Sol na Garganta do Futuro :: Boneca Virtual

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TEXTO JULIO CORTÁZAR (ADAPTAÇÃO DO CONTO HOMÓNIMO) MÚSICA HUGO REIS

Gostávamos da casa porque, além de ser espaçosa e antiga, ela guardava as lembranças de nossos bisavós, do avô paterno, de nossos pais e de toda a nossa infância. É quase repetir a mesma coisa menos as consequências. Pela noite sinto sede e antes de ir para a cama disse a Irene que ia até a cozinha pegar um copo d’água. Da porta do quarto (ela tricotava) ouvi barulho na cozinha ou talvez no banheiro. Chamou a atenção de Irene que veio ao meu lado sem falar nada. Ficamos ouvindo os ruídos na cozinha ou banheiro ou no corredor, quase ao nosso lado. Sequer nos olhamos. Os ruídos se ouviam cada vez mais fortes. Ficamos no corredor. Agora, não se ouvia nada. - Tomaram esta parte! – falou Irene. O tricô pendia de suas mãos e os fios se perdiam embaixo da porta. Quando viu que os novelos tinham ficado do outro lado, soltou o tricô sem olhar para ele. Como ainda ficara com o relógio de pulso, vi que eram onze da noite. Enlacei meu braço a cintura de Irene (acho que ela estava chorando) saímos assim à rua. Antes de partir senti pena, fechei bem a porta da entrada, joguei a chave no ralo da calçada. Não fosse algum pobre-diabo ter a ideia de roubar e entrar na casa, a essa hora e com a casa tomada. PARTICIPAÇÃO ESPECIAL NANA CARNEIRO (VIOLONCELO)


POEMA PEDRO ROCHA MÚSICA VINICIUS FABIO

cada tarde sem trilho solta sem caminho comigo cedo ao sabor de um segredo guardo o sopro do sussurro de um desejo a cada torrente sem transe trabalho o segundo seguinte domo os danos adesivos destelando meu corpo de cola qual muralha se alimenta do silêncio? ela me diz sem dizer que não tem asa encolhe o calor do meu peito em brasa mas devolve meu corpo em casa devolve meu corpo em casa devolve meu corpo em casa ela me diz sem dizer que não tem asa encolhe o calor do meu peito em brasa mas devolve meu corpo em casa devolve meu corpo em casa

Tarde, trilho caminho sabor, segredo sopro, sussurro, desejo torrente, transe segundo, silêncio ela me diz sem dizer que não tem asa encolhe o calor do meu peito em brasa mas devolve meu corpo em casa devolve meu corpo em casa ela me diz sem dizer que não tem asa encolhe o calor do meu peito em brasa mas devolve meu corpo em casa devolve meu corpo em casa em casa POEMA INCIDENTAL COMPROMISSO, DE PEDRO ROCHA PARTICIPAÇÃO ESPECIAL PEDRO ROCHA (VOZ)


POEMA FABRICIO NORONHA MÚSICA HUGO REIS

O vinil agarrado revela a música torta do improviso dos aparelhos de som. Num eco tolo, o silêncio rebate a realidade e suporta o som que bem quisermos fazer. A microfonia louca dos aparelhos uns virados para os outros é o uivo do sossego querendo virar música. Coisas que tem outra dentro Enigma, tipo o fogo, o infinito e um bom filme. Tocar para alguém, é como dançar com a alma é como ter a certeza do eterno porre é como uma viagem longa e sem fim Cantar então, é elevar a garganta à coração e nesse compasso embalar o sangue que vibra nas veias das notas.

POEMA FABRICIO NORONHA MÚSICA HUGO REIS E DANIEL BOSI

Isso tudo é como um rap Toda a dor do mundo num sopro Lanço gestos e gestos dão frutos.recolho com a outra mão o futuro. Mudo de roupa como quem muda de década Sonho. Sonho. Sonho. Afino minha guitarra outra vez E toco. Toco. Toco. Acho extravagante a blusa do meu pai Acho um exagero o laço na minha mãe

Meio parado na frente do espelho Passo a maquiagem com o pó que minha sensação injeta com a firmeza dos tantos heróis na reprise E reprisa. Reprisa. Reprisa. Reprisa. São meus netos repetindo na teve São coisas quebradas Partidas. Dialogadas Buscando respostas sem erro Piadas absolutamente engraçadas Aqui ninguém morre de fome O presidente: amigo do meu pai


POEMA FABRICIO NORONHA MÚSICA HUGO REIS

Prosa, verso, música. Luz. CAMINHO CRUZADO. Poema que não sei viver, fica preso num canto do corpo e vai dando ruga. Poema que não consigo escrever. Poema que não palavra de ouvido morre na garganta de qualquer silêncio. Poema que não consigo escrever. Poema que não te quero de jeito nenhum, fica na pele. Poema que não consigo escrever. Amnésia, mentira, gargalhada. Maldito poema que eu não consigo escrever. - Não acredito no que me dizem, eu esqueço... passa. - Não pense que não te quero traduzido em luz... escuro. - Escrevo poema sem perguntar a ninguém... sou bruto. É de amor e pedra essa porra toda. Maltrato do tempo. Nuvem carregada. É de amor e pedra essa busca minha. De ferro que derrete e molda. De vidro que nem quebra. Amnésia, mentira, gargalhada. Poema que não consigo escrever. Maldito poema que não consigo escrever.


TEXTO STAN BRAKHAGE (ADAPTAÇÃO DO TEXTO “METÁFORAS DA VISÃO”) MÚSICA HUGO REIS E VINICIUS FABIO

Esqueça, pois o filme, ainda embrião, não possui linguagem. Retórica monótona. Abandone a estética. A imagem cinematográfica sem base. Sem forma artística, inicia sua busca. Negue a técnica, pois o cinema, tal como a América, ainda não foi descoberto, E a mecanização aprisiona. Riscos calculados. Deixe estar o cinema. Em algum lugar, temos um olho capaz de qualquer ato de imaginação. A única realidade. E exatamente ali temos a câmera-olho (a limitação, o mentiroso original); Falo das possibilidades, das possibilidades infinitas. Preferimos o caos. Em algum lugar, possuímos um olho capaz de imaginar qualquer coisa. Aglomerado arquitetônico de detalhes de ruínas clássicas. Sub-julgando a luz e limitando o quadro dentro desses parâmetros, com a velocidade padrão da câmera e do projetor. Sincronizadas às sensações da lenta valsa. Limitados a movimentos horizontais e verticais. Fotômetros ajustados, e seu filme colorido fabricado para produzir aquele efeito de cartão postal. Pintura de salão. É possível cuspir propositadamente nas lentes ou destruir sua intenção focal. Acelerando o motor, retardando o motor, podemos decompor o movimento da forma. Filmar com a câmera na mão e herdar mundos de espaço. Subexpor e superexpor o filme. Usar os filtros do mundo, como a neblina, as chuvas. Luzes desajustadas, neon com temperaturas neuróticas de cor, lente utilizada em desacordo com as especificações. Sair à noite com um filme especial para a luz do dia. O cineasta pode se tornar o mágico supremo com chapéus cheios de todos os tipo de coelhos conhecidos. E o chapéu! A câmera! Ou, se preferir, o palco, a página, a tinta. Musical ou não, o instrumento é, de qualquer forma, um chapéu com mais coelhos ainda dentro da cabeça. Truques do pensamento. O pensamento é o mundo. E tudo acaba finalmente numa roda gigante de um sistema solar em pleno parque de diversões do universo.


POEMA STELA DO PATROCÍNIO MÚSICA VINICIUS FABIO

Pelo chão você não pode ficar Porque lugar da cabeça é na cabeça E lugar de corpo é no corpo Pelas paredes você também não pode ficar Pela cama, pelo espaço vazio, você também não pode Porque lugar da cabeça é na cabeça Lugar de corpo é no corpo PARTICIPAÇÃO ESPECIAL: VOZES DE TATIANA MANCEBO, ALINE HRASKO, AMÉLIA BARRETO E AVA ROCHA.


POEMA E MÚSICA PEDRO PAULO ROCHA

Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som de Sol de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas híbridas Máquinas híbridas Máquinas híbridas De som De sol Áfricas Divinas Áfricas de Som De som De sol Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som Máquinas e Máquinas e Máquinas e Máquinas de Som e som De sol Áfricas Divinas Áfricas de Som De som De sol PARTICIPAÇÃO ESPECIAL VOZES DE TATIANA MANCEBO, ALINE HRASKO, AMÉLIA BARRETO E AVA ROCHA


POEMA MARCOS TAVARES MÚSICA HUGO REIS

Tic-tac maluco (coração pulsa) qual relógio de pulso (coração pulsa) diário, pulsasse (coração pulsa) pelo lado ocluso. Coração pulsa.

De outro coração que bate No mesmo compasso De outro coração que bate No mesmo compasso Em pulsações convulsas.

À parede, sim – sem ser cuco Horário Passar da hora Impulso Voar, tal relógio Preso às cordas Não-ave Não-ave

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL VOZES DE TATIANA MANCEBO, ALINE HRASKO, AMÉLIA BARRETO

Cuco não-relógio Às suas asas, Às cordas vocais Não canta nos móveis Nas paredes das casas Na hora em que acorda.

POEMA FABRICIO NORONHA MÚSICA HUGO REIS

tic-tac ilógico (coração pulsa) mede o tempo de uso (coração pulsa) inércia dos músculos (coração pulsa) tic-tac

cores: anti-estética preconceituosa da coisa. bolhas: espécie de voo imaginativo sem porquê. falha: tipo de desejo humano incontrolável. animais: eles falam. eles pensam. eles procriam. ovo: mundo. casca: casca.

Coração pulsa.

Aurélio Buarcolhudos comem merda! Com a língua se lambe a porta, assim se torna fácil adentrar no 3d do lengalenga.

Ouve-se no peito Onde, em artérias de sangue, Mede a oferta e a recusa

passo a passo cada acionador: 1 Constitua-se dos rótulos. 2 Embaralhe a significância.


3 Ouça e seja novo, bonito e baiano. Ou pareça. 4 Elabore ofegante homenagem a um poeta que ninguém comeu. 5 Eleja um presidente para cada Brasil.

[que é só um céu nublado. Partículas minúsculas não passam de uma das dúvidas do sólido. Resta-me o papel quase grotesco de cidadão].

contra-palavreado sacana. Tente chegar a lugar-algum, só porque lá paira um pus moderno.

Úmido habitante dessa cidade que mais chove que vive, que mais reprime que expressa. Igualmente recolhido, porém identificado. Uma tarja diz: babaca capixaba. Tenha concentração. Tenha responsabilidade. Tenha disciplina. Mantenha a ordem. Saiba gramática. Procure se organizar. Réplica. Tréplica. E um novo experimento. Tentativa. Tentação.

assombra-me a gotejante sensibilidade dos manos da USP! (vale um troféu para cada cabeçudo.) Bala démodé... Ainda perdida acerta o alvo-acaso, matando o sortudo-azarado. Tiro certeiro. Recorde de vendagem. Chinelo gasto exportado colorido. Passa o fax e bate o barrão. Ventilador de teto. Elocução da classe média. Eles têm a apropriada dicção e o cu na mão. Imagem-ego do eu-televisão. www@ego do eu-computador. CD-ROM TAPE VHS DVD Enquanto calculadoras tentam a completude, a rua cumpre sua função durante a chuva. Agora molhada tenta um céu nublado.

Invente. Transpasse o incrível. Ontem beijei gigabytes como se fossem minha própria liberdade. Hoje eu não fiz nada, fiquei o dia todo olhando da janela e pensando no que eu acabei de falar. Agora, rap-me! Now, rap-me!


Por estar ilhado num pedaço de terra que revela inúmeros artistas visuais, selecioná-los para um projeto gráfico é sempre uma tarefa complexa. Com a proposta do Sol na Garganta do Futuro, decidi convidar alguns artistas dos quais eu já acompanhava o trabalho anteriormente e resolvi fazer a seleção baseada na discrepância de linguagens. Desde o primeiro momento já sabia que as obras seriam completamente diferentes entre si. Com a vantagem de poder executar um trabalho totalmente autoral, os artistas receberam uma cópia virtual do disco em questão e resolveram representá-lo da maneira em que se sentissem à vontade para isso. Foram distribuídas 10 folhas para cada artista que poderia preenchê-las por completo ou não. Por fim os trabalhos foram cortados e colados nas capas dos discos, tornando-os peças únicas, fragmentos destas grandes obras. ALEX VIEIRA CURADOR DAS EDIÇÕES ESPECIAIS

ARTISTAS CONVIDADOS

RAPHAEL ARAÚJO

flickr.com/photos/raphaeldesenho

ALEX VIEIRA

flickr.com/photos/smart_alex

THIAGO BALBINO

flickr.com/photos/thiagobalbino

MÔNICA NITZ

flickr.com/photos/monicanitz

MICHELLY SUGUI

michellysugui.blogspot.com

VINICIUS GUIMARÃES

flickr.com/photos/viniciusguimaraes

MICHELE MARQUES

flickr.com/photos/michelemarques

MARCELO VOODOO

flavors.me/vuduzim


FOTO: IZAIAS BUZON

Esse disco é dedicado à memória de Ericson Pires, poeta e irmão, figura determinante na vida deste bando, o seu bando.


PRODUZIDO POR DANIEL CASTANHEIRA TOMADA DE SOM EMILIANO SETTE EDIÇÃO EMILIANO SETTE E DANIEL CASTANHEIRA CONSULTORIA POÉTICA ERICSON PIRES (in memoriam) ARRANJOS E COMPOSIÇÕES SOL NA GARGANTA DO FUTURO PRÉ-PRODUÇÃO NO ESTÚDIO GARGANTA, CASA DO TIÃO XARÁ (VITÓRIA, ES) GRAVADO E MIXADO NO ESTÚDIO GARIMPO (RIO DE JANEIRO, RJ) FEVEREIRO DE 2011 MIXADO POR RENATO GODOY MASTERIZADO POR FÁBIO COIMBRA NOS ESTÚDIOS SOM LIVRE (RIO DE JANEIRO, RJ) EDIÇÕES ESPECIAIS CURADORIA ALEX VIEIRA ARTISTA CONVIDADOS ALEX VIEIRA, MARCELO VOODOO, MICHELE MARQUES, MICHELLY SUGUI, MONICA NITZ, RAPHAEL ARAÚJO, THIAGO BALBINO E VINICIUS GUIMARÃES. PROJETO GRÁFICO FELIPE GOMES COLABORADOR DE DESIGN GRÁFICO VITOR LORENÇÃO PRODUÇÃO (RIO DE JANEIRO) ISABELA REIS OBRA DA CAPA MICHELLY SUGUI TWITTER @SOLNAGARGANTA FACEBOOK SOL NA GARGANTA TNB SOLNAGARGANTA.TNB.ART.BR CONTATO SOLNAGARGANTA@GMAIL.COM 27 32220433 / 99396176


NO MEIO DE TUDO: ESPAÇO FABRICIO NORONHA, VOZ HUGO REIS, VIOLÃO, VIOLA E GUITARRA VINICIUS FABIO, BAIXO CAIO NUNES, BATERIA MURILO ESTEVES, PROGRAMAÇÕES ELETRÔNICAS E SINTETIZADORES PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS: PEDRO ROCHA, VOZ EM DEVOLVE MEU CORPO EM CASA TATIANA MANCEBO, VOZ EM LUGAR DE CABEÇA, MÁQUINAS DE SOM E DAS PULSAÇÕES ALINE HRASKO, VOZ EM LUGAR DE CABEÇA, MÁQUINAS DE SOM E DAS PULSAÇÕES AMÉLIA BARRETO, VOZ EM LUGAR DE CABEÇA, MÁQUINAS DE SOM E DAS PULSAÇÕES AVA ROCHA, VOZ EM LUGAR DE CABEÇA E MÁQUINAS DE SOM NANA CARNEIRO, VIOLONCELO EM CASA TOMADA AGRADECIMENTOS: Alex Capile, Aline Hasko, Amélia Barreto, Alex Vieira, Alexandre Hab, Ava Rocha, Azougue Editorial, Botika Botikai, Claudino De Jesus, Cons Buteri, Daniel Bosi, Daniel Castanheira, Dario Gularte, Emiliano Sette, Ericson Pires, Erly Vieira Jr., Fausto Lessa, Felipe Gomes, Fora do Eixo, Galego (Playman), Gerônimo, Guilherme Zarvos, Gil Mello, Henrique Alves, Heyk Pimenta, Irajá Menezes, Isabela Reis, Isaias Buson, Ismail Xavier, Jards Macalé, Jean Pereira, João Luiz Vieira, Júlio Cortázar, Kelly Santos, Magno Bosi, Marcos Tavares, Michelly Sugui, Milson Henriques, Movimento Música Pra Baixar, Nana Carneiro, Paula Gaitán, Pedro Paulo Rocha, Pedrinho Rocha, Perez Lisboa, Rafael Trindade, Remy Gorga, Renato Godoy, Stan Brakhage, Tati Mancebo, Tião Xará, Vitor Lopes, Walquiria Raizer e a nossas famílias, amigos e parceiros que sempre estiveram por perto. AGRADECIMENTO ESPECIAL AOS QUE PASSARAM POR ESSE GRUPO EM SEUS 10 ANOS DE EXISTÊNCIA: AUGUSTO MAKOTO, DANIEL BOSI, DANILO FERRAZ, DOMITILA TRINDADE, ÉRICO PERIM (IN MEMORIAM), FELIPE LEITE, FILIPE ALBERNAZ, GERÔNIMO, GIOVANNI MOREIRA, JOHN JOHN, RODRIGO NUNES, THIAGO PINHATI, THIAGO RAFT E WULISES PAIXÃO.


Prêmio de incentivo à produção de obras musicais em CD.


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