Entrevista Andrew Howard

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Setembro_2011 computerarts.com.pt

Ícones do Design Andrew Howard

Computer Arts Portugal (CA): É designer, curador e pedagogo. Em que papel se sente melhor? Andrew Howard (AH): Para ser honesto, em todos. Eu não tenho formação oficial como designer gráfico, é apenas algo que acabei por fazer - inicialmente estudei Belas Artes. Eu sou fascinado pelas possibilidades do design, mas prefiro não me limitar apenas a uma forma de o explorar. Assim, gerir um estúdio de design, desenvolver e ensinar programas educativos, ser curador de exposições e escrever, permitem-me ser e fazer coisas diferentes em momentos diferentes. CA: Como professor continua ligado à Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (ESAD)? AH: Sim, eu sou o coordenador do Mestrado em Design de Comunicação, um novo curso que começou há dois anos. Eu deixei de dar aulas em 2004, após cerca de 10 anos, porque tinha chegado a um ponto onde senti que estava apenas a repetir-me a mim mesmo. Mantive a minha ligação com a escola, organizando a conferência Personal Views, mas eu precisava de uma pausa do dia-a-dia de ensino, para me actualizar. Os estudantes não são os únicos que precisam de aprendizagem no ambiente educacional, os professores também têm que sentir que estão em desenvolvimento. Se isso não acontecer, tudo se torna um pouco previsível e isso não é bom nem para os alunos, nem para o professor. Há uns anos, a escola convidou-me para gerir o novo mestrado e parecia um desafio interessante, especialmente porque me foi dada a liberdade para estruturar o curso da forma que achei melhor.

Andrew Howard Andrew Howard, designer de origem britânica a viver há 18 anos em Portugal contraria a ideia que vivemos num país periférico, pelo menos na área do design. Tem colocado o Porto na rota dos designers internacionais, função que vai continuar a ter. Além disso, é um exemplo concreto de como os criativos devem lutar pelas suas convicções e naquilo que acreditam, mesmo em tempos de crise

CA: Contraria a ideia de que o ensino em Portugal é feito por professores que, maioritariamente, estão afastados da prática do dia-a-dia? AH: A meu ver, sim. Eu certamente acho que é importante que os envolvidos no projecto de ensino estejam também envolvidos na prática profissional, de algum modo, e a maioria das pessoas que eu conheço aqui que ensinam, têm também o seu próprio trabalho profissional. Isso porque não é comum que o ensino seja um trabalho a tempo inteiro neste nível. Isso também acontece no Reino Unido, embora eu também tenha amigos que trabalham a tempo inteiro como educadores profissionais, porque eles são directores de curso ou chefes de departamento. Então, talvez seja mais comum ensinar e não ter uma prática profissional externa no Reino Unido do que aqui. No final, o que importa é que os educadores tenham uma firme compreensão do que está a acontecer na prática profissional e dos desafios que os designers encontram na prática diária. CA: Com a sua experiência de educador no terreno como é que avalia o ensino do design em Portugal? AH: Eu apenas posso falar com convicção sobre a minha experiência na ESAD, que é uma escola muito boa. Tenho amigos que dão aulas em faculdades de prestígio no Reino Unido, no Royal College of Art, London College of Communication, Central Saint Martins, Kingston, etc., e eu ouço histórias de verdadeiro horror. Os seus trabalhos são incrivelmente exigentes e eles trabalham sob constante pressão, tentando lidar com o número impraticável de alunos, a burocracia, a luta por recursos, a gestão de orçamentos. E ouço muitas reclamações sobre a queda nos padrões. Eu achava que a educação do design em Portugal estava muitos anos atrás do Reino Unido, o que provavelmente era, mas actualmente, não tenho certeza que a diferença seja tão grande. A ESAD é um bom exemplo. A série de conferências Personal Views que organizei entre 2004 e 2008 não foi única aqui em Portugal. Os meus colegas em Inglaterra também ficaram impressionados com uma série que conseguiu reunir 44 dos designers líderes mundiais - algo que nunca tinha testemunhado em nenhuma escola de design do Reino Unido. CA: E os estudantes com quem se tem cruzado no ESAD têm nível suficiente para vingar no mercado internacional do design? AH: Eu acho que o padrão é bom e muitos dos melhores alunos vão para o exterior para estudar no nível de mestrado, e fazem muito bem. O que é diferente é o contexto no qual os alunos aqui estudam. Aprender a ser designer numa cidade como o Porto ou Lisboa é muito diferente da experiência de Texto: Filipe Gil Fotografia: Carlo Chorão Braga

aprendizagem numa cidade como Londres, onde os estudantes são imersos num ambiente cultural que é extremamente dinâmico, cheio de exposições, de informação, conferências e outras escolas de design. Trazer designers conhecidos experientes aqui para o Porto é uma óptima maneira de ampliar a perspectiva dos estudantes, mas é claro que não é um substituto para o ambiente cosmopolita que se encontra nas grandes capitais europeias. Mas aqui há uma abundância de talento. CA: Mas o que é preferível num designer, ser criado no ambiente londrino com muita informação, quiçá até demais, ou crescer num ambiente periférico como Porto e Lisboa onde ainda existe muita informação externa para absorver? AH: Bem, hoje em dia a internet permite que as pessoas partilhem as mesmas influências onde quer que estejam. Isso significa que podemos aceder a bons trabalhos de designers em lugares que nunca teríamos conhecido ou sido capazes de ver antes da internet existir. Por isso acho que a localização geográfica não é tanto um obstáculo para se manter a par de novos desenvolvimentos como costumava ser. Se você me perguntar se o design em Londres é diferente, eu diria que, embora a experiência do dia-a-dia seja diferente, as referências culturais são cada vez mais comuns, porque partilhamos uma cultura globalizada ocidental: McDonald’s, Body Shop, Oprah Winfrey Show, Harry Potter, etc., estão por toda parte. Ao longo dos anos convido muitos designers para o Porto, e eles adoram. Londres é uma cidade grande, mas o quotidiano é cansativo. No ano passado eu convidei Laurence Zeegen, Director na Faculty of Art & Design na Universidade de Kingston, para realizar um workshop no mestrado e, como tantas pessoas que eu convido, ele encantou-se com o Porto. E não foram apenas as coisas normais, como o clima, a comida, a escala da cidade, etc., embora seja importante notar que estas coisas não são acidentais. Considerando tudo e em particular o facto de que o mestrado é ensinado principalmente em Inglês, ele pensou que, com as propinas a metade do preço em relação ao Reino Unido, o Porto pode ser uma perspectiva muito atraente para estudantes de design do Reino Unido. O importante, na minha opinião, é que você esteja ligado com o que está a acontecer local e internacionalmente. CA: Dos alunos que frequentam o mestrado há muitos que ao mesmo tempo trabalham em estúdios ou ateliers? AH: Quase nenhum. Como você provavelmente sabe, o Tratado de Bolonha teve um efeito marcante em ambas as trajectórias educacionais e nos padrões. Em tempos era muito importante ter uma licenciatura e um mestrado, era visto como algo especial a ser considerado numa fase posterior, se é que era considerado. Agora, o valor de uma licenciatura tem diminuído significativamente e ao se aperceberem disso, os alunos querem fazer um mestrado imediatamente. O resultado em geral, que eu acho que se aplica a todas as cadeiras de nível universitário, é que os padrões de mestrado caíram. E esse é o motivo pelo qual os cursos tiveram uma redução para acomodar os alunos que têm apenas 3 anos de estudo em vez de quatro. Com a perda de status na licenciatura, os estudantes sentem-se obrigados a continuar os seus estudos, onde, antes eles poderiam procurar trabalho ou diferentes experiências antes de embarcar num mestrado. Pessoalmente, eu acho que é uma boa ideia tirar um ano antes de pensar em fazer um mestrado, tendo em conta que em qualquer caso, em termos de emprego, eu não acho que ter um mestrado faça muita diferença. CA:...essa é a minha questão seguinte: como está ligado a um Mestrado tem conhecimento das oportunidades de emprego depois dos estudos? Partilha da opinião de alguns que os alunos devem ir para o estrangeiro para tentarem mais oportunidades? AH: Há problemas reais para os jovens designers. O design gráfico como uma profissão séria ainda carece de um reconhecimento generalizado na indústria Portuguesa, embora tenham havido progressos. Ir para o estrangeiro é sempre uma experiência interessante e eu não iria desencorajar, mas vale a pena lembrar que as oportunidades têm de ser criadas onde você estiver.


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Ícones do Design Andrew Howard 01-02 Mãos 32 e 31 (respectivamente), Revista semestral de Artes e Ofícios, 2008

03 Posters para a exposição ‘Alfabeto’, 2007. Inserida na série ‘Idiomas’ onde Andrew Howard foi o curador. Fundação de Serralves. Silo - Espaço Cultural

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Você não pode ficar sentado e esperar que as coisas venham ter consigo. Falei com um empresário há alguns meses e ele estava a comentar sobre o interior do país ser praticamente um deserto em termos de investimento intelectual e criativo e de iniciativas. Muitos jovens designers provavelmente não quereriam ir para lá, preferindo ficar nas principais áreas urbanas. CA: Mas os designers recém formados não deveriam pensar que nem todos conseguem trabalhar em design gráfico e que existem outros campos do design por explorar e que podem ser alternativas profissionais? AH: Essa é uma pergunta pertinente. Como educador eu sempre fui muito consciente disso. Quando eu estava a dar aulas na licenciatura, há 10 anos, tinha aulas com 30 ou mais alunos, muitas vezes eu me perguntei quantos deles acabariam por ser designers profissionais. Talvez seis ou sete, e talvez quatro ou cinco possam ir para o ensino secundário, e o resto, provavelmente, acabará a fazer algo completamente diferente. Como director de um mestrado estou muito ciente de que podemos formar alunos que poderão nunca tornar-se designers - por qualquer motivo. É por isso que sempre me preocupei com a estrutura de ensino, para que construa capacidades analíticas e habilidades que são transferíveis. Eu quero ser capaz de construir capacidades intelectuais que são aplicáveis a outras situações e tarefas e não apenas importantes para o design de comunicação. E há muitas coisas que são transferíveis - métodos e hábitos de pesquisa, prática auto-reflexiva, e uma capacidade de pensar “fora da caixa”. CA: Acha que a sociedade portuguesa, em termos gerais, tem noção de design? Há diferenças entre nós e a sociedade britânica na relação com o design no dia-a-dia? AH: Bem, há mais de tudo no Reino Unido - bom e mau, porque é maior. Quando falo com os meus amigos lá e nos EUA, pergunto-lhes se têm clientes que pedem coisas estúpidas ou que queiram intervir no seu trabalho de forma inadequada, e é claro que têm. Isso acontece em todos os lugares. Há um site nos EUA, chamado “Clients from Hell’. Visite e você verá o que quero dizer. Isso acontece mais em Portugal do que no Reino Unido? Eu realmente não sei, eu não trabalhei no Reino Unido muito tempo. No entanto, persiste a ideia de que, mais ou menos em todos os

lugares, mas em níveis diferentes, o design gráfico é uma forma de decoração visual, e é frequentemente uma fonte de conflito com os clientes porque banaliza o papel do design e relega as decisões sobre o assunto numa questão de opinião pessoal ou “gosto”. Também significa que os clientes incluem os designers no seu processo de comunicação demasiado tarde, numa fase em que eles fizeram todas as decisões estruturais, e espera-se que o designer “melhore a aparência”. O problema é que os clientes não são os únicos culpados por isso. A verdade é que os designers partilham a responsabilidade de como a profissão é vista e entendida por causa da forma como, muitas vezes, colocam as preocupações estéticas acima das estratégias. E por sua vez, tem a ver, em parte, com o facto de que muitos designers não são bons o suficiente para explicar o que eles fazem, e porque às vezes estão muito preocupados com as questões de superfície. Eu tenho o hábito de colocar as coisas por escrito para os meus clientes, e tiro tempo para explicar o que eles devem esperar dos designers, quais as suas habilidades e competências, e acima de tudo, que isto envolve a capacidade de estruturar a natureza da comunicação - como e por que deve funcionar e não apenas o que parece. CA: Mas, insisto, não terá a ver com a educação e do relacionamento que a sociedade tem em relação ao design? Como explicar a um gestor que um rebranding ou um bom logo, ou mesmo um produto editorial bem desenhado pode ser um investimento que trará mais retorno financeiro e reconhecimento? AH: Bem, em primeiro lugar eu acho que é importante dizer que o design gráfico não é mais recente em Portugal do que no Reino Unido. O que talvez seja diferente é a data da sua transição de ofício ou profissão para a universidade como profissão certificada. E em segundo lugar é importante reconhecer que as profissões ou actividades que têm características criativas estão sujeitas à possibilidade de interpretação. O que quero dizer com isto é que as pessoas se sentem mais livres para expressar a opinião pessoal no que diz respeito às artes, em comparação com as disciplinas baseadas na ciência. Assim, muitas pessoas podem questionar o julgamento de um arquitecto, por exemplo, mas não de um médico. Se os designers apresentam as suas soluções puramente com base no estilo, então eles estão sujeitos a opiniões e gostos

social e conhecimento. Mas eu não acho que isso seja provável. A questão é que não podemos ser os árbitros do que é e não é aceitável, não podemos ser os guardiões da qualidade. O que podemos fazer é dar o exemplo, trabalhando para os nossos padrões e promover as nossas habilidades e as nossas noções de qualidade. E isso deve falar por si. Se tal não acontecer, então nós estamos a fazer algo errado.

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conflituosos. Eu também acho que a maioria das empresas hoje em dia sabe que a imagem é importante, mas não têm um vocabulário visual necessariamente amplo o suficiente para serem capazes de fazer julgamentos críticos. Então, os designers, além de ouvirem e aprenderem a entender o que um cliente está a tentar fazer, têm também que aprender a apresentar os seus trabalhos de forma fundamentada e bem argumentada - eles têm de aprender a arte da retórica - assumindo, é claro, que o trabalho que está a ser apresentado é bem pensado. E às vezes, isso envolve deixar o cliente saber por exemplo que tipo de trabalho de design é actualmente reconhecido como sendo de alto padrão. É difícil às vezes ter que ter esse papel educativo, mas vale a pena. CA: E ao andar nas ruas, não acha que existe uma falha no design escolhido nas lojas, nos sinais, nas empresas. Tem visto uma evolução da presença do design na vida do dia-a-dia dos portugueses nestes últimos 18 anos? AH: Eu vi muitas mudanças e acho que a qualidade da comunicação gráfica melhorou. O que é interessante sobre o design - e às vezes frustrante - é a relação que as pessoas têm com ele. Ainda não é uma actividade profissional protegida, como é a arquitectura ou a engenharia, e as pessoas não se sentem tão intimidadas como se sentem em relação a essas profissões. É algo que sentem que podem fazer, a um certo nível. E isso é bom e mau. É bom porque eu sou a favor de uma sociedade na qual os cidadãos têm o poder de fazer as coisas por si mesmos e não são apenas receptores de serviços profissionalizados. Não é tão bom se o resultado dessa capacidade se demonstrar na perda de habilidade

CA: Voltando a falar do Andrew Howard, quais são as suas principais características como designer? AH: Eu sempre me foquei num determinado tipo de trabalho. Como mencionei anteriormente, não tenho formação oficial como designer gráfico, mas cheguei até aqui porque descobri o mundo da arte muito fechado, muito auto-referencial e também socialmente exclusivo. A minha curiosidade e as minhas questões foram direccionadas para o social e, inevitavelmente, questões políticas. Quando era mais novo, eu queria ligar-me a questões quotidianas, a um nível diário, porque é onde nós vivemos as nossas vidas. O design gráfico parecia ter a capacidade de atingir um público maior e de ser capaz de resolver os problemas mais comuns ou, pelo menos, de se ligar de forma mais imediata. Então, quando eu me iniciei como freelancer em Londres, eu escolhi procurar trabalho em diferentes tipos de clientes. Eu trabalhei para a Greenpeace, para o national housing charity Shelter, United Nations, BBC Education, e outras instituições públicas e ONG. Optei por não trabalhar na área da produção de mercadorias, porque não é uma área que me interesse. Estou mais interessado na produção de conhecimento e percepção. As pessoas às vezes classificam isto como socialmente orientado, em oposição ao trabalho de mercado que é uma descrição que aceito de uma forma geral. O problema é que existem certas suposições que precisam ser questionadas. Uma delas é que envolve a elaboração de uma lista de “bons” e “maus” clientes, de modo que, por exemplo, a Greenpeace é um bom cliente e as empresas de petróleo são maus clientes. A verdade é que não é assim tão simples. Se enquanto designer você tem fortes compromissos sociais, é necessário estar atento à natureza da comunicação que lhe estão a pedir para criar - se informa ou desinforma, perguntando que tipo de diálogo social é capaz de estabelecer. Em suma, que tipo de contribuição social está a ser

04 Catálogo de Exposição, ‘A-Z Entre Imagens e Palavras: Joana Rego.’ Galeria Municipal de Matosinhos, 2009


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Ícones do Design Andrew Howard 05 Exposição ‘Resistência’. Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, 2010

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feito. Na realidade, eu suspeito que as grandes empresas não estão realmente interessadas em criar o tipo de comunicação pelo qual me interesso, mas trabalhar na área da cultura ou da educação não está necessariamente livre de problemas. As ONG ou organizações culturais podem ser mais rígidas do que as empresas, porque estão muito mais preocupadas sobre como controlar a mensagem e eliminar qualquer ambiguidade. O paradoxo é que a ambiguidade tem o poder de perturbar e, portanto, marca a nossa memória e consciência de uma forma que as mensagens fixas não podem. Por outro lado, a promoção da produção de mercadorias - venda de mercadorias - requer uma abordagem diferente. Porque, na realidade tantos produtos semelhantes entre si, as empresas aprenderam que, a fim de diferenciá-los, na mente do cliente é necessário imbuir os seus produtos com valores de estilo de vida. Afinal, é preciso mais imaginação e licença criativa para diferenciar dois shampoos que são quase idênticos em termos de composição química. A consequência é que a publicidade muitas vezes acolhe ambiguidade e está disposta a assumir riscos criativos. CA: E tecnicamente, prefere mais desenhar ou de trabalhar no computador? AH: Sou da geração que não trabalhava com computadores, era tudo feito à mão, por isso não tenho a mesma relação com o computador que os designers mais novos, no entanto e apesar de o usar imenso, crio primeiro as ideias na minha cabeça antes de as começar a trabalhar... CA: E qual o seu método criativo? É caótico ou metódico? Como começa a desenvolver as suas ideias? AH: Uma vez que a maioria do trabalho que eu faço é baseado na impressão, é importante ter o trabalho fora da tela em intervalos regulares e tê-lo nas mãos, que é algo que estou sempre a dizer aos meus alunos para fazer, porque eles tendem a habitar um mundo visual de espessura de 2 pixéis. Eu tenho um amigo, por exemplo, não é designer, que uma vez me disse que, na sua opinião, o problema dos jovens designers é que eles querem colocar tudo o que sabem num pedaço de papel. Acredito que seja muitas vezes verdade, porque eles acreditam que a sua “intervenção” tem que ser auto-evidente visível, o que se encontra relacionado com os pontos anteriores sobre os designers assumirem a responsabilidade pela forma como projectam as suas preocupações para o público em geral. Na realidade, as decisões que um designer precisa de fazer são muitas vezes decisões de segundo plano, relacionadas principalmente com a organização das ideias, estrutura visual e edição, seguido pela escolha de técnicas de formato, tipo de letra, papel e impressão, e não necessariamente com a quantidade

de dinamismo gráfico que você pode colocar numa página. Editar é fundamental porque envolve uma intervenção crítica sobre o conteúdo e sobre hierarquia. Significa ser claro sobre a narrativa que você deseja construir antes mesmo de pensar em como pode parecer. E isso é o que o cliente precisa de saber. O meu próprio processo consiste principalmente em pensar, muitas vezes à noite, quando não há interrupções, o que também pode ser no chuveiro, ou a tomar um café, ou mesmo enquanto conduzo. Em suma, em períodos de intervalo. É um processo de percepção, porque eu experimento e imagino a sensação da obra terminada - que tipo de resposta é que eu quero que esteja implícita quando você a segura nas suas mãos ou quando está em frente da obra. Então começo a pesquisar e desenhar e trabalhar no computador não há nenhuma ordem em particular, é simplesmente um processo de teste visual. Às vezes, um resultado interessante surge rapidamente, outras vezes parece que se tenta extrair sangue de uma pedra. O tempo é sempre um factor decisivo. Principalmente, um bom trabalho precisa de tempo e quando não há tempo suficiente - por qualquer razão - você tende a cair em soluções padronizadas, a fórmulas que já foram experimentadas no passado, por si ou por outros, e das quais já se sabe o resultado. CA: Que referências tem no seu trabalho? AH: São tantas, sinceramente. Já respondi a esta pergunta tantas vezes...(risos) CA: Sim, é capaz de ser a pergunta mais típica numa entrevista a um criativo, mas que, no final todos querem saber... AH: Bem, uma das minhas primeiras influências foi o trabalho dos irmãos Stenberg, dois irmãos que produziram cartazes de cinema nos anos 20 e 30 na União Soviética. O seu trabalho tem tanto poder gráfico. Quando vemos reproduções de trabalhos gráficos em livros, tendemos a pensar que temos uma boa ideia do original, mas muitas vezes não é o caso. Eu tive a oportunidade de ver alguns dos cartazes originais em Nova Iorque e estive em frente do cartaz real, na escala original, fiquei ainda mais impressionado com o poder visual de seu trabalho - eu estava realmente impressionado. Outra das minhas primeiras influências foi o trabalho do Atelier Populaire produzido durante as revoltas de Maio de 1968 em França - eu adoro a simplicidade e espontaneidade destes cartazes de cor única, e não menos importante todas as circunstâncias em que foram produzidos e as mensagens que contêm. CA: Num registo mais pessoal, porque veio para Portugal há 18 anos, quando já tinha alguma carreira no Reino Unido, porque escolheu Portugal e especialmente o Porto para viver e

trabalhar? AH: O Amor é a resposta! Fui convidado em 1987 para dar um workshop na Fundação Gulbenkian, e voltei em 1989 num curso sobre trabalho criativo com as comunidades para professores, e uma das professoras, portuguesa, tornou-se a minha mulher e foi por isso. Depois voltámos para Londres, ficámos por lá três anos e decidimos que Londres estava a ficar muito difícil de viver. Depois de termos o nosso primeiro filho começámos a pensar que não queríamos ir para a província e decidimos vir para Portugal. Londres fica a duas horas de distância de avião, é tão fácil. O interessante é que fiz mais contactos internacionais estando a viver em Portugal do que quando estava no Reino Unido. Quando se vive em Londres a sua atenção tende a estar focada dentro porque há tanta coisa a acontecer. Aqui em Portugal eu olho para fora muito mais. Estou muito feliz no Porto, mas eu admito que eu não poderia sobreviver sem manter os meus contactos externos e fazer visitas regulares ao Reino Unido ou a outros lugares. CA: E para o negócio, não foi difícil estabelecer-se no Porto? AH: Eu não achei difícil. Quando se vive e trabalha numa cidade como Londres a diferença entre Lisboa e Porto é dificilmente perceptível. Comecei por visitar designers que me foram aconselhados para ter uma ideia de como era a comunidade de design, e procurar os tipos de organizações e instituições que pareciam interessantes. Serralves foi uma das primeiras que eu visitei, eu acho que se eu estivesse em Lisboa teria tentado desenvolver as minhas ligações com a Gulbenkian. Em retrospectiva, eu percebo que quando se chega a um país estrangeiro, sem referências, você se coloca em situações que em outros locais talvez não. Não há auto-censura em relação ao que é possível, porque você não conhece nada. Um bom exemplo da ignorância feliz. CA: A sua opinião é que um jovem designer pode estabelecer-se profissionalmente no Porto sem ter que vir para Lisboa? AH: Sim é possível, o design no Porto é muito forte e tem dos melhores designers/estúdios portugueses da actualidade. E mesmo que eu seja partidário por causa do meu compromisso pessoal, eu sei que a ESAD é uma das melhores escolas de design no país. Há sim uma diferença de actividades culturais entre Lisboa e Porto, mas eu acho que se pode construir comunidades de interesse onde quer que se esteja. CA: E tem sentido a crise económica que assola Portugal na actividade do seu atelier? AH: Infelizmente sim, principalmente nos últimos 6-8 meses, sobretudo porque a maioria das organizações culturais com quem trabalho estão em dificuldades. Uma delas o Centro Regional de Artes Tradicionais, para o qual fazíamos uma revista que foi premiada em Nova Iorque, fechou. E o Centro Português de Fotografia (CPF) para o qual fiz toda a entidade visual, publicidade e publicações desde a sua criação, para além de produzirmos uma revista que também foi premiada internacionalmente, já nem conseguem ter dinheiro para produzir convites para as suas poucas exposições... temos menos trabalho no estúdio, e o trabalho que temos é feito por menos dinheiro. CA: E o que estão a desenvolver actualmente? AH: Continuo a trabalhar com as Edições Ahab, desenhando todos os seus livros e capas. Também continuamos a trabalhar com a Fundação Marques da Silva e o Museu do Carro Eléctrico. Recentemente, comecei a trabalhar numa grande exposição sobre o conhecido urbanista Nuno Portas, que terá lugar em Guimarães, no próximo ano. Não há muito tempo, noutra entrevista, perguntaram-me que tipo de trabalho é que mais gosto de fazer e eu respondi que era exposições, não apenas o elemento de design, mas em particular a curadoria. Como curador e designer, eu faço tudo aquilo que mencionei na primeira pergunta - a escolha do tema, a realização da pesquisa, organizar, escrever textos, desenhar em três dimensões, desenhar o catálogo ou livro, desenhar os cartazes e

publicidade, há geralmente uma componente educacional, e depois criar algo que as pessoas possam interagir como uma experiência directa. É tudo o que eu gosto num só. É uma pena que existam tão poucas oportunidades em Portugal para trabalhar em exposições de design gráfico. Mas isso é algo que estou a trabalhar para mudar. CA: Mas não é no design de livros onde se sente melhor e mais à vontade? AH: Sim, eu adoro desenhar livros, serão sempre uma paixão e uma área de conforto para mim, mas sinto-me muito atraído para o “teatro” de exposições. CA: E sobre as Conferências “Personal Views” (a última decorreu em 2008) feitas há alguns anos, tem planos para voltar a trabalhar neste campo? AH: Sim, tenho, estou a planear outra série, mas diferente em vários aspectos. Eu gostaria de trazer outro tipo de pessoas para a conversa. Personal Views era muito sobre designers conversando com outros designers - como as conferências de design são - mas a nossa prática diária é geralmente uma colaboração em que trabalhamos com uma gama de profissionais como editores, directores de museus, pessoas de marketing, etc., bem como outros profissionais criativos, como fotógrafos, arquitectos e assim por diante. Então, porque não trazê-los também e ver qual é a sua visão do design? Mas eu também quero explorar temas mais específicos em maior detalhe, e convidar duas ou talvez três pessoas para falar por um tempo limitado na mesma conferência. Eu gostaria também de ter uma maior participação da plateia, o que significa pedir às pessoas para preparar as perguntas antecipadamente. Não me pergunte quando esta nova série está prevista para começar, porque ainda não sei, mas agora que mencionei isto, acho que vou ter que resolver isso brevemente! Há também um plano para começar a publicar os textos da série Personal Views, que, em princípio, terá a forma de suplementos para a nova revista “Pli” que a escola lançou recentemente. CA: Essas conversas, feitas há alguns anos, ainda são relevantes para os dias de hoje? AH: Sim, embora o mais problemático sejam as primeiras conferências, que remontam a 2004/5. Estou no processo de contactar novamente as pessoas para saber se querem fazer alterações aos seus textos originais ou não. Mas a maioria continua a ser relevante. CA: No início desta conversa indicou que escolheu e traçou o seu caminho profissional ao afirmar-se a fazer design com consciência social e cultural. Sabendo que Portugal vive dias difíceis será que os jovens designers devem ser teimosos o suficiente para seguirem o caminho que querem, tal como o Andrew fez, ou devem adaptar-se às circunstâncias? AH: Bem, considerando as circunstâncias, adaptar provavelmente significa mudar de profissão! Por outro lado, as circunstâncias actuais tornam as considerações sociais e políticas praticamente impossíveis de ignorar. Mas independentemente dos tempos em que vivemos, há sempre escolhas a serem feitas. Se você é um jornalista, arquitecto, designer, ou biólogo, você escolhe a forma de abordagem do seu trabalho como apenas um trabalho ou como um projecto de vida. Para mim sempre foi um projecto de vida. E se você acredita no valor do que você faz, então deve fazê-lo com a maior quantidade de integridade possível. Isso significa que você precisa ser fiel a si mesmo, aos seus colegas e com a comunidade social a quem se está a dirigir. Eu trabalhei anos e anos por muito pouco dinheiro. Foi uma escolha. Persegui um tipo particular de trabalho. Foi uma escolha. Você precisa de determinação e trabalho duro e de ser capaz de descobrir em que é que você é bom ... e o que você deve colocar de lado.


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