AMORES GUARDADOS

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Lêda Couto

Amores Guardados ILUSTRAÇÕES

Milton Fernandes

Belo Horizonte | 2011


Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. texto © Lêda Couto ilustrações © Milton Fernandes Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seu autor e não expressam necessariamente a posição da editora.

cip-brasil catalogação-na-fonte sindicato nacional dos editores de livro, rj

C91a Couto, Lêda Amores guardados / Lêda Couto ; [Milton Fernandes, ilustrador]. – Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2011. 72p. : il.; (Tracinho, 3) isbn 978-85-8054-006-2 1. Literatura infantojuvenil brasileira. I. Fernandes, Milton, 1981- II. Título. III. Série. 11-0134. 07.01.11

11.01.11

023787

Fino Traço Editora Ltda.

Rua dos Caetés, 530 sala 1113 – Centro Belo Horizonte. MG. Brasil Telefax: (31) 3212 9444 www.finotracoeditora.com.br

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Toda minha gratidão aos meus ex-alunos, que me presentearam, durante 38 anos no magistério, com a presença encantadora de cada um. Compartilhei de suas alegrias, encantamentos, entusiasmos, esperanças, sorrisos, lágrimas, angústias; e do brilho no olhar ansioso por vida. Assim divido a minha maior riqueza com outros jovens, para que possam perceber as interfaces de amor, amizade e convivência no tempo escolar. Com alegria, Lêda Couto



Sumário Primeiro Amor

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Tempo perdido

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Coração trancado

17

Outros olhos

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Mariana

24

Um raio de luz

27

Sinal certo

30

Final de férias

35

A festa

38

Eduarda

41

Nuances do amor

45

O encontro

49

A conexão universal

52

Nono ano

55

Aninha

58

A viagem

61

Tempo de amor

65

Amor guardado

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Primeiro Amor Vítor caminhava devagar, passos curtos e lentos. A mochila pesava muito, mas não tanto quanto o corpo. Ia em direção à escola e não esperava nada além da rotina: as atividades, o sono, o desânimo, a mesma voz de cada professor, a irritação e o mau humor de alguns... De repente, uma estrela brilhou na lembrança de Vítor: o sorriso e a doçura da professora Rita. Sempre entrava alegre e sorria, principalmente para ele. O sorriso era um sol nas manhãs escolares. O corpo tornou-se leve e os pés flutuaram. O sorriso da professora Rita era o céu que se abria para ele. Andou alguns quarteirões até a escola sem perceber. Saíra do ar. Entrara em outra esfera astral. Entrou, sentou-se no lugar aconchegante, perto da parede para encostar o corpo e receber o calor do Sol no inverno. No verão, chegava mais cedo e procurava um lugar mais aprazível. Vítor achava que deveria facilitar o bem-estar físico e procurava evitar qualquer desconforto ou sofrimento. Algumas vezes sofria ao perceber ódio, desprezo, desrespeito, injustiça, falsidade... Ainda não sabia lidar com esses sentimentos nocivos. Sentia, com clareza, a diferença entre sofrimento físico e sofrimento psicológico. A dor física era mais fácil suportar ou tinha solução rápida. Quando adoecia, ia ao antigo peAmores Guardados

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diatra, que lhe receitava sempre o medicamento certo. Mas ninguém o ensinara, e nenhum especialista tinha receita certa para aliviar as fincadas na alma e o coração oprimido, contido, como se estivesse trancado no peito. Ele ficava horas remoendo o acontecimento, procurando solução, e, mesmo assim, levava dias para lavar a alma. Percebera, desde cedo, que era diferente da maioria das pessoas. Quase todas passavam a vida lutando por bens exteriores, e ele não tinha vontade de viver assim. Possuía um valioso tesouro e pretendia investir no próprio desenvolvimento: cuidar do seu jardim interior e desfrutar suas delícias. Gostaria de viver sempre feliz. Cada segundo era uma oportunidade oferecida. No futuro, poderia usar os versos de Fernando Pessoa: Trago dentro do meu coração, Como num cofre que não se pode fechar de cheio, Todos os lugares onde estive, Todos os portos a que cheguei, Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias Ou tombadilhos, sonhando... E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero. [...].

Assistiu às duas primeiras aulas pensando no intervalo para lanchar e chutar bola ao gol com a turma. André, seu amigo preferido, o aguardava na fila do chute. O tempo era curto para desfrutar as delícias do recreio. Quando faltava um professor, era o máximo. A 12

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coordenadora deixava a turma na quadra, e os garotos só pensavam nos gols que poderiam fazer. Algumas garotas pensavam no brilho labial que havia desaparecido e na leve sombra nos olhos; outras ousavam no rímel. Todas tinham cuidado com a discrição. A escola proibia maquiagem. Vítor gostava de olhar as meninas lindas com aquela pele macia, brilho na boca, sorriso aberto e olhos vibrantes, que esperam vida. O horário vago, quando acontecia, era tempo para colocar a conversa em dia. Era a boa hora dos casos que rolavam na escola, no bairro, no shopping e na internet. Ninguém via o horário passar. Tornava-se necessária a presença do disciplinador na volta à sala de aula. Vítor voltou para o último horário, o da professora Rita. Que alegria, que doçura nos olhos e no sorriso! Parecia que um sol diferente iluminava tudo e estrelas bailarinas dançavam-lhe na mente. Que aprendizado mais gostoso era ter um sentimento assim! Melhor que o conteúdo que ela ensinava. Aliás, o conteúdo era fantástico: Ciências Naturais, e se tornava mais encantador com aquela sonoridade na voz de quem vive entre anjos, flores e amores. Ah, amores... Teria ela namorado, para ser assim tão doce? “Deveria ser bem amada”, pensou Vítor... “Quantos anos ela teria? Uns 24 anos? Se fosse verdade, ele teria a metade da idade dela”. Continuou pensando, e a aula terminou. Não conseguiu gravar nada do que Rita disse. Somente a voz dela ficou ressoando-lhe na memória por muito tempo, como uma melodia. Amores Guardados

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Tempo perdido Voltou para casa, almoçou, deitou-se no sofá, ligou a televisão, mas não prestou atenção nas imagens, nem nas reportagens... Ficou extasiado e, sem perceber, entrou em estado de sonolência. Não podia dormir, ele bem sabia. Sua mãe não permitia. Dizia que atrapalhava o ritmo do dia e da noite; e era difícil conter o hábito adquirido. Por isso, sua consciência o despertou num instante. Levantou-se com sentimento de culpa, como se tivesse feito algo de errado. Tratou logo de se dirigir ao quarto de estudo para as lições do dia: dever de quatro matérias... Dava uma preguiça... e sem querer começou a pensar no sorriso da professora Rita. Interessante... Ele nunca havia pensado em alguém assim, nem gostado de receber um sorriso daquele jeito, igual ao dela. De sorrisos, Vítor sempre gostara, principalmente, os das garotas que conhecia. Elas sorriam de um jeito matreiro, cativante, meigo. “O sorriso diz mais que as palavras”, pensou. O de Rita, então, dizia milhões de palavras somente para ele... E continuou pensando na professora: mãos macias, lisas, claras, unhas bem feitas e dedos alongados. Sabia porque a observava mudando as páginas do livro, escrevendo, dando visto nos cadernos. Uma vez ela passou a mão no antebraço dele, num gesto de afeto, 14

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empatia, carinho. Ele sentiu um arrepio pelo corpo. Foi nesse dia que começou a desencadear aquele encantamento por ela. De repente, estalou-lhe algo na lembrança, uma cobrança: havia passado duas horas sem estudar nem fazer o dever de casa. Brotou um sentimento de culpa, que não era bom nem trazia bons presságios... Quis encontrar uma solução para não pensar em coisas inúteis que não surtem resultado. Só dão um alento à alma... Seria amor? Que tipo de amor? Amizade? Encantamento? Empolgação? A resposta não vinha, e ele tentou trancar o coração como se tranca um cofre, um armário. Mas não deu certo; coração não tem chave nem tranca para ficar preso. Nem tem chip, bateria, pilha que pifa ou corda que o faça bater mais lento. Coração não tem alarme para evitar que alguém o roube do dono. O dele batia desatinado, pulsando forte, com vontade de sair galopando como um cavalo bravo ou uma loba em busca da presa para alimentar a cria. Vítor precisava saciar um desejo que não conhecia. Além do estudo, a turma o esperava para o treino de futebol de salão e, à noite, tinha natação. Muito estranha aquela sensação nova no sentimento de Vítor. Ele sempre gostara dos amigos, do futebol, da turma da natação, e agora estava deixando tudo isso em segundo plano, para privilegiar a delícia de pensar em alguém, que nem podia pela ordem natural do mundo: aluno não pode ficar tão encantado por uma professora a ponto de esquecer os estudos, somente para pensar nela. Amores Guardados

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Resolveu escrever para aliviar a emoção:

Sem saída Entre mim e você o caminho é intransitável. Existe uma parada obrigatória, uma montanha inatingível, um espaço sem luta, sem glória. Existem sonhos que a noite atenua, Existe uma imensa rua. Eu sou o poeta, você é a lua.

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