Entrevista Martino&Jana

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Setembro_2011 computerarts.com.pt

Output Estúdio do mês

Martino &Jaña Pensar com as mãos O atelier Martino & Jana é um dos estúdios portugueses de design gráfico com maior reconhecimento internacional. Clientes como a Nike USA e o canal NBC procuraram-nos e pediram-lhes trabalho. No fundo, exportaram aquilo que acreditam que Portugal tem de melhor: talento e criatividade

Computer Arts Portugal (CA): Qual foi o vosso percurso antes de montarem o estúdio? João Martino (JM): Tirei o curso de design de comunicação na Escola Superior de Artes e Design (ESAD), em Matosinhos. E lá um dos professores que mais me marcou foi o Andrew Howard. No último ano da minha licenciatura fui convidado para trabalhar com ele e fui o seu primeiro assistente, tendo permanecido pelo seu atelier durante seis anos, antes de sair para montar o estúdio. Alejandra Jana (AJ): Paralelamente, comecei os meus estudos no Chile, sou chilena, mas quando vim viver para Portugal o curso que tinha não era compatível com o curso do ESAD e assim tive de recomeçar os estudos. Também tive o Andrew Howard como professor e no final da minha licenciatura também fui convidada para ir trabalhar com ele, e foi lá que conheci o João (Martino). CA: E de que forma o Andrew Howard vos marcou? JM: Para nós foi uma novidade o cuidado e amor pela tipografia, aliás, naquela altura, foi uma novidade em Portugal. Arrisco-me a dizer que o estudo da tipografia, de uma maneira aprofundada, renasceu muito pela influência do Andrew Howard. Primeiro na ESAD e depois, por contágio, na Faculdade de Belas-Artes do Porto. Ainda hoje se nota um cuidado muito especial com a tipografia no design gráfico português, e uma das sementes e influências para tal foi o trabalho do Andrew.

Texto: Filipe Gil

Fotografia: Carlo Braga

CA: Foi um passo muito grande montarem o vosso atelier? Em que ano foi? AJ: Começámos na cozinha da minha casa em 1999 (risos) num projecto que nos levou a montar o atelier, ou seja, oficialmente montámos em 2000. JM: Foi complicado e não foi. Foi complicado porque praticamente trabalhávamos para pagar as contas, mas, ao mesmo tempo, isso aconteceu porque acreditávamos que um dia as coisas seriam diferentes. Nesse período, que julgávamos que seria mais curto do que realmente foi, tivemos de fazer alguns sacrifícios, mas sempre a acreditar que um dia a qualidade viria ao de cima.

AJ: De facto, montámos o atelier com a filosofia de trabalharmos apenas naquilo onde poderíamos mostrar qualidade. Fizemos grandes sacrifícios porque tivemos critérios na escolha dos projetos que nos surgiam. CA: Então, desde logo tiveram uma visão muito concreta do que seria o vosso estúdio e do tipo de trabalho que queriam produzir? JM: Já sabíamos o que queríamos e o que não queríamos. Independentemente de tudo aquilo que se pode acusar, nós gostamos de trabalhar para a cultura. No fundo achamos que ao trabalhar para a cultura estamos a trabalhar para algo em que nos revemos. E, mais do que ter sucesso profissional e dinheiro, queremos olhar para trás e vermos que contribuímos com algo. Isto foi algo assumido desde o início. AJ: E continuamos a acreditar nisso!! CA: Começaram o estúdio só os dois? JM: Nos primeiros anos fizemos questão que fossemos só os dois e fomos assumidamente individualistas. No fundo, estávamos à procura de uma afirmação e de criar o nosso espaço, para isso foi muito importante assinarmos os trabalhos. CA: E apesar da vossa escolha de fazer design mais relacionado com a cultura, tiveram entretanto alguma solicitação para fazer design mais comercial. E se sim, aceitaram-no? JM: Sim, fizemos. Acho que os limites éticos são pessoais. Já fizemos campanhas políticas porque nos revimos nos valores de quem estava a concorrer. Mas já tivemos outros trabalhos que recusámos porque iam contra a nossa ética pessoal. Essa ética de que falo é uma ética nossa, para nós, não nos interessa muito o que os outros pensam nela. CA: E atualmente, quantas pessoas trabalham no atelier? JM: Neste momento o atelier trabalha de uma maneira muito sui generis: temos uma equipa fixa de cinco elementos e temos aquilo a que chamamos de estúdio de portas abertas. Isto quer dizer que há muitos outros designers e artistas que são convidados para partilharem os recursos do nosso estúdio; sejam os recursos materiais, o próprio espaço, seja o próprio valor intelectual do estúdio. AJ: Quando o João diz que convidámos, quer dizer que temos, ostensivamente, convidado jovens que precisam e sentem necessidade de alguma orientação para virem partilhar connosco o nosso espaço de trabalho e os nossos meios. Acreditamos que temos de dar algumas oportunidades a pessoas com valor, e porque é também uma troca já que nós assim ficamos atentos


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Output Estúdio do mês

01 Poster para programa de televisão “The Sing Off” 2011, para a NBC, EUA

02 Poster para o Guimarães Jazz 2009, para Centro Cultural Vila Flor, Guimarães

03 T-Shirt sobre a Federação Francesa de Futebol, para a Nike, EUA

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às novas influências desse “sangue novo”. É algo que apesar de não ser metódico tem uma dinâmica que nos tem dado muitos frutos. JM: E para responder concretamente à pergunta, uma vez somos cinco outras somos 12 ou 15 quinze… AJ: …e não necessariamente a trabalharmos para um projecto de atelier, às vezes estamos nós a trabalhar numa coisa e quem aparece trabalha para os seus projectos próprios ou então começa a trabalhar connosco porque vê um trabalho e pede para entrar nele para tentar dar outra interpretação. CA: Esses colaboradores são estagiários ou são profissionais de outras áreas com quem colaboram? JM: Somos um pouco contra os estagiários, mas todos os anos recebemos pessoas de pré licenciatura com o projetco da Escola Árvore e temos tido experiências fantásticas. Depois temos outras pessoas que já terminaram o curso e outras que têm outras mais-valias profissionais, como, por exemplo, copywriters, fotógrafos, ilustradores, etc. Tentamos que seja uma posição de colaboração e não de estágio. Neste momento, e devido à nossa visibilidade, recebemos pedidos de estágios de todo o mundo mas não temos capacidade económica para aceitar. Isto não quer dizer que, pontualmente, não aceitemos estagiários. Tem muito a ver com a vontade demonstrada pela pessoa em querer estagiar connoscos, mas por princípio não temos estagiários. CA: No início do estúdio como foram à procura dos vossos clientes? JM: É engraçado porque sempre quisemos trabalhar para o sector cultural mas não conhecíamos ninguém na área. Os nossos primeiros clientes foram uns produtores culturais que surgiram por acaso e nos quais investimos muito. Tudo o resto veio em seguimento disso.

CA: Como é o vosso processo de trabalho? Trabalham em dupla, são individualistas? Podem explicar como o fazem? AJ: Deixámos de funcionar como dupla e deixámos de chamar-nos Martino e Jana para acrescer a designação “atelier”, e passámos a trabalhar em uníssono. Ou seja, tanto eu como o João, ou qualquer outros dos elementos do estúdio, podem estar a trabalhar no mesmo projecto ao mesmo tempo, desde que se dê continuidade aos outros projectos paralelamente. Na prática eu posso pegar num ficheiro do João e trabalhar por cima do que está feito uma vez que ache interessante dar outro caminho. JM: Não há mesmo uma noção de créditos individual. Normalmente, um trabalho tem quatro a seis mão, ou mais, ao mesmo tempo. AJ: É um trabalho mesmo colectivo. Até nos acontece aparecer pessoas de fora, as tais de que falámos anteriormente, que acham interessante dar um novo contributo naquilo que estamos a desenvolver. Aliás, já nos aconteceu apresentarmos uma proposta final com a mão de alguém que colaborou connosco e que não faz parte do nosso estúdio. CA: E quando têm vários projectos ao mesmo tempo, trabalham-nos simultaneamente, ou alguém assume a liderança de determinado projecto? JM: Não existe uma hierarquia clara, mas é óbvio que tanto eu como a Alejandra temos um peso diferente. No fundo, garantimos o pragmatismo que é necessário para fazer as coisas funcionar. Todos trabalhamos em vários projectos ao mesmo tempo e todos nós sabemos o que temos de fazer no dia-a-dia, e quais os prazos. É algo muito prático. CA: E como é o contacto com os clientes, uma vez que, por vezes, e especialmente para os criativos, lidar com clientes não é o mais fácil e atrativo? JM: A experiência ajuda muito, claro. Mas temos a sorte de trabalhar

Para nós foi uma novidade o cuidado e amor pela tipografia, aliás, naquela altura, foi uma novidade em Portugal. Arrisco-me a dizer que o estudo da tipografia, de uma maneira aprofundada, renasceu muito pela influência do Andrew Howard. com clientes de há vários anos, e temos com eles boas relações, com altos e baixos naturalmente, mas muito maduras, de quase amizade. CA: Se pudessem indicar, qual a pior parte de gerir um estúdio? AJ: É o dinheiro... JM: …sim, a parte complicada e que temos mais dificuldade é a parte do dinheiro. AJ: Lamentavelmente nenhum de nós tem o “bicho” do negócio. Facilmente nos apaixonamos pelos projectos e facilmente cedemos financeiramente... CA: Ou seja, têm dificuldade em balancear a criatividade com o retorno financeiro? JM: Sim. É uma das nossas grandes falhas e estamos a tentar tratar disso. Por vezes não conseguimos capitalizar o reconhecimento que já temos num retorno justo a nível financeiro, e não estou a falar de fortunas.

CA: Já sabemos o que é o pior, agora pergunto o que é o melhor em gerir um estúdio? JM: É a diversão, divertimo-nos muito. Somos todos muito felizes a trabalhar aqui. Claro que há momentos altos e momentos baixos, mas é muito bom. AJ: Falando por todos posso acrescentar que o ambiente no atelier é excepcional. Aliás, fazemos questão de trabalharmos todos no mesmo espaço e partilhar a mesma mesa. CA: Ainda sobre as questões de gestão do estúdio, têm sentido a crise económica que assola Portugal, ou como têm alguns clientes internacionais a crise passa-vos ao lado? JM: Sentimos a crise virtualmente. Provavelmente porque estamos num pico alto da nossa história e quem nos procura mais são clientes estrangeiros. E isso, provavelmente, é um sintoma da crise que vivemos. Por exemplo, no ano passado fizemos um trabalho para a Nike USA, há cerca de quinze dias começámos a trabalhar num projecto para a NBC; ou seja, estes grandes clientes internacionais telefonam-nos a pedir para trabalhar com


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Output Estúdio do mês 04 Poster para a peça de teatro MacBeth, 2011, para Teatro Oficina, Guimarães

07 Poster Guidance 2011, Festival Internacional de Dança Contemporânea,

06 Poster para a peça de teatro “Sonho de uma noite de verão”, 2010, para o Teatro Oficina, em Guimarães

05 Jornal Guimarães Jazz, 2009, para o Centro Cultural Vila Flor, Guimarães

para o Centro Cultural Vila Flor, Guimarães

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E trabalhamos com todos os meios que temos à mão. Pintamos, desenhamos, recortamos, fotografamos, sujamo-nos, etc. eles. Já com os clientes nacionais tem sido mais complicado. AJ: O que realmente sinto é que as coisas estão um pouco paradas em Portugal. Temos ouvido falar de muitos projectos, vamos ouvindo falar de pessoas a quererem envolver-se em coisas, mas sentimos que está tudo parado. JM: Claro que temos a sorte dos nossos clientes nacionais nos darem o mínimo de estabilidade o que nos mantêm com energia suficiente para levar o projecto para a frente. E, claro, a nossa estrutura está baseada nesses clientes. CA: Mesmo quando os vossos principais clientes são da área cultural, área essa que é das primeiras a sentir cortes quando há crises económicas. JM: Estamos um pouco num micro universo isto porque, e é pura especulação nossa, o nosso principal cliente, o Centro Cultural Vila Flor está em Guimarães, que para o ano será Capital Europeia da Cultura. Parece-nos que seja mais difícil cortar o investimento em Guimarães visto a proximidade desse evento. No entanto, sentimos que noutros projectos há cortes fundamentais, aliás, o próprio Centro Cultural Vila Flor já teve cortes. CA: E qual o papel que o designer pode ter nestes tempos de crise económica? AJ: Estamos a trabalhar nisso... JM: ...estamos, pois temos sempre trabalhos paralelos. A nossa maneira de reagir à crise é procurando soluções. E para Portugal tenho a certeza que a solução está na criatividade. O nosso petróleo é o talento das nossas pessoas que é bastante, só que, infelizmente, ainda há muito pouca capacidade de o exportar. AJ: Temos uma rede de conhecimentos de gente muito talentosa, cheia de motivação e vontade de trabalhar aos quais podemos dar oportunidades e com os quais podemos criar novos projectos. CA: É notório, e desta feita são palavras minhas, que vocês têm

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uma identidade vincada no vosso trabalho. Como lidam com isso? JM: A identidade é algo que se ganha com a maturidade. Percebemos que não é algo que se cria mas sim algo que está impregnado em nós. O meu gosto pela literatura, poesia, ou pela astrofísica influencia como eu vejo as coisas. Os gostos da Alejandra, pela dança, pelo teatro, etc., traduzem-se, sempre, em imagens gráficas. Portanto, nota-se que o nosso trabalho é nosso, mas também se nota que temos abordagens completamente diferentes para trabalhos diferentes. O elo de ligação entre eles são os ideais, os interesses e as paixões que temos e que estão por trás desses trabalhos. CA: E há alguma área específica do design que têm mais à vontade que outras? AJ: O design editorial é a nossa paixão e a nossa especialidade, no entanto o nosso portefólio não reflecte isso. JM: As oportunidades são mais viradas para os posters, que gostamos imenso de fazer, aliás, todos os designer adoram fazer posters, mas a nossa paixão e as nossas mais valias - de todos no atelier -, estão muito mais ligadas ao editorial e à tipografia. CA: E como é o vosso processo criativo? Trabalham primeiro no papel e depois no computador? Como chegam ao resultado final? JM: Isto é um assunto quase histórico. Tivemos uma crise de identidade há algum tempo que teve a ver com os objectivos que nos propusemos a atingir por volta de 2002. Nessa altura tivemos uma crise de identidade. Não nos revíamos no que criávamos e nem percebíamos muito bem o que nos estava a acontecer. Esta fase, de crise profunda, durou cerca de dois anos. Até que percebemos que estávamos a sofrer um efeito secundário das nossas virtudes: sabíamos atingir um caminho de competência e de certeza que era contraproducente. A novidade, a excelência

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e a inovação provêm das dúvidas não das certezas. Assim, procurámos trazer essas dúvidas para dentro do atelier e deixámos de trabalhar apenas os dois. Não foi algo que aconteceu de repente já que primeiro criámos um “laboratório de idéias”. Começámos a observar que nas aulas, pelo facto de estarmos com pessoas com menos experiência, não colocávamos em prática o processo “clássico” de investigação e reflexão e posterior execução, mas sim um processo de criação imediata, com investigação mínima, voltando depois atrás para resolver os problemas que nos iam surgindo. No fundo, o que começámos a fazer foi acção/pesquisa/ acção, em vez de pesquisa/acção. Assim, o nosso processo criativo é hoje fruto disso. Pequena pesquisa de enquadramento e produção imediata, o que chamamos de pensar com as mãos. Depois paramos para pensar um pouco e reflectir no que faz sentido para encontrar o melhor caminho para resolver determinado problema. AJ: E trabalhamos com todos os meios que temos à mão. Pintamos, desenhamos, recortamos, fotografamos, sujamo-nos, etc. CA: No início desta conversa falaram de uma das vossas referências, o designer Andrew Howard. Que outras referências têm? JM: Neste momento vivemos inundados de imagens e fazemos, todos, uma pesquisa diária de coisas que nos interessam. Mas claro que existem referências como o Sebastião Rodrigues e o Victor Palla, para falar dos nacionais. E internacionalmente o design holandês, o David Carson, entre outros, mas são tantos..., no fundo, usamos essas referências como uma base. AJ: Mas o nosso leque de referências não tem a ver só com designers, e custa-me responder a esta pergunta porque vamos deixar de fora outros nomes que são muito importantes para nós. As nossas referências vão mais além do design, referenciamo-nos pela música, pela fotografia, pela poesia, pela dança. E somos muito activos na “visita” a este tipo de referências. Posso adiantar, por exemplo, que a nossa próxima inspiração para os trabalhos para Guimarães Jazz é o movimento Dada.

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CA: Mencionaram que trabalharam agora para o canal norte-americano NBC, que mais trabalhos têm desenvolvido ultimamente? JM: Estamos a finalizar o Guimarães Jazz, evento que agora faz 20 anos. É um projecto que tem uma importância muito grande no atelier. Acabámos esta semana um projecto para a NBC, para a qual criámos a imagem gráfica de um programa de televisão. E estamos à espera de algumas respostas para trabalhar outros projectos. CA: E como chegaram à NBC, ou vice-versa? JM: Os norte-americanos são muito atentos. Entraram em contacto connosco, disseram-nos que conheciam e gostavam muito do nosso trabalho, e perguntaram-nos se queríamos trabalhar com eles. Assim, estamos a fazer a imagem de um programa do estilo do “Ídolos” com um formato diferente já que é para cantores Acapela. No fundo, eles procuravam uma proposta mais alternativa e vieram ter connosco.

08 Cartaz em Serigrafia 50x70 cm da Programação Café Concerto de Maio 2010, para o Centro Cultural Vila Flor, Guimarães


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