Revista Engenharia 62

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REVISTA OFICIAL DA FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO JANEIRO 2022 62 ENGENHARIA
SER-HUMANO
A INOVAÇÃO CENTRADA NO

FEUP

TALENT FOR THE WORLD

LICENCIATURAS MESTRADOS PROGRAMAS DOUTORAIS

+ info: fe.up.pt/estudar
Candidaturas abertas 2022/23

e Mafalda Leite noticias@fe.up.pt

Design e Produção César Sanches design@fe.up.pt

Colaboram nesta Edição: Ai Weiwei Studio, Egídio Santos, Juliana Mendes, Pedro Coelho e Rita França

Publicidade publicidade@fe.up.pt

Propriedade Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

Sede

FEUP, Rua Dr. Roberto Frias

4200-465 Porto Tel: 22 508 1400

e-mail: noticias@fe.up.pt url: www.fe.up.pt

Impressão Empresa Diário do Porto, Lda Porto 01 – 2022 Periodicidade

.

A ABRIR

Scientist Ranking - Stanford University 2021

FEUP NO MUNDO

Acontecimentos com ADN FEUP

INOVAÇÃO E FUTURO

Escola da Ferrovia arranca em Guifões Alumnus da FEUP quer museus mais acessíveis para pessoas com deficiência visual

. FEUP lidera consórcio europeu para dinamizar ecossistema de inovação

Investigadores da FEUP produzem oxigénio a partir da oxidação da água

BIN@Porto 2021:

. Entrevista a Júlio Martins: “Ser empreendedor não deve ser visto como uma etiqueta social trendy””

Promover a inovação aberta alicerçada em relações de confiança

NOVOS TALENTOS

. Entrevista a Maria José Sampaio: “É preciso consciencializar sobre a importância da profissão de cientista”

. De Engenheira Mecânica a Customer Experience Manager

ADN FEUP

Faculdade de Engenharia no pódio do Cleantech Camp

. Narrativas interativas como terapia para o Alzheimer

AS NOSSAS PARCERIAS

. Projeto Rio Ceira: da engenharia à comunidade

Ai Weiwei está em Serralves e trouxe um “Pequi Vinagreiro” impressionante

AS NOSSAS PESSOAS

. Entrevista a Fernando Veloso Gomes: “Portugal é Mar mas também é Terra e é Litoral”

. Entrevista a José Iria: A vida de um engenheiro no outro lado do mundo

MUITO + QUE ENGENHARIA

Entrevista a Ana e Pedro Walgode: Vice-Campeões

Mundiais de Patinagem Artística estudam na FEUP

EDITORIAL
Final
2022 Ponto
A FECHAR A não perder 4 5 6 8 9 10 11 16 19 20 23 25 26 28 29 31 34 36 38 10 29 12
36 8 Diretor João Falcão e Cunha Conselho Editorial Ana Sofia Guimarães, Carla Teixeira Lopes, Carlos Oliveira, Manuel Simões e Raquel Pires Equipa Redatorial Raquel Pires
A inovação centrada no ser-humano
Tiragem 3000
Depósito
360125-13
REVISTA OFICIAL DA FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO JANEIRO 2022 62 ENGENHARIA 31 D.R.
Semestral
exemplares
legal
Foto de capa ©Rita França

2022 PONTO FINAL

O ano de 2022 é um ponto final para mim como Diretor da FEUP.

Para além de tudo o que foi feito desde outubro de 2014 estão a iniciar-se estudos e projetos que considero terem todas as condições para serem concluídos nos próximos anos para a FEUP ser maior, melhor e mais influente.

A FEUP conta desde 2021 com o Conselho para o Desenvolvimento Sustentável de que fazem parte neste momento Luís Valente de Oliveira, Carlos Moreira da Silva, João Günther Amaral, João Serrenho, António Rios de Amorim e Fernando da Cunha Guedes.

Temos em curso um plano ambicioso de transformação e crescimento baseado em opções sustentáveis. Vamos dotar o Campus da FEUP de novos laboratórios modernos e multidisciplinares, novas áreas de qualidade para trabalho individual e em grupo dos estudantes, e de melhores infraestruturas para investigação em todas as áreas de engenharia, com espaço para crescimento dos departamentos e unidades de investigação.

Considerando o impacto da ciência, tecnologia e engenharia no ambiente, na economia e na sociedade, lançamos o projeto EDS@ FEUP – Educação para o Desenvolvimento Sustentável – que visa criar condições para o aumento efetivo de competências em sustentabilidade nos docentes, estudantes e graduados dos diferentes ciclos de estudo, consolidando uma cultura de sustentabilidade.

A FEUP está a coordenar a proposta de restauro do Solar da Quinta de Lamas, para este espaço se transformar num centro de atividades da U.Porto neste seu Polo na Asprela, e a coordenar a proposta de construção de uma ETAR que permita reciclar os efluentes da FEUP e das instituições vizinhas com o objetivo de reutilizar toda a água.

A FEUP tem um forte envolvimento em Laboratórios Associados, alguns novos, participa em muitos Laboratórios Colaborativos, de criação recente, e está comprometida com diversas candidaturas de projetos em consórcio nas Agendas Mobilizadoras para a Inovação Empresarial do PRR.

Os novos espaços já referidos serão um exemplo de projeto, construção e utilização sustentável. Estamos, por exemplo, a trabalhar para que no Campus da FEUP em 2026 seja produzida mais de 25% da energia consumida e tratados todos os efluentes. Mas estamos sobretudo a trabalhar para que os nossos graduados sejam agentes de mudança para um mundo mais sustentável e que a FEUP seja reconhecida a nível internacional como uma das melhores instituições nas suas áreas científicas.

Como balanço de quase oito anos desta Direção devo também resumir neste Editorial parte do que foi feito: melhores ciclos de estudo e estudantes, mais procura nacional e internacional, crescimento da qualidade e da capacidade de investigação e inovação das nossas unidades internas e externas, melhor relacionamento com um elevado número de empresas no contexto do programa FEUP Prime, início da produção fotovoltaica de energia elétrica para autoconsumo, novos técnicos, docentes e investigadores, em média mais jovens e cada vez com melhor educação, consolidação dos departamentos e institutos, adaptação dos mestrados integrados, adaptação das atividades em tempos de pandemia, reforço continuado da nossa Orquestra Clássica no contexto da U.Porto, “Summer Sunset”, Consórcio de Escolas de Engenharia, acolhimento ao GAS Porto e apoio a muitos projetos de responsabilidade social.

Nestes, e em muitos outros temas, a FEUP é hoje maior, melhor e mais influente do que era no final de 2014.

A evolução e as transformações na FEUP nos últimos anos devem-se aos contributos de todos os que fizeram muito trabalho novo, muito bom e dedicado. Refiro-me em especial às pessoas da nossa Comunidade, dirigentes, técnicos, docentes, investigadores e estudantes, assim como aos Alumni e a outros parceiros externos.

Neste contexto e com as pessoas com que partilho a atividade na FEUP é um privilégio e um gosto ser Diretor da FEUP e será seguramente uma das minhas memórias felizes.

EDITORIAL
ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 04
* Diretor da FEUP João Falcão e Cunha Egídio Santos

SCIENTIST RANKING

Stanford University 2021

Investigadores da FEUP estão entre os investigadores mais citados no mundo! A Universidade de Stanford publicou recentemente a atualização dos cientistas mais citados a nível mundial, tendo como referência a Scopus, uma conceituada base de dados online de resumos e citações de artigos em revistas académicas, até agosto de 2021.

53 investigadores da FEUP

SUB-ÁREAS CIENTÍFICAS INVESTIGADORES FEUP

A base de dados cobre 22 áreas e 176 disciplinas, apresentando uma seleção dos cientistas cujos trabalhos de investigação publicados aceleraram o progresso nas suas respetivas áreas, influenciando também a produtividade do trabalho de outros investigadores. Com base nestes indicadores, foram criadas duas listas: a que permite aferir o impacto ao longo da carreira e uma outra focada no impacto no último ano.

Industrial Engineering & Automation Mechanical Engineering & Transpor ts Materials Nanoscience & Nanotechnology Polymers Chemical Engineering Analytical Chemistr y Physical Chemistry Chemical Physics Microbiology Food Science Oncology & Carcinogenesis Biomedical Engineering Biotechnology Meteorology & Atmospheric Sciences Environmental Sciences Environmental Engineering Civil Engineering Acoustics Building & Construction
Physics Computation Theory & Mathematics Softwa re Engineering Computer Hardware & Architecture Energy Electrical & Electronic Engineering Networking & Telecommunications Strategic, Defence & Security Studies 2 4 6 8 10 12 Impacto ao longo da carreira Impacto no último ano SUB-ÁREAS CIENTÍFICAS
Mathematical

FEUP NO MUNDO

Projeto de Data Science criado por estudantes de Gestão Industrial e BioEngenharia vence a 3ª edição da Eurekaton novembro 2021

João Catalão nomeado Fellow da maior sociedade mundial de engenharia dezembro 2021

Estudantes de BEST Engineering agosto 2021

Diogo Teixeira, Alumnus da FEUP, no pódio de concurso norte-americano de oceanografia outubro 2021

Professor F. Xavier Malcata vence prémio internacional na área da química dos lípidos novembro 2021

Renato Mendes, vence o FLAD julho 2021

Ana e Pedro Walgode, estudantes da FEUP, são mundiais de patinagem artística durante os Asunción Skating World Championships outubro 2021

Estudantes de Electrotecnia vencem competição internacional de navegação autónoma setembro 2021

de Mecânica venceram a final da European Engineering Competition na categoria ‘Team Design’

Alumna da FEUP e FBAUP vence prémio espanhol de design com projeto de impressão 3D para preservação de corais dezembro 2021

Mendes, colaborador externo do LSTS da FEUP, FLAD Science Award Atlantic 2021.

A estudante Catarina Monteiro alcançou o melhor resultado olímpico de uma nadadora portuguesa nas meias-finais dos 200 metros mariposa dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020.

julho 2021

vice-campeões

Asunción Artistic

FEUP NO MUNDO
ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 07

Escola da Ferrovia arranca em Guifões

A FEUP é um dos parceiros estratégicos do novo Centro de Competências Ferroviárias. Com um orçamento de 12 milhões de euros, objetivo passa por posicionar “Portugal como uma referência na indústria ferroviária”.

Já arrancou o ano letivo no novo Centro de Competências Ferroviárias, um projeto pioneiro instalado em Guifões, Matosinhos, e que tem como parceiro estratégico a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O primeiro curso, que dará equivalência ao 12º ano, foi aprovado pela Agência Nacional para as Qualificações. O Instituto de Emprego e Formação Profissional vai apoiar a iniciativa, com a participação de monitores e a cedência de parte das instalações no Porto durante os primeiros meses, enquanto decorre a recuperação do complexo em Guifões.

Considerado de interesse nacional, o projeto do Centro de Competências Ferroviárias (CCF) tem por principal objetivo posicionar “Portugal como uma referência na indústria ferroviária, no desenvolvimento de tecnologias e novos produtos, na formação de capital humano e de empresas nacionais e na aceleração de ideias, projetos e empresas com capacidade de internacionalização”.

Luís Andrade Ferreira, diretor-executivo designado deste centro de competências e professor da FEUP, acredita que estão reunidas as condições para inverter o estado atual da ferrovia e lançar a internacionalização do setor: “É a oportunidade perfeita para unir os setores público e privado e juntamente com a academia criar capacidade industrial ferroviária através de um centro de formação profissional, uma incubadora de empresas orientada para o setor e um centro tecnológico com o desenvolvimento de um laboratório colaborativo dedicado ao sistema ferroviário”, admite.

Numa primeira fase, as prioridades passam por desenvolver e apostar na modernização de equipamentos e produtos de material circulante e a infraestrutura ferroviária, bem como pela

participação em projetos internacionais relacionados com o setor da ferrovia. Outro dos objetivos passa por relançar um programa ambicioso de formação a vários níveis (dos quadros técnicos até ao doutoramento, ampliando a experiência muito positiva do Programa Doutoral iRail  liderado pelo Centro de Saber da Ferrovia, na FEUP).

Faculdade de Engenharia: há 30 anos dedicada à ferrovia Com um orçamento previsto de 12 milhões de euros, o Centro de Competências Ferroviárias (CCF) conta com um forte envolvimento da FEUP. É ali que está sediado o Centro de Saber da Ferrovia (CSF), cuja finalidade é potenciar o desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras, bem como contribuir para a afirmação da FEUP como uma referência nacional e internacional ao nível da I&D e inovação neste domínio.

Recorde-se que a FEUP foi uma das entidades fundadoras da Plataforma Ferroviária Portuguesa (PFP), um consórcio que permitiu reunir os principais atores do sistema ferroviário nacional e, assim, ganhar dimensão internacional. Além de liderar/colaborar em vários projetos de investigação na área da ferrovia (CAPACITY4RAIL, IN2RAIL, MAXBE, LIGHTRAIN, PEDDIR, IN2TRACK2, IN2STEMPO, iNBRAIL, iPBRAIL, ID_TRACTION, H2RAIL), a FEUP integra ainda o consórcio SwiTrack’En, membro associado da Joint Undertaking Shift2Rail. Trata-se da maior iniciativa neste domínio promovida pela Comissão Europeia, e tem como objetivo duplicar a capacidade do sistema ferroviário europeu e aumentar a sua segurança e qualidade de serviço, reduzindo, em simultâneo, o custo do ciclo de vida.

INOVAÇÃO E FUTURO ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 08
Raquel Pires D.R.

Alumnus da FEUP quer museus mais acessíveis para pessoas com deficiência visual

Projeto de Roberto Vaz faz uso de tecnologias assistivas e interativas em museus, melhorando o acesso intelectual, sensorial e físico (mobilidade e orientação) durante a visita para pessoas cegas e com baixa visão. Ideia foi já premiada em concurso internacional alertando para a necessidade de abordar as temáticas da acessibilidade na sociedade.

Como solucionar a falta de acessibilidade nas visitas a museus para pessoas com deficiência visual?

A pergunta é de Roberto Vaz, antigo estudante e bolseiro do Programa Doutoral em Media Digitais da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), que decidiu partir à descoberta da resposta. O interesse pela temática surgiu no âmbito de um trabalho empírico de investigação internacional, realizado num museu no Brasil. Decidiu partir para formação a nível de doutoramento para compreender a importância do contributo de tecnologias digitais na viabilização de experiências acessíveis, surgindo, assim, “a necessidade de organizar as diversas soluções de forma sistematizada”, algo que não acontecia previamente em espaços museológicos.

Encetando uma investigação em 2017 que contou com a participação de mais de 70 pessoas com deficiência visual provenientes de 10 instituições a nível nacional, concluiu que este tipo de público recorre, maioritariamente, a visitas organizadas e com agendamento prévio em contexto de associações ou escolas, ao invés de visitas espontâneas nas quais têm menor acesso em termos de experiência sensorial e intelectual.

“Apercebi-me de que certos métodos não estavam a ser pensados para o público com deficiências diversas, sendo muitas vezes analógicos e não inclusivos, uma vez que os museus e outros espaços de exposição tendem a ser altamente visuais. Novas tecnologias poderão introduzir perspetivas relevantes para o setor, levando à evolução positiva

de experiências de visita até para o público em geral”, explica Roberto Vaz.

Recorrendo a literatura internacional sobre experiências de visitantes com deficiência visual - cegueira ou baixa visão -, apresentou uma abordagem com uso de tecnologias assistivas e interativas em museus, contribuindo para a melhoria do acesso intelectual, sensorial e físico (mobilidade e orientação) durante a visita.

Com o intuito de potenciar uma sociedade mais inclusiva e participativa na cultura através de tecnologias de informação e comunicação, o alumnus da FEUP criou a solução tecnológica “I AM Visiting: Interactive, Accessible and Multisensory Museum Visits”, que foi já implementada e testada no Museu da Farmácia do Porto, no âmbito da exposição “Mistérios da Arte de Curar: Uma experiência multissensorial por 5000 anos de história”.

À conta do projeto inovador que muda a perspetiva de diferentes consumidores de cultura, Roberto Vaz foi já premiado com o “International Award for Excellence for The Inclusive Museum Research Network”, atribuído pelo The International Journal of the Inclusive Museum e o Prémio de Inovação Tecnológica Engenheiro Jaime Filipe, entregue pelo Instituto Nacional para a Reabilitação (INR). Simultaneamente, foi ainda reconhecido com uma menção honrosa do Prémio de Transformação Digital, atribuído pela Associação para a Promoção e Desenvolvimento da Sociedade da Informação.

Mafalda Leite D.R. ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 09 INOVAÇÃO E FUTURO

FEUP LIDERA CONSÓRCIO EUROPEU PARA DINAMIZAR ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO

Melhorar os ecossistemas regionais de inovação e promover a investigação orientada para a inovação através da criação de uma Rede Europeia de ecossistemas de inovação impulsionada pelas Instituições de Ensino Superior é a finalidade do INVENTHEI, um consórcio europeu coordenado pela Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) que acaba de ver aprovado um financiamento de 1,2 milhões de euros.

Para além da FEUP, este consórcio, que se prolongará até 2023, inclui também a Faculdade de Farmácia (FFUP), o Centro de Competências em Envelhecimento Ativo e Saudável, a U.Porto Inovação e a UPTEC. A estes juntam-se ainda grupos de trabalho da University of Pardubice (República Checa), Valahia University de Tărgoviste (Roménia), TTK University of Applied Sciences (Estónia), Universidade de Santiago de Compostela (Espanha); a University of Sheffield (Reino Unido) e a Inova+ (Bélgica).

“O ponto de partida do INVENTHEI será a partilha de boas práticas entre os membros do consórcio e a promoção de sinergias capazes de cultivar e fomentar uma cultura de inovação e empreendedorismo nas universidades que fazem parte do consórcio”, assegura Gil Gonçalves, professor da FEUP e coordenador do projeto.

Como? A grande aposta é a formação de jovens talentosos e empreendedores, altamente motivados para a temática da inovação e capazes de dinamizar os ecossistemas de inovação regionais, sobretudo promovendo a criação de empresas de base tecnológica, o desenvolvimento de produtos e serviços de alto valor acrescentado, e o crescimento assente em modelos empresariais inovadores.

De acordo com os promotores do INVENTHEI, os ecossistemas de inovação têm também uma maior capacidade para fornecer aos estudantes novas ideias, competências interdisciplinares e talento empresarial daí ser um dos pilares fundamentais deste consórcio. “Os estudantes são as novas gerações de profis-

sionais, mas também podem ser formados e encorajados a tornarem-se inovadores e empreendedores, contribuindo para a criação de empregos e para o crescimento económico”, pode ler-se na candidatura.

FAROL NO ECOSSISTEMA DE INOVAÇÃO

Nos próximos dois anos, o projeto INVENTHEI vai incidir sobretudo em três dimensões ancoradas nos pilares do European Institute of Innovation & Technology: programas de aprendizagem e mentoria, centrados na formação, mentoria e envolvimento de estudantes e pessoal (pilar da educação); estruturas de aprendizagem e ensino, centradas no fornecimento de infraestruturas de ensaio e investigação orientada para a inovação (pilar da inovação); e aprendizagem e colaboração, centrada em programas de colaboração e intercâmbio entre indústria, investigação e academia (pilar empresarial).

A estratégia de replicabilidade e transferibilidade no consórcio funcionará como uma espécie de “farol”, onde as faculdades envolvidas parceiras atuarão como “faróis” para outras faculdades da mesma ou de outras instituições de ensino superior.

Pedro Coelho, coordenador da Unidade de Apoio à Investigação e Inovação da FEUP, encara com naturalidade a posição de liderança da FEUP na candidatura que levou à criação do consórcio. “A FEUP tem-se destacado na promoção da inovação e do empreendedorismo, em estreita colaboração com o UPTEC e com a U.Porto Inovação. A criação da Business & Innovation Network (BIN@) e a promoção das suas atividades tem sido também um grande impulsionador de um quadro de Inovação Aberta, agregando parceiros intersetoriais de vários países”, assegura.

A primeira reunião presencial do consórcio INVENTHEI aconteceu no âmbito do BIN@Porto 2021.

INOVAÇÃO E FUTURO
ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 10
Raquel Pires D.R.

Investigadores da FEUP produzem oxigénio a partir da oxidação da água

Projeto liderado por uma equipa do Laboratório de Processos de Separação e Reação – Laboratório de Catálise e Materiais (LSRE-LCM) da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) abre a porta ao desenvolvimento de aplicações médicas onde a oxigenação local seja vital. No tratamento de doenças respiratórias e pneumonia é indispensável, mas não só: o oxigénio é também essencial para cirurgias e traumas.

Uma equipa de investigadores do LSRE-LCM da FEUP publicou recentemente um artigo na prestigiada editora Springer Nature, no qual apresenta um novo processo de geração de oxigénio molecular (O2) in situ, por oxidação da água, recorrendo a tecnologias sustentáveis com ativação solar.

Os investigadores utilizaram fotocatalisadores de dióxido de titânio (TiO2), um semicondutor ótico, para tirar partido da ativação luminosa do processo. Recorrendo a luz artificial no limiar do ultravioleta, a equipa liderada pela investigadora Maria José Sampaio observou que os materiais desenvolvidos apresentaram um alto desempenho para a geração de oxigénio em solução aquosa utilizando o nitreto de ferro para compensar o desnível de cargas gerado no processo.

Com vista à utilização industrial em processo contínuo, os investigadores – que integram o novo Laboratório Associado ALiCE, sediado na FEUP – criaram um processo de imobilização do semicondutor ótico sobre um suporte de vidro, de forma que não seja necessário separar o material da solução aquosa. Com esta solução a fase ativa pode ser incorporada no material de que é feito o reator, ser ativada externamente, e manter a operação por longos períodos, sem necessidade de acrescentar mais material ativo ao processo.

Esta descoberta pode ter um impacto relevante, uma vez que o oxigénio é usado industrialmente na síntese de produtos químicos, refinação e processamento de petróleos, fabrico de vidro e cerâmicos, indústrias da celulose e produção do papel. Ainda assim, o transporte e o abastecimento de oxigénio molecular gasoso representam custos acrescidos na sua aplicação industrial. A produção in situ é, sem dúvida, a alternativa mais consensual na modernização de diversas estratégias tecnológicas.

Financiado por fundos comunitários e nacionais através do Programa COMPETE e da FCT, este projeto abre novas possibilidades de produção de oxigénio in loco quer para o aproveitamento da luz solar, quer para aplicações médicas onde a oxigenação local seja vital.

UM MAR DE POSSIBILIDADES PARA A MEDICINA

Um dos setores que mais requer a produção de oxigénio é o da saúde, com a particularidade de ser ainda mais exigente no que toca a padrões de pureza e qualidade, comparativamente ao oxigénio comercial. Enquanto medicamento o oxigénio é essencial, sendo indispensável no tratamento de doenças respiratórias e a pneumonia. Mas não só: o oxigénio é também essencial para cirurgias e traumas.

“O desenvolvimento de equipamentos e aparelhos médicos para intervenções que requerem o enriquecimento artificial de oxigénio ao sangue de pacientes, como seja o caso das cirurgias a coração aberto, são indispensáveis para a substituição temporária das funções do coração e dos pulmões permitindo ao cirurgião executar procedimentos cirúrgico complicados mantendo tanto o coração como os pulmões em descanso durante a cirurgia”, apontam os investigadores da FEUP.

Em pacientes nos cuidados intensivos e pneumologia de intervenção, os sistemas artificiais de enriquecimento de oxigénio do sangue dão aos pulmões tempo para curar. “Trata-se de desenvolver tecnologias avançadas com impacto direto na performance e na qualidade da intervenção, permitindo melhorar as taxas de sucesso deste tipo de atos extremamente complexos e delicados”, conclui Joaquim Faria, um dos responsáveis por este grupo de trabalho ligado ao LSRE-LCM da FEUP.

“Grupos vulneráveis como idosos, gestantes e recém-nascidos precisam de oxigénio regularmente. Daí o desenvolvimento de unidades portáteis de produção de oxigénio possa ser interessante – tendo em conta que o plasma tem água, o conceito do artigo pode constituir uma estratégia para enriquecer o oxigénio nessas situações”, continua.

Note-se que o desenvolvimento de métodos para a troca de gás extracorpórea de modo a apoiar a função pulmonar, em vez de substituí-la completamente, data de 1960 e tem sofrido contínuos desenvolvimentos desde essa altura. Com a proliferação de problemas devido à poluição ambiental ao nível da atmosfera, a incidência destas complicações tem aumentado, pelo que urge dotar os sistemas hospitalares de técnicas avançadas para responder a estas solicitações e priorizar a investigação de tecnologias avançadas aplicadas à saúde.

ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 11 INOVAÇÃO E FUTURO
Raquel Pires
D.R.

PORTO

A INOVAÇÃO CENTRADA NO SER-HUMANO

O regresso dos eventos internacionais à Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) teve o seu expoente máximo nos dias 25, 26 e 27 de outubro com o aguardado BIN@Porto 2021 que recebeu mais de 450 participantes de 21 países. A iniciativa foi promovida pela Business and Innovation Network (BIN@) em parceria com o Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto (UPTEC) num programa alargado de Sessões Abertas, Action Tanks, Tech Demos e Business Showcases.

O palco do Auditório da FEUP e as várias salas ao longo do corredor B foram preenchidas por participantes ávidos da partilha de conhecimento e experiências com oradores nacionais e internacionais reconhecidos mundialmente. A estimulação do fluxo de ideias, questões e comentários entre ambas as partes permitiu a criação de sinergias interdisciplinares e diferentes perspetivas nas mais variadas áreas de caráter inovador e empreendedor.

Sistemas de saúde pública, novas tendências de mobilidade, ecocivilização, tecnopolítica, segurança alimentar, ética no uso da inteligência artificial, economia circular e a atração de talento foram alguns dos tópicos em discussão. As cidades resilientes às transformações climáticas, o hidrogénio verde e a qualidade do ar também integraram o programa de debates, com o intuito de procurar soluções que evitem o iminente colapso ambiental.

E para onde caminha a inovação no desenvolvimento sustentável e na ação climática do futuro? Quais os projetos com ADN FEUP que contribuem para esse percurso que tanto diz respeito a todos nós?

A importância do hidrogénio É caso para começar pelo ‘Baterias 2030’, um projeto de 8,3 milhões de euros para aplicação na descarbonização das cidades através da criação de formas alternativas de gerar, armazenar e distribuir energia elétrica. A FEUP é uma das 23 entidades nacionais envolvidas e a que possui maior incentivo financeiro através de uma das suas spin-offs, a Amnis Pura, e do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE).

O projeto foca-se no desenvolvimento de uma tecnologia fotovoltaica revolucionária, baterias de nova geração, eletrolisadores, pilhas de hidrogénio e soluções de reutilização e recuperação de baterias de iões de lítio para aplicações de segunda vida no âmbito da comunidade de energia, mas também na criação de um conjunto de tecnologias de produção renovável adaptada a ambientes urbanos.

Tendo as baterias como elemento central para a sustentabilidade urbana, a intervenção da Faculdade de Engenharia passa pelo desenvolvimento de

INOVAÇÃO E FUTURO ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 12
Mafalda Leite Rita França

pilhas de combustível e de eletrolisadores, pela purificação de hidrogénio, pelas baterias de escoamento e pelas células fotovoltaicas de Perovskita.

Adélio Mendes, professor catedrático no Departamento de Engenharia Química da FEUP e investigador no LEPABE, refere-se ao hidrogénio como uma das áreas mais disruptivas da atualidade e classifica o projeto como “verdadeiramente mobilizador” para que “as empresas aprendam a utilizar as novas tecnologias” desenvolvidas no seio do consórcio.

“As competências não podem ficar dentro das universidades porque aí não produzem nada. É preciso passá-las para o mercado. Aqui, o papel das spin-offs é absolutamente crítico. No ‘Baterias 2030’, na parte da secagem do hidrogénio, temos o envolvimento da Amnis Pura”, explica o investigador, fazendo alusão às matérias que pôde abordar no painel “Green Hydrogen” do BIN@Porto 2021.

Tendo tido uma intervenção direta na conceção de diversos programas nacionais no setor do hidrogénio, como é o caso do H2Enable, H2Driven e o HyLAB, Adélio Mendes fala com entusiamo dos vários projetos da sua casa-mãe na área da eletrólise, dos sistemas fotoeletroquímicos de produção de hidrogénio e da separação e purificação do hidrogénio.

“Estes projetos nascem de uma longa caminhada. Normalmente, equaciono-os primeiro sozinho e depois introduzo a minha equipa”, confessa. “O caminho que seguimos resulta de uma reflexão interna, da vontade de inovar e de criar, de descobrir e de devolver à sociedade o investimento que faz em nós. Portugal somos nós e as nossas decisões. Se queremos um Portugal grande, temos que começar a produzir mais e melhor.”

Ecocivilização: descarbonização e a qualidade do ar É inevitável falar em descarbonização sem referir a premente preocupação com o que nos é mais vital: a qualidade do ar que respiramos. Ainda no centro da investigação feita no LEPABE, uma outra equipa de investigadores dedica-se a projetos relacionados com a poluição atmosférica em ambientes urbanos e rurais na vertente da qualidade do ar e com a consequente avaliação da exposição a poluentes por parte de populações alvo.

Aqui inclui-se o estudo que Maria do Carmo Pereira, professora da FEUP e investigadora desse mesmo laboratório, integra, numa abordagem ao impacto das partículas ultrafinas no ar durante a prática de atividades físicas em espaço exterior. A inalação específica destes poluentes durante o exercício, que resulta num bypass dos sistemas de filtração nasal e numa penetração mais profunda no sistema respiratório, pode originar maiores riscos, sobrepondo-se aos efeitos positivos da prática desportiva.

Outro dos mais recentes desafios da equipa do LEPABE passa por investigar a exposição e coexposição a misturas de poluentes no ar interior com possíveis relações entre a exposição ambiental e o desenvolvimento cognitivo e comportamental de crianças, numa colaboração estreita com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

“A qualidade do ar que respiramos influencia em pleno o nosso bem-estar. Estima-se que, em 2018, a exposição a partículas finas (o poluente com efeitos mais graves na saúde humana) e ao gás dióxido de azoto (NO2) causou mais de 450.000 mortes evitáveis na Europa. As doenças respiratórias e cardiovasculares foram as principais responsáveis”, abordou Maria do Carmo Pereira enquanto oradora do painel “The Health We Breath: Air Quality” do BIN@Porto 2021.

ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 13 INOVAÇÃO E FUTURO
Portugal somos nós e as nossas decisões. Se queremos um Portugal grande, temos que começar a produzir mais e melhor.
Adélio Mendes, Professor da FEUP e investigador no LEPABE

A Organização Mundial de Saúde está já a trabalhar neste aspeto, publicando valores guia mais restritivos para poluentes e centrando-se no advento de um novo mundo elétrico e limpo e o seu reflexo direto na melhoria da qualidade do ar nas cidades e nos ecossistemas. Na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), que decorreu este ano em Glasgow, enfatizou-se a necessidade de uma rápida redução nas emissões de carbono a nível mundial, pretendendo chegar ao objetivo de 45% de redução até 2030.

A estratégia passa pelo melhor uso dos espaços urbanos, possibilitando a diminuição da poluição atmosférica associada ao tráfego automóvel, e pelo comportamento mais informado, consciente e racional dos seus habitantes. “O caminho futuro vai passar pelo desenvolvimento e implementação de tecnologias mais limpas e por tornar as nossas cidades mais inteligentes e, consequentemente, mais sustentáveis. Vai depender muito de todos nós para que estejamos preparados para abdicar do nosso conceito atual de qualidade e estilo de vida”, remata a investigadora da FEUP.

A resiliência urbana e a adaptação climática É precisamente neste âmbito, na luta pela mudança de paradigma na sociedade atual, que as áreas de resiliência urbana, adaptação climática no espaço público e relação entre espaços verdes e saúde humana surgem.

Partindo do conceito de ciência cidadã no contexto da resiliência climática, o Centro de Investigação do

Território, Transportes e Ambiente (CITTA) da FEUP participou no projeto europeu ‘CitizenSensing’, com a coordenação da Universidade de Linköping, na Suécia, e em parceria com a Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, na Noruega, e o Instituto Deltares, nos Países Baixos. O objetivo passou pelo desenvolvimento de um sistema de gestão participativa de riscos com cidadãos, autoridades locais e organizações em resposta a potenciais eventos climáticos extremos e invulgares – como, por exemplo, o grande fluxo de águas pluviais, inundações e níveis elevados de poeira em suspensão. Este conjunto de ferramentas permite a partilha de experiências, diretrizes e medidas de adaptação locais entre cidadãos, que atuam como sensores para recolher e enviar informação através de novas tecnologias.

“Esta lógica aumenta a preparação e as respostas adequadas dos cidadãos e das autoridades, com vista a melhorar a resiliência ao clima urbano em diferentes contextos europeus e climáticos.”, expõe Sara Cruz, professora e investigadora na área do planeamento urbano na FEUP e também coordenadora do ‘CitizenSensing’ a partir do CITTA, tendo já apresentado o projeto no painel “Climate Resilient Cities and Communities” do BIN@Porto 2021.

A dinâmica da iniciativa tem impacto direto no aumento da literacia e da consciencialização dos cidadãos relativamente às alterações climáticas, aperfeiçoando os processos participativos, promovendo a comunicação com as instituições e as comunidades locais e aumentando a sua capacidade transformativa.

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A investigadora, que integra já, a partir do CITTA, outros dois projetos a nível nacional aprovados este ano - o DynamiCITY: Fostering Dynamic Adaptation of Smart Cities to Cope with Crises and Disruptions e o Climate Adaptation For Older People Living In Vulnerable Urban Areas - faz o apelo:

“A solução tem de passar em estarmos preparados para responder, mas não só. Os ecossistemas urbanos têm de aprender com as experiências traumáticas para se reorganizarem e reinventarem de formas únicas e diferentes. É urgente passar da intenção à ação.”

Robótica: A Ética daInteligência Artificial

Entre o medo e a esperança de uma nova era digital, assistimos ao crescimento exponencial da Indústria 4.0, onde emergem cada vez mais a robótica e a inteligência artificial (IA). “São parte inevitável do nosso futuro e são tecnologias que servem para resolver problemas fundamentais da Humanidade.”, defende Luís Sarmento, antigo professor e alumnus do Departamento de Engenharia Informática da FEUP.

Um dos maiores receios em relação às novas tecnologias que querem (e estão prestes a) dominar o mundo passa pela ética aplicada na sua utilização, que tanto pode ser construtiva como destrutiva. Como moderador da sessão “Robotics: Ethics of Artificial Intelligence” que decorreu durante o BIN@Porto 2021, Luís Sarmento aponta a “legitimidade democrática e a equidade de condições de acesso” como sérias preocupações. “Estas tecnologias e a capacidade de as fazer evoluir estão concentradas essencialmente nas mãos de um conjunto pequeno de atores, quer numa esfera privada e, portanto, sem qualquer escrutínio democrático, quer num grupo de países, com agendas geopolíticas que podem até não ser assim tão amigáveis.”

O investigador e atual cofundador da startup Inductiva tem focado as suas investigações e projetos na área de Scientific Machine Learning, considerando vital que os esforços se concentrem em aumentar a base de pessoas que compreendem e que podem fazer evoluir a tecnologia. “Precisamos de controlar o nosso próprio destino. E penso que a este nível não estamos, como país, a fazer o suficiente.”

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“SER EMPREENDEDOR NÃO DEVE SER VISTO COMO UMA ETIQUETA SOCIAL TRENDY”

Raquel Pires D.R.

Júlio Martins, fundador da Everythink - uma empresa do Parque Ciência e Tecnologia da U.Porto (UPTEC) - foi distinguido com o prémio Champion of the Year 2021, atribuído na última edição do BIN@Porto 2021. Organização realça o carácter “empreendedor”, a personalidade “engenhosa sem medo de arriscar, alguém que constrói pontes de colaboração e um agregador de pessoas”.

O que significou receber o galardão de “Champion of the Year 2021” da rede BIN@?

Fiquei muito grato. Assumo este reconhecimento como um sinal de apreço pela ligação que cultivei não só a título pessoal mas também através da Everythink, à rede. A minha ligação ao BIN remonta à primeira edição, há 10 anos, e condensa a minha própria história nestas edições: revela gratidão da organização relativamente ao trabalho desenvolvido na organização e dinamização dos eventos e faz-me recordar as muitas histórias que vivi por fazer parte desta comunidade de empreendedores! Esta nomeação deixou-me muito feliz e agradado, embora de uma forma totalmente inesperada. Procurarei manter-me por perto, sempre ao dispor e motivado no futuro, porque é disso que falamos na rede BIN, do futuro.

Dois os três grandes momentos da edição do BIN@Porto de outubro, na sua opinião?

Para a edição deste ano, a Everythink propôs que os principais contributos do encontro ficassem documentados, de alguma forma, para referência, partilha e memória futura. O desafio foi de imediato bem acolhido e entendeu-se, assim, preparar um conjunto de “white papers” com o contributo de alguns dos convidados das Open Sessions, baseadas em entrevistas realizadas antes do evento e que podem ser consultados nas redes sociais do BIN@Porto e da Everythink. Diria, portanto, que um dos momentos de destaque, para mim que estive bastante envolvido foram, de facto, estas conversas com os convidados. É fascinante ter a oportunidade de ouvir falar sobre assuntos tão atuais e relevantes para a sociedade, em temas tão diversos como a sociedade, economia, a inovação, o design, a saúde, a circularidade e tudo o que medeia e liga todas estes temas. Foi uma oportunidade de abrir uma janela para ver o caminho que estamos a seguir para o futuro.

Outro momento foi, obviamente, a atribuição do reconhecimento ‘Champion of The Year 2021’, por todas as razões já mencionadas mas sobretudo porque foi num momento de celebração que é sempre tão bem preparado pelo Pedro Coelho e a sua equipa, e que reúne convidados e pessoas que ao longo de 10 anos estiveram e estão envolvidas, o que ofereceu um significado ainda mais especial ao momento.

Qual é o segredo da longevidade deste projeto de inovação aberta que conta já com 10 anos de atividade?

Há vários fatores que contribuem para a longevidade. Mas, claro está que o primeiro será mesmo o empenho e dedicação de Pedro Coelho,

de Carlos Oliveira e da sua equipa, (eles sim, Champions of the Decade!) que acreditam neste projeto e neste modelo e conseguem reunir e envolver uma comunidade diversificada e igualmente empenhada. Depois, é esta mesma comunidade, que se vai construindo, gerando oportunidades, partilhando conhecimento e tendências que se revelam importantes para a academia, para as empresas, para institutos de investigação, incubadoras, etc. Acredito, ainda, na importância que a curadoria e seleção dos temas e convidados de cada edição é também decisiva para a manutenção de toda esta dinâmica.

Como encara o futuro da inovação em ecossistemas como o da UPTEC, onde a Everythink está sediada? Foi um fator decisivo no vosso crescimento?

Promover a dinâmica de um ecossistema de inovação é muito desafiador. Na sua génese, as empresas podem ser muito diferentes e um ecossistema é o resultado, em primeiro lugar, dessa diversidade, dinâmica e interação e, depois, do impacto que o tal entorno, o efeito positivo de vizinhança e o dinamismo e interação estimulada e provocada podem oferecer de mais-valia, diferenciação, criação de oportunidades e inovação.

Acredito que um formato de inovação que integra geração de conhecimento científico, incubação de start-ups, graduação e expansão de scale-ups e um suporte de unidades âncora, de caráter multidisciplinar e diversificado num contexto de proximidade, pode proporcionar condições únicas para o sucesso de todos os intervenientes.

Certo é que a realidade está em constante evolução, os tempos recentes deixarão impacto para o futuro que trará novas abordagens e desafios a que teremos de estar atentos. De qualquer forma, acredito que novos paradigmas como a reindustrialização poderão trazer novas oportunidades, com o digital e físico a estarem cada vez mais integrados, e os empreendedores continuarão a identificar estas oportunidades e a identificar de que forma é que estes ecossistemas podem ser úteis e contribuir para o sucesso dos seus projetos.

De guitarras premiadas em concursos internacionais de design, passando por powerbanks que prometem agitar a frota dos veículos elétricos e híbridos, o que se segue para a Everythink? Na verdade, a diversidade da Everythink é enorme, o que nos entusiasma bastante e nos coloca um grau de exigência e agilidade acentuados mas que nos oferece uma visão e uma capacidade de polinização únicas. É muito entusiasmante trabalhar em temas como a aeronáutica, a música, robots,

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Nota Biográfica

Júlio Martins é empreendedor, co-fundador do estúdio de design estratégico Everythink, onde é responsável pela direção geral e consultoria em design estratégico, co-criando novos serviços e produtos para empresas, start-ups e centros de investigação. É regularmente convidado para mentor e orador sobre os temas de design e empreendedorismo em diversas instituições académicas e profissionais. É co-fundador de outras marcas como a AVA, que se dedica à criação de instrumentos musicais em materiais avançados, colocando a criatividade, design, engenharia e o fabrico juntas para tornar as ideias em realidade. É engenheiro mecânico pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto com especialização em Design e desenvolvimento de Produto.

vinhos, estratégia de mobilidade ou negócios de vinhos. É uma dinâmica muito especial!

A Everythink tem três eixos principais: o Design Estratégico e de Serviços, em que se trabalha na definição estratégica dos desafios do cliente através metodologias de design, como o design thinking e outras ferramentas à medida (como pesquisa em design, ideação e design de serviços, etc); o Design de Produto, onde os projetos ganham forma e se tornam visíveis e que se traduzem em veículos elétricos e híbridos, na saúde, nos equipamentos industriais. que acabam por ficar mais visíveis, como os mencionados na pergunta, mas também no setor da mobilidade e veículos, da saúde, dos equipamentos industriais; e, por último, um eixo dedicado à fabricação digital, que para além de acompanhar os nossos projetos, colabora em projetos especiais, peças únicas, colaborações com outros designers e artistas, etc.

Nos próximos tempos, entre muitos projetos que desenvolvemos em paralelo e que estamos agora a concluir, destacaria o projeto do robot autónomo para o setor agro-florestal (para o INESCTEC), um projeto artístico que estará em exposição num museu de referência em Paris durante este ano, ou, ainda o design de novos serviços para a mobilidade elétrica, com empresas de referência nacionais. Para o futuro próximo, estamos já a preparar projetos para o sector da saúde e bem-estar ou para o transporte aéreo… Tudo isto, enquanto mantemos o projeto da AVA, que se dedica à criação de instrumentos musicais em materiais avançados e que recebeu, já em janeiro deste ano, um destaque muito positivo na principal revista sobre guitarras elétricas a nível mundial, a Guitar Player. Somos uma equipa de oito pessoas, muito capaz, flexível e dedicada, igualmente entusiasmada com esta forma de trabalhar, com uma faturação anual aproximada de 300 mil euros.

Portugal tem talento, faltam-lhe as condições ideais para fixar as pessoas ou é um cenário que está a mudar?

Portugal tem talento, tem capacidade e condições naturais para atrair e fixar pessoas. Está a evoluir, mas o caminho ainda é longo e precisa de condições melhores para conseguir criar melhores empresas. Não basta criar ecossistemas e incubadoras, para depois taxar, desde o primeiro dia, as start-ups de recém-licenciados como se fossem empresas maduras ou não proteger as empresas do incumprimento de terceiros. Assim, é importante que se evolua num quadro de impostos e de

justiça que defenda o mérito e a qualidade. Além disso, o tecido empresarial nacional, fruto da realidade económica do país, não tem tido capacidade de investir em inovação, design e marketing, envolvendo novas empresas e novas realidades, da mesma forma que o fazem noutros países. Esta incapacidade, além de não gerar as mais-valias que deveria, não permite gerar um número suficiente de casos exemplares que demonstre a importância nesse investimento.

Considero as empresas como o motor da economia, daí que a atenção principal do governo deverá ser criar as melhores condições para deixar crescer, diversificar, renovar, estabelecer novos projetos, com mecanismos de apoio e acompanhamento adequados e exigentes, para que mais pessoas e empresas possam ter a confiança e o conforto de investir, de acreditar e de vingar. Pese embora o que digo, receio que as discrepâncias poder-se-ão acentuar e não antecipo que os fundos anunciados tenham vindo alterar este desígnio.

De qualquer forma, as pessoas em Portugal são confiantes, são capazes e acolhem muito bem, pelo que conseguiremos continuar a acolher e fixar talento que contribua para fazer de Portugal um país ainda melhor para se viver e onde as pessoas possam concretizar os seus sonhos.

Um conselho para quem esteja a ler-nos e tenha a vontade de arriscar na criação de uma startup?

Há tantos conselhos que poderiam ser dados e ao mesmo tempo, quando se tem a intuição e a vontade de ser empreendedor, não há muitos conselhos a dar, é só ter o equilíbrio entre a energia de uma criança de oito anos com a ponderação de adulto de 80, tomando sempre decisões que nos permitam dormir descansados, aceitando que a incerteza e o risco fazem parte do nosso dia-a-dia... Se há entusiasmo e paixão num projeto em que se acredita, o essencial está conseguido. Ser empreendedor não deve ser visto como uma fuga ao desemprego, nem uma etiqueta social trendy que se deseja ter. É um papel de responsabilidade, que exige atenção a muitos temas para os quais, à partida, não estamos minimamente preparados. Mais do que procurar o empreendedorismo para sermos felizes, devemos fazê-lo com um propósito, estando atento à nossa própria intuição e não sobrevalorizando a ambição. Podemos ser empreendedores sem criar empresas, podemos sê-lo noutras empresas ou noutro tipo de ações que nos motivam e completam de igual forma.

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PROMOVER A INOVAÇÃO ABERTA ALICERÇADA EM RELAÇÕES DE CONFIANÇA

Após 10 anos de atividade da Business and innovation Network (BIN@), olhamos para trás e vemos muitas parcerias criadas (mais de 4000 delegados oriundos de mais de 60 países), muitos projetos colaborativos gerados, acordos de transferência de tecnologia, oportunidades de softlanding para startups, resultantes das inúmeras atividades promovidas (eventos, missões internacionais, oportunidades de (pré)incubação para startups, ações de formação, entre outras). Devido à atividade realizada e ao impacto gerado, a rede BIN@ foi recentemente identificada pela EUGLOH (Aliança Universitária Europeia para a Saúde Global) como uma boa prática na promoção da transferência de conhecimento, do empreendedorismo e da inovação.

A verdade é que, na essência, no seu propósito, a rede BIN@ pouco mudou. Manteve-se fiel à razão pela qual foi criada, pretendendo ser uma plataforma internacional de Inovação Aberta sustentável, que promove a cooperação interdisciplinar, o valor do conhecimento e a sua transferência para a sociedade, evidenciando o impacto da investigação e do papel vital da academia no crescimento económico. Mudou sim na forma e nos conteúdos abordados ao longo do tempo, procurando sempre focar em temas pertinentes para a sociedade e adaptando-se a novos enquadramentos. A rede BIN@ tem-se diferenciado pela sua resiliência numa conjuntura extremamente adversa caracterizada pela sua volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade. A pandemia COVID-19 veio tornar a conjuntura ainda mais adversa e desafiadora. Olhamos para estes tempos de mudança com otimismo e encarando os desafios como oportunidades de inovar na forma como chegamos ao nosso público-alvo.

Embora orgulhosos do caminho percorrido, o que mais nos motiva é o que temos pela frente, o que nos impele a continuar a promover parcerias internacionais alicerçadas em relações de confiança, num enquadramento de Inovação Aberta.

É com este espírito que, em parceria com o UPTEC, de 25 a 27 de outubro, realizámos mais uma edição do evento BIN@PORTO 2021, integralmente dedicado ao tema Human-Centered Innovation, estruturado em três pilares: Sociedade; Circularidade; e Saúde e Bem-Estar. O evento incidiu sobre diversos tópicos como por

exemplo: a atração de talento, o reforço de competências digitais, a tecnopolítica, os serviços públicos digitais, a ética no uso da inteligência artificial, a cibersegurança e as comunidades de startups; as cidades resilientes às transformações climáticas, a ecocivilização, a transição para a economia circular, o hidrogénio verde, a indústria sustentável e as novas tendências da mobilidade (Pilar Circularidade), o envelhecimento saudável, os sistemas de saúde pública, a inteligência artificial aplicada aos cuidados de saúde, a segurança alimentar, a qualidade do ar e o design de serviços de saúde.

No imediato, estamos muito animados com a realização em 2022 dos eventos BIN@NETHERLANDS e BIN@MINAS GERAIS e com a execução do projeto INVENTHEI dado que a rede BIN@ esteve na base da constituição deste consórcio e estará fortemente envolvida nas atividades previstas no projeto que visa melhorar os ecossistemas regionais de inovação e promover a investigação orientada para a inovação através da criação de uma Rede Europeia de ecossistemas de inovação impulsionada pelas Instituições de Ensino Superior.

O projeto INVENTHEI conta com um orçamento de 1,2 milhões de euros e foi aprovado no contexto da “Iniciativa Instituições de Ensino Superior: Capacitação em Inovação para o Ensino Superior”, lançada pelo Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia. Trata-se de um consórcio europeu coordenado pela FEUP, com a participação na UPORTO da Faculdade de Farmácia (FFUP), do Centro de Competências em Envelhecimento Ativo e Saudável, da U.Porto Inovação e do UPTEC, e que integra no consórcio a Universidade de Pardubice (República Checa), a Universidade Valahia de Tărgoviste (Roménia); a TTK Universidade de Ciências Aplicadas (Estónia), a Universidade de Santiago de Compostela (Espanha); a Universidade de Sheffield (Reino Unido) e a Inova+ (Bélgica).

Numa perspetiva mais alargada, estamos já a definir as atividades da rede BIN@ para os próximos anos, a discutir os locais de acolhimento dos próximos eventos internacionais e a avaliar a integração de novos parceiros associados.

* Coordenador da Unidade INOV da FEUP Coordenador Geral da Rede BIN@
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Pedro Coelho* D.R.

Nota Biográfica

Doutorada em Engenharia Química e Biológica (2016), Maria José Sampaio é atualmente investigadora da FEUP, sendo a sua investigação centrada em ciência dos materiais e tecnologias avançadas com recurso a fontes luminosas. Foi investigadora visitante na University of Cincinnati, nos EUA e na University of Toulouse, em França. É autora/ coautora de mais de 100 publicações e investigadora principal de um pro jeto financiado pela FCT designado “MicroPhotOGen”, LSRE-LCM, cujo objetivo passa por criar um dispositivo capaz de produzir oxigénio, utilizan do recursos e tecnologias sustentáveis.

ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 20
NOVOS TALENTOS
Raquel Pires Rita França

“É PRECISO CONSCIENCIALIZAR SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PROFISSÃO DE CIENTISTA”

Maria José Sampaio, 40 anos, é investigadora no Laboratório de Processos de Separação e Reação - Laboratório de Catálise de Materiais (LSRE-LCM) da FEUP. Doutorada em Engenharia Química e Biológica, liderou recentemente uma investigação sobre um novo processo de gerar oxigénio molecular (O2) in situ, por oxidação da água, recorrendo a tecnologias sustentáveis com ativação solar, abrindo caminho à investigação de tecnologias avançadas aplicadas à saúde.

Como aconteceu a escolha pela engenharia química?

O que a atraiu nesta área?

A Química é intrínseca a quase tudo aquilo que nos rodeia. E a Engenharia é o encontrar soluções através das mais diversas ferramentas que temos disponíveis. A combinação destas duas áreas pareceu-me perfeita, o desafio ideal! Acredito que a Engenharia Química acaba por se manifestar nas nossas vidas de diferentes maneiras, consoante os nossos interesses e gostos pessoais, e foi assim que fui definindo o meu caminho até hoje, seguindo as minhas preferências e apostando na área da investigação nesta área.

Como surgiu a oportunidade de fazer investigação no LSRE-LCM? E a que projeto está alocada neste momento?

Depois de terminar o Mestrado em Engenharia

Química no Instituto Politécnico de Bragança (IPB), tive outras experiências profissionais, entre elas a passagem pelo ensino secundário como docente de Físico-Química, mas a verdade, é que o “bichinho” da investigação estava sempre lá. Fui tendo sempre contacto com professores da FEUP ao longo do meu percurso académico e sabia da excelência da instituição na área de investigação científica e tecnológica, tanto a nível nacional como internacional, portanto quando surgiu uma oportunidade decidi arriscar.

Aceitei o desafio de integrar a equipa do LSRE-LCM, agora Laboratório Associado ALiCE, em 2009 como bolseira de investigação onde tive oportunidade de desenvolver competências fundamentais para a

obtenção de uma bolsa de doutoramento financiada pela Fundação para a Ciência e para a Tecnologia. Tentei sempre aproveitar todas as oportunidades, que tanto a FEUP como o LSRE-LCM me proporcionaram: as minhas estadias no estrangeiro (EUA e França) para adquirir e partilhar conhecimento na área da engenharia química, passando pela experiência académica onde a FEUP assume um papel fundamental estimulando os seus estudantes de doutoramento a integrar-se como monitores nas UC’s direcionadas à sua área científica. Fui crescendo na equipa do LSRE-LCM enquanto investigadora e estou muito grata por esse caminho. Hoje, depois de ter integrado vários projetos financiados e ter finalizado recentemente o projeto “MicroPhotOGen”, do qual fui investigadora responsável, sinto-me feliz por ter contribuído para o enriquecimento no desenvolvimento tecnológico na área da Engenharia Química.

Em traços gerais, em que consiste o seu trabalho de investigação? Em que é que se materializa? Desde o início da minha carreira científica que o meu trabalho de investigação se tem focado muito na síntese de catalisadores e na sua utilização em diferentes aplicações tecnológicas na área da engenharia fotocatalítica. Contudo, a procura crescente na utilização de recursos e tecnologias sustentáveis tem sido a principal preocupação e elemento diferenciador. Assim, em colaboração com membros do laboratório associado ALiCE, tenho trabalhado com o objetivo de desenvolver catalisadores sustentáveis e encontrar estratégias tecnológicas para superar ou auxiliar em áreas problemáticas em todo o mundo, tanto a nível

ambiental como é o caso da aplicação de tecnologias avançadas de oxidação para o tratamento de águas contaminadas, mas também ao nível da engenharia médica. Recentemente desenvolvemos um dispositivo portátil para produção de oxigénio recorrendo à tecnologia fotocatalítica, que apesar de ser uma prova de conceito, pode abrir caminho para um dos setores que mais requer a produção de oxigénio, a saúde.

Esta nova geração de jovens investigadores portugueses tem dado provas de que há novos valores em território nacional. Como vê a aposta na ciência em Portugal?

Como em todas as áreas de atividade, há investigadores com mais ou menos aptidões para a ciência, independentemente das gerações. Vejo que há muita vontade dos investigadores jovens em trabalhar no sentido de encontrar novas soluções, mas depois há a dificuldade de ultrapassar os obstáculos que aparecem no caminho. Penso que isto se deve muitas vezes à falta de estímulo e reconhecimento das entidades nacionais responsáveis pelo investimento na ciência e tecnologia. Apesar disso, tento dar sempre o meu melhor, é o que me move todos os dias. Temos de manter a motivação e apostar na ciência em Portugal, porque o futuro depende disso. Apesar de todos os entraves que vão aparecendo, também temos muitas conquistas e fico sempre orgulhosa quando vejo os investigadores portugueses, e de forma especial os investigadores da FEUP, a serem reconhecidos ao nível mundial com prémios de excelência.

A “fuga de cérebros” é inevitável? Refira uma ou duas medidas que na sua opinião poderiam ajudar a fixar talento no nosso país. Acaba por ser inevitável. Para que se fixe o talento nacional é ne-

cessário sobretudo incentivo e investimento. A ciência tem de ser apoiada através de contratos e melhores condições de trabalho para conseguir fixar os cientistas em Portugal. Quero com isto dizer que é necessário estimular, motivar, e conceder meios para que se possa fazer ciência, caso contrário será sempre difícil alcançar o nível de excelência e competir com o que se faz lá fora! A instabilidade vivida na investigação dificulta em grande parte a motivação para permanecer nesta área.

Quero acreditar que as entidades que gerem o financiamento nacional para o desenvolvimento científico tecnológico vão perceber que sem investigação e sem investimento não há soluções para ultrapassar os entraves que a vida e a sociedade nos colocam todos os dias. Um exemplo forte foi o que aconteceu durante a Pandemia da COVID-19, onde se produziu uma vacina eficaz em tempo “relâmpago” capaz de evitar a propagação da doença e até a morte de milhares/milhões de pessoas em todo o mundo. Na minha opinião, as entidades nacionais têm de olhar para este exemplo e perceber que a ciência é fundamental, mas para isso tem de existir investimento, pois só assim se consegue estar com um “pé à frente”.

E, apesar das conquistas já alcançadas ao nível da carreira de investigador em Portugal, existe ainda um longo caminho para que se atinjam condições de trabalho meritórias para todos. É preciso consciencializar sobre a importância da profissão. Ser investigador é ser trabalhador e, por isso, devem fazer-se esforços para que as condições de trabalho sejam ajustadas e adequadas tais como nas outras carreiras, permitindo o crescimento e reconhecimento da investigação nacional.

SABIA QUE…

O LSRE-LCM é uma associação entre o LSRE - Laboratório de Engenharia de Separação e Reação e o LCM - Laboratório de Catálise e Materiais. Situado no Departamento de Engenharia Química da FEUP, integra desde 2021 o laboratório associado ALiCE.

O LSRE-LCM inclui também dois polos externos: o Polo IPB no Instituto Politécnico de Bragança e o Polo IPL no Instituto Politécnico de Leiria, com o objetivo de fortalecer o apoio científico dos membros do IPL e contribuir para o desenvolvimento da Região Norte e Centro de Portugal.

A missão do LSRE-LCM é contribuir para o desenvolvimento do “know-how” científico e tecnológico nas áreas da Engenharia Química de Processos de Separação e Reação, Engenharia de Produto, Catálise e Materiais de Carbono, Termodinâmica e Engenharia Ambiental.

A capacitação de investigadores e técnicos altamente qualificados através de programas de pós-grau e pós-doutoramento é a abordagem principal das atividades LSRE-LCM que conta com 80 membros.

https://lsre-lcm.fe.up.pt

ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 22 NOVOS TALENTOS

De engenheira mecânica a Customer Experience Manager

Filipa Beleza acredita que o foco nas pessoas, uma lente analítica, as ferramentas tecnológicas adequadas e uma boa pitada de estratégia são a chave para elevar as interações com os clientes e alcançar experiências memoráveis. A dedicação e empenho da alumna da FEUP valeu-lhe o prémio Portuguese Women in Tech 2021 na categoria “Marketing & Sales Tech.

Tornou-se Mestre em Engenharia Mecânica pela Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) em 2016, mas não parou por aí. Já habituada a trabalhar em part-time aos fins de semana nos seus primeiros tempos como estudante, Filipa Beleza começou por procurar experiências profissionais mais “sérias”, em que o nível de compromisso exigia mais de si. Aterrou numa agência de marketing digital para um primeiro estágio, passou por uma start-up de e-commerce e estreou-se na PwC com apenas 23 anos, na área de Business Management Consulting no domínio da tecnologia.

O entusiamo em querer aprender mais sobre as áreas que envolvem estratégia de cliente e marketing digital falou mais alto. O caminho óbvio passou por uma Pós-Graduação em Business Intelligence & Analytics na Porto Business School, que lhe permitiu passar a Customer & Digital Strategist, desta vez na PwC em Amesterdão. Mas foi noutros voos, já em terras lusas como gestora de Customer Experience na Deloitte Portugal, que venceu o prémio Portuguese Women In Tech (PWiT Awards) 2021 na categoria de “Marketing & Sales Expert by Natixis”.

“Foram os meus amigos, família, antigos professores, colegas da Deloitte e ex-colegas de outra hora que me nomearam para o receber. Uma enorme honra e, sobretudo, o reconhecimento pela dedicação que sempre coloquei ao longo da minha carreira, nomeadamente, na minha área de eleição - Customer Marketing & Sales Tech.”

É a multidisciplinaridade em estado puro.
Mafalda Leite D.R.

Para Filipa, a distinção nos PWiT Awards 2021, que pretendem celebrar o ecossistema tecnológico feminino em Portugal e inspirar a próxima geração de mulheres no mundo das tech, “teve um significado ainda mais profundo e especial” por ser um prémio no feminino e por terem dado reconhecimento a “alguém com um percurso pouco típico na área”.

“Não há nada mais extraordinário do que vermos a nossa entrega a dar frutos. Mas é importante perceber que, com grande poder, vem grande responsabilidade. Sei que é meu dever partilhar a minha história, continuar a crescer neste setor, contribuir para o crescimento do ecossistema das Portuguese Women in Tech e promover o empoderamento das mulheres, não só no mundo tecnológico como também em mais cargos de gestão e de liderança”, afirma a alumna da FEUP.

Mas a garra não lhe corre nas veias por acaso e, em grande parte, deve-se ao seu ADN e ao das grandes mulheres que sempre a acompanharam. “A minha avó materna e a minha mãe, os meus grandes exemplos, estudaram e trabalharam na área das ciências. Eu cresci a ver e a saber que não têm que existir diferenças entre mulheres e homens, seja em que ramo profissional for. E na minha casa, com efeito, não existiam.”

Durante o seu percurso académico e profissional, tanto no estrangeiro como em empresas nacionais, nunca sentiu que o facto de ser mulher fosse um problema ou a impedisse de realizar os seus objetivos.

“Sou orgulhosamente uma mulher engenheira que adora o que faz e com um enorme sentido de missão e confesso que nunca senti, em momento algum, algum tipo de diferença ou discrimi-

nação por ser mulher. Mas ainda me entristece ver poucas mulheres nos cargos de gestão e liderança de empresas e startups, principalmente nas áreas das tecnologias”, confidencia.

Filipa acredita que todos temos um papel a cumprir no caminho que dita o futuro da liderança em Portugal. “Para que existam verdadeiras mudanças, é nosso dever trabalhar em prol de uma sociedade mais justa, inclusiva e igualitária de oportunidades”.

Até lá, quer continuar a percorrer a trajetória que definiu e de que tanto se orgulha, alavancada por todos os ensinamentos e ferramentas de raciocínio, gestão, capacidade de adaptação e perseverança que reteve durante o período que passou na sua “grande e querida casa”, a Faculdade de Engenharia.

“Quero continuar a crescer para ser uma referência na área de Customer Experience além-fronteiras. Quero manter o meu mindset de fazer a diferença e contribuir para o bem-estar na nossa sociedade. E, quem sabe, aventurar-me pela área do ensino nas temáticas de Marketing e Tecnologia, esperando um dia ter o privilégio de regressar à FEUP, o sítio que sempre me acolheu”, conclui.

ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 24 NOVOS TALENTOS
Sou orgulhosamente uma mulher engenheira que adora o que faz e com um enorme sentido de missão

Faculdade de Engenharia no pódio do Cleantech Camp

A Amnis Pura, spin-off criada por dois investigadores da FEUP, foi uma das vencedoras do programa de empreendedorismo dedicado a tecnologias na área da energia limpa.

Entre 90 ideias de negócio e 15 projetos selecionados, apenas três chegaram ao pódio da 6.ª edição do Cleantech Camp, um concurso de empreendedorismo europeu dedicado a tecnologias na área da energia limpa e que visa acelerar a transição energética na Europa. E a Amnis Pura, empresa spin-off fundada e liderada por dois investigadores da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), foi uma delas.

Frederico Relvas e Paulo Ribeirinha, atualmente integrados no Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) da FEUP, levaram a concurso a sua tecnologia de purificação de gases, entre os quais o hidrogénio, para aplicação em várias indústrias.

Depois de várias formações e workshops direcionados para a criação de negócio, que lhes permitiu adquirir uma base sólida e definir uma estratégia, a dupla de investigadores destacou-se em Barcelona na apresentação da tecnologia de adsorção seletiva por modulação de pressão, que separa os componentes de uma mistura gasosa do hidrogénio, estabelecendo o grau de pureza necessária para utilização em diferentes setores industriais.

A inovação no processo de purificação de hidrogénio (15% mais eficiente do que a existente no mercado) permitiu à Amnis Pura marcar a diferença no Cleantech Camp, valendo-lhes um prémio de

5 mil euros, com o acréscimo de 2500 euros em serviços, e a possibilidade de realizarem um projeto piloto com parceiros industriais do programa, como é o caso da PRIO, Naturgy e Enagás Emprende.

De referir que a empresa com ADN FEUP tinha já integrado, no início de 2021, a “short list” da candidatura portuguesa a apresentar a Bruxelas no âmbito do hidrogénio, para obtenção do estatuto IPCEI, de projeto de interesse comum europeu. “H2Battery – Development of highly efficient hydrogen battery” foi o projeto escolhido com parecer favorável da Comissão Europeia, cujo foco é a utilização do hidrogénio como veículo de armazenamento de energia elétrica.

SABIA QUE…

A Amnis Pura participa ainda no projeto “Baterias 2030”, orientado para tecnologias de produção descentralizada de energia sustentável e plataformas de utilização eficiente da energia numa lógica de comunidades energéticas? O objetivo, enquanto empresa dedicada à purificação de hidrogénio, é a produção de uma bateria composta por este elemento químico e por um eletrolisador integrado com uma pilha de combustível, ambos de 10 kW, trabalho este que será realizado em conjunto com a FEUP.

baterias2030.pt

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Mafalda Leite Cleantech Camp

Narrativas interativas como terapia para o Alzheimer

A avó paterna da alumna da FEUP Maria

João Alves, portadora da doença de Alzheimer num estado já avançado, foi a razão que a levou a procurar soluções para “tentar combater o inevitável”.

Transformar narrativas interativas em terapia cognitiva para doentes de Alzheimer. É este o mote da dissertação de Maria João Alves, antiga estudante do Mestrado em Multimédia da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), que aborda princípios orientadores para a criação de narrativas interativas com potencial para auxiliar os portadores da doença “a recuperar as suas histórias”.

O objetivo destas narrativas passa pela estimulação da cognição, memórias e orientação do paciente, procurando entender quais as memórias mais significativas a longo prazo. “Para evitar frustração e captar atenção é preciso conectar com estes doentes e perceber o que eles gostam e quais as suas aptidões para interagir com estas tecnologias.”, explica Maria João.

Segundo a alumna da FEUP, as narrativas interativas implicam uma história não-linear, com a qual um utilizador pode interagir e influenciar o rumo

da mesma. Podem ser ferramentas interativas simples, onde o utilizador vai tomando decisões por uma personagem (de entre um conjunto de opções disponíveis), ou ferramentas mais complexas, utilizando tecnologia avançada e inteligência artificial para que a história se molde às decisões do utilizador.

“A construção de uma ferramenta com valor terapêutico implica não só o conhecimento sobre a doença e a tecnologia em separado, mas também a compreensão de como introduzi-la a este tipo específico de utilizadores que tem, na maioria das vezes, tanto a idade como défices cognitivos a interferir com a utilização de novas tecnologias”, avança.

Com o intuito de otimizar o processo de escolha e criação de narrativas interativas a serem utilizadas por instituições e/ou investigadores no estudo e implementação do apoio terapêutico, Maria João Alves definiu um conjunto de princípios orientadores a

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Mafalda Leite D.R.

partir de relatos de cuidadores e enfermeiros das áreas clínicas do Alzheimer e demências. Após a recolha da informação mais relevante, a organização dos princípios foi delineada em três grandes vertentes – o doente, o cuidador e a ferramenta – que deverão ser aplicadas tendo em conta o contexto, a evolução da doença e as particularidades do paciente.

Este tipo de abordagem terapêutica é mais indicado para doentes em fases iniciais da doença, correspondendo a um estado leve a moderado da patologia. “O entendimento do cuidador sobre estas ferramentas também é importante, sendo que a presença de um acompanhante, o próprio cuidador ou um técnico especializado é aconselhada para um aproveitamento completo das potencialidades desta terapia”, alerta a autora. Já o processo de construção da narrativa interativa deverá ter em consideração o contexto geográfico e sociocultural do doente, ainda que existam áreas como a família, profissões e emoções que apresentam

uma relevância generalizada. “Imaginemos que um portador da doença teve como primeira profissão a distribuição de pão. Uma narrativa interativa poderia implicar uma viagem por localidades em que já tenha trabalhado, recorrendo a música da época e a diálogos que incluam ditados populares”, exemplifica Maria João.

A aplicação da ferramenta na estimulação cognitiva implica que o doente não se limite a apenas observar o desenrolar da história, interagindo a cada passo e sentindo que tem poder de decisão. As ações tomadas por ele, a par de diversas técnicas de multimédia que contribuem para a construção da narrativa, acabam por implicar treino cognitivo, incitando o contínuo exercício de memória.

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Foi precisamente o roubo incontornável das suas histórias que me fez querer usar narrativas para tentar combater, nem que seja por momentos, o inevitável. Infelizmente, o estado da doença da minha avó não permite atrasar a progressão, mas talvez este trabalho motive outras pessoas a tentar ajudar outros doentes.”

Projeto Rio Ceira: da engenharia à comunidade

A bacia hidrográfica do rio Ceira é uma região com recursos naturais de excelência, nomeadamente no que respeita aos seus recursos hídricos e ecossistemas ribeirinhos. Contudo, devido à insuficiência de políticas de fixação de população no interior e de gestão e desenvolvimento rural, esta região tem sofrido com a diminuição e o envelhecimento da sua população e com a transformação do seu património florestal. Estes dois aspetos têm contribuído decisivamente para uma maior vulnerabilidade da região às alterações climáticas. Nos últimos anos, os fenómenos extremos voltaram a chamar a atenção para a bacia do rio Ceira: desde os incêndios florestais de 2017, que flagelaram este território, às cheias de 2016 e 2019, com contributos significativos para os danos ocorridos em Coimbra e no Baixo Mondego.

Com o objetivo de preservar e dotar a região de mecanismos que reforcem a sua resiliência, o Projeto Rio Ceira, financiado pelo EEA Grants – no qual a FEUP é uma das entidades parceiras através da equipa coordenada pelo Professor Rodrigo Maia – introduz uma abordagem inovadora, que consiste em aplicar as melhores práticas de engenharia no âmbito da gestão e da reabilitação fluvial, com o envolvimento e consciencialização das populações locais, tornando-as parte ativa na mitigação e adaptação às alterações climáticas na sua região.

Para atingir os objetivos definidos e ir ao encontro das expectativas das partes interessadas, foram previstas atividades de vários tipos; desde a modelação hidrológica e o estudo das alterações climáticas na bacia hidrográfica, à implementação de uma rede de monitorização de caudais e de vigilância dos recursos hídricos, como à realização de projetos e de obras de reabilitação de estruturas hidráulicas fluviais, de estruturas culturais edificadas e dos ecossistemas ribeirinhos. Em paralelo a estas atividades mais técnicas, está prevista uma componente de comunicação e de participação pública. A comunicação visa difundir junto do público em geral o que se está a fazer, noticiando, com o objetivo implícito de “pôr o rio Ceira no mapa”. Por outro lado, a participação pública pretende dar a conhecer, esclarecer e auscultar a comunidade local e, em especial, as partes interessadas.

Em Portugal, desde a assinatura da Convenção de Aarhus, em 1998, que a Participação Pública é um procedimento obrigatório nos processos de tomada de decisão, nomeadamente em matéria

ambiental. No entanto, o que se verifica é que em muitos casos este procedimento consiste meramente na disponibilização para consulta pública dos documentos e informações relativos ao projeto. Na maioria dos casos e por diferentes motivos, poucas pessoas ou entidades participam nestes processos.

No entanto, é sabido que o envolvimento ativo da população local nos projetos e ações a realizar na sua região e/ou que lhes digam respeito, nomeadamente projetos públicos ou em espaço público, contribui para o sucesso dos mesmos. Entre outras mais-valias, o envolvimento ativo das comunidades permite aos projetistas e aos decisores: i) obter mais e melhor conhecimento das características locais, antecipando possíveis problemas (por vezes muito localizados e pouco percetíveis à distância ou em determinados momentos no tempo), possibilitando apurar as soluções técnicas a adotar, ii) conciliar melhor os interesses públicos e particulares, iii) atenuar resistências naturais à mudança e iv) promover uma participação avaliadora contínua, durante e após os trabalhos ou iniciativas realizadas, cujas apreciações podem promover a realização de novas ações de melhoria dos projetos em questão e/ou aprofundar conhecimentos de forma a melhorar as soluções a aplicar noutros locais.

Mas se existem tantas vantagens numa participação pública ativa, por que razão é que frequentemente tal não é convenientemente reconhecido e incorporado para que haja um envolvimento efetivo da população?

No Projeto do Rio Ceira, pretende-se desenvolver uma abordagem de proximidade que assegure uma participação ativa da população. Para apresentação e esclarecimento das obras de reabilitação das estruturas fluviais do rio Ceira, realizaram-se recentemente as primeiras sessões públicas, que foram publicitadas e decorreram presencialmente, em período pós-laboral e em locais próximos das comunidades que residem nas imediações dos locais das obras. Para além do debate, que é sempre possível ter, em torno do formato escolhido – desde logo, na sua duração ou intervenientes, entre outros – pode desde já afirmar-se que foi um sucesso reunir tantos cidadãos e cidadãs, em meios tão pequenos, interessados(as) em ouvir, falar, debater, mas sobretudo, defender o que é seu: o seu rio, o seu território.

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* Investigadora Pós-Doutoramento no DEC
AS NOSSAS PARCERIAS
Juliana Mendes* D.R.

AI WEIWEI ESTÁ EM SERRALVES

E TROUXE UM “PEQUI VINAGREIRO”

IMPRESSIONANTE

Raquel Pires Photo Credit Courtesy of Ai Weiwei Studio

“Entrelaçar” tem como grande destaque a primeira exibição pública da peça “Pequi Vinagreiro”, criada entre 2018 e 2020, pelo artista chinês. Em ferro fundido, a peça tem mais de 30 metros de altura e pesa cerca de 54 toneladas. A instalação da estrutura no Parque de Serralves contou com a colaboração da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP).

É um enorme modelo à escala real de uma árvore pequi (caryocar brasiliense) em vias de extinção, cujo tronco e ramos intrincados foram transpostos para ferro em bruto naturalmente oxidado. Ai Weiwei quis assim prestar homenagem ao poder da natureza e aos esforços da humanidade para o conquistar. Trata-se da maior e mais ambiciosa das árvores recorrentes na prática do artista chinês e pode ser apreciada de perto até dia 9 de julho 2022, em Serralves.

Dividida entre o Museu e o Parque de Serralves, a exposição “Entrelaçar” é composta por duas obras: Iron Roots [Raízes de ferro] e Pequi Tree [Pequi vinagreiro]. Juntas, as obras “fazem parte de um corpo de trabalho que reflete o interesse e a preocupação de Ai Weiwei com o ambiente e, mais especificamente, com a desflorestação da Mata Atlântica brasileira”. Como todas as obras do artista chinês, é uma mensagem de intervenção política e social. Com 63 anos, é considerado um dos mais notáveis ativistas sociais da atualidade.

Devido à complexidade da instalação do “Pequi Vinagreiro” foi solicitada a assessoria técnica de Manuel Matos Fernandes, professor catedrático do

Departamento de Engenharia Civil e um dos especialistas em Geotecnia da FEUP. Foi uma assessoria sem qualquer custo para a Fundação de Serralves.

“Numa primeira fase, a minha colaboração consistiu no aconselhamento da equipa da Fundação de Serralves na caracterização geotécnica do terreno do chamado “Pátio das Abelhas”, para ajudar a decisão da escolha do local de implantação da escultura”, esclareceu. Seguiu-se o acompanhamento do projeto de engenharia (fundações e estruturas) realizado pelo gabinete do Reino Unido que normalmente trabalha com o artista chinês. Nesta fase de trabalho esteve também envolvido António Adão da Fonseca, professor catedrático aposentado da FEUP. Mais tarde, já em Serralves, Manuel Matos Fernandes acompanhou o início da execução do projeto para, segundo as suas palavras, “no local selecionado para a implantação, estabelecer a profundidade da base da fundação da escultura”.

A exposição, comissariada por Philippe Vergne, diretor do Museu de Serralves e pela curadora Paula Fernandes, inclui também os trabalhos Duas Figuras e Mutuophagia e o filme Uma Árvore, que serviu como making of da criação de Pequi Vinagreiro.

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AS NOSSAS PARCERIAS
Filipe Braga

“Portugal é Mar mas também é Terra e é Litoral”

“Dinâmicas, Narrativas, Mitos, Riscos e Desafios”, num exercício que evidenciou anos de investigação relacionados com a erosão costeira, área em que se notabilizou no panorama científico nacional. Aponta o ordenamento do território como essencial para a mitigação dos problemas na orla costeira, mas sem descurar a monitorização que considera “uma exigência prioritária”. A chave, garante, passa pela “flexibilização das intervenções face à incerteza das previsões”.

Fernando Veloso Gomes dedicou a Última Aula ao “Litoral.
D.R.
Raquel
Pires

A vocação pela área de Engenharia surgiu em tenra idade ou só muito mais tarde?

Aos sete anos, na Ilha da Madeira, onde vivi um ano com a minha Avó materna, passava horas e horas a ver o mar… No Lido, no Cais do Carvão, no Clube Naval, no Gorgulho, nas Poças do Governador, o mar e as pequenas ondas estavam sempre presentes. Quando ia ao centro do Funchal, o que acontecia frequentemente, ficava fascinado com os movimentos de centenas de pequenas embarcações coloridas de pesca, de transbordo entre os transatlânticos e o Cais da Cidade bem como de embarcações de cabotagem e de ligação ao Porto Santo. Numa azáfama constante transportavam sem barreiras pessoas, animais, malas e mercadorias. Decorriam também obras no Cais da Pontinha o que me terá induzido a declarar à minha Avó que queria ser engenheiro.

Após a licenciatura em Engenharia Civil foi para Inglaterra tirar o Mestrado em Engenharia Naval. Do que se recorda dessa experiência no estrangeiro?

Tirei em 1974 o Mestrado em Arquitetura Naval e em Engenharia Oceânica na Universidade de Londres (UCL). Era o único estudante não licenciado em Arquitetura Naval. Fiquei deslumbrado com uma sociedade muito diferente, diversificada, muito rica sob o ponto de vista cultural, patrimonial e política. Também era uma sociedade com contradições. Convivi e fiz amizade com colegas de muitos países. Mas o clima era sombrio. À distância, a instabilidade política em Portugal era angustiante.

Foi uma experiência marcante para toda a vida e que me levou a reconhecer e a revoltar-me contra o atraso social e económico que existia em Portugal. Quando regressei, essa mesma instabilidade política não possibilitou a concretização de acordos da FEUP com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, nem com a Lisnave, pelo que tomei a decisão de ficar ligado ao ensino e à investigação em domínios da engenharia civil ligados à hidráulica e em particular a portos e zonas costeiras.

Quando é que despertou o interesse pela temática da erosão costeira?

A erosão costeira é uma das muitas manifestações das dinâmicas costeiras e ocorre quando o saldo sedimentar (ao longo de uma determinada extensão da costa) é negativo. O meu interesse sempre incidiu sobre as diferentes manifestações destas dinâmicas que se materializam essencialmente em três frentes: demográficas, económicas e naturais. As dinâmicas naturais, associadas à variabi-

lidade das marés, ventos, agitação, correntes, sedimentos, moldam os ambientes e paisagens costeiras e entram em crescente conflito com as ocupações e atividades atuais. Estas ocupações (edificações, portos) e atividades alteram ou induzem outras dinâmicas nas zonas costeiras. A erosão costeira, resultando num recuo da “linha de costa” associado a razões naturais e antropogénicas, constitui uma preocupação em diversas extensões do território e tem merecido a minha atenção há várias dezenas de anos (modelação laboratorial, modelação numérica, deteção remota, intervenções de defesa e de adaptação, planeamento e gestão integrada).

Em Portugal, quais são os principais problemas do litoral? Além da falta de monitorização, que papel tem o ordenamento do território nesta matéria?

O ordenamento do território é essencial para a mitigação e adaptação às problemáticas do litoral. A monitorização deverá ser sempre uma exigência prioritária. As insuficiências que ocorreram em relação à monitorização não impediram a realização de bons diagnósticos e a elaboração de propostas de intervenção e de planos e de programas de ordenamento.

De que modo seria possível mitigar estes problemas, a médio prazo?

Aplicando os conceitos que constam da Gestão Integrada para as Zonas Costeiras e as medidas preconizadas nos Planos de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) ou nos Programas de Ordenamento Costeiro (POC) e monitorizando a sua aplicação.

No entanto estes Planos e Programas terão de ser atualizados e ajustados, bem como as suas medidas, agora numa ótica de planeamento e gestão adaptativos em que se considerem diversos cenários e vários “elencos” ou “caminhos” de medidas de mitigação e de adaptação. Trata-se de uma flexibilização das intervenções face à incerteza das previsões, antecipando, intensificando ou adiando as intervenções face aos resultados da monitorização versus previsões.

“Portugal é Mar” é o novo slogan da plataforma continental para a estratégia nacional do mar. Considera que há margem e vontade política para ir mais além nesta matéria?

Portugal é Mar mas também é Terra e é Litoral, sendo este a interface Mar-Terra. No palco da história os portugueses navegaram e construíram pontes entre continentes e entre culturas.

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O Litoral sempre constituiu para mim o maior desafio por ser um sistema geograficamente aberto, complexo e sensível, naturalmente muito dinâmico, muito rico sob o ponto de vista de ecossistemas e paisagens, fortemente polarizador em termos demográficos, de ocupações, de atividades económicas (muito diversificadas e de elevado valor acrescentado).

O Mar continua a constituir uma grande oportunidade potencial em termos de recursos e o grande desafio é aproveitar, de forma sustentável, esses recursos.

As alterações climáticas continuam na ordem do dia. Que diretrizes saíram da COP26 e que, na sua opinião, podem ter efeitos positivos na mudança de paradigma?

Enquanto os países mais relevantes, em termos de emissões atmosféricas, não assumirem compromissos quantificados que possibilitem uma efetiva mudança de paradigma, estas cimeiras continuam a ser importantes, mas conduzem a resultados insuficientes. À volta dessas cimeiras existe muito mediatismo, protagonismo político e individual e misturam-se problemáticas.

Além dos impactos negativos associáveis às alterações climáticas (resultado de “ações antropogénicas globais”), responsabilidade de todas as nações, há que considerar o trinómio que se esquece e que deverá incluir a “variabilidade climática natural” e as “ações antropogénicas locais”.

Em relação ao litoral e a uma escala mundial, de forma quase generalizada, há que salientar a existência de enormes aglomerados edificados em zonas de risco (inundações, erosões, perda de território, instabilidades geotécnicas) com acentuado crescimento demográfico. Continua a existir uma elevada pressão social e económica para construção em zonas sensíveis e de risco, é crescente a artificialização e a degradação de paisagens naturais, estão presentes conflitos de usos e atividades, subsiste e agrava-se um elevado défice em relação a sistemas de saneamento básico e abastecimento público, as emissões gasosas e de resíduos sólidos e líquidos são crescentes e alarmantes, é excessiva

a exploração de recursos e em muitas regiões estão presentes a pobreza, as guerras civis, explosão populacional e as migrações.

Esta preocupante problemática exige abordagens nacionais e internacionais, não necessariamente associáveis às alterações climáticas, não devendo ser “branqueada” com a desculpa de que são as alterações climáticas os responsáveis. Mas existem boas práticas que devem e estão a ser promovidas. Existe uma enorme diversidade de situações entre países, sociedades e instituições. À governação, a todos os níveis, deve-se exigir eficácia (atribuição clara de funções e responsabilidades, coerências das políticas e coordenação, capacitação para o desempenho), eficiência, confiança, integridade, comprometimento e processos decisórios apoiados na ciência.

Um momento que o tenha marcado para sempre na sua carreira de professor? Um episódio que possa e queira partilhar…

Na minha carreira profissional existiram dez mil e um momentos que a enriqueceram e diversificaram. A minha Avó materna e os meus Pais, professores, foram os meus mentores iniciais. Lidar com jovens durante meio século faz-nos sentir jovens, permitiu acompanhar a evolução de mentalidades, anseios e comportamentos e possibilitou criar amizades que foram cimentadas no respeito mútuo.

O convite para ser monitor, em 1972, efetuado pelos professores da FEUP Álvares Ribeiro e Novais Barbosa (tendo lecionado na FEUP ainda como finalista) e a ida para o Reino Unido em 1973 (como assistente FEUP e bolseiro do Instituto Nacional de Investigação Científica – INVOTAN) foram momentos marcantes na carreira como docente e investigador. Entrar no Reino Unido com a vacina da cólera e autorização militar, ter de provar e comprovar no aeroporto que não ia como emigrante e que tinha meios de subsistência, enquadrar-me num mundo académico muito diferente, trabalhar muito com novas temáticas alicerçado numa muito boa preparação de base, permitiu superar com êxito todos os obstáculos e regressar a Portugal com uma nova mentalidade e vontade de agarrar uma carreira docente e de investigação.

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O Mar continua a constituir uma grande oportunidade potencial em termos de recursos e o grande desafio é aproveitar, de uma forma sustentável, esses recursos
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A VIDA DE UM ENGENHEIRO NO OUTRO LADO DO MUNDO

José Iria, alumnus da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP), decidiu continuar a escrever a sua história bem longe do seu ponto de partida, Chaves. Voou para Camberra, na Austrália, para se tornar investigador na Australian National University.

“Internacional e inclusiva”. É assim que José Iria, de 33 anos, define a casa que o acolheu durante todo o seu percurso académico, de 2006 a 2019. Começou no Mestrado Integrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na FEUP e terminou com um doutoramento em Sistemas Sustentáveis de Energia, passando ainda pelo Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC) como investigador em projetos de escala nacional e internacional.

Foi precisamente com a tese final de Doutoramento que se tornou um dos vencedores da edição 2020 do Prémio APREN, promovido pela Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) no âmbito da temática da eletricidade de origem renovável, levando para casa um cheque no valor de 1000 euros.

Natural de Chaves, é agora investigador na Australian National University, em Camberra, capital da Austrália, onde se dedica ao desenvolvimento de ferramentas computacionais para suportar o planeamento e a operação de sistemas de energia.

“A Austrália é um ótimo caso de estudo para cientistas interessados em estudar a operação de sistemas distribuídos de energia, pois tem mais de 2.7 milhões de instalações de painéis fotovoltaicos que geram, em certas horas do dia, a energia necessária para alimentar a maior parte da carga de um estado no país. Isto traz novos desafios para a gestão do sistema de energia”, avança o alumnus, que trabalha com parceiros industriais na procura de novas soluções para a área.

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Mafalda Leite D.R.

Mas, mesmo do outro lado do globo, nada o faz esquecer a sua primeira casa. “Fiz muitos amigos de diferentes nacionalidades na FEUP e na U.Porto e aprendi muito com eles. Esta passagem pelos meios académico e de investigação contribuiu significativamente para o meu crescimento profissional e pessoal e, por isso, fico grato às instituições que me acolheram”, confessa José Iria.

Os tempos livres são passados a praticar desporto, viajar, fazer mergulho e caminhar. “Sou um grande adepto de atividades ao ar livre. A Austrália é o país perfeito para caminhadas e mergulho, com uma beleza extraordinária e única.” Mas as saudades, essas, sentem-se a quilómetros de distância, em especial da família, amigos e, claro, do bacalhau, “cozinhado das mil e uma maneiras possíveis”.

Seja na Oceânia ou no continente europeu, o grande objetivo de vida de José Iria mantém-se: continuar “a ser feliz a investigar” e a produzir conhecimento para transformar a sociedade num mundo melhor para todos.

O que o motivou a ir para Camberra?

Mudei-me para a capital da Austrália em outubro de 2019, depois de acabar o doutoramento. Na altura, tive várias propostas para trabalhar na Europa, EUA e Austrália, tanto na indústria como no meio académico. Acabei por decidir por continuar a trabalhar no meio académico, na Australian National University, porque a ciência é a minha paixão profissional. A universidade ofereceu-me muito boas condições de trabalho, como por exemplo a liberdade total para explorar as minhas ideias na minha área de especialidade, que é a otimização de sistemas de energia.

Como foi a adaptação?

A adaptação nunca é fácil, principalmente quando é para um país onde não se conhece ninguém, estás a mais de um dia de

avião da família e dos amigos e enfrentas problemas burocráticos e diferenças culturais. Eu cheguei à Austrália no início dos incêndios de 2019/2020, nunca vi algo igual na minha vida… parecia que estava em Marte! Na altura, os meus amigos diziam que tinha escolhido mal. Depois dos incêndios, veio a pandemia COVID-19, que parecia uma praga. Mas agora está tudo a voltar ao “normal”.

Do que gosta mais em Camberra? E menos?

A qualidade de vida em Camberra é boa, os salários são altos e o balanço entre a vida profissional e pessoal é bom. A maioria das pessoas trabalha para o governo, e até é comum optar por trabalhar apenas em part-time. O que eu mais gosto aqui é da natureza que caracteriza a cidade. É muito verde e tem imensa vida selvagem, tal como cangurus e muitos pássaros de diferentes cores.

A Austrália é um país que vale a pena visitar, principalmente para os amantes da natureza. Tem paisagens arrepiantes, vida marinha e florestas extraordinárias… Definitivamente algo que constaria na lista de uma viagem de sonho, nomeadamente a Great Barrier Reef (Grande Barreira de Coral).

Um conselho para quem visita a Austrália?

Visitem os parques naturais, nomeadamente as Blue Mountains, Uluru e a Great Barrier Reef. Estes parques naturais são de uma beleza única.

Pensa voltar para Portugal?

Quero voltar o mais rápido possível a Portugal para visitar a minha família, que não vejo há algum tempo devido às restrições pandémicas implementadas pela Austrália. Em termos profissionais, tudo é possível. Mas não tenho planos para voltar ao meu país no curto prazo.

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VICE-CAMPEÕES MUNDIAIS DE PATINAGEM ARTÍSTICA ESTUDAM NA FEUP

Ana e Pedro Walgode sagraram-se vice-campeões mundiais de Pares de Dança Sénior 2021, em Assunção, no Paraguai, em outubro. A medalha carimbou o passaporte direto para os Jogos Mundiais de 2022 - a competição mais importante para a patinagem artística - que vão decorrer em julho, em Birmingham, EUA. Será um dos pontos altos da carreira destes dois irmãos que continuam a deixar legado na competição a nível mundial ao mesmo tempo que se dedicam aos estudos na Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP).

Como surgiu a patinagem artística na vossa vida?

Os nossos pais sempre foram aliados à prática desportiva. Começamos novos na natação, e depois iniciamos a prática de hóquei em patins, ginástica rítmica (Ana) e ginástica de trampolins federada pela Académica de Espinho. A Ana revelou-se uma jovem promessa no hóquei em patins, porém, a nossa mãe, Fátima Monteiro, sempre teve o gosto que experimentássemos um desporto artístico, já que é amante de música e praticou dança. Surge assim a Patinagem Artística como escolha natural, quando a experimentámos na Associação Desportiva de Argoncilhe em 2004, a Ana com 7 e eu com 10 anos. Sem dúvida que os nossos pais foram os grandes impulsionadores e investidores neste projeto, proporcionando-nos diversas oportunidades, como estudar na Academia de Música de Espinho, Ana no Piano e eu no Clarinete, valências que nos tornaram mais capazes de singrar no desporto e no ensino superior em engenharia.

Que memórias guardam desses primeiros anos na modalidade?

Dos primeiros anos lembramo-nos de treinar numa vertente mais leve, de lazer, nomeadamente dos primeiros três anos onde os torneios não competitivos e festivais alegravam as nossas horas sobre os patins. Outras memórias que guardamos com o maior carinho são os vários anos em que participamos num estágio semanal, uma espécie de campo de férias, em Serpa, no Alentejo, lecionado pela prestigiada treinadora italiana Cinzia Bernardi, uma referência mundial. Além dos treinos, tínhamos diferentes atividades com atletas de todo o país, num ambiente excelente, foram dias muitos leves e felizes.

Como conciliam os estudos com a exigência da alta competição?

Qual é o vosso segredo?

Desde muito novos que estamos formatados a uma gestão de tempo e recursos muito rentável, em que grande parte dos momentos livres são aproveitados ou para estudar ou treinar. O segredo é canalizar a energia e foco para o nosso objetivo. Não estar atento na aula porque se podia estudar ou aprender depois nunca foi opção. Faltar a um treino para estudar nunca foi uma opção. Momentos “sem fazer nada” nunca foram parte da rotina, razão pela qual agora nos sentimos estranhos quando podemos usufruir desses ditos momentos.

Que tipo de sacrifícios já fizeram em prol da vossa carreira desportiva?

A lista é longa, desde vários verões sem poder ir de férias, já que os campeonatos internacionais decorrem no final do verão, a vários sacrifícios de eventos familiares e de lazer. A vida social e familiar nunca foi excluída, mas a frase “não posso, tenho treino” é uma constante que por vezes pode ser muito difícil de gerir.

Como surgiu a engenharia no vosso percurso?

A área das ciências sempre foi um gosto para ambos. Em parte, talvez herdada dos nossos pais, ambos formados nas áreas das ciências, em especial o nosso pai, formado em Engenharia Civil também pela FEUP. Foram escolhas difíceis, mas a verdade é que são cursos verdadeiramente estimulantes e que nos dão um grande leque de opções no mercado de trabalho: Engenharia Química no caso meu caso e Bioengenharia no caso da Ana Luísa.

MUITO + QUE ENGENHARIA
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Raquel Pires
D.R.

Conseguem descrever um dia normal na vossa vida, o tipo de rotinas e o tempo que dedicam a cada tarefa? Depende da fase da época desportiva. Se estamos em pré-época o nosso tempo é maioritariamente dedicado à faculdade, aos amigos e à família. Aproveitamos este período de pouca carga de treinos para viajar, uma das nossas maiores paixões. Em fase competitiva, com treinos bi-diários que ocupam a maior parte do nosso dia, complementados com condicionamento físico no ginásio e trabalho off-skates (dança e coreografia sem patins), o pouco tempo que sobra há que articular com a faculdade, uma tarefa por vezes hercúlea.

O que é mais difícil: o rigor com os treinos, os cuidados com a alimentação ou o que se deixa para trás em termos de vida social e familiar?

O mais difícil é manter a motivação diária para treinar mais e melhor. O período de preparação de provas internacionais é bastante exigente, e o corpo e a mente não respondem todos os dias de igual forma, e pode ser difícil lidar com esses momentos. É ainda difícil manter a mente forte e saudável, de forma a não ceder à pressão psicológica dos treinos e competição.

Se pudessem influenciar as políticas desportivas em Portugal, alterar alguma coisa no estatuto de alta competição, por onde começavam?

De um modo geral, os portugueses não dão o devido valor ao desporto, negligenciando a sua importância e o seu contributo na educação e formação dos jovens. Ao longo da nossa carreira desportiva, o apoio que sentimos do estado foi muito difuso e, enquanto modalidade não olímpica, os apoios que recebemos à prática desportiva são praticamente nulos. Consecutivamente

inscritos no programa de alto rendimento desportivo desde 2015, continuámos a suportar financeiramente uma grande parte da época.

Embora a legislação proteja o atleta de alto rendimento durante os ciclos de estudos do ensino superior, a sua aplicação não se desenrola facilmente e os canais não são eficientes. Como exemplo, houve várias vezes relutância na aplicação de medidas como o acesso a épocas especiais de exames ou adaptação do horário às necessidades de treino.

Um conselho que gostariam de deixar a quem é atleta de alta competição e começa agora a sua jornada no ensino superior? Geralmente quando um atleta de alta competição ingressa no ensino superior, já desenvolveu durante o ensino básico e secundário parte das ferramentas necessárias para compatibilizar o desporto de alta competição e o estudo de forma satisfatória. Agora no ensino superior os atletas verão que essas ferramentas são uma grande mais-valia, e que será bidirecional. No desporto de alta competição adquirimos competências que nos distinguem e nos permitem chegar mais longe ou mais facilmente.

Façam ainda valer os vossos direitos enquanto atletas-estudantes, mesmo quando sentirem entraves por parte das instituições.

Façam uma boa gestão do plano curricular: é importante identificar quando é preferível deixar uma unidade curricular por fazer do que tentar fazer sem bom aproveitamento, de forma a não sofrer um esgotamento. No fim pode ser preferível demorar mais tempo e aproveitar e assimilar o que a academia tem para nos oferecer.

MUITO + QUE ENGENHARIA
ENGENHARIA 62 FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO 37
Fotografia: D.R.
No desporto de alta competição adquirimos competências que nos distinguem e nos permitem chegar mais longe ou mais facilmente

A fechar

Days to Remember

O Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM) da FEUP foi inaugurado em novembro de 2021, resultado de uma parceria com o Alto Comissariado para as Migrações.

A iniciativa pretende responder ao crescimento da comunidade internacional da faculdade - onde há mais de 60 nacionalidades - e cuja estimativa aponta para o acolhimento de 10 mil estudantes de grau em 2026.

fe.up.pt/ipoint/claim

Concurso FEUP

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feup_porto De 11 a 15 de outubro, a #FEUP deu as boas-vindas e acolheu os novos #feupinhos com diversas atividades, contando com o apoio da @aefeup. O programa dividiu-se entre sessões de receção no Auditório da FEUP, visitas guiadas ao campus e sessões de apresentação dos vários cursos para os mais de mil novos estudantes que ingressaram pela 1ª vez na instituição.

O Comissariado para a Sustentabilidade elegeu a proposta ‘’FEUP SEM CARROS (por um dia…)”como a Ideia Mais Sustentável de 2021. Apresentada por Nuno Lourenço, do Gabinete de Estudos e Apoio à Gestão da FEUP, esta ideia pretende “contribuir para uma maior consciencialização sobre a necessidade de adoção de meios de transporte mais sustentáveis.” descansar após um dia de trabalho.

“Ideias +Sustentáveis”

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Através das rubricas “À conversa com os Embaixadores Alumni” e “ Alumni Voice” e dos vídeos “Alumni Career Stories”

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Save the Date – 17 de setembro 2022

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