Ano: I Nº: 0
Revista de Arqueologia Romana em Portugal
Monumental Santuário Romano do Sol e da Lua Sítio Arqueológico do Alto da Vigia (Praia das Maçãs, Colares)
Via Romana Oculis - Tongóbriga
Budens Boca do Rio pag. 1
O Circo de Miróbriga
Em destaque
Santuário Romano do Sol e da Lua Já no término de Colares, no Alto da Vigia, junto à ribeira do mesmo nome, na foz do rio de Maçãs, existiu outrora um grande santuário dedicado ao Sol e à Lua e ao culto imperial, datável dos sécs. II-III d. C., mas de que no séc. XVI já só se viam esparsas ruínas. Na época, o recinto circular do santuário (talvez um templo, talvez um simples témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avançava pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório. O importante santuário romano na região de Colares, aparentemente consagrado SOLI ET LUNAE, dele provém importantes inscrições. Ptolomeu situa a noroeste de Olisipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM»
Budens Boca do Rio
Complexo industrial piscícola da praia da Boca do Rio, um dos maiores conhecidos a sul do território nacional.
Via Romana Oculis - Tongobriga Provinha de Braga e colocava em contacto Oculis e Tongobriga, núcleos estes que terão por certo exercido influência a vários níveis no território.
O Circo de Miróbriga Os lugares de espectáculo, tais como os teatros, os anfiteatros e os circos foram, nas províncias, uma das formas utilizadas para facilitar o processo de Romanização
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Editorial Caros amigos De um sonho de criança, cresceu um objectivo que me perseguia em adulto e que vejo hoje tranformar-se um projecto, um caminho na senda de ajudar a divulgar e valorizar o Legado Romano em Portugal. É um tarefa árdua, onde espero ter a comunidade científica e os cidadãos que sentem ser importante a salvaguarda do Património Arqueológico ao meu lado para, num futuro próximo, sentirmos que esta aposta valeu a pena e fez a diferença. O projecto «Portugal Romano» nasce da minha enorme paixão pelo legado romano, dissiminado por todo o país, mas também da tomada de consciência que o mesmo poderá vir a ser ainda melhor conhecido e divulgado . Nem sempre as prioridades de Governos ou entidades públicas foram, ou puderam ser, zelar escrupulosa ou sistematicamente por esse Património. Perderam-se algumas “batalhas”, quando o “betão” se sobrepôs ao Património: umas vezes a razoabilidade dos processos o dificuldade das situações acabou por justificar decisões, mas outras de uma forma brutal, com efeitos nefastos para uma herança que a todos pertence. Contudo, não é papel deste revista valorar decisões políticas, mas contribuir para enaltecer o esforço de muitos em prol de todos, ajudando a criar ainda mais massa crítica que colabore na defesa e valorização do Legago Romano. Existem também, por este país fora, muitos casos de sucesso, muitos lugares mágicos devidamente acarinhados e que esperam a vossa visita, pois vale a pena conhecê-los e apreender o sentido das intervenções ali efectuadas. O projecto «Portugal Romano» nasceu e cresceu na plataforma da rede social Facebook, onde possui hoje um número de seguidores superior aos 5000. Em boa hora aceitamos o repto da arqueóloga Filomena Barata, a quem também muito se deve este desenvolvimento e projecção desta ideia, e foi então criado o site portugalromano.com. , e que nos acompanhará, bem como Miguel Rosenstok, na Direcção desta Revista. O sucesso foi imediato e o site tem actualmente cerca de 30 mil visionamentos mensais e um crescimento constante. Estes números reflectem e, felizmente, também contradizem o que muitas vezes se tenta passar na opinião pública sobre o povo portupag. 2
guê: a ausência de ligação com a sua cultura e o património. Há, efectivamente, um público verdadeiramente interessado nas questões patrimoniais, para quem a História representa um valor identitário.
Ficha Técnica
Hoje, é com grande satisfação que lançamos o Número 0 desta revista, onde pretendemos dar uma panorâmica sobre vários aspectos do Mundo romano, sítios arqueológicos, Museus , núcleos museológicos, acervos e colecções que testemunham a presença romana em Portugal.
Direcção:
O lançamento desta publicação digital e gratuita é para nós, não receio afirmá-lo, motivo de orgulho, mas acima de tudo uma enorme responsabilidade.
Colaboradores Externos neste número:
Através do percurso das suas páginas queremos ainda que possa ser perceptível o trabalho metódico e meritório de muitos e muitos arqueólogos e investigadores que dedicam a sua vida a estudar o Mundo Antigo. É nossa intenção dar visibilidade a estes magníficos trabalhos, que infelizmente se encontram muitas vezes inéditos ou de difícil acessibilidade, sendo tantas vezes somente consultados para trabalhos científicos ou universitários, e dar-lhes uma “nova vida” , partilhando-os com um público mais alargado, incentivando o respeito e conhecimento dos Sítios Arqueológicos e viabilizando uma melhor compreensão do papel dos Museus na preservação da nossa Memória Colectiva. Para finalizar, não posso deixar de enviar uma forte saudação todos os amigos que nos acompanham desde a primeira hora, fossem arqueólogos, investigadores ou instituições e que de uma forma simpática acarinharam este projecto. À associação dos Arqueólogos Portugueses que, no passado sábado, dia 18 de Fevereiro, nos recebeu nas suas instalações para a primeira apresentação pública do projecto, ao seu presidente José Arnaud e ao arqueólogo João Marques a nossa gratidão pelas palavras de incentivo que nos transmitiram. Agradecemos ainda ao Museu da Nazaré, Dr. Joaquim Manso, onde contamos fazer uma nova apresentação, no próximo dia 31 de Março; à Área Arqueológica de Tongobriga, Freixo, Marco de Canavezes, na pessoa do Doutor Lino Dias. À Associação Amigos de Tongobriga e à LASAM, Liga de Amigos de Miróbriga, na pessoa do seu presidente Francisco Lobo de Vasconcellos, pelo facto de terem acolhido a ideia de podermos também voltar a falar do «Portugal Romano» em Sítios Arqueológicos privilegiados, esperando que se possam vir a concretizar, efectivamente, todos esses encontros. Obrigado a todos, cientes que estamos perante algo ainda em maturação e crescimento, que podemos ter lapsos ou cometer algumas incorrecções, mas também crentes que juntos iremos certamente contribuir para valorizar o nosso Património Romano e ajudar a torná-lo cada dia mais protegido e divulgado. Um abraço amigo
Raul Losada
Director: Raúl Losada Direcção Científica e Redactorial : Filomena Barata Direcção de Imagem e de Arte: Miguel Rosenstok
Luís de Sousa
Arqueólogo da Câmara Municipal de Lousada
Ismael Medeiros
Técnico Superior em Património Cultural – Licenciatura em Património Cultural. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Algarve. Frequência do Curso de Mestrado em Arqueologia, Teoria e Métodos Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Algarve. nerysplit@hotmail.com
João Pedro Bernardes
Professor Associado da Universidade do Algarve Licenciatura em História (variante em Arqueologia), pela Universidade de Coimbra, em 1985 Doutoramento em Letras, área de História, especialidade de Arqueologia, pela Universidade de Coimbra em 2002. Coordenador do Projecto Internacional INTERREG III A “Mosaicos Romanos do Algarve e Andaluzia (MOSHUDIS)”., 2006-2008. Coordenador do Projecto “A Exploração dos Recursos Marinhos Algarvios na Época Romana”, 2008 Responsável português pelo projecto internacional POCTEP “Ciudades Romanas del Suroeste de Hispania (CROSUDHIS)”, 2009. jbernar@ualg.pt
José Cardim Ribeiro
Arqueólogo, Epigrafista, Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (Sintra).
Contactos:
Direcção: portugal.romano@gmail.com
Estatuto editorial
1. A PortugalRomano.com é uma publicação bimensal, podendo vir a tornar-se mensal, que aborda várias temáticas relacionadas com a Arqueologia e a História, com especial ênfase para a ocupação romana do actual território português. Os princípios que aqui se descrevem também se aplicam ao site ou a qualquer outra extensão de marca PortugalRomano.com . 2. A PortugalRomano.com respeita os direitos e deveres constitucionais da Liberdade de Expressão e de Informação. 3. A PortugalRomano.com rege-se por critérios jornalísticos e científicos de Rigor e Isenção, respeitando todas as opiniões ou crenças. 4. Os jornalistas da PortugalRomano.com comprometem-se a respeitar escrupulosamente o código deontológico de jornalistas e princípios éticos dos especialistas da área da História e Arqueologia. 5. Todos os textos e imagens veiculados pela PortugalRomano.com em qualquer suporte são de autoria reconhecida. 6. A PortugalRomano.com distingue, criteriosamente, as notícias do conteúdo opinativo, reservando-se o direito de ordenar, interpretar e relacionar os factos e acontecimentos. 7. A PortugalRomano.com compromete-se a respeitar o sigilo das suas fontes de informação, quando solicitado, não admitindo, em nenhuma circunstância, a quebra desse princípio. 8. A PortugalRomano.com cumpre a Lei de Imprensa e as orientações definidas neste Estatuto Editorial e pela sua Direção. 9. A PortugalRomano.com, na sua revista, tem um Director, uma Direcção Científica e Redactorial e uma Direcção de Imagem e de Arte, podendo vir a sentir-se a necessidade de vir a ser criado futuramente um Conselho editorial.
Revista Digital, 100% amiga do ambiente.
Para a produção desta revista não destruimos nenhuma floresta. Faça a sua parte: Não imprima.
Proteja o património Histórico-ARQUEOLÓGICO. O tempo não volta atrás... pag. 3
Notícias
EXPOSIÇÃO: “FORTALEZA DE SAGRES” (Vila do Bispo)
BRACARA AUGUSTA
Visitas guiadas a espaços musealizados (Braga)
O Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal de Braga promove visitas guiadas, para grupos e mediante marcação prévia, aos seguintes espaços musealizados:
EXPOSIÇÃO «DO MAR ABERTO AO MARE INTERNUM» Vila Do Bispo Até dia 18 de Abril
Azulejos do Convento do Pópulo Termas Romanas do Alto da Cividade Fonte do Ídolo Domus da Escola Velha da Sé Para mais informações, contactar o Gabinete de Arqueologia através dos
ao longo do ano de 2012, com um ritmo mensal. A primeira palestra decorreu dia 23 de Fevereiro, sobre o tema: O povoado de Santa Sofia - Vila Franca de Xira e a presença Fenícia no Vale do Tejo. 8 de Março, 16h - “O Bronze Final na região ribeirinha da margem norte do estuário do Tejo”. Apresentado pelo Professor Doutor João Luís Cardoso. Professor Catedrático da Universidade Aberta e Diretor do Centro de Arqueologia de Oeiras. 12 de Abril, 16h - “Fenícios no estuário do Tejo”. Apresentado pela Professora Doutora Ana Margarida Arruda. Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 10 de Maio, 16h - “Casal do Pego e o povoamento orientalizante do rio da Silveira - Vila Franca de Xira”. Apresentado pelo Mestre João Pimenta e Dr. Henrique Mendes - Museu Municipal de Vila Franca de Xira.
De 22 de Janeiro a 18 de Maio está patente ao público, no Centro de Interpretação de Vila do Bispo, uma exposição de arqueologia intitulada “Fortaleza de Sagres”. O tsunami resultante do terramoto de 1 de Novembro de 1755 colocou à vista as ruínas de uma povoação romana na Boca do Rio. Ocupada desde meados do século I, ali se produziram preparados de peixe, como o garum. Escavada desde o século XIX, a maioria das ruínas conservadas data de meados do século III. Dada a conhecer por Estácio da Veiga em 1897, a olaria romana, com os seus fornos, funcionou entre os séculos III e IV. Daqui saíam essencialmente ânforas, que serviam para transportar vários produtos, entre eles o garum e outros preparados de peixe, produzidos na Boca do Rio e em inúmeros outros locais da costa algarvia. De 22 de Janeiro | 18 Maio 2012 Organização: Direcção Regional de Cultura do Algarve Universidade do Algarve
SEGUNDA FESTA DA ARQUELOGIA
MUSEU ARQUELÓGICO AO AR LIVRE (Vila Pouca de Aguiar)
Vila Pouca de Aguiar vai ter museu arquológico ao ar livre - O Complexo Mineiro Romano de Tresminas, em Vila Pouca de Aguiar, tornou-se no primeiro museu arqueológico ao ar livre do país, mas o objetivo é ser classificado como Património da Humanidade.
Marque na sua agenda... Em Maio - A Festa da Arqueologia A Festa da Arqueologia é um evento vocacionado para a divulgação da Arqueologia, dirigindose ao público em geral. Através de uma série de actividades, procura reforçar a ligação desta ciência à sociedade, contribuindo para a protecção, valorização e divulgação quer da actividade ar-
queológica, quer do património cultural. Após o sucesso da primeira edição da Festa da Arqueologia em Julho de 2010, num fim-de-semana que reuniu mais de 2500 visitantes e proporcionou experiências práticas de interacção e experimentação de Arqueologia ao vivo, encontra-se em preparação a segunda edição do evento. A Festa da Arqueologia é um evento dinamizado pela Associação dos Arqueólogos Portugueses e o Museu Arqueológico do Carmo, sendo o resultado do esforço conjunto entre vários profissionais e instituições ligadas à Arqueologia, só sendo possível graças à dedicação de todos os participantes e a todos aqueles que a apoiam. pag. 4
seguintes contactos: Azulejos do Convento do Pópulo e Domus da Escola Velha da Sé – arqueologia@cm-braga.pt ou 253 203 150 Termas Romanas – termas.romanas@cm-braga.pt ou 253 278 455 Fonte do Ídolo – fonte.idolo@cm-braga.pt ou 253 218 011 Fonte: Município de Braga
14 de Junho, 16h - “A ocupação da foz do Estuário do Tejo em meados do 1º milénio a.C”. Apresentado pela Professora Doutora Elisa Sousa. Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 11 de Outubro, 16h - “Um rio na(s) rota(s) do estanho: O Tejo entre a Idade do Bronze e a Idade do Ferro”. Apresentado pelo Professor Doutor João Carlos de Senna Martinez. Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. 14 de Novembro, 16h - “O Povoamento Pré-romano de Freiria - Cascais”. Apresentado pelo Dr. Guilherme Cardoso. Arqueólogo da Assembleia Distrital de Lisboa. E pelo Professor Doutor José D`Encarnação. Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
I Congresso Internacional sobre Arqueologia de Transição A Universidade de Évora e o Centro de História de Arte e Investigação Artística (CHAIA) organizam o Iº Congresso Internacional sobre Arqueologia de Transição: “Entre o Mundo Romano e a Idade Média”, que reunirá em Évora, nos dias 3, 4 e 5 de Maio deste mesmo ano, alguns dos reconhecidos especialistas sobre esta temática. Este congresso centrar-se-á na busca das várias teorias que abarcam as realidades de transição, tantas vezes envoltas no mundo oculto da imprecisão histórica! Precisar estas realidades, torna-se, sem dúvida, o objectivo primordial deste evento. Pretende-se promover o debate científico relativo a problemáticas relacionadas com o mundo tardo-antigo. Link do site do evento: http://www.wix.com/congressoarqueologia/ ciat2012, (Informações úteis, o programa provisório, a comissão cientifica.)
Ciclo de Conferências e Exposição
Vila Franca de Xira há três mil anos. «O Tejo palco de interação entre Indígenas e Fenícios.» «O Povoado de Cabanas de Santa Sofia» O Museu Municipal de Vila Franca de Xira encontra-se a organizar um ciclo de palestras sobre a temática da exposição. Este ciclo irá desenrolar-se pag. 5
13 de Dezembro, 16h - “Um Depósito Votivo da Idade do Bronze na Moita da Ladra. Síntese dos trabalhos realizados e resultados preliminares”. Apresentado pelos arqueólogos - Dr. Mário Monteiro e Dr. André Pereira. *** A exposição temporária Vila Franca de Xira há três mil anos - O povoado de cabanas de Santa Sofia. Patente ao público até ao dia 31 de Dezembro. Os visitantes poderão ficar a conhecer um pouco mais sobre o passado remoto de Vila Franca de Xira, principalmente sobre o período que mediou entre a Idade do Bronze Final e a Idade do Ferro. A evidência de artefatos fenícios, atestando contatos com estes mercadores provenientes do mediterrâneo oriental, num sítio como o do vale de Santa Sofia é verdadeiramente inesperada, vindo acrescentar um novo vislumbre sobre a colonização deste povo na fachada atlântica. A exposição pode ser visitada de 3ª feira a Domingo, entre as 9.30h e as 12.30h e as 14h e as 17.30h. Entrada livre. Para a realização de visitas guiadas, com grupos, contactar o serviço educativo do Museu Municipal, no telefone nº 263280350 ou pelo mail: educativo@museumunicipalvfxira.pt Consulte o Museu Municipal de Vila Franca de Xira para mais informações. Entrada livre
Projecto - “Portugalromano.com” apresentado públicamente na AAP
Workshop
“Pigmentos e Corantes Naturais no Mundo Antigo:Usos e Estruturas”
Os mentores do Projecto - Portugalromano.com: Miguel Rosenstok, Filomenda Barata e Raúl Losada Foto: Marina Figueiredo
A realizar no próximo dia 17 de Março no Museu Nacional de Arqueologia. Uma Iniciativa do Centro de Arqueologia de Almada e do Museu Nacional de Arqueologia. Inscrições até dia 13 de Março
Com a organização da AAP, a que não será por demais agradecer, pôde o «Portugal Romano» fazer a sua primeira Apresentação Pública, no passado dia 18 de Março. Esta Apresentação teve lugar na Sede da Associação dos Arqueólogos Portugueses, no Museu do Carmo, local paradigmático para a História da Arqueologia Nacional, pois é a mais antiga Associação de Defesa do Património e o primeiro Museu de Arqueologia português. A Associação, fundada em 1863, passou designar-se « Real Associação dos Architectos Civis e Archeólogos Portugueses», a partir do momento que passou a integrar Arqueólogos. Foi , pois, para o «Portugal Romano» muito gratificante constatar o impacto que esta Apresentação teve e poder encontrar nesse espaço privilegiado amigos, colegas, arqueólogos, especialistas e cidadãos com interesse na herança romana em Portugal, motivo que nos levará a tentar organizar novos eventos no Norte, centro e Sul de Portugal.
Para mais informações contacte: c.arqueo.alm@gmail.com Centro de Arqueologia de Almada
Lotação esgotada para surpresa da organização Foto: Marina Figueiredo
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Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo).
Paisagem e arqueologia de um sítio produtor de preparados de peixe Texto e fotos:Ismael Estevens Medeiros1 João Pedro Bernardes1
foto: Estuque com Figuração Humana da Escavação de 2010 pag. 8
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Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo). Paisagem e arqueologia de um sítio produtor de preparados de peixe A romanização manifestou-se em todo o território português por uma profunda transformação das paisagens e modos de viver. Surgiram olarias, forjas, pedreiras, minas, tecelagens e salgas de peixe. Como economia inserida nas actividades transformadoras de produtos alimentares, a indústria romana de preparados de peixe foi determinante na definição dos modelos de povoamento romano do litoral. O complexo industrial piscícola da praia da Boca do Rio (Budens, Vila do Bispo, Faro), um dos maiores conhecidos a sul do território nacional, é um sítio arqueológico importante pela quantidade de dados sobre a manufactura de conservas de peixe salgado que dali têm resultado. Em 2008, a prospecção geomagnética de uma parte do sítio revelou uma grande área com tanques de salga (cetárias). A par da quantidade de tanques revelada, edifícios com paredes revestidas a estuque pintado e pavimentos de mosaico comprovam a prosperidade económica que esta fábrica conheceu e a dimensão exportadora da indústria pesqueiro-conserveira no sudoeste da Hispania Romana.
O sítio. Breve enquadramento
Boca do Rio corresponde ao vale que acompanha o troço final da Ribeira de Budens, situado nos limites orientais do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, a sudeste da povoação de Budens (Vila do Bispo, Faro). O acesso principal é feito através da EN 125, a seguir ao entroncamento de Budens. Este vale interrompe as arribas vivas que modelam a parte mais ocidental da costa algarvia, que é formada por um alinhamento escarpado de rochas calcárias erosivas. Na desembocadura da pequena praia local, a qual dá nome ao lugar e constitui a extremidade de um antigo estuário que, ao sedimentar, deu origem ao vale actual, encontram-se as ruínas da fábrica romana de salga de peixe. A praia resume- se a uma curta língua de areia interposta entre as falésias de dois morros que apresentam, igualmente, vestígios de ocupações arqueológicas: a nascente, o Cerro de Almáde-
na, que acolhe as ruínas do forte seiscentista de São Luís, e a poente, o Morro dos Medos ou Lomba das Pias2, não tão imponente quanto o primeiro e onde, presumivelmente, se situa a necrópole romana associada à fábrica piscícola. O antigo estuário, com uma extensão de 2km, apresentava excelentes condições de abrigo para as embarcações que navegavam à cabotagem entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Estas características geomorfológicas da laguna ofereciam ainda aos barcos a possibilidade de invernar, tal como acontecia em outros pontos do litoral lusitano. Na Ilha do Pessegueiro (Sines), por exemplo, terá existido um dos principais fundeadouros da costa alentejana, activo, pelo menos, a partir dos séculos IV/ III a.C. Sensivelmente a 1km da linha de costa, o vale pauta-se pela união da Ribeira de Budens, a qual converge no mar a nascente das ruínas, a dois tributários: as ribeiras de Boi e Vale Barão. A primeira alinha-se de norte para sul e a segunda, que corre sazonalmente no sentido nordeste-sudoeste, alimenta a parcela de terreno mais fértil do vale, onde se pratica o cultivo e o pastoreio. Entre a Ribeira de Budens e a Ribeira de Vale Barão encontra-se o Paul de Budens. Apesar de ocupar um espaço bastante reduzido, em consequência de alterações significativas provocadas pelas modernas estratégias de cultivo, irrigação pag. 10
e ocupação dos terrenos envolventes, este paul ou sapal é equiparado à reserva natural da Ria Formosa, à ria de Alvor e à laguna dos Salgados, entre outros, como ecossistema do litoral algarvio onde se podem ver várias espécies de aves nas suas migrações para o continente africano. A grande carga de sedimentos depositada no vale da Boca do Rio ao longo dos últimos séculos torna hoje a agricultura praticável em praticamente toda a sua extensão, desde o acesso da EN 125 à praia. Em ambos os lados da estrada podem ser vistas pequenas hortas irrigadas por noras. Mas, tendo em conta que a produtividade dos solos não deveria ser tão elevada na época romana, as gentes locais tiraram maior partido da riqueza em recursos naturais marinhos e da exploração de sal proporcionada pela abertura oceânica do estuário. Tal justificou a fixação da fábrica de salga naquele lugar. Actualmente toda a linha de costa algarvia é fortemente afectada pela erosão marinha, sendo a praia da Boca do Rio um dos pontos onde o fenómeno é bem expressivo. Um estudo publicado há cinco anos apresentou a evolução da linha de costa naquela praia, entre 1945 e 2001. O notório recuo da faixa costeira conduziu à inevitável destruição das estruturas arqueológicas conservadas na frente do mar. No término do Inverno de 2010 verificou-se que o areal resistente na extremidade nascente da praia desaparecera completamente, ficando só um monte de burgaus e seixos. Este fenómeno já tinha sido referido em 1878, quando o primeiro arqueólogo a escavar no sítio, Sebastião Phillipe Estácio da Veiga, descreveu as estruturas arqueológicas que observou. Também
António Santos Rocha, outro estudioso que ali empreendeu trabalho, comprovou o mesmo cenário anos depois, dizendo não vislumbrar uma “praia de areia” mas sim “pedras de construção até à orla do mar” (ROCHA, 1896, p. 77). Em 1933, o avanço do mar sobre a praia intensificou-se, levando José Formosinho à extracção de um dos mosaicos descoberto por Estácio da Veiga então ameaçado pelas marés.
Investigações arqueológicas
Desde o século XVIII que circulam notícias do aparecimento de ruínas arqueológicas na praia da Boca do Rio, as quais terão sido colocadas a descoberto em 1715, no seguimento de um temporal, e em 1755, quando o tsunami originado pelo terramoto que destruiu grande parte da baixa lisboeta e várias outras povoações portuguesas, galgou o vale. As notícias fizeram despontar o interesse dos arqueólogos dos séculos seguintes. As obras de João Baptista da Silva Lopes (LOPES, 1988) e de Pinho Leal (LEAL, 1873) veiculam várias alusões às ruínas. Uma das notícias dada a conhecer por Silva Lopes cita os relatos de um médico lacobrigense que teria assistido ao cataclismo e assinalado as estruturas que então se tinham ficado a ver junto à praia. Dimas Tadeu de Almeida Ramos de seu nome frisou que, além das muitas estruturas e materiais postos à vista pelo mar em 1755, já quarenta anos antes se teria identificado “hum caes” em resultado de “outro impulso do mar”. Disse ainda que o mar teria entrado terra adentro por “mais de meia legua em altura de 10 a 12 varas, arrazando huns grandiosos médãos de areia, onde estavão 50 ferros dos mais pezados pertencentes à armação que ali se lança, os quaes arrastou a mais de hum quarto de légua” (LOPES, 1988, p. 222). Ao recolher-se, o mar deixou a descoberto junto à água, grandes e luxuosos edifícios, e “onde era terra firme, hum lago bastante grande”, referindo-se o médico, muito provavelmente, à zona mais baixa do vale ocupada pelo paleoestuário da ribeira de Budens (idem, ibidem). Os mesmos compartimentos postos a descoberto pelo tsunami foram documentados pelo pároco de Budens, que refere as estruturas arqueológicas como “fundamentos de avultada Povoaçaõ q continuava para aparte do Mar, pois no abrir das ondas se divezaraõ a montes de pedras soltas de destruidos edificios que com o continuo dos tempos submergioraõ as agoas, e na pequena parte q perto das ondas as áreas descobriraõ vi, e observei muitas pedras de cantaria bem fabricados e princípios de edifícios q ao parecer e modo guardavaõ a Povoaçaõ das inundações, e Marés naquelle tempo; e hoje se acha tudo novamente coberto de área como antes, e
seprezume ter sido humã antiga cidade de Buda, donde tomou nome esta freguesia de Budens, mas disto naõ vi escrito” (CARDOSO, 1758 apud in CARVALHO e VIDIGAL, 2006, pp. 44-46). Animado pelas notícias, Estácio escava no local. Mas o arqueólogo tavirense não terá escondido a desilusão por não ter encontrado “os nobres edifícios” que os autores anteriores tinham referido e que a Companhia Geral das Pescas do Reino do Algarve, fundada em 1773, provava existirem aquando da construção dos dois barracões de apoio às armações de atum situavadas ao largo das praias da Boca do Rio e do Burgau (para captura do atum
de 1930, ano em que a Câmara Municipal de Lagos cria um museu que fica a seu cargo. Nesse ano, numa das visitas, dá conta do estado de conservação em que se encontrava o mosaico que pavimentava a sala K da planta de Estácio. Disse ainda que tinha visto um outro mosaico quase intacto que entretanto o mar destruíra e que o exemplar dos compartimentos C e D já teria desaparecido (SANTOS, 1971). José Formosinho também registou algumas cet|rias, pois refere que “ao longo da praia, quer a E quer a W da Boca do Rio, abundam os tanques de salga”. Além de ter extraído o mosaico, Formosinho abriu “valas de reconhecimento” a norte da área
de direito e do atum de revés, respectivamente). Em 1894, Santos Rocha, com a intenção de enriquecer os depósitos de materiais do museu da Figueira da Foz, faz também escavações na Boca do Rio. Ainda que só tenha recolhido um conjunto de artefactos do qual faz parte um fragmento de mosaico aparentemente distinto de qualquer um dos três identificados por Estácio e magistralmente desenhados pela sua esposa Amélie Luccote, considerou, ao contrário do primeiro, a pré-existência de um cais ou molhe que, ao ser desmontado para recuperação de uma lápide, fora destruído pelo impacto das ondas (ROCHA, 1896, p. 77). Por esta altura Boca do Rio havia já sido considerado um dos sítios romanos mais importantes da região algarvia. Tendo isso em consideração, o fundador do Museu de Lagos, José Formosinho, começa a frequentar assiduamente o sítio, que já conhecia desde pequeno, pelo menos a partir
explorada por Estácio da Veiga, encontrando um grande número de estruturas, onde se incluem “várias piscinas com formas diversas, com fundo e paredes de formigão”, que, certamente, corresponderão às cetárias. Cavou mais duas valas estreitas, uma das quais com cerca de 60m de comprimento, no sentido nascente-poente, a partir da área de onde havia recuperado o mosaico, tendo confirmado a continuidade dos edifícios ao longo do talude da praia (correspondentes às estruturas e derrubes de muros que hoje se vêem à superfície). A outra vala terá incidido na área contígua pelo lado sul aos armazéns de pesca.
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Na mesma altura Formosinho faz explorações na villa romana da Abicada (Portimão). Ali, levanta, pelo menos, um mosaico monocromático. O procedimento de extracção desse pavimento ficou registado no seu caderno de campo. Crê-se que seguiu uma metodologia semelhante na recuperação do exemplar da Boca do Rio. Os dois mosaicos foram remontados no Museu de Lagos, sendo o primeiro associado a uma porção de estuque pintado originário de um dos compartimentos da Boca do Rio para representar uma divisão romana típica. Entre os dias 24 e 26 de Setembro de 1934, o mesmo arqueólogo regressa à praia da Boca do Rio para prosseguir com as explorações, direccionando os trabalhos para a zona do compartimento de onde tinha extraído o mosaico. Encontra um tesouro constituído por 19 moedas de bronze e uma estatueta de um Eros em ferro forrado a bronze. Do mesmo local já o seu conterrâneo algarvio tinha recolhido uma figura representando a Fortuna. Em 1938 dava entrada no Museu de Lagos um recipiente cerâmico com outro tesouro monetário composto por mais de mil moedas. A ocultação destas moedas, que não deve ter acontecido antes dos primeiros anos do século V d.C., reflecte a época de insegurança vivida em toda a Hispania. Das intervenções arqueológicas de Estácio da Veiga, Santos Rocha e José Formosinho na Boca do Rio resultou um conjunto significativo de artefactos. O espólio obtido nas escavações de Estácio veio a ser depositado no Museu Arqueológico do Algarve, criado nas dependências da Academia de Belas Artes de Lisboa no ano de 1880 e extinto escassos meses depois. Santos Rocha entregou ao museu da Figueira da Foz tudo o que recolhera. Já Formosinho depositou no museu da sua cidade (Lagos) o fragmento de mosaico e os restantes materiais recuperados. A quantidade e variedade deste espólio espelham bem a natureza deste sítio marítimo da época romana, que aclama uma indústria conserveira que, negociando o peixe salgado e os preparados derivados
a grandes distâncias, praticaria, directa ou indirectamente, contactos com os maiores portos da geografia mediterrânica. A qualidade dos fragmentos de cerâmicas finas de importação ali encontradas atestam-no.
As escavações dos três arqueólogos incidiram invariavelmente na frente marítima do sítio, área onde se situavam os edifícios residenciais e termais, ficando por explorar a área que lhes é anexa por trás, ou seja a parte industrial. Qualquer um dos três arqueólogos tinha prévia noção da importância e da extensão dos vestígios arqueológicos da Boca do Rio, admitindo as limitações das suas intervenções que, manifestamente, teriam sido insuficientes para ficar a conhecer o sítio na íntegra. A falta de meios foi o fundamento utilizado pelos três. O apelo a uma grande exploração era na óptica de Formosinho a metodologia necessária para o local. Mas esses trabalhos, abrangentes a todo pag. 12
o espaço arqueológico e desejados pelo arqueólogo lacobrigense, nunca vieram a acontecer, sendo que durante cinquenta anos perdeu-se o interesse pelo sítio. O sítio só volta a ser escada em 1982, desta feita por Francisco Alves (ALVES, 1990/92 e 1997). Incidindo as investigações em quatro locais inexplorados da área traseira da frente marítima, regista três núcleos de tanques de salga e recolhe uma quantidade significativa de materiais arqueológicos, entre estes utensilagem de pesca. Esta intervenção permitiu confirmar a natureza industrial do sítio, já patenteada por Formosinho, tendo identificado, de forma inequívoca, as primeiras cetárias3. E apesar de algumas das estruturas da frente marítima registadas por Estácio terem já desaparecido, foi também possível identificar as que tinham sido poupadas pelo mar (ALVES, 1990/92). Em 2003, foi necessária uma intervenção de emergência para levantar uma sepultura e respectivo esqueleto deixados à vista pelo recuo da falésia do morro dos Medos. Tudo leva a crer que se trata de um dos enterramentos da necrópole referida por Santos Rocha (ROCHA, 1896). Nos finais do mesmo ano, Adolfo Silveira Martins4 e João Pedro Bernardes localizaram e registaram parte da sala K da planta de Estácio e o que restava dos compartimentos nesta assinalados com as letras F, F’ e F’’. O primeiro arqueólogo, dois anos depois e em colaboração com uma equipa americana, levaria a cabo prospecções geomagnéticas e subaquáticas das quais não se conhecem resultados publicados. Foi necessário esperar mais cinco anos para que as estruturas visíveis à super-
fície do talude da praia fossem finalmente registadas, tanto as encontradas já derrubadas pela acção destruidora do mar, de carácter mais urgente, como as que estavam nos sítios originais e para as quais o risco de queda, ainda que mais reduzido, era efectivo (MEDEIROS, 2009 e 2010). A metodologia seguida baseou-se no registo gráfico pelo desenho arqueológico e fotografia dos muros dos diferentes compartimentos e na descrição da morfologia e características construtivas dos muros. Simultaneamente, uma equipa de geólogos da Universidade Göethe de Frankfurt, prospectou uma parte da área onde apareceram os tanques de salga, tendo detectado anomalias magnéticas que indicavam a presença de estruturas positivas (HAENSSLER, 2008). Com base na imagem obtida pela geofísica e nos desenhos das cetárias escavadas por Francisco Alves, tudo leva a crer que essas anomalias correspondem a alinhamentos dos muros que delimitavam os edifícios que albergavam as cetárias. A confirmar-se tal cenário é fácil perceber porque é que três das sondagens que F. Alves implantou aleatoriamente “caíram em cima” de três
núcleos de tanques. Não terá sido fruto do acaso mas sim da anterior constatação de que aquela faixa de terreno, com cerca de 150m de extensão, poderia estar repleta com este tipo de estruturas (BERNARDES et al., 2008, p. 116). O inverno rigoroso de 2009/2010 teve grande impacto na destruição das ruínas. O recuo da linha de costa foi particularmente evidente e em consequência disso, em Março de 2010, numa das visitas regulares ao sítio, João Pedro Bernardes deu conta das consequências da abrasão marítima ao descobrir parte de um pavimento de mosaico. No corte do talude, em frente aos antigos armazéns, era visível uma linha de tesselas in situ, e na zona de preia-mar, alguns fragmentos do rudus do ao qual pertenceriam. Tratava-se de parte do pavimento correspondente ao desenho do mosaico da planta de Estácio da Veiga que acompanhava o ângulo do corredor D e que se prolongava ao longo do mesmo e do compartimento C. Com vista ao seu salvamento, entre os meses de Julho e Agosto do mesmo ano, teve lugar uma nova intervenção de emergência (BERNARDES & MEDEIROS, 2011 e 2012). O mosaico, pag. 13
que já se encontrava muito destruído, foi levantado por uma equipa especializada e ficou a cargo da autarquia local. Os primeiros esforços para a valorização e divulgação do sítio arqueológico e da paisagem no qual este é inscrito devem-se a Francisco Alves5. Logo após ter escavado na Boca do Rio e reconhecido a sua importância patrimonial defendeu a viabilização da musealização das estruturas pela criação de um pequeno centro interpretativo (ALVES, 1997). Esta abordagem museológica abarcaria as estruturas romanas, os restos do navio francês Océan, naufragado ao largo da praia, as ruínas do Forte de São Luís, a paisagem e a fauna e flora locais. Na época, o projecto assumiase como uma mais-valia turística, ambiental e cultural, perfeitamente adequada ao tipo de turismo que se queria na região, mas nunca chegou a arrancar. Além da relevância patrimonial e paisagística, o vale da Boca do Rio é ainda importante por outro motivo: a sua geologia. Foram feitas sondagens e furos com o propósito de registar a estratigrafia do paleoestuário, os sedimentos depositados pelo tsunami de 1755 e outros
Referências bibliográficas
mecanismos da geodinâmica da interface costeira. Sabendo que o lugar ofereceu condições excepcionais como porto de abrigo para embarcações, lugar de apoio à pesca e ao marisqueio e, provavelmente, para extracção de sal, têm sido apresentadas diversas candidaturas a programas de investigação científica. Concluído no final de 2011, o projecto da Universidade do Algarve – A Exploração dos Recursos Marinhos Algarvios Durante a Época Romana – foi o último a produzir conhecimento sobre o sítio.
As ruínas
Do conjunto de escavações arqueológicas realizadas entre os finais do século XIX e o presente na Boca do Rio, no que à organização dos espaços funcionais diz respeito, saltam à vista duas realidades bem distintas, à semelhança do que acontece nas villae: - uma, habitacional, localizada junto ao mar e por isso já muito destruída, correspondente a um conjunto de compartimentos de habitação integrando termas e uma área de armazenagem; - outra, industrial, desenvolvida nas traseiras da primeira e onde se estabeleceram as estruturas fabris ligadas ao processamento de preparados de peixe – as cetárias; As cetárias, de formato regular (quadrangular ou rectangular), serviam uma grande produção de salgas, molhos e pastas de peixe, géneros alimentícios estruturantes da tradicional dieta mediterrânica e muito
apreciados na Antiguidade. Estas estruturas atestam a existência de um complexo industrial centrado na exploração intensiva de recursos marinhos e no posterior processo de transformação pela conserva em sal ou fermentação controlada. Os compartimentos da parte habitacional apresentam configurações construtivas muito idênticas, com recurso a aparelhos calcários de corte regular e a balastros irregulares obtidos na região. Entre as fiadas de pedra surgem, incrustadas na argamassa dos muros, pedras mármore e cerâmicas comuns, na maioria telhas e tijolos reaproveitados de antigas construções. Estes elementos construtivos apontam na direcção de várias fases de ocupação para o sítio, ainda que se desconheça a sua (des)continuidade. Por outro lado, a inexistência de muros sobrepostos ou a orientação dos compartimentos não permitem determinar momentos de adaptação, reestruturação ou ampliação de espaços, salvo raras excepções. Os topos dos muros, rematados com argamassa alisada, sugerem uma técnica construtiva em que a parte inferior é construída com pedras argamassadas e a parte superior com taipa ou madeira. Esta solução é comummente verificada em contextos arqueológicos mediterrânicos, sendo certamente motivada pelas exigências climáticas da região e pela abundância, rentabilidade económica e fácil manipulação das matérias-primas utilizadas. Pequenos orifícios regulares identificados em certos compartimentos, cotados a um pag. 14
nível superior ao do pavimento original, podem estar associados a uma de duas funções: à captação/canalização das águas pluviais, como é sugerido na estrutura do tipo cisterna; ou à sustentação de traves de madeira de um estrado ou escadaria de acesso a piso superior, tendo em conta estruturas habitacionais/termais de sítios com ocupações análogas, por exemplo, Tróia. Os restos de estuque e de mosaicos visíveis em alguns dos compartimentos da frente marítima são reveladores de uma certa ostentação económica e estética, mesmo que para o período romano o nível vivencial num complexo de salga de peixe não possa ser equiparado ao das grandes villae latifundiárias. De um modo geral, as estruturas evidenciam um avançado grau de destruição, causado, sobretudo, pela exposição aos mecanismos naturais que modelam a linha de costa e pela ausência de políticas e de infra-estruturas de protecção, com excepção para o referido registo ocorrido entre 2008 e 2009. Note- se que face às irreversíveis alterações morfológicas do talude da frente marítima, são cada vez menos as estruturas resistentes.
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Legenda
1 Departamento de Artes e Humanidades, Universidade do Algarve (nerysplit@hotmail.com / jbernar@ualg.pt). 2 O topónimo “pias” refere-se à presença de cet|rias na vertente do morro. J| “medos” relaciona-se com as dunas formadas após o maremoto de 1755. 3 Na sondagem no 3 foi registada uma cetária, na no 4 um conjunto de três, e, na no 8 mais sete. A este número de tanques acresce mais quatro identificados por Santos Rocha em 1894 (ROCHA, 1896). 4 CEMar – Universidade Autónoma de Lisboa. 5 O sítio arqueológico está classificado como Imóvel de Interesse Público, através do Decreto-Lei no 129/77 de 29 de Setembro.
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Eixo viário romano Oculis -Tongobriga: sua presença no Concelho de Lousada Por Luís Sousa Arqueólogo - CMLousada. Luis.Sousa@cm-lousada.pt Município de Lousada
Introdução O troço viário sobre o qual incide o presente estudo corresponde a um dos possíveis itinerários, de classificação principal ou secundária, que partindo de Bracara Augusta (Braga) se dirigia a Tongobriga (Freixo-Marco de Canaveses). Ao balizarmos a nossa presente análise entre Oculis (Vizela) e as proximidades da cidade romana de Tongobriga, que, genericamente, equivale ao tramo final do referido itinerário principal ou secundário, pretendemos, ainda que de modo superficial, apontar, por um lado, o hipotético traçado viário no concelho de Lousada (fig.1) e, por outro, evidenciar o papel socioeconómico que certos assentamentos de Época Romana, conhecidos neste aro administrativo, terão desempenhado na trama económico-administrativa da região, mormente os situados nas bacias hidrográficas do Ave-Vizela, Sousa, Ferreira e Tâmega. Eixo viário romano Oculis-Tongobriga Este trecho da via que provinha de Braga, ultrapassava os 40km de extensão e, como atrás mencionado, colocava em contacto dois importantes núcleos urbanos romanos – Oculis e Tongobriga, núcleos estes que terão por certo exercido influência a vários níveis no território. Neste tramo sobre o qual nos debruçamos estão documentados dois marcos miliários, ambos encontrados em Marco de Canaveses, concretamente em Tuías, de Valentiniano e Valente (364-375) e um outro surgido no Freixo, datado do século III-IV d.C. Trata-se, deste modo, de dois marcadores da milia passuum que atestam, de por si, a importância conferida a este eixo, o que possibilita anuir estarmos perante uma provável via de classificação principal ou secundária de relevo no plano viário romano regional. Carlos Alberto Ferreira de Almeida (1968:41) refere a passagem de uma via por Lousada, dizendo que esta sairia das
Caldas de Vizela, a partir da Ponte Velha, e passaria por Casais, Nespereira, Penafiel, Calçada, descendo a Entre-osRios. Ta m b é m J o r g e Alarcão (1988: 91) menciona a passagem de uma via a cruzar o concelho, provinda de Braga, que ligaria à região das minas de Valongo e Gondomar, passando por Meinedo, onde, segundo o autor, deveria bifurcar. Uma estrada desceria para o Monte Mózinho e daqui atingiria o Douro. Uma outra estrada deveria dirigir-se para o Freixo, local onde se situa a cidade de Tongobriga. Mais recentemente Mendes Pinto (1995: 279) faz passar pelo território lousadense esta estrada, dando nota que partindo da Ponte Velha de Vizela, seguiria “ao longo do rio Mezio pelas freguesias d e Casais e Nespereira, passando pelo vicus de Meinedo, onde atravessaria o rio Sousa”. De igual modo Lino Dias (1997: 320) insere este eixo no grande traçado que partindo de Braga ia a S. Martinho de Sande, cruzava Caldas das Taipas e Caldas de Vizela, atingindo de seguida Meinedo, área onde o autor considera haver lugar a uma bifurcação, com um troço a ir a Monte Mózinho e um outro a Tongobriga. Na sequência do que vem sendo propalado pelos autores citados, consideramos conformemente o início desta via na Ponte Velha de Vizela, sobre o rio Vizela, pag. 16
ponte modificada em momento posterior, mas que ainda conserva um pequeno arco romano, fora do leito do rio (Almeida CAF, 1968: 41). Daqui dirigia-se a Santa Eulália de Barrosas, onde foram identificadas duas necrópoles romanas: Senra e Rielho, subia a Lustosa, passava nas proximidades do castro de São Gonçalo (Lustosa Lousada/ RaimondaPaços de Ferreira), pela parte Este, ia à Boca da Ribeira (Sousela-Lousada), seguia a margem direita do rio Mezio, próximo à capela de São Cristóvão (Sousela), local onde se encontra uma epígrafe dedicada aos deuses Manes (fig.2) (Pinto M, 1992). Atingia, de seguida, a Quinta de Eira Vedra (Sousela), onde se documentou o aparecimento de uma estela funerária (Fig.3), depositada no Museu Nacional de Soares dos Reis (Fortes, 1905-1908:479480; Peixoto, 1913, 308: 1;Vasconcelos, 1913: 421; Pinto M, 1992) e onde abundam fragmentos de tegula e cerâmica comum romana, o que permite deduzir a presença de um assentamento romano de tipo uilla e de uma necrópole coeva nas imediações. Esta uilla romana parece ter granjeado alguma importância nesta área do território, certamente desenvolvida pela atracção do cruzamento viário neste local. Encontram-se vestígios ceramológicos ao longo de cerca de 400 metros em ambas as margens do rio Mezio, com cronologias entre o século III e IV d.C. Talvez houvesse lugar à bifurcação da via nesta área, com ligação a outros eixos de menor importância, designadamente com direcção a Paços de Ferreira. Nesta zona a via transpunha o Mezio,
passando o rio para a margem esquerda, cruzava a freguesia de Sousela em direcção à de Santa Eulália (1) da Ordem, passava no lugar de Servecia, atingindo a ladeira Oeste do castro de São Domingos (2).
observar-se um considerável número de vestígios de construção de feição romana. Salienta-se, ainda, a referência a algumas epígrafes que, pelo conjunto e a restrita área do seu achado, se poderão conotar com a existência de uma necrópole nas proximidades do actual apeadeiro de Meinedo. À saída da freguesia, em direcção a Montes Novos (Croca-Penafiel), no lugar hoje chamado de Carreira Branca, conhecem-se refer-
Este povoado implanta-se num outeiro de formato cónico com boas condições naturais de defesa, principalmente as vertentes voltadas a Este e a Sul. Apresenta-se bastante destacado na orografia circundante, o que lhe confere amplo domínio visual sobre a paisagem, e, por isso, visibilidade directa com o castro do Alto de Nevogilde, Monte Pedroso, Santa Águeda, Mortórios e Bufo. O povoado fortificado de São Domingos é detentor de, pelo menos, três panos de muralhas (3) e um fosso a Norte, área de íngremes vertentes no lugar de Travassos entre este reduto defensivo e o Crastinho. Trata-se, sem dúvida, do maior e mais expressivo assentamento da Proto-História no concelho de Lousada. Daqui seguia a via por Boim, onde se reconheceram vestígios da existência de um provável forno romano no lugar do Irmeiro (Pinto M, 1997), assim como da permanência no mesmo espaço de três sepulturas medievais cavadas na rocha (Nunes, Sousa e Gonçalves, 2006: 4767). Consideramos que, de seguida, a via atingia, sem dúvida, a ponte de Sousa (fig.4). Porém, sem antes passar nas proximidades da ponte de Espindo, para o qual temos dúvidas se a via transporia ou não aqui o rio Sousa tomando a direcção de Meinedo, em todo o caso julgamos plausível uma bifurcação nesta freguesia de Lousada a partir do eixo viário Oculis/Tongobriga em direcção a São Martinho de Recezinhos e Croca, freguesias do vizinho concelho de Penafiel. Lembramos que na área envolvente à Quinta dos Padrões (Meinedo), onde se inclui o campo de futebol, é possível
ências documentais medievas a Portus Carrarius (4), o caminho para o Porto certamente. Para além dos vestígios citados, este caminho apresenta nas proximidades um casal romano e uma ara em São Mamede (Meinedo), um provável povoado aberto em Monte Felgueiras (MeinedoLousada/São Mamede-Penafiel), o castro de Croca e a necrópole romana de Montes Novos, integralmente escavada por Gilda Pinto (Pinto G, 1996). A ponte de Sousa apresenta elementos enquadráveis na Idade Média, talvez pelos finais do século XII, possuindo um arco de volta perfeita em boa cantaria, observando-se em alguns dos silhares siglas de pedreiro, todavia, não obsta a existência de uma ponte anterior, de fundação romana, que não teria obrigatoriamente de ser de materiais perenes, dado o baixo leito que o rio nesta zona apresenta. Daqui, a via atingia o lugar de Monteiras (Bustelo-Penafiel), sítio onde têm aparecido inúmeros materiais arqueológicos, nomeadamente numismas, surgidos aquando de trabalhos agrícolas em campos contíguos ao actual campo de jogos, tendo junto deste, inclusive, aparecido uma necrópole romana, que foi já alvo de uma intervenção arqueológica.
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Nas proximidades, a existência dos topónimos Padrão e Tresvia parecem ser demonstrativos da passagem de uma via nesta área. A continuidade do traçado a partir daqui surge-nos pouco claro até Santa Marta (Penafiel), tendo, por isso, servido de base ao traçado do percurso o posicionamento de um conjunto de topónimos suevovisigodos contidos no Parochial Suevo do século VI. Em Santa Marta, são conhecidas referências a uma necrópole romana no lugar da Estrada e a presença de um provável povoado da Idade do Ferro, sendo nas proximidades deste, a sudeste, que permanece uma pequena ponte de feição medieval, de um só arco de volta perfeita, por onde se julga passar a via romana, que daqui atingia o castro de Quires (Vila Boa de Quires-Marco de Canaveses), cruzando o lugar de Carvalhos (CrocaPenafiel), onde existia ainda há alguns anos um longo troço de via integralmente lajeado, intercalando com trechos em terra batida e aproveitamento da rocha base natural, sobre a qual se observavam profundos entalhes de circulação carrária. Após o castro de Quires, a via apresentase mais bem documentada, sendo aceite o trajecto a cruzar Videbaste, Pedra, Buriz, Torre, Avessões, passando nas imediações da uilla romana de Urro (Casa da Babilónia) (5) (Dias, 1997: 307-308), Penidos (6), atingindo, de seguida, a Ponte Romana de Canaveses, daqui por São Nicolau, Tuías (7) e, por fim Tongobriga (Freixo-Marco de Canaveses). Legenda de fotografias: Fig. 1 – Hipotético traçado do eixo viário romano Oculis-Tongobriga sobre mapa do Concelho de Lousada. Fig. 2 – Ara romana de São Cristóvão (Sousela). Fig. 3 – Desenho da estela funerária de Eira Vedra (Sousela). Segundo Vasconcelos JL, 1913-421. Fig. 4– Ponte de Sousa sobre o rio Sousa (Lodares-Lousada/Bustelo-Penafiel). Perspectiva de montante.
imagem do mês
Notas
1 – Santa venerada em Emerita Augusta (Mérida-Espanha) desde o século IV d.C. 2 – A partir da via que vem sendo descrita, junto do castro de São Domingos (Cristelos-Lousada), a partir do quadrante Este, nas proximidades da necrópole de Cristelos, sairia possivelmente um troço a cruzar Santa Eulália de Margaride (Felgueiras), seguia por Silvares e Alvarenga (Lousada), Idães, Sousa, Torrados e Santa Eulália de Margaride (Felgueiras), onde se conhecem referências a uma necrópole romana, em Campo 3 – Talvez uma plataforma de formato circular que coroa o topo do outeiro, recentemente identificada, possa revelar um quarto pano de muralha com função defensiva ou não. 4 – P.M.H., Inq., 1258: 543 5 – Neste local têm aparecido fustes de coluna de tipo toscano, pedras almofadadas, lajes de prováveis tampas de sepultura, mós de formato circular, canalizações escavadas em blocos graníticos e grande número de cerâmica comum romana atribuível ao século I e II d.C., grupos cerâmicos 3 e 7, e ao século IV, grupo 11, segundo a nomenclatura crono-tipológica proposta por Lino Dias (1997: 307-308). 6 – No lugar de Penidos, topónimo que advém da existência no local de uma crista granítica saliente, fontes colhidas nas proximidades revelaram a existência por aquelas bandas de uma ou duas pedras com vestígios de almofadado, o que poderá indiciar a presença de um casal (?) romano nesta área. Materiais cerâmicos enquadráveis na Baixa Idade Média foram por nós identificados no referido morro granítico, o que prova de certa maneira uma pervivência ocupacional deste espaço que, no século XIV, vai ser enriquecido com a construção de uma capela de invocação a São Martinho. 7 – Aqui apareceu um miliário de Valentiniano e Valente (364375) (Dias LAT, 1997: 320).
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Fontes Documentais
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Cartografia
Mapa da Província d’Entre Douro e Minho [Material cartográfico], da autoria de Custódio José Gomes Villasboas, 1798. Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha n.º 98 [Materialcartográfico], 3.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764983-1. Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha nº 99 [Material cartográfico], 1.ª edição, 1949. Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha n.º 99 [Material cartográfico], 3.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764984-X. Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha n.º 111 [Material cartográfico], 1.ª edição, 1934. Carta Militar de Portugal, IGE, escala 1/25 000, folha nº 111 [Material cartográfico], 4.ª edição, 1998, série M888, ISBN: 972-764997-1. Carta Militar de Portugal, SCE, escala 1/25 000, folha n.º 112 [Material cartográfico], 1.ª edição, 1937.
Amanhecer em Miróbriga
OPPIDUM Revista Municipal de Lousada, Suplemento de Arqueologia, Ano 13 N.º 94. O Projecto «Portugal Romano agradece ao autor a autorização para a partilha do documento.
Fotografia por: Miguel Rosenstok
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Sabia que...
O Sol e a Lua assumem em quase todas as religiões antigas e mistéricas um papel fundamental. texto: Filomena Barata Foto: Alvaro Rosendo
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O Sol e a Lua assumem em quase todas as religiões antigas e mistéricas um papel fundamental. O Sol com a força vivificante dos seus raios, desempenha genericamente o papel masculino e patriarcal e, por isso foi associado quer a Febos, quer a Hórus; e a Lua, telúrica, é a força feminina e matriarcal que se associa a Cibele, Ísis, Proserpina, que faz desabrochar os frutos e condiciona o crescimento de ervas e plantas. A propósito da Lua, astro satélite sem luz própria, recordo uma velha oração que conheci no Alentejo que várias vezes tenho tazido à lembrança e ainda uma outra citada no «Asno de Ouro» de Apuleio que dão conta, por um lado, do sincretismo religioso daquele território e do papel que os cultos lunares desempenham nas crenças e religiões desde épocas remotas. Passarei a citar: “Lua, Luar Toma lá este Bébé Ajuda-mo a criar Tu és Mãe e eu sou ama Cria-o tu que eu lhe dou mama Em louvor da Virgem Maria Padre Nosso, Avé Maria” A outra, citada por Apuleio, no Asno de Ouro, faz também eco da mesma devoção lunar, pois atribui ao burro na sua caminhada iniciática uma oração dedicada à “Lua cheia resplandecente de admirável brilho” a quem confere uma “transcendente majestade, e que todas as coisas humanas se regiam por sua providência; que não somente o gado e as bestas feras, mas também as inanimadas, vegetavam pelo divino influxo de sua luz e divindade (...)”. E o Asno suplica à Lua, apelando a atributos que lhe foram conferidos ao longo dos tempos: “ Rainha dos céus, ou tu sejas Ceres criadora, primeira mão dos frutos (...); ou tu sejas a celeste Vénus, que na primeira origem das cousas ajuntaste os diferentes sexos gerando amor, e propagaste a espécie humana de eterna descendência (...) que, favorecendo o parto das mulheres com brandos remédios, tens dado à luz tantos povos (...); ou tu sejas Prosérpina, horrível pelos uivos nocturnos, que reprimes com a triforme face os ímpetos dos espectros, e encerras os arcanos da terra e, vagueando por diversos bosques, és aplacada com diferentes modos de culto: tu que alumias os muros de todas as cidades com a tua feminina luz, que crias as alegres se-
mentes com teu húmido fogo e esparges uma luz incerta segundo as revoluções do Sol: por qualquer nome, quaisquer ritos e debaixo de qualquer forma que é lícito invocar-te, tu me socorre agora em minha extrema calamidade (...), tu dáme paz e repouso depois de tão cruéis desgraças sofridas”. Na primeira oração ainda hoje rezada por grávidas ou por mães que vão oferecer à Lua os seus bébés, é clara a associação da Lua com a feminilidade e a maternidade. Na segunda oração, a que Apuleio põe na boca do Asno, a Lua aparece-nos com uma feição mais complexa: ora símbolo criador, fecundador; ora rainha e regradora do mundo humano, animal e inanimado; ora símbolo do amor e da união dos sexos, associada a Vénus. Mas a Lua também nos surge aí associada a uma divindade do mundo subterrâneo, Proserpina, “horrível pelos seus uivos nocturnos”, pois esta divindade, filha de Zeus e Demetra, foi raptada por Hades o deus dos mortos que fez dela a sua esposa, vivendo com ela parte do ano, nesse mundo das “entranhas da Terra”. Também Diana, antiga divindade itálica, foi identificada com Artemis, protectora das margens, da caça e da natureza selvagem, assumindo também a protecção das mulheres. No caso de algumas regiões da Hispânia, aparece relacionada com o culto da Lua, com Proserpina e, possivelmente, com cultos de cariz funerário, a exemplo de uma árula da zona de Sines, estudada por José d’Encarnação (IRCP. 104). Daí advêm, certamente, muitas das associações maléficas que se atribuem à Lua na tradição popular, com efeitos perniciosos de mau-olhado ou de “quebranto”. Mas também por isso a Lua representa a passagem da vida para a morte, tanto mais que, como astro que aparece e desaparece, ela tanto está tanto morta, como viva. Ainda por esses ritmos de aparecimento/ desaparecimento; Luz/Escuridão; Morte/ Vida, a Lua funcionou como símbolo dos ritmos biológicos, motivo porque ainda hoje a gravidez é marcada pelas Luas, atribuindo-se-lhe também grande importância nas marés e nos ciclos agrícolas. Também por isso alguns calendários da Antiguidade se regeram pelos ciclos lunares. A Lua na sua conotação com o mundo pag. 23
feminino, sem Luz própria, ou seja o astro satélite natural da Terra que reflecte a Luz do Sol de forma descontínua, simboliza também transformação e crescimento. Caminho ou caminhada. Mas é do casamento místico entre o Sol e Lua que se faz a verdadeira Luz, sendo por isso comum a sua associação em santuários, a exemplo do SOLI AETERNO LUNAE, localizado no sopé da «Serra da Lua» em Sintra, e que será tema central desta revista. Por sua vez, o Sol, sendo a maior luz do céu visível aos Humanos, é para muitos povos um dos símbolos mais importantes, sendo até venerado como um Deus ou encarado como manifestação da divindade entre muitos. Ao contrário da Lua, o Sol que tem luz própria, é afinal a própria essência da Luz, e é quase sempre interpretado como símbolo masculino e por isso associado ao princípio Yang. Ou seja, representa em muitos culturas, se bem que nem em todas, o princípio activo, enquanto a Lua é um princípio passivo. Ao Sol associa-se ainda a noção de calor e de Vida, pois sem ele nada sobrevive. Na Alquimia ele corresponde ao Ouro, encarnando a ideia do espírito imutável. Sendo muitas vezes invocado como “olho omnipresente do Sol”, como acontece no Prometeu Agrilhoado, ou “Olho do Deus Supremo”, como acontece entre os Bosquímanos, relembro, no entanto, aqui com mais pormenor o papel que assume no culto mitraico cujos rituais têm características mistéricas. Na Antiga Roma, com o principado de Augusto, assiste-se, por um lado, a um retorno dos valores antigos da religião romana, assumindo-se o império como um período de “Restauração” dos valores religiosos ancestrais e, por outro, à oficialização de alguns cultos orientais, que vão ter particular adesão, quer pelos orientais com domicílio no Ocidente, quer pelos cidadãos e legionários romanos, como se verifica com o culto desse deus solar de origem persa, Mitra. O culto mitraico parece ter chegado ao Ocidente no decorrer do século II d.C., através das legiões romanas. Com a chegada dos invasores romanos à Península Ibérica, e particularmente dos exércitos, originou-se um novo surto desses cultos orientalizantes, apesar da sua penetração no Ocidente ser de período muito anterior ao romano. Quer na cidade romana de Tróia, Grândola, quer em Beja está comprovado o
Culto Mitraico, que se expandiu na Hispânia a partir de finais do século II – inícios do século III d. C., a par de outros cultos orientais, tais como de Serápis, Ísis, Cibele-Magna Mater. O Sol ou Ormuzd, para os Persas, enquanto fonte de Luz, representava a Vida, a Saúde e a Fertilidade da terra enquan-
to criadora de todas as coisas necessárias à sobrevivência do Homem; por sua vez, à Lua ou Arimânio, atribuíam-lhe forças maléficas; as trevas e a esterilidade da Terra. Mitra surge assim, do ponto de vista simbólico, como um terceiro elemento, como uma espécie de divindade mediadora entre duas forças antagónicas, viabilizando o nascer de um novo dia, ou seja, não permitindo que a Lua ocultasse o Sol. Mais do que o Sol, Mitra representa a Luz Celestial, ou a essência da Luz, que desponta antes do Astro-Rei raiar e que ainda ilumina depois dele se pôr e, porque dissipa as trevas, é também o deus da Integridade, da Verdade e da Fertilidade, motivo pelo que também surge associado à força genésica do Touro, o Touro primordial que Mitra é incumbido de matar, como de seguida falaremos. Segundo as lendas de origem persa, Mitra terá recebido uma ordem do deus-Sol, seu pai, através de um seu mensageiro, na figura de um corvo. Deveria matar um touro branco no interior de uma caverna. O ritual de iniciação nos mistérios de Mitra era o Taurobólio, porque exigia o sacrifício do touro que foi, aliás, uma constante no mundo mediterrânico oriental e greco-latino, onde esse sacrifício assume um carácter fundacional, pois o culto deste animal assenta a sua sacralidade no vigor e violência cósmica, e num poder fecundante. É a morte ritual do touro que dá origem à vida com o seu sangue, à fertilidade, à dádiva das sementes que, recolhidas e purificadas pela Lua, dão, por sua vez, origem aos “frutos”,bem como é dessa vitalidade que surgem as espécies animais, pois a sua carne é comida e o seu sangue fecundador é bebido. Os candidatos à iniciação dos mistérios mitraicos, praticados quer na Pérsia, quer em Roma, tinham vários graus de iniciação, passando por provas severas e o iniciado, antes de fazer o seu voto sagrado (sacramentum), prometia não trair o que lhe havia sido revelado. Depois, o iniciado subia os sete degraus, recebendo em cada um deles um nome diferente. O banquete ritual da morte do touro, o taurobolium, sempre em companhia do Sol, viabiliza ainda aos adeptos do culto mitraico o “nascimento para uma nova vida” ou “Renascimento” que o Cristianismo, que baniu a ideia de sacrifício iniciático do touro, transformou na água do baptismo e, através da Eucaristia, transmutou em pão e vinho, substituindo o sangue e pag. 24
a carne do touro divino. O deus solar Mitra parece ter nascido numa gruta que simboliza o firmamento e, a sua abóbada, o céu de onde sairá a Luz para a Terra. Por isso mesmo os rituais de iniciação mitraicos eram também praticados em gruta. Geralmente Mitra, que se faz sempre acompanhar do Sol, tem ainda um corvo à sua esquerda – que curiosamente é também o totem do deus solar de origem celta Lug, - e no ângulo esquerdo tem a figura do Sol e, à direita, da Lua. Mas há quem refira que Lug, parece ter sido também cultuado no Promontorium Sacrum. Exactamente pela associação que quer Mitra, quer Lug têm aos corvos, quer a cultos solares ou astrais, e ainda porque se trata também de um finis tarrae como o templo SOLI AETERNO LUNAE, recordamos aqui o Promontorium Sacrum, esse lugar onde, desde tempos imemoriais, se sacralizavam pedras, e se temia o pôr do Sol, porque se dizia que fazia um rugido ao “deitar-se” no Oceano. Desconhecendo-se se efectivamente se tratava do cabo de S. Vicente ou de uma área compreendida entre o Cabo de Sagres e o Cabo de S. Vicente, é um facto que esta área foi descrita desde a Antiguidade. Uma das primeiras referências ao promontório é a de Avieno, que na “Ora Marítima”, escrita no século IV d.C., mas baseada num périplo comercial massaliota do século VI a.C. com acrescentos gregos e latinos, a ele se refere como o Cabo Cinético: «Então, lá onde declina a luz sideral, emerge altaneiro o cabo Cinético, ponto extremo da rica Europa, e entra pelas águas salgadas do Oceano povoado de monstros» (vv. 201205)». Avieno refere ainda que o promontório era dedicado a Saturno e «que assusta pelos seus rochedos».
O Promontório Sacro deveria tratar-se, em período pré-romano e romano, de um santuário ao ar livre dedicado muito possivelmente ao deus púnico Baal Hammon, associado por
um fenómeno de sincretismo ao Saturno dos latinos, pois o geógrafo Estrabão nega, no século I, a existência de qualquer templo dedicado a Hércules ou a qualquer outro deus no local. Este autor descreve-o como o ponto mais ocidental da Ibéria: «Este é o ponto mais ocidental não só da Europa, mas também de toda a oikouméne» (Estr. III, 1, 4) onde «Não é permitido oferecer sacrifícios nem aí pernoitar pois dizem que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que o vão visitar pernoitam numa aldeia próxima, e depois, de dia, entram ali levando água, já que o lugar não o tem» (Estr. III, 1, 4) e acrescenta Estrabão que, segundo tradições populares, neste local o Sol aumenta no Ocaso, pondo-se com ruído, como que a extinguir-se entre as águas do Oceano (Estr. III, 1, 5). O Ocidente, para lá das Colunas de Hércules era, pois conotado com o mundo lunar, infernal e da morte o «Mundo das Trevas» como que a entrada num mundo fantástico e mítico, povoado de monstros e onde a natureza é inóspita, onde Saturno impera. Quer se tratasse de um santuário dedicado a Baal Hammon/ Saturno ou a Melkart/Hércules, como alguns autores defendem, é, contudo, evidente a identificação deste local com entidades sagradas de clara conotação marítima e astral, aliás como acontecia noutras Finisterrae, a exemplo do Cabo Carvoeiro, em Peniche, que Avieno, na sua Ode Marítima, atribui também ao local o culto de Saturno. Aliás, Kronos, o Tempo, quase sempre surge aliado a estes lugares do fim do mundo onde o Sol se põe. O Promontorium Sacrum foi desde sempre lugar de peregrinação, tendo, em período de dominação islâmica, acolhido peregrinos cristãos e muçulmanos que lhe chamavam Chakrach. A Igreja do Corvo, associada ao acolhimento das relíquias do santo levantino S. Vicente, porque diz a lenda que o corpo do Santo Mártir do século IV terá dado à costa neste local, quando era levado de Valência, onde tinha sido martirizado, para Lisboa, parece ter desempenhado um papel fundamental na própria fundação do reino português, ou não tivesse D. Afonso I organizado duas expedições para resgatar o corpo do santo, trazendo-o para Lisboa. Lugar de culto moçárabe, Sagres acolherá outras lendas mais ou menos infundadas, como a de ter sido o local onde se fundou a “escola” de navegadores criada pelo Infante D. Henrique, que ali, ou, muito possivelmente na vizinha povoação de Vila do Bispo, se instalava frequentes vezes. Ali no Promontorium parece ter sido, segundo a lenda, guardado o Santo mártir, S. Vicente - o que vem dar a origem ao nome com que é denominado, a partir de certa altura, o próprio Cabo, até que também sempre acompanhado pelos corvos chega a Lisboa, em 1173, tornando-se assim esse pássaro negro, atributo de divindades conotadas com a Luz, o símbolo da cidade que ainda hoje mantém a barca que transportou o féretro e os dois corvos no seu escudo de armas. E serão ainda os corvos, segundo reza a história, que acompanharão os Portugueses, no seu caminho para o Sol rumo ao Ocidente, seguindo a Via Láctea.
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Monumental Santuário Romano do Sol e da Lua Sítio Arqueológico do Alto da Vigia (Praia das Maçãs, Colares)
Introdução Através deste texto onde pretendemos dar a conhecer um local que, do nosso ponto de vista, tem características únicas, desejamos também homenagear todos os arqueólogos que por ali passaram ao longo dos séculos, não podendo deixar de fazer uma referência especial a José Cardim Ribeiro pelo seu contributo para o conhecimento da Epigrafia e da Arqueologia deste concelho e de âmbito nacional. Para José Cardim Ribeiro vai também uma referência especial, pois sem o seu contributo e apoio não poderia ter sido elaborado este texto central da nossa Revista 0, tendo sido fundamental toda a bibliografia e textos que nos disponibilizou que por diversas vezes aqui seguiremos ou citaremos. Remontam a 1505 as primeiras referências ao santuário, que é visitado ao longo do século XVI e seguintes. Progressivamente encoberto pelas dunas e perdidas, dele apenas restava o seu registo escrito e um desenho da autoria de Francisco d’Ollanda. Em 2008 durante uma intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi possível identificar finalmente a sua localização. O recinto circular do santuário (que talvez se tratasse de um templo, um simples témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avançava pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório. Deste importante santuário romano da região de Colares, consagrado a SOLI ET LUNAE, provém importantes inscrições. Ptolomeu situa –o a noroeste de Olisipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM»
texto e fotos
Raúl Losada Portugalromano.com
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Historiografia do sítio arqueológico As primeiras informações que nos falam da existência de um santuário romano junto à foz do Rio das Maças, no lugar denominado Alto da Vigia, são da autoria de Valentim Fernandes, em 1505; e de Francisco d’Ollanda, por volta de 1541. Este autor inclui na sua obra “Da Fábrica que falece à cidade de Lisboa” o desenho das estruturas que então terá conseguido observar e que pertenceriam ao santuário romano. A identificação daquelas ruínas no século XVI corresponde à primeira descoberta arqueológica feita em Portugal. A importância do local foi largamente reconhecida na época, passando a ser ponto de visita obrigatória para os eruditos, portugueses e estrangeiros, durante o Renascimento. Entre os ilustres visitantes que acorreram ao local, destaca-se a presença de Francisco d’Ollanda e de André de Resende, mas também de elementos da família Real, nomeadamente do Rei D. Manuel I e, mais tarde, do Infante D. Luís, irmão de D. João III.
esta a importância do local, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família. Para além daquela ara e de uma inscrição funerária da época de Augusto - ou seja, anterior ao próprio santuário - foram recolhidos outros elementos arquitectónicos romanos com alguma monumentalidade, nomeadamente uma imposta moldurada, fragmentos de coluna, de ara e grandes blocos de construção.
O Santuário Romano do Sol e da Lua A importância do santuário na época romana está reflectida no facto dos votos conhecidos até agora, expressos pela saúde do imperador e eternidade do Império, serem colocados não por devotos particulares, nem sequer pelas elites locais ou provinciais, mas apenas por detentores de altos cargos imperiais, nomeadamente governadores da Lusitânia ou legados do Imperador, embora por vezes através do senado de Olisipo, município em cujo território se localizava este santuário. O achado é descrito pela primeira vez por Valentim Fernandes, «O Móravio». No seu texto, em duas cartas, são referidas “tres colunas de pedra cortadas em forma de prisma, com uma grande quantidade de letras(...) incisa nos respectivos pedestais.” e relato de uma forte estrutura à qual tais lapides se encontravam presas. O conteúdo original desses monumentos epigráficos é-nos transmitido por outros autores e correspondem a três aras consagradas respectivamente a Soli et Lunae, Soli Aeterno Lunae e Soli Aeterno (Cil II 258, Cil II 259,Cardim Ribeiro,1994 p.86-87 e fig.45). Os dedicantes são exclusivamente Legados e Procuradores imperiais na província da Lusitânia. A análise efectuada por Cardim Ribeiro ao conteúdo epigráfico dos monumentos citados permite situar uma datação aproximada: Tigidius (ou Tuldicius) Perenis - Legatus Augusti pro praetore pronvinciae Lusitaniae
Legenda: Desenho de forma provavelmente imaginativa da autoria de Francisco de Holanda incluido na sua obra “Da Fábrica que Faleçe ha Çidade de Lysboa” em 1571.
Tais descrições indicam que o sítio terá permanecido visitável durante quase todo o século XVI, altura a partir da qual as estruturas terão, a pouco e pouco, deixado de estar visíveis, contribuindo desta forma para uma certa confusão relativamente à sua localização precisa.
O primeiro monumento (CIL II 258), dedicado Soli et Lunae por um legatus Augusti pro praetore provinciae Lusitaniae com gentilício de leitura controversa – provavelmente Tigidius ou Tulcidius(2) – e com o cognomen Perennis, poderá datar de 180-198 d.C., ou seja, do imperialato de Cómodo ou do de Septímio Severo antes da proclamação de Caracala como Augustus.
Os vários estudos e trabalhos científicos recentemente desenvolvidos acabariam por apontar para um pequeno outeiro sobranceiro à Praia das Maçãs, onde ainda hoje se conservam os microtopónimos Alto da Vigia e Alconchel. Foi precisamente nesse pequeno promontório, na margem esquerda daquela Ribeira, que a equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas iniciou uma intervenção em 2008, junto das estruturas de uma torre de facho de época Moderna que ainda se encontravam parcialmente visíveis.
Valerius (ou Iunius, ou Iulius) Coelianus - Legatus Augustorum O segundo (CIL II 259) invoca Soli Aeterno Lunae, pro aeternitate Imperii et salute Imperatoris Caesaris Lucii Septimii Severi Augusti Pii, et Imperatoris Caesaris Marci Aurelii Antonini Augusti Pii, et Publii Septimii Getae Nobilissimi Caesaris, et Iuliae Augustae Matris Castrorum. Trata-se de um texto datável, de uma forma lata, de 198 a 209 d.C., anos limites estabelecidos a partir do título Pius conferido a Caracala (finais de 198(3)) e o de Augustus atribuído a Géta (Setembro/Outubro [?] de 209), que não surge ainda nesta epígrafe; mas, dentro da referida década, o momento mais provável deverá situar-se entre os anos de 201 – 204 d.C. O dedicante é um legatus Augustorum de gentilício incerto – Valerius, Iulius, Iunius – e de cognomen Coelianus(5), que agiu conjuntamente com alguns notáveis provinciais, muito provavelmente olisiponenses.
A intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas permitiu confirmar a existência naquela zona de um santuário romano monumental, bem como a caracterização dos alicerces parcialmente visíveis como sendo pertencentes a uma torre de facho dos inícios do século XVI. Nas escavações foi recuperada uma nova inscrição que at-
C. Iulius C. F. Quir. Celsus - Procurator provinciae Lusitaniae A estes dois monumentos pode hoje juntar-se um outro, cuja cuidada análise – inclusive dos vestígios literais subsistentes da truncada linha 1 – permite com assinalável grau de segurança presumir consagrado Soli [Lunae O]ceano (fig. 1) por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos.
Apesar de tudo, a memória de um santuário romano no litoral sintrense permaneceu.
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Datará do imperialato de Antonino Pio, talvez entre 139-141 d.C. (fundamentalmente com base na análise do cursus honorum de C. Iulius Celsus e no consabido preenchimento do cargo de governador da Lusitânia por C. Iavolenus Calvinus nos anos imediatamente subsequentes).
ligiosas locais, quer ligadas ao ciclo solar, quer ao culto à Deusa Lunar e salutífera nos Montes sagrados, da Serra da Lua. A sua única função seria direccionar as protecções dos astros eternos e garantir assim o bem estar dos imperadores, e do próprio império - A Roma Aeternae. Assim se justifica não se encontrar na epigrafia do santuário dedicantes particulares ou mesmo magistrados municipais. Apenas altos dignitários Imperiais, que ali representavam os próprios Augustus, e em favor dos quais invocavam os grandes Luminares Celestes.
Fundação, desenvolvimento, apogeu, decadência e abandono
Existem três momentos que podem ter propiciado a fundação deste santuário em meados do séc. II d.C.
Legenda: Moeda de Faustina, Mulher do Imperador Antoninos Pius, cunhada em Roma em 142 d.C. O reverso apresenta a Lua com sete estrelas. (RIC 1199)
Nas recentes escavações que a equipa do Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas se encontrada a realizar no sitio arqueológico foi encontrada uma nova inscrição, ainda em estudo, mas que atesta a importância do local, sendo dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família.
Durante o Imperialato de Antonio Pio, que após a morte da sua mulher, promove a emissão em 141/142 e, posteriormente, em 152 de moedas onde se faz figurar com os atributos de Sol e da Lua, bem como a Faustina, assiste-se à assimilação do casal imperial aos astros do dia e da noite. Durante os últimos anos do Imperialato de Cómodo verifica-se que a ideologia privilegia cada vez mais a astrologia, se bem que não o Sol e a Lua, mas ás estrelas.
Foi durante o reinado do Imperador Septímio Severo, época em que se assiste a uma manifesta solarização do culto dos soberanos, que se ergueu no santuário a única ara datável (201 d.C. - 204 O Santuário do Sol e da Lua d.C.) e de tão importante significado para a compreensão da união O locus sacer do Sol e da Lua implementava-se na época romana simbólica entre a eternidade cósmica e imperial. sobre uma elevação rochosa de cerca de 40 metros sobre o mar. Situado no sopé do mons Sacer (Serra de Sintra) é referida por É dificil apenas com estes elementos epigráficos datar de forma muito autores da antiguidade, e mais tarde designada por Cláudio precisa a fundação do santuário. O paralelismo entre Antonino Pio Ptolomeu como “Serra da Lua”, inclui no seu estreito junto ao mar e Faustina e Sol e Lua parece apontar para a conjuntura mais ado promontório Magno ou Olisiponense descrito por Plínio e que o equada, e caso a ara de C. Iulius Celsus, aludir efectivamente a geógrafo denomina igualmente por “da Lua”. Dacia Superior remete-nos para a mesma ocasião. Contudo, rigorosamente não se possui dados concertos, sendo Plínio refere ser esta a região da Hispânia onde se dividem “as ter- a hipótese apontada por Cardim Ribeiro a mais provável, e que ras, os mares e os céus”, pelo que pela sua específica localização propõe a fundação em meados do século II d.C., com Antonino Pio, santuário do Sol e da Lua assinalava e sacralizava os limites do porventura em 148, ocasião em que Roma celebrava 900 anos de Império ocidental. sua fundação. O desenvolvimento do Santuário terá sido sobretudo durante o reAqui as diferentes formas se separavam, o Mundo mediterrâneo inado de Cómodo (176 d.C.-192 d.C.), atendendo ao afastamento e o Mundo oceânico, terminava a terra pisada pelos homens e se do Imperador Marco Aurélio a este tipo de Cultos, e o seu apogeu iniciava o vasto oceano, onde o próprio sol se escondia, local privi- deve ter-se atingido sob o imperialato de Septimio Severo. Entra legiado para o contacto entre o humano e o divino. em decadência após Caracala. O santuário poderá não ter durado uma centúria, sendo abanAqui se encontra uma intencional forma de ligação entre culto astral donado em momento indeterminado no segundo quartel do século e culto imperial, operada num santuário carregado de simbolismo III d.C., atendendo a que a Aeternitas Imperii se diluísse na crise pela sua localização e por certo herdeira de remotas tradições re- política que se acentuou a partir dos Severos.
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Linha de tempo Século II d.C. - Construção do grande santuário dedicado ao Sol e à Lua e ao culto imperial. Século II d.C.( talvez entre 139-141 d.C.) - inscrição que poderá provir do mesmo santuário, Datará do imperialato de Antonino Pio, Consagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos. Século II d.C. (Cerca 180-198 d.C) -Inscrição romana (CIL 258) – Consagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis, governador da Lusitânia. Cerca de 201 - 204 d.C. (CIL 259) – Consagrada ao “Soli aeterno Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus. Século II d.C. – Uma inscrição descoberta em 2008 no santuário e em fase de estudo, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família. Século XII - Época islâmica - Vestígios a um ribat (“convento”), tendo sido identificado um conjunto arquitectónico constituído por várias salas, destacando-se uma delas pela presença de um mirhab orientado para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca. Século XVI (inícios) - construção da torre de facho, utilizando parcialmente as estruturas islâmicas como “pedreira”. 1505 - O monumento é relatado pela primeira vez, através da descoberta, por Valentim Fernandes ou Valentim de Morávia, de três aras consagradas a Soli et Lunæ, Soli Æterno Lunæ e Soli Æterno, que as descreve como sendo “três colunas de pedra cortadas em forma de prisma, com uma grande quantidade de letras (...)”
Ribat
Época islamica Durante a intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi ainda surpreendentemente identificado um importante conjunto de vestígios de época islâmica, totalmente desconhecidos até então, mas para os quais o topónimo Alconchel (al-concilium) parece apontar. Os testemunhos arquitectónicos de época islâmica correspondem a um ribat (“convento”), tendo sido, até ao momento, identificado um conjunto constituído por várias salas, destacandose uma delas pela presença de um mirhab orientado para Sudeste, virtualmente no sentido de Meca. A presença de restos de materiais de utilização quotidiana associados à ocupação islâmica é bastante residual. No entanto, foram recolhidos alguns fragmentos de cerâmica com cronologia do século XII que assinalam provavelmente a fase final de ocupação. De salientar a grande quantidade de conchas, algumas ainda associadas a vestígios de fogueiras, indícios do aproveitamento dos recursos marinhos disponíveis no local. Para além dos edifícios, foi também identificada uma pag. 30
1541 - Francisco de Holanda, é o autor do único testemunho visual do santuário que chegou aos nossos dias, e que o desenhou de forma provavelmente imaginativa. O desenho do santuário encontra-se na sua obra “Da Fábrica que Faleçe ha Çidade de Lysboa”
área de necrópole com várias sepulturas, hoje sem qualquer vestígio de espólio arqueológico ou osteológico no seu interior e que, tudo leva a crer, estarão associadas à fase de ocupação islâmica do sítio. Na edificação das estruturas do ribat foram utilizados múltiplos elementos arquitectónicos de época romana, onde se incluem algumas inscrições, que testemunham a existência no local de um importante santuário romano, para a existência do qual já apontavam os relatos de Valentim Fernandes e de Francisco d’Ollanda, no século XVI. As construções de período islâmico encontram-se, em muitos casos, bastante destruídas devido à remoção de elementos pétreos de grandes dimensões, dos quais muitas vezes apenas subsiste o negativo da forma conservado na argamassa do alicerce onde assentavam, ou apenas as pedras mais pequenas utilizadas como cunhas dentro das valas das fundações. Porém, alguns desses blocos de grandes dimensões ou de melhor qualidade no talhe ainda se conservavam nas paredes. É provável que a remoção daqueles elementos esteja relacionada com a construção da torre de facho nos inícios do século XVI, quando as estruturas islâmicas foram parcialmente utilizadas como “pedreira”.
1593 - André de Resende estuda e publica o monumento na sua célebre obra “De Antiquitatibus Lusitaniæ” Séculos XX/XXI -O arqueólogo José Cardim Ribeiro publica vários estudos especializados sobre o Santuario e a sua epigrafía. Actualmente é Director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas (Sintra) onde se encontra visitável a epigrafia romana referente ao sítio arqueológico. 2008 - A equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas iniciou uma intervenção junto das estruturas de uma torre de facho de época Moderna. Confirmou-se a existencia de um santuario romano monumental.
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Principais Inscrições romanas do Santuário Local onde foi encontrada a nova inscrição do santuário e elementos arquitectónicos romanos reutilizados no “Ribat”.
Século II d.C.( talvez entre 139-141 d.C.) - inscrição que poderá provir do mesmo santuário, Datará do imperialato de Antonino Pio, Consagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. Iulius C. f. Quir. Celsus, legatus missus in Lusitaniam ad censos. Século II d.C. (Cerca 180-198 d.C) -Inscrição romana (CIL 258) – Consagrada ao Soli et Lunae por Sextus (Ti)gidius Perenis, governador da Lusitânia. Cerca de 201 - 204 d.C. (CIL 259) – Consagrada ao “Soli aeterno Lunae” por D. Iun(ius) Coelianus. Século II d.C. – Uma inscrição descoberta em 2008 no santuário e em fase de estudo, dedicada ao Sol e ao Oceano por um Procurador dos Augustos e sua família.
O Culto ao longo dos tempos A serra de Sintra e o cabo da Roca - que assinalam o verdadeiro finis terræ Mundo Antigo, foram palco, desde tempos pré-históricos, de cultos astrolátricos que se prolongaram durante o período fenício-púnico e a dominação romana. Estrabão menciona que os povos celtiberos ofereciam sacrifícios a um “Deus sem nome”, ao qual nas noites de lua cheia dedicavam danças colectivas até ao amanhecer: “Dizem alguns que os Calaicos não têm nenhum deus, mas os Celtibérios e os seus vizinhos do Norte oferecem sacrifícios a um deus sem nome nas fases da lua cheia, durante a noite, em frente às portas das suas casas, e todas as famílias dançam em coro durante toda a noite” (5, Livro III, Cap. IV, 16).
Proposta de reconstituição da linha 1 de J. CARDIM RIBEIRO em “Soli aeterno Lunae” da ara consagrada ao Soli [Lunae O]ceano por C. Iulius C. Celsus. em “Soli Aeterno Lvnae”, CARDIM RIBEIRO (J.), 1995-2005, Sintria, III-IV
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Este aparente culto astrolátrico dedicado à Lua em tempos pré-históricos parece ter prosseguido ao longo dos séculos. A Igreja durante a época medieval chegou a condenar repetidamente o uso de amuletos em forma de lua que parece ter atingido grande vigor na Serra de Sintra, cujo Cabo da Roca marca o ponto mais ocidental do continente europeu.
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O finisterra do Mundo Antigo
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Circo Romano Miróbriga Texto: Filomena Barata Imagens: Arquivo
Os lugares de espectáculo, tais como os teatros, os anfiteatros e os circos foram, nas províncias, uma das formas utilizadas para facilitar o processo de Romanização, pois incentivavam as deslocações periódicas dos rurais à cidade, sendo ainda os locais ideais para a expansão da mística imperialista. A construção de um hipódromo ou circo em Miróbriga deve ter obedecido aos mesmos princípios, contribuindo para consumar a ideologia imperial.
Planta do hipódromo por João Cruz e Silva, à altura da sua descoberta Museu Municipal de Santiago do Cacém.
Embora não sejam conhecidos quaisquer mecenas ou evergetas que possam ter contribuído para o financiamento da sua edificação, como aconteceu em muitos edifícios monumentais do Império, existe, contudo, uma inscrição com invocatória a Esculápio, a que já fizemos referência, atestando um legado testamentário feito por um medicus pacensis, Gaio Átio Januário, que deixou dinheiro ao conselho municipal para que organizasse os quinquatrus, jogos que possivelmente se realizariam no hipódromo. O hipódromo de Miróbriga dista aproximadamente 1Km em linha recta da zona central do aglomerado urbano, como acontece
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em muitos locais de espectáculo com estas características, que são afastados por motivos práticos, dada a grande afluência de público. O acesso ao hipódromo ou circo de Miróbriga deveria fazer-se através de uma fachada que se localizava frontalmente em relação a uma estrada de saída do aglomerado urbano. Justifica-se, desse modo, o facto da entrada se fazer de costas viradas para o centro da cidade. Reconhecido por Cruz e Silva em 1949 quando da construção de uma estrada que afectou parcelarmente a zona da entrada, este estudioso promoveu trabalhos arqueológicos no local e efectuou a primeira planta conjectural do hipódromo. Posteriormente o imóvel foi escavado por D. Fernando de Almeida, tendo sido ainda efectuadas sondagens pela equipa luso-americana, que contribuíram para definir mais exactamente as suas características, e feito novo levantamento das suas estruturas, o mais actualizado até este momento. Podendo considerar-se um recinto de média proporção, se comparado com o de Mérida e o de Todelo, a arena de Miróbriga é, contudo, de maior dimensão do que a pag. 37
do circo de Tarragona. O hipódromo de Miróbriga mede aproximadamente 359m de comprido por 77,5m de largo. Este lugar de espectáculo está orientado NE/SW, orientação que é considerada a conveniente para não ofuscar os agitadores ou aurigae a qualquer hora do dia. A sua implantação foi condicionada pela topografia do local, que aqui é incomparavelmente mais plano do que o sítio onde cresceu o aglomerado urbano. Do hipódromo conhecem-se as fundações da spina, construída em opus caementicium, e os limites da arena. Pesem os restauros e reconstituições parcelares, é clara a evidência de metae – meta prima e meta secunda. Ainda é visível o revestimento que era utilizado em grande parte da spina, tratando-se de opus signinum, a exemplo do que sucede no circo de Mérida e no recentemente posto a descoberto de Olisipo. Os muros que delimitam a arena são simples, construídos em opus caementicium, variando a sua grossura entre 60 a 90cm. A construção do hipódromo deve datar do
século II d. C. e o auge da sua utilização terá correspondido ao século III d. C., seguida do seu declínio a partir de finais dessa centúria. No lado sul do circo situam-se algumas construções que D. Fernando de Almeida identificou como tratando-se dos carceres, comparando-o ao circo de Mérida. De bancadas perenes ou pétreas e do derrube das mesmas não existem quaisquer referências ou vestígios arqueológicos. Pode admitir-se, portanto, que as mesmas fossem construídas de madeira, suportadas por postes feitos do mesmo material.
Projecto
Nunca poderiam, portanto, ter tido a monumentalidade das reconhecidas em circos da Hispânia e menos ainda das do Circo Máximo de Roma, que foi o modelo arquitectónico dos circos em período romano, cuja construção monumentalizada, do período de Trajano, vai contribuir, de forma paradigmática, para consumar a ruptura com a tradição do hipódromo grego de estrutura mais simples ou mesmo efémera. Essa ruptura vinha, aliás, a ser já feita desde o século I a. C. através da construção de vários tipos de edifícios dedicados a corridas de cavalos. Contudo, mais do que as implicações arquitectónicas que possa ter, a edificação de um lugar de espectáculo com as características monumentais do Circo Máximo reflecte aspectos políticos e ideológicos relacionados com o culto imperial e com a sua exaltação através da realização dos ludi circenses. Reedificado num local já historicamente usado para corridas de cavalos, junto ao Palatino, passa a estar preparado para uma utilização polivalente, ou seja, podem aí decorrer outros tipos de manifestações lúdicas e comemorativas, como as procissões triunfais.
reconstituição 2D da arena e spino
Em Miróbriga, mantém-se, portanto a filiação dos hipódromos, como anteriormente referimos e a sua pista deveria ser térrea, pois é visível ao longo da spina uma camada de terra muito escura e compactada. Por Filomena Barata ( Adaptado a partir de Comunicação efectuada em Mérida no contexto do encontro sobre o Tema). Info: Hipodromo de Mirobriga por Verónica Mira(info:http://mirobriga.drealentejo.pt/images/PDF/hip%D3dromo%20-%20 mir%D3briga%20-%20doc%203.pdf) Hipódromo de Mirobriga -Imagens de reconstituição do Circo Romano por Andrea Alves e Nuno Cruz
reconstituição 2D das bancadas e tribuna
com o apoio Instituicional de:
Vista aerea Hipodromo de Mirobriga-2005 pag. 38
Turismo do Alentejo - E.R.T.
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Uma Peça, Um Museu...
ESTÁCIO DA VEIGA, A CARTA ARQUEOLÓGICA E O MUSEU DO ALGARVE texto: Filomena Barata Foto: Arquivo Histórico de Portimão Começaremos este número a rúbrica «Uma peça, um museu» fazendo a honra a uma ideia que nunca nasceu: O Museu do Algarve. É a nossa forma de homenagear uma figura ímpar do conhecimento do século XIX, Estácio da Veiga, a quem, pese um notável trabalho, a Fortuna não deixou que pudesse concretizar o sonho de fazer o museu para que, com tanto afinco, anos trabalhara. Para este trabalho foi-nos fundamental o artigo que lhe dedicou Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos, publicada no livro «Algarve, Noventa Séculos entre a Serra e o Mar», editado pelo IPPAR que citaremos sempre, ao longo deste trabalho, mas cuja leitura recomendo para maior detalhe na informação. Estácio da Veiga, é uma das figuras ilustres do século XIX, que assistiu a uma tomada de consciência, mais acentuada a partir da segunda metade da centúria, sobre a importânia dos valores do Passado, designadamente no que respeita ao seu conhecimento e salvaguarda, não sendo o Algarve isento a esse fenómeno. De seu nome completo Sebastião Philipes Martins Estácio da Veiga, nasceu em Tavira a 6 de Maio de 1828. Após ter concluído o liceu em Faro, vem, em 1845, cursar para a Escola Politécnica, na especialidade de Engenharia de Minas, ingressando, após a conclusão dos seus estudos, na carreira pública como oficial da sub-inspecção geral das Postas e Correios do Reino, cargo de que acaba por aposentar em 1865. Paralelamente à sua carreira pública desenvolve uma actividade intelectual, inicialmente literária pois, desde cedo, o acompanhava e ,depois, científica que marcará a sua vida a partir de certa altura. Entre 1860 e 1877 divide-se entre a investigação etnográfica nomeadamente a recolha de literatura popular algarvia, podendo-se citar as obras “O Romanceiro do Algarve” e o “Cancioneiro”, até hoje inédito, e a investigação da História Antiga e Contemporânea, sobre cuja temática publicará vários artigos, as Ciências Naturais, efectuando vários estudos sobre a flora dos Açores e do Algarve de que resultaram a “Memoria descriptiva das belezas da Serra incluindo a villa e as suas tão nomeadas thermas” de que não se conhece paradeiro, e a Arqueologia, sendo a esta última que se dedicará exclusivamente a partir de 1877. São estas as plavras de Maria Luísa Estácio da Veiga Affonso dos Santos «É porém na Arqueologia, uma ciência nascida no séc XIX, que Estácio da Veiga vai investir a totalidade do seu capital científico e revelar-se inovador, criativo e pedagogo, desenvolvendo teorias sobre o ensino, organização administrativa e prática desta disciplina. «(…) O início da actividade arqueológica de Estácio da Veiga com carácter sistemático, insere-se por um lado (no) movimento científico promovido pela Academia das Ciências, através sobretudo da Comissão Geológica, e por outro no surto da Arqueologia Clássica verificado após a estadia de Hübner em Portugal em 1861, que pag. 40
sem qualquer dúvida estimulou e desencadeou uma corrente de investigação». A actividade de Estácio da Veiga será, doravante imparável, e város estudos de História Antiga são publicados em 1861 e 1862, tendo em 1864 feito um trabalho sobre as inscrições romanas e paleocristãs do Convento de Chelas. Em 1865, recomeça a recolha de materiais e a assinalar com carácter sistemático os monumentos arqueológicos no Algarve, especialmente no concelho de Tavira, anotando os inúmeros vestígios de construções romanas e de necrópoles na Quinta da Torre de Ares, defendendo a tese sobre a localização da cidade de Balsa, como mais tarde tudo o virá comprovar, na Quinta de Torre de Ares, na obra “Povos Balsenses” publicada em 1866. Em 1873 ingressa na “Real Associação dos Architectos Civis e Archeologos Portugueses” e, no ano seguinte estava concluída a obra “Varias Antiguidades do Algarve”, trabalho esse que se pode considerar o estudo preparatório das “Antiguidades Monumentaes do Algarve”. Entre 1877-1878 reside no Algarve, promovendo escavações e dedica-se à respectiva Carta Arqueológica, celebrando, em 1879, um contrato com o Governo no qual se compromete a redigir uma obra em 5 ou 6 volumes, intitulada “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, iniciando a organização do “Museu Archeologico do
Algarve”, na Academia Real de Belas Artes. De 1883 até 1891 ocupa-se na redacção de “Antiguidades Monumentaes do Algarve”, sendo “Os tempos pré-históricos” publicados no Vol. I das “Antiguidades”, na organização de novas colecções, que guarda numa casa de campo das Cabanas, desdobrando-se em esforços junto do Governo, de molde a tentar obter autorização da transferência do Museu para o Algarve, mas sem êxito. Em 1883 a “Carta Archeológica do Algarve”, Tempos Pré-históricos é dada por concluída, mas só é publicada em 1886 no vol I das “Antiguidades”. Os materiais acabaram por ser transferidos para Lisboa, onde foi fundado o Museu do Algarve «numas dependências da Academia Real de Bellas Artes, tendo sido o arqueólogo algarvio, por ofício de 1 de Abril de 1880 assinado por Rodrigues Sampaio, Ministro do Reino, nomeado para fazer a “Catalogação dos Monumentos do Algarve para a comprovação da Carta Archeologica” (…). «As colecções compostas de materiais arqueológicos e antropológicos agruparam-se em 4 secções: Arqueológica, Epigráfica, Antropológica e Paleontológica. As colecções de arqueologia Pré-histórica, Época Romana, Visigótica, Árabe e Portuguesa, estavam expostas em cantoneiras, mesas e armários envidraçados; os objectos de reduzidas dimensões encontravam-se distribuídos por 168 caixas de madeira, entre os quais se incluiam caixas mostradores para os anéis romanos. Os fragmentos de pavimento e os murais de 40 mosaicos exibiam-se por ordem geográfica assentes em caixas de madeira, bem como algumas ânforas seguras em pés de ferro. As colecções antropológica e paleontológica também se apresentavam em armários envidraçados. Todo este conjunto de materiais era valorizado e relacionado com o respectivo contexto arquitectónico através de plantas, desenhos e fotografias dos monumentos em que foram encontrados. Em lugar de destaque foi colocado o original da “Carta Archeologica do Algave” com os sinais convencionais a cores e emoldurada a folha de ouro. Mais seis cartas geográficas completavam a valorização documental das colecções e facilitavam a compreensão do binómio territóriocultura. A Epigrafia e a Escultura foi montada ao ar livre num dos pátios, como mostra uma fotografia feita em 4 planos. As inscrições expostas estavam divididas em cinco regiões: Lacobrigense, Ossonobense, Balsense [Ba] Esuriense, Myrtiliense. Aí figuravam também estátuas, baixos relevos, capitéis, um nicho, um fragmento de entablamento, etc, e outros revestimentos escultóricos de edifícios romanos. Dispunha ainda de dois serviços, uma oficina de restauro onde se fizeram trabalhos de limpeza, colagem, assentamentos de mosaicos e moldes de peças, executados sobretudo pelos mestres italianos Ponsiano Pier e Guido Baptista Lipi, que trabalhavam para os artistas da Academia, e uma “oficina fotográfica” com câmara escura, conhecida através deste documento de despesa «pago a 4 carregadores para transportarem monumentos para a oficina fotográfica do Museu Archeológico 1$740 (…)». Em 1881, Estácio da Veiga é intimado a devolver as instalações do Museu à Academia, porque se alegou falta de espaço. Pese as críticas quanto à decisão e o esforço do arqueólogo pelo regresso do Museu do Algarve à região de origem, iniciam-se novos inventários, entre 1882 e 1885,sucessivos inventários das colecções. Em Outubro 1882, Estácio da Veiga funda em Faro o Instituto Arqueológico do Algarve, entidade que solicita ao Ministério do Reino o regresso do museu a Faro. Mas logo em 1885 o Governo decreta nova elaboração de um inventário das colecções e do respectivo equipamento e ainda no último trimestre desse ano, por ordem do Ministério do Reino, é obrigado a entregar o Museu à Academia. O Museu do Algarve ficou portanto na capital a partir de 1885 em poder efectivo da Academia de Bellas Artes. Esta instituição acaba por o desmembrar e seleccionar algumas peças, como os mopag. 41
saicos e estátuas, para compor o novo “Museu de Bellas Artes e Archeologia”. Estácio da Veiga acaba por falecer em 1891, «no meio de profunda tristeza, financeiramente falido, e moralmente espoliado», sem ter conseguido que no Algarve conseguisse ter as suas colecções organizadas num Museu de Arqueologia Provincial, situação que ainda se mantém, infelizmente, até à Actualidade.
Copo de vidro salpicado. Século IV - V d.C. Balsa. MNA.
Este vidro foi publicado no Catálogo «O Vidro em Portugal», APAI, 1989. Encontra-se actualmente no Museu Nacional de Arqueologia. «Trata-se de uma taça de vidro pertencente a um espólio funerário da necrópole norte da cidade de Balsa, recolhido por Estácio da Veiga em 1887. Pertence a uma colecção de 200 objectos, dos quais 50 em vidro.Corresponde à fase mais tardia para a qual se conhecem objectos da necrópole (2ª metade do século IV ou talvez a 1ª década do V). No catálogo sistemático de vidros de Balsa publicado por Jeannette Smit-Nolen tem o nº vi-97. (Cerâmicas e Vidros da Torre de Ares. Balsa, MNA/IPM, Lisboa, 1994: p. 195, tabela de vidros na p. 234, estampa 39 vi-97 e fig. 14)». Luís Fraga da Silva.
Roreiro do mês:
Roteiro arqueológico romano do Concelho de Sintra Duração: 1 dia Distancia: aproximadamente 60 km
Introdução O lançamento nesta Revista dos «Roteiros Arqueológicos» dos municípios ou regionais, ou mesmo ainda temáticos é um dos objectivos do projecto Portugal Romano, uma das tarefas que nos propomos realizar em todas as edições da publicação. Contudo, nesta fase, são ainda propostas de trabalho que podem e devem ser melhoradas ao longo do tempo, tendo em mente os estudos recentes e a análise da viabilidade de implementação no terreno, através constituição de parcerias com instituições públicas e privadas. Efectuámos, neste caso, um percurso com início na Barragem Romana de Belas e finalizando no Santuário Romano do Sol e da Lua, de molde a poder proporcionar ao viajante o magnífico pôr-do-sol num local enigmático de culto do Mundo romano. Existem duas versões que pode descarregar para TomTom e ViaMichelin. Não obstante, serão dadas todas as indicações relativas a cada local de visita, para que possa criar o seu próprio itinerário. A participação de entidades, arqueólogos, investigadores e da própria sociedade civil é importante para o sucesso da iniciativa. Solicito, assim, a vossa melhor colaboração enviando-nos sugestões e comentários, de molde a que se possa fazer sair do esquecimento um rico e magnífico património que deve ser acarinhado por todos. No caso de Sintra, foi-nos fundamental a informação obtida no Museu Arqueológico de São Miguel de Obrinhas que, em grande parte, citaremos, agradecendo todas as facilidades que nos deram na consulta e registo dos elementos.
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Barragem Romana de Belas foto por: Rui Franco
Barragem Romana de Belas Nas margens da ribeira de Carenque está um monumento classificado em 1974 como Imóvel de Interesse Público, que hoje em dia vive ofuscado pelo aqueduto das Águas Livres, em melhor estado de conservação e alvo de visitas turísticas. Datada do século III dC., a antiga barragem é uma das maiores do mundo romano, mantêm de pé apenas uma parte central com cerca de quinze metros de comprimento, sete de largura e uma altura de oito metros, estando escondida entre a vegetação, na parede virada a jusante é reforçada por 3 contrafortes. Estendia-se pelo local hoje ocupado pela estrada e deveria ir até ao morro, onde desse lado ficava a muralha. A outra parte ia firmar-se a “penedia” no outro lado do vale, onde grande parte da muralha foi também destruída. A albufeira que a muralha criava poderia armazenar cerca de 125 ml cúbicos de água. A barragem romana de Belas é um dos mais importantes e imponentes vestígios romanos da de engenharia hidráulica romana em Portugal e no Mundo . Reconhecida e estudada desde o século XVI, quando Francisco de Holanda escreve ao Rei D. Sebastião afirmando que seria impag. 43
portante transportar águas livres a Lisboa, mencionando a existência de um “muro larguíssimo e forte que lhe represava a água de um vale em uma lagoa ou estanque”. Este monumento engloba todo um conjunto de engenharia hidráulica que pressupõe a detecção e a escolha de várias nascentes próximas, é uma contrafortada construção maciça em pedra, uma das mais alta de todo o Império Romano, e que data do século III d.C.. A sua localização é fruto da grande qualidade e abundância dos caudais terá permitido a execução de uma barragem de pedra e cantarias que, articuladas de forma harmoniosa, tornam possível o acesso às águas que se acumulam no seu interior. Este vão é encimado por uma cantaria gótica, cujo parapeito reaproveita um fragmento de uma antiga lápide romana moldurada. A estrutura é coroada por uma abóbada nervada interiormente, sobre a qual assenta, no exterior, uma cúpula maciça. Trata-se, afinal, de uma fonte tardo-medieval, do gótico final, ou seja, de finais do século XV. Localização: Estrada Belas-Caneças (km 16,423 da EN 250). Visitas: Aberto ao público
Museu arqueológico de São Miguel de Odrinhas O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas assenta os seus mais profundos alicerces no Renascimento, quando alguém – muito provavelmente Francisco d’Ollanda – decidiu reunir em torno da antiga Ermida de São Miguel um apreciável conjunto de monumentos epigráficos encontrados por entre as ruínas romanas ainda então visíveis no local. Mais recentemente, em 1955, a Câmara Municipal de Sintra tentou uma experiência inovadora para o seu tempo: a construção, em plena zona rural, de um pequeno núcleo museológico que permitisse voltar a reunir, em Odrinhas, as antiguidades entretanto dispersas, além de outras mais recentemente detectadas. O actual Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas herdou, do seu mais remoto antecessor, o espírito humanista e cosmopolita que foi apanágio do Renascimento. Do mais recente, colheu o vínculo privilegiado ao meio que o rodeia e à população rural do Termo de Sintra, região onde, de algum modo, se podem ainda hoje escutar os longínquos ecos do Passado.
Fonte Romana de Armés O fontanário de Armés, situado na aldeia com o mesmo nome, constitui mais um exemplo da arquitectura civil, pública, de que os romanos deixaram tantos exemplares por todo o império. O fontanário situa-se 3 metros abaixo do nível actual do solo. Um dos principais motivos de interesse deste fontanário é uma laje epigrafada, com 17 cm de espessura, que encima o depósito, Inscrição na Fonte é datável do século I, entre 14 e 20 d.C. data da sua construção por Lúcio Júlio Melo Caudico. Foi referenciada pela primeira vez no século XVI por André Resende. A inscrição que a laje apresenta é a seguinte: L.IVLIVS.MAELO.CAVDIC.FLAM.DIVI.AVG.DFS Ou seja: L(ucius).IVLIVS.MAELO.CAVDIC(us).FLAM(en).DIVI.AVG(usti). D(e)S(uo)F(ecit), Tradução: «Lúcio Júlio Melo Caudico, flâmine do divino Augusto fez (este monumento) à sua custa».
Um flâmine era um sacerdote romano, geralmente de Júpiter ou Marte. A inscrição é portanto reveladora do poder socio-económico de um flâmine municipal e a sua dedicação ao imperador Augusto sugere a possibilidade de o fontanário ter um carácter sacralizado. Segundo o arqueólogo e investigador Cardim Ribeiro, deveria relacionar-se-ia com o “culto das águas” associado ao culto imperial, como aliás se verifica noutros locais do Município Olisiponense. Por outro lado, as dimensões das letras sugerem terem sido concebidas tendo em vista uma leitura de longe, o que nos faz supor que o fontanário faria parte de um conjunto arquitectónico de maiores dimensões, com um grau de monumentalidade compatível com o tamanho das letras. Fonte Romana de Armés está classificada como imóvel de interesse público desde 1990. Localização: Na aldeia de Armés (estrada Sintra-Mafra), Rua da Fonte Romana. Visita: O fontanário encontra-se fechado, devendo a chave ser pedida a senhora Maria Angelina, proprietária do Café/Mercearia no Largo Central da povoação de Armés (Largo Visconde Asseca) ou solicitar ajuda ao senhor Manuel, vivenda branca ao lado da oficina de mármores na rua da fonte. pag. 44
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Finis terrae do Mundo Antigo, zona privilegiada de intercâmbio entre o Norte Atlântico e o Sul Mediterrânico, beneficiando ainda da extrema proximidade ao Estuário do Tejo e à grande metrópole que desde cedo junto a ele se implantou, integra-se uma paisagem multifacetada – desde a Serra Sagrada, emergindo do Oceano, às colinas que de Lisboa, ao Termo de Mafra. Aproveitando-se das plataformas cerealíferas entre si divididas por profundos vales fluviais, fecundos em hortas e culturas de regadio -, a Região de Sintra abunda em monumentos e vestígios arqueológicos de todas as épocas, que não se apresentam como um todo sequencial monótono e previsível, mas sim como um mosaico polícromo e fértil dos mais variados motivos que inesperadamente se cruzam e fundem, como se os antepassados da Europa e do Mediterrâneo aqui viessem convergir e sincretizar-se. Sintra é, pois, uma amostragem legítima e plurifacetada de muitas arqueologias, de muitas histórias, de muitas tradições.
Ruínas da uilla romana de São Miguel de Odrinhas
pias para os mais variados usos; outras, ainda, que foram cristianizadas – sem esquecer as que alimentaram o imaginário das populações da região saloia…
Destaque: Exposição permanente “O Livro de Pedra” Sarcófagos etruscos, monumentos romanos, lintéis “visigotistas”, túmulos medievais e outras lápides epigrafadas perfazem, no seu todo, aquilo que no Museu se designa como «O Livro de Pedra».
«Igreja Visigótica» Neste espaço reúne-se uma excepcional colecção de lintéis epigrafados e/ou decorados, ostentando inscrições de inequívoca temática cristã, provenientes do lugar de Faião.
“Basílica Romana” Cerca do ano 30 a. C. Olisipo (actual Lisboa) recebeu de Octaviano, herdeiro do Divino César, o singular estatuto de “Município de Cidadãos Romanos”, o que lhe conferia as melhores regalias jurídicas, políticas, administrativas e económicas, permitindo-lhe harmonizar a Lei Romana com as antigas leis da própria cidade, mantendo assim as suas tradições sem prejuízo da mais excelente integração no Império. O seu território era muito vasto incluindo toda a Baixa Estremadura a Sul de Montejunto e a Norte da Arrábida. Fértil de gentes oriundas das mais diversificadas partes do Império, em Olisipo os negócios e a riqueza material misturavam-se com o gosto pela palavra escrita e pelas artes. As elites municipais viveriam na sua maior parte fora da cidade, em grandes propriedades rurais – as uillae -, localizando-se as mais importantes, ao que tudo leva a crer, na actual região de Sintra. Não admira, pois, que aqui surjam largas dezenas de monumentos epigráficos que nos falam dessas elites e da sua clientela. O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas é disso um testemunho inequívoco.
Informações Úteis Morada: Avenida Professor Doutor Fernando d’Almeida São Miguel de Odrinhas Localização do Museu Coords. GPS | 38º53’13,52-N, 9º21’58,61-W A meio caminho entre Sintra e a Ericeira (EN 247). Na povoação de Odrinhas, cruzamento para São Miguel de Odrinhas/Funchal. Horário do Museu De Terça-feira a Sábado, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 18.00 O Museu encerra aos Domingos, Segundas-feiras e Feriados Ingressos: 2 euros Visitas: Todas as visitas são guiadas.
“Cronos Devorator”
O Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas, um projecto arrojado? Não! Uma realidade arrojada! Concebida à proporção da Cronos devorava os seus próprios filhos. Zeus foi um dos poucos riqueza patrimonial de Sintra e dos parâmetros internacionais por que escapou, por ardil materno. Chronos é o Tempo. Daí escrever- onde forçosamente se terão de pautar todas as iniciativas congése, antigamente, “chronologia”, “chronometro” e outras palavras neres que pretendam validamente ultrapassar as fronteiras do losimilares. No entanto, Cronos e Chronos são palavras praticamente calismo e das gerações imediatas. homófonas. E o tempo também devora os seus próprios filhos, que somos todos nós. Assim Cronos, o deus terrível que se define no Site: www.museuarqueologicodeodrinhas.pt epíteto “devorador” – devorator -, desde cedo se confundiu com o próprio tempo que tudo altera à sua inexorável passagem. «Texto citado na íntegra ou adaptado a partir do Museu ArqueológiNesta sala do Museu existem sepulturas romanas que, poucos co de São Miguel de Odrinhas» séculos volvidos, foram reutilizadas e transformadas em pesos de lagar de azeite ou de vinho; outras que foram transformadas em pag. 46
“Abóbada de um templo romano” é a designação com que o “pai” da arqueologia portuguesa, o humanista André de Resende, assinalou a velha ábside que, na sua época, sobressaía da terra fértil em velhas inscrições romanas e outras antiqualhas, junto à Ermida de São Miguel de Odrinhas. Essas ruínas foram visitadas ao longo dos séculos e suscitaram as mais diversas interpretações: no século XIX, António Gomes Barreto e Gabriel Pereira continuam a chamar-lhe templo romano. Nos inícios do século XX, Félix Alves Pereira vê ali a estrutura de um antigo mausoléu e Vergílio Correia a de um baptistério paleocristão. As escavações vieram apenas nos anos 50, com Fernando de Almeida, e então deu-se como coisa certa tratar-se de uma basílica paleocristã. Hoje, porém, as dúvidas persistem: Justino Maciel retoma a hipótese do mausoléu, conferindo-lhe, no entanto, data tardo-romana; Pedro Palol acredita na basílica cristã, mas adianta-a vários séculos; Cardim Ribeiro defende estarmos, muito simplesmente, perante a exedra, ou sala nobre, da villa romana em que estruturalmente se insere, provida de um espaço para triclínio e datável de inícios do séc. IV d. C.. As ruínas da uilla romana de São Miguel de Odrinhas e, até certo ponto, a própria ermida – que continua aberta ao culto -, funcionam como extensões ao ar livre do próprio Museu que foi construído em estreita articulação com esta estação arqueológica. Por detrás do Museu, ergue-se um outeiro onde afloramentos e menires se misturam, sincretizando num espaço outrora sagrado a obra do Homem e a da Natureza. As Ruínas de São Miguel de Odrinhas encontramse classificadas como imóvel de interesse público através do Decreto n.º 42692 de 30 de Novembro de 1959. Informações Úteis Morada: Avenida Professor Doutor Fernando d’Almeida São Miguel de Odrinhas Localização do Museu Coords. GPS | 38º53’13,52″N, 9º21’58,61″W A meio caminho entre Sintra e a Ericeira (EN 247). Na povoação de Odrinhas, cruzamento para São Miguel de Odrinhas/Funchal. Horário do Museu De Terça-feira a Sábado, das 10.00 às 13.00 e das 14.00 às 18.00 O Museu encerra aos Domingos, Segundas-feiras e Feriados Site: www.museuarqueologicodeodrinhas.pt «Texto da autoria do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas»
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Villa Romana de Santo André de Almoçageme Em Santo André de Almoçageme (Sintra) localiza-se a uilla mais ocidental do Império romano. Descoberta no início do século, quando da abertura da estrada que liga este local à Praia Grande, só na década de 1980 se começaram os trabalhos de escavação que vieram trazer alguma luz sobre o achado. Trata-se de uma uilla áulica romana tardia, de proporções monumentais, com cerca de 400m de comprimento e 80m de largura. As escavações puseram a descoberto várias salas de pavimentos decorados com mosaicos policromos, e permitiram datar a ocupação do local entre o século II d.C. e o século VI d.C., situação atestada pelo vasto espólio aqui recolhido, entre ele uma grande quantidade de cerâmicas finas de importação da Gália, do Norte de África e também do Mediterrâneo Oriental. As referências mais antigas sobre a existência de vestígios arqueológicos em Santo André de Almoçageme remontam ao Século XVII, mas foi apenas em 1905 – quando foi transformado em estrada o antigo caminho para o Rodízio – que ali foi reconhecida a existência de ruínas e mosaicos romanos, cuja importância desde logo motivou a intervenção dos arqueólogos do então Museu Etnológico Português (actual Museu Nacional de Arqueologia).
Santuário Romano do Sol e da Lua Remontam a 1505 as primeiras referências ao santuário, que é visitado ao longo do século XVI e seguintes. Progressivamente encoberto pelas dunas e perdidas, dele apenas restava o seu registo escrito e um desenho da autoria de Francisco d’Ollanda. Em 2008 durante uma intervenção arqueológica levada a cabo pela equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas foi possível identificar finalmente a sua localização. O recinto circular do santuário (que talvez se tratasse de um templo, um simples témenos, ou espaço sagrado ao ar livre) erguia-se sobre uma elevação rochosa que avançava pelo mar, até aos 40 metros de altitude, e que assim constituía um pequeno promontório. Deste importante santuário romano da região de Colares, consagrado a SOLI ET LUNAE, provém importantes inscrições. Ptolomeu situa -o a noroeste de Olisipo o «LUNAE MONS, PROMONTORIUM» Aqui se encontra uma intencional forma de ligação entre culto astral e culto imperial, operada num santuário carregado de simbolismo pela sua localização e por certo herdeira de remotas tradições religiosas locais, quer ligadas ao ciclo solar, quer ao culto à Deusa Lunar e salutífera nos Montes sagrados, da Serra da Lua. A sua única função seria direccionar as protecções dos astros eternos e garantir assim o bem estar dos imperadores, e do próprio império - A Roma Aeternae. Assim se justifica não se encontrar na epigrafia do santuário dedicantes particulares ou mesmo magistrados municipais. Apenas altos dignitários Imperiais, que ali representavam os próprios Augustus, e em favor dos quais invocavam os grandes Luminares Celestes. (Saber mais consulte o tema de capa da Revista) Localização: Rua da Vigia Visitas: Aberto ao público
As primeiras escavações modernas decorreram na década de 1980 e revelaram grande parte da planta da casa senhorial – pars urbana –, na qual se destaca a existência de várias salas com pavimentos de mosaico polícromo, que se desenvolvem a Norte do peristilo; aliás, tal conjunto de mosaicos revelou-se, até hoje, o de maior importância e amplitude até agora descoberto em todo o Distrito de Lisboa. Nos anos de 1980 foi ainda escavada uma área da pars rustica da uilla, destinada à produção de cerâmica, onde numa fase tardia, e após o abandono do forno e das estruturas anexas, foram inumadas pelo menos duas crianças recém-nascidas. Desde 2007 a equipa do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas tem vindo a desenvolver novos trabalhos na uilla de Santo André de Almoçageme, no âmbito de um projecto de valorização e futura musealização deste sítio arqueológico, na sequência das escavações realizados anteriormente. Com a aquisição do terreno onde se situa a uilla por parte do município de Sintra foram criadas as condições para a escavação, restaurar dos pavimentos de mosaicos descobertos e estudo da villa e a relação com o antigo santuário do Sol e da Lua (séculos II-III), que se presume ter existido nas proximidades, tanto mais que se encontrou uma pequena estátua de júlia Domna, mulher do imperador Séptimo Severo. Localização: Estrada do Rodízio, Almoçageme Visitas: Acesso condicionado, visitável junto às estrutura de protecção do sítio arqueológico.
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Lendas e estórias do mundo romano
Lenda do Rio Lethes (Rio Lima, Ponte de Lima) “ Todos, ou quasi todos os geographos modernos estrangeiros, reconhecem que o Lima é o Lethes dos antigos. (…) Não se sabe com certeza a razão porque a este rio se deu o nome de Lethes (esquecimento) Strabão diz que lhe proveio do facto seguinte: Alliando-se os túrdulos e celtas, para certa expedição que intentavam fazer, querendo passar este rio, se suscitou um motim, do qual resultou a morte do seu chefe: pelo que ficaram os soldados dispersos por esta ribeira, esquecidos completamente da tal expedição e dos motivos d’ella. Os romanos, que depois dominaram esta provincia, estavam tão persuadidos que as aguas d’este rio produziam o esquecimento que a maior parte dos seus capitães, temendo esquecer-se de Roma, não queriam tentar a passagem d’este rio. Tito Livio (Epitom lib. 55) diz que — Desejando o consul romano, Decio Junio Bruto, passar o rio Lima, para fazer guerra aos callaicos (gallegos) pelos annos 135 antes de Jesus Christo – e vendo que seus soldados recusavam atravessar o rio, com receio de se esquecerem da sua patria, tomou a pag. 50
bandeira das aguias, da mão do alferes, e passou intrepidamente o rio, chamando da outra margem os soldados pelos seus nomes, para lhes provar que se não tinha esquecido. Isto serviu de estimulo ás legiões romanas, que a exemplo do seu general atravessaram então o rio. Dizem outros que se lhe deu o nome de Lethes, pelo summo descuido e brandura com que corre, e pela amenidade e belleza dos seus campos, que fazem a quem os vê, esquecer-se das outras terras. “ PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de, Portugal Antigo e Moderno, Lisboa, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo IV, p. 93
imagem: Título: “Rio Lima” Autor: Almada Negreiros