torno da mineração – ou porque no local existia ouro ou então era lugar de abastecimento para aqueles que dele se aproveitavam. E assim surgiu o Arraial da Lage na primeira metade do século XVIII, que abrigava tropeiros e viajantes. O Arraial pertencia à Vila de São José del-Rei, hoje Tiradentes. Sua proximidade com a sede da Comarca do Rio das Mortes, São João delRei, um importante entreposto comercial, foi fundamental para a ocupação do Arraial. A Capela de Nossa Senhora da Penha, erguida em 1749, serve como marco inicial da história da Lage. Em torno da capela foram construídas casas para abrigar as famílias em época de festas religiosas. O Arraial mantém sua importância quando retomamos a história da Inconfidência Mineira. Dois participantes, o Capitão José de Resende Costa e seu filho de mesmo nome são considerados o elo entre a Lage e o passado mineiro. Curioso apontar que a numerosa família Resende descende do casal João de Resende Costa e Helena Maria, uma das “Três Ilhoas” que na década de 30 do século XVIII se estabeleceu na Fazenda do Engenho Velho dos Cataguás, em Lagoa Dourada. Eles eram os pais do Capitão José de Resende Costa. A população dedicava-se ao plantio de gêneros alimentícios e também à criação de gado. Em 1831 eram 1.243 habitantes, entre homens livres e escravos. No centro da Lage cruzavam duas estradas: uma que ia do norte ao sul da Província de Minas Gerais; a outra, do Rio de Janeiro a Goiás. Às margens da estrada e dentro do Arraial havia ranchos que serviam de abrigo para os transeuntes e tavernas muito freqüentadas e famosas pela desordem que seus frequentadores causavam. No início do século XIX, a Lage já se destacava por mostrar-se como um dos maiores concentradores de escravos da Comarca. O Distrito era composto por quatro quarteirões: Arraial, a Lage; o quarteirão dos Campos Gerais; o quarteirão do Ribeirão do Santo Antônio e o quarteirão do Mosquito. Nessas fazendas pôde-se constatar que não eram especializadas num único tipo de atividade agrícola, assim como a maioria das fazendas mineiras, famosas pela sua diversificação econômica. Essa diversificação pode ser constatada pela ampla utilização das atividades domésticas têxteis que foram responsáveis pela ocupação de quase todas as mulheres do Distrito da Laje na época Imperial. Em 1832 foi criado o Curato (povoação que

conta com a presença de um vigário) da Lage como filial da Paróquia de Lagoa Dourada. Em 1836 foi desmembrado de Lagoa Dourada e incorporado a São José. Em 1840 o Arraial da Lage foi elevado à categoria de Paróquia com o título de Nossa Senhora da Penha de França do Arraial da Lage. Na área urbana, a arquitetura passava por modificações. Em 1857 deu-se o início da construção da Igreja do Rosário, que durou 10 anos. O Padre Joaquim Carlos e alguns fazendeiros deram início à construção de uma capelinha mor. Depois, a capela foi ampliada. Em finais do século XIX, outras obras foram iniciadas: em 1882 foi construído o cemitério, ampliado em 1895. A atual Matriz de Nossa Senhora da Penha de França não é a que foi construída no século XVIII. A primeira começou a desabar nos anos de 1893 a 1896 e precisou ser completamente reformada. A obra aconteceu de 1901 a 1909, que, além de consertá-la, visava ampliá-la diante do grande número de pessoas que deixavam a zona rural e já moravam na Vila. Apesar dessa informação, a reforma recente a que a Igreja Matriz foi submetida demonstrou que não houve a total demolição da antiga Igreja, pois conseguiram encontrar vestígios da capela original. . O crescimento da localidade urbana seria então responsável pela emancipação do município. Em 30 de agosto de 1911, foram criados o município e a vila, com a denominação de “Vila de Resende Costa”. Como geralmente se considera como data de criação de um município a data de sua instalação, comemora-se a emancipação da cidade no dia dois de junho de 1912, quando ocorreu realmente a sua instalação oficial. Ainda assim, somente em 1923 é que se mudou a denominação para Resende Costa. Naquela época as reuniões políticas ocorriam no Paço da Câmara, atual prédio do Fórum. A Câmara

Antiga Matriz construída no século XVIII.


... e o Arraial virou município: nasce Resende Costa! tinha uma preocupação urbanística que visava preservar a harmonia da vida de seus moradores. Com a emancipação política, um surto modernizador atinge a cidade, que vai ter muitas de suas construções do centro da cidade demolidas e, logo após, construídas outras no mesmo lugar. O início do século 20 marcou um período de transformação no qual tudo precisava ser novo e o crescente aumento da população era pertinente com a idéia de modernidade que se seguiu nos anos seguintes. O símbolo do poder político em Resende Costa é a Câmara Municipal. O casarão foi posse da família Souza Maia que ali se estabelecia em dias de festa. Depois a residência chegou às mãos dos Pintos. Mas a terceira década do século 20 mudou os rumos do uso do patrimônio. O imóvel particular passou a ser público. Em 1936, o prefeito da cidade, Dr. Costa Pinto, foi autorizado a comprar o prédio. Somente nessa época passou a sediar o Legislativo e o Executivo que, desde 1912, funcionavam no atual edifício do Fórum. Em 1987, o executivo municipal foi transferido para o prédio do antigo Ginásio Nossa Senhora da Penha, onde permanece. O velho sobrado, propriedade da Prefeitura, sedia a Câmara Municipal. Nesse dia dois de junho de 2012 iremos comemorar o centenário da emancipação política de Resende Costa. A partir de 1912 a cidade passa a existir legalmente e ter uma maior autonomia, no momento em que adquire sua “libertação política”. Oficialmente, nascemos e passamos a viver com essa liberdade em Minas Gerais em 1912. No entanto, não podemos esquecer que essa localidade já existia desde 1749, quando se registrou a construção da Capela de Nossa Senhora da Penha de França.

O casarão onde é sediada a Câmara Municipal de Resende Costa já foi propriedade das famílias Souza Maia e Pintos. O prédio funcionou também como sede do Poder Executivo de 1936 a 1987

Nesses últimos 100 anos presenciamos o desenvolvimento de Resende Costa: mas não perdemos o encanto da nossa mineirice: temos um pôr-do-sol fascinante do “alto da Lage” e o colorido do artesanato têxtil que herdamos do período colonial nos faz reconhecidos pelo Brasil afora.

______________________________________ Referências Bibliográficas: MARTINS, Elaine Amélia. PINTO, Rosalvo Gonçalves. (org.) Um olhar sobre Resende Costa: coletânea de textos do Jornal das Lajes. Resende Costa: Amirco, 2011. PINTO, Rosalvo Gonçalves. Os inconfidentes José de Resende Costa (Pai e Filho) e o Arraial da Laje. Brasília: Senado Federal, 1992. RESENDE, Alair Coelho de. Casos e causos do vovô Totonho da Chapada. Palmas: Provisão, 2010. REZENDE, José Augusto de. Livro de pallidas reminiscências da antiga Lage – hole - Villa de Rezende Costa. Resende Costa: Amirco, 2010. REZENDE, Vera Cruz. Trilhas do Passado. Barbacena, 1996. TEIXEIRA, Maria Lúcia Resende Chaves. Família escrava e riqueza na Comarca do Rio das Mortes: o Distrito da Lage e o Quarteirão do Mosquito. São Paulo: Annablume, 2006.

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Instalação do Município em 1912. Desde a emancipação até 1936, os poderes executivo e legislativo funcionaram onde é hoje a sede do Fórum. O prédio já funcionou também como cadeia.

¹Ana Paula Mendonça de Resende é Graduada em História pela UFOP, especialista em História de Minas Gerais do século XIX pela UFSJ e Mestre em História pela UFMG. Atualmente é professora de História da Escola Municipal Paula Assis.


Nossos Inconfidentes Rosalvo Pinto¹

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comemoração dos 100 anos da emancipação política de Resende Costa nos traz naturalmente à memória as figuras dos nossos dois inconfidentes. Numa relação simbólica de paternidade, eles nos legaram o que de mais precioso poderiam fazê-lo: o seu próprio nome. Sentimo-nos orgulhosos de sermos depositários desse legado, pois o “nome” marca definitivamente a identidade de pessoas, cidades, nações e de tudo que nos circunda no universo. Por uma feliz coincidência, os inconfidentes pai e filho tinham o mesmo nome, José de Resende Costa, o que nos permite homenagear simultaneamente os nossos dois heróis. Nós, por outro lado, nos orgulhamos de nos referir a eles, pai e filho, como os “nossos inconfidentes”. Sentimos uma ponta de orgulho quando as pessoas nos perguntam pelo motivo do nome “Resende Costa”. Envaidecidos, respondemos prontamente: porque é a terra dos nossos inconfidentes, os dois José de Resende Costa, pai e filho. Com muita honra. Curiosamente, apenas duas cidades de Minas, salvo engano, haviam prestado essa significativa homenagem aos seus inconfidentes: Ti r a d e n t e s e R e s e n d e C o s t a . M a i s recentemente, o povoado da antiga “Ponta do Morro”, atual distrito de Prados, também homenageou seu ilustre conterrâneo, o único inconfidente negro e escravo, Vitoriano Gonçalves Veloso, dando ao distrito o nome de Vitoriano Veloso. Mas, até hoje, permaneceu o gostoso apelido de “Bichinho”. O Capitão José de Resende Costa, o pai, nasceu no Arraial dos Prados, atual Prados. Há controvérsias sobre o ano de seu nascimento. Pelos registros do seu batistério (foi batizado no dia 13 de junho de 1730 na matriz de Prados) e de alguns documentos dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira, teria sido mesmo em 1730. Não se sabe ao certo quando ele teria vindo morar no “Arraial da Laje”, em sua fazenda chamada “Campos Gerais da Laje”. Terá sido, com certeza, antes de 1765 (quando ele tinha 35 anos), pois seu filho nasceu nesse ano, já no arraial, como ele mesmo o declarou nos autos do processo de sua condenação, no Rio de Janeiro, em 1791.

O Arraial da Laje foi palco de fatos importantes nos primeiros momentos da organização da conspiração. Entre eles, a passagem, em fevereiro de 1789, do coronel Joaquim Silvério dos Reis, o futuro delator, a serviço do governo da província. Nessa ocasião, em reunião secreta acontecida na casa do capitão Resende Costa, Silvério foi aliciado a entrar no grupo dos conspiradores. Ele mesmo confirmou isso explicitamente, em sua primeira cartadenúncia, no mês seguinte a esse encontro.

Tela pintada pelo pradense Jair Neri retrata a fazenda Campos Gerais, antiga propriedade de José de Resende Costa, o pai.

Tendo prestado os primeiros depoimentos em Minas, em 1789, só em 1791 os Resende Costa foram presos e conduzidos ao Rio de Janeiro. Em abril de 1792, os 11 conjurados considerados os mais envolvidos no movimento – entre eles os nossos dois heróis - receberam a condenação final: morte por enforcamento. No dia 20 de abril, porém, no Oratório da Cadeia da Relação, foi lida a Carta Régia de Clemência da Rainha Dona Maria I, a Louca, pela qual somente Tiradentes seria enforcado. Os outros 10, juntamente com outros conjurados, foram condenados ao degredo na África por 10 anos, com proibição de voltar ao Brasil (ou “à América”, como consta da sentença) após o cumprimento da pena. Os dois Resende Costa são despachados para a ilha de São Tiago de Cabo Verde, o pai, já doente, aos 62 anos e o filho aos 27. Seis anos depois morre o pai, em Ribeira Grande. O Filho, cumpridos os 10 anos, vai para Portugal em 1803, vivendo em Lisboa até 1809, quando consegue, excepcionalmente, autorização para voltar ao Brasil. Ocupou


funções importantes na nova ordem instalada no país, desde a de deputado por Minas na Constituinte Brasileira de 1823 à de Conselheiro do Império, nos anos seguintes. Faleceu no Rio, no dia 17 de junho de 1841, aos 76 anos de idade. Vale registrar nesta comemoração centenária o que teria sido o momento mais dramático e significativo da vida dos nossos inconfidentes. Segundo relatou o Frei Raimundo Penaforte, que acompanhava os condenados, ao receberem a pena de morte, na madrugada do dia 19 de abril, o Resende Costa pai, amedrontado e já alquebrado, apenas balbuciou ao desembargador: “Senhor, eu tenho credores e muitas dívidas!”... e, apavorado, ficou mudo. O filho o abraçou e o consolou: “Meu querido pai, ah! não desanimes. O que é morrer? Acabam-se as fadigas, os trabalhos, os tormentos... Beijemos estas algemas, cinjamos essas cadeias. Ah!, meu pai amado, o que é a vida? Aspiremos à imortalidade!”. O ano de 2011 trouxe um fato importante para nós resende-costenses e para nossa história. Nas décadas de 30 e 40, houve um movimento para a repatriação dos restos mortais dos inconfidentes da África para o Brasil. Em abril de 1942, os restos encontrados foram recebidos com festas e depositados em jazigos no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Por um acaso da história, os restos dos três que morreram em Cabo Verde (José de Resende Costa, o pai, Domingos Vidal de Barbosa Lage e João Dias da Mota) foram dados como não encontrados. Na verdade, ficaram perdidos e esquecidos em algum lugar do Palácio do Itamaraty. Localizados em 1990, foram levados para Ouro Preto. Em 1993, para identificar a autenticidade e a individualidade das ossadas, foram enviados para a UNICAMP (SP), onde ficaram por quase 18 anos em estudos. Ainda por outro acaso, após a identificação das ossadas, o professor Eduardo Daruge, chefe da equipe de pesquisa, conseguiu, em razão da maior quantidade de fragmentos do crânio, recompor o que seria a cabeça do inconfidente Resende Costa. Trabalhando em laboratórios especializados na Inglaterra, foi possível inclusive recuperar o que seria a face do inconfidente. Para alegria dos resende-costenses, nosso inconfidente tornou-se o único inconfidente do qual se pode conhecer a face real.

Reconstituição computadorizada da face de José de Resende Costa, o pai. Infelizmente não temos notícias dos restos mortais do Resende Costa filho. Sabe-se apenas que eles foram exumados da igreja de São Francisco de Paula e, em 1859, trasladados para o Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro. Ironicamente, do inconfidente mais novo, falecido em 1841 no Rio, tão perto de nós, não temos seus restos mortais! (ele foi o penúltimo a morrer, pois o último foi o padre Manoel Rodrigues da Costa, em 1844). Os dois Resende Costa realmente se imortalizaram, como sonhara o filho naquela madrugada de desespero, deixando a seus conterrâneos dois preciosos legados: o exemplo do idealismo pela nobre causa da liberdade, com o risco de suas vidas, e o belo nome para nossa cidade, que completa neste ano seus 100 anos de emancipação.

Residência dos Inconfidentes no antigo Arraial da Lage representada pelo pintor Jair Neri ¹Rosalvo Pinto é pesquisador e professor nas áreas de Linguística e de Língua Portuguesa. Atualmente é professor voluntário-colaborador na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais.


Um jornal chamado Lagartixa

Fernando Chaves¹

O Brasil oitocentista

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a segunda metade do século XIX, o Brasil se transformava significativamente. É neste período, por exemplo, que o país assiste à construção da sua primeira ferrovia, à consolidação do café como sustentáculo da economia imperial e à instalação das primeiras indústrias, produzindo sabão, chapéus, tecidos de algodão e cerveja, produtos que até então vinham de fora. Dois processos históricos são extremamente importantes: a abolição da escravatura e a proclamação da república. Ambos são acontecimentos do final do século XIX, mas que foram processados, gestados e discutidos pelo Estado e pela sociedade brasileira desde meados dos oitocentos. Já no início do Século XIX, a Inglaterra pressionava a monarquia portuguesa, exigindo a extinção do tráfico negreiro. Após a independência do Brasil, em 1822, a pressão passa a ser exercida sobre o governo imperial Brasileiro. Em 1845, os ingleses impuseram uma lei que proibia o tráfico de escravos entre a África e a América. Em 1850, o Brasil aprovava a lei Euzébio de Queirós, que proibia definitivamente a importação de escravos para o país. Assim, o número de novos escravos que entravam no Brasil diminuía consideravelmente, ao passo que a mão de obra escrava tornava-se cada vez mais cara. A resistência negra à escravidão manifestava-se nas fugas, revoltas e na organização dos quilombos. Em 1871, o império brasileiro aprova a Lei do Ventre Livre, concedendo liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. A liberdade, no entanto, só era concedida ao filho de escravo quando o mesmo atingisse os 21 anos de idade. O lento processo de abolição da escravidão no Brasil é acompanhado pelo crescimento, também lento e gradual, dos ideais republicanos. Em 1870, é publicado no jornal A República, do Rio de Janeiro, o Manifesto Republicano. A partir de então, começam a surgir os clubes, os jornais e os partidos republicanos em diversas províncias. Em 1873, surge o Partido Republicano Paulista, que ajuda a impulsionar o movimento republicano pelo país. Com o apoio econômico dos cafeicultores paulistas e a simpatia das classes médias urbanas, profissionais liberais e operários, o ideal republicano ganha força. No entanto, o movimento se divide quanto à questão da escravidão.

O Ministério Dantas e sua ousada proposta de abolição da escravatura Em 1884, assume o posto de primeiro ministro do Império o político liberal Manuel Pinto de Sousa Dantas, que propõe um projeto de abolição bem mais avançado que aquele levado à cabo em 1888. O projeto Dantas, como ficou conhecido, não só propunha a abolição. Previa também uma proteção governamental aos ex-escravos, como conta o historiador Alex lombello. “Era um projeto bastante avançado. O projeto Dantas previa terra para os ex-escravos e previa uma organização do governo para protegê-los. Para se ter uma ideia, o Brasil só terá uma proteção aos trabalhadores na década de 30 do século XX”, destaca Lombello. A avançada proposta de Dantas iria inflamar a opinião pública nacional. Multiplicam-se os jornais abolicionistas e, consequentemente, os escravocratas. Dantas acaba destituído do cargo de primeiro ministro, e seu projeto é reduzido ao extremo, se convertendo na Lei dos Sexagenários, de 1885, que previa a liberdade para os escravos com mais de 65 anos. Mesmo assim, o debate acerca da abolição é impulsionado e toma conta do país.

No antigo Arraial da Lage, surge O Lagartixa Eis que, em meio à onda de jornalismo e militância desencadeada pelo Projeto Dantas, surge no Arraial da Lage O Lagartixa, “periódico manuscrito, crítico e noticioso”, nas palavras do único documento histórico que atesta sua existência. O historiador Alex lombello apresenta em sua dissertação de mestrado um raro exemplar do jornal sanjoanense A Gazeta Mineira, de 1884. Trazia essa rara edição do Gazeta Mineira a seguinte nota: “O Lagartixa Recebemos o nº 1 desse periódico manuscripto, crítico e noticioso, que começou a publicar-se no arraial da Lage. Noticia esse jornal o fallecimento dos Srs. Januário Candido Ribeiro e João de Moraes Rezende. Agradecemos o exemplar que nos foi enviado.” Era comum no século XIX que diversas tipografias trocassem entre si suas publicações, o que era chamado permuta. Essa troca de exemplares entre os jornais da época formava uma grande rede informações. É provável que O Lagartixa tenha chegado até a edição do Gazeta Mineira por meio da permuta.

Recorte do Jornal sanjoanense A gazeta Mineira, de 15 de outubro de 1884

Lombello conta que não era muito comum a existência de jornais manuscritos no século XIX. Segundo o historiador, o fato de ser manuscrito demonstra uma necessidade muito grande de se publicar, típica de momentos de grande tensão política, como ocorria em 1884, em decorrência do Projeto Dantas. O historiador conta que, provavelmente, O Lagartixa era afixado em algum local de circulação pública na antiga Lage. Na época, existia a figura do ledor, que se encarregava de ler os textos afixados para o público interessado, já que os índices de analfabetismo eram enormes. Não sabemos a linha política do Lagartixa. Talvez tenha sido um jornal abolicionista, ou uma reação escravocrata ao projeto Dantas e ao abolicionismo em geral. Não tivemos o privilégio ou a sorte de preservar um de seus exemplares. Sequer temos notícia de quantas edições foram publicadas. Não sabemos se o jornal passou da primeira edição. Seria uma dádiva, mas é pouco provável que encontremos um exemplar dessa rara manifestação de ideias da antiga Lage. Agradeço imensamente ao amigo e pesquisador Alex Lombello, que nos presenteou com seu achado histórico, tão significativo para nós lageanos. Foi deliciosa a descoberta de que nosso difundido apelido de lagartixa tem origens históricas tão remotas. ¹Fernando de Resende Chaves é aluno do Curso de Comunicação Social (Jornalismo) da UFSJ, Diretor-Geral do Instituto IRIS e colunista do Jornal das Lajes em Resende Costa.


De quando a Guerra chegou a Resende Costa

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etúlio ressuscitou e vestiu seu melhor e mais conservado uniforme militar e, empertigado, bateu continência para si próprio diante do espelho. Enxergou-se um Mussolini, quase um Hitler. Chegou a se arrepiar ao imaginar o povo nas ruas clamando por ele. A lembrança de que precisava de dinheiro dos Americanos para construir a Siderúrgica e uma rajada de vento frio daquele agosto de 1942 entrando pela janela, ameaçando desarranjar-lhe os escassos cabelos, trouxeram-no à realidade. Além do mais, havia aquela história dos afundamentos dos navios. Enfim, convencido pelas pressões, declarou guerra à Itália e à Alemanha. Resende Costa recebeu a notícia pela voz eloquente e carismática de Getúlio, que falou pelo rádio ao “seu” povo no programa “A Hora do Brasil”. Affonso recebeu a notícia com inquietação. Olhou para o filho, José Eloy, que cochilava no canto da sala, e pressentiu que ele seria convocado para a guerra. No ano seguinte, a sua previsão tornou-se realidade e José Eloy foi praticar tiros de carabina no 11º Batalhão de Infantaria, em São João del Rei. No dia em que ele partiu, sua mãe, lacrimosa, mandou Affonso afixar na porta de sua casa o cartão “SALVE A F.E.B. – DAQUI PARTIU UM EXPEDICIONÁRIO”. Mais de dois anos depois do anúncio da declaração de guerra, num dia de primavera sem flores, o Sargento Onofre Lara, seguido de Waldemiro, Osmar e Cyro, subiram a rampa do navio General Meigs, que os levaria à Itália. O Sargento virou-se para trás do alto da rampa, mas não conseguiu distinguir os outros companheiros de Resende Costa no meio do mar de capacetes que tomavam conta do porto. Lá atrás, quase no fim da fila de soldados, os “Chicos” Francisco Campos e Francisco Resende riscaram um fósforo e acenderam, quase ao mesmo tempo, um cigarro Camel. Baforaram juntos círculos e colunas de fumaça enquanto caminhavam. Distraídos pelos desenhos que formavam, pareciam querer esquecer o porquê de estarem embarcando naquele navio. Quando se ajeitou na prateleira de cima do beliche dentro do navio, fazendo da mochila um travesseiro, Vicente suava em bicas. O navio lhe parecia um forno. Sentiu saudades do vento fresco de Resende Costa e resmungou qualquer coisa para os colegas Paulo Henrique e Wadih que, no meio de tanto burburinho, nada entenderam. E entenderam menos ainda quando desembarcaram na Itália, sob um frio paralisante, que eles jamais haviam sentido. Logo depois de seus batismos de fogo em Monte Castello, o Cabo Jair convocou seus comandados para a missa que Frei Orlando já havia anunciado tocando o sino pelo acampamento e que começaria em poucos minutos. Délio fez um em nome do pai e do filho e do espírito santo amém e levantou-se. Antonio Argamin ajeitou o fuzil no ombro e enfiou a mão no bornal procurando alcançar pelo tato a foto de sua amada. Elci terminou de calçar as meias de lã e o capuz. Sebastião e Gilberto seguiram logo atrás do Cabo. E sob uma tempestade de neve, batendo seus queixos de frio, rezaram naquele dia mais que todos os outros dias do resto de suas vidas. A batalha de Montese estava no seu auge. José Mendonça ajeitou-se como pôde no “fox hole” que ele e João Baptista haviam escavado nos dias que antecederam aquele grande dia de batalha. De vez em quando se levantava no buraco e atirava na direção dos inimigos. Rapidamente, quando isso era possível, lambuzava o dedo na lata de ração de carne com ovos e levava à boca para saciar a fome. Depois bebia um gole d'água de seu cantil. Os tiros zuniam sobre sua cabeça. Explosões ensurdecedoras aconteciam

Rafael Chaves¹

de tempos em tempos. Granadas detonadas espalhavam estilhaços por todos os lados. E assim se seguiram horas até que certa quietude tomou conta de tudo. José Mendonça animou-se a levantar do buraco e viu que a tropa tinha alcançado a linha inimiga, vencendo definitivamente aquela batalha. Ao sair do buraco, meio zonzo ainda, passou ao lado de três corpos ensanguentados e inanimados no chão. Mais tarde soube que estavam mortos e que um deles era o de Baêta, um seu conhecido, lá de Entre Rios de Minas. José Mendonça por quanto tempo viveu jamais esqueceu duas datas: o dia em que se alistou no exército como voluntário para a guerra e desse 15 de abril de 1945.

O Resende-costense José Resende Mendonça (à direita) e colegas da força expedicionária brasileira (FEB) em Roma (1945). José Mendonça alistou-se voluntariamente.

Em 2 de maio de 1945, O General Mascarenhas de Morais, comandante da FEB, comunicou o Presidente Getúlio das vitórias nos combates de Montése-ZoccaMarano di Panaro- Collecchio e Fórnovo. Três dias depois enviou o seguinte telegrama ao Presidente Getúlio Vargas: “Com encerramento dia dois corrente campanha do teatro operações da Itália vg com fulminante e integral vitoria armas aliadas vg em cujo âmbito forças brasileiras tiveram desempenho à altura da confiança que lhes foi outorgada pela nação sinto-me orgulhoso tê-las comandado em tão transcendentes circunstâncias pt...” A Igreja de Nossa Senhora da Penha de França estava repleta naquele domingo de julho de 1945. Padre Nelson anunciara uma missa em homenagem aos “pracinhas” que lutaram na II Grande Guerra e em sufrágio das almas daqueles que tombaram na luta pela liberdade e democracia. Em cortejo e sob aplausos efusivos da população que lotava o largo em frente da igreja, os pracinhas de Resende Costa alcançaram o adro da igreja. Antônio Guedes, antes de adentrar na igreja, ainda esfregou sua Medalha de Guerra na lapela do paletó, aumentando-lhe o brilho. E sob um silêncio respeitoso, chegaram ao lugar de honra que lhes fora reservado perto do altar. Depois daquela missa, depois que batizaram a rua que levava ao campo de futebol e o próprio estádio com o nome de “Expedicionários”, muito pouco se ouviu sobre os “pracinhas” novamente... Este texto é baseado em fatos reais, embora ficção. Fontes: Os “pracinhas” Resendecostenses e a Segunda Guerra Mundial, de Ana Paula Mendonça de Resende, publicado no Jornal das Lajes, edição nº 9; Coleção do Jornal “O Cruzeiro do Sul (publicação da FEB na Itália); Museu da FEB, Círculo Militar, em São João del Rei. ¹Rafael Marcos Chaves de Resende é bioquímico e advogado. Atualmente é Auditor da Receita Estadual. Filho do ex-combatente Francisco Pedro de Resende, saiu de Resende Costa ainda na barriga da mãe, a contragosto. Voltou, criou raízes e escreve em Resende Costa para resolver a questão.


Dulce Mendes, 97 anos: lembranças de uma cidade centenária André Eustáquio M Oliveira ¹

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oi numa típica tarde de outono quando me encontrei com dona Dulce Mendes para uma conversa inesquecível e prazerosa. Nosso encontro aconteceu na sala da sua casa, localizada no histórico Beco do Cotovelo, em São João del-Rei. Confesso que bateu aquela ansiedade, pois afinal, estava diante de uma pessoa muito especial e que iria me conceder uma entrevista aguardada por muita gente. Gravador ligado e pauta em mãos, iniciei a entrevista, expondo primeiramente os objetivos. Eu sequer havia formulado a segunda pergunta e o que era para ser uma entrevista formal tornou-se um bate-papo descontraído, recheado de boas lembranças renascidas de uma mente lúcida, brilhante e vivaz. Dulce Mendes de Resende nasceu em 1915, fruto do segundo casamento do coronel Francisco Mendes de Resende, primeiro administrador público de Resende Costa, com Maria Julieta da Trindade. Até os nove anos de idade, Dulce morou com seus pais e irmãos na Fazenda da Floresta. Depois, mudou-se para São João del-Rei onde foi normalista no Colégio Nossa Senhora das Dores. Em 1932, retornou a Resende Costa, vindo a residir, com toda a família, na casa que atualmente pertence a sua sobrinha Cida Mendes. Dulce conviveu com seu pai durante 24 anos e recorda muitas histórias e momentos importantes envolvendo o coronel Mendes, inclusive sua atuação na paróquia: “Papai foi seminarista em Mariana, chegando quase a se ordenar padre. Em Resende Costa, ele fazia quase tudo na igreja”. Sobre a Fazenda da Floresta, dona Dulce fala do próspero período do plantio de café, em meados dos anos 20, como também do declínio em 1929: “Papai plantou e colheu muito café na Fazenda da Floresta. Mas devido à crise de 1929 perdeu toda a colheita”. Muitas foram as obras realizadas em Resende Costa pelo coronel Mendes; a construção do Grupo Escolar Assis Resende, em 1918, é uma delas: “Foi papai quem construiu a escola. Certamente havia engenheiro, mas foi ele quem cuidou de tudo. A escola foi construída no terreno do meu avô, Francisco Pinto de Assis Resende”. Em 1933, o coronel Mendes sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que três anos mais tarde o levaria à morte. “Depois que ele sofreu o derrame, em 1933, ainda falava e andava com alguma dificuldade. Mesmo doente, ele administrou o município. Não parou porque as pessoas da cidade não deixaram. Mas em 1936 sua saúde piorou e ele morreu”.

Coronel Mendes Resende, primeiro Administrador

Dulce Mendes (em maio de 2012)

A Resende Costa dos anos 20, 30 e 40 renasce viva das lembranças da filha do coronel Mendes, especialmente o período em que lecionou no então Grupo Escolar Assis Resende, entre 1932 e 1945.“Era tudo muito difícil e os alunos enfrentavam muitas dificuldades, mas nós procurávamos acompanhar tudo. Os pais participavam da vida escolar e nos ajudavam nas atividades e festas que a gente fazia”. As festas promovidas na escola eram praticamente as únicas recreações que havia em Resende Costa. “Não tinha nada na cidade”, disse Dulce, que aos poucos vai se lembrando de outras diversões que movimentavam as noites dos finais de semana na pacata cidade: “ah, mas havia bailes também. Aconteciam dentro das casas. Cada fim de semana era num lugar. As pessoas tocavam e dançavam. Era muito animado”. O que antes era dificuldade, hoje pode ser traduzido em lembranças de um tempo que deixou saudades. “Era tudo muito difícil. Vir para São João era uma dificuldade danada, íamos a cavalo até César de Pina, onde pegávamos o trem para chegar até aqui. O trem gastava 40 minutos (risos)”. O cotidiano de Resende Costa é, porém, o que mais aguça as lembranças da nonagenária professora: as reuniões políticas no sobrado do coronel Souza Maia, conhecido na época como “Senado”; os discursos políticos do coronel Mendes e do Penido...: “o Penido não perdia uma oportunidade para fazer um discurso (risos)”. Dulce se emociona ao recordar das serenatas e das retretas: “Era muito bom. A banda do sr. Quinzinho (maestro Joaquim Pinto Lara) fazia retreta lá nas lajes de cima nas tardes de sábado, enquanto a gente brincava e as pessoas conversavam. Naquele tempo, o almoço era cedo e o jantar também. Então, era comum as pessoas saírem de suas casas para fazer visitas no fim da tarde. Hoje, a gente não vê isso mais. As pessoas estão mais preocupadas com o dinheiro”. A conversa com dona Dulce bem que poderia ter se estendido por mais tempo. Certamente não faltariam causos, histórias e lembranças, como as do teatro que se imortalizou em Resende Costa nas peças estreladas por Prudêncio Gomes, Gentil Ursino Vale, entre outros atores e dramaturgos dos quais dona Dulce se lembra com orgulho e nostalgia: “eram muito bons, representavam muito bem”. A tarde foi caindo em São João del-Rei e nos despedimos de dona Dulce Mendes e de suas irmãs Mariinha e Terezinha, saboreando um delicioso café com pão de queijo. No intervalo de uma xícara e outra de café ainda sobrou um tempinho para outras recordações da centenária cidade das lajes.

¹André Eustáquio Melo Oliveira é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). Atualmente é editor-chefe do Jornal das Lajes em Resende Costa.


Minhas pequenas memórias da Casa de Cultura Evaldo Balbino¹

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ive notícia outro dia de que o nosso antigo Teatro Municipal – a Casa de Cultura – entra em reformas este ano. Fico feliz com isso. Esse prédio sério, um dos que me prenderam sempre a atenção em Resende Costa, merece ser refeito, ganhar vigor físico, para continuar sediando manifestações culturais, e as mais variadas possíveis de preferência. Desde pequeno namoro a Casa de Cultura. Com suas duas portas laterais alongadas, meio ovais na ponta do alto, querendo ser góticas sem o ser. E as duas claraboias numa aparente desimportância ladeiam uma sacadazinha simples e maravilhosa. Quem nunca quis viver de namoro ali?! Um ser amado na sacada, cheio de ouvidos e sonhos; e lá embaixo o ser amante fazendo uma serenata sem fim, cantando cantigas para a noite não dormir e ser testemunha da canção e do amor. É uma sacada para se amar! E lá em cima, bem no topo da Casa de Cultura, um arremate parecendo um galo cantando. Não pela forma de galo, que ele não tem, mas porque canta. Ele se parece é com uma harpa pronta para ser tocada, disso eu sei. Contudo desde pequeno eu via ali era um galo mesmo, como aqueles cantadores lá das grotas do Ribeirão ou os empoleirados nos galinheiros de Resende Costa. Recordo-me de ter visto, nos anos de 1980, alguns ensaios teatrais na Casa de Cultura. Foram momentos aqueles de alegria, de êxtase, de felicidade sem medidas para um menino que queria já ser artista. Não do palco, que para esse eu não sirvo. Cantar e interpretar num palco são coisas sublimes, mas não sei fazer isso. Então, o que me resta é escrever. E escrevendo vou cantando e encenando. Em 1992, quando eu estava no primeiro ano do Ensino Médio, a professora de Português Regina Coelho me chamou e me convidou para eu expor alguns versos meus logo no hall de entrada da Casa de Cultura, num painel. Qualquer um que chegasse ali, meu Deus – pensei – leria minhas pobres palavras! Com receio, mas amparado pelo convite feito pela Regina, entreguei-lhe dois poemas. A minha prima Irleia ilustrou-os, e eles ficaram lá, exibindo-se pobrezinhos e raquíticos ao lado de desenhos tão bonitos. Tempos depois, falando com a Regina sobre esses textos e da pouca qualidade deles, ela sabiamente comentou que eu estava equivocado, pois eram linhas condizentes com a pessoa que eu era na época em que os tinha feito.

Casa

Hoje eu não colocaria tais poemas fazendo parte de algum livro meu, mas lamento de coração tê-los perdido. De um minha memória se esqueceu quase totalmente. Lembro que falava de uma ilha, de uma ínsula de sonhos e de desejos. Só sei disso. Já do outro me ficaram alguns versos – também na memória, pois não os tenho escritos – e aqui os coloco, sem pudor: As Marias e os Joões dessa vida vivem sem nada viverem; e a indiferença a eles atribuída, estão longe de a merecerem. Vivem correndo, não param para um pouco poderem sonhar; Mas quando estáticos param, é para essa vida deixar. Espero que não vá ninguém rir desses meus primeiros ensaios. Valeram pelo que foram e são na minha memória. Valeram pela participação humilde que tiveram no nosso Teatro Municipal. No ano seguinte, 1993, foi no Teatro Municipal que também debutei como ator fracassado. Debutei e não passei dessa estreia, graças a Deus! E nada melhor do que se ter consciência da falta de talento para uma coisa. Saberse não talentoso já é uma garantia de sucesso, vocês não acham? Mesmo me sabendo não ator, subi ao palco com o Fábio, com a Clébia e com outros colegas, e fomos encenar uma adaptação que a Regininha – também professora de Português – fez do livro infanto-juvenil Em carne viva, de Maria da Glória Cardia de Castro. Contaríamos com a presença da escritora na Casa de Cultura, e eu estava louco para conhecê-la. Seria a primeira vez que eu veria um escritor de perto, alguém que era o que eu queria ser. Nem me importei com o vexame de interpretar mal o colega adolescente do protagonista. O Fábio foi muito bom de serviço. A Clébia, sem comentários! Só posso dizer que foi maravilhosa! E eu lá, encenando mal e só querendo conhecer a dona Maria da Glória. Já tinha lido um livro dela lá na sétima série, Menina mãe. E agora, aquele Em carne viva, que muito me tinha agradado. Depois da peça apresentada, a Regina Coelho anunciou que entre os atores (foi benevolência dela incluirme entre eles) havia um escritor (outra bondade dela se referindo a mim), que tinha acabado de publicar uns poemas numa coletânea em Ibirité – MG, chamada Poesias de Caderno. Dona Maria da Glória Cardia de Castro foi atenciosa comigo, educada, e falou ao público sobre sua obra, sobre as pesquisas que antecediam os seus trabalhos de escrita, sobre sua amizade com o escritor Pedro Bandeira – e eu fiquei ali, namorando sua voz, escutando seu ofício de escritora, sendo-lhe aprendiz... Não vou alongar mais estas curtíssimas memórias. Vieram-me elas à tona e ao sabor da escrita, para que eu somente diga e cante como aquela harpa / aquele galo lá no alto do Teatro Municipal: as culturas têm o seu valor. E um prédio que guarda memórias deve manter-se forte e impávido para nós e para as gerações futuras. Viva a Casa de Cultura! ______________________________________________

d

¹Evaldo Balbino é professor de Língua Portuguesa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É doutor em Literatura Comparada, mestre em Literatura Brasileira e licenciado em Letras – Português. Sua formação se deu pela UFMG e pela tura Universidad Complutense de Madrid – Espanha. e Cul


JOSÉ ANTÔNIO OLIVEIRA DE RESENDE Professor do Departamento de Letras, Artes e Cultura Universidade Federal de São João del-Rei

Vista das Lajes do quartel ou lajes de baixo



Trama e urdidura: a arte de Flávia Cristina Silva¹ “Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear. Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava.” (Marina Colasanti, A Moça tecelã).

A

o caminhar pelas ruas de Resende Costa, ainda nas primeiras horas da manhã, é quase impossível não ser surpreendido pelo som dos teares que, entremeados à conversação da gente que acorda cedo, dão à cidade um charme muito particular. O município tem se tornado conhecido, merecidamente, como o recanto do artesanato tradicional, pois os seus moradores, recriando processos seculares de tecelagem, proveem o sustento de familias inteiras ao mesmo tempo em que tomam consciência da sua importância no cenário cultural da região. Uma arte que já se incorporou ao cotidiano e à paisagem da cidade, a tessitura tem uma história pontuada de curiosidades; compõe-se ela de saberes e técnicas transmitidos como um verdadeiro tesouro pela comunidade. Por aqui, o desenrolar do dia faz-se ao tear, entre a trama e a urdidura, entre uma prosa e outra.

A tradição herdada Foram os colonizadores portugueses que trouxeram para o Brasil os primeiros teares com pedais, feitos em madeira. Com eles também chegaram os primeiros artesãos, munidos do conhecimento e dos objetos usados na preparação do algodão ou da lã, tais como a carda, o descaroçador, a roda de fiar, o argadilho e a lançadeira, também conhecida como navete. Rapidamente, a arte de tecer foi se difundindo pela Colônia, nas vilas nascentes, nas fazendas ou nas aldeias indígenas, mas foi em Minas Gerais, à época do ouro, que ela se assentou como atividade expressiva. A presença da tecelagem era tão evidente no cotidiano das mulheres da terra que alguns viajantes estrangeiros, que visitaram as Minas entre o final do século XVIII e início do século XIX, não deixaram de registrar o manuseio de fusos e rodas de fiar. Em 1810, o mineralogista John Mawe, de passagem por São Joao del-Rei, anotava: “cultiva-se um pouco de algodão; que se fia à mão e com o qual se fabricam panos grosseiros para os negros; algumas vezes fazem dele panos mais finos para mesa. As senhoras de São João del-Rei gostam muito de fazer renda, e são consideradas mais cuidadosas com coisas domésticas do que as das outras cidades”.

Os números são batante expressivos para a época. Gustavo Melo Silva afirma, em sua tese de doutorado, que no começo do seculo XIX 37,78% da população de Minas Gerais estava envolvida com as atividades têxteis. Quanto ao antigo Distrito da Laje, sabese que pelos idos de 1831, em um universo de 578 mulheres, pelo menos 377 delas exerciam alguma ocupação ao tear. Na sede do Distrito, e ainda mais nos rincões da zona rural, as jovens aprendiam o ofício de fiar e/ou tecer, com as mães e avós. Todo o aparato utilizado na tecelagem era parte do enxoval e, não raro, era transmitido como herança às filhas mais velhas e até mesmo às escravas. Este foi o caso de Micaela Gonçalves de Araújo, dona de uma fazenda na Galga, próxima à atual região do Povoado dos Pintos. Maristela de Oliveira Peluzi transcreve em seu trabalho um trecho do testamento em que a fazendeira deixava para as suas escravas as rodas de fiar e os “trastes de casa”. Curiosamente, a região do Povoado é apontada pela tradição oral como a pioneira da produção artesanal; de fato, os teares mais antigos de que se tem conhecimento podem ser encontrados por lá.

Tela de Van Gogh (1884) retrata tecelão em tear com bobina


tecer através dos tempos Tudo se transforma... vivendo da arte

D. Geralda Benzedeira pica retalhos em Resende Costa há quase 30 anos

Era assim que se fazia... Terminadas as tarefas domésticas, as mulheres da casa se reuniam para preparar o algodão e a lã que, no fim do processo, seriam levados ao tear e transformados em colchas ou em panos grossos para o vestuário. O algodão chegava nos balaios e logo era colocado no descaroçador; em seguida era a hora de cardar, fiar e tingir, atividades que sobrevivem na memória de algumas das mais antigas tecelãs de Resende Costa. Além do manuseio dos instrumentos, era necessário conhecer a flora local, já que os corantes eram fabricados pelas proprias artesãs; utilizavam os galhos da anileira para obter a cor azul, da quaresminha obtinham o amarelo e com o urucum fabricavam o pigmento vermelho alaranjado. Finalizado o preparo da matéria-prima, as artesãs iniciavam o urdume, com o auxílio de uma urdideira rústica; faziam depois a matemática complicada de dividir e “repassar” os fios pelas casinhas dos “lissos de quatro folhas” para criar desenhos e padronagens diferenciadas. Os diversos “repasses” recebiam nomes bastante criativos, como dadinhos, cruzeta, fivela, rosinhas de abraço, coroa de Salomão, laranja partida. Ainda hoje podemos encontrar em algumas casas os caderninhos nos quais os repasses eram anotados com delicadeza e cuidado. Na roça o artesanato nem sempre era uma atividade solitária, parte do trabalho era feita em mutirões que adentravam a noite. Todos cantavam e proseavam enquanto os pés tocavam com precisão ritmada os pedais das rodas de fiar.

Lá pelos anos 1980, Resende Costa recebeu o asfaltamento e com ele, a produção artesanal, que conhecia uma expansão comercial modesta desde a década de 1950, passou por transformações significativas. As pessoas migravam do campo e, na sede do muncicipio, passavam a ensinar o ofício a um número cada vez maior de pessoas, propagando o artesanato como um meio de vida. A lã e o algodão já não precisavam ser preparados em casa, chegavam pelas mãos de um comerciante ou de vendedores ambulantes, frequentemente os mesmos que revendiam as peças artesanais em outros lugares do país. Ao mesmo tempo, a produção era incrementada com as tramas feitas de retalhos, agregando o valor ecológico do reaproveitamento de resíduos de malharias, que de outro modo seriam descartados pela indústria. As lojas especializadas foram se instalando, as cardadeiras e fiandeiras foram cedendo lugar aos picadores e enroladores de retalhos, a tecelagem e o preparo da matéria-prima deixaram de ser atividades exclusivamente femininas, mas muitas características do modo antigo foram preservadas e estão inscritas na memória das artesãs sexagenárias que ajudam a contar a história de Resende Costa.

Em Resende Costa, o ofício da tecelagem atravessa gerações

___________________ ¹Flávia Cristina Silva é Bacharel e Licenciada em História pela UFSJ. Atualmente, conclui o Mestrado em Historia pela mesma instituição com a dissertação «Uma poética para o Império: Indianismo, nação e escravidão na obra de Antônio Gonçalves Dias».


Padre Nelson Rodrigues Ferreira: tempo integral para Resende Costa João Magalhães¹

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mbora Monsenhor, gostava que o chamassem de Padre Nelson. Inscreve-se, não sobra dúvida, na galeria dos maiores vultos de nosso município. De 1944, sua posse como vigário da paróquia de N. Sra. da Penha de França, substituindo o Pe. Heitor de Assis, até sua morte em18/03/1988, esteve à frente ou na comissão de frente de tudo que aconteceu de progresso em nossa cidade. Não nasceu no município, pois veio ao mundo em Piedade do Rio Grande-MG, em 17/02/1914, mas foi como se tivesse nascido, pois incorporou Resende Costa de tal maneira que foi sempre sua terra. Daqui, jamais quis sair. Era da geração dos formados no Seminário Maior de Mariana. Donde saiu, sacerdote em 4/4/1937, encarnando absolutamente a rigorosa educação - fama e glória da histórica instituição. Homem da Igreja, a linha de atuação adotada pela hierarquia, ou seja, papa e bispos, era a sua. Nisto, jamais transigiu. Mesmo discordando de um ponto ou outro, como uma vez me confessou, valeram sempre a obediência e a ortodoxia. Pároco em Resende Costa, por longos anos ele foi a paróquia e a paróquia foi ele. Comandou- a com suas muitas capelas, cuidando de tudo, transformando-a numa das modelares da diocese de São João. O talento administrativo, oriundo de uma personalidade centralizadora, metódica e minuciosa; a capacidade de trabalho; as profundas convicções alicerçadas na boa formação teológica, cultural e humanística, embora conservadoras, fizeram dele um sacerdote venerado pelos católicos e respeitado por todos, mesmo pelos discordantes e até adversários, neste caso, quase sempre políticos. Criada a diocese de São João Del Rei, década de sessenta, o primeiro bispo, Dom Delfim Ribeiro Guedes, logo o intitula cônego (padre que auxilia o bispo na catedral). Mais tarde, o distingue com o título honorífico de Monsenhor. A diocese nunca prescindiu de atuação, chegando até nomeálo Vigário Geral, segundo posto mais importante na hierarquia diocesana. Rapidamente assumiu também o município, pois seu espírito de liderança rompe os limites de sua vivência específica – a religião. Quando não lidera, participa efetivamente de todos os projetos em que vê progresso para sua nova terra. Este engajamento aparecia claro no momento dos

Padre Nelson em Celebração Eucarística na década de 80

avisos, no final das missas, esquema de comunicação muito eficiente até hoje. Frequentemente seus avisos eram miniaulas sobre o tema. Explicava ao povo, com a devida prudência, tudo que se projetava ou estava em andamento, no município. E estava presente em tudo, ou presidindo, ou participando efetivamente. Assim aconteceu, por exemplo, na ampliação do abastecimento de água; na criação do primeiro ginásio na cidade (atualmente: 5 ª a 8ª série), onde atuou como professor de história e geografia e também como diretor; quando houve a campanha para ligação por asfalto de Resende Costa a São João Del Rei e Belo Horizonte; Quando de sua batalha para doar a precária Santa Casa à Congregação das Filhas de São Camilo (Irmãs Camilianas): atualmente o hospital de referência: N.Sra.do Rosário. Seu grande sonho, como anotou: “Afinal, depois de algumas demarches, pudemos ver realizado o nosso grande sonho: a entrega do nosso hospital a uma comunidade de religiosas” (Livro do Tombo, 1954). Os extraordinários volumes do Livro do Tombo transformaram padre Nélson num dos maiores cronistas de nossa cidade, senão o maior.


Pe Nelson conferindo relógio da Igreja Matriz, na Paça Cônego Cardoso. A disciplina foi uma de suas maiores virtudes.

De 1944 a 1988, ele é nosso grande historiador. Que a paróquia, dona destes manuscritos, os proteja com muita segurança. São documentos importantíssimos. Uma preciosidade. Politicamente, nunca se percebeu neutralidade no padre Nelson. Oficialmente, cumpria rigorosamente as diretrizes da diocese. Nunca se filiou a partido algum. Ignoro que tenha entrado diretamente em alguma campanha eleitoral, pedindo votos. Talvez tenha. Não ocultava, porém, suas tendências e preferências e indiretamente trabalhava para que elas chegassem ao conhecimento do eleitorado. Nas eleições para prefeito, seu apoio era fundamental para vencer. Com isso, óbvio em se tratando de política, foi sujeito e objeto de polêmicas. O Nélson-pessoa era muito reservado, meio arredio, algo tímido, pouco presente em manifestações particulares, mesmo as de motivação religiosa, como festas de batizado, casamento, bodas, primeira comunhão... Após as atividades públicas, adentrava seu “mosteiro” – a casa paroquial. Aí, por horas seguidas, na solidão, dedicava-se à leitura, à escrita do Tombo, aos registros e balancetes, a ouvir noticiário... Profundamente antenado nos acontecimentos do mundo e do Brasil. Quanto às notícias e documentos da Igreja Católica, nem se fala. Qualquer movimento em que enxergava alguma contribuição para incremento ou esclarecimento da fé católica, procurava trazê-lo. Lembro, como exemplo, o encontro de duas noites no salão paroquial com Frei Albino Aresi, franciscano capuchinho, então iniciando seus encontros de parapsicologia que o projetaram em toda América Latina. Comum nos padres antigos, revelava grande cultura clássica. Quando o MEC autorizou, foi dos primeiros a oficializar na Faculdade de Filosofia dos Salesianos em São João, o curso de Filosofia feito no seminário de Mariana. Sólido conhecimento de latim e um

bom domínio do francês escrito. Nos anos finais, dedicava-se, com afinco, a atualizados estudos bíblicos. Gostava muito de Ciência, sobretudo a astronômica. Também de História. Observador atilado, enriquecia a cultura adquirida, com observações e até teorias muito interessantes. Poucos participavam de seu espaço privado, sua vida intramuros. Este seu temperamento lhe carreava injustas maledicências: “orgulhoso”, “só amigo dos ricos”... Com poucas exceções, destrancava a porta só para alguns coirmãos de missão sacerdotal. Fui um deles. Então aparecia outro Padre Nelson. Divertido, brincalhão. Dono de uma conversa saborosa, descrições quase visuais, prosa narrativa, oral ou escrita, imbatíveis (fale o Livro do Tombo!), acompanhada de sutis ironias, às vezes dramatizada com gestos ou boas imitações. Nunca cansativa. Hábitos simples, vida frugal, quase nenhuma ambição. Podia amealhar algum patrimônio. Que saiba, não o fez. Como dizia: apenas, algumas economias para quando a velhice chegasse... Padre Nelson: sua vida confundiu-se com a missão. Tempo integral para Resende Costa. O município está em dívida com uma personalidade de tal envergadura. Marcou época na nutrição da fé religiosa, na construção da educação, da cultura e da saúde. Não pode ser esquecido pela geração atual que não o conheceu. No centenário de fundação, Resende Costa deve agradecer seu grande benfeitor, perenizando sua presença entre nós, com um monumento numa das praças da igreja matriz. Não basta ser nome de avenida. ¹João Evangelista de Magalhães foi Padre Católico de 1964 a 1977, período em que conviveu com o Monsenhor Nelson. É Professor de língua e literatura brasileira e Filosofia, atualmente aposentado. Natural de Resende Costa.


A Música no coração de Resende Costa Maximiliano Vale de Resende Lara¹

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úsica. Essa palavra desperta inúmeras reações quando colocada na prática da sua essência. Afinal, quem não se emociona ao ouvir uma melodia. Seja em um concerto, ou assistindo a um show ou mesmo escutando o velho e bom rádio, em todas as suas manifestações a música desperta reações, emociona, pode fazer chorar, sorrir, pode nos fazer lembrar algum momento da nossa vida ou de alguém. Essa arte é tão mágica que está presente em todos os lugares do planeta na sua diversidade e diferenças harmônicas. E aqui em Resende Costa ela também se manifesta. Aqui, a música também encontrou rabiscos e notas que fazem parte da formação da história das Lajes. Não há documentos precisos sobre as primeiras manifestações musicais em Resende Costa, mas é provável que no século XVIII já existiam atividades musicais por aqui. E um dos fatos que podem comprovar tal suposição é a presença do Capitão Manoel Dias de Oliveira na antiga vila que deu origem à Resende Costa. Manoel Dias de Oliveira é um dos mais importantes e respeitados compositores de música sacra do período colonial brasileiro, e há registros de que ele viveu em Resende Costa. Quanto às instituições musicais mais antigas podemos destacar três: a Banda Santa Cecília, a Lira de São Sebastião (banda de Jacarandira) e a Orquestra (Orquestra Opus Mater Dei). Essas instituições têm, ao longo de mais de 100 anos, se dedicado à difusão da música em Resende Costa. Principalmente em eventos religiosos como missas e procissões onde são executadas peças como dobrados, marchas, orquestrações e motetos. E aqui não podíamos deixar de citar alguns dos grandes personagens da música em Resende Costa. Personagens que se dedicaram e se dedicam até hoje para que a essência da música seja manifestada e sentida. Cristóvam Gonçalves Pinto: Regente da banda e orquestra; Agostinho Mateus de Assis: Regente da banda e orquestra; Joaquim Pinto Lara, ou Senhor Quinzinho: A ele se deve o desenvolvimento da musica orquestrada em Resende Costa. Também foi por ele que os motetos de passos e dores, executados ainda hoje durante a quaresma e Semana Santa, chegaram até Resende Costa. Senhor Quinzinho os recebeu com dedicatória do autor, Antônio de Pádua Falcão. Senhor Quinzinho também foi o regente da

Maestro Joaquim Pinto Lara e parte dos integrantes da Orquestra Santa Cecília em meados da década de 1960

1963 Banda Santa Cecília sob regência de Geraldo Chaves em 1959

banda de música Santa Cecília; Geraldo Chaves: Professor e regente da Banda Municipal Santa Cecília; Maria Aleluia Mendonça Chaves: Professora e regente do coro e orquestra Mater Dei; Geraldo Gouvêa: Foi o regente da Lira de São Sebastião durante muitos anos; João Tomás: regente da banda Municipal Santa Cecília; Dona Terezinha, Orosimbo Lara, Vicente do Zé Brás, Panheiro, Ivan Barbosa, Né e tantos outros. Poderíamos continuar esta lista e citar inúmeros músicos de grande importância na história de Resende Costa, pois não são poucos os que a construíram. Mas nos faltaria espaço e palavras para enaltecer o quão importante são para a memória e para nós que hoje somos observadores dessa história. Desde cedo meus pais me incentivaram no aprendizado da música, e ela sempre foi minha grande paixão. E hoje, um pouco mais maduro e observando as atividades artísticas em Resende Costa fico feliz ao ver que tantas pessoas tem se dedicado ao aprendizado musical. Em cada canto dessa cidade é possível escutar uma banda ensaiando em uma garagem, um grupo de amigos tocando violão nas Lajes, um apaixonado fazendo serenata, um jovem entrando num ônibus para estudar no conservatório ou no curso de música na cidade vizinha, o som de um violão dedilhado que vem de dentro de uma casa. Enfim, é a música na sua maior expressão, a simplicidade, que se faz presente na vida das pessoas de Resende Costa. Não importa o gênero ou a batida, se é caipira ou se é rock, se é popular ou erudito, se é o som da viola ou da guitarra. O que importa é a emoção que a música deixa no coração de cada um. Quero deixar aqui o meu sincero abraço a todos os músicos dessa cidade a qual tenho orgulho de pertencer. A todas as bandas, todos os seresteiros, foliões, mestres de folias, a todos que tem um violão guardado em casa e que tocam pra sua própria satisfação. Àqueles que estão iniciando na maravilhosa arte das notas, àqueles que são inspirados por ela e àqueles que se comovem quando escutam a junção de notas, acordes e harmonias. Um grande abraço meus amigos músicos de Resende Costa. ¹Maximiliano Vale de Resende Lara é Bacharel e Licenciado em Geografia e Análise Ambiental. Atualmente é Professor da rede Sesi/Senai, do Colégio Nossa Senhora das Dores e da Prefeitura Municipal de São João del Rei. É músico multi-instrumentista, compositor, e violoncelista das orquestras Ribeiro Bastos e Mater Dei.


A Junvetude e os Movimentos Culturais

Ângelo Márcio Resende¹

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ão se mede a cultura de um povo. Quando se trata de cultura, não há melhor ou pior. Há apenas diversidade. Resende Costa viveu, ao longo dos seus 100 anos, diversas experiências de manifestações artísticas. Sempre vivenciamos algum tipo de movimento cultural. De tempos em tempos, surgem alguns “loucos” cantando pelas praças, pelas lajes, encenando peças no Teatro ou nas ruas e arrebanhando pessoas para o palco ou para a plateia. Seria impossível mencionar todos. Tomaremos nota de alguns movimentos que, dentre tantos, marcaram a história cultural de nossa cidade. Na década de 20 do século passado, era inaugurado o Teatro Municipal. Surgia, então, um grupo teatral coordenado pelo prof. José Augusto de Resende. Mais adiante, surge outro. Nas palavras de Alair Coelho de Resende, em seu livro Casos e causos do vovô Totonho da Chapada, era “um vigoroso Grupo Teatral, no qual se destacavam os atores Agenor Gomes, Chico de Barros, Prudêncio Gomes – sapateiro e comediante de grande talento, Lidinha Gomes, sob a direção de José do Carmo Barbosa”. Na mesma época, foi criado um grêmio literário na região dos “quatrocantos”, num terreno doado pelo Cel. João Evangelista de Souza Maia, onde muitos saraus foram realizados. Algum tempo depois, o prédio foi transformado em residência e o Grêmio desapareceu. Na década de 40, surge um novo grupo de teatro, agora dirigido por Gentil Ursino Vale. Foi um período áureo para nosso teatro, com destaque para os escritores José de Melo, Miled Hannas, José Procópio da Silva (fundador do jornal “O Inconfidente”, em 1963) e José Ramos de Melo. No final da década, em 1949, surge também o Grupo Teatral Agenor Gomes, sob a direção de José Ramos de Melo. Dentre as várias peças apresentadas, destaca-se “A vingança do judeu”, encenada durante a inauguração do Teatro Paroquial Pe. Adelmo, hoje Centro Pastoral da Paróquia (CPP). Durante a década de 50, o glamour dos espetáculos teatrais permaneceu. Nesta época foi produzida, dentre outras, a belíssima peça “Faça Chuva, faça sol”, de autoria de Célio e Zé Ramos. Nos anos 80, as artes se misturam ainda mais. José Alair Resende, conhecido como “O Terrível Ratinho”, um eterno amante da música e apoiador de músicos de várias gerações, inicia seu “show de calouros” no CPP. O Terrível Ratinho tinha como alguns de seus qualificadíssimos jurados o professor Geraldo Chaves, além de Maria de Lourdes e seu esposo, o Né clarinetista, Ana Rita, Sebastião Lima e Maria Aleluia. Divulgava as inscrições para o festival nas ruas, na igreja e na rádio São João. José Alair participou também do Grupo Teatral Amador de Resende Costa, junto com Maria Aparecida Maia, Ermelinda de Fátima, Mafalda Fátima de Resende, Celma Alves, Zé Maria do «Zé Barbeiro», Raimundo Salomão, Ângelo Melo, Pe Fernando e outros. Apresentavamse no Teatro Municipal e em quase todas as cidades da vizinhança. Obtiveram enorme sucesso com a peça “O punhal da vingança”. Alair estava, ainda, em 1985, junto ao grupo que fundou a AMARC – Associação Musical Amadora de Resende Costa, que perdura até nossos dias. Também na década de 80, uma nova geração começava a interferir na vida cultural da cidade. Surgia a Associação Cultural Movimento Raízes. Dora Silva, Regina Coelho, Edésio, Sávio, Hamilton Resende, Brizola, Camilo Vale, Maria Luzia Resende e Luiz Pinto eram alguns de seus membros. Promoviam campeonatos de futebol, exibições de cinema, espetáculos teatrais e os tradicionais Encontros de Inverno nas lajes de cima.

Banda Nova Geração (1984): Zé Alair, Zé Maria, Rogério do Neném, Paulo César, Maurício Curinga, Wander Morais

Ainda na década de 80, outro grupo de jovens fazia história. Após uma visita a Resende Costa, a carioca Maria Luiza Cesconi decide por aqui se estabelecer. Daí em diante, forma-se um grupo juvenil com Quincas e Bebeto (músicos da banda Ramabeq), João do galo, José Carlos (fotógrafo), Ana do «Galo», Eliane do Hugo, Vivinha irmã do Iraci, Maristela do Márcio, Luciene e Simone Maia, e outros. Fundaram a escola de samba “Só Falta Você”, que durou até 1985. Faziam exposições de artesanato durante a exposição agropecuária e promoviam grandes eventos como o show com o cantor Sérgio Reis.

Bateria da Escola de Samba Só Falta Você no carnaval de 1982

No início da década de 90 foi reformado e ampliado o Teatro Municipal. Tivemos, então, a criação da Fundação Casa de Cultura, em 1992, com o gerenciamento de pessoas como Luiz Pinto, Regina Coelho e José Márcio. Contava 15 anos quando cantei na reinauguração do Teatro Municipal. Éramos vários jovens. Dentre outros, José Márcio, Fábio Eduardo, Clébia Resende, Caio César, Geraldo Aires e sua irmã Solange, Enéias, Luciene Resende, Júnia Magela, José Geraldo (o Mengeli), Márcio Resende, Ricardo, Glorinha, Luciene, Léia, Clausinéia, Ana Paula Rios, Clênia Resende e nossos professores do Assis Resende, Mário Márcio e José Antônio. Nosso grupo se chamava “TEARTE”. Durou pouco. Mas trabalhou bastante. Foram muitas oficinas de teatro, música, acrobacias. O auge foi a apresentação da peça “A aurora de minha vida” no Teatro Municipal de SJDR. A arte continua a lutar por seu espaço. Grupos como AMIRCO, IRIS, MAC, Acadêmicos da Vila Nova, Congadas e Folias de Reis são exemplos disso. Mas paremos por aqui. Deixemos para futuros comentadores a tarefa de registrar que floresce de cultura neste novo século. ¹Ângelo Márcio Resende é bacharel em direito, Primeiro-Sargento do Exército Brasileiro, músico e coordenador do Movimento Arena Cultural, fundado no ano de 2010 em Resende Costa


Resende Costa: reflexão ambiental e econômica Murton Moreira¹

Região do Alto Jacarandá - divisor de águas entre as bacias do São Francisco e Paraopeba

A região do município de Resende Costa que apresenta maior cobertura florestal nativa se localiza entre a sede do município e a comunidade do Ribeirão Santo Antônio. Nesta região, podemos desfrutar de caminhadas, cavalgadas, sempre apreciando a grande biodiversidade da fauna e flora brasileiras. Diante das grandes belezas naturais disponíveis no município, tais como cachoeiras, mirantes, florestas, fazendas centenárias, está sendo desenvolvido um importante projeto de turismo rural, onde se percebe também uma enorme aceitação por parte de produtores rurais conscientes da importância do uso sustentável do nosso meio ambiente.

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município de Resende Costa se localiza na Serra das Vertentes, tendo em seu território nascentes que abastecem duas das maiores bacias hidrográficas de nosso país, que são a Bacia hidrográfica do Rio Grande e a Bacia Hidrográfica do São Francisco. Outro aspecto de grande relevância encontrado no município é que este está localizado em mais de um bioma florestal, conhecido como área de transição, apresentando assim, uma grande diversidade de tipologia florestal, tais como: Mata Atlântica, Cerrado, C a m p o r u p r e s t r e , e t c . As nascentes localizadas na sede do município de Resende Costa e nas comunidades Floresta, Barracão, Ribeirão Santo Antônio, Povoado dos Pintos, Região das Barreiras, Córrego Fundo e Micaela pertencem à Bacia hidrográfica do Rio Grande. Com relação à Bacia hidrográfica do Rio São Francisco, o município de Resende Costa contribui com dois grandes rios: o Pará, que nasce na comunidade do Cajuru, também tendo participação de algumas nascentes localizadas no Distrito de Jacarandira, e o rio Paraopeba, que tem como afluentes as águas que nascem nas comunidades dos Curralinhos dos Paulas, Curralinhos dos Maias, Ta b o a d o s e C u r r a l i n h o d o A n d r a d e .

A famosa cachoeira dos Pintos é um afluente do rio Santo Antônio. Essas águas correm para a bacia do rio Grande

Vista do alto do açude. No primeiro plano, cultivo de Eucalipto. Ao fundo, a cidade de Resende costa

¹Murton de Carvalho Moreira é geógrafo e atua há 30 anos como técnico ambiental do IEF em Resende Costa

A topografia de nosso município é predominantemente ondulada e o solo é considerado de fertilidade média, portanto, apresenta um perfil de agricultura de subsistência, tendo como principais rendas: leite, recria de bovinos e eqüinos, produção de carvão vegetal, madeira, moirões, lenha, entre outros, de floresta plantada (eucalipto). Este último, nos últimos anos, se tornou um importante contribuinte para a fonte de renda sustentável da zona rural, proporcionando um ativo anual em torno de 8 Milhões de Reais. Vale a pena mencionar que o reflorestamento por eucaliptos, tem contribuído para o desenvolvimento da apicultura no município, que é também uma atividade sustentável e extremamente benéfica para o meio ambiente. As atividades rurais e urbanas no município de Resende Costa já acontecem a alguns séculos, nas últimas três décadas, os produtores rurais tem exercido atividades com princípios de sustentabilidade ao seu meio ambiente. Todavia, ainda deparamos com alguns procedimentos inadequados para o desenvolvimento sustentável. O resendecostense com suas atitudes e atividades, tem se tornado uma referência quanto a melhoria na qualidade de vida da região.


Tecelagem tradicional de Resende Costa, Minas Gerais: Tradição familiar, modernidade econômica e empreendedorismo Gustavo Melo¹

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tecelagem tradicional do município de Resende Costa é denominada por seus moradores como artesanato têxtil. Esse sistema produtivo tem sua origem na produção doméstica têxtil do século XVIII, na localidade então denominada Arraial da Laje, da Comarca do Rio das Mortes da Capitania de Minas Gerais². Ao processo produtivo do final do século XX, em comparação com o dos séculos XVIII e XIX, foram incorporadas inovações tecnológicas nos insumos, nos equipamentos, nos processos operacionais e na organização desse mercado local. No final do século XX, no perímetro urbano do município, havia 499 domicílios, com 811 trabalhadores informais e 37 estabelecimentos comerciais de tecelagem tradicional − que coordenavam a produção, forneciam insumos e comercializavam as peças³. Já no início do século XXI eram 709 domicílios, 1072 trabalhadores informais e 72 estabelecimentos 4 comerciais . A primeira loja de artigos de artesanato foi registrada na relação de contribuintes do cadastro econômico da Prefeitura Municipal de Resende Costa em 1988, e em 2009 somavam 92. Para compreendermos a expansão ocorrida nestes anos podemos observar este mercado por meio da produção domiciliar do tapetinho, peça de maior destaque local, que registrava a produção de 38.603 tapetinhos por mês em 1996 e em 2009 de 131.088.

Tecelões em oficina têxtil na cidade de Resende Costa

Produtos têxteis expostos para venda em Resende Costa

Este mercado de produção foi construído com uma produção dispersa nos domicílios, pela divisão do trabalho e pela organização liderada por empreendedores comerciantes. O empreendedor comerciante inovou na organização do processo produtivo da tecelagem tradicional com a divisão das tarefas e a especialização do trabalho, controle rígido da produção e remuneração dos trabalhadores por meio da produtividade individual. Entretanto, a padronização do processo produtivo e o aumento da produção tiveram como disfunção burocrática o adoecimento dos trabalhadores e a perda da capacidade de inovação criativa do sistema produtivo local. A organização social desse mercado conjuga de forma interessante tradição familiar, modernidade da organização econômica e capacidade empreendedora. A tradição familiar possibilitou a disseminação do conhecimento da técnica e a confiança entre produtores e comerciantes locais. A modernidade da organização econômica possibilitou o aproveitamento das oportunidades econômicas turísticas regionais, viabilizadas pela capacidade de inovação em atividades administrativas do empreendedor comerciante. Esse mercado continua em construção e, como um processo social, vai se desenvolver, portanto, ficam dúvidas e curiosidades sobre qual caminho a população local irá trilhar.

¹Gustavo Melo é Doutor em sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professor do Departamento de Ciências Administrativas e Contábeis (DECAC) da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) ² Para uma análise mais abrangente sobre aspectos históricos do município ver: PINTO, Rosalvo Gonçalves. Os Inconfidentes José de Resende Costa (Pai e Filho) e o Arraial da Laje. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1992; TEIXEIRA, Maria Lúcia Resende Chaves. Família escrava e riqueza na comarca do Rio das Mortes: O Distrito da Lage e o Quarteirão do Mosquito. São Paulo: Annablume, 2006. ³ Para uma abordagem mais abrangente sobre a realidade da tecelagem tradicional no final do século XX ver: SANTOS, Micênio Carlos Lopez; SILVA, Gustavo Melo. Tear: Artesanato de Resende Costa. São João del-Rei: Ed. Funrei, 1997; e, SANTOS, Micênio Carlos Lopez dos; SILVA, Gustavo Melo; MORETTI, Alba Regina. Artesanato: contando teares. São João del-Rei: Ed. Funrei, 1998. 4

Para uma abordagem específica sobre a construção social deste4 mercado ver: SILVA, Gustavo Melo. Mercados como Construções Sociais: Divisão do Trabalho, Organização e Estrutura Social de um Mercado em um Território Municipal. 2010. 356 f. Tese (Doutorado em Sociologia). Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, 2010.


Lendas do gramado

Emanuelle Ribeiro¹

Expedicionários Sport Clube na década de 1960 De pé: Padre Zé Hugo, Zé Aristeu, José Campos, Tião do Zezeca, Boanerges, Jote, Agenorzinho, Galo, Omar Resende, Jesus barbeiro, Antônio Belena, Bernadete, Sinval, Iraci Freitas; Agachados: Chicão, Aderson, Gilson Vale, Guiu, Nilson, Batista, Beú, Moacir Tomate.

E

m maio de 1946, surgia em Resende Costa o Expedicionário, importante clube de futebol do município, fundado por Antônio Argamim de Freitas, o Totonho do Sobico, que pertenceu à Força Expedicionária Brasileira e lutou durante a II Guerra Mundial. Após o conflito, Totonho retornou a Resende Costa e, como amante do futebol, fundou na cidade o Expedicionário Futebol Clube, posteriormente Expedicionário Sport Clube. Operário, Iolanda, Cruzeiro, Resendino Futebol Clube, Resende Costa Futebol Clube (RCFC). Estes são alguns dos clubes que antecederam o Expedicionário. O RCFC saiu de cena em 1946, e muitos de seus jogadores passaram a jogar pelo Expedicionário. Sossó, Quito, Simão, Alberto Salomão, Iraci Freitas (grande jogador), Valter Andrade, Tote, Gite, Juquita e Ari Canela foram alguns destaques do RCFC. O tradicional uniforme do Expedicionário sempre foi tricolor, com listras vermelhas, azuis e brancas na vertical. Mas às vezes o time jogava com uniforme de cores diferentes, doado por algum deputado ou amigo, devido à falta de recursos. O Expedicionário era, então, comparado a um camaleão: a cada jogo entrava em campo com um uniforme distinto. O uniforme do goleiro era diferente: trazia o desenho de uma cobra fumando (expressão que surgiu com a II Guerra). O Expedicionário treinava as terças e quintas. Quase todos os domingos havia jogos. Dia de jogo era dia de festa, o campo ficava lotado e as partidas eram comentadas durante toda a semana. A maioria dos jogos era amistosos com clubes de cidades vizinhas. Não havia muitos campeonatos, apenas alguns torneios, que duravam pouco tempo. Muitos atletas se destacaram defendendo a camisa tricolor, dentre eles Helbert Furtado de Sousa, o Betinho. Depois de sua passagem pelo Expedicionário, o ponta-direita jogou no América-MG, atuando até pela Seleção Mineira de Futebol. Outros jogadores que defenderam o Expedicionário: Antônio Salomão, Geraldo Chaves, Geraldinho Jacaré, Jaguaré, Vantuil, Alaor, Basílio, José Campos, Aderson, Zizi, Galo, Boanerges, Agenorzinho, Curinga (um dos melhores goleiros que passou pelo clube), Tarcísio (avestruzinho), Rubinho do banco, Tiná, Beú, Gilson Vale, Nilson Barbosa, Zizinho, Tião do Zezeca, Zé do Lindolfo, Nelson do Joaquim Batista, Elmo Coelho, Pelezinho, Tomazinho, Bebeto, Carlinhos, Joaquim das Lajes, Tonho da Santa, Dedete, Pereira, Dó, Duduta, Guiu, Zé Barbosa. O clube viveu seus altos e baixos. E os momentos de dificuldade surgiam principalmente com a saída de atletas, que muitas vezes deixavam Resende Costa para trabalhar fora. Dizem que uma das piores fases foi vivida em 1960,

com a fundação do Ginásio Nossa Senhora da Penha, quando muitos atletas deixaram o futebol para estudar. Sem recursos, os presidentes do Expedicionário faziam de tudo para mantê-lo.

O campo conhecido por Expedicionário já teve vários nomes e surgiu antes mesmo do Expedicionário SC. No passado, era menor, de terra e não era rodeado por tantas casas. A princípio, o local era particular. Só depois foi passado à Prefeitura. Conta-se que à direita do campo havia uma vala e sempre que o juiz “roubava” ou contrariava os torcedores, eles gritavam para que o jogassem na vala. Durante o mandato do prefeito Antônio Honório, foi adquirido um trator e o primeiro serviço da máquina, comandada pelo Nelson tratorista, foi aumentar o campo.

Partidas históricas Escola Agrotécnica de Barbacena 4x3 Expedicionário; Expedicionário 0x0 Atletic; Expedicionário 2x1 Portuguesa (vencedora de um campeonato de futebol amador em Belo Horizonte); Seleção de São João del-Rei 3x4 Expedicionário; Expedicionário 1x0 Atlético (time suburbano de Belo Horizonte).

Boca Juniors Na década de 50 surgia em Resende Costa um time chamado Varginha, se tornando forte adversário do Expedicionário. Zé do Lindolfo, Zé Ribeiro, Délio e Zé Luca foram alguns de seus idealizadores. O Varginha deu lugar ao Boca Juniors, mais um gigante resende-costense, fundado em 1979, e a rivalidade com o Expedicionário seguiu ainda mais forte. Expedicionário x Boca Juniors foi o clássico mais popular e disputado de Resende Costa. A rivalidade persiste nos dias de hoje, mesmo não havendo tantos jogos como no passado. João Bosco, que já foi presidente do Expedicionário, classifica a rivalidade como saudável: “Um depende do outro para existir”. O Boca foi fundado por Camilo Tristeza e Didi do mercadinho. O 1º gol do time foi marcado pelo Marquinho do mercadinho. Camilo Tristeza enumerou alguns jogadores importantes desse início do time: Canário, Zé Humberto, Celso, Ernane, Adenilson, Eli, Jadir, Didi, Dezinho, Chiquinho do Chico Domingos, Alceu e Branquinho. Camilo fala ainda das conquistas: segundo ele, são 128 troféus. Para ele, um dos jogos mais importantes do Boca foi uma vitória por 3x0 sobre o maior rival, o Expedicionário. “A rivalidade é boa, tem que existir. É igual Galo x Cruzeiro”, diz Camilo. O campo do Boca Juniors surgiu em 1994 e, apesar de pertencer à Prefeitura, é administrado pelo clube. ¹Emanuelle Ribeiro é aluna do curso de Comunicação Social (Jornalismo) da UFSJ e editora assistente do Jornal da Lajes em Resende Costa


De olho no turismo, de olho no futuro

Luís Cláudio dos Reis¹

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turismo é uma das atividades econômicas que mais cresce no mundo. E isso não é diferente em nossa região. Nas últimas décadas, a cidade de Tiradentes impulsionou um crescimento considerável do turismo na região das vertentes, o que trouxe mudanças significativas para as economias de Resende Costa, Coronel Xavier Chaves, Prados, dentre outras cidades vizinhas. A tradição do artesanato têxtil em Resende Costa demonstrou ser um solo fértil para o turismo comprador, e atrai hoje um grande fluxo de visitantes, gerando emprego e renda, direta ou indiretamente, para grande parcela da nossa população. Mesmo diante do avanço do turismo regional e local, muitos ainda não acreditam no seu potencial, e não atribuem a essa atividade econômica a devida importância. Há quem diga que sequer existe turismo em Resende Costa. “O que tem aqui são compradores de artesanato, não turistas”, já ouvi algumas vezes. Há também quem defenda, inclusive, que nossa cidade está fadada à venda de artesanato no atacado, e que nosso município não possui atrativos suficientes para “segurar” os visitantes por aqui. Discordo de tal perspectiva. Já é hora de transformar descrença em esperança, em trabalho coletivo e planejado, a fim de construir uma cidade mais receptiva, capaz de atrair e receber melhor seus visitantes, preservando suas raízes culturais e gerando emprego e renda para a população. A evolução do nosso turismo durante as últimas décadas ocorreu de forma bem espontânea, sem grande planejamento por parte de associações ou do poder público. Isso só acontece em localidades em que há algum potencial. Mesmo sem investimentos pesados, estudos ou preparação, Resende Costa demonstrou ter grande vocação para a atividade. Hoje, o município recebe um número significativo de visitantes que não são lojistas nem sacoleiras, mas pessoas em busca de lazer, história e artesanato, e que não deixam de incluir Resende Costa nos seus roteiros. É hora de pensarmos o turismo como política de desenvolvimento econômico e social. Em muitas localidades, os moradores demoram a reconhecer o potencial turístico de seus municípios. Em muitos casos, investidores externos acabam tomando a iniciativa de começar o processo de transformação nessas regiões. Em Resende Costa, mesmo com pouco planejamento público e pouco associativismo, há empreendedores locais que tem atuado com grande criatividade, garantido que o avanço da atividade turística seja capitaneado por pessoas da terra. Este empreendedorismo do resende-costense, somado a um planejamento profissional do turismo a médio e longo prazo, pode significar garantia de renda e emprego para nossa comunidade, bem como a preservação de nossos patrimônios culturais.

Café da manhã da roça na Fazenda Pinheiros Há um conjunto de atrativos potenciais em nossa cidade. Com planejamento, essas potencialidades podem se transformar em produtos turísticos efetivos, e gerar renda inclusive para aqueles que não estão diretamente ligados ao artesanato. A implantação do turismo rural e do agroturismo, por exemplo, proporciona um convívio mais harmonioso entre o homem e a natureza, além de fixar a população no campo e gerar emprego e renda. Programas campestres como caminhadas, cavalgadas, pescaria e visitas a propriedades históricas podem se transformar em produtos turísticos ecologicamente corretos, economicamente viáveis e inclusivos socialmente. Temos uma extensa área rural, rodeada por serras e montanhas, banhada por água da melhor qualidade, além de um povo acolhedor e criativo. Temos Cachoeiras amenas, que não oferecem grandes obstáculos ou riscos aos seus visitantes. Sem falar das comunidades rurais cheias de histórias e tradições de grande singularidade, às vezes adormecidas e correndo risco de serem extintas. E os segredos da culinária? Por que não resgatar o típico vinho de laranja, que hoje não mais se encontra em nossas mesas? E nosso museu de arte sacra, que registra em seu acervo a história religiosa do antigo Arraial da Laje e de suas capelas? E a nossa tradicional Festa do Rosário, um dos maiores encontros de Congadas do estado de Minas Gerais... É hora de olharmos com outros olhos para nossa cidade. Há alguns meses, e de modo surpreendente para alguns, o Ministério do Turismo indicou Resende Costa junto a um número restrito de municípios apontados como rota turística durante a copa do mundo. Isso demonstra que lá fora estão acreditando em nossa cidade e em nosso potencial para o turismo. Certamente não vamos decepcioná-los. No entanto, não podemos perder de vista que o planejamento do turismo a longo prazo em uma cidade exige coordenação, estudo e trabalho de profissionais especializados. Além disso, é indispensável um parceria incondicional entre iniciativa privada, poder público e sociedade civil. A sintonia entre estes setores e o profissionalismo no planejamento são fundamentais para o êxito da proposta. Turismo não é utopia. Vamos acreditar e agir. ¹Luís Cláudio dos Reis é graduado em Gestão de Recursos Humanos pela Universidade Luterana do Brasil. Foi presidente da ASARC- Associação dos Artesãos de Resende Costa e preside atualmente do COMTURConselho Municipal de Turismo.

Fazenda das Éguas


osta. C e send e R ta. e t n i s a i c V n gar e u l Esse


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