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Dino dos Santos “A tipografia pode mudar a vida das pessoas sem que estas dêem por isso” Dino dos Santos, um dos mais importantes designers tipográficos portugueses, é um crítico do ensino da “sua” arte em Portugal, é aliás também crítico da forma como a sociedade portuguesa menospreza a tipografia.
Texto: Fernando Mendes e Filipe Gil Fotografia: João Reis
Ícones do Design Dino dos Santos
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Computer Arts (CA): Ainda tem sentido desenhar novas fontes tipográficas, tendo em conta a super abundância nesta área? Dino dos Santos (DS): A super abundância reflecte mais a facilidade de desenhar tipos de letra e da sua publicação online, o que não significa que desenhar um bom tipo de letra seja mais fácil hoje do que era há 100 anos. Os princípios são muito semelhantes e a tipografia não mudou tanto quanto se pode pensar nos últimos 500 anos. O trabalho é hoje mais confortável mas igualmente mais minucioso, com elevado número de pares de kerning, assim como caracteres para as mais diversas linguagens e software. Por isso, faz todo o sentido desenhar novas fontes, se tivermos a certeza do que pretendemos fazer. Se o designer tipográfico definir o que pretende obter com um novo tipo de letra, poderá mais facilmente encontrar um sentido para o mesmo, que em algum momento, seja diferente do existente.
encontra a ser leccionada nas nossas universidades tem mais relação com a utilização dos tipos de letra e não com o seu desenho enquanto sistema.
CA: Como seria uma fonte dedicada a Portugal? DS: Não faço a mais pequena ideia! Portugal é um país cuja identidade assenta em pressupostos de mestiçagem, de troca cultural, uma identidade que não se revê em aspectos muito concretos, por isso seria muito difícil, se não impossível, fazer uma fonte dedicada a Portugal. Depois, em Portugal, existe uma certa cultura latente que define que o que vem de fora é que é bom, por isso o melhor seria mesmo escolher um tipo de letra estrangeiro, ou desenhado por um estrangeiro.
CA: Que fonte mais dificuldades lhe levantou ou a qual dedicou mais tempo e trabalho? DS: Sem dúvida a Velino, um dos meus últimos sistemas tipográficos e possivelmente a mais extensa família tipográfica que já desenhei. São mais de 120 tipos de letra para as mais diversas utilizações, com versões com e sem serifas.
CA: Considera que a formação específica em tipografia avançada está correctamente contemplada nas Universidades do País? DS: Nem por sombras! As universidades apresentam-se como sistemas fechados e raquíticos que demonstram uma abertura demasiadamente selectiva ao exterior, pelo que o ensino da tipografia é praticamente inexistente, salvo raras excepções e tipografia avançada, tal como é referido na pergunta, é inexistente. O que existe é um ensino da tipografia, mas aqui é que as coisas se tornam interessantes, pois os ingleses separam completamente Typography e Type Design, enquanto nós por cá achamos por bem misturar as duas noções. Pelo que a tipografia que se
CA: É por isso que surgem poucos nomes nesta área em Portugal? DS: Sim, os poucos nomes reflectem a minha resposta à pergunta anterior. Todos os type designers que conheço fizeram e fazem um exercício hercúleo para se tornarem mais competentes no desenho de tipos de letra, mas fazem-no por dedicação autónoma e não por sistema de ensino. CA: E no entanto, pode falar-se de um design tipográfico português ou não? DS: Não! CA: Dentro dos nomes actuais, quais destaca? DS: Rui Abreu, Ricardo Santos, Mário Feliciano e o Pedro Leal, o qual trabalha comigo na DSType.
CA: Que fonte mais odeia? É anti Comic Sans? DS: Em particular não odeio fonte alguma, muito embora existam inúmeras fontes bastante mal desenhadas. A Comic Sans é mais um problema de utilização do que de desenho tipográfico, pois é uma fonte que cumpre perfeitamente a sua função, nomeadamente ser utilizada para legendagem de banda desenhada, mas que por via da sua má utilização se viu vilipendiada. CA: O que pensa da fonte Helvética? Gosta ou não? DS: A Helvética desperta em mim exactamente o que é suposto despertar: indiferença e neutralidade. Se gosto da Helvética? Sim, acho uma fonte muito interessante. Aliás devo dizer que gostaria muito de ter desenhado ambas, a Helvética e a Comic Sans, o que pode parecer
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muito estranho, visto que nenhum dos meus trabalhos entra por esse caminho, mas para o bem e para o mal são fontes que vão ficar na história da tipografia. CA: E que letra gostava de ter desenhado? Porquê? DS: O meu tipo de letra favorito é a Swift do Gerard Unger. Possui todas as características que julgo interessantes no desenho tipográfico: uniformidade, paralelismo e bom gosto. CA: Como é o seu processo criativo? O que o inspira para criar um fonte? DS: O meu processo começa sempre por determinar com exactidão o objectivo do tipo de letra que pretendo desenhar, se é para ser utilizada em jornais, livros, comunicação ou identidade corporativa. A inspiração pode ter diversas proveniências mas esta definição é fundamental e transversal a todas, pois ajuda a balizar todo o trabalho e partir para o desenho analógico sobre papel. Os desenhos não são muito extensivos e muitas vezes carecem de precisão, mas são fundamentais para compreender os
Se a sociedade portuguesa tem pouca ou nenhuma noção das coisas importantes, como é que poderia ter noção das fontes que se utilizam?
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sentidos que o tipo de letra deve seguir. A digitalização é realizada em FontLab Studio, no qual desenho os pesos mais extremos (o mais Light e o mais Bold), utilizando o formato Multiple Master como auxiliar e que depois passa por um vasto conjunto de softwares adjacentes e outros plug-ins, que ajudam a resolver os problemas mais técnicos. CA: Acha que a sociedade portuguesa tem noção das fontes que se usam no dia-a-dia? DS: Se a sociedade portuguesa tem pouca ou nenhuma noção das coisas importantes, como é que poderia ter noção das fontes que se utilizam? A resposta é, claramente, não! CA: Como pode o uso correcto das fontes - nas comunicações públicas, nas ruas, nas auto-estradas, melhorar a vida no dia-a-dia? DS: O problema da tipografia é que pode mudar a vida das pessoas sem que estas dêem por isso. Neste sentido a mudança vai sempre ser atribuída a coisas mais visíveis que a própria tipografia. Mesmo que não mude a vida das pessoas pode mudar a capacidade de comunicação dos objectos gráficos. A toponímia das ruas portuguesa é absolutamente lastimável, a comunicação das vias de comunicação (comboios, metro,etc.) segue o mesmo caminho. Note-se que em muitos países, os designers tipográficos são chamados a criar tipos de letra para sinalética pública enquanto em Portugal optou-se por simplesmente copiar os tipos de letra utilizados nas estradas inglesas (para utilizar nas nossas estradas)
ou tipos de letra germânicos para sintética dos nossos serviços de metro. Como se a tipografia fosse uma verdade absoluta e perfeitamente dissociável da paisagem urbana, pelo que um qualquer tipo de letra com sucesso em outro país funcionasse em Portugal sem qualquer problema. CA: Qual a análise que faz do design gráfico em Portugal e da sua evolução nos últimos anos? DS: O design gráfico em Portugal tem conseguido bastante projecção internacional, com excelentes ateliers a estarem representados nas mais diversas publicações e associações. O problema do design nacional jamais residiu na improvável incompetência dos designers, mas sim na falta generalizada de uma cultura do projecto de design. CA: O que aconselha a jovens que queiram seguir a sua área? DS: Para todos aqueles que desejem seguir o desenho tipográfico só posso dizer que existem três tipos de type designers: os geniais, os talentosos e os trabalhadores. Eu incluo-me na última definição, pelo que somente posso aconselhar muito trabalho, empenho, dedicação, pesquisa e perseverança, para poderem resistir a todos que pensam que desenhar letras é algo absolutamente ridículo, pois supostamente as letras são algo que se encontra historicamente desenhado.