A SAGA DE GUNNLAUG LÍNGUA DE SERPENTE

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Obra anônima do século XIII

Traduzida e adaptada do islandês antigo por Théo de Borba Moosburger ilustrado por luis matuto


Texto © Théo de Borba Moosburger Ilustrações © Luis Matuto Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora.

Cip-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

S135

A Saga de Gunnlaug Língua-de-Serpente / Traduzida e adaptada por Théo de Borba Moosburger ; ilustrações Luis Matuto. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2014. 108 p. : il. ; 21 cm. (Traço Jovem ; 3) Tradução de: Gunnlaugs saga ormstungu ISBN 978-85-8054-194-6 1. Romance infantojuvenil islâmico. I. Moosburger, Théo de Borba. II. Matuto, Luis. III. Título. 14-11648 CDD: 028.5 CDU: 087.5 28/04/2014 02/05/2014

Produção e coordenação editorial Maíra Nassif e Cláudia Rajão Revisão de textos Erick Ramalho Projeto gráfico e diagramação Ana C. Bahia

Fino Traço Editora Ltda. Av. do Contorno, 9317 A | Barro Preto Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: (31) 3212 - 9444 finotracoeditora.com.br


Apresentação 5 Capítulo I 15 Capítulo Ii 18 Capítulo Iii 23 Capítulo Iv 28 Capítulo V 35 Capítulo Vi 45 Capítulo Vii 49 Capítulo Viii 56 Capítulo Ix 62 Capítulo X 71 Capítulo Xi 79 Capítulo Xii 92 Capítulo Xiii 101



Apresentação A Saga de Gunnlaug Língua-de-Serpente é uma das mais célebres das sagas islandesas. Foi escrita na Islândia em algum momento entre os anos 1260 e 1300, por um autor de nome desconhecido. Narra a trágica história do amor de Gunnlaug, grande guerreiro e poeta, pela bela Helga, que acaba sendo dada em casamento a um outro guerreiro e poeta, de nome Hrafn. A beleza de Helga leva Gunnlaug e Hrafn, outrora bons companheiros, a lutarem. Boa parte dos eventos e dos personagens que aparecem na Saga de Gunnlaug tem sua origem em pessoas e fatos verídicos, mas não podemos hoje saber com certeza quanto do que a saga nos narra realmente ocorreu. É muito provável que os personagens centrais tenham existido de verdade; aliás, muitos deles certamente existiram, ainda que o retrato que a saga forneça deles não seja muito confiável. Comparando-se a história que temos nesta saga com outros textos produzidos no mesmo período, e levando 5


em consideração ainda uma série de dados históricos que conhecemos por outras fontes, pode-se situar a narrativa com segurança numa época bem específica, que é a passagem do século 10 para o 11, mais precisamente entre os anos 984 e 1009. Além da Saga de Gunnlaug, existem outras dezenas de sagas que narram eventos ambientados nesta mesma época. Muitos personagens mencionados numa saga aparecem em outras também. Egil, pai de Thorstein e avô de Helga, por exemplo, é o herói principal de uma das maiores de todas as sagas (a Saga de Egil). Para entendermos melhor a natureza dessas obras e o modo como elas se relacionam com os fatos históricos que conhecemos, é preciso aqui fazermos uma breve introdução ao contexto em que as sagas surgiram. As sagas islandesas são um conjunto enorme de textos em prosa que foram escritos na Islândia entre os séculos 12 e 14 (principalmente ao longo do século 13, como é o caso da nossa Saga de Gunnlaug). Praticamente todas essas obras foram redigidas por autores cujos nomes são desconhecidos. Podemos dividir as sagas em alguns grupos, de acordo com a sua temática: há sagas que tratam das 6


linhagens e dos feitos de reis escandinavos; há sagas que narram antigas lendas germânicas; há sagas que se aproximam bastante do romance de cavalaria; há ainda sagas que apresentam biografias de santos, de bispos; e há outras ainda. Por fim, há um conjunto de quarenta sagas que falam especificamente dos primeiros colonizadores da Islândia e seus descendentes. Elas são conhecidas como sagas de islandeses, e nesse grupo se enquadra a Saga de Gunnlaug Língua-de-Serpente. É das sagas de islandeses que nos ocuparemos mais agora. O que são exatamente as sagas de islandeses? A Islândia era uma ilha praticamente inabitada até que, no final do século 9, durante a chamada Era Viking, navegantes e agricultores escandinavos começaram a ocupá-la. Esses colonos vinham, em sua maioria, da Noruega; outros vinham de partes das Ilhas Britânicas, onde havia, naquela época, populações escandinavas. Esses desbravadores nórdicos levaram para a Islândia um modo de vida, costumes e crenças, um idioma e uma cultura similares aos que havia na Noruega. Naquele tempo, islandeses e noruegueses falavam a mesma língua e acreditavam nos mesmos deuses. Muitas das famílias 7


que chegaram à Islândia traçavam sua genealogia de nobres ancestrais noruegueses. Estamos falando aqui justamente da época em que os nórdicos se expandiram: eles colonizaram parte considerável das Ilhas Britânicas, as Ilhas Faroe, a Islândia, a Groenlândia, e chegaram até mesmo à América do Norte. Na Islândia, formou-se uma nova sociedade, que não era governada por um rei, mas por chefes distritais. Diferentemente de boa parte da Europa na Idade Média, lá não havia nem cidades nem castelos, mas apenas fazendas. Alguns dos fazendeiros mais ricos e poderosos eram chefes de distritos e, anualmente, encontravam-se na Assembleia Geral, onde tomavam decisões políticas e resolviam assuntos legais. Desde sua primeira colonização, que teve início no último quarto do século 9, até o ano 1262, a Islândia permaneceu um país independente dos grandes reinos que já se formavam na Escandinávia. Em 1262 a Islândia passou a fazer parte do reino da Noruega. Posteriormente, foi parte do reino da Dinamarca (e somente no século XX voltou a ser um país independente). Os primeiros colonizadores da Islândia ainda eram politeístas, ou seja, adoravam diversos deuses: Odin, 8


Frigg, Thor, Frey, entre outros. No ano 1000, com uma decisão tomada na Assembleia Geral, a Islândia adotou o cristianismo, e logo as antigas crenças foram abandonadas. Esse evento é narrado em várias sagas, inclusive na Saga de Gunnlaug. Antes da cristianização, os islandeses não utilizavam o alfabeto latino (que é o que usamos em português) e não produziam livros, o que não significa que eles não tivessem nenhum tipo de literatura. Cultivavam uma rica tradição de poesia oral: poemas que eram compostos e recitados sem o auxílio da escrita, apenas de memória. Os heróis protagonistas da Saga de Gunnlaug são bons exemplos de poetas que criavam, memorizavam e declamavam poesia sem o auxílio da escrita. É verdade que os antigos escandinavos (incluindo-se aqui os islandeses), antes de adotarem o alfabeto latino, possuíam um alfabeto próprio: as runas. As runas eram úteis para pequenas inscrições sobre pedra, osso, metal ou madeira, mas nenhuma grande obra literária foi escrita com essas letras. Antes do século 12, a literatura que havia na Islândia era basicamente criada oralmente, memorizada e recitada, e não era registrada por escrito.

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As aventuras dos islandeses mais importantes e nobres do período da colonização e da cristianização da Islândia (séculos 9, 10 e 11) e as disputas pelo poder entre as grandes famílias foram sendo contadas e recontadas pelos seus descendentes, até que, duzentos, trezentos ou até quatrocentos anos depois, autores anônimos redigiram as sagas de islandeses. Esses autores escreveram em pergaminhos as histórias (as sagas) em língua islandesa usando as letras do alfabeto latino. Esses textos todos circularam por séculos em cópias manuscritas, até que vieram a ser editados em livros na Modernidade. As sagas de islandeses são, portanto, criações literárias baseadas numa memória de fatos históricos de um período muito importante para a formação da consciência nacional islandesa. Elas não são pura ficção, mas também não são documentos históricos totalmente confiáveis. Sob vários aspectos, as sagas de islandeses podem ser consideradas épicos em prosa. Deve-se observar que, entre a época em que essas histórias supostamente ocorreram e a época em que foram escritas, passaram-se séculos, e assim é possível concluir que as narrativas que tinham um fundo de verdade foram bastante alteradas com o passar dos anos. 10


E não menos importante: os autores das sagas de islandeses podem ter adicionado elementos de sua própria imaginação literária, pois não apenas registravam o que recebiam como herança de uma tradição, mas eram eles próprios também criadores literários. E alguns deles foram grandes criadores, ainda que seus nomes não tenham sido preservados. O autor da Saga de Gunnlaug deve ter retirado boa parte de sua história da leitura de outros textos (inclusive algumas sagas) que haviam sido escritos antes. Provavelmente ouviu também relatos de pessoas. Transformou tudo numa bela narrativa. Ele devia conhecer romances de cavalaria, pois esta saga contém características que apontam para uma influência das aventuras de cavalaria (especialmente o papel do amor na trama). Não é muito comum, nas sagas islandesas, um herói guerreiro sofrer por amor... O texto da Saga de Gunnlaug aqui apresentado não é propriamente uma tradução fiel. Em geral, pode ser visto como uma tradução mais livre, feita diretamente do original islandês, e, em alguns pontos, é uma adaptação. A adaptação se deu em dois sentidos:

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Em primeiro lugar, foram eliminadas algumas genealogias e nomes próprios de pessoas e lugares que não são relevantes para o desenrolar da trama. Como dito acima, as sagas de islandeses preservavam uma memória de linhagens importantes da Islândia, e os autores julgavam fundamental citar os nomes de pais, avôs, bisavôs e tataravôs de muitos personagens, mesmo que eles não aparecessem na história. Para tornar a leitura da saga mais fluente, esses trechos foram adaptados. Além disso, em alguns pontos foram inseridas pequenas informações que deixam a história um pouco mais clara. Em segundo lugar, o texto original é bastante seco, repleto de frases curtas. Os autores medievais tinham uma concepção bem diferente da nossa sobre o que era uma boa redação. Eles não julgavam deselegante repetir palavras, por exemplo, ou mudar o tempo verbal dentro da mesma frase. Além das adaptações já mencionadas, em geral o texto aqui editado é uma tradução livre, que busca apresentar a saga num português fluente. Pode-se dizer que, como adaptação, esta versão é bastante fiel ao original. Como tradução, é bastante livre. Especialmente nos versos, adotou-se uma boa dose de liberdade. Buscou-se conservar a ideia central de cada 12


poema, mas numa forma poética totalmente nova. Não é impossível que alguns dos versos que aparecem na saga como sendo de Gunnlaug tenham sido realmente compostos por ele. Se esse é o caso, os poemas foram sendo recitados e memorizados por algumas gerações, até que o autor da saga os inseriu em sua obra. O fato é que esses poemas foram compostos num islandês muito difícil, seguindo técnicas de versificação bem diferentes das que temos em português. Traduzir esses poemas fielmente deixaria sua leitura muito difícil em português, e tornaria indispensável uma quantidade enorme de notas explicativas. Por isso tudo, foram feitas versões bastante livres dos versos. Apesar disso, é claro que o objetivo desta tradução-adaptação não foi jamais alterar a história, mas sim torná-la mais acessível a leitores que não têm familiaridade com o estilo e o universo dessas grandes obras da literatura universal que são as sagas islandesas. As adaptações não foram feitas porque o tradutor achava melhor ou pior uma passagem, mas sim para facilitar a compreensão do que ele julga mais essencial na saga.

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O leitor interessado poderá encontrar uma tradução não adaptada da Saga de Gunnlaug (bastante diferente desta versão aqui apresentada) na (n.t.) Revista Literária em Tradução, disponível no site da revista (www.nota dotradutor.com).

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