Entrevista Ana Cunha

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Ana Cunha Concentração e Inspiração As suas iniciais (AC) fazem parte do nome de uma das agências de design que nos últimos 15 anos mais tem revolucionado a estética e filosofia de muitas marcas portuguesas, a RMAC. A designer Ana Cunha, que durante anos fez “dupla fantástica”

Texto: Filipe Gil Fotografia: Isa Silva

com Ricardo Mealha, é actualmente a cara e a líder da agência que agora faz parte da multinacional BBDO. Em conversa com a Computer Arts, Ana Cunha revela um pouco o que a inspira no seu trabalho e como é o seu processo criativo.


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Computer Arts(CA): Como foi o seu percurso até chegar aqui? Ana Cunha (AC): Eu desde o princípio que sempre quis uma coisa: trazer beleza ao dia-a-dia das pessoas. Comecei por me interessar por arquitectura e pela área de belas artes. Acho que tem muito que ver com o facto de ter crescido a visitar museus. O meu percurso académico foi de uma disparidade enorme. Cresci e estudei no Instituto de Odivelas, onde o ensino e acompanhamento são muito rigorosos e onde havia um regime de dedicação ao estudo quase monástico. Guardo ainda do instituto imagens de uma beleza única, de silêncio e simplicidade que influenciam até hoje o meu sentido estético. Depois fui para a escola António Arroio onde se vivia no

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oposto do que era o instituto. O ambiente era de quase loucura, com artistas e liberdade total pelos corredores. Para além de me ter divertido imenso, ajudou-me a tomar a decisão de optar pelo design. Depois fui aceite em Belas Artes no Porto mas acabei por decidir ingressar no IADE por me interessar a componente prática do curso. Acabou por revelar-se uma opção basilar porque, a convite de um professor do IADE, comecei a trabalhar como freelancer para uma gráfica no Bairro Alto (epicentro artístico da Lisboa da altura) ainda a meio do curso, o que se revelou importantíssimo pela experiência e pela quantidade de artistas de todas as áreas que tive o privilégio de conhecer. A indústria gráfica era na altura muito interessante, recheada

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de enormes profissionais, cheia de história e um terreno fértil de aprendizagem técnica que me enriqueceu muitíssimo. Depois a localização no Bairro Alto. Conheci muita gente. Foi aí que encontrei o Paul Scavullo que, ao tempo, trabalhava com o Ricardo Mealha no jornal Blitz. O que quer dizer que foi aí que me cruzei com o Ricardo. Para nos situarmos tenho de dizer que, apesar de na altura já existirem boas, embora poucas, referências no design nacional, foi a Lisboa-94 Capital da Cultura que funcionou como boom para nós todos. Foi nessa altura que o trabalho do Ricardo surgiu. Os telões do Teatro D.Maria, a imagem do Frágil, a Modalisboa, Ana Salazar, Manobras de Maio, entre outros, da sua autoria, foram de uma qualidade e inovação

incomparável com o que se fazia na altura. O incrível foi que eu e o Ricardo começamos logo a trabalhar juntos! Para além de participar num momento único do design nacional encontrei um parceiro criativo que marcou todo o meu percurso até aqui. CA: Como caracteriza o design que faz? AC: Continuo a procurar surpreender-me. Mas sempre a fazê-lo por um caminho de refinamento e bom gosto, sofisticado. Preocupo-me muitíssimo com o detalhe. As texturas, a depuração de formas. Gosto muito da estética japonesa por isso. Do seu minimalismo, os materiais, o pormenor, o recurso à ilustração. Acho que isso é intemporal. Também perceber

as tendências e interpretá-las à luz desses princípios. Torná-las minhas.

equipa e discussão até se chegar à versão final.

CA: E como é o seu processo criativo? AC: Bom, o meu processo acaba por ter dois momentos. Um participativo e de colaboração em que procuro perceber o produto, o cliente e os objectivos. Os briefings são fulcrais porque é neles que se apreendem os pontos de partida para o outro momento do processo criativo. Aí funciono muito sozinha. Tem a ver com uma concentração extrema, em que experimento caminhos, sem restrições, até que do meio da experimentação surge, naturalmente, a resposta. É um processo acima de tudo interior e solitário. Só depois volta a ser um processo de

CA: E a integração da RMAC no grupo BBDO, uma multinacional, mudou de alguma forma essa maneira de criar e de trabalhar? AC: Com a integração da RMAC na BBDO trabalha-se mais em grupo, com pessoas de valências diferentes que desafiam constantemente a equipa. É muito interessante e enriquecedor. A RMAC sempre foi um grupo muito unido com identidade própria, por isso é muito bom agora vê-lo a interagir com outras equipas e pessoas. Tem sido um factor de crescimento muito importante para a RMAC, estes novos processos de trabalho e o


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Continuo a procurar surpreender-me. Mas sempre a fazê-lo por um caminho de refinamento e bom gosto, sofisticado Ana Cunha

aproveitamento dessas diferentes valências que a BBDO tem. Aliás os resultados da RMAC são bem demonstrativos disso. CA: Puxando a conversa mais para o lado da designer Ana Cunha, e menos para a RMAC, o que a inspira no seu trabalho como designer? Que autores, que artistas, que designers, que revistas a inspiram? AC: As influências são tantas, tudo pode ser uma fonte de inspiração, uma viagem (Tóquio recentemente), vaguear pela cidade, ouvir uma conversa, uma boa troca de ideias, uma exposição, um bom espectáculo, ...e claro um número infinito de blogues e sites, e não só de design, de tendências (ex. thecoolhunter), lifestyle, arquitectura, artes plásticas (o trabalho da Elizabeth Peyton é lindíssimo, Murakami, Yoshitomo Nara, as esculturas de Gehard Demetz...) fotografia… (Hedi Slimane diary, Vava Ribeiro, Mario Testino, Anna Lebovitz…) de branding, o site e blogue da Wolf Ollins é uma referência, Pentagram, e em design e art direction: Fabion Baron, Tom Ford, Universal Everything, Madethought... Packaging: lovelypackaging, the Dieline, entre tantos outros. De revistas, gosto de folhear tantas…, continuo a gostar da Wallpaper, da Monocle, Frame, Mark, Numéro, Idn, a Graphic... CA: Das várias vertentes e áreas em que já trabalhou, qual a que lhe deu mais gozo? AC: Todas as áreas são estimulantes e desafiadoras dependendo de como são abordadas. Mas temos sempre um carinho maior por alguns trabalhos. Tenho de confessar que houve trabalhos onde para além da qualidade e liberdade criativa tive o privilégio de me cruzar com pessoas que me marcaram pessoal e profissionalmente. Trabalhos como a Modalisboa, a Companhia Nacional de Bailado, o Lux, a Prof ganharam uma dimensão emocional muito valiosa. Muitos anos de sonhos, projectos e sintonia com profissionais incríveis. CA: No que respeita ao branding, do que mais gosta: criar novas marcas ou fazer rebranding, como a RMAC fez com o BES?

AC: Gosto muito de trabalhar rebranding. Porque é muitas vezes um exemplo do poder do design. Já existe um historial e há uma vontade de mudança e o branding acaba por alavancar isso. Os exemplos de grandes corporações que através do redesign se reinventam e motivam, que mudam as regras do jogo, são muitos e bem representativos da importância do branding. O BES é um óptimo exemplo disso. Foi um rebranding que atingiu e superou todas as expectativas do banco. CA: Ainda dentro do rebranding, qual a sua opinião do novo logótipo da Starbucks, apresentado recentemente? AC: A Starbucks é uma marca de culto. Se calhar uma em que eu não mudaria muito. Mas isso sou eu. O racional apresentado faz sentido, a escolha do verde também e todo trabalho é bem executado, mas parece-me ter acentuado um lado demasiado feminino. Para quem é fã do logo e colecciona merchandise acho que perdeu um pouco de identidade. CA: No seu processo diário e naqueles projectos em que trabalha sozinha, do que gosta mais de desenvolver? Ilustração, por exemplo? AC: Gosto mais do trabalho de layout, gosto muito de trabalhar com os elementos de formas muito inusitadas, de questionar as formas tradicionais de apresentar um layout. Essencialmente gosto de criar objectos de bom design, que as pessoas desejem, queiram guardar, expor, tanto pode ser um cartaz, um livro, ou um convite, e packaging… e até interiores, gosto de proporcionar experiências (sempre com uma abordagem mais gráfica). A ilustração é também um instrumento muito importante do meu trabalho. CA: É uma designer que liga muito ao tipo de fontes, passa muito tempo a escolher a fonte ou a desenhá-las? AC: Estou muito habituada a trabalhar com outras pessoas nesse campo. Deixo para os geeks das fontes esse trabalho (risos). Sou mais do género de me apaixonar por uma fonte num sitio qualquer e querer usá-la. É mais esse o processo.

CA: Falando um pouco da RMAC, como é a RMAC sem o Ricardo Mealha? AC: O espírito mantém-se. Eu continuo a direcção criativa. Além de grandes amigos temos uma grande cumplicidade pessoal e profissional. O facto de não estarmos juntos é uma força das circunstâncias. CA: Mas agora o Ricardo Mealha como designer e com a BrandStudio está na concorrência da RMAC, ou não o vê como concorrência? AC: Para o mercado, podemos ser vistos como concorrentes. Entre nós, isso nunca vai acontecer. CA: Na vossa dupla o Ricardo Mealha era mais visível que a Ana Cunha, concorda? AC: Eu sempre fui mais low-profile. CA: Mas agora vai ter que mudar essa postura, ou não? AC: Tenho ou não, depende. Neste meio as pessoas já me conhecem a mim e ao meu trabalho. As nossas credenciais e portefólio falam por si. CA: E como foi o processo de integração com a BBDO? AC: Foi uma evolução natural. Já trabalhávamos com a BBDO, mantendo a nossa identidade e respeitando as valências de cada um. E percebemos rapidamente que estávamos no mesmo comprimento de onda, que seria uma parceria interessante. E depois ter a oportunidade de trabalhar de perto com pessoas que há muito admiro como o João (Wengorovius) e o Pedro (Bidarra). CA: Mas não perdeu alguma liberdade criativa? AC: Sim, mas mais pela dimensão das marcas que trabalho e por às vezes terem objectivos e briefings mais rígidos, com menos margem para correr grandes riscos. Não tanto por estar na estrutura da BBDO, que aliás quis que a RMAC fizesse parte do grupo pela nossa identidade criativa e que nos defende para a mantermos.


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CA: Das marcas que nunca trabalhou, há alguma que gostasse de trabalhar? AC: Não é tanto uma questão de cliente ou projecto de sonho. No início encaro todos os projectos assim. É mais um desejo de conseguir sempre excelência, uma qualidade inquestionável. Ir ao mais ínfimo detalhe. CA: Comparando com outros povos, pelo menos com outros europeus, os portugueses parecem ter ainda uma falta de cultura de design, continua a ser uma coisa de elites? AC:...confesso que vivo numa bolha e já não sinto que o design é elitista. Mas também noto que infelizmente sofremos de um grande atraso e de falta de cultura visual. Mas as pessoas são sensíveis ao design, mais informadas e cada vez mais disponíveis para novas abordagens. É nossa obrigação em conjunto com os clientes criar bom design e acessível, presente o mais possível no nosso quotidiano para alterar esta tendência dos portugueses serem conotados com um fraco gosto, sem noção de design.

No início encaro todos os projectos assim. É mais um desejo de conseguir sempre excelência, uma qualidade inquestionável Ana Cunha

CA: Das marcas que trabalharam, há uma que se destaca, como foi trabalhar o Lux? AC: Foi sempre desafiante. O Manuel Reis (proprietário do Lux) foi sempre um cliente super exigente. Gostava de ser sempre surpreendido com algo novo, algo inteligente. Foi uma oportunidade incrível trabalhar com uma pessoa com esse nível de exigência. Só o Manuel para poder fazer aqueles convites e festas incríveis. Nós ajudámos a que muitas pessoas ficassem com recordação delas. Conheço muita gente que colecciona esse convites. Mais uma vez fizemos parte de um momento incrível e crescemos com isso.

CA: Mas em traços gerais, como analisa o actual estado do design em Portugal? AC: Apesar de tudo, melhorou imenso. Há coisas que acho que nós (RMAC) influenciámos, sobretudo na área da cultura. Actualmente, vejo os cartazes do Teatro D. Maria, do São Luis, do São João, no Porto, que são, de uma maneira geral, todos muito bons. O branding melhorou imenso, principalmente no pequeno branding. O packaging evoluiu muito, principalmente em nichos de mercado, mais gourmet. Na hotelaria percebeu-se a importância e o retorno do bom design. No retail também. E outra coisa boa é que deixou de ser apenas Lisboa e Porto. CA: A sua linha gráfica é mais fashion, como disse, a linguagem gráfica tradicional portuguesa tem influência na sua forma de criar? AC: Sou uma apaixonada pelo país, mas

influencia-me mais a paisagem e a vivência, a luz, as pessoas, que me encantam, do que os ícones gráficos, como o azulejo ou a filigrana (que é de facto muito bonita), os descobrimentos ou a calçada portuguesa... CA: Falando de jovens profissionais, que conselho daria a um jovem designer saído da universidade para vingar no mercado? AC: Hoje em dia parece que já não existem barreiras, todos podem ter acesso às mesmas ferramentas, à mesma informação. A formação do designer é mais da responsabilidade e empenho individual que das escolas ou de outros condicionalismos. O mercado tem uma vasta oferta de emprego e de vários géneros. Mas têm de saber muito bem o que querem para poderem escolher bem o caminho a procurar. Hoje em dia há tantas vertentes no design, e formas diferentes de trabalhar... desde o designer que prefere trabalhar em equipa em grandes agências; ao designer que prefere fazer um trabalho mais pessoal, mais de autor. O conselho que dou é: se são apaixonados por aquilo que fazem, devem procurar o caminho onde se encaixam melhor e estar sempre a investir em formação. Só assim poderão ver o seu trabalho progredir. CA: Já agora, quais são os critérios para um designer vir trabalhar para a RMAC? AC: É muito importante o domínio técnico e a facilidade de trabalhar em equipa. Ainda que acima de tudo tem que ter uma excelente e vasta cultura visual, muita vontade de trabalhar, muito talento e paixão pelo design. CA: Última questão: que projectos tem para 2011? AC: A RMAC. É o meu projecto para 2011. É sempre o meu grande projecto de vida.


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