Trabalho docente na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros

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É fruto de um trabalho coletivo e expressa os resulta­ dos da primeira fase da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que teve o objetivo de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas unidades públicas de Educação Básica.

Conheça os outros títulos da Série Trabalho Docente: Trabalho docente na educação básica em Goiás Trabalho docente na educação básica no Paraná O trabalho docente na educação básica: o Pará em questão O trabalho docente na educação básica: o Espírito Santo em questão O Trabalho docente na educação básica em Minas Gerais

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ISBN 978-85-8054-085-7

9 788580 540857

Org: Dalila A. Oliveira e Lívia F. Vieira

A pesquisa que dá suporte às análises aqui empreendi­ das contou com o apoio do Ministério de Educação, em projeto institucional de cooperação técnica, por meio da Secretaria de Educação Básica, com o empenho especial da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares.

Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros

Este livro pretende contribuir com subsídios para a elaboração de políticas públicas que promovam direitos, qualidade e igualdade para a Educação Básica, contemplando suas três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Organização Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira

Trabalho na

educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros

O redesenho da organização e gestão dos sistemas escolares que vem se definindo nos últimos anos, sobretudo na última década, impõe-nos a necessidade de conhecer a diversidade de respostas e situações novas que são geradas por parte dos próprios sujeitos envolvidos, em especial os docentes, levando em conta as especificidades locais, regionais e nacional em um país com as dimensões do Brasil. Este livro tem o objetivo de ampliar a reflexão e os conhecimentos sobre as políticas educacionais em curso no âm­ bito federal, estadual e municipal e sua vinculação com o trabalho docente nas unidades de Educação Básica no País. Composto por 17 capítulos, o livro traz resultados de um survey realizado em unidades educacionais da Educação Básica nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Paraná e Santa Catarina, nos quais foram entrevistados 8.795 sujeitos docentes. Constitui-se em pro­ jeto ambicioso, pois tem a pretensão de oferecer informações substanciais para subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e de formação do sujeito docente, a partir das aná­ lises empreendidas por especialistas renomados.

27/11/2012 10:45:03




Trabalho na Educação Básica a condição docente em sete estados brasileiros Organização Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira

Belo Horizonte 2012


Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Autores Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seu autor e não expressam necessariamente a posição da editora.

cip-brasil catalogação-na-fonte | sindicato nacional dos editores de livro, rj T681 O trabalho docente na educação básica : a condição docente em sete estados brasileiros / Dalila Andrade Oliveira, Lívia Fraga Vieira (org.). - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2012. 468 p.

(Trabalho docente. Edvcere ; 23)

Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-085-7 1. Educação - Brasil 2. Educação - 3. Educação básica - Brasil. 4. Trabalho docente. I. Oliveira, Dalila Andrade. II. Vieira, Lívia Fraga III. Série. 12-7019. 26.09.12 15.10.12

CDD: 370.981 CDU: 37(81)

Fino Traço Editora Ltda. Av. Contorno 9317 A 2° Andar - Prado Belo Horizonte. MG. Brasil Telefax: (31) 3212 9444 www.finotracoeditora.com.br

039455


Sumário Apresentação Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira ...............................................................9 Capítulo 1

Os trabalhadores docentes da educação básica no Brasil em uma leitura panorâmica Ângelo Ricardo de Souza e Andréa Barbosa Gouveia ...................................................19 Capítulo 2

Perfil do docente da educação básica no Brasil: uma análise a partir dos dados da PNAD Danielle Cireno Fernandes e Carlos Alexandre Soares da Silva .......................................43 Capítulo 3

A formação docente no Brasil: cenários de mudança, políticas e processos em debate João Ferreira de Oliveira e Olgaíses Cabral Maués ...........................................................63 Capítulo 4

Formação inicial e continuada: a prioridade ainda postergada Helena Costa Lopes de Freitas ............................................................................................91 Capítulo 5

Formação docente e o campo educacional: políticas, regulações e processos Mário Luiz Neves de Azevedo ............................................................................................131 Capítulo 6

Condições de trabalho docente: uma análise a partir de dados de sete estados brasileiros Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira .................................................................153


Capítulo 7

A remuneração dos profissionais da educação e os desafios atuais Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito .............................................................................191 Capítulo 8

Trabalho docente na educação básica no Brasil: as condições de trabalho Álvaro Moreira Hypolito ...................................................................................................211 Capítulo 9

Política e gestão educacional: uma análise dos dados da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” Adriana Duarte e Eliza Bartolozzi Ferreira .....................................................................231 Capítulo 10

Gestão democrática: um estudo em escolas de educação básica no Brasil Antônio Cabral Neto .........................................................................................................257 Capítulo 11

Políticas Educacionais e Gestão da Educação Básica sob a ótica docente Luiz Fernandes Dourado ..................................................................................................285 Capítulo 12

Resistência e organização sindical dos docentes da Educação Básica no Brasil Savana Diniz Gomes Melo e Maria Helena Augusto ......................................................299 Capítulo 13

Organização e luta dos docentes no Brasil Heleno Araújo ...................................................................................................................325


Capítulo 14

Organização do trabalho e sindicalismo docente: notas sobre taxas de filiação Marcos Ferraz ..........................................................................................................343 Capítulo 15

A saúde e o trabalho docente: um desafio para as políticas públicas da educação Magaly Robalino ..............................................................................................................371 Capítulo 16

A saúde vocal do docente brasileiro: fatores de risco para distúrbios de voz relacionados ao trabalho Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves ...................................................................................399 Capítulo 17

Trabalho docente e saúde: inquietações trazidas pela pesquisa nacional com professores (as) da educação básica Andrea do Rocio Caldas ...................................................................................................429

Sobre os autores ................................................................................................447 Equipe da Pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” ..................................................................................................................459



Apresentação A pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” pretende contribuir com subsídios baseados em dados de realidade para orientar políticas voltadas às condições de trabalho dos profissionais da educação. O complexo cenário da Educação Básica nacional exige mais informações que aquelas fornecidas pelas fontes oficiais de dados estatísticos existentes, tais como o Censo Escolar do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP e a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – PNAD/IBGE. Com a intenção de suprir essa lacuna, desenvolveu-se a pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” que, em sua primeira fase, realizou um survey em sete estados do Brasil, sendo eles: Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Espírito Santo e Goiás. O Censo Escolar constitui o principal instrumento de coleta de informações da educação básica e abrange suas diferentes etapas e modalidades: ensino regular (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), educação especial e educação de jovens e adultos. Constitui-se em referência para traçar o panorama nacional da educação básica e fornece subsídios para a formulação de políticas públicas e execução de programas na área, inclusive questões referentes à transferência de recursos públicos (merenda, transporte escolar, distribuição de livros etc.). Juntamente com outras avaliações, compõe a base de referência para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), que serve como um indicador para as metas do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) do Ministério da Educação (MEC). Entretanto, os indicadores do Censo Escolar não alcançam as dimensões necessárias para um estudo mais completo sobre o trabalho docente. Por tais razões, o GESTRADO/UFMG, formando uma rede de pesquisa composta pelos grupos e núcleos GESTRADO/UFPA, GETEPE/UFRN, NEDESC/UFG, NEPE/UFES, NUPE/UFPR, GEDUC/ UEM-PR, GEPETO/UFSC, propôs-se a enfrentar o desafio de buscar desenvolver um instrumento de coleta de dados que permitisse captar as diferentes situações em que se encontram os profissionais da Educação Básica, recolher suas opiniões e percepções sobre suas condições de trabalho e de vida. Dessa forma, este estudo apresenta informações a

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respeito dos sujeitos docentes da Educação Básica, a partir das unidades educacionais em que estão lotados: perfil sociodemográfico; formação; situação funcional; valorização profissional; formas de organização política, entre outras informações relevantes. Este livro traz dados resultantes do survey realizado e representa um primeiro esforço de análise dos dados estatísticos à luz das pesquisas documentais e bibliográficas realizadas. O livro representa um projeto ambicioso, pois tem a pretensão de oferecer informações substanciais para subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas à melhoria das condições de trabalho e de formação do sujeito docente, a partir da análise por especialistas renomados dos resultados obtidos em campo. O presente trabalho é fruto de uma coletividade e expressa os resultados da primeira fase da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que teve o objetivo de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas unidades de Educação Básica, das redes públicas e conveniada dos sete estados do Brasil que integram da pesquisa. O processo de preparação deste livro envolveu a realização de uma oficina de trabalho com os autores dos textos e a equipe do GESTRADO/UFMG. Na oficina, os autores puderam apresentar suas versões preliminares dos textos e discuti-las com seus pares. A partir das apresentações, foram fomentadas novas análises e debates entre os presentes, buscando-se uma maior articulação e integração dos mesmos, tendo em vista elaborar uma obra de fato coletiva que vise a subsidiar a elaboração e acompanhamento de políticas públicas no Brasil. O livro traz análises sobre os dados que a pesquisa procurou investigar, ou seja, o conjunto dos textos aqui reunidos busca lançar luzes sobre as mudanças ocorridas nas últimas décadas na educação básica brasileira e seus impactos na constituição das identidades e dos perfis dos docentes, bem como analisar quais os efeitos sobre seu trabalho, expectativas de futuro, sua saúde, entre outras dimensões de sua vida. Os textos retratam as mudanças promovidas pelas políticas públicas para a educação básica no que se refere à organização e gestão escolar e suas consequências para a formação e a carreira docente, procuram analisar as condições de trabalho, carreira e remuneração, identificando estratégias desenvolvidas pelos sujeitos pesquisados para responder as novas exigências sobre o seu trabalho. A pesquisa foi orientada por quatro grandes hipóteses: a ocorrência de ampliação da jornada de trabalho real dos docentes, sem o reconhecimento formal; ampliação de funções e responsabilidades docentes;

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intensificação e autointensificação do trabalho e a emergência de nova divisão técnica do trabalho nas unidades educacionais. Para a realização da pesquisa foi fundamental o apoio do Ministério de Educação, em projeto institucional de cooperação técnica, por meio da Secretaria de Educação Básica e da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares. Na primeira fase da pesquisa foi realizado o já referido survey, que consistiu na realização de 8.795 entrevistas junto aos sujeitos docentes da educação básica em sete estados brasileiros. A coleta de dados foi realizada por meio de um questionário estruturado, que conjugou questões fechadas e abertas, abrangendo diversos eixos da pesquisa, com questões a serem respondidas ao entrevistador em um tempo médio de 50 minutos. Em setembro de 2009, foram iniciadas as entrevistas, simultaneamente nos sete estados pesquisados, pelas equipes locais, coordenadas por professores que lideram os grupos de pesquisa citados. As entrevistas foram realizadas nas unidades educacionais durante o período de trabalho dos entrevistados. O trabalho de campo foi encerrado em novembro de 2009, sendo sequenciado pelo tratamento dos dados, composto da digitação, tabulação e desenvolvimento do Banco de Dados em um processo de identificação e verificação de consistência entre variáveis e análise dos dados por meio de software apropriado. O universo da pesquisa foi constituído por 664.985.280 sujeitos docentes e por 34.556 unidades de Educação Básica das redes públicas e conveniada, contemplando suas três etapas constitutivas, nos sete estados integrantes da pesquisa. Foi utilizado um método de amostragem probabilística, cujo procedimento de seleção dos elementos ou grupos de elementos da população-alvo permite atribuir a cada elemento uma probabilidade de inclusão na amostra, calculável e diferente de zero. Este livro está organizado em 17 capítulos, que analisam os resultados obtidos nas três metas pretendidas pelo projeto de pesquisa, sendo elas: a organização de um panorama dos docentes da educação básica no Brasil, a partir de dados disponíveis em fontes oficiais (INEP, IBGE e MTE); a revisão de literatura sobre o tema e o survey. O primeiro capítulo, intitulado “Os trabalhadores docentes da educação básica no Brasil em uma leitura panorâmica”, de Ângelo Ricardo de Souza e Andréa Barbosa Gouveia, apresenta um panorama dos trabalhadores docentes da educação básica no Brasil. O texto utiliza as fontes secundárias do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e do Censo Escolar cotejados com os da pesquisa TDEBB. Os autores

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constroem um perfil pessoal, de formação e profissional do trabalhador docente da educação básica pública brasileira, por um lado, e, por outro, produzem um levantamento da condição de oferta e demanda por postos de trabalho na educação básica nacional. Por fim, os autores analisam esses elementos face às políticas educacionais atuais, de sorte a identificarem quais são na atualidade os principais desafios para a educação pública no país. O segundo capítulo, “Perfil docente da educação básica no Brasil: uma análise a partir dos dados da PNAD”, organizado por Danielle Cireno Fernandes e Carlos Alexandre Soares da Silva, teve como objetivo traçar um perfil do sujeito docente no Brasil, buscando contribuir para uma melhor compreensão dos dados da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” (TDEBB), que é o foco principal deste livro. Para tanto, utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar – PNAD, produzida pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística – IBGE, tomando a série histórica dos anos de 1981 a 2009, buscando explorar as transformações ocorridas no perfil do docente da educação básica brasileira durante 28 (vinte e oito) anos. A principal intenção foi a de observar as transformações ocorridas com os indivíduos que compõem o grupo dos sujeitos docentes. Para tanto, duas linhas principais foram desenvolvidas na exposição dos dados. Uma primeira, que descreve os indivíduos que compõem este grupo sob o ponto de vista de seus atributos sociais – posição no domicílio, raça/cor autodeclarada, sexo e idade e, uma segunda, que descreve estes indivíduos a partir de sua situação no mercado de trabalho – número de trabalhos, horas trabalhadas e anos de estudo. O terceiro capítulo analisa os dados da pesquisa TDEBB sobre a formação docente dos respondentes nos sete estados. O texto de João Ferreira de Oliveira e Olgaíses Maués analisa, em separado, as respostas dos professores e dos demais docentes informantes da pesquisa e destaca o interesse relatado pelos professores em relação à qualificação e aprimoramento de suas práticas. Contudo, os autores buscam demonstrar que tal interesse se confronta com obstáculos como a escassez de tempo, a limitação financeira, a pouca oferta de atividades de formação e a desarticulação destas com a problemática das escolas. Os autores identificam um incremento na oferta de cursos e da participação dos docentes nos mesmos, entretanto, destacam a desarticulação das instituições formativas com as secretarias de educação, sugerindo maior planejamento colegiado, incentivos e monitoramento das ações de formação para uma oferta mais qualificada.

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Ainda analisando os dados relativos à formação docente, o capítulo quatro, intitulado “Formação Inicial e Continuada: a prioridade ainda postergada”, de Helena Costa Lopes de Freitas, busca retratar o campo da formação de professores – suas tensões e desafios. A autora tece considerações sobre a política de formação de professores, a evolução dos dados sobre formação docente no país e, a partir dos dados da pesquisa TDEBB, analisa a formação e condições do/no trabalho, sob a ótica dos docentes entrevistados. Considera que, a despeito do arcabouço legal representado pelas normalizações e regulamentações da última década, em relação à profissionalização e valorização dos educadores, existe uma urgência ainda não seriamente enfrentada em nosso país. O capítulo quinto, de Mário Luiz Neves de Azevedo, “Formação docente e o campo educacional: políticas, regulações e processos”, procura traçar um panorama atual da formação docente no Brasil destacando as recentes mudanças na legislação brasileira e a correspondente mudança no perfil da formação docente. Dentre essas mudanças, ressalta o novo papel que a Capes tem assumido nesse contexto. O autor se propõe a uma abordagem que considera as políticas públicas (textos), o campo social (contexto social das aplicações) e o espaço global (contexto das relações internacionais) em seu conjunto. O sexto capítulo tem o título “Condições de trabalho docente: uma análise a partir de dados de sete estados brasileiros” e é de autoria de Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira. As autoras procuram descrever e analisar alguns aspectos das condições do trabalho docente nas instituições de educação básica das redes públicas estaduais e municipais e conveniadas de educação infantil dos sete estados brasileiros que integraram a amostra da pesquisa TDEBB. O texto parte da discussão do conceito de condições de trabalho, buscando compreendê-las no contexto da educação pública brasileira. Em seguida, descreve a metodologia de análise dos dados e, por fim, apresenta a discussão dos resultados à luz das hipóteses orientadoras da pesquisa. Buscou-se ressaltar a dinamicidade do processo de trabalho escolar submetido a mudanças mais recentes que acarretam maior diversificação da tarefa educativa, ampliação das tarefas ao mesmo tempo em que apontam para uma maior autonomia e trazem maior responsabilização aos profissionais da educação. Com o título “A remuneração dos profissionais da educação e os desafios atuais”, o capítulo sétimo, de autoria de Vera Brito, desenvolve uma análise da remuneração dos profissionais da educação a partir do grau de satisfação dos entrevistados e relacionando-os com a jornada de

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trabalho, a situação socioeconômica familiar dos docentes e seu papel como provedor na família. A autora discute a importância de valorizar as condições de trabalho e a remuneração dos profissionais docentes e constata, a partir dos dados da pesquisa TDEBB, que fatores relacionados à remuneração tem se tornado uma barreira que causa insatisfação, limita a identificação com a profissão e impede a valorização profissional, especialmente no contexto atual de precarização e flexibilização do trabalho. Álvaro Hypólito, no capítulo oitavo, “Trabalho docente na educação básica no Brasil: as condições de trabalho”, tece análises sobre as condições de trabalho docente a partir de alguns conceitos fundamentais. O autor parte de conceitos referentes às condições de trabalho e ao trabalho docente e discute a articulação existente entre valorização e condições de trabalho docente e o modo como esta díade se articula com o conceito de precarização. As formas de gestão e de organização do trabalho escolar são abordadas no texto, que relaciona gerencialismo, organização escolar e condições de trabalho. Os dados da pesquisa são analisados à luz das discussões teóricas iniciais. O autor observa, a partir dos dados analisados, a emergência de uma nova divisão técnica do trabalho, uma das hipóteses orientadoras da pesquisa TDEBB, em que surgem novas funções docentes, a partir da precarização das formas de contratação e de organização do trabalho, ocasionando a fragmentação do corpo docente e auxiliando na precarização da condição docente e das condições de trabalho. O autor também observa que o grau de satisfação demonstrado pelo professorado pode ter relação com aspectos da vocação e com comprometimentos morais que os docentes manifestam por uma boa educação, ainda que as condições para o exercício do trabalho se revelem adversas. As análises dos dados relativos à percepção dos docentes sobre a gestão educacional se iniciam com o capítulo nono, “Política e gestão educacional: uma análise dos dados da pesquisa trabalho docente na educação básica no Brasil”, de Adriana Duarte e Eliza Bartolozzi Ferreira. As autoras buscam identificar e analisar mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a educação básica no que se refere à organização e gestão escolar e suas conseqüências para a formação e carreira docente, um dos objetivos propostas pela pesquisa. Para tanto, empreendem a análise dos dados à luz dos estudos contemporâneos no campo das políticas educacionais relacionando-os aos mais recentes planos nacionais que afetaram o campo educacional brasileiro. As autoras buscam trazer elementos do cenário internacional que conformam o

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marco regulatório das políticas que vêm se desenhando e o modo como são percebidas pelos docentes, por meio dos dados coletados pelo survey. O capítulo décimo de Antônio Cabral Neto, intitulado “Gestão democrática: um estudo em escolas de educação básica no Brasil”, procede a uma análise das informações relativas à gestão democrática, sistematizadas pela pesquisa TDEBB. O autor analisa como a agenda da gestão democrática que se desenvolve no Brasil nas últimas décadas e como o debate entre governos e movimentos dos educadores se estruturam em torno aos eixos da autonomia, da descentralização e do trabalho coletivo. Por fim, o autor discute os dados sistematizados no âmbito da pesquisa, considerando as dimensões que o trabalho coletivo e a avaliação do trabalho docente vêm assumindo. É nesse sentido que o autor propõe um diagnóstico e sugere quais seriam os próximos passos a serem dados no sentido de viabilizar um modelo de gestão educacional efetivamente mais democrático no Brasil. O décimo primeiro capítulo traz como título “Políticas Educacionais e Gestão da Educação Básica sob a ótica docente” e é de autoria de Luiz Dourado. O autor problematiza e analisa os indicadores sobre a gestão educacional, abordando especialmente aqueles resultantes da pesquisa TDEBB, à luz da literatura especializada na área, com vistas a sinalizar políticas para a reorganização e fortalecimento da Educação Básica pública. Suas análises enfatizam a articulação entre políticas de valorização docente e políticas de avaliação como uma parte de um projeto para o fortalecimento da educação básica no Brasil, ressaltando o elo indissociável entre as políticas educacionais, as condições objetivas de trabalho e as concepções de formação e gestão democrática como processos de construção coletiva. O capítulo décimo segundo, intitulado “Resistência e Organização Sindical dos docentes da Educação Básica no Brasil”, escrito por Savana Diniz Gomes Melo e Maria Helena Augusto, procura analisar o tema da resistência e da organização sindical. O texto discorre sobre os novos formatos da organização escolar e da organização do trabalho escolar advindos das políticas educativas em curso nas últimas décadas e conclui que eles têm apresentado novas limitações para a ação político sindical dos docentes. Os autores observam que as políticas vigentes têm também engendrado novas e complexas dificuldades às direções sindicais para defenderem e extrapolarem os interesses corporativos de suas bases. O capítulo décimo terceiro é de autoria de Heleno Araújo, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), que acompanhou os seminários de divulgação dos primeiros resultados da

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pesquisa TDEBB, realizados durante o ano de 2011 e em fevereiro de 2012, e é intitulado “Organização e luta dos docentes no país”. O capítulo traz um breve histórico do movimento sindical no Brasil, apresenta desafios para a organização do trabalho e o sindicalismo docente, entre os quais se destacam a redução da violência no espaço escolar, a valorização dos profissionais da educação, a formação inicial e continuada, a implementação pelos estados e municípios da Lei do Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN dos profissionais do magistério público da educação básica brasileira, e as condições adequadas de trabalho. O texto traz ainda uma discussão sobre alguns resultados da pesquisa TDEBB sobre organização sindical dos docentes da Educação Básica. O autor procura demonstrar a importância de evidências como as que a pesquisa traz para a orientação da luta dos docentes em defesa de políticas de educação que contemplem os seus interesses. Marcos Ferraz, no capítulo décimo quarto, “Organização do trabalho e sindicalismo docente: notas sobre taxas de filiação”, procura analisar o sentido social das taxas de filiação sindical, em relação às abordagens stricto sensu e lato sensu do conceito. O autor tece considerações sobre as taxas de filiação sindical e o poder dos sindicatos e desenvolve algumas análises sobre os resultados da pesquisa TDEBB, relativos à sindicalização docente, confrontando-os com outros dados, permitindo aprofundar o debate sobre o tema. O capítulo décimo quinto deste livro traz uma contribuição de Magaly Robalino ao debate com o título “A saúde e o trabalho docente: um desafio para as políticas públicas da educação”. O capítulo traz um breve histórico do desenvolvimento do campo de estudos sobre saúde e trabalho na América Latina. Destaca pesquisas importantes já realizadas sobre o tema e ressalta a contribuição trazida pelos resultados da pesquisa TDEBB. A autora analisa os dados da pesquisa TDEBB a partir de seis eixos: tempo de trabalho, tempo de descanço e uso do tempo livre, carga de trabalho, processos perigosos no trabalho, problemas de saúde docente, e satisfação com o trabalho e carreira. O texto aporta uma análise que permite a identificação de riscos reais que geram efeitos perversos sobre a saúde, desnaturalizando uma situação em que muitas vezes os riscos e as condições de trabalho são aceitos como naturais e inerentes à profissão. Gustavo Gonçalves, no décimo sexto capítulo “A saúde vocal do docente brasileiro: fatores de risco para distúrbios de voz relacionados ao trabalho”, aprofunda as análises sobre os problemas de saúde em um dos quadros mais presentes na profissão docente: os distúrbios de

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voz. O autor analisa, a partir dos dados da pesquisa TDEBB, os fatores de risco para os distúrbios de voz relacionados ao trabalho. A partir da observação do perfil do trabalhador, dos riscos ambientais, das condições de trabalho e da vivência profissional, relatados pelos docentes por meio do survey, o autor elabora o perfil do docente típico que desenvolve problemas de voz. Por fim, o autor propõe algumas medidas para mitigar os altos índices de adoecimento, destacando a importância de enfrentar este problema que se dá justamente na esfera da comunicação entre professores e alunos. E, finalmente, o décimo sétimo capítulo, de Andrea Caldas, “Trabalho docente e saúde: inquietações trazidas pela pesquisa nacional com professores(as) da educação básica”, em que discute questões relacionadas à relação saúde e trabalho. A autora apresenta contribuições da literatura específica da área de saúde e educação que têm abordado o tema da saúde docente, contextualizando a inserção da pesquisa TDEBB como importante fonte de evidências que podem subsidiar estratégias para o enfrentamento coletivo de problemas de saúde relacionados ao trabalho. A autora destaca a importância da pesquisa na compreensão da dinâmica de mudanças das políticas públicas que, ao modificar a gestão e organização do trabalho docente, refletem sobre os processos de adoecimento relacionados ao trabalho. Espera-se, com este trabalho, oferecer uma leitura ampla e variada da condição docente no Brasil a partir de dados de realidade lidos e interpretados por autores com distintas especialidades e abordagens. As opiniões e interpretações contidas nos capítulos deste livro são de inteira responsabilidade de seus autores. Gostaríamos de expressar nossos mais sinceros agradecimentos a esses autores, à equipe do GESTRADO/ UFMG que tem se dedicado ao trabalho de tratamento e refinamento dos dados, bem como da organização e disponibilização do Banco de Dados. Por fim, gostaríamos de manifestar nosso agradecimento à Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação que, com seu aporte, permitiu que esta pesquisa fosse realizada. Temos certeza que essa foi uma iniciativa muito importante para ampliar o conhecimento acerca da condição docente na Educação Básica no Brasil. Esperamos que os resultados disponibilizados possam contribuir na formulação e implementação de políticas públicas que possam melhorar as condições de trabalho e de vida dos docentes e consequentemente a educação básica brasileira. Belo Horizonte, agosto de 2012. Dalila Andrade Oliveira e Lívia Fraga Vieira

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Capítulo 1

Os trabalhadores docentes da educação básica no Brasil em uma leitura panorâmica1 Ângelo Ricardo de Souza Andréa Barbosa Gouveia

Introdução O trabalho docente tem sido pressionado pelas mudanças provocadas pelos câmbios na organização e gestão da educação nos últimos 17 anos no Brasil, desde o início das reformas educacionais de 1995. Todavia, ainda não são muito conhecidas as derivações desse movimento da política na objetividade do trabalho na escola pública. Ademais, tais mudanças, engendradas a partir da metade da década de 1990, não são uniformes e, em uma conjuntura mais recente, há inclusive inflexões na direção que tais movimentos têm apontado para o trabalho docente. Verifica-se, dessa maneira, a existência de políticas que tanto tornam o trabalho docente mais fragmentado e precarizado, como ações, mesmo em menor proporção, que valorizam a profissão docente, como são os casos da Lei Federal do Piso Salarial Profissional

Este trabalho expressa parte dos resultados de uma das metas da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, coordenada pela equipe de pesquisa do Gestrado/UFM0G e financiada pela SEB/MEC. Uma versão anterior e preliminar deste texto foi publicada nos Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, sob o título “Os trabalhadores docentes da educação básica no Brasil em uma leitura possível das políticas educacionais”, no volume 19, número 35, dezembro de 2011. 1

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Nacional dos professores (Lei nº 11.738/08) e as Diretrizes Nacionais para Carreira do Magistério. De qualquer forma, parece-nos que o trabalho docente potencialmente está sendo resignificado, de forma que se reconhece que o “trabalho docente não é definido mais apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreende a gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação” (Oliveira, 2004: 1133). E, ainda que tenhamos um horizonte controverso e que tais mudanças, em si, não parecem ser negativas, estas parecem mesmo predominar no sentido negativo, servindo mais à intensificação do trabalho que a uma consolidação de perspectivas de valorização da carreira, posto que o trabalho exclusivamente docente não tem recebido o devido reconhecimento monetário e os professores têm sido incentivados a sair da docência para ampliar sua remuneração (Morduchowicz, 2003). Dentre os impactos gerados por tais mudanças derivadas das reformas educacionais, que abrangeram um universo maior que o Brasil, posto que se espalharam pela América Latina, Tenti Fanfani destaca os seguintes: a) ampliação quantitativa da profissão docente; b) crescente heterogeneidade do trabalho docente; c) crescentes graus de desigualdade entre os docentes; d) deterioração das recompensas materiais e simbólicas; e) crescentes conseqüências no plano subjetivo (Tenti Fanfani, 2007: 17-18). Este capítulo discute que, no caso brasileiro, parte dessas marcas no trabalho docente se confirma e parte delas não parecem se apresentar. Assim, este trabalho dedica-se a analisar a situação do trabalhador docente da educação básica pública no Brasil, a partir da análise de dados referentes à condição salarial, perfil de formação e perfil pessoal desses trabalhadores, de maneira a discutir aspectos dos impactos que aquelas reformas possam ter gerado na condição docente. O estudo coteja dados dos trabalhadores docentes coletados por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 1997 e

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20072, que aplica questionários aos docentes de escolas públicas3, cujos alunos foram avaliados na 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio4. Também foram lidos dados do Censo Escolar dos mesmos anos para se dimensionar a relação entre demanda e condições de oferta educacional e de postos de trabalho para docentes, de forma a se evidenciar o desafio que ainda perdura para que o atendimento educacional seja mais ampliado e apropriado. A esses dois conjuntos de informações, o artigo ainda cotejou dados advindos de um amplo levantamento (survey) conduzido pela pesquisa “Trabalho docente na educação básica no Brasil”. O survey aplicou, em 2010, questionários a uma amostra significativa de docentes de educação básica em sete estados brasileiros. Como, todavia, a base de dados ainda não está inteiramente disponível, trabalhou-se, neste artigo, apenas com as informações referentes à idade e à formação dos professores5. Para efeitos didáticos, o presente texto está organizado em quatro partes. Inicia-se com a apresentação de um perfil pessoal dos docentes da educação básica pública, na perspectiva de mostrar elementos identificadores dessa população como idade, sexo e experiência profissional. Tais aspectos não são, obviamente, constituídos pela política educacional, mas a gestão educacional precisa conhecê-los e, ademais, a mudança desse perfil tem relação, como se verá mais adiante, com os impactos das reformas dos anos 1990. Na sequência, o artigo discute o perfil de formação, no qual as formações inicial e continuada são analisadas. Ainda que os dados disponíveis nos questionários do SAEB sejam qualitativamente pouco Optou-se por trabalhar com esses dois anos porque eles poderiam mostrariam alguma mudança na população docente após uma década na qual se verificou a implantação de políticas que potencialmente alteraram a condição docente no Brasil. Ademais, como este estudo compõe parte de uma pesquisa mais ampla, aplicada em 2010, não tínhamos disponíveis na época os dados referentes ao SAEB de 2009. 3 No caso da análise salarial, também tomamos os dados dos professores das escolas privadas. E, ainda no que tange ao salário, os valores utilizados para a análise foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC para o dia 01/maio/2010, data do encerramento do relatório da pesquisa em questão. A variação registrada foi de 127,1527% de 1997 para 2010 e de 18,2117% de 2007 para 2010. 4 Para as questões utilizadas nesta pesquisa, o número máximo de questionários respondidos foi de 17.722 questionários em 1997 e 14.300 em 2007. 5 As duas questões analisadas a partir deste survey foram respondidas por 8775 (idade) e 8795 (formação) docentes. 2

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ilustrativos da realidade educacional, eles apresentam elementos importantes decorrentes da política educacional a serem apreciados. A terceira parte do texto é destinada à análise da condição docente no que tange ao salário e à jornada de trabalho, que são aspectos considerados, usualmente, como mais expressivos de uma política para os profissionais da educação. Todavia, mesmo sendo elementos fundamentais, não se pode resumir a política para os trabalhadores docentes neles. Finalmente, a última parte do trabalho analisa as relações entre a demanda educacional e a oferta de trabalho docente, sintetizando uma leitura do desenvolvimento das matrículas nas etapas da educação básica brasileira, observando o movimento de crescimento/decréscimo ao longo da década estudada. Frente aos dados de matrícula, o texto faz uma avaliação do movimento no número de funções docentes e de professores, observando a relação discente/docente e as demandas de um futuro próximo considerando os desafios quantitativos e qualitativos da educação básica brasileira.

Perfil pessoal dos trabalhadores docentes A educação básica compreende um campo de atuação profissional predominantemente feminino, em especial nos anos e etapas mais iniciais, e tal condição está presente em todo o mundo (Tenti Fanfani, 2004), assim como nos cursos de formação de professores (Gatti & Barreto, 2009). No Brasil, esse quadro é equivalente, mas, no período estudado, tem-se uma variação. Entre 1997 e 2007, houve um aumento da presença masculina nas séries iniciais, saindo de 8,7% e chegando a 13%. E, por outro lado, houve uma queda dos homens nas demais etapas da educação básica, com 2,5 pontos percentuais a menos nos anos finais do ensino fundamental e 9% a menos no ensino médio. Esse indicador, todavia, precisa ser analisado em período de maior duração, pois pode ter ocorrido uma situação excepcional naquela década. Assim, parece necessária uma avaliação que tome duas ou três décadas, de maneira a se verificar uma possível sazonalidade.

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Tabela 1. Distribuição percentual dos Professores da Educação Básica Pública por gênero e série, 1997/2007 Professores

Masculino

Feminino

1997

2007

4ª Série

8,7

13

8ª Série

35,6

33,1

3º Ano EM

54,9

45,9

Total

28,6

24,7

4ª Série

91,3

86,3

8ª Série

64,4

66,6

3º Ano EM

45,1

53,8

Total

71,4

74,8

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007. Obs.: Valores em percentuais

Também há mudanças no que tange à idade dos trabalhadores docentes. Os docentes estão, em média, mais velhos que outrora, pois em 1997 a população com mais de 56 anos de idade era de apenas 1,4%, enquanto em 2007 esse grupo representa 5,2% e no survey de 2010, temos 7,4% nesse grupo. Isso fica ainda mais evidente quando se soma a população das faixas etárias acima dos 41 anos de idade. Nesse caso, tem-se um grupo que pouco passa dos 32% em 1997, mas que quase atinge 50% em 2007 e em 2010. Considerando que os docentes iniciam, em média, sua vida profissional aos 22/23 anos de idade, tem-se metade da população docente com perto ou mais de 20 anos de trabalho e 14% com quase ou mais de 30 anos de trabalho, em 2007, e 17% em 2010. Essa situação parece expressar um evidente impacto das reformas previdenciárias ocorridas na década de 1990, que estabeleceram que o trabalhador deveria ficar mais tempo na ativa, o que também pode ter gerado processos de retorno ao trabalho, considerando os baixos rendimentos pós-aposentadoria. A criação de mecanismos, como abonos dentro da carreira que tem incentivado a permanência na ativa de professores que já completaram seu tempo de aposentadoria, também pode estar articulada a essa mudança no perfil de idade dos docentes.

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Tabela 2. Distribuição percentual dos Professores da Educação Básica por idade

1997

2007

Survey

Menos de 17 anos

0,2

De 17 a 20 anos

1,9

3,3

5,7

De 21 a 25 anos

11,8

De 26 a 30 anos

17,7

12,6

12,1

De 31 a 35 anos

18,9

De 36 a 40 anos

17,4

35,3

32,4

De 41 a 45 anos

16,9

19

16,7

De 46 a 50 anos

10

14,7

15,5

De 51 a 55 anos

3,9

9,8

10,2

Mais de 56 anos

1,4

5,2

7,4

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007. Obs.: Valores em percentuais

A experiência profissional dos trabalhadores docentes também tem se ampliado, uma vez que em 1997, 14,6% dos docentes possuíam mais de 21 anos de experiência docente, já em 2007, mais de 25% da população docente se encontrava com esse nível de experiência. Do outro lado, de 1997 para 2007, o grupo de docentes menos experientes (com menos de cinco anos de trabalho docente) diminuiu de 27% para 17%. O grupo amostrado no survey tem números intermediários, uma vez que o grupo de menor experiência se assemelha aos de 1997, enquanto os de maior experiência são parecidos com o grupo equivalente em 2007. Tal variação, especialmente entre os menos experientes, pode ter relação com o fato de que na amostra do survey se trabalhou com docentes da educação infantil, profissionais estes que não estavam incluídos na amostra do SAEB tanto em 1997 quanto em 2007. De qualquer forma, aquele aumento de experiência está associada ao aumento da idade, como visto anteriormente, mas também pode estar articulada à necessidade em retornar ou permanecer mais tempo na ativa, e isso tem relação com o processo de adiamento da aposentadoria ou com os baixos proventos após a aposentadoria, ambos os fatores decorrentes das reformas previdenciárias.

24


Todavia, a experiência é um importante elemento na construção da qualidade educacional, pois tende a forjar melhores profissionais docentes. Isso pode representar mais condições de qualidade, de um lado pelo contato direto de alunos com profissionais que já acumularam uma trajetória que os qualificam para enfrentar desafios, por outro porque provoca um amadurecimento das ações pedagógicas, dado o teste do tempo pelo qual elas (por meio dos docentes) já passaram. Mas, esse quadro de aumento da experiência docente pode mostrar que temos profissionais com maior desgaste físico e emocional, uma vez que esses profissionais mais experientes não estão sendo recompensados, ou recebendo um tratamento diferençado em relação às condições de trabalho, considerando que já não tem a mesma idade.

Tabela 3. Distribuição percentual dos Professores da Educação Básica por experiência profissional

1997

2007

Survey

Menos de 01 ano

5,7

2,5

5,4

3,9

8,9

10,7

8,3

De 01 a 02 anos

21,9

De 03 a 05 anos De 06 a 10 anos

23,2

17,5

20

De 11 a 15 anos

19,7

23,1

16,5

De 16 a 20 anos

14,9

16,8

De 21 a 25 anos

9,4

Mais de 25 anos

5,2

Acima de 30 anos

25,5

36,8 4

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010 Obs.: Valores em percentuais

Perfil da formação dos docentes O desenvolvimento científico e tecnológico, de um lado, a pressão dos sindicatos de outro e as cobranças derivadas das reformas educacionais, tem gerado alterações na formação dos docentes. Isso tem conexão tanto

25


com as exigências da lei como ao necessário aperfeiçoamento e qualificação profissional, como também em relação aos planos de carreira docente que incorporam elementos como aumento no nível de formação para crescimento e melhor remuneração na carreira. Em especial, vê-se um aumento significativo de docentes com pós-graduação, pois estes representavam aproximadamente 12% da população docente em 1997 e quase 52% em 2010. No que tange à formação em nível superior também temos mudanças. Em 1997, eram 52% dos professores que possuíam ensino superior e esse número saltou para 87% em 2007 (e 84% em 2010). Dentre esses, em 2007, passou-se a 26% de docentes que concluíram o curso de pedagogia. De outro lado, o conjunto de profissionais leigos, aqui considerados aqueles que não concluíram o ensino fundamental ou médio, ou mesmo os que concluíram ensino médio geral, tem diminuído, uma vez que eram 11,3% em 1997 e passaram a ser 1,8% em 2007. Contudo, mesmo sendo um grupo pequeno, é preocupante que existam professores não habilitados minimamente atuando no ensino fundamental e médio6.

Tabela 4. Distribuição percentual dos Professores de Educação Básica por nível de formação

1997

2007

Survey

Nenhum

0,4

Ensino Fundamental - 4ª série

1,1

0,1

1,2

Ensino Fundamental - 8ª série

1,4

Ensino Médio - Magistério

36

11,3

Ensino Médio - Outros

8,4

1,7

14,8

O survey inquiriu também professores da educação infantil. Isso pode explicar a queda no número de professores com formação em nível superior, de um lado, e o aumento de profissionais com formação em nível médio, de outro. 6

26


Tabela 4. Continuação Superior - Licenciatura

1997

2007

44,3

43,9

Superior - Outros

13,2

Superior - Pedagogia

8,5

Superior - Normal Superior

26

Survey

84

3,9

Pós-Graduação

12,4

48,6

51,9

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Obs.: Valores em percentuais

Também se observa melhora nos indicadores da formação continuada. Porém, as questões que foram feitas aos docentes eram vagas e permitiam poucas inferências, pois apenas perguntam sobre a carga horária e sobre a utilização dos conhecimentos obtidos na prática profissional. De toda forma, tem-se um significativo crescimento do percentual de docentes que afirmam ter passado por programas de formação continuada nos últimos dois anos7. Os indicadores dessas questões mostram que, em 1997, 52% dos professores das escolas estaduais e 63% das municipais haviam passado por formação continuada. Esse percentual aumentou, em 2007, para 75% dos docentes estaduais e 85% dos municipais. Destaca-se que os docentes municipais sempre tiveram maior acesso à formação continuada do que os estaduais. Isso pode ter relação com o público para quem a formação continuada é ofertada, considerando que docentes com menor formação inicial e/ou com formação mais geral (magistério em nível médio e pedagogia), que atuam com crianças, estão em contato mais constante com esses programas de formação continuada. O poder público, por outro lado, também tende a investir mais na formação continuada mais geral, atingindo, assim, um público menos especializado, como são os docentes dos anos iniciais e da educação infantil. Por fim, ainda há a

A primeira questão sobre formação de continuava pedia ao professor para informar se ele tinha participado de alguma formação continuada nos últimos 2 anos (SAEB, 2007). 7

27


possibilidade da resistência que os professores mais especializados (das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio) têm em participar dessas atividades de formação continuada. O fato é que os professores municipais e das séries iniciais do ensino fundamental estão sempre participando mais dessas atividades do que os estaduais e das séries finais do ensino fundamental e do ensino médio. Contudo, quando cotejamos esses dados com os do survey vemos uma discrepância, pois os números apresentados na pesquisa foram piores que os de 1997. A pergunta feita no questionário do survey era um tanto diferente daquela do SAEB8, e mais detalhada e, por isso, é possível tal distorção. Ressalta-se que metade dos inquiridos pelo survey informaram que participaram de congressos, seminários ou colóquios na área da educação no último ano.

Tabela 5. Percentual de professores que participaram por programa de formação continuada nos dois anos anteriores Sim Não Total

1997 Estadual Municipal 52,4 63,2 47,6 36,8 100 100

2007 Estadual Municipal 75,5 85,1 24,5 14,9 100 100

Survey Estadual Municipal 51,3 54,1 48,7 45,9 100 100

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Obs.: Valores em percentuais

Perfil profissional dos trabalhadores docentes O salário é o aspecto que sempre mais se destaca na discussão profissional entre os docentes da educação básica. Para efeitos comparativos, incluiu-se aqui dados dos professores da educação privada, cujas escolas também foram avaliadas no SAEB, para se ter elementos

No questionário do SAEB a pergunta era: “Você participou de alguma atividade de formação continuada nos últimos dois anos?” e a pergunta do survey era: “Quais atividades, tarefas ou cursos de forma­ção continuada você participou no último ano? Congressos, seminários e colóquios de Educação?”. Na verdade, no questionário havia diversas questões sobre formação continuada. Esta, mencionada, pareceu ser a mais apropriada para a avaliação cotejada ao SAEB. 8

28


que permitissem dimensionar os possíveis efeitos das mudanças legais na carreira no serviço público, bastante lembrada na última década e meia, dado que há uma percepção relativamente comum sobre o fato de que os professores das escolas privadas têm salários mais elevados do que os das escolas públicas. O que se observa, mesmo com uma queda acentuada nos vencimentos dos professores da escola privada, é que aquela percepção se confirma nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio. Porém, em 1997, enquanto um professor da rede privada das séries iniciais recebia quase o dobro do seu colega da rede municipal, em 2007, este superou aquele em quase 15%, pois os professores municipais tiveram seus salários atualizados em quase 86%, enquanto os das escolas privadas tiveram perdas de mais de 15%. As quedas salariais dos professores da rede privada também são significativas nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio (10% e 25%), porém esses profissionais continuam com um rendimento melhor do que os seus colegas das redes públicas, cujos vencimentos não cresceram tanto quanto aqueles dos seus equivalentes nas séries iniciais. Registre-se, todavia, que houve uma diminuição da diferença salarial entre os profissionais de ambas as redes (pública e privada) também nessas etapas, uma vez que, nas séries finais do ensino fundamental, em 1997, um professor da escola privada ganhava 80% a mais que um professor da rede estadual e, em 2007, essa diferença era de 10%. No ensino médio isso também ocorre. Em 1997, o professor da escola privada ganhava 150% a mais que um professor da rede estadual. A diferença cai para 8% em 2007. Tais mudanças podem ter relação com um aumento da regulamentação sobre o trabalho docente na rede pública e, de outro lado, com o fato de que quase não houve aumento de matrículas na rede privada, mas houve um aumento significativo da competição no setor, com a abertura de muitas escolas privadas. Em resumo, o que se observa é: queda no salário médio dos professores das escolas privadas; aumento dos rendimentos dos professores estaduais; aumento significativo dos salários médios dos professores municipais. Esse movimento parece encontrar eco com o incremento da participação dos municípios na oferta do ensino fundamental no período, decorrente em especial da política de fundos (FUNDEF).

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Tabela 6. Salário Médio dos Docentes da Educação Básica por série e dependência administrativa, 1997/2007 Série

4ª Série EF

8ª Série EF

3º Ano EM

Total

1997

2007

Média Salarial

Média Salarial

Diferença percentual

Estadual

R$ 1.005,61

R$ 1.510,15

50,17

Municipal

R$ 826,68

R$ 1.535,50

85,74

Particular

R$ 1.598,56

R$ 1.347,31

-15,72

Total

R$ 1.080,18

R$ 1.476,51

36,69

Estadual

R$ 1.252,75

R$ 1.845,86

47,35

Municipal

R$ 1.159,43

R$ 1.888,43

62,88

Particular

R$ 2.270,73

R$ 2.035,42

-10,36

Total

R$ 1.516,38

R$ 1.918,26

26,50

Estadual

R$ 1.260,18

R$ 1.962,47

55,73

Municipal

R$ 1.386,99

R$ 1.780,41

28,36

Particular

R$ 3.148,27

R$ 2.338,64

-25,72

Total

R$ 2.043,65

R$ 2.112,99

3,39

Estadual

R$ 1.167,07

R$ 1.750,30

49,97

Municipal

R$ 980,87

R$ 1.678,75

71,15

Particular

R$ 2.421,29

R$ 1.837,92

-24,09

Total

R$ 1.500,41

R$ 1.756,79

17,09

DA

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007. Obs.: Valores corrigidos pelo INPC para o dia 01/maio/2010. Variação de 127,1527% de 1997 para 2010 e de 18,2117% de 2007 para 2010.

No que tange ao survey, a média salarial é menor do que a observada pelo SAEB, tanto em 2007 como mesmo em 1997 (com valores corrigidos). Isso decorre daquele fato de que aqui estão incluídos profissionais docentes da educação infantil, sendo que vários atuam na rede privada conveniada, nas quais, sabidamente, as condições de trabalho não são

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as mais adequadas, com especial destaque à ausência de planos de carreira e estabilidade no emprego.

Tabela 6.1. Salário Médio e Mediano dos Docentes da Educação Básica – TDEBB (survey) Valores Média Salarial

R$ 1.263,74

Mediana

R$ 1.162,50

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Obs.: Valores reais coletados em 2010.

As alterações salariais parecem ter conexão com a experiência profissional, na medida em que se observa um relativo achatamento salarial no alto da carreira, pois os profissionais mais experientes são os que, com o passar da década, menos tiveram seus ganhos atualizados. Os profissionais que atuam na educação há mais de 20 anos recebiam 28% a mais em 2007 do que em 1997. Mas, na outra ponta (os menos experientes), tiveram perto de 50% de ganhos. Mas, os professores são mais experientes em 2007 que em 1997, como demonstrado na tabela 3. Enquanto em 1997 pouco mais de 14% tinham mais de 20 anos de experiência, em 2007 esse grupo passava dos 25% e, na outra extremidade, em 1997, tinha-se 27,6% dos docentes com menos de cinco anos de experiência, sendo que em 2007, esse grupo caiu para 17%. Dessa forma, o que se observa é um crescimento do grupo de docentes com mais experiência e é justamente esse grupo que obteve ganhos menores. Como são profissionais melhor remunerados e, agora, compondo um grupo quantitativamente grande, o poder público tende a obstaculizar seus avanços salariais. Há, sim, ganhos em geral, mas se o grupo com menos experiência é menor quantitativamente, então é possível fazer com que ganhem mais e, com isso, não saiam da profissão e, ao mesmo tempo, tende-se a ter um gasto menor tendo em vista o achatamento no topo da estrutura salarial. Pode ser que esses movimentos venham a provocar maior homogeneização na carreira docente, na qual a experiência profissional deixa de ser um diferencial tão significativo. Os dados da pesquisa evidenciam que a diferença salarial constituída entre os últimos níveis e os iniciais se reduziu, sendo que, em 1997, um professor com mais de 25 anos de experiência ganhava

31


155% mais que um professor em início de carreira e essa diferença caiu para 125% em 2007. As médias salariais apresentadas pelo survey, todavia, mais uma vez ficam abaixo das médias apresentadas pelo SAEB. Novamente, nossa hipótese é que a composição da amostra do survey, sua diferença em relação à amostra do SAEB, pode ser explicativa deste fenômeno. De qualquer maneira, e talvez pela mesma razão (composição da amostra) chama atenção o fato de os maiores salários em 2007, pelo SAEB, eram 125% maiores que os menores salários, enquanto que no survey essa relação é maior, atingindo 171%.

Tabela 7. Salário Médio dos Docentes da Educação Básica Pública por experiência profissional

1997

2007

Diferença Percentual

Survey

Menos de 01 ano

R$ 599,68

R$ 898,41

49,81%

R$ 628,07

De 01 a 02 anos De 03 a 05 anos

R$ 1.167,93 R$ 872,27

R$ 822,43 54,50%

R$ 1.347,61

R$ 697,50

De 06 a 10 anos

R$ 1.008,56

R$ 1.527,30

51,43%

De 11 a 15 anos

R$ 1.144,85

R$ 1.751,90

53,02%

De 16 a 20 anos

R$ 1.281,14

R$ 1.841,74

43,76%

De 21 a 25 anos

R$ 1.580,98

Mais de 25 anos

R$ 1.526,47

Mais de 30 anos

R$ 1.149,82

R$ 1.511,83 R$ 2.021,42

27,86%

R$ 1.706,07

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Obs.: Valores corrigidos pelo INPC para o dia 01/maio/2010. Variação de 127, 1527% de 1997 para 2010 e de 18,2117% de 2007 para 2010. Dados do survey: valores reais coletados em 2010.

32


Tabela 8. Diferença entre o salário recebido pelos mais experientes e o recebido pelos menos experientes, Docentes Escola Básica Pública

1997

2007

Survey

Diferença

155%

125%

171%

Fonte: MEC/INEP, 1997 e 2007; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Demanda e oferta de trabalho docente na educação básica O movimento das matrículas contribui para se dimensionar a complexidade das decorrências das análises anteriormente apresentadas, pois se trata de um fator preponderante na ampliação dos empregos para professores no país e, consequentemente, nos gastos educacionais. Contudo, se de forma evidente o aumento de matrículas exige maior número de docentes, nem sempre o aumento da primeira tem como correspondente o aumento da segunda de forma consistente e suficiente para garantir boas condições de atendimento dos alunos e boas condições de trabalho para os professores. A educação infantil é a etapa que mais cresceu entre 1997 e 2007, ainda que esse seja um período marcado por políticas de priorização do ensino fundamental. Verificou-se um aumento de 354% na creche, mesmo que até 1996 (com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) essa etapa da educação infantil estava predominantemente no âmbito da ação social, portanto, provavelmente sem ser contabilizada no Censo Escolar. Ou seja, é possível que parte do atendimento que se realizava nas creches não fosse contabilizada nas matrículas dessa etapa. Já o ensino fundamental apresentou queda de 6% no período, o que pode ter relação com várias políticas de regularização do fluxo no período, como ações para adequação série-idade. Observa-se que tal decréscimo é contínuo nas séries iniciais; as séries finais têm ainda um saldo positivo no final da década. Ademais, há uma melhora progressiva na distribuição das matrículas na educação básica, pois em 1997, 75% delas estavam concentradas no ensino fundamental e, em 2007, os alunos desta etapa representavam 67,8%. Com isso, a educação infantil, a educação especial e o ensino médio passaram a ocupar mais espaço. Esse movimento implica em

33


queda proporcional no ensino fundamental e essa queda é acentuada mesmo nos anos iniciais do ensino fundamental, pois, em 1997, essa subetapa representava mais de 45% de todas as matrículas da educação básica, caindo para pouco mais de 37% em 2007. A distribuição dessas matrículas, no que se refere às dependências administrativas, apresenta movimentos contrários, pois enquanto a rede privada teve decréscimo no número de matrículas em torno de 5%, a rede pública cresceu 6%, sendo que é evidente o impacto das reformas educacionais pró-municipalização na educação básica, pois enquanto a rede estadual diminui 20%, a rede municipal incrementou suas matrículas em 43%, passando a responder por 47,1% do conjunto dos alunos da educação básica no Brasil, ao invés dos 34,5% dez anos antes.

Tabela 9: Matrículas na educação básica por etapa e subetapa, Brasil, 1997/2007. Etapa/ modalidade

1997

2007

N

%

N

%

% Cresc

Educação infantil

4.640.220

10,2

6.509.868

13,7

40,3

Creche

348.012

0,8

1.579.581

3,3

353,9

Pré-escola

4.292.208

9,4

4.930.287

10,4

14,9

Ensino fundamental

34.229.388

75

32.122.273

67,8

-6,2

Séries iniciais

20.568.128

45,1

17.782.368

37,6

-13,5

Séries finais

13.661.260

30

14.339.905

30,3

5

Ensino médio

6.405.057

14

8.369.369

17,7

30,7

Ensino especial

334.507

0,7

348.470

0,7

4,2

Total

45.609.172

100

47.349.980

100

3,8

Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar. Sinopse estatística 1997; 2007.

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Tabela 10: Matrículas na educação básica por dependência administrativa, Brasil, 1997/2007. Dependência Administrativa

1997

2007

% cresc.

Pública

39.529.203

42.002.940

6

Federal

165.416

96.246

-42

Estadual

23.489.883

18.805.282

-20

Municipal

15.759.292

22.572.126

43

Privada

6.194.581

5.876.326

-5

Fonte: INEP/MEC. Censo Escolar. Sinopse estatística 1997; 2007.

Para se analisar o quantitativo que compõe o “exército” de docentes da educação básica brasileira, temos que continuar tomando os dados do Censo Escolar. Todavia, esse censo vinha trabalhando até 2006, apenas com os quantitativos de funções docentes e não de professores propriamente. Como um mesmo professor pode assumir mais de uma função docente, ocorre que “ao se contar em cada escola o número de professores, obtém-se uma quantia que parece maior do que realmente é. Isso ocorre porque as estatísticas citam outras funções docentes” (Duarte, 1986). Assim, os números apresentados a seguir não podem ser plenamente comparados, pois representam fenômenos parecidos, mas diferentes. Em 1997, o país tinha quase 2 milhões e 500 mil funções docentes. E em 2007, aparentemente, um número menor, mas, na realidade, os 2 milhões e 200 mil encontrados na totalização dos dados se referem ao número real de professores da educação básica brasileira. Todavia, é possível analisar alguns indicadores. Há, como se pode prever, um domínio amplo dos (funções) docentes do ensino fundamental, que ocupam sempre mais de 60% da população de trabalhadores docentes no país, o que se relaciona, por óbvio, com a obrigatoriedade dessa etapa e com a universalização do acesso, justamente de 1997 para cá. Por outro lado, o número de docentes que atuam no ensino médio regular ou no ensino médio profissional passa pouco dos 20%. Considerando que essa etapa dura, em média, apenas um ano a menos (em tempo de estudo regulamentar) que os anos finais do ensino fundamental, então temos um desequilíbrio entre essas duas etapas, o que é condizente com a oferta educacional, como vimos na tabela 9, uma vez que as matrículas no ensino médio representavam em 2007, quase 18%, o que equivale ao número de docentes para essa etapa. E o mesmo ocorre nos anos

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finais do ensino fundamental, uma vez que os docentes e matrículas apresentam proporcionalmente números equivalentes (33% dos docentes atuam nessa etapa; 30% das matrículas da educação básica são dessa etapa). A discrepância, portanto, entre o número de docentes entre os anos finais do ensino fundamental e o ensino médio é decorrente, muito provavelmente, da não obrigatoriedade da etapa mais adiantada.

Tabela 11. Funções Docentes/Professores na Educação Básica, Brasil, 1997/2007

1997

2007

N

%

N

%

Creche

ND

95.643

4,3

Pré-Escola

223.962

9,1

240.543

10,8

Classe de Alfabetização

75.902

3,1

ND

EF Anos Iniciais

800.149

32,5

685.025

30,8

EF Anos Finais

872.326

35,4

736.502

33,1

Ensino Médio

352.894

14,3

414.555

18,7

Ensino Médio Profissionalizante

35.988

1,5

49.653

2,2

Educação Especial

ND

ND

EJA

102.122

4,1

ND

Total

2.463.343

100

2.221.921

100

Fonte: INEP/MEC Censo Escolar. Censo Escolar 1997; 2007. Nota: os números em 1997 representam funções docentes; em 2007, representam professores. ND = Não disponível.

Ao que parece, as condições de trabalho dos docentes da educação básica não são as mais adequadas, sendo que um importante demonstrativo disso é a relação do número de alunos por professor. A situação mais inadequada é encontrada na educação infantil. É certo que a falta de profissionais docentes na creche não quer dizer, necessariamente, que faltem adultos para o atendimento das crianças, mas que faltam professores, uma vez que na faixa etária entre 0 e 3 anos de idade tínhamos, em 2007, 16,5 alunos para cada professor, quando há um reconhecimento público de que esse número não deve ultrapassar

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a relação de cinco crianças para a faixa de até 1 ano, oito para a faixa de 1 a 2 anos e treze para a faixa de 2 a 3 anos, conforme estabelece, inclusive, o projeto de lei aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, que fixa um teto de alunos por turma (Substitutivo ao PL-597/2007, AP. 720/07). Na outra ponta se tem outra condição. Em 2000, o Brasil apresentava uma relação de 35,6 alunos por professor no ensino secundário, sendo que sete anos depois essa relação era de 18 alunos por professor.

Tabela 12. Relação Aluno/Docente na Educação Básica, Brasil – 2007

Docentes

Matrículas

Aluno/Docente

Creche

95.643

1.579.581

16,5

Pré-Escola

240.543

4.930.287

20,5

EF Anos Iniciais

685.025

17.782.368

26,0

EF Anos Finais

736.502

14.339.905

19,5

Ensino Médio

464.208

8.369.369

18,0

Fonte: INEP/MEC Censo Escolar. Censo Escolar, 2007. Nota: Os docentes do ensino médio regular e profissional foram somados nesta tabela.

A população de 0-3 anos no Brasil é de quase 11 milhões (IBGE, 2010), e como temos menos de 2,064 milhões de matrículas na creche, há uma enorme demanda reprimida nessa etapa educacional. Ainda que não se trabalhe com as exigências futuras do número de alunos por professor mencionadas anteriormente, e tomando-se a relação aluno/docente de 2007 para essa etapa, seriam necessários mais de 535 mil docentes para a etapa da creche. É certo que não há obrigatoriedade nesta faixa etária, mas supondo que a metade das crianças precisassem/desejassem (por meio das suas famílias) matricular-se na creche, precisaríamos ainda ampliar em mais de 2 vezes o número de docentes para tal atendimento. Isso quer dizer que, mesmo com a crescente oferta educacional, há um enorme espaço para ampliação da contratação e formação de quadros para atuação na docência na educação infantil/creche. Na pré-escola, as matrículas se aproximam dos 4,7 milhões, mas a população da faixa etária passa dos 5,8 milhões (IBGE, 2010). É preciso, portanto, ampliar o atendimento na pré-escola para 1 milhão e 100 mil crianças, para se dar conta das exigências da Emenda Constitucional

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59/09 que torna essa etapa obrigatória. Tomando a relação aluno/docente na pré-escola em 2007, a demanda por professores aumenta em mais de 22%, exigindo a contratação de mais 53 mil novos docentes. No ensino médio, a situação é equivalente. Há no Brasil uma população em idade para o ensino médio (15/17 anos) de 10,3 milhões (IBGE, 2010), com matrículas totais de 8,3 milhões, sendo que os alunos da faixa etária dos 15 aos 17 totalizam 4,7 milhões (MEC/INEP, 2009). Isso quer dizer que menos da metade da população em idade adequada está no ensino médio. Todavia, os adolescentes com essa faixa etária que ainda estão no ensino fundamental somam pouco mais 4 milhões (MEC/ INEP, 2009), o que significa que temos um contingente pouco superior a 1 milhão de adolescentes entre os 15 e os 17 anos que não estão na escola. Tomando por base a relação aluno/professor do ensino médio em 2007 (18 alunos por professor), seriam necessários aproximadamente mais 55 mil professores no ensino médio para atender essa demanda. Todavia, esse número precisaria ser maior se todos aqueles com mais do que 14 anos de idade que ainda estão no ensino fundamental estivessem já no ensino médio. Em contrapartida, potencialmente poderíamos ter menos postos de trabalho para os docentes do ensino fundamental. Mas, há um universo muito grande de pessoas, maiores de 17/18 anos de idade, que concluíram o ensino fundamental, mas não o ensino médio. Garantir acesso a todos eles, representa ampliar enormemente o quadro de docentes para essa etapa da educação básica. É certo que parte deste contingente constitui-se de público para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), modalidade que pode ter outra relação quantitativa aluno/docente, mas mesmo assim, a pressão pelo aumento de professores nesta etapa é grande. Este movimento das matrículas, cotejado ao universo de docentes no Brasil permite afirmar que o país estará, em horizonte próximo, frente ao desafio de ter de formar/contratar mais de 330 mil docentes para universalizar o acesso a toda educação básica regular, cumprindo as exigências da emenda 59/09 e da proposição (até agora prevista) do Plano Nacional de Educação – PNE (PL 8035/2010). Mas, esse contingente tende a ser maior, pois há ainda a necessária ampliação do atendimento das modalidades educação especial e EJA, bem como do incremento da qualidade educacional, o que implica em reduzir a relação quantitativa aluno/docente, ampliar a jornada escolar (também prevista na proposta de PNE), diversificar a oferta de novos conhecimentos/áreas na formação humana, na existência de suporte de substituição para o afastamento de

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professores para a formação continuada, e na constituição/ampliação da hora-atividade prevista na Lei nº 11.738/08.

Considerações finais A pressão por educação no Brasil tem crescido exponencialmente, o que pode ser reflexo de um processo de conscientização da população em favor dos seus direitos, contudo, isso ainda é muito recente, uma vez que universalizamos o acesso ao ensino fundamental há apenas uma década ou um pouco mais. E como na educação infantil e no ensino médio há muitas pessoas não atendidas, sem mencionar os atendimentos especializados nas distintas modalidades da educação especial e EJA, a pressão tende a continuar crescendo. Isso resulta que, para universalizar o acesso à pré-escola e ao ensino médio, como prevê a Emenda Constitucional nº 59 de 11 de novembro de 2009, serão necessários mais de 110 mil novos professores. E, para ampliar a taxa de atendimento na creche dos atuais 19% para 50%, precisaremos de mais outros 220 mil trabalhadores docentes. O necessário esforço na ampliação da cobertura escolar em todos os níveis e etapas, somado ao incremento das necessárias condições de qualidade, resulta realmente em uma demanda quantitativa elevada por docentes. Essa pressão é também por dinheiro, ou melhor, é, antes de tudo, por recursos financeiros, pois eles materializam as condições para a política operar. Contudo, não parece que o investimento em educação venha crescendo na mesma proporção do incremento das demandas mencionadas de alunos, professores e escolas. Ainda que não precisasse ser assim, ocorre que, com a ampliação quantitativa da profissão docente, tem-se visto uma queda nas condições materiais e de trabalho dos docentes. Nesta investigação não foi possível constatar todos aqueles achados que Tenti Fanfani (2007) apontou. Assim, não foi encontrada confirmação para a crescente heterogeneidade do trabalho docente, mas é possível esperar que ela ocorra, uma vez que a diversidade e a riqueza do desenvolvimento científico-cultural também pressionam pelo aumento não só de postos de trabalho como pela constituição de novas funções e/ou novas categorias de trabalho dentro da profissão docente. Assim, é possível que esse astronômico crescimento quantitativo se traduza, dentre outros aspectos, na diversificação e especialização dentro do trabalho docente. Mas convém reforçar que não foi possível identificar

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o surgimento de “novos saberes e trabalhos relacionados com a tarefa educativa” (Tenti Fanfani, 2007: 22), considerando os limites das bases de dados com as quais este trabalho lidou. Esses dados, por outro lado, mostraram aspectos divergentes daqueles apontados pelo autor, uma vez que não só não se tem ampliado como, ao contrário, há uma diminuição dos graus de desigualdade entre os docentes no Brasil. Isso pode ter conexão com a mudança no perfil do docente, em um efeito de “achatamento” da escala salarial e ampliação da experiência profissional e da idade dos docentes, como destacado. Ou seja, se há positividade na maior equalização entre os docentes, ela tem se dado pelo sacrifício dos mais experientes em detrimento de maior investimento educacional. Ainda é importante destacar que alguns dos efeitos das reformas (educacionais e gerais), levadas a cabo nos anos de 1990, fizeram com que os professores permanecessem mais tempo na ativa, ou que retornassem à ativa depois de aposentados, mas com salários menores que aqueles que recebiam os profissionais mais experientes de outrora. Isso diminui momentaneamente a questão do recrutamento de novos profissionais, porém, o cenário de necessidade de expansão da oferta e de melhoria das condições de trabalho, especialmente pela diminuição da relação professor/aluno na educação básica, faz com que esse cenário de envelhecimento dos docentes possa sofrer alterações. Com essas considerações, este texto conclui que seu escopo de dar matizes mais claros e evidentes acerca da realidade profissional na qual se insere esses trabalhadores docentes, soma-se ao desafio que tem o país em conhecer-lhes melhor, de maneira a se ter mais informações e dados que subsidiem a constituição de políticas mais adequadas à realidade educacional e em favor da valorização deste profissional muito reconhecido no discurso e pouco na ação efetiva do Estado e da sociedade.

Referências bibliográficas BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lei Federal 9.394/96. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/ l9394.htm, acessado em dezembro de 2009. BRASIL. Piso Salarial Profissional Nacional. Lei Federal 11.783/08. Disponível em http://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/ L11738.htm, acessado em junho de 2010.

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BRASIL. Câmara dos Deputados. Substitutivo ao PL 597/07. Disponível em http://www.camara.gov.br/sileg/integras/482679.pdf. Projeto de Lei 8.035/2010, estabelece o Plano Nacional de Educação 2011/2020. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetra mitacao?idProposicao=490116Acessado em maio/2012. BRASIL. Senado Federal. Emenda Constitucional 59/09. DUARTE, S. G. Dicionário Brasileiro de Educação. Rio de Janeiro: Edições Antares: Nobel, 1986. IBGE. Censo Demográfico de 2010. Disponível em http://www.ibge.gov.br/ home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_da_populacao/ caracteristicas_da_populacao_tab_brasil_zip_xls.shtm Acessado em maio de 2012. MEC/INEP. Censo Escolar. Sinopse Estatística, 1997. MEC/INEP. Censo Escolar. Sinopse Estatística, 2007. MEC/INEP. SAEB. Microdados, 1997. MEC/INEP. SAEB. Microdados, 2007. MORDUCHOWICZ, A. Carreiras, Incentivos e Estruturas salariais docentes. Preal: julho de 2003, disponível em http://www.oei.es/docentes/ articulos/ carreras_incentivos_estructuras_salariales_docentes_morduchowicz_portugues.pdf. Acessado em maio de 2011. OLIVEIRA, D. A. A reestruturação do trabalho docente: precarização e flexibilização. Educação e Sociedade. Campinas, vol. 25, n. 89, p. 1127-1144, set./dez. 2004. OLIVEIRA, D. A. e VIEIRA, L. M. F. Trabalho docente na educação básica no Brasil: resultados de pesquisa. Belo Horizonte: GESTRADO/UFMG, 2010. Disponível em www.trabalhodocente.net.br TENTI FANFANI, E. La condición docente: análisis comparado de la Argentina, Brasil, Perú y Uruguay. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2007.

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Capítulo 2

Perfil do docente da educação básica no Brasil: uma análise a partir dos dados da PNAD Danielle Cireno Fernandes Carlos Alexandre Soares da Silva

Introdução A intenção deste estudo é a de traçar um perfil do sujeito docente no Brasil, buscando contribuir para uma melhor compreensão dos dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil (TDEBB), que é o foco principal deste livro. O estudo utiliza os dados da Pesquisa Nacional Por Amostra Domiciliar – PNAD, produzida pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística – IBGE, dos anos de 1981 a 2009. Serão exploradas as transformações ocorridas no perfil do docente da educação básica brasileira durante 28 (vinte e oito anos). A principal intenção é exatamente a de observar as transformações ocorridas com os indivíduos que compõem o grupo dos sujeitos docentes. Para tanto, duas linhas principais serão desenvolvidas na exposição dos dados. Uma primeira, que descreve os indivíduos que compõem esse grupo sob o ponto de vista de seus atributos sociais, e uma segunda, que descreve esses indivíduos a partir de sua situação no mercado de trabalho. Fica evidente que, embora as características dos indivíduos estejam separadas em duas linhas de detalhamento, estas, conjuntamente, fundamentam as representações sociais desses sujeitos. Este trabalho está dividido em três seções além desta introdução. A primeira, que descreve os indivíduos que compõem esse grupo sob o ponto de vista de seus atributos sociais: posição no domicílio, raça/cor autodeclarada, sexo e idade, a segunda, que descreve esses indivíduos

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a partir de sua situação no mercado de trabalho: número de trabalhos, horas trabalhadas e anos de estudo e, finalmente, a conclusão.

Hipóteses da Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil Três hipóteses nortearam a pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil como consequência da hipótese principal, que supõe a emergência de nova divisão técnica do trabalho na escola: ampliação das tarefas, funções e responsabilidades dos docentes; ampliação da jornada de trabalho real sem o reconhecimento formal; intensificação e autointensificação do trabalho docente. Tendo como referência tais hipóteses, um dos objetivos da pesquisa foi o de analisar os efeitos das mudanças trazidas por uma nova regulação educativa na constituição das identidades e dos perfis dos profissionais da educação básica. Para tanto, buscou-se traçar o perfil socioeconômico e cultural dos docentes em exercício. Considera-se que a emergência de uma nova divisão técnica do trabalho na escola também deve ser entendida como uma consequência do modelo econômico brasileiro no contexto do processo de globalização com as características observadas a partir da década de 1990. O contexto em que a reestruturação produtiva desembarcou no país e para o qual contribui em sua manutenção é caracterizado por um grande excedente de mão de obra, resultante de fatores estruturais, dentre eles o longo período de estagnação econômica e o “novo modelo econômico de inserção internacional desfavorável ao emprego nacional” (Pochmann, 2001), concretizando as mudanças nas estruturas econômicas, políticas e sociais. O agravamento da exclusão a que o novo formato produtivo submete a sociedade é avalizado por um discurso que debita na falta de qualificação ou na falta de “renovação” do indivíduo o principal motivo de sua situação de excluído, ao mesmo tempo que se desenvolve um mercado de trabalho cada vez mais segmentado. Nesse processo, os contextos de trabalho moldam os espaços de realização produtiva e as posições disponíveis para serem ocupadas como consequência dessa reestruturação excludente. O impacto desse processo sobre o espaço da escola não constituiu uma exceção principalmente no que se refere à organização e gestão escolar e suas consequências para a formação e carreira docente.

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As consequências são também relacionadas à precarização nas condições de trabalho do sujeito docente no Brasil. Para Alves (2007), no Brasil, a experiência da precarização do trabalho é resultado da síndrome objetiva da insegurança de classe (insegurança de emprego, de representação, de contrato), que emerge como numa textura histórica específica – a temporalidade neoliberal. Ela é elemento compositivo do novo metabolismo social que emerge a partir da constituição do Estado neoliberal. Possui como base objetiva, a intensificação (e a ampliação) da exploração (e a espoliação) da força de trabalho e o desmonte de coletivos de trabalho e de resistência sindical-corporativa; além, é claro, da fragmentação social nas cidades, em virtude do crescimento exacerbado do desemprego total e a deriva pessoal no tocante a perspectivas de carreira e de trabalho devido à ampliação de um precário mercado de trabalho. De acordo com Mészáros (2002), estamos diante de um ataque à classe dos trabalhadores em todo o mundo que se revela, de um lado, no desemprego crônico em todos os campos de atividade, disfarçados como práticas trabalhistas flexíveis (eufemismo para a política de precarização da força de trabalho) e para a máxima exploração administrável do trabalho em tempo parcial, e, de outro, numa redução significativa do padrão de vida até mesmo dos trabalhadores em ocupações de tempo integral. Acreditamos que a precarização pode ser observada também a partir do que os economistas chamam de mismatch – a incompatibilidade entre a escolaridade dos trabalhadores e a educação requerida para o exercício das funções ou ocupações nas quais estes estejam empregados. É importante observar que em paralelo à precarização de postos de trabalho, o Brasil tem vivenciado a expansão nos últimos níveis da estrutura educacional, paralelo a um aumento no acesso a todos os níveis educacionais por estratos sociais tradicionalmente excluídos, significando mais pessoas com formação profissional de nível superior. O resultado dessa equação é claro: cada vez mais ocupações de nível médio têm sido ocupadas por profissionais de nível superior (Machado & Hermeto, 2004). O maior exemplo disso ocorre entre os operadores de telemarketing. Venco (2006), a partir da análise de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD identificou que a maior parte dos operadores de telemarketing declarou frequentar um curso universitário. Um típico exemplo de precarização por sobrequalificação, em que o trabalhador possui uma qualificação bem superior à exigida para executar as tarefas requeridas na ocupação em que se encontra, tendo a principal consequência na disfunção salarial em relação à pro-

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dutividade do trabalhador. Vários estudos têm validado resultados que apontam a existência desse fenômeno em outras sociedades, e o setor educacional não é uma exceção (Alba-Ramirez, 1993; Galasi, 2008; Brynin and Longhi, 2009). No tocante à profissão e à condição docente, o conceito de precarização toma a conotação de um círculo vicioso. Ao mesmo tempo em que o sujeito docente teve sua condição de trabalho precarizada, como parte da reestruturação da escola no novo modelo de organização econômica, em especial nas últimas décadas do século passado (Paiva et al., 1998), a própria situação de trabalhador escolar precarizado traz graves comprometimentos para a organização do ensino. Para Sampaio e Marin (2004), a precarização do trabalhador escolar acarreta graves consequências na estruturação e nas práticas curriculares. Assim, uma análise da precarização do processo de trabalho dos professores com relação às condições de trabalho precisa ser percebida a partir de diferentes partes que o caracterizam. Neste estudo enfatizaremos a escolaridade dos professores e a carga horária de trabalho/de ensino.

Descrição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) foi criada progressivamente, a partir de 1967, com periodicidade trimestral, até o 1º trimestre de 1970; a partir de 1971, os levantamentos passaram a ser anuais com realização no último trimestre de cada ano, exceto nos anos censitários: 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. É um questionário extenso básico aplicado à amostra de domicílios, com informações específicas sobre características pessoais de migração, educação, vários dados do domicílio, fecundidade, nupcialidade, trabalho e renda de todos os membros da família. A cada ano um questionário suplementar é aplicado cobrindo diversos temas. É uma base de dados derivadas de amostras estratificadas por conglomerados selecionados em estágios múltiplos. A sua abrangência é de todo o Brasil, exceto uma pequena parte da área rural da Região Norte. Os arquivos de microdados com informações dos domicílios e das pessoas estão disponíveis no IBGE, de 1976 até 2009.

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Perfil do Sujeito Docente da Educação Básica: atributos sociais Nesta seção será apresentada uma descrição do perfil dos indivíduos que compõem o grupo dos sujeitos docentes da educação básica no Brasil sob o ponto de vista de seus atributos sociais: posição no domicílio, raça/ cor autodeclarada, sexo e idade. A profissão docente é predominantemente feminina, conforme já foi constatado em vários estudos e os dados analisados corroboram essa constatação. Como pode ser observado no Gráfico 1, mais de 80% dos entrevistados em cada um dos anos durante o período analisado que disseram ser professores são do sexo feminino. Embora ainda seja grande a diferença entre os sexos, percebe-se uma tendência de declínio na proporção de mulheres e, consequentemente, de aumento de docentes do sexo masculino a partir do início da década de 1990. Gráfico 1

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

A PNAD trabalha com a autodeclaração no que se refere a Raça/ Cor, são dadas opções nas quais os respondentes devem se reconhecer: indígena, branca, preta, pardo, amarelo (asiático). Por tradição das pesquisas em estratificação, costuma-se reunir essas categorias em dois grandes grupos: brancos, composto por brancos e amarelos; e não brancos, composto pelos demais (indígena, preto, pardo). Seguindo essa divisão, observamos que a proporção de brancos é maior que a de não brancos, com uma tendência ao declínio para os

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primeiros. A diferença entre as proporções, que era de quase 50% no primeiro ano de análise, reduziu-se para menos de 20%. É importante lembrar, entretanto, que o discurso e as práticas liberais têm sido insuficientes para evitar que atributos adscritos, como o sexo e a raça, sejam utilizados como critérios de estratificação social (Fernandes, 2005; Helal, 2007). Essa é, também, a posição defendida por Rawls (2002), que rediscute o ideal meritocrático, destacando suas limitações e trazendo seu significado ao contexto histórico, ao se referir aos usos e aos fins que a sociedade atribui às diferenças, inatas ou sociais. O princípio da diferença, nesse sentido, é tido como algo próprio da estrutura da sociedade. O principal desafio, ao se discutir as ações afirmativas, seja na ocupação de postos de trabalho ou no acesso à educação, consiste exatamente em vencer a estrutura da sociedade e decidir quem são os desfavorecidos. Um ponto importante para se levar em consideração em uma investigação futura é entender quais motivações levam a que mais indivíduos que se declaram negros estarem ocupando cada vez espaço como sujeitos docentes na educação básica. Seria isso um reflexo da expansão ao acesso ao ensino superior por esse grupo e, então, todas as outras ocupações estariam sofrendo o mesmo fenômeno na mesma proporção? Alternativamente haveria uma especificidade do campo da Pedagogia? Gráfico 2

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

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O Gráfico 3 abaixo mostra o comportamento das curvas referentes aos quartiis e média de idade para os docentes. Gráfico 3

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

Ao analisá-lo, percebemos um aumento dessas medidas de posição. O primeiro quartil, o qual delimita os 25% dos docentes mais jovens, demonstra certa tendência a maior representação a partir da década de 1990, principalmente, e decaindo nos anos mais recentes. Já o terceiro quartil, onde se localizam os docentes mais velhos da distribuição, tem sofrido um aumento significativo na participação da categoria. Ou seja, está havendo uma tendência ao envelhecimento, na qual a média da idade atinge cerca de 40 anos nos anos mais recentes de 2005 a 2009, respectivamente. A média de idade dos docentes aumentou quase 15 anos no período analisado.

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Gráfico 4

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

Ao observarmos a distribuição da idade por sexo do docente, podemos perceber, no Gráfico 4, um aumento da média de idade para os docentes do sexo feminino. A curva dos homens apresenta flutuações, mas não deixa muito clara uma tendência. Para as mulheres a inclinação é maior, de 1981 até 2009 temos um aumento da média em 5,91 anos. Ressalta-se também que, no inicio da série, a média de idade dos docentes do sexo masculino era maior que a das mulheres, entretanto, nos anos de 1990, mais especificamente entre 1993 e 1995, há uma mudança nesse padrão e as mulheres passam a ter as maiores médias de idade. No final da série analisada, há uma queda mais acentuada na média e que é maior para os homens.

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Gráfico 5

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

A distribuição dos docentes do sexo masculino por faixa etária, representada no Gráfico 5, mostra que a maioria dos docentes tem até 44 anos, soma das proporções das linhas vermelha e azul. Os dados apresentam uma tendência (linha pontilhada) decrescente da proporção dos mais jovens (até 29 anos), uma suave inclinação crescente para os docentes de 30 a 44 anos e uma inclinação positiva mais acentuada para os docentes mais velhos. Entre 1981 e 1984, a faixa etária com até 29 anos é maioria, e deste ano até 1987, os docentes entre 30 a 44 anos são maioria, mantendo-se assim até 1993 (com exceção de 1990, quando os jovens são a maioria). De 1995 até 2000, há uma mudança: os mais jovens voltam a ser maioria com a proporção maior que 40% nesse período. De 2002 para 2003, a curva para a faixa etária de 30 a 44 anos começa a ter uma ascendência que se mantém até 2004, ao mesmo tempo em que a proporção de jovens cai. De 2007 para 2008, a proporção de jovens volta a crescer. A linha que representa a proporção dos docentes na faixa etária de 45 ou mais mantém uma crescente durante o período analisado. Aparentemente, os docentes mais jovens do sexo masculino, com idade até 29 anos, são mais bem representados nos períodos em que o Brasil enfrentou uma forte recessão econômica, de 1992 a 2001. Por outro lado, analisando o comportamento da reta para os docentes mais jovens, observa-se uma queda da proporção destes de 1981 para 1982 e, depois, uma estabilidade até 1986. De 1987 até 1995 há uma

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oscilação, uma queda de 8,1% entre 1987 e 1989, e um crescimento de 7,9% de 1992 até 1995. Deste ano em diante há certa estabilidade na proporção de docentes dessa faixa etária. Em 2000, tínhamos 42,5% dos docentes com até 29 anos, em 2004 cai para 29,1%. Destacamos que entre 2002 e 2003 há uma queda de 8,4%. Gráfico 6

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

As curvas para os docentes do sexo feminino, representadas no Gráfico 6, são mais acentuadas se comparadas com as do sexo masculino, permitindo-nos ver uma tendência mais clara. A proporção de docentes na faixa etária de 30 a 44 anos é a maior em quase todo o período analisado, acompanhada de perto da proporção das docentes com até 29 anos, até o ano de 1990. Deste ano em diante, a proporção das docentes mais jovens, que era de 42,6%, apresenta uma queda constante até 2006, atingindo 19,6%. Entre 2002 e 2003, a proporção das docentes na faixa etária de 45 ou mais ultrapassa a proporção das mais jovens. De 2006 a 2009, a proporção das docentes mais jovens volta a crescer na mesma medida que a proporção da faixa de 45 ou mais apresenta uma queda. Ao compararmos as curvas para os docentes do sexo masculino e para o feminino observamos um envelhecimento dos dois grupos devido à queda na proporção dos jovens, aumento/manutenção dos docentes intermediários e o aumento significativo dos docentes com mais de 45 anos. Os dados mostram que esse processo é mais acentuado para as

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docentes (sexo feminino) em que a proporção da faixa etária mais elevada ultrapassa a proporção das mais jovens. A PNAD apresenta uma questão ao respondente sobre a condição no domicilio na qual as possibilidades de resposta são como chefe (que depois vem a ser pessoa de referência), cônjuge, filho, outro parente, agregado, pensionista. Para a análise, reunimos as categorias “outro parente”, “agregado”, “pensionista” na categoria “outros”. Essa variável é de extrema importância para se entender a questão da situação socioeconômica dos docentes, pois ela revela qual é a maneira pela qual estes estão posicionados na lógica socioeconômica intrafamiliar. O chefe, ou pessoa de referencia, é sempre indicado como a pessoa dentro do domicílio que possuía, não apenas a autoridade, mas também a maior responsabilidade econômica. Gráfico 7

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

As docentes se encontram, na maioria dos casos, na condição de cônjuges, tendência que se apresenta constante ao longo da série analisada. A proporção de docentes que estão na condição de filhos apresenta uma queda de quase 10% entre 1981 e 2009, muito provavelmente associada à queda da participação dos docentes mais jovens nas coortes mais recentes. Vale destacar o crescimento das docentes na condição de pessoa de referência no domicílio: o aumento é de 15% na série analisada, sendo esse crescimento acentuadamente maior nos últimos 10 anos. Em 2009, a proporção destes docentes que se encontravam na posição de chefe domicílio atingiu 25%.

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Gráfico 8

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

A maioria dos docentes do sexo masculino está na condição de pessoas de referência no domicilio em que mora, entretanto, aparece com uma tendência de leve declínio. A proporção destes varia entre 65% e 59%. A segunda maior proporção é a de docentes na condição de filho, uma tendência constante na série que está em torno de 30%. Vale ressaltar o crescimento dos docentes na condição de cônjuge.

Perfil do Sujeito Docente da Educação Básica: situação no mercado de trabalho Nesta seção será apresentada uma descrição do perfil dos indivíduos que compõem esse grupo do sujeito docente da educação básica no Brasil sob o ponto de vista de sua situação no mercado de trabalho: posição no domicílio, raça/cor autodeclarada, sexo e idade. Observando o Gráfico 9, percebemos que o aumento dos anos de escolaridade dos docentes da educação básica no Brasil foi expressivo. Entretanto, há que se fazer uma consideração sobre o grande salto demonstrado entre os anos de 1990 e 1992.

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Gráfico 9

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

Essa diferença de quase dois anos na média pode ser explicada pela diferença na metodologia de mensuração dessa variável. Até o ano de 1990, as categorias para essa variável continham uma opção de 12 anos ou mais de estudo. De 1992 em diante, essa opção foi modificada e as categorias passaram a ter opções de 0 a até 16 anos de estudo, em que 15 anos de estudo significa a conclusão de curso de bacharelado e/ ou licenciatura. Sendo assim, é prudente analisar essas transformações a partir do ano de 1992. Percebe-se um aumento na média educacional de quase 12 anos em 1992 e chegando a quase 14 anos em 2009. Importante ressaltar que, muito embora a proporção dos docentes com maior nível de escolaridade, o terceiro quartil, 100% indicaram possuir 15 anos de escolaridade, há indicativos de que boa parte destes possua pós-graduação, mas não aparece nessa variável. A distribuição dos anos de escolaridade por etapa de atendimento: pré-escola, fundamental 1, fundamental 2 e ensino médio revela uma quadro muito interessante. Como pode ser visto no Gráfico 10, a média educacional dos docentes vinculados a qualquer uma das etapas representava a conclusão do nível superior. Isso se torna uma realidade em anos recentes, principalmente a partir de 2002, seis anos após das exigências da LDB se tornarem obrigatórias.

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Gráfico 10

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

O Gráfico 10 nos oferece a leitura da distribuição da média educacional dos docentes que possuem os mais altos níveis de escolarização por etapa de ensino. Como pode ser visto, 100% dos docentes vinculados ao Ensino Médio possuíam nível superior a partir de 1993. O mesmo ocorre com os docentes vinculados ao ensino Fundamental 2. As curvas são tão semelhantes que uma encobre a outra. Para os docentes que declaram estarem trabalhando no Ensino Fundamental 1, essa realidade só se torna aparente a partir do ano de 2002. É com os docentes que estão vinculados à Pré-Escola que isso acontece de forma mais gradativa e, mesmos assim, não atingindo a universalidade dos mesmos. Gráfico 11

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

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Gráfico 12

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

A análise da informação sobre a quantidade de horas trabalhadas na semana de referência nos leva a perceber que os docentes sofreram uma elevação no número de horas trabalhada. A pergunta no questionário da PNAD solicita que o respondente diga quantas horas trabalha por semana no trabalho principal e não na soma de todos os trabalhos. O gráfico acima mostra o número de horas trabalhadas pelos docentes durante o período analisado. Podemos perceber que os docentes têm aumentado em média o número de horas de trabalho semanais em 3,67 horas. No Gráfico 13, quando separamos por etapa de ensino, podemos perceber que os docentes da Pré-Escola aumentaram, em média, 5 horas de trabalho por semana o período analisado. Quando analisamos a mediana, a quantidade de horas que mais se destaca entre os respondentes, esse aumento está por volta de 10 horas (olhando para a linha de tendência, a pontilhada). Esse aumento é bem maior que a média dos docentes vinculados às outras três etapas da educação básica. Ainda observando os docentes vinculados a essa etapa, observa-se que a partir de do ano de 2000 os docentes que declararam ter trabalhado mais na semana, o 3° quartil, trabalhavam mais de 40 horas semanais. Resta lembrar que isso representa um quarto de todos os docentes da educação básica do país.

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Gráfico 13

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

Os docentes do ensino Fundamental 1, representados no Gráfico 14, também apresentaram um aumento significativo na média horas trabalhadas por semana. O aumento foi de quase 10 horas se olhamos a linha de tendência para a média (pontilhada azul). A mediana indica o valor de horas trabalhadas por metade dos respondentes, essa medida também tem um aumento expressivo, ultrapassando 10 horas quando observamos a linha de tendência (pontilhada vermelha). Destaca-se o aumento ocorrido de 2001 para 2002, em que o aumento é de 5 horas. Gráfico 14

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

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Os valores para a etapa Ensino Médio, representados no Gráfico 15, são os que mais oscilam. A mediana não apresenta uma tendência muito clara, mas podemos perceber um aumento grande, em torno de 10 horas trabalhadas por semana no período entre de 2008 para 2009. A média é pouco inclinada indicando um aumento pequeno ao longo do período analisado. Por outro lado, entre 2008 para 2009, a mediana se iguala ao terceiro quartil indicando que metade dos docentes trabalha mais de 40 horas por semana. Destaca-se ainda que os valores para os docentes dessa etapa são os maiores, se comparados com os demais. Gráfico 15 Horas trabalhadas por semana - Docentes do Ensino Médio

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

De acordo com os dados do Gráfico 16, podemos perceber que mais de 80% dos docentes tem apenas um trabalho. Essa proporção tem diminuído. Ao longo do período analisado, a proporção caiu cerca de 5%. Nota-se também uma tendência mais acentuada para o crescimento do acúmulo de três ou mais empregos do que apenas dois.

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Gráfico 16

Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 1981-2009. Cálculo dos autores.

Conclusão As informações analisadas permitem considerar que a emergência de uma nova divisão técnica do trabalho na escola está, de fato, fortemente associada a uma precarização da situação no mercado de trabalho do docente da educação básica no Brasil, se considerar, sobretudo, a carga horária de trabalho. O primeiro ponto que salta aos olhos é um envelhecimento dos profissionais. Esse envelhecimento, entretanto, pode ser apenas reflexo de uma tendência geral que tem ocorrido na população brasileira. Por outro lado, as análises acima apontam que esse envelhecimento se dá de forma diferente para homens e mulheres docentes. Homens mais jovens procuram a profissão docente em momentos de crise econômica e abandona-a depois, ficando para as mulheres docentes e mais velhas o legado da categoria. Também constatamos, em período recente, o aumento das mulheres docentes na posição de chefe do domicílio. A situação mais denunciadora da precarização da situação de trabalho do sujeito docente em anos recentes se dá no aumento das horas semanais trabalhadas. Os docentes situados no terceiro quartil da distribuição reportaram trabalhar mais de 40 das horas semanais. Tal situação fica mais evidente quando separamos os docentes por etapa de ensino. No Gráfico 13, podemos perceber que os docentes da Pré-Escola

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aumentaram, em média, 5 horas de trabalho por semana o período analisado. Quando analisamos a mediana, a quantidade de horas que mais se destaca entre os respondentes, esse aumento está por volta de 10 horas (olhando para a linha de tendência, a pontilhada). Esse aumento é bem maior que a média dos docentes vinculados às outras três etapas da educação básica. Ainda observando os docentes vinculados a essa etapa, verifica-se que, a partir de do ano de 2000, os docentes que declararam ter trabalhado mais na semana, o 3° quartil, trabalhavam mais de 40 horas semanais. Ou seja, os/as professores/as da Educação Infantil foram os/as que mais apresentaram aumento nos anos de escolarização (Brynin & Longhi, 2009; Galasi, 2008), e são os/as que combinaram esse ganho com mais horas trabalhadas.

Referências bibliográficas ALBA-RAMÍREZ, A. Mismatch in the Spanish labor market: overeducation? Journal of Human Resources, Vol. 28, Nº 2, 1993, p. 259-278. ALVES, G. Dimensões da reestruturação produtiva. Londrina: Práxis, 2007. BRYNIN, M.; LONGHI, S. Overqualification: major or minor mismatch? Economics of Education Review, Vol. 28, Issue 2, 2009, p. 114-121. FERNANDES, D. C. Estratificação Educacional, Origem Socioeconômica e Raça No Brasil: as Barreiras da Cor. In: Instituto de Pesquisas Sociais Aplicadas. (Org.). Prêmio IPEA 40 Anos. Brasília: IPEA, 2005, p. 21-72. GALASI, P. The effect of educational mismatch on wages for 25 countries. Budapest Working Papers on the Labour Market nº 0808, Institute if Economics, Hungarian Academy of Sciences, 2008. HELAL, D. H. Empregabilidade no Brasil: padrões e tendências. In: IPEA. (Org.). Prêmio Ipea 40 anos IPEA-CAIXA-2005: monografias. Brasília: IPEA, 2007, p. 1-726. MACHADO, Ana Flávia; HERMETO, Ana Maria; Carvalho, N. F. Tipologia de Qualificação da Força de Trabalho: Uma Proposta a Partir da Noção de Incompatibilidade entre Ocupação e Escolaridade. Nova Economia (UFMG), Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p. 11-34, 2004. MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002. PAIVA, V. et al. Revolução educacional e contradições da massificação do ensino. Contemporaneidade e educação, n. 3, 1998. POCHMANN, Márcio. O emprego na globalização. São Paulo: Boitempo, 2001.

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Capítulo 3

A formação docente no Brasil: cenários de mudança, políticas e processos em debate João Ferreira de Oliveira Olgaíses Cabral Maués

As políticas de formação docente têm ocupado um espaço significativo nos debates governamentais, bem com nas associações científicas, acadêmicas e sindicais, sobretudo a partir os anos de 19901. Por um lado, a educação escolar e a formação docente são entendidas cada vez mais sob a égide da meritocracia, do desempenho e da produtividade docente e das escolas. Por outro, a ótica da afirmação das escolas como espaço de construção e de formação para o exercício da cidadania e dos professores como intelectuais capazes de contribuir para transformação da realidade escolar e social. De modo geral, as reformas educacionais, que tomaram forma no Brasil, sobretudo a partir da segunda metade dos anos de 1990, tiveram como cerne a questão da formação inicial, da capacitação e do treinamento docente, as quais foram assumindo, no contexto atual de globalização econômica e de reestruturação dos processos produtivos, um espaço mais amplo nas discussões relativas à educação. Isso se deu, em grande parte, devido ao processo de (re)significação da Educação Básica trazida pelas demandas econômicas, políticas, sociais e educaA Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996), assim como a legislação emanada do Conselho Nacional de Educação – CNE (pareceres e resoluções), que inclui as diretrizes curriculares dos cursos de Licenciatura, foram fatores importantes para acentuar o debate, as tensões e as concepções de formação e profissionalização de professores. A formação de professores passou a ser objeto das políticas e reformas educacionais nos governos Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e no governo Lula da Silva (2003-2010). 1

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cionais que apresentaram novas exigências aos sistemas de ensino e consequentemente aos professores, tendo por base as reformas e políticas de inspiração neoliberal. Assim, os motivos dessa atenção à temática da formação de professores foram vários, indo desde a necessidade do cumprimento dos acordos firmados pelo governo em cúpulas, congressos e afins, ao atendimento de recomendações oriundas de resultados de pesquisas internacionais, até aos resultados dos exames externos como o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes)2. Nessa direção, os governos foram assumindo, desde os anos de 1990, uma perspectiva de formulação e implantação de políticas públicas de cunho mais gerencial, de quase-mercado e de controle da formação e do trabalho docente3. A racionalidade econômica, mercantil e competitiva, chamada de quase-mercado, passou a incidir nas políticas, programas, ações e mecanismos no âmbito da educação e do trabalho, dentro de uma perspectiva híbrida de financiamento público e de regulação do mercado. No Brasil, assim como em vários países do mundo, foi sendo adotada a ideia de que a competição entre sistemas de ensino, escolas e professores promoveria a melhoria do desempenho dos alunos. Nessa lógica, foram se ampliando os controles sobre as escolas, por meio da gestão, do financiamento, do currículo e da avaliação, numa espécie de autonomia regulada por controle remoto, que tem resultado, cada vez mais, numa maior responsabilização dos professores e gestores escolares no tocante ao cumprimento de metas de desempenho estabelecidas, sobretudo pelos governos federal e estaduais. Todos esses aspectos têm indicado, pois, a importância do corpo docente para a educação, fazendo-se uma relação direta entre os resultados apresentados pelos alunos e a formação e trabalho docente, havendo, em função disso, uma preocupação política de estabelecer marcos regulatórios que possam contribuir, supostamente, para uma maior e melhor formação dos professores. Observa-se, pois, que os professores têm sido objeto de políticas, ações e regulamentações diversas e que vem alterando �������������������������������������������������������������������������� O PISA “é um projeto comparativo de avaliação, desenvolvido pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), destinado à avaliação de estudantes de 15 (quinze) anos de idade, fase em que, na maioria dos países, os jovens terminaram ou estão terminando a escolaridade mínima obrigatória”. Disponível em: http://gestao2010.mec.gov.br/o_que_foi_feito/program_79.php. Acesso em: 17/06/2012. 3 As políticas de gestão, de financiamento, de currículo e de avaliação, implementados a partir dos anos de 1990, trazem, em geral, essa mesma lógica. 2

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os parâmetros de formação, de atuação, de profissionalização, carreira e de salário, relacionadas às exigências crescentes de aumento dos anos de escolarização da força de trabalho e de melhoria da qualidade da Educação Básica no Brasil. É nesse contexto de centralidade das políticas de formação de professores que se realizou, por meio de um survey, a pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil (TDEBB)4, coordenada pelo GESTRADO/UFMG5, visando “Analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas escolas de Educação Básica, com a finalidade de subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil”6. A pesquisa partiu da hipótese de que está ocorrendo uma “ampliação das tarefas, funções e responsabilidades dos docentes, assim como um aumento da jornada de trabalho real sem o reconhecimento formal, uma intensificação e autointensificação do trabalho docente e a emergência de nova divisão técnica do trabalho na escola” (Oliveira; Vieira, 2010). Nessa direção, as atividades, tarefas ou cursos de formação inicial e continuada dos professores, no contexto da política nacional de formação docente, são elementos fundamentais para a comprovação ou não dessa hipótese. O objetivo deste texto é, pois, analisar alguns dados da Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil referentes à formação docente, procurando cotejá-los com as políticas de formação elaboradas pelo governo federal, sobretudo a partir dos anos de 2000. Buscar-se-á, assim, verificar a implementação dessas políticas e o seu impacto sobre os docentes, tendo por base os marcos regulatórios estabelecidos, com destaque para aqueles referentes à formação inicial e continuada. Para tanto, em um primeiro momento, analisaremos as políticas de formação docente e, na sequencia, por meio dos dados coletados na Pesquisa, buscaremos identificar e analisar mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a Educação Básica e suas consequências para a formação e carreira docente. Finalizando, faremos algumas consideA Pesquisa, realizada por meio de survey (questionário aplicado aos sujeitos docentes), foi financiada pelo MEC/SEB. Ela abrangeu as cinco regiões do país, atingindo cerca de nove mil professores e foi realizada nos estados do Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Espírito Santo, Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná. Os dados foram coletados nos anos de 2009 e 2010. 5 Cf. http://www.fae.ufmg.br/gestrado/ 6 A coleta de dados da pesquisa TDEBB ocorreu no ano de 2009. Nesse ano, conforme a Lei nº 11.738/2008, o valor do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica foi de R$ 950,00. 4

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rações sobre a temática no sentido de contribuir com as políticas de valorização do sujeito docente, o que envolve não apenas a formação (inicial e continuada), mas também as condições de trabalho, as formas de contratação, o salário e a carreira.

1. Cenários de mudanças na sociedade, na educação e na formação docente A partir da LDB (Lei n. 9.394/1996) se acirra a preocupação do governo federal em relação à universalização da Educação Básica7, compromisso assumido no início da década de 1990, na Conferência Mundial de Educação para Todos. A questão referente aos professores, profissionais que devem atuar, sobretudo, na Educação Básica, passou a ser, de forma mais profunda, um assunto para o qual as políticas estabelecidas também passaram a se voltar. As mudanças ocorridas no mundo, em decorrência dos processos de reestruturação produtiva, de globalização econômica e de mudanças no padrão de trabalho e consumo do capitalismo globalizado, também passaram a exigir a formação de pessoas capazes de viver nessa nova realidade impregnada pelas modificações nos processos de trabalho, pela introdução de novas tecnologias e pela intensificação da destruição no meio ambiente. Os processos de produção do conhecimento, inovação e de formação para o mundo do trabalho se tornaram centrais no novo padrão de produção capitalista. Nesse contexto, a globalização econômica, entendida como uma nova fase do capitalismo mundial, associada à doutrina e ao modo de regulação neoliberal, adotou a “bandeira da abertura comercial, da transnacionalização produtiva e desregulamentação financeira”. Tal processo, como diz Alves (s/d), empurrou os Estados-nações para a criação de uma espécie de mundo sem fronteiras, no qual, evidentemente, os

No Brasil, apenas o Ensino Fundamental, de 7 a 14 anos, foi estabelecido como obrigatório na LDB/1996. Posteriormente, no governo Lula da Silva, o Ensino Fundamental passou a ser de nove anos (6 a 14anos), mediante a Lei nº 11.274/2006. Por sua vez, foi a Emenda Constitucional nº 59, de 2009, que tornou a “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria”. 7

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países centrais terão maiores possibilidades de expandir seus mercados e, com isso, realizar o fluxo do processo produtivo capitalista, que é a produção e a circulação das mercadorias, possibilitando um maior lucro. O mundo está vivenciando, portanto, um processo de transformação acelerada em várias esferas da vida social, com implicações desastrosas para o meio ambiente. E é nesse cenário que se pensa a importância da educação como um dos fatores de desenvolvimento e nos docentes como aqueles profissionais que podem contribuir para a formação de pessoas capazes de viver nesse “novo mundo”, considerando o cenário e as demandas advindas das mudanças no mundo do trabalho, da globalização econômica e, consequentemente, da competição internacional. Após o ciclo das orientações e diretrizes educacionais, dos anos de 1980 e de 1990, voltadas para a gestão, o currículo, a avaliação e o financiamento, dentre outras, advindas dos organismos multilaterais8, observa-se, em muitos estudos e pesquisas realizados por esses agentes internacionais, uma tese recorrente de que os “professores fazem a diferença” e que devem assumir certo “protagonismo” nas reformas educacionais. A partir de então, os professores se tornaram alvo das políticas de inspiração neoliberal, mediante surgimento de diretrizes, programas e ações orientadas para a regulação e o controle profissional por meio da aferição e remuneração por desempenho, bem como a definição de competências e de certificações profissionais (Oliveira, 2010). O Proyecto Regional de Educación para América Latina y el Caribe (Prelac)9, definiu, em 2003, o protagonismo dos docentes como um dos focos estratégicos para o processo de aprendizagem. Isso baseado nas inúmeras mudanças que a sociedade vem sofrendo e que passa a exigir da educação diferentes papéis antes assumidos por outras organizações, como a família, a igreja e a própria vizinhança. O que o documento indica é que se espera, a partir de todas essas mudanças, que a escola desempenhe outra função e, para tanto, faz-se necessário que os profissionais que nela atuam sejam preparados diferentemente, tendo em vista que deverão atuar em uma realidade multicultural, na qual a heterogeneidade e a diferença passam a ser a grande tônica. Dentre esses organismos multilaterais, pode-se destacar: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Banco Mundial (BM), Organização Mundial do Comércio (OMC) Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Programa de Promoção da Reforma Educativa na América Latina e Caribe (Preal). 9 A esse respeito consultar: http://portal.unesco.org/geography/es/ev.php-URL_ ID=7464&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html 8

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Nesse contexto, exige-se do trabalho docente muito mais do que as tarefas restritas aos aspectos didáticos e pedagógicos. Espera-se, segundo a ótica do Prelac, que, em face dessas transformações sociais e políticas, o papel dos docentes vá mais além do espaço antes ocupado por ele. Além da função de ensinar em classes multiculturais, de assumir as tarefas de enfermeiro, psicólogo e assistente social, é esperado desse profissional que se envolva nas tarefas de gestão e de planejamento, em uma tarefa coletiva que inclua seus pares, os alunos e a própria comunidade. Além da defesa do protagonismo docente, advoga-se ainda a tese de que as reformas educacionais implantadas na América Latina, nos anos de 1990, não vingaram no seu todo em função do não envolvimento dos docentes nas mesmas. É nesse cenário de mudanças na sociedade e na educação, com reflexos diretos na escola, que as políticas de formação docente passam a ser pensadas e implantadas. Políticas que colocam nesse profissional, cada vez mais, a responsabilidade sobre o sucesso ou fracasso escolar dos estudantes nos exames, nos índices e nas “metas de qualidade” estabelecidas em âmbito nacional e internacional. No caso brasileiro é possível situar algumas mudanças a partir dos anos de 2000, momento em que já se podia falar na universalização do ensino fundamental, no aumento considerável de estudantes no ensino médio e na ampliação da responsabilidade do Estado com a educação infantil, conforme estabeleceu a Constituição Federal de 1988 e a LDB/1996. Apesar desse avanço, outro problema começou a chamar a atenção dos formuladores de políticas públicas: a qualidade do ensino10. Fato que foi corroborado por meio de diferentes exames externos, desenvolvidos por programas internacionais como o Pisa, realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo principal objetivo é verificar o nível de aprendizado em linguagem, matemática e ciências dos estudantes com 15 anos; os Estudos Regionais Comparativos, realizados pelo Laboratorio Latino-americano de Evaluación de la Calidad de la Educación – LLECE, ligado à oficina Regional da Unesco para a América Latina e o Caribe (OREALC), tendo como objetivo avaliar a qualidade da educação no ensino fundamental11.

A esse respeito consultar Dourado e Oliveira (2009). Já ocorreu o Primeiro e o Segundo Estudos Regional Comparativo e Explicativo (Perce e Serce), devendo ocorrer o Terce no ano de 2012. 10

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No Brasil, a avaliação do rendimento escolar é uma das atribuições da União no processo de coordenação da política nacional, o que não impede que estados e municípios também possam ter iniciativas de avaliação do desempenho escolar em seus respectivos sistemas de ensino, o que já vem ocorrendo na última década, mesmo que a União tenha criado e implantado exames e indicadores de abrangência nacional. Nessa direção, destacam-se os seguintes exames implantados pelo governo federal para a Educação Básica, com os respectivos anos de criação: Sistema de Avaliação da Educação Básica – Saeb (1994), Exame Nacional do Ensino Médio – Enem (1998), Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos – Encceja (2002), Prova Brasil (2005), Provinha Brasil (2007), Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb (2007), Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente (2010)12. Todos esses exames sofreram alterações ao longo do processo de execução, nos diferentes governos, mas estão todos sendo realizados em conformidade com sua periodicidade (Oliveira, 2010). Os resultados desses exames, sobretudo externos, ensejaram os governos a voltarem sua atenção para a qualidade do ensino, colocando o docente como o elemento chave desse processo e definindo ações que pudessem contribuir para uma melhor atuação desses profissionais, o que vem incluindo mudanças na formação (inicial e continuada), no ingresso da profissão e na carreira, dentre outros. Nos parágrafos seguintes apresentaremos e analisaremos algumas das políticas que vem ao encontro desse escopo: a melhoria da qualidade do ensino via formação dos docentes.

2. Políticas de formação docente nos anos 2000: mudanças organizacionais, programas, diretrizes e ações A aprovação da LDB, em 1996, passou a exigir que os professores fossem formados em cursos de licenciatura plena, de nível superior, para o exercício da docência na Educação Básica. A LDB, art. 87, §4º, definiu

Além desses exames, o ministro da educação, Aloizio Mercadante, anunciou para 2012 a criação de uma avaliação (nova Provinha Brasil) que medirá a qualidade da alfabetização das crianças aos 8 anos de idade. Disponível em: http://www. brasil.gov.br/search?Subject%3Alist=Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o. Acesso em 04 de maio de 2012. 12

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também que “até o fim da Década da Educação somente serão admitidos professores habilitados ou formados por treinamento em serviço”. Em decorrência dessa exigência, multiplicaram-se os cursos superiores de formação de professores, nem sempre de qualidade aceitável13. A Década da Educação, estabelecida pela LDB, encerrou em 2006 sem que a exigência de nível superior fosse atingida. Pelo contrário, houve certa flexibilização, via Conselho Nacional de Educação (CNE) para que os professores formados em curso normal, de nível médio, também estivessem aptos legalmente para atuar na educação Infantil. No que se refere à formação continuada, a LDB definiu no art. 63, inciso III, que as instituições formativas deveriam manter “programas de formação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis”. Além disso, essa mesma lei estabeleceu (Art. 67, inciso II) que os sistemas de ensino deveriam promover aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim. Tal perspectiva ampliou o alcance da formação continuada, incluindo os cursos de pós-graduação. Por sua vez, o Plano Nacional de Educação – PNE (Lei nº 10.172/2001), que vigorou no período de 2001 a 2010, estabeleceu objetivos e metas para a formação inicial e continuada dos professores e demais profissionais da educação, enfatizando a necessidade de programas articulados entre as IES públicas e as secretarias de educação, de modo a elevar o “padrão mínimo de qualidade de ensino”. Em abril de 2007, o governo federal baixou o Decreto nº 6.094, cujo objetivo é de implementar o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, “visando a mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica”. No artigo 2º desse Decreto, nos incisos de XII a XVII estão postas as diretrizes que o governo federal, em regime de colaboração com os estados, municípios e o distrito federal, traçou no tocante aos docentes. Essas diretrizes envolvem a realização de programas de formação inicial e continuada; a implantação do plano de carreira, cargos e salários, nos quais o mérito, a formação e a avaliação de desempenho devem ser privilegiados; a valorização do profissional da educação através do mérito que inclui o desempenho, a dedicação, a

Atualmente, a maior parte dos professores no Brasil é formada em cursos de licenciatura ofertados por instituições de ensino superior (IES) privadas, que apresentam qualidade inferior às instituições públicas, como mostram os resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). As IES privadas são responsáveis por 75% das matriculas em cursos de graduação. 13

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assiduidade e a pontualidade, responsabilidade, cursos de atualização e desenvolvimento profissional; envolvimento do professor na discussão e elaboração do projeto político pedagógico da escola. Nesse mesmo Decreto, artigo 3º, indica-se a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que passou a ser, junto com o Pisa, o grande indicador do desempenho escolar e o parâmetro indireto da avaliação dos docentes, na medida em que os resultados desse indicador passaram, na ótica dos governantes, a representar também a eficácia ou não do desempenho docente. Algumas medidas foram tomadas para a viabilização do Decreto nº 6.094/2007, sendo uma delas a promulgação da Lei nº 11.502/2007 que modifica as competências e a estrutura organizacional da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), alargando suas funções que passam, a partir de então, a abarcar também a Educação Básica. Nesse nível de ensino, a nova legislação dá à Capes a prerrogativa de fomentar a formação inicial e continuada de profissionais de magistério, em regime de colaboração, como prevê o Decreto nº 6.094/2007, com os estados, o Distrito Federal e os municípios. Para fazer face às novas responsabilidades, a Capes incluiu no seu organograma a Diretoria de Educação Básica Presencial (DEB) e uma Diretoria de Educação a Distância, cujos objetivos fundamentais são a promoção de programas que possibilitem uma melhor formação inicial e continuada aos professores, além de contribuir para a valorização dessa categoria14. A DEB vem desenvolvendo programas que visam atingir os objetivos de formação e valorização dos docentes, dentre eles se pode relacionar o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)15; o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor)16;

Destaca-se, ainda, no âmbito da Capes, a criação do Conselho Técnico-Científico da Educação Básica (CTC da EB) que visa, dentre outros objetivos, assistir a Capes na definição e implantação da política de “formação inicial e continuada de profissionais do magistério da educação básica e à construção de um sistema nacional de formação de professores”. Disponível em: http://capes.gov.br/sobrea-capes/ctc-eb. Acesso em: 13 de junho de 2012. 15 O Pibid é um programa que tem como objetivo conceder bolsas para os licenciandos atuarem, sob uma supervisão específica, nas escolas de Educação Básica. 16 O Parfor tem como objetivo capacitar os professores em exercício na rede pública de educação básica, de acordo com as exigências da LDB. 14

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o Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência)17; o Programa Observatório da Educação18; o Programa Novos Talentos19. Assim, partir da Lei nº 11.502/2007, a Capes passa a ser efetivamente a agência reguladora da formação, tanto na Educação Básica como da Educação Superior. Mas esse fato não eliminou a atuação da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC) que, por meio de vários programas e ações, também oferta cursos de formação continuada aos docentes. No ano de 2012 está sendo ofertado o Pró-Letramento20, programa de formação continuada para professores, visando melhorar a qualidade da aprendizagem da leitura/escrita e matemática, funcionando com os docentes que atuam nas séries iniciais do ensino fundamental nas escolas públicas21. Ainda no âmbito do MEC, outra instância desenvolve a formação continuada dos professores da Educação Básica, trata-se da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Os programas ofertados por essa Secretaria abrangem a Formação Continuada de Professores na Educação Especial; a Formação Continuada de Professores em Educação Quilombola e para as Relações Étnico-Raciais; a Formação Continuada de Professores em Educação Escolar Indígena; a Formação Continuada de Professores e Gestores em Educação Ambiental e Educação em Direitos Humanos. O desenvolvimento desses programas ocorre por meio das IES que fazem parte da Rede Nacional de Formação Continuada. Por meio do Decreto nº 6.755 de 29 de janeiro de 2009 foi instituída a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério

O Prodocência visa contribuir para elevar a qualidades dos cursos de licenciatura. O Observatório da Educação visa proporcionar articulações entre a pósgraduação, as licenciaturas e as escolas de Educação Básica. 19 É um Programa de apoio a projetos extracurriculares, visando a inclusão social, o desenvolvimento da cultura científica e é destinado para alunos e professores da rede pública de educação básica. 20 O Pró-Letramento é desenvolvido pela Rede Nacional de Formação Continuada de Professores, criada em 2004 e que é integrada pelas instituições de ensino superior públicas, que tem como finalidade produzir materiais de orientação para cursos a distância e semipresenciais. 21 Cabe destacar os cursos de especialização voltados à formação de gestores e formação pedagógica, no âmbito da escola de gestores, assim como o curso Mídias na Educação. Tais cursos são ofertados com a participação efetiva das universidades federais por meio da descentralização de recursos. 17

18

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da Educação Básica22, que também disciplina a atuação do MEC no fomento a programas de formação inicial e continuada. A política tem por finalidade organizar, em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios, a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério. O mesmo Decreto também disciplina a atuação da Capes no que se refere à Educação Básica. Esse instrumento legal visa regulamentar uma série de ações que estavam em curso e conectá-las, estabelecendo uma relação, procurando evitar duplicidade de atividades. Essa política se articula ao propósito de elevar a qualidade da Educação Básica. E, para tanto, o apoio à oferta e à expansão de cursos de formação inicial e continuada, ministrados por IES públicas, aparece como um dos meios para uma Educação Básica pública com qualidade. Essa política explicita a necessidade de valorização dos docentes “mediante ações de formação inicial e continuada que estimulem o ingresso, a permanência e a progressão na carreira” (Decreto nº 6.755/2009, art. 3º, Inciso V)23. A Política Nacional de Formação também indica que os objetivos serão cumpridos por meio da criação de Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente24, que funcionarão em regime de colaboração com os entes federados, cujas ações serão desenvolvidas através de programas específicos do MEC. O Decreto evidencia, ainda, no art. 12, a relação entre a Política Nacional de Formação e os “processos de avaliação da educação básica e superior, os programas de livro didático, os programas de desenvolvimento da educação, além dos currículos da educação básica e as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de licenciatura e pedagogia”. Há, portanto, uma efetiva relação entre a

A Lei nº 12.014 de 6 de agosto de 2009 alterou o artigo 61 da LDB, com vistas a determinar quem são os profissionais da educação escolar básica, sendo esses os professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; e os trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. 23 A partir desse Decreto, o MEC vem realizando, em parceria com estados, levantamento da demanda de formação inicial e continuada, tendo em vista a elaboração de Planos Estratégicos na área. 24 Os Fóruns foram criados para apoiar, no âmbito dos estados, a implementação das ações previstas no Decreto nº 6.755/2009. 22

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formação, a avaliação de desempenho dos estudantes e a qualidade do ensino na formulação e implantação dessa política. Alguns meses após ter sido decretada a Política Nacional de Formação, o MEC baixou a Portaria nº 09/2009 que “Institui o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação”. O Plano passou a ser conhecido como Parfor25 e tem como finalidade fundamental atender à demanda de formação inicial e continuada dos professores26, em exercício, das redes públicas de educação, sendo a Capes quem faz o gerenciamento, tendo criado, para tal a Plataforma Freire, por meio da qual os interessados fazem a sua pré-inscrição, sendo a validação realizada pelas Secretarias de Educação. A política de formação que vem sendo implementada pelo Parfor tem atingido um número significativo de professores sem a formação exigida pela LDB, resgatando a possibilidade desses profissionais terem acesso à educação superior, por meio de instituições públicas. É com esse arcabouço constituído pelas políticas públicas de formação docente que iremos, nos tópicos seguintes, analisar os dados da Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, sobretudo no tocante à formação inicial e continuada desses profissionais.

3. A formação e a carreira na ótica dos sujeitos docentes A pesquisa TDEBB mostrou que a formação inicial e continuada se articula de modo indissociável à carreira e ao desenvolvimento profissional dos sujeitos docentes. A partir desse entendimento, serão apresentados e analisados, a seguir, alguns dos dados da pesquisa que ajudam a compreender como os docentes avaliam a formação inicial, a formação continuada e a carreira docente.

Apesar de já termos nos reportado anteriormente a esse Programa o fizemos apenas para situá-lo como uma das ações do DEB/Capes. Nesse espaço queremos explicitar melhor o alcance do mesmo. 26 O Programa oferece a Primeira licenciatura – para docentes em exercício na rede pública da educação básica que não tenham formação superior; a Segunda licenciatura – para docentes em exercício na rede pública da educação básica, há pelo menos três anos, em área distinta da sua formação inicial; e a Formação pedagógica – para docentes graduados não licenciados que se encontram em exercício na rede pública da Educação Básica. 25

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3.1 A formação inicial A formação inicial vem sendo considerada como fundamental para o exercício do magistério. Assim, há uma grande preocupação manifestada por meio de documentos, cúpulas, relatórios de pesquisa que indicam a atenção que deve ser dispensada a esse momento de formação dos docentes. No Brasil, a partir da LDB/1996, acentuou-se a exigência pela formação em nível superior dos docentes da Educação Básica, malgrado algumas brechas que permitem ainda que se continue aceitando, para atuação, aqueles que têm apenas o ensino médio27. Mas, apesar desse aspecto, há uma definição de algumas políticas que tem estimulado a formação de professores em nível superior. Os dados da Pesquisa TDEBB nos informam que 16% dos docentes não têm formação de nível superior e que 52% dos graduados têm curso de pós-graduação, basicamente em nível de especialização28. O maior número de pós-graduados aparece em instituições estaduais de ensino, seguido das instituições da rede municipal. A situação é bem mais complicada nas instituições conveniadas, pois há um número considerável de sujeitos docentes apenas com ensino médio completo. Nas instituições municipais também ainda é considerável o número de docentes com ensino médio, o que se explica pelo maior número de creches e pré-escolas. Os dados mostram ainda que, dentre os graduados, em geral, 44,5% fizeram curso de Licenciatura, 28,4% de Pedagogia e 3,9% Normal Superior. Predomina, portanto, sujeitos docentes com curso de licenciatura plena. Cabe destacar também que o curso de Pedagogia é uma licenciatura e que o curso Normal Superior, que formava para a educação infantil e anos iniciais, passou a ser estruturado como curso de Pedagogia a partir da Resolução CNE/CP nº 1, de 15 de maio de 200629. Do

A Lei nº 12.014, de 6 de agosto de 2009, altera o artigo 61 da LDB/1996 com a finalidade de discriminar quem são os trabalhadores em educação. O inciso I, do art. 1º, considera como profissionais da educação escolar básica os “professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio”. 28 Verificou-se que, dentre os pós-graduados, apenas 2,1% tinha curso de mestrado. 29 Tendo por base as diretrizes da Pedagogia, o curso Normal Superior já não deve mais existir no contexto atual. 27

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total de graduados, 38,4% se formaram em IES privadas, 28% em IES públicas federais e 16% em IES públicas estaduais30. Os dados mostram, pois, que há ainda é significativo o número de professores que não tem curso superior, sobretudo em cidades do interior. Esses professores estão em serviço e apenas programas emergenciais, como é o caso do Parfor, poderão estimular esses profissionais a se qualificarem. Mas, em relação a esse aspecto, é preciso avaliar o interesse desses professores, cuja média de tempo de trabalho é de 14 anos, em fazerem um curso superior. O Parfor, ora em vigor, não libera os professores para realizarem o curso superior. Estes, se quiserem fazer o Programa, precisam sacrificar seu período de férias e de recesso, para, de forma condensada, ter as disciplinas ministradas de forma intensiva, o que certamente trará algum prejuízo no processo ensino-aprendizagem. Preocupa também a qualidade dos cursos de especialização que os professores realizam, muitas vezes apenas para obterem progressão na carreira. O mestrado e o doutorado ainda não são incentivados efetivamente como processo de qualificação e de formação docente, na maioria dos sistemas de ensino, daí o baixo número de docentes com essa titulação. Os sujeitos docentes ao serem inquiridos sobre seu nível de preparação em relação a alguns aspectos, no momento em que iniciaram suas atividades docentes, manifestam posições bastante seguras, sobretudo no que se refere a: comunicação com os alunos; comunicação com os pais; trabalho em equipe/colaboração com os colegas; planejamento de suas atividades; conhecimento sobre saúde, cuidados e necessidades básicas das crianças/jovens. Os docentes se sentem razoavelmente preparados ou despreparados, sobretudo, em relação a: domínio dos aspectos administrativos da unidade educacional; domínio dos conteúdos abordados; utilização de novas tecnologias. A situação é mediana no que tange a: manejo da disciplina; conhecimento sobre como as crianças/jovens aprendem e se desenvolvem (Tabela 1).

Considerando que 75% das matriculas na educação superior no Brasil estão nas IES do setor privado, pode-se deduzir que as IES do setor público, embora tenham um número menor de matriculas, aprovam mais docentes nos concursos públicos. 30

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Tabela 1 - Quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação ao (à): Item Domínio dos conteúdos abordados Manejo da disciplina Utilização de novas tecnologias Avaliação da aprendizagem Comunicação com os alunos Comunicação com os pais Trabalho em equipe / colaboração com os colegas Domínio dos aspectos administrativos da unidade educacional Planejamento de suas atividades Conhecimento sobre como as crianças/jovens aprendem e se desenvolvem Conhecimento sobre saúde, cuidados e necessidades básicas das crianças/jovens

Muito preparado (%)

Preparado (%)

Razoavelmente Preparado (%)

Despreparado

7,1

37,6

43,1

10,8

6,2

42,5

40,2

8,6

7,2

23,6

30,1

25,7

5,7

45,2

39,5

7,1

24,5

54,4

17,8

2,7

16,6

49,8

24,9

5,5

21,6

55,4

18,9

2,6

6,2

31,0

40,6

19,8

16,9

53,3

24,3

4,0

9,0

42,1

40,0

7,9

13,8

46,5

31,3

7,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

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(%)


Há que se considerar que essa percepção dos professores se refere ao início das atividades na educação, momento em que se ingressa na profissão e que é comum certa insegurança profissional. Todavia, há sinalizações importantes para a formação inicial e continuada, se consideramos as temáticas em que os professores se sentem menos preparados: utilização de tecnologias, domínio dos aspectos administrativos da unidade educacional e domínio dos conteúdos. Pode-se afirmar que a formação inicial no Brasil ainda apresenta desafios significativos, dentre os quais: a) a formação em nível superior, em cursos de licenciatura plena, em todas as etapas da Educação Básica, sobretudo na educação infantil; b) a formação pós-graduada em cursos de especialização, de mestrado e de doutorado com reconhecida qualidade acadêmica, sobretudo em universidades públicas; c) as revisões dos projetos de cursos de licenciatura e dos processos formativos de modo a contemplar aspectos em que os professores não se sentem preparados para a atuação profissional. É essencial, pois, que a formação inicial e continuada dos docentes, articulada à pesquisa, contemple conhecimentos críticos da sociedade, da escola, da gestão, do projeto pedagógico, da profissão docente, dos currículos, da avaliação, da prática docente, dentre outros, tendo em vista a construção de um processo ensino-aprendizagem de qualidade.

3.2 A formação continuada A formação continuada tem sido considerada nos últimos tempos como uma ferramenta importante para o desenvolvimento profissional do docente. Conforme indicado em outros itens deste texto, os professores vêm sendo considerados como aqueles profissionais que fazem a diferença em relação a um processo de ensino aprendizagem de qualidade. Nessa lógica é que, em nível internacional e no Brasil, as políticas de formação vêm tendo um predomínio nas ações educacionais, tendo como objetivo, pelo menos nos programas e projetos, a melhoria da qualidade da educação, por meio de uma melhor qualificação docente. Além disso, a própria dinâmica social tem exigido do docente uma ampliação das atividades que este precisa desenvolver para se manter atualizado, principalmente na era da informática, na qual a rede mundial de computadores e as mídias sociais vêm desempenhando um papel importante no processo de informação, atraindo os jovens, não apenas pela novidade, mas pela dinâmica que esses meios de comunicação utilizam.

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Os governos, em geral, têm investido recursos na direção de capacitar os professores que estão na ativa. Há também todo um interesse de capacitar esses profissionais na medida em que a eles é imputada a responsabilidade pelo “sucesso” da educação, pelas “experiências exitosas”. Outro motivo desses investimentos é a necessidade de atender as demandas do mercado, numa lógica neoliberal. Há também críticas ao modo como essa formação vem sendo desenvolvida. A OREALC chama a atenção, em documento já citado neste texto, que no estudo da arte feito nos oitos países da América Latina, foram detectados, a respeito do assunto, os seguintes pontos críticos: escassa relevância e articulação da formação continuada; baixo impacto das ações empreendidas; desconhecimento da heterogeneidade dos docentes; ampliação da oferta de forma desregulada; pouca consideração da realidade das escolas e do aprendizado colaborativo; dificuldades para a regulação e pertinência da oferta de cursos de pós-graduação. A partir dessas constatações, a OREALC recomenda que os professores devem ter uma formação continuada relevante e pertinente, centrada na aprendizagem dos estudantes e nas necessidades identificadas nas redes de ensino; além disso, deve ser assegurado que haja um impacto significativo da formação nas práticas de ensinar e na aprendizagem dos alunos; outro aspecto que conta nessas orientações é o de que devam ser implementados mecanismos de regulação da oferta da formação continuada, com o objetivo de assegurar a qualidade e a relevância. Ao examinarmos os dados da pesquisa TDEBB em relação à formação continuada dos docentes, verifica-se que: 52,3% dos docentes participaram, no último ano, de congressos, seminários, colóquios etc., enquanto 47% não participaram. O percentual de não participantes é bem elevado e mostra que quase metade dos professores não realizou qualquer atividade de formação continuada no último ano. A entidade que mais propiciou oportunidades de formação continuada foi a Secretaria Municipal de Educação (23,6%), seguida da Secretaria Estadual de Educação. O MEC (3,5%) e o Sindicato (2,5%) aparecem de modo pouco significativo31. Há, todavia, um percentual de 14,3% de docentes que participou de atividades diversas, sem que seja decorrente de ações das secretarias de educação, do MEC ou do É preciso, todavia, questionar esses dados, pois muitas vezes os professores participam de atividades advindas das secretarias por meio de convênio ou acordos com o MEC, sem conhecimento dessa realidade. 31

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Sindicato (Tabela 2). Essas atividades podem estar sendo oferecidas pelas escolas, por IES públicas ou privadas, dentre outras, sendo decorrentes, provavelmente, da iniciativa dos próprios professores. Nessa direção, é preciso considerar que boa parte dos professores necessita realizar cursos de formação continuada para progredir na carreira ou para obter maior vencimento e isso os leva a realizarem cursos de toda ordem e, muitas vezes, sem impacto na prática docente e na melhoria da qualidade de ensino.

Tabela 2 - Participou de congressos, seminários e colóquios de educação promovidos por: Instituição SME SEE MEC Sindicato Outros

Não (%) 28,5 34,8 48,6 49,6 37,8

Sim (%) 23,6 17,3 3,5 2,5 14,3

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Os dados mostraram ainda que é pequena a participação das instituições universitárias na oferta dos programas/atividades de formação continuada, pois 72,3% dos docentes afirmaram que as atividades não foram ofertadas por uma dessas instituições, enquanto 26,6% afirmaram que sim32. Observou-se também que 40,5% dos docentes não participaram de atividades de formação previstas no calendário escolar, enquanto 58,1% participaram. Esses dados revelam que parte significativa dos professores está ficando “à margem” das atividades previstas no calendário escolar, o que certamente pode interferir no projeto político-pedagógico a ser desenvolvido nas respectivas redes de ensino. Essa não participação pode ainda estar associada, dentre outros, a dois fatores: falta de condições objetivas em participar ou falta de interesse em participar. Quando perguntados sobre as contribuições que essas atividades/ cursos de formação continuada aportaram para a sua formação, observa-

Cabe destacar, no entanto, que os dados da pesquisa TDEBB foram coletados em 2009, ano em que teve início, de modo mais efetivo, a política de formação inicial e continuada de professores da Educação Básica no Brasil, que intensifica a parceria com as universidades públicas federais. 32

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-se que pouco mais de 40%, a exceção de “utilizar novas tecnologias para apoiar minhas atividades”, afirmaram que elas serviram para: Aprofundar meus conhecimentos; ajudar no trabalho com os alunos/ crianças; avaliar meus conhecimentos e as competências dos alunos/ crianças; colaborar com meus colegas na preparação de atividades e projetos; refletir sobre minha prática (Tabela 3). Preocupa, no entanto, dois aspectos: a) o silêncio daqueles que não responderam, pois implicitamente pode-se depreender que as atividades não serviram para o aperfeiçoamento dos itens indicados, o que coloca em questão a qualidade das atividades realizadas; b) o fato de 38,7% dizerem que raramente discutem o projeto pedagógico da escola e 13,3% dizem que nunca discutem esse projeto33.

Tabela 3 - As atividades de formação serviram para Item

Não (%)

Sim (%)

Aprofundar meus conhecimentos

4,0

47,3

Ajudar no trabalho com os alunos/crianças

5,7

45,4

Avaliar meus conhecimentos e as competências dos alunos/crianças

10,1

40,6

Utilizar novas tecnologias para apoiar minhas atividades

14,6

36,1

Colaborar com meus colegas na preparação de atividades e projetos

8,4

42,4

Refletir sobre minha prática

3,2

47,7

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

É salutar, no entanto, o fato dos sujeitos docentes afirmarem que realizam trocas de experiências sobre métodos de ensino: sempre (30,6%) e frequentemente (41,4%). As trocas de experiências sobre os conteúdos do ensino também são relevantes: sempre (28,9%) e frequentemente (40,1%). Mais relevante ainda é a frequência em que se realiza a discussão sobre os alunos/criança: sempre (47,9%) e frequentemente (39,5%). Já a trocas de materiais pedagógicos acontece em menor intensidade: sempre (26,6%) e frequentemente (35,4%). Igualmente baixa é a frequência em que se realiza a participação conjunta em atividades de formação/ atualização profissional: sempre (21,9%), frequentemente (32,3%), raramente (34,5%) e nunca (9,2%). 33

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Quando expressaram sua opinião sobre a atual política nacional de formação docente, verificou-se que: a) 6% consideram-na satisfatória, pois oferece boas oportunidades de formação em serviço; b) 46% consideram-na satisfatória, mas deve ser melhorada; c) 20% consideram-na insatisfatória, pois não contempla a maioria dos docentes em atividades; d) 24% consideram-na insatisfatória, precisando ser reformulada; e) 4% não conhecem a atual política de formação. Observa-se, assim, que a política deve ser melhorada ou reformulada, pois, dentre outros, não contempla a maioria dos docentes em suas atividades. Outra forma de atualização dos docentes pode ocorrer via leitura de livros técnico-didáticos, de revistas acadêmicas, de informações obtidas por meio de leitura de jornais e revistas, de acesso a sites da Internet. Em todos esses itens, cerca de 50% dos entrevistados informam que utilizam esses recursos e dessa forma também estão, em certa medida, capacitando-se para o exercício da função (Tabela 4). Os professores estão “sempre” lendo mais sites/páginas da Internet, jornais e livros (técnicos e didáticos). Os artigos de revistas acadêmicas e os livros de literatura em geral não estão entre os que “sempre” são mais lidos. Também preocupa o fato de alguns docentes “raramente” estarem lendo livros (técnicos e didáticos), uma vez que são fundamentais, sobretudo no ensino fundamental e médio.

Tabela 4 - Com que frequência você costuma ler (%): Item Livros (romances e literatura em geral) Livros (técnicos e didáticos) Artigos de revistas e acadêmicas Jornais Revistas Sites/páginas de Internet

Sempre 30,8

Frequentemente 31,3

Raramente 33,6

Nunca 4,2

43,3

40,9

14,5

1,1

29

33,3

32,1

5,3

44,9 38,8 47,5

31,6 38,8 25,6

20,8 20,8 19,5

2,6 1,5 7,2

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

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Apesar dos cursos realizados, os docentes (70%) dizem que não recebem orientação/formação para trabalhar com alunos que apresentam necessidades especiais. Esse dado vai ao encontro das constatações que alguns organismos internacionais têm feito indicando a pouca relação, ou o pouco impacto que os cursos de formação continuada exercem no cotidiano escolar. A necessidade de formação continuada fica mais uma vez explicitada quando 73% dos sujeitos docentes indicam que houve, ou está havendo, mudança no perfil dos alunos, o que requer uma constante atualização e uma diferenciação nas funções escolares. Há uma informação dos entrevistados de que há um aumento (61%) das exigências do trabalho docente em relação ao desempenho dos estudantes. Fato que requer uma melhor formação inicial e continuada. Talvez o sentimento de não preparação para o exercício da profissão seja um dos motivos que levam os sujeitos docentes da pesquisa (55%) a dizerem que em outra profissão utilizaria melhor suas habilidades intelectuais. Os dados coletados na pesquisa nos indicam que os docentes precisam de uma política de formação mais consistente, regular e que abranja a todos. Além disso, os docentes precisam ver nesse tipo de formação um elemento que contribua com o seu desenvolvimento, mas também venha a ser um fator que esteja incluído na sua ascensão profissional e na melhoria salarial.

3.3 A carreira docente Dentre algumas variáveis que podem ser estimulantes para que a formação inicial e continuada aconteça, pode-se incluir a existência de um plano de cargos e salários que contemple efetivamente essa questão, de modo a valorizá-las. Aliás, é preciso primeiro que haja tal plano. A pesquisa TDEBB nos indica que 52% dos professores possui um plano de cargos e salários, mas esse dado não nos permite saber os itens que este contempla em relação à titulação e se há algum artigo na legislação do Plano que permita ao professor fazer seu curso superior com liberação de carga horária e garantia do salário, bem como se incentiva a realização de outras modalidades de formação continuada ao longo de sua carreira profissional. Ora, sabe-se, pelos resultados de estudos e pesquisas realizados, que a carreira entra como um fator preponderante para atrair os futuros

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professores e para retê-los na função. O Documento Estado del Arte sobre Políticas en América Latina y el Caribe - Borrador para discusión (Unesco-OREALC, 2011) apresenta, como pontos críticos sobre essa temática, os seguintes: dificuldade para atrair e reter bons professores; carreiras que desconhecem fases da docência (professor iniciante e os demais); dissociação entre carreira e desenvolvimento profissional; tensão entre estruturas salariais centrais e remunerações diferenciadas e necessidade de consensos para a avaliação de desempenho. Em outro documento da mesma fonte, Criterios y orientaciones para la elaboración de políticas docentes em la región de América Latina y el Caribe (OREALC, 2011), são apresentadas, a partir do estado da arte sobre as políticas de formação, as orientações relativas aos nós críticos referentes à carreira. Dentre eles, destacamos: estruturar a carreira em torno da melhoria do desempenho profissional; projetar e implementar uma política de remuneração e incentivos, clara e articulada, para estimular o trabalho dos professores; desenvolver sistemas válidos e consensuais de avaliação de desempenho do profissional docente. As políticas educacionais no Brasil também vêm levantando essa preocupação. Assim é que o Decreto n. 6.094/2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Todos pela Educação, no artigo 2º, inciso XIII, evidencia a preocupação sobre o assunto, deixando claro que é preciso “implantar plano de carreira, cargos e salários para os profissionais da educação, privilegiando o mérito, a formação e a avaliação do desempenho”. Da mesma forma, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução nº 2/2009 fixa as Diretrizes para a elaboração dos Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais. Nesse documento encontramos a obrigatoriedade da existência de planos (artigo 4º) e que estes devem efetuar a progressão salarial na carreira, considerando, além dos incentivos, a titulação e a atualização e aperfeiçoamento profissional34. Os dados da pesquisa (Gráfico 1) indicam, em relação à formação continuada, que o Plano de Cargos e Salários, segundo os entrevistados, atribui um valor baixo (21%) à formação continuada, enquanto em relação aos cursos de graduação, mestrado e doutorado (titulação) essa valorização sobe para 34%.

O piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica foi instituído por meio da lei nº 11.738 de 16 de julho de 2008. Em 2009, ano de coleta de dados da pesquisa TDEBB, o valor do piso foi de R$ 950,00. Em 2012, o valor do piso ficou estabelecido em R$ 1.451,00. 34

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Gráfico 1 - Aspectos mais valorizados em plano de cargos e salários

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Também é importante salientar que 50% dos professores (Gráfico 2) que dispõem de um Plano de Cargos e Salários não estão satisfeitos por não ver no mesmo uma possibilidade de crescimento. Gráfico 2 – Avaliação da carreira docente

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Em estudos realizados por Preal (2010), OCDE (2005), OREALC (2011) é apresentada uma constatação que significa que a antiguidade na carreira tem um peso maior que a formação continuada. Se isso é uma tônica, os docentes podem não se sentir estimulados a participar

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de cursos, já que estes não contribuem, ou contribuem muito pouco para uma ascensão profissional com o consequente aumente salarial.

Considerações Finais A formação inicial do professor ganhou maior destaque no Brasil a partir da década de 1990, em razão de mudanças nos cenários nacional e internacional, que produziram a convicção de que não se pode modificar a educação – e especificamente a educação escolar básica – sem a efetiva participação desse profissional. Nas políticas atuais, sobretudo a partir da segunda metade dos anos de 2000, sob a responsabilidade da Capes, a formação de professores cumpre o papel de elevar os níveis de qualidade da Educação Básica e, por essa razão, vem sendo implementados programas e ações que buscam a melhoria do conhecimento dos professores, privilegiando a capacitação em serviço, sobretudo por meio da formação continuada. O estudo das políticas educacionais e dos documentos internacionais e nacionais evidencia o entendimento de que, para mudar a escola, é preciso mudar a formação dos professores, daí os novos marcos regulatórios e o conjunto das ações implantadas pelo governo federal nessa área. Isso também se confirmou nos dados obtidos na pesquisa TDEBB, pois tem crescido a oferta de cursos, assim como a participação docente em cursos, seminários, palestras etc. Todavia, é preciso ter claro que a questão da formação inicial e continuada se encontra associada de modo orgânico às condições de trabalho, em diferentes estados e municípios, determinando, em grande parte, os processos de trabalho, de desenvolvimento, de carreira, de salário e de profissionalização docente. A formação inicial e continuada deve, pois, integrar-se às políticas de valorização da educação e dos profissionais que nela atuam, de modo a garantir trabalho digno e o direito de estudar com liberação e incentivo. Assim, é preciso ampliar o processo de articulação entre formação e profissionalização, já que a primeira é parte constitutiva e, ao mesmo tempo, estruturante do processo que desemboca na segunda. O ingresso na profissão, o exercício profissional e as condições de trabalho, viabiliza ou não o que foi aprendido na formação inicial, bem como é determinante para a formação continuada, uma vez que o professor se constrói no processo de ensinar e aprender.

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Trata-se, pois, de buscar articular, por meio da formação continuada, os conhecimentos adquiridos na formação inicial com as experiências vivenciadas na prática docente, de modo que tais conhecimentos superem o senso comum e configurem uma prática pedagógica refletida e, portanto, resignificada, tendo em vista a construção de uma educação de qualidade como direito social. Os dados da pesquisa mostraram que são muitos os desafios em termos de ampliação da formação inicial e continuada. A escassez de tempo e a limitação financeira dos professores, a pouca oferta de cursos, a desarticulação da oferta (MEC, secretarias de educação, instituições universitárias, sindicatos etc.) com as problemáticas e necessidades das escolas, a desarticulação das instituições formativas com as secretarias de educação, a necessidade de planejamento colegiado, agilidade, incentivos, monitoramento das ações de formação, dentre outras. A pesquisa mostrou ainda que os professores tem grande interesse em se qualificar por meio de cursos, congressos, seminários etc., tendo em vista aprofundar seus conhecimentos, aperfeiçoarem suas práticas, compreender melhor o trabalho com os alunos/crianças, utilizar mais as novas tecnologias em seu cotidiano de trabalho e preparar atividades e projetos de modo colaborativo com os colegas. Tais atividades certamente precisarão fazer parte do desenvolvimento profissional, estando integradas ao calendário escolar como parte inerente do trabalho docente. Nessa direção, dentre os fatores mais importantes para melhorar a qualidade do trabalho que realizam os professores indicaram, respectivamente: a) receber melhor remuneração (27,2%); b) reduzir o número de alunos/ crianças por turma (20,6%); c) receber mais capacitação para as atividades que exerce (18,2%).

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Capítulo 4

Formação inicial e continuada: a prioridade ainda postergada Helena Costa Lopes de Freitas

Recuperando a história Sintonizado ao tempo das reformas implementadas nos países da América Latina desde final da década de 1980, nosso país implementou, nos anos de 1990, um conjunto de mudanças no sentido de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva decorrente das mudanças no mundo do trabalho em curso e à nova configuração do papel do Estado. O processo de ajuste estrutural, com o enxugamento dos recursos públicos para a educação e para as políticas sociais, bem como a privatização, no contexto das reformas do Estado da década de 1990, criaram, em nosso país, novas formas de direcionamento dos recursos públicos: sua distribuição, centralização e focalização para as experiências que promovessem os princípios das reformas sociais então em pleno desenvolvimento. Em nosso país, assim como na maioria dos países da América Latina, os indicadores de qualidade da educação acabaram por evidenciar a gravidade da crise educacional, e o fracasso das reformas, demandando dos novos governos de feição democrática e popular, que assumem a partir dos anos de 2000, novas políticas educativas e rupturas com o modelo de reformas implementadas. A crítica às reformas, que passa a orientar os estudos na área da formação de professores, aponta que, em consonância com o modelo de ajuste neoliberal, prevaleceram, no período, políticas centradas na gestão, eficiência, gerencia e de redução do papel do estado, à revelia dos professores, atribuindo seu fracasso ao baixo protagonismo dos professores em sua implementação (Luna, 2005: 174), produzindo, segundo essa ótica, a perpetuação das desigualdades, do baixo rendimento dos alunos

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e a repetência e o abandono da escola. Os resultados pouco satisfatórios levam a questionar a direção das mudanças ou opções de política adotadas, uma vez que na prática, as realidades educativas demonstraram ser difíceis de transformar (Vaillant, 2005: 41). Em contraposição a essas análises, as entidades representativas dos professores retomam com clareza as críticas desenvolvidas ao longo dos anos de 1990, quando afirmavam que “os governos latino-americanos estimulados e financiados por organismos internacionais, deram início o período, a reformas educativas regressivas que impactaram negativamente a qualidade da educação pública e consequentemente a deterioraram” (Internacional da Educação. Declaração de Manágua, tradução e grifo nossos). Os educadores apontam a raiz dos problemas da qualidade da educação, situando-a, acertadamente, na queda do investimento público e na deterioração das condições de trabalho dos educadores e trabalhadores da educação, condições facilitadoras e propiciadoras da tendência (…) a gerar uma segmentação educativa, que está resultando na introdução, no seio da educação, das piores desigualdades da sociedade. Hoje, temos educação pública para pobres, educação privada subsidiada para as classes médias e educação privada para ricos (inclusive financiada pelos Estados) (Internacional da Educação. Declaração de Manágua, tradução e grifo nossos). As reformas educativas das décadas de 1980 e de 1990, conformando as políticas da educação básica às novas exigências demandadas pelas alterações no âmbito da organização do trabalho, geraram, nos diferentes países, um quadro de crise educativa e em alguns casos, de exclusão, agora em maior evidência. A inserção dos diferentes países no sistema de avaliação internacional – especialmente o Pisa – forçou internamente a criação de sistemas próprios de avaliação, desde final do século passado, com forte impacto nas áreas da gestão e do currículo – tanto da educação básica quanto dos cursos de formação de professores. Hoje, vivenciamos a pressão dos organismos internacionais como Unesco, OEI, OECD, sobre os países da América Latina e Caribe (Maués, 2011; Feldfeber, 2007) para o cumprimento das Metas do Bicentenário – até 2022 – e da EPT (Educação Para Todos) até 2014. Diante das necessidades históricas ainda não enfrentadas no âmbito das aprendizagens necessárias à formação da infância e da juventude, aprofundam-se as ações que visam acelerar internamente o cumprimento das metas firmadas internacionalmente com os organismos multilaterais.

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Nesse processo, tensões e desafios no campo da formação de professores se intensificam, aprofundando as contradições históricas e revivendo os embates entre projetos históricos de educação, escola e sociedade e seus dilemas práticos e teóricos ainda não enfrentados adequadamente pelas políticas públicas. A formação de professores, como área estratégica para o capital, por agregar valor ao seu processo de exploração e acumulação, é o alvo principal das atuais políticas educativas no âmbito da união, dos estados e municípios, demandando articulações com as áreas de gestão, currículo, avaliação e financiamento. O interesse dos setores empresariais pelos problemas da educação vem se acentuando nos últimos anos, estendendo-se agora para a educação infantil e a formação de seus profissionais1, com o apoio da SAE2 – Secretaria de Assuntos Estratégicos – da Presidência da República. Esse interesse, nas questões da avaliação da educação básica e da formação dos professores, não permitirá enfrentá-los na direção que as forças progressistas esperam. As soluções liberais contêm seu próprio projeto político. Ainda que sua implantação não se dê sem algum grau de contradição, no geral, visa adequar a escola e os professores às necessidades do novo padrão de exploração da classe trabalhadora, como vem ocorrendo desde os anos de 1980 e 1990, com as alterações no âmbito do desenvolvimento econômico e produtivo. Recuperar essas referências do movimento dos educadores na luta pela formação e valorização profissional, auxilia-nos, neste trabalho, a abordar e discutir os dados advindos de um amplo levantamento (survey) conduzido pela pesquisa “Trabalho docente na educação básica no Brasil”, coordenada pelo grupo de pesquisa Gestrado da FAE/UFMG. O

Pesquisadores da educação infantil criticam ideia de avaliação em programa para primeira infância”. Anunciada pela SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos – da Presidência da República, em outubro 2011, a iniciativa mereceu críticas também dos participantes de audiência pública no CNE em 7 de maio de 2012. Disponível em http://www.campanhaeducacao.org.br 2 “A ferramenta em estudo pela SAE é o chamado Ages & Stages Questionnaires-3 (ASQ-3) - ou Questionário Idades e Estágios, numa tradução livre para a língua portuguesa. Criado nos EUA, mais especificamente na Universidade de Oregon, o ASQ-3 é um screening test, um teste de triagem, comparável, em teoria, aos testes de triagem de audição e visão realizados na área da saúde. Seu objetivo é avaliar o desenvolvimento de crianças de 0 a 5 anos em cinco dimensões: comunicação, coordenação motora ampla, coordenação motora fina, resolução de problemas, pessoal e social.” (Revista Educação: 2011). Acesso em http://revistaeducacao.uol. com.br/textos/179/medida-para-a-infancia-251804-1.asp 1

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survey aplicou, em 2009, questionários a 8795 sujeitos������������������� – uma amostra significativa de docentes de educação básica – em sete estados brasileiros. A afirmação que abre este trabalho situa a escola como o espaço de formação das novas gerações. Mais que isso, a escola fundada em outras bases é o lugar onde as crianças produzem sua vida material e espiritual. O papel dos educadores é criar as condições para que todas as crianças e jovens encontrem, na escola, respostas para poder se entender a si mesmas e ao mundo, em seus profundos vínculos com a vida social e o trabalho. Que pistas fornecem os dados em discussão que nos indiquem as formas como os professores, os docentes, os dirigentes e gestores organizam o espaço educativo para responder, pelo trabalho docente, as indagações que a vida social nos coloca? São os dados relativos à formação – inicial e continuada – articulados às manifestações dos professores às questões de entrevista que analisamos neste trabalho, referenciando-nos nas concepções de formação construídas historicamente, nas políticas docentes em desenvolvimento e aquelas indicadas no Plano Nacional de Educação em discussão no Congresso Nacional.

1. As políticas atuais de formação de professores Os educadores, através de suas entidades, especialmente a ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – vêm firmando, historicamente, a necessidade de uma política de valorização e profissionalização dos educadores em nosso país, condição para uma educação básica emancipatória, que passa pelo tratamento prioritário que deve ser dado enquanto uma política pública de Estado à formação inicial, à formação continuada e às condições de trabalho, remuneração e carreira dos profissionais da educação. Ou seja, há uma urgência, ainda não seriamente enfrentada, no estabelecimento de uma política nacional de formação, profissionalização e valorização dos educadores, que defina os caminhos que fortaleçam a construção da identidade profissional dos docentes da educação básica, dentre os quais destacamos: a) a formação nas Universidades como o lócus privilegiado e prioritário para a formação dos profissionais da educação básica pela multiplicidade dos campos de saber e a indissociabilidade ensino-pesquisa

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e extensão que lhe é exclusiva, assumindo os princípios da base comum nacional construídos historicamente pela ANFOPE como orientadores da organização institucional, curricular e dos percursos formativos de todos os estudantes; b) o aprimoramento profissional dos educadores pela definição da política de formação continuada e desenvolvimento e superação profissionais; c) a revisão das atuais formas de carreira implementadas que valorizam unicamente tempo e titulação e d) a recuperação da dignidade do trabalho docente pela implementação da Lei do Piso Nacional Salarial Profissional, na sua integralidade, prevendo-se a concentração do professor com dedicação integral e exclusiva a uma escola e o estabelecimento de 1/3 das horas para as atividades de preparação e avaliação do trabalho docente. Paralelamente a essas condições, os educadores, nas inúmeras e históricas Conferências de Educação – municipais, estaduais e nacionais – CBEs, CONEDs e mais recentemente CONEB, CONAE – e, através de suas entidades acadêmicas e sindicais, têm problematizado sobre a forma atual da organização escolar, enfatizando a necessidade de que sejam colocadas em questão as bases da educação escolar e da organização do trabalho pedagógico, trazendo para o debate as discussões ausentes hoje das políticas educativas, sobre o caráter da escola em seus vínculos com a vida social e o trabalho. As questões que fazem parte, entre outras, desse debate, envolvem a ruptura da seriação e da fragmentação disciplinar no ensino fundamental e médio, a alteração das formas de organização e trabalho das crianças, a construção da unidade metodológica no trato com o conhecimento, o trabalho coletivo e interdisciplinar, as condições de auto-organização dos estudantes na gestão democrática da escola e de sua própria formação integral; a organização dos professores por grupos de estudo, por coletivos de ciclos e/ou turmas/séries; a participação dos pais, da comunidade e dos movimentos sociais na vida da escola; a democratização das funções diretivas escolares; a implementação da escola integral; a redução do número de alunos por sala na educação básica; e a reorganização dos currículos, atendendo às necessidades sociais e acompanhando o avanço técnico-cientifico contemporâneo e a luta contra a discriminação e a exclusão, consolidando os direitos conquistados com vistas a novas formas de organização da educação e do papel da escola na produção da vida social.

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Alterar essas condições de produção do trabalho educativo, ou ao menos problematiza-las, é fundamental para orientar os debates sobre concepções de formação que se articulam intrinsecamente às concepções de escola e de projeto histórico. As condições perversas que contribuem para degradação de uma profissão – a baixa qualidade da formação e a ausência das condições adequadas de trabalho entre as quais se inclui a baixa remuneração, a ausência da carreira com jornadas adequadas e aprimoramento profissional constante – estão presentes em nossas escolas públicas há décadas, degradando o exercício da profissão docente. As políticas públicas desenhadas na última década trataram fundamentalmente de criar o arcabouço legal – normatizações e regulações – no campo da formação e valorização profissional dos quadros do magistério da educação básica, com vistas a elevar as políticas de formação a outro patamar. São instrumentos importantes desse período, pois são resultantes dos embates entre concepções diferenciadas de formação, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a Educação Básica em Nível Superior (Resolução CNE/ CP nº 1, 2002), as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia (Resolução CNE/CP nº 5,2005) a Lei do Piso Salarial Profissional Nacional (Brasil, 2008) e as Diretrizes Nacionais para os Planos de Carreira e Remuneração dos Profissionais do Magistério da Educação Básica (Brasil/MEC/CNE, 2009). Importante passo no delineamento de uma política nacional de formação foi a construção, no interior do Conselho Técnico Cientifico da CAPES, dos princípios orientadores da Política Nacional de Formação dos Profissionais do Magistério da Educação Básica, disciplinando a ação da CAPES no fomento a programas de formação inicial e continuada. Tal política foi consolidada no Decreto 6.755 de 2009 e, posteriormente, deu conformação ao PARFOR – Plano Nacional de Formação – destinado a formar, em nível superior, professores da educação básica sem a formação superior ou sem a formação na área em que atuam em instituições públicas. O Decreto foi posteriormente alterado pelo Decreto nº 7.219 de 2010, sem passar pelo mesmo CTC que o elaborou, visando à participação das instituições confessionais nos programas CAPES e também no PARFOR. A inovação introduzida no Decreto é a criação dos Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação Docente, em cada estado e no distrito federal, com a participação de representantes de todos os segmentos responsáveis pela formação de professores, entidades e universidades,

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aos quais cabe elaborar o Plano Estratégico Estadual de formação. Tais fóruns se constituem em um embrião do que poderá ser a construção de um subsistema nacional de formação de professores, nos moldes propostos pela I CONAE (I CONAE, 2010: 85). As dificuldades nesse processo se devem, sobretudo nas condições atuais, ao caráter federativo de nosso país e a autonomia dos entes federados, condicionantes importantes na determinação dos atuais desenhos das políticas docentes, que possibilitam a construção de políticas nos territórios dos estados, mas também contraditoriamente impeditivas de ações mais articuladas e orgânicas entre união, estados e municípios, que poderiam nos fazer avançar na superação efetiva das condições perversas produzidas pelas políticas neoliberais que herdamos do século passado. Em que pesem os esforços significativos e também polêmicos, em várias áreas, tais como a expansão e recuperação das universidades federais via Reuni e as ações articuladas da união, estados e municípios para o aprimoramento da escola pública da educação básica, não logramos superar entraves que, de certa forma, impedem que o acesso das classes populares ao conhecimento científico, à cultura e às artes e às diferentes dimensões da formação humana, pela escola, seja consolidado como direito universal. Mantêm-se ainda as marcas do processo de diferenciação de cursos e diversificação das instituições, instituídas pelas políticas dos anos de 1990 e não superadas nos últimos governos, permitindo que a expansão da educação superior privada se sobreponha ao esforço das redes públicas – federal e estaduais – em colocar as licenciaturas e a formação de professores como política pública de Estado e, portanto, prioridades que não podem ser postergadas. Aprofundam-se os processos de controle e regulação do trabalho docente, agora vinculados ao desempenho dos estudantes nos exames nacionais e concessão de bônus e avaliação de caráter meritocrático, bem como a flexibilização e a desprofissionalização do magistério, com a contratação de profissionais sem a formação adequada para a área e o segmento da educação básica em que atuam. As resistências de estados e municípios para a implementação do Piso Salarial Nacional Profissional e a carreira do magistério impedem o desenvolvimento pleno das potencialidades dos professores em seu trabalho pedagógico, submetendo grande parte deles à dupla jornada em duas ou mais escolas e a condições de estresse e autorresponsabilização perante as demandas cotidianas no espaço de trabalho. Pautadas unicamente em resultados de avaliação de rendimento dos estudantes, tais políticas tendem a reforçar o caráter de mera instrução do

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ensino e a concepção meritocrática, hierárquica, subordinada e tutorial do trabalho docente ainda presente na grande maioria das propostas de formação continuada oferecidas aos educadores. As ações indicadas no âmbito do apoio ao trabalho docente são extremamente tímidas, para não dizer equivocadas, para fazer face aos imensos desafios postos para a escola e a educação públicas na atualidade. As ações atuais têm privilegiado a oferta de cursos de forma pontual, fragmentada, dispersa no oferecimento e descolada das necessidades objetivas da escola pública e de seu projeto pedagógico. ONGs, entidades assistenciais, empresariais e universidades públicas e privadas disputam o “mercado educacional” criado pela centralidade da formação de professores nos processos de mudança em curso. Esse esforço acaba por enfatizar a responsabilização – da escola e dos professores - principalmente destes últimos, pelo desempenho dos alunos nos exames nacionais da educação básica – o SAEB e a Prova Brasil –, secundarizando a importância e o impacto das condições de vida e de produção da vida material e espiritual de nossas crianças sobre os processos de desenvolvimento da escolarização. Com isso, as políticas vêm gerando, em vários estados, mecanismos de premiação por mérito, instituídos, agora, como política pública, visando metas e compromissos pela qualidade de ensino, medida pelo IDEB. O movimento dos educadores vem se posicionando em relação à concepção punitiva dos processos de avaliação docente, identificando e desvelando a concepção técnico-instrumental de trabalho docente – o que e como ensinar –, em detrimento do debate sobre os fins da educação, e do projeto histórico social, abandonado pelas políticas neoliberais, imposto nos anos do governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), e ainda não recuperado pelos novos governos que se sucederam. A criação das licenciaturas nos IFETs, instituições historicamente destinadas à formação técnico-profissional e a expansão das licenciaturas prioritariamente à distância via UAB – Universidade Aberta do Brasil –, são iniciativas atuais que, na contramão das reivindicações históricas dos educadores, vão conformando a formação de professores em certa linha de continuidade às políticas neoliberais dos anos de 1990, agora com nova feição e sem os fortes e persistentes movimentos de resistência que marcaram a luta dos educadores contra as reformas do período. A implementação de tais ações vem se dando em um campo acentuado de disputas e debate de ideias de concepções diferenciadas e antagônicas, que acentuam processos de regulação da formação, do trabalho, das habilidades, das atitudes, dos modelos didáticos e das capacidades

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dos professores, na direção de um rebaixamento das exigências científicas e técnicas dos percursos formativos, em oposição a proposições que, em resistência, lutam para situar a formação de professores em patamares cada vez mais elevados, em sintonia com as transformações sociais, científicas e técnicas demandadas por um projeto educativo de caráter sócio-histórico emancipador. Essa luta se expressa mais claramente na retomada de ações que pretendem (re)viver, de forma velada, a proposta de certificação docente tão criticada pela área e suspensa em consequência da resistência do movimento nacional, no inicio do governo Lula. Nossa hipótese é que o Exame Nacional de Ingresso ou Prova Docente (INEP, 2012), em processo de finalização pelo INEP, será o instrumento privilegiado na implementação dos processos de regulação da formação e do trabalho mediante a certificação docente e acreditação das instituições formadoras.

2. A Formação Inicial: a contradição entre as necessidades sociais e a desresponsabilização do Estado A configuração da formação de professores em nosso país respondeu ao modelo de expansão do ensino superior implementado na década de 1990, no âmbito das reformas do Estado e subordinado às recomendações dos organismos internacionais (Catani e Dourado, 2000). No âmbito da formação, caracterizou-se pela diversificação e diferenciação da oferta dos cursos de formação – normal superior, pedagogia, licenciaturas, cursos especiais e cursos à distância –, diversificando e flexibilizando as instituições formadoras – faculdades, institutos superiores de educação, universidades, centros universitários – de modo a atender a crescente demanda da juventude pela formação superior. Também a transformação dos CEFETs em Universidades e a criação dos IFETs (Decreto nº 6.095/07) podem ser entendidas como um fortalecimento da diversificação institucional para a formação de professores para educação profissional-tecnológica, dada a dificuldade de formação no âmbito das atuais licenciaturas nas IES. Com isso, instituíram-se, também nos Institutos Federais, as licenciaturas, acentuando a diferenciação, ao instituir nos IFETs, afastados dos espaços dos bacharelados específicos, cursos de licenciaturas e programas especiais de formação pedagógica com vistas à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática.

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Por outro lado, a expansão desenfreada dos Cursos Normais Superiores no início dos anos 2000 – somente finalizada em 2005, com a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Pedagogia –, e o crescimento dos Cursos de Pedagogia3, além dos demais cursos de licenciaturas, desenvolveu-se principalmente em faculdades privadas, instituições sem compromisso com a pesquisa e a produção de conhecimentos na área da educação, em quaisquer de seus níveis e modalidades. Agrega-se a essa condição a existência de centenas de cursos de EAD que se expandiram nos mais diversos polos no interior dos estados, imprimindo uma condição desigual aos processos de formação inicial dos professores com impactos nas condições subjetivas e objetivas do trabalho docente. Quando examinamos o número de vagas oferecidas, o número de inscritos e o número de ingressantes em todas as licenciaturas em 2010, temos que nos indagar a respeito dos processos seletivos e excludentes que estamos oferecendo à juventude que se movimenta para ascender a uma profissão complexa como a profissão docente, em uma realidade social que demanda, a cada dia, novos profissionais.

Segundo o Censo da Educação Superior de 2001, havia 306 cursos na época, 239 deles em instituições públicas e o restante em particulares. No ano de 2000, havia apenas 110 cursos no país. Em 2006, o número de cursos normais superiores chegou a 702, sendo 490 em instituições privadas e filantrópicas e 208 em instituições públicas. Quanto aos Cursos de Pedagogia, existia em 2007 um total de 1.438 cursos: 657 em instituições públicas e 780 em instituições privadas e filantrópicas, sem se considerar os inúmeros ises e cursos de licenciaturas criados também nesse período. O Censo de 2010 identificou 1.785 cursos de Pedagogia presenciais, dos quais 566 em IES públicas (501 em Universidades) e 1.219 em IES privadas (292 em Universidades). Temos ainda 112 cursos de Pedagogia à distância, dos quais 63 em IES públicas (62 em Universidades) e 49 em IES privadas dos quais apenas 27 em Universidades. Os restantes, em Centros Universitários e Faculdades (Cf. Sinopse Educação Superior, MEC/INEP, 2010). 3

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Quadro 1 - Vagas oferecidas, inscritos e ingressantes Cursos/ Vagas

Nº Cursos

Vagas Oferecidas

Inscritos

Ingressantes

EAD Brasil

930

1.634.118

690.921

332.028

Presencial Brasil

28.577

3.120.192

6.698.902

1.590.212

TOTAL

29.507

4.754.310

7.399.803

1.922.240

Educação EAD

518

591.008

261.106

128.235

Educação presencial

7.370

570.616

1.005.591

263.950

1.161.624

1.266.697

392.185

TOTAL Pedagogia EAD

112

272.950

139.342

78.817

Pedagogia Presencial

1.785

191.366

268.571

85.861

464.316

407.913

164.678

TOTAL

Fonte: Sinopse Educação Superior, INEP, 2010

Ao examinarmos mais detalhadamente esses dados, nos defrontamos com o fato que apenas 43% destas vagas estão em Universidades, 14% em Centros Universitários e 0,16% nos Institutos Federais, instituições que podem garantir a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no trabalho docente universitário. As 40% restantes são oferecidas em Faculdades, instituições sem obrigatoriedade do vínculo entre ensino e pesquisa e, em sua imensa maioria, privadas. O número total de matrículas, em cursos presenciais e à distância, em IES públicas e privadas é de 1.919.694 estudantes. 64,3% dos estudantes de licenciatura em nosso país estão em cursos de IES privadas, 45,6% em cursos à distância, correspondendo a 80,7% do total de cursos à distância oferecidos.

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Quadro 2 – Licenciaturas: matrículas, públicas e privadas, à distância e presencial, Brasil - 2010 Públicas

Privadas

TOTAL

Educação EAD

102.098

323.257

425.355

Pedagogia EAD

33.569

239.679

273.248

Educação

454.041

469.469

923.510

Pedagogia

93.886

203.695

297581

TOTAL

683.594

1.236.100

1.919.694

Fonte: Sinopse Educação Superior, INEP, 2010

A relação entre o número de cursos e o número de vagas oferecidas também é um dos instrumentos que desvela a prioridade dada aos cursos à distância em nosso país e as condições sobre as quais eles estão estruturados. Enquanto para a educação presencial a relação é de aproximadamente 100 vagas por curso, na EAD essa relação, em média, é de 2.400 vagas por curso existente. Estranhamente, o número de vagas oferecidas é maior nas regiões com maior concentração de IES – Sudeste e Sul – e não , como se poderia esperar e até justificar, nas regiões Norte e Centro-Oeste, com estados de grandes extensões territoriais e insuficiente oferta de ensino superior. Os dados da pesquisa TDEBB em discussão, trazem-nos parte dessa realidade contraditória na Educação Básica: no total, 53% dos professores entrevistados são formados em IES públicas. Quando focamos apenas os professores da Educação Infantil, no entanto, a situação se inverte: 39,3% da pré-escola e 38,2% de creche são formados em IES públicas. Já no ensino fundamental e médio, o peso maior da formação se dá em IES públicas: 57,1% se formaram em IES públicas.

Quadro 3 - Formação Superior dos Professores, de acordo com a etapa de ensino e com dependência administrativa Instituições (1)

Creche

Préescola

Fundamental e médio

TOTAL

%

Pública Federal

101

152

1757

2010

33,8%

Pública Estadual

66

108

966

1140

19,2%

Particular

270

401

2039

2710

45,6%

TOTAL

437

661

4.762

5.860

Fonte: Dados MEC/INEP, Censo 2009. (1) há ainda 20 professores formados em IES municipais e 40 em IES confessionais

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A ampliação da educação superior pública e das licenciaturas nas universidades públicas é, portanto, uma exigência atual em nosso país. Não apenas como instrumento de garantia da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no processo de formação dos profissionais da educação básica, mas principalmente para acolher, em seu interior, todos os jovens que aspiram à profissão docente, em particular das classes populares, oriundas das escolas públicas e que nela podem encontrar percursos que contribuam para elevar sua formação integral. Mas a essa expansão massiva do ensino superior público e de seus quadros docentes deve corresponder, obrigatoriamente, a elevação da qualidade referenciada socialmente no acesso das classes populares à cultura, às artes, aos conhecimentos científicos, e na profunda vinculação da escola com a vida social, uma escola que deve cuidar da qualidade do ensino, concretamente definida segundo as necessidades sociais, desenvolvendo o saber científico, a consciência crítica e o saber gestionário. A qualidade social da escola pública, dada por essa nova condição da presença das classes populares antes dela alijadas, somente se concretizará pela elevação das condições do trabalho docente nela desenvolvido, de novas relações entre estudantes e professores e de inovadoras ações no âmbito dos vínculos com a vida social e os movimentos sociais. Igualmente, temos hoje uma nova qualidade nos cursos de licenciatura, massivamente frequentados pelos jovens das classes populares, filhos de trabalhadores que logram ascender ao ensino superior público e privado. As novas formas do trabalho pedagógico universitário demandam, portanto, processos democráticos e participativos de organização curricular, currículos comprometidos com a consolidação da base comum nacional, a permanente avaliação dos percursos formativos e um maior acompanhamento do desenvolvimento da juventude que trilha os caminhos para ingresso na carreira do magistério. O acesso às licenciaturas em universidades públicas é, pois, instrumento de justiça social e de garantia do direito à educação das gerações atuais e futuras, importante a ser considerado como resposta à disparidade atualmente existente entre o número de estudantes que aspiram à educação superior e as vagas existentes em IES públicas. A garantia desse direito se torna política de caráter urgente no âmbito das políticas para a juventude e para a formação de professores para a educação infantil e ensino médio para a próxima década. Vem-nos sempre às memórias as iniciativas de Cuba quando se propôs, mesmo com todo o embargo que lhe foi sempre imposto, a efetivamente criar as condições para elevar ainda mais a qualidade de

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sua educação básica. Tomou a ousada iniciativa de reduzir o número de estudantes em cada classe para vinte alunos. Com isso, atuou em duas frentes fundamentais para o desenvolvimento e consolidação das conquistas sociais e educacionais: oferecer trabalho à juventude e elevar a educação básica a novos patamares para responder aos desafios das mudanças necessárias. Essa condição está colocada para nós, nesse momento. Os dados atuais da educação básica e da educação superior nos mostram que somente para universalizar o acesso à pré-escola e ao ensino médio, como prevê a Emenda Constitucional nº 59 de 11 de novembro de 2009, serão necessários mais de 200 mil professores. E, para ampliar a taxa de atendimento na creche dos atuais 16% para 50%, meta estabelecida no PL 8035 do novo Plano Nacional de Educação, serão necessários mais 210 mil trabalhadores docentes, ou de mais de 500 mil para a universalização dessa primeira etapa da educação básica (Relatório TDEBB, Gestrado:2001: 71-72). No entanto, se examinarmos a meta para educação superior no PL 8.035, do novo Plano Nacional de Educação, vemos que a meta fixada está na contramão das demandas sociais e em oposição à construção alcançada na I CONAE. O crescimento das vagas no segmento público para toda a educação superior representa muito pouco frente a relação atual entre publico e privado – 35,5% e 64,43%, respectivamente –, no que tange às matrículas dos cursos de licenciaturas. Elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para cinquenta por cento e a taxa líquida para trinta e três por cento da população de dezoito a vinte e quatro anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, quarenta por cento das novas matrículas, no segmento público. (Meta 12, PL 8035, 2010)

Os dados combinados do Educacenso e Censo da Educação Superior de 2009 já nos indicavam que 381.214 professores da educação básica se encontravam matriculados em cursos superiores – 67,5% em instituições privadas e 32,4% em IEs públicas, sendo 52% em cursos presenciais e 45,8% em cursos a distancia. Nos cursos de Pedagogia estavam matriculados 50,6% dos professores em formação, dos quais apenas 22,1% em IES públicas, 39,5% em cursos presenciais e 60,1% em cursos a distância. Dos demais 188.249 professores, 139.579 encontravam-se matriculados em áreas próprias de licenciaturas e 48.670 em outras áreas

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– Direito, Serviço Social, Engenharia, Psicologia e outros cursos, contingente que pode caracterizar uma futura evasão desses profissionais dos quadros do magistério da escola pública de educação básica, podendo elevar as necessidades formativas ainda mais. O gráfico abaixo nos ajuda a entender o processo de formação de nossos atuais professores de educação básica que, em 2009, ano em que estruturou o PARFOR (Plano Nacional de Formação) para a formação superior dos professores em exercício, encontravam-se matriculados em cursos superiores. Somente o exame desse movimento, de 2009 a 2012, e ainda 2013, poderá nos oferecer um quadro preciso das condições de formação inicial a que estão e foram submetidos nossos professores de educação básica. O Gráfico 1 abaixo apresenta a distribuição dos docentes em exercício por etapa da educação básica, segundo a rede de ensino da instituição formadora (MEC/INEP, 2009). Gráfico 1 – Distribuição dos docentes em exercício por etapa de atuação, segundo a rede de ensino na instituição formadora - Brasil 2009

Fonte: Dados MEC/INEP, Censo 2009.

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3. A formação em nível médio: a perpetuação da desigualdade educacional pela formação A retomada e expansão de cursos normais, magistério em nível médio, para a formação de professores para a educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental, que se deram a partir de 2004, pós-LDB, consolidaram, nesse período, a formação nesse nível de ensino como uma política pública permanente, não transitória, como estabelecia a LDB, contribuindo para perpetuar o quadro atual da formação superior dos professores em exercício. A contradição que vivemos nessa situação particular é clara. Esses jovens, em busca de uma profissionalização durante o ensino médio carregam, por sua condição de classe, as potencialidades e positividades para assumirem um compromisso com nossas escolas públicas, de onde se originam. A formação superior, de caráter mais elevado, nas universidades públicas, é-lhes colocada como uma perspectiva após anos de inserção no trabalho docente, quando nele se inserem. Contraditoriamente, dadas as carências atuais do ensino médio e as dificuldades de acesso ao ensino superior público, só lhes é dada como provável perspectiva a continuidade de sua formação como bolsistas em instituições privadas (via reforço ao Prouni). Ainda que logrem chegar às universidades públicas, a imensa maioria certamente o fará nos polos dos cursos à distância, concomitante ao exercício do trabalho. Carregarão as marcas e as impossibilidades de que tal formação se desenvolva em bases sólidas, fundada em processos de investigação teórica e prática e de acompanhamento cotidiano de suas dificuldades, oriundas de sua própria trilha na educação básica. Esse movimento de reconstruir o ensino médio magistério como habilitação aceitável ou a primeira etapa da formação para o exercício profissional na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, como se materializou na Lei nº 12.056 de 20094, revela a extrema carência que ainda nos atinge na formulação de políticas de formação A Lei 12.056 de 2009 mantém a redação da LDB sobre a aceitação da formação em nível médio dos professores para a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental, trazendo para a União, em articulação com estados e municípios, a responsabilidade pela formação superior desses professores. A I CONAE 2010 – Conferencia Nacional de Educação – aprovou a manutenção dos estudos em nível médio – normal magistério – como formação de professores para a educação infantil e as séries iniciais do ensino fundamental. 4

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dos professores e profissionais da educação em nível superior nas universidades públicas, aspiração histórica do movimento dos educadores. Com isso, posterga-se a formação superior desses professores nas universidades e a exigência para a elevação da qualidade da educação pública. A manutenção da formação inicial em nível médio se constitui, nas condições atuais, como um dos principais pilares para a continuidade e consolidação da política atual de formação superior de professores em serviço, concomitante ao exercício do trabalho. Nas condições atuais, de oferta dos cursos de formação emergenciais no âmbito do PARFOR – Plano Nacional de Formação –, essa configuração tem submetido esses professores a condições inadequadas e insuficientes de formação, sem apoio e liberação de sua carga didática e, em sua grande maioria, em cursos a distancia, como vem ocorrendo desde a aprovação da LDB. A institucionalização da formação superior dos professores em programas de educação a distância, na concepção de formação continuada, aliada à utilização de novas tecnologias, perpetua-se como um centro da política de formação em serviço. A criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB), pelo Decreto nº 5.800/06, em 2006, institucionalizou os programas de formação de professores a distância como política pública de formação. A oferta de cursos e programas de educação superior a distância por instituições públicas de ensino superior, em articulação com polos de apoio presencial nos municípios, representa, sem dúvida, uma ruptura com os programas de formação a distância de curta duração, de caráter mercadológico, que perduraram até pouco tempo atrás em nosso país. Essa iniciativa, no entanto, tem suas contradições, na medida em que privilegia a modalidade de educação a distância para a formação inicial de professores em exercício. Sua priorização vem se desenvolvendo em detrimento do reforço massivo às licenciaturas nas universidades e demais IES, envolvidas em processos de reformulação e aprimoramento dos cursos de licenciaturas desde a aprovação das Diretrizes Curriculares para Formação de Professores, em 2002, e dos cursos de Pedagogia, em 2005. Com a aprovação do PL nº 8035, do PNE, e a indicação em sua Estratégia 15.9, que fixa como meta final, sem prazos e metas intermediárias,

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Implementar cursos e programas especiais para assegurar formação específica na educação superior, em suas respectivas áreas de atuação, aos docentes, com formação de nível médio na modalidade normal, não licenciados ou licenciados em área diversa da de atuação docente, em efetivo exercício. (Estratégia 15.9)

Perpetua-se, assim, a política de formação através de programas especiais nos moldes pós-LDB, justificando a expansão da educação a distância para a formação massiva de professores em exercício. Tal concepção justificaria, em contrapartida, a permanência dos Cursos de Formação Médio Normal Magistério como a etapa inicial da carreira docente, criando um círculo nada virtuoso na perpetuação das atuais políticas de formação de educadores da infância. Essa permanência referenda a diferenciação e a flexibilização da formação, propostas na década de 1990, condição que permite que tenhamos hoje, nos sistemas de ensino estaduais, aproximadamente 160 mil jovens nos Cursos Normais de Magistério. Embora seja uma realidade que o número de jovens matriculados no ensino médio magistério venha caindo desde 2009, o Censo da Educação Básica de 2011 mostra que temos hoje 164.752 jovens matriculados no ensino médio magistério, em 16 estados, número que se aproxima dos concluintes em todas as licenciaturas no país em 2011 – 161.354. A existência desses cursos em estados das regiões sul e sudeste, que possuem um maior número de instituições públicas e de cursos de Pedagogia, é um dos indicadores da ausência de uma política de formação de professores especialmente para educação infantil, segmento no qual o número de professores sem formação superior ainda é significativamente elevado. A nova configuração da formação inicial de professores para a educação infantil e séries iniciais educação básica deve ser analisada trazendo como referência as recomendações preconizadas pelos organismos internacionais nas décadas de 1980 e de 1990 para a formação de professores, como forma de atender massivamente à demanda emergente por formação, com custos reduzidos. Ao desenvolver a crítica à concepção de educação e de formação que informa os cursos e programas de EAD, as entidades da área destacam que a organização desses cursos se impõe por ações “minimalistas” na formação, pelos encontros presenciais de duas a quatro horas semanais, pelo caráter da ação dos tutores – uma forma precarizada de trabalho de formação superior –, e ainda sobre os processos de elaboração dos materiais didáticos, financiamento e instrumentos necessários à formação superior (ANFOPE, 2006).

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Pode-se dizer que, em sintonia com o sentido de responsabilização que se imprime às políticas atuais, com esses novos desenhos, responsabilizam-se os estudantes – professores da escola pública e aqueles oriundos do ensino médio –, que já chegam a esses cursos em condições desiguais frente aos demais estudantes das universidades, sem que se ofereçam, pelas condições de ensino oferecidas – a mediação de tutores e a ênfase em estudos individualizados e solitários –, possibilidades de autossuperação de suas limitações, resultantes de seu percurso na educação básica e também do processo intensificado de trabalho na escola pública, como nos mostram os dados da pesquisa em discussão. Essa decisão, do ponto de vista da expectativa de direito gerada pela aprovação da LDB e suas disposições transitórias – estabelecendo prazo de 10 anos (2008, portanto) para que os sistemas contratassem professores com nível superior –, é, sem dúvida, um grave retrocesso. Com isso, posterga-se a formação superior desses professores nas universidades, prioritariamente públicas, em cursos de Pedagogia, aspiração histórica dos educadores e exigência para a profissionalização dos quadros profissionais da educação básica.

4. As novas formas de regulação da formação: a Prova Nacional Docente A manutenção dessa situação vem, atualmente, combinada com dois outros instrumentos que garantem aos municípios a perpetuação da contratação de professores sem formação superior: a) a formação em nível médio e jornada de 40 horas (sem exigência de dedicação a uma escola) estabelecidas pela Lei do Piso Salarial Profissional Nacional. b) a Prova Docente – avaliação que tem como objetivo subsidiar os estados, o Distrito Federal e os municípios no processo de seleção de docentes para a educação básica. A Prova, objeto de extensa discussão entre os educadores, toma como parâmetro para elaboração das Matrizes de Referência os conhecimentos da formação de professores em nível médio, em contraposição aos conhecimentos e conteúdos da formação em nível superior nos cursos de Pedagogia. Essa defesa, contraditoriamente, parte das entidades

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representativas de dirigentes municipais e de entidades sindicais dos professores, que a justificam pelo imenso contingente de professores hoje em exercício, os quais, submetidos a contratos precários e sem a formação superior, estariam impedidos de realizar os concursos. Do ponto de vista das entidades representativas de dirigentes, o argumento é financeiro – a ausência de recursos seria impeditiva para a contratação de professores com nível superior, principalmente considerando que o valor do Piso Nacional Salarial Profissional aprovado e ainda não implementado em todos os estados e municípios, considera a jornada de 40 horas para professores com formação em nível médio, e não superior. Caso seja efetivamente implementada, tal iniciativa levará ao ranqueamento de instituições formadoras, impactará na estrutura da formação inicial, já debilitada pela existência majoritária de cursos de formação em faculdades privadas, tendendo a rebaixar ainda mais as exigências científicas e técnicas nos cursos de formação e nas agências formadoras, com forte tendência a secundarizar a formação teórica necessária aos profissionais da educação. Do ponto de vista da educação básica, aprofundará a desigualdade, uma vez que os melhores professores tenderão a se inscrever em municípios mais centrais, nos quais a remuneração profissional seja superior ao piso e as condições de trabalho mais favoráveis. Os de menor pontuação, tal como vem sucedendo hoje no sistema de ingresso ao ensino superior, “optarão” por outros espaços menos disputados no “mercado” educacional. Essa tendência responde a uma das características essenciais no quadro que se desenha a partir da redefinição do papel do Estado, originário das mudanças ocorridas no âmbito do capitalismo – a necessidade de regulação, que adquire caráter central no campo da educação e da formação de professores. O caráter regulador do Estado e as novas formas de regulação da formação, latentes desde 2003, retornam, agora, diante da centralidade da avaliação da qualidade da educação básica. As ações que permaneceram em stand by nos últimos dez anos retornam hoje com a força do empresariado, impulsionando a definição e orientação das diferentes políticas para a educação básica, buscando responder de forma centralizada e paralela às iniciativas governamentais institucionais, a questões curriculares, de formação, de avaliação de escolas, de seus estudantes e professores e das instituições formadoras, em um claro processo de mercantilização da educação.

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5. Formação e condições do/no trabalho sob a ótica dos professores e docentes da pesquisa Um dado significativo que emerge dos dados da pesquisa é o fato de que 53% dos docentes são formados em Instituições Públicas Federais e Estaduais e 46% em instituições privadas. Observamos, entretanto, que não há diferença significativa entre professores formados em instituições públicas e instituições privadas, em relação ao preparo para lidar com os desafios do trabalho docente – domínio do conteúdo, utilização de novas tecnologias, processos de ensino e aprendizagem no início da carreira. As questões que nos instigam a novas investigações nesse âmbito merecem ser respondidas através de novos estudos multidisciplinares de caráter descritivo, que possam identificar em que medida esses dados nos revela a eliminação de desigualdades nos processos de formação inicial ou, ao contrário, se é possível que estejamos vivenciando um processo de rebaixamento das exigências da formação oferecida às nossas crianças e jovens na escola pública de educação básica, fato que tenderia a homogeneizar as habilidades, capacidades e competências desenvolvidas no espaço de trabalho. Quais as dimensões priorizadas hoje nos cursos de formação oferecidos? Se analisarmos as atividades em que mais se sentiram muito bem preparados – a comunicação com os alunos/crianças (em sala ou fora de sala), abrangendo 25% dos entrevistados, seguido pelo trabalho em equipe/colaboração com os colegas e comunicação com os pais, com 22% e 17%, respectivamente, devemos nos indagar em que medida a forma de organização do trabalho pedagógico escolar vem privilegiando essas dimensões do trabalho docente, contribuindo para aprofundar a desqualificação – não sem resistência – dos professores, pela ausência de domínio e controle sobre seu trabalho, em oposição ao movimento de colocar cotidianamente novos e mais elevados desafios para o cumprimento do projeto pedagógico e a formação de nossa infância e juventude. Os fatores que podem contribuir com essa desqualificação podem estar localizados na forma de trabalho e caráter da formação dos educadores da educação infantil; a perversa separação entre as áreas de formação e as áreas de atuação dos professores no ensino fundamental (séries finais) e médio; a intensificação do trabalho e a ausência de carreiras que indiquem, como projeto futuro, o aprimoramento profissional por novas formas de organização do coletivo da escola.

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Estudos da condição docente na América Latina (Terigi, 2010; Morduchowicz, 2011) vêm problematizando sobre as condições atuais da carreira e interpelando-nos a respeito das velhas formas de olhar para o que convencionou chamar “desenvolvimento profissional dos professores”. Terigi (2010: 29), citando esses estudos, entende que se torna necessário rever as perspectivas dos docentes latino-americanos sobre os aspectos valorizados da profissão, analisando as dimensões reveladas nos estudos da área (GT-PREAL: 2005). Os docentes destacam como motivadores de seu trabalho: os resultados alcançados pelos estudantes, o compromisso com a profissão, a capacitação permanente a satisfação de conseguirem ensinar o que sabem e o vínculo afetivo com os estudantes. Esses motivadores naturais que, na prática cotidiana de nossas escolas, vêm mobilizando os professores para a continuidade na carreira trazem em si uma contradição, uma vez que evocam os sentidos da vocação e do magistério como missão. Uma política docente de caráter emancipador, entretanto, pode colocar essas motivações no patamar do compromisso social dos educadores com as transformações da escola e da sociedade, nas quais os professores certamente jogam importante papel. O compromisso dos professores perante seus pares pode gerar, no coletivo escolar, novas formas de relações como, por exemplo, o acompanhamento dos novos professores que ingressam na carreira, a parceria com as universidades na supervisão das práticas e estágios, o acolhimento dos estudantes das licenciaturas em processos de residência pedagógica, entre inúmeras outras dimensões do trabalho que não exclusivamente a titulação cartorial e o tempo de serviço.

5.1. Os educadores da infância: a identidade ainda negada Para efeito de nossa análise sobre as condições de produção do trabalho de professores e sua formação, optei por desagregar os dados de professores das demais funções e, em alguns momentos pontuais, professores de educação infantil – creche e pré-escola – de professores do ensino fundamental e médio. A especificidade do trabalho docente e a dificuldade em instituir, na educação infantil, um processo de construção da identidade desses profissionais, demanda que joguemos luzes em aspectos ocultos ou não suficientemente revelados ainda pela pesquisa, na expectativa de que os caminhos a serem futuramente percorridos pelo trabalho com grupos

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focais possam, se assim se entender, ampliar as explicações e análises possíveis de serem feitas. O quadro de sujeitos docentes cobertos pela pesquisa é de 5.965 professores com formação superior, 780 professores sem formação superior e 2.040 docentes nas demais funções. Ainda que reconheçamos a importância da formação superior para todos os profissionais da educação básica – inclusive os funcionários de apoio escolar, também considerados profissionais da educação – a formação dos professores que potencialmente pertencem a um coletivo, que hoje denominamos magistério, é tratada, no escopo deste trabalho, com o objetivo de identificar suas especificidades frente às demais funções escolares. Com essa intenção um quadro da formação inicial dos professores de educação infantil, tomando os dados da Educação Básica de 2009 (ano da pesquisa), de 2011 (último censo disponível) e os dados do survey.

Quadro 4 - Formação de professores que atuam na educação infantil – creches (crianças de 0 a 3 anos) Área de Formação/Ano

2009

2011(1)

Survey

Total de Professores

127.657

163.148

666

Médio Magistério

40,5%

33,3

Fundamental e médio

13,2

11,05

Superior (2)

49,5%

55,63

65,7

Formação de Professor/ Ciências da Educação

81,21%

90.9

51,8

Outras licenciaturas/áreas

18,7

10,3

15,7

34,3

Fontes: Sinopse Estatística Educação Básica 2010; Sinopse Estatística do Professor 2009; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. (1) Em 2011, o INEP passou a considerar nº funções docentes e não nº docentes, com um mesmo docente podendo aparecer várias vezes. (2) Total de professores com formação superior. As duas linhas abaixo detalham os professores formados nas áreas indicadas

113


Quadro 5 - Formação de professores que atuam na educação infantil – pré-escolas (crianças de 4 e 5 anos) Formação/Ano

2009

2011

Survey

Total de Professores

258.225

265.000

889

Médio Magistério

40,7

32,5

Fundamental e Médio

0,8

0,8

Superior

53,5

58,6

75,5

Formação de Professor/ Ciências da Educação

79,3

90,0

69,6 (2)

Outras licenciaturas/áreas

20,6

0,7

27,5

24,4 (1)

Fontes: Sinopse Estatística Educação Básica 2010; Sinopse Estatística do Professor 2009; GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. (1) Não foi coletado o dado da formação em nível médio – magistério ou médio. Optamos por essa forma caracterizando professores com e sem formação superior. (2) Formados em Pedagogia ou Normal Superior nas diferentes combinações identificadas

Quando focamos a formação dos profissionais que atuam na educação infantil, defrontamo-nos com o principal desafio que é a compreensão de como se constrói a identidade profissional dos sujeitos que atuam nessa etapa da educação básica. Quem é o professor de educação infantil hoje? Como os sistemas/escolas atuam nas relações professores-monitores/auxiliares da educação infantil nas creches? Como se organizam esses diferentes profissionais para garantir a formação humana integral – cuidar e educar – nas atividades educativas? Como auxiliares e monitores se formam no trabalho de forma continua com uma jornada de 30 horas semanais? Que dimensões de formação estão (ou deveriam estar) garantidas na estrutura curricular dos cursos de Pedagogia? Quem são as crianças de creche e como os seus educadores se aproximam de suas necessidades básicas no cuidar e no educar? Considerando que os profissionais da educação infantil são, hoje, o único segmento da educação básica que possui uma forma de organização nacional, através do MIEIB – Movimento Inter Fóruns da Educação Infantil no Brasil –, como as atuais instâncias públicas têm considerado esses interlocutores privilegiados, nos processos de definição das políticas para a área?

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Por último, fica ainda uma questão a ser investigada nas etapas posteriores da pesquisa: identificar se e como esses professores se articulam em suas escolas/redes e participam do movimento nacional e se o percebem como instrumento de fortalecimento de sua posição nos espaços de definição e gestão das políticas para a área.

5.2. Flexibilização e desprofissionalização nas séries finais Um dos princípios de formação que compõe a base comum nacional é a sólida formação teórica e interdisciplinar sobre o fenômeno educacional e seus fundamentos históricos, políticos e sociais, bem como o domínio dos conteúdos da educação básica, de modo a criar condições para o exercício da docência, da análise critica da sociedade brasileira e da realidade educacional (ANFOPE, 2011: 21). A defesa desse princípio histórico mobilizou os educadores, na década de 1990, no auge das políticas neoliberais em nosso país, contrariamente à alternativa de formação criada pelo Conselho Nacional de Educação, para enfrentar a escassez de professores, “de formação em programas especiais de formação pedagógica destinados a suprir a falta nas escolas, de professores habilitados, em determinadas disciplinas e localidades, em caráter especial” (CNE/CEB 1997: 2). A constatação, revelada a cada Censo da Educação Básica, do quantitativo de professores com formação superior sem formação na área em que atuam, levou mais uma vez o MEC, de forma equivocada, a propor ao Conselho Nacional de Educação o estudo de uma alternativa para a rápida formação desses professores. O Programa Emergencial de Segunda Licenciatura para professores em exercício na educação básica pública, há três anos, realizado por IES públicas em regime exclusivamente presencial, passa então a ser assumido pelo Plano Nacional de Formação como a via preferencial para a oferta de formação de professores nos cursos específicos de suas áreas de atuação5 (CNE/CP 2009: 1). As políticas docentes têm, historicamente, cometido o equívoco de tomar as consequências do problema como se fossem sua raiz, propugnando o fim das licenciaturas como curso próprio, uma conquista desde 2002, ou a sua aceleração, como um remédio para a carência de professores

Os programas têm a duração entre 800 e 1.200 horas, dependendo da área de formação e atuação. 5

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em áreas críticas do ensino. Hoje, como em 1997, reafirma-se que a raiz do problema da escassez de professores está na crescente desvalorização econômica e social do professor, como resultado das péssimas condições de trabalho e salários e da inexistência de um plano de carreira que valorize a função docente e o trabalho pedagógico profissional. Todo o esforço que vem sendo feito por diferentes universidades, na direção da preparação e formação de professores, esbarra sempre na dura realidade que esses profissionais enfrentam em seu campo de trabalho na escola pública, consequentemente degradada e desqualificada como espaço de formação das novas gerações. As informações sobre a formação dos professores que atuam no ensino fundamental e ensino médio, em 2009, revelavam que, em praticamente todas as áreas, os professores atuavam em disciplinas para as quais não haviam sido formados, conforme o Gráfico 2. Gráfico 2 – Proporção de docentes com a mesma formação da disciplina que leciona anos finais do ensino fundamental - Rede Pública

Fonte: MEC/INEP, 2009.

É altamente provável, portanto, que parte significativa dos professores da pesquisa TDEBB, especialmente os que atuam do sexto ao nono ano e ensino médio, estejam exercendo a docência em áreas para

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as quais não são formados, o que nos coloca diante de uma condição docente não apenas de intensificação, mas de desqualificação profissional e de sofrimento com o próprio trabalho. Essa, sem duvida, é uma questão que merece ser aprofundada na fase posterior da pesquisa, com os grupos focais.

5.3. Jornada e formação no trabalho: desigualdade educacional Outra condição no/do trabalho docente que se articula à formação, é a jornada de trabalho, uma vez que ela está relacionada à disponibilidade e o tempo livre para cursos de formação continuada com o consequente impacto na carreira, mantidas as regras atuais de progressão prioritariamente por titulação. Nesse particular, os dados desagregados da pesquisa – professores com e sem formação – nos revelam que: 1. Entre os professores sem formação superior, 80% se concentram em uma escola, 51% trabalham em dois turnos ou mais e 17% trabalham em duas unidades educacionais. Há uma grande probabilidade de que esses professores pertençam à educação infantil6. 2. Entre os professores com formação superior, 46% se concentram em uma escola, e 59% em apenas um turno, 40,5% trabalham em dois turnos e 42% trabalham em duas unidades educacionais. Essa situação de dupla jornada e de atuação em mais de uma unidade escolar, justificaria uma manifestação positiva dos professores sobre a dedicação exclusiva a uma unidade educacional e o aumento de horas destinadas às atividades extraclasses, quando são indagados das ações que poderiam melhorar a qualidade do seu trabalho. No entanto, essas alternativas receberam indicação de apenas 12,6% e 10,7% respectivamente aos professores com formação superior e 6,9% e 7,5%, dos demais professores. A redução do número de alunos por turma e melhor remuneração foram as alternativas mais indicadas. Esse dado contrasta com o dado geral do Relatório da Pesquisa, que indica que grande parte dos docentes – 42% – levam sempre atividades Dados do Censo de 2011 já nos indicavam que aproximadamente 80% dos professores de educação infantil se concentram em apenas uma escola (Cf Sinopse da Educação Básica, 2011). 6

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para casa e 24% frequentemente, sendo a média de horas semanais dedicadas pelos docentes a trabalhos relacionados à sua atividade, em casa, de 7 horas semanais. Ou seja, as manifestações parecem indicar que os professores podem não estar se percebendo como aqueles que, pela ausência de reivindicação quanto a jornada integral e dedicação exclusiva a uma escola, contribuam para os processos de intensificação e autointensificação do trabalho. Ou, ao contrário, estejam na realidade exercendo uma resistência a processos de elevação da jornada de aula em atividades exclusivamente com as crianças/estudantes. Encontramos ainda diferenças significativas na forma como se percebem, por exemplo, frente ao seu trabalho com os alunos/crianças. Professores com formação superior parecem enfrentar dificuldades em motivar as crianças – apenas 32% concordam com a afirmação de que é fácil motivar as crianças, em contraposição a 53% sem formação superior, que consideram fácil essa tarefa. Os dados nos instigam a levantar hipóteses que merecem ser mais aprofundadas. Como, por exemplo, professores sem formação superior se sobressaem frente aos seus pares com formação superior naquelas dimensões do trabalho cotidiano que trazem alguma recompensa afetiva, quando manifestam que sentem facilidade em motivar seus alunos e que realizam um trabalho socialmente valorizado, ou quando saem da atividade cotidianamente com o sentimento de que os alunos/crianças aprenderam alguma coisa de importante. Aproximam-se e concordam em pontos mais objetivos como ao afirmarem que manter a disciplina em sala de aula com os alunos/crianças exige muita energia, algumas vezes têm medo dos seus alunos/crianças e sobre o sentimento de que os alunos/crianças respeitam sua autoridade ou ao se verem como uma pessoa que tem um papel importante sobre o futuro de seus alunos/crianças. Os professores com formação superior se destacam sobre as manifestações de seus colegas sem formação superior, quando manifestam possuir muito controle sobre as dimensões próprias do trabalho pedagógico, que demandam conhecimentos diferenciados sobre os processos de ensino que guardam relação com a autonomia docente, como, por exemplo, sobre os modos e métodos de educar – 53,6% e 49,5%; a definição de suas atividades – 71,3% e 64,9%; a seleção dos conteúdos abordados em seus planos de trabalho – 64,7 e 52,1%. Por outro lado, os professores sem a formação superior afirmam ter muito controle sobre a organização do seu tempo de trabalho – 51,7% e 54,1% – a escolha

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do material didático – 48,4% e 49,7% – a avaliação dos alunos/crianças – 59% e 61,5%. Mas ambos os grupos concordam também que possuem razoável ou pouco controle sobre o projeto pedagógico da escola – 63,2% e 53,7%, afirmação que evidencia, provavelmente, conflitos no âmbito da gestão escolar, pois contrasta com o dado mais geral de todos os docentes, presente no Relatório final, no qual 68% afirmam que o projeto político-pedagógico é resultado de um trabalho coletivo e colaborativo dos docentes. Apesar de assim considerado, o projeto politico pedagógico não é objeto de discussão por parte dos professores: 56% afirmam que raramente ou nunca realizam discussão sobre ele com os colegas. Ao contrastarmos esses dados com a participação em atividades de formação, algumas questões nos incomodam e desafiam a novas investigações: 1. A participação dos docentes em eventos e atividades de formação oferecidas pela secretaria de sua rede, municipal e estadual, poderia representar a tentativa de circunscrever o trabalho docente à sua dimensão técnica, pragmática e aos objetivos da gestão municipal ou estadual e não necessariamente ao pleno desenvolvimento do projeto pedagógico escolar. 2. Estaria havendo um abandono ou desvalorização das ações de formação continuada, seja a participação em colóquios, em seminários, em programas de formação ou mesmo em atividades próprias previstas no calendário escolar, desarticulando a carreira e desmobilizando os professores para processos mais elevados de atuação. Algumas pistas que podem explicar esse aparente abandono podem ser encontradas tanto nas respostas relativas à opinião sobre a atual política nacional de formação docente, que grande parte dos docentes afirma desconhecer, como nas respostas sobre as possibilidades de desenvolvimento nos atuais planos de carreira, que também afirmam não existir, uma vez que já atingiram os níveis superiores possíveis7.

Cabe destaque ao fato de que a atual política nacional de formação, criada pelo Decreto nº 6.755 de 2009, surge em janeiro de 2009, com a regulamentação do PARFOR – Plano Nacional de Formação – em maio desse ano, exatamente o ano em que teve inicio a pesquisa em discussão neste trabalho. Mas cabe destacar também que, desde 2004, a existência de programas de formação junto a universidades públicas e algumas confessionais que tem desenvolvido programas massivos de 7

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A grande maioria dos docentes demonstra satisfação com o trabalho, raramente se sente frustrado com o trabalho e sente que tem muito a contribuir com a educação. São inúmeras as manifestações, nas diferentes dimensões pesquisadas, que nos informam que os docentes de modo geral e os professores parecem se mobilizar por outros fatores que não exclusivamente os salariais. Parecem se mobilizar por objetivos que ultrapassam as dimensões meramente cognitivas da formação de suas crianças, restritas aos aspectos metodológicos do processo de trabalho docente, resistindo, talvez, aos restritos espaços aos quais as políticas docentes atuais pretendem circunscrevê-lo. No conjunto das alternativas colocadas, consideram-se como mais importantes os objetivos relacionados aos fins e objetivos da educação, da escola e aqueles articulados a um projeto educativo e social de formação cultural de seus estudantes. Mas, quais são os esforços que o coletivo da escola, da qual fazem parte, realiza para alcançá-los, se nem mesmo o projeto pedagógico é objeto de discussão e provavelmente pouco orientador dessas ações? Assim é que a imensa maioria dos docentes, respondeu positivamente – de 81% a 91% de respostas – ao considerar objetivos muito importantes como a preparação dos alunos/crianças para serem cidadãos responsáveis, a promoção do desenvolvimento integral do aluno/criança, a instrução dos alunos, a educação dos alunos/crianças de acordo com valores e normas sociais, fazê-los adquirir as competências básicas (ler, escrever, contar). E, na contramão das políticas liberais, consideraram como algo de menor importância a preparação dos alunos/crianças para o mercado de trabalho. Mas, cabe indagar: qual o sentido que imprimem a essas respostas no trato com seus alunos/crianças. Que conhecimentos compartilham com seus pares sobre suas crianças? Conhecem suas vidas? Aproximam-se de suas positividades e suas dificuldades ou permanecem no senso comum tão ao gosto das políticas liberais? O trabalho coletivo também é uma das dimensões investigadas que merece destaque frente às condições atuais do trabalho docente nas escolas públicas. A situação socioeconômica precária, que produz as condições de vida das crianças das classes populares que frequentam majoritariamente a escola pública, tem colocado os professores diante de contingencias que demandam outras formas do trabalho pedagógico. Sendo assim, formação articulados aos sistemas de ensino, além de cursos de extensão e para o aperfeiçoamento.

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certamente, o compartilhamento de experiências, sobre os conteúdos e métodos de ensino, e a troca de material pedagógico entre os colegas são ações que parecem não envolver tanto e significativamente o esforço dos professores para a discussão sobre os alunos/crianças. Assim, identificamos que estão em polos opostos as preocupações frente ao projeto pedagógico da escola e as discussões sobre as crianças: a opção discussões desenvolvidas com os colegas sobre os alunos/crianças – recebeu 88,1% entre as opções sempre e frequentemente – enquanto a alternativa discussão sobre o projeto politico pedagógico – recebeu 54,0% somadas raramente e nunca. Essa é também uma dimensão que mereceria ser examinada em maior profundidade na continuidade das investigações e dos grupos focais. Essas percepções nos levam a problematizar sobre como os professores se veem no trabalho, como analisam suas possibilidades de progresso, de aprimoramento e de superação profissional em suas relações com o coletivo escolar – entendido tanto como seus pares professores quanto os demais docentes em outras funções, uma vez que afirmam que frequentemente realizam participação conjunta em ações de formação e atualização profissionais. Mas, esse tempo e espaço de suas discussões trazem para a roda os alunos, as crianças, os estudantes, suas vidas e manifestações? Apesar dessas necessidades e expectativas identificadas, que permanecem há décadas como anseios não realizados dos educadores, as perspectivas para o desenvolvimento de outras políticas não estão no horizonte das metas e estratégias do PL nº 8035 do Plano Nacional e Educação, em exame pelo Congresso Nacional. As proposições das Metas 15 a 18 e suas respectivas estratégias não incorporaram as contribuições da I CONAE de valorização profissional na perspectiva de apoio a projetos investigativos e a grupos de estudos de professores em articulação com as Universidades. Manteve-se a atual concepção de valorização profissional vinculada unicamente ao cumprimento da Lei do Piso, ao oferecimento de formação continuada restrita a cursos – de pós-graduação lato e stricto sensu –, ao acesso a materiais didáticos e no apoio à preparação de aulas. A questão da jornada de trabalho em uma única escola, meta não cumprida no PNE 2001-2010, manteve a mesma redação do PNE anterior:

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Implementar, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, planos de carreira para os (as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica, observados os critérios estabelecidos na Lei n°11.738, de 2008, com implantação gradual do cumprimento da jornada de trabalho em um único estabelecimento escolar. (PL nº 8035/2010, Estratégia 17.3)

Com o agravante de não definir metas intermediárias submetidas à constante avaliação de seu cumprimento, aumentando a probabilidade de continuarmos com professores horistas, distribuídos por duas ou mais escolas. Essa probabilidade é alta, uma vez que, nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio – em razão da estrutura curricular e disciplinar nas áreas com menos carga horária e mais carentes de professores formados –, a carga horária dos professores é, via de regra, dividida não apenas entre várias escolas, mas principalmente em várias turmas, configurando um processo de intensificação do trabalho docente, que se responsabiliza pela formação de 500 a 700 alunos.

5.4. Formação continuada e carreira: os vínculos necessários Essas dimensões que focalizamos na análise dos dados da pesquisa nos levam a tecer considerações sobre a formação continuada e as ações de políticas docentes que são desenvolvidas para apoiar os professores em seu trabalho e contribuir para seu aprimoramento profissional para além das propostas atuais de titulação de caráter cartorial e certificação de cursos. Os dados da pesquisa nos mostram que os professores participam de forma significativa, nas atividades de formação desenvolvidas no calendário escolar e organizadas pela própria secretaria de educação à qual a escola está vinculada – município ou estado. Contudo, também revelam que 28% dos professores com formação superior participaram de cursos de formação em universidades e 59,7% participam de atividades de formação previstas no calendário escolar, em ações desenvolvidas pela respectiva secretaria de educação – municipal ou estadual. Em relação à instituição formadora responsável pela oferta de programas de formação, identificamos, entre as respostas que contemplam todos os sujeitos docentes, que aproximadamente 1.502 (17%) dos entrevistados participaram de programas de formação, sendo que aproximadamente

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900 em universidades, dos quais 800 em IES públicas e apenas 140 em IES privadas. Se considerarmos o total de docentes envolvidos em programas de formação – aproximadamente 1.629 do total de 5.965 –, pode-se afirmar, com certeza, que na formação continuada, com o caráter de programa de formação/atualização e atividades no calendário escolar, há um forte peso das instituições públicas, uma vez que estas fazem parte da Rede Nacional de Formação Continuada de professores da Educação Básica, criada em 2003-2004 pelo Ministério da Educação, no contexto da proposta de certificação docente. Responsabilizam-se, desde 2005, por programas como Pro-Letramento e Gestar II, nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática para formação de professores das séries iniciais e séries finais do ensino fundamental. Essa hipótese pode ser confirmada pela indicação dos próprios professores, que indicaram o Ministério da Educação como promotor do programa (163 professores), pela indicação das instituições formadoras e o quantitativo de professores formados por instituições que fazem parte da Rede Nacional: UFES (104), UFG (38) UFMG (47), UFPA (113), UFPR (37), UFRN, UFSC, UNAMA e UNB, com, aproximadamente, 30 a 40 professores formados. A não valorização, pela CAPES, dos cursos de especialização como cursos de pós-graduação lato sensu, vinculados aos programas de pós-graduação stricto sensu, leva-nos a afirmar que a inexistência de cursos de especialização na imensa maioria das universidades públicas tem direcionado os professores para cursos de especialização em instituições privadas, que, por sua vez, criaram um nicho mercadológico próprio para atender uma demanda das redes e dos docentes na busca pela titulação como única forma de ascensão na carreira. A resposta dos docentes sobre como percebem os aspectos valorizados no plano de cargos e salários – o tempo de serviço e a titulação – evidencia o perverso movimento que vem se produzindo historicamente na profissionalização dos educadores. Ao priorizarem esses fatores, os próprios sistemas se desresponsabilizam frente à formação continuada, que tem sido entendida como um direito dos profissionais e um dever do Estado. Com isso, a fragilidade da condição docente se acentua, perpetuando a desigualdade educacional e profissional pelas condições de formação: duplas jornadas e salários incompatíveis, aliados à condição de vida da imensa maioria dos professores, têm atuado como instrumentos que aprofundam a desigualdade educacional pela formação e impedem a ascensão a níveis mais elevados na carreira docente. São estas as condições que vêm abrindo caminho para a aceitação tácita, por parte dos sistemas e até mesmo dos próprios

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professores, dos atuais sistemas de ensino, ou passo a passo, evidenciando o gerenciamento privado das escolas públicas, em franca expansão por todo o país, como nos mostra pesquisa conduzida no estado de São Paulo (Adrião e outras, 2009)8. Tais empresas, mais do que meras fornecedoras de materiais e equipamentos, passam a incidir sobre o desenho da política educacional local e sobre a organização do trabalho docente e administrativo desenvolvido em cada uma das unidades, razão pela qual se tornam parceiros das prefeituras. Esse quadro nos revela as potencialidades e os limites das formas atuais de organização institucional das universidades públicas para poder contribuir nos processos de formação continuada, mas também a inicial, de professores, para cumprir as metas bastante tímidas do Plano Nacional de Educação 2011-2020. Esse reconhecimento demanda, sem duvida, do poder público um esforço gigantesco para se passar, dos restritos e mirrados números atuais, para uma formação massiva dos quadros da educação básica. Entretanto, já não é suficiente tratarmos dessa questão apenas em seus aspectos quantitativos, torna-se urgente o delineamento de uma política docente – de formação e valorização profissional – que trate das dimensões qualitativas em relação ao trabalho docente, na perspectiva de sua transformação e do envolvimento dos professores na construção de um projeto educativo.

“O período abordado na pesquisa compreendeu os anos de 1997 a 2006. Complementarmente, desenvolveram-se estudos de caso em sete municípios de portes diversos que adquiriram sistemas apostilados. As informações coletadas indicam uma tendência crescente nos municípios paulistas, sobretudo naqueles com até 50 mil habitantes, considerados de pequeno porte, a buscar suporte político e pedagógico para o atendimento educacional sob sua responsabilidade junto a empresas privadas que oferecem serviços e produtos, tais como materiais didáticos para alunos e professores, incluindo apostilas e CD-ROM, formação docente em serviço e monitoramento do uso dos materiais adquiridos. Parece-nos que tais empresas, mais do que meras fornecedoras de materiais e equipamentos, passam a incidir sobre o desenho da política educacional local e sobre a organização do trabalho docente e administrativo desenvolvido em cada uma das unidades razão pela qual se tornam parceiros das prefeituras” (Cf. Adrião et al., 2009: 802). 8

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Conclusões iniciais Ao finalizar este trabalho, reafirmamos algumas convicções e colocamos outras em suspeita. Falamos de uma política de formação e valorização do magistério como profissão que dá identidade a, com o sentido de projeto de vida e futuro para os educadores, enquanto percurso da existência, uma carreira que deve necessariamente estruturar-se tendo como parâmetro orientador o compromisso social dos educadores com as necessidades educativas de nosso povo e com a qualidade histórica da escola. No entanto, as condições do trabalho pedagógico na escola pública, impactadas pela produção da vida material de nossa infância e juventude, já denunciadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) em seus documentos Retrato da Escola, desde 19999 demandam investimento público massivo em políticas de profissionalização e de formação continuada de professores, de qualidade elevada, para a educação básica, além de condições de infraestrutura que ofereçam suporte para a formação integral da infância e da juventude, produção de conhecimento e a formação científica adequada às demandas contemporâneas da ciência e da técnica, da cultura e do trabalho. São estas condições desveladas também por inúmeros outros estudos (Oliveira, 2004; UNESCO, 2011), que vêm afastando do magistério amplas parcelas da juventude que, desde as universidades e do ensino médio, poderiam se incorporar aos processos de formação das novas gerações. As políticas de formação têm colocado perspectivas diferenciadas de profissionalização e aprimoramento para cada um desses espaços, ao invés de condições igualitárias. O grande número de estudantes que escolhem ainda hoje a licenciatura, nas instituições de ensino superior, como aqui demonstrado, evidencia as potencialidades da juventude na direção da profissão. No entanto, apenas nos últimos três anos as licenciaturas e a formação de professores fazem parte efetivamente da agenda de financiamento (não apenas no discurso), investimentos e recursos orçamentários do Ministério. Ainda assim, fragmentado entre prograA CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação – desenvolve estudos e pesquisas desde 1999, com o objetivo de agregar um novo componente à ação sindical, usando a pesquisa científica como um instrumento técnico a ser potencializado em favor da intervenção político-educacional. São três os Relatórios de Pesquisas, desenvolvidas em 1999, 2001 e 2003. Em: http://www.cnte.org. br/images/pdf/pesquisa_retrato_da_escola_3.pdf acessado em junho de 2012. 9

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mas que atingem poucos estudantes para a grande demanda existente, e atingem poucos professores na formação continuada oferecida pelas universidades públicas e confessionais. As ações nas políticas de formação, em resposta aos desafios enfrentados pela juventude, vêm se caracterizando pela fragmentação, assegurando, consequentemente, dimensões diferenciadas de profissionalização com aprimoramento em cada um desses espaços, diferenciando, portanto, os conhecimentos científicos, técnicos e culturais oferecidos. Essas iniciativas ocultam a desigualdade de condições oferecidas aos estudantes, resultantes da diferenciação entre instituições de ensino e pesquisa e instituições exclusivamente de ensino, diferenciando estudantes que estudam e pesquisam e estudantes que estudam e trabalham, produzindo, pelas próprias políticas públicas, a desigualdade educacional que acaba por reproduzir a desigualdade social no âmbito da escola pública de educação básica. Em que pese todos os esforços, tanto da União como dos estados e municípios, continuamos a vivenciar uma política de formação de professores que oferece diferentes oportunidades de formação aos estudantes, dependendo dos percursos anteriores na educação básica e das suas condições de classe, dissimulada, sob a concepção de equidade, de que ao Estado cabe oferecer igualdade de oportunidades, em contraposição à igualdade de condições (Freitas, 2002, 2004, 2007). Igualdade que tem potencialidades de se efetivar mediada pelo desenvolvimento da formação exclusivamente em universidades públicas, como projeto institucional sob a responsabilidade de todas as unidades, mas no qual as faculdades e os centros de educação devem ser fortalecidos como um espaço institucional acadêmico e científico, responsável pela produção de conhecimentos que contribuam para a formação de qualidade elevada de todos os educadores. Evidencia-se, portanto, um divórcio entre as necessidades atuais da escola e de profissionalização da juventude frente a um sistema educacional que não oferece as possibilidades que a habilite, de forma plena, para fazer frente à vida do trabalho concreto na escola pública e, posteriormente, na vida social. Entendemos que a expansão da universidade pública nas áreas das licenciaturas, a elevação da formação com qualidade referenciada nas necessidades históricas das classes populares, o financiamento público da educação oferecida pelo Estado e a gestão pública dos processos formativos são princípios orientadores de uma política nacional de for-

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mação e valorização profissional que pode fazer frente a esses desafios em nosso tempo. O divórcio criminoso entre a educação que se oferece em uma época e a época, como nos dizia José Martí, pode e deve ser superado em nosso país mesmo nos limites das condições atuais. No entanto, um projeto educativo em nosso país e em toda a nossa América Latina, somente pode construir-se sobre novas bases, e com caráter emancipador para resolver, de forma positiva, a profunda crise estrutural da educação que vem se arrastando há décadas e que se manifesta nas condições educativas de nosso povo.

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Capítulo 5

Formação docente e o campo educacional: políticas, regulações e processos Mário Luiz Neves de Azevedo1

Introdução A notícia que te trago ser-te-á muito agradável; sem dúvida que o será; mas pode também causar-te alguma contrariedade. Mensageiro – Rei Édipo. Sófocles

O objetivo central desse capítulo é analisar a Formação Docente a partir dos achados da pesquisa “A condição do Trabalho Docente”, encaminhada no período no biênio 2008-2009, envolvendo sete estados (PR, MG, ES, RN, GO, PR e SC) e sendo coordenada pelo GESTRADO-UFMG. Historicamente, a formação docente no Brasil em cursos especialmente destinados para isso ocorria nas Escolas Normais, em nível que atualmente é denominado de ensino médio. Somente a partir da Revolução de 1930, e com a maior industrialização e urbanização do País, a formação docente passa também a ocorrer em nível de licenciatura (inclusive a Pedagogia)2.

Não era a intenção fazer um salto tão grande na História das políticas para a formação docente, mas por motivo de espaço e para não ser redundante em informações já prestadas por outros autores nessa coletânea, escuso-me de não fazer menções ao longo período histórico que produziu políticas públicas referenciadas em leis tais como: 4024/1961, 5540/68, 5692/71 e 7044/82. Como sugestão de leitura, para além dos capítulos constantes na presente coletânea, recomenda-se Cunha (1991) e Gatti e Sá Barreto (2009). 2

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Atualmente, sob a vigência da Lei nº 9394 de 1996, não é exigida a formação docente em nível superior (licenciatura) para o exercício do magistério na educação infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, isto é, apenas nas posteriores séries (finais do ensino fundamental em diante) o requisito da formação em educação superior é legalmente obrigatório. Diz a LDB: Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. Com relação à modalidade de Educação Superior, a formação docente a distância, por intermédio de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs), a partir da promulgação da LDB 9394/1996, tem recebido incentivo oficial da União. O art. 80 da LDB é claro nesse sentido: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada”. Dessa forma, fundamentalmente a partir de 2001, a formação docente na modalidade a distância em educação superior dá fortes saltos quantitativos. Segundo o Censo da Educação Superior 2010, de um total de 1.354.989 estudantes matriculados em licenciaturas no Brasil, havia 426.241 matrículas em EAD e 928.748 matrículas presenciais, o que corresponde a 31,5% do total de estudantes em cursos de licenciatura no Brasil.

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133 973,839 345,335 173.408

Concluintes

Funções Docentes em Exercício (1)

Matrículas de Pós - Graduação

78,608

99,945

302,359

938,656

5.326

95.113

13,67

1.788.209

13,15

1.033.769

Graduação e Pós - Graduação

144.911

99

Federal

Pós - Graduação

130.798

190.597

475.884

1.643.298

9.245

278

Graduação

Total

14,42

650.062

48.950

45.069

72.530

141.413

601.112

3.286

108

Estadual

Pública

Categoria Administrativa

14,68

104.378

848

7.112

18.122

32.112

103.530

6.333

71

Municipal

22.21

4.764.498

28.497

214.256

783.242

1.706.345

4.736.001

20.262

2.099

Privada

Fonte: MEC/INEP

Nota (1): Corresponde ao número de vínculos de docentes a instituições que oferecem cursos de graduação. A atuação docente não se restringe, necessariamente, aos cursos de graduação. Nota (2) : Inclui matrículas de graduação e de pós-graduação.

18,97

2.182.229

Ingressos todas as formas

6.552.707

6.379.299

Matrículas de Graduação

Matrículas Total (2)

29.507

Cursos

Razão Matrículas Total/ Funções Docentes em Exercício

2.377

Total Geral

Instituições

Estatísicas Básicas

Tabela 1- Estatísticas Básicas de Graduação (presencial e a distância) por Categoria Administrativa - Brasil - 2010


A propósito, a educação superior no Brasil, totalizando 6.379.299 estudantes, em 2010, ocorre majoritariamente em instituições privadas (4.736.001 alunos, correspondendo a 74,2% dos matriculados), no turno noturno (63,5%), com predomínio feminino (57,0%), presencial (85,4%), porém, com forte crescimento da formação por intermédio da modalidade a Distância. Em 2001, o número de matriculados em EAD era próximo de nulo em comparação com as matrículas presenciais; em 2010, as matrículas em EAD representavam 14,6% do total3. Vale a pena notar, entretanto, que o survey foi aplicado em 2009 e, nesse mesmo ano, foram lançadas novas políticas para a formação docente, inclusive com a instituição da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica, por intermédio do decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, e o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (PARFOR), pela Portaria nº 9, de 30 de junho de 2009, por intermédio da fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), que recebeu a incumbência, entre outras funções, de administrar a formação de pessoal para a educação básica a partir da Lei 11.502/2007. De acordo com Art. 2º da referida lei, A Capes subsidiará o Ministério da Educação na formulação de políticas e no desenvolvimento de atividades de suporte à formação de profissionais de magistério para a educação básica e superior e para o desenvolvimento científico e tecnológico do País (...).

§ 2º No âmbito da educação básica, a Capes terá como finalidade induzir e fomentar, inclusive em regime de colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal e exclusivamente mediante convênios com instituições de ensino superior públicas ou privadas, a formação inicial e continuada de profissionais de magistério, respeitada a liberdade acadêmica das instituições conveniadas (...). (Grifo nosso)

De acordo com informações extraídas do survey, de 7.353 entrevistados com diploma em educação superior, 3.439 docentes (equivalente a 46,8%) se formaram em Pedagogia ou Normal Superior e 3.914 finalizaram cursos de graduação em outras licenciaturas. 3

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A convocação da CAPES para uma atuação na educação básica estimula mudanças estruturais e de procedimentos no campo educacional4, pois se trata de um agente social, de conduta saliente no campo acadêmico, que atua tradicionalmente como financiador, regulador, emulador e indutor de práticas e comportamentos em sua área de afetação. Caso prevaleçam os princípios históricos de atuação da CAPES, dois cenários podem ser visualizados. Primeiramente, pela via otimista, estimulando a libido sciendi e a libido cognoscendi5, as regras do jogo no campo educacional tenderiam a mudar de maneira a aumentar a importância dos objetos em disputa de corte mais sofisticados e “desinteressados”: o conhecimento, o reconhecimento, a ciência e o prestígio (do magistério). Segundo, como uma alternativa pessimista (realista?), incitando a libido dominandi6, pode se desenhar um cenário em que haja a preponderância da competição, do individualismo e da luta pelo poder. Distante de precipitar-se em uma análise anacrônica, pois não se trata de analisar os dados do survey, coletados em momento histórico anterior, referenciando-os em políticas posteriores ou em cenários irrealistas, entretanto, deve-se observar que o début da CAPES como agente social qualificado na educação básica pode ser considerado como a entrada do próprio Estado, com seus quadros de elite e arsenais de indicadores, na regulação do campo educacional (básico e superior). A nova CAPES, assim, representa o espaço de interseção entre três campos sociais, o campo educacional (educação básica), o campo aca-

Segundo Bourdieu, “os campos se apresentam à apreensão sincrônica como espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas). Há leis gerais dos campos: campos tão diferentes como o campo da política, o campo da filosofia, o campo da religião possuem leis de funcionamento invariantes (é isto que faz com que o projeto de uma teoria geral não seja absurdo e que, desde já, seja possível usar o que se aprende sobre o funcionamento de cada campo particular para interrogar e interpretar outros campos [...])” (1983: 89). 5 Libido cognoscendi, algumas vezes também chamada de libido sciendi, é o desejo de aprender e de conhecer. De acordo com Bourdieu, “existem tantos tipos de libido quanto de campos [sociais]: o trabalho de socialização da libido é, precisamente, o que transforma as pulsões em interesses específicos, interesses socialmente constituídos que apenas existem na relação com um espaço social no interior do qual certas coisas são importantes e outras são indiferentes, para os agentes socializados [atores sociais], constituídos de maneira a criar diferenças correspondentes às diferenças objetivas nesse espaço” (Bourdieu, 1996: 141-142). 6 Libido dominandi é o desejo pelo poder (desejo de dominar). Ver nota de rodapé 4. 4

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dêmico (educação superior) e o campo do poder (o campo burocrático, o Estado propriamente dito), de modo a, com sua experiência (e poder legítimo e consagrado) na educação superior e na pesquisa, exercer o papel de catalisador na formação de pessoal docente em quantidade e com o perfil requeridos pelo Estado para a educação básica, trazendo, para isso, novas balizas e medidas para o jogo, novos objetos de disputa e morfologia e estrutura renovadas para o campo educacional. Isso também para destacar que o survey está datado, isto é, muito do que por seu intermédio foi percebido está mudado ou em mudança, o que significa dizer que continua aberta a oportunidade para, com diferentes ou similares instrumentos e métodos de pesquisa, conferir o impacto das políticas públicas de formação docente mais recentemente implantadas.

Formação Docente: cidadania e emancipação A essência humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”. (Marx e Engels, 1984: 109) Evito sempre atribuir um valor a quem quer que seja com base no que se costuma chamar ‘inteligência’, ‘bondade natural’, rapidez de espírito’ etc., porque sei que tais avaliações possuem um alcance muito limitado e são enganadoras. Mais do que isso, parece-me importante a ‘ força de vontade’, o amor pela disciplina e pelo trabalho, a constância nos propósitos, e, quanto a este modo de pensar, levo em conta, mais que a criança, aqueles que a guiam e que têm o dever de fazê-la adquirir tais hábitos, sem modificar a sua espontaneidade. (Gramsci, 1987: 201 – Carta a Teresina – 04 mai 1931 – do cárcere)

As condições de trabalho docente, inclusive a formação para o magistério, não podem ser vistas isoladamente ou somente a partir das respostas ao survey de que trata o presente capítulo. As políticas públi-

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cas (textos), o campo social (contexto social das aplicações) e o espaço global (contexto das relações internacionais) devem ser considerados em conjunto para compreender o processo e a situação do trabalho docente e de sua formação. Nesse sentido, como tratar de políticas públicas de formação docente desconsiderando as reformas neoliberais nos últimos tempos? A propósito, Robertson nota que o avanço dos projetos de marca neoliberal alterou substancialmente o tecido social e as relações sociais no Mundo (2007: 4). Tendo como consequência, conforme mais recentemente analisa Robertson (2012), (...) dos anos 1980 em diante, as ideias da Escola de Chicago, regida pelos economistas Friedrich von Hayek e Milton Friedman, vieram a dominar. Apropriadas pelas administrações de Thatcher e de Reagan, no Reino Unido e nos Estados Unidos, respectivamente, o neoliberalismo no estilo-Chicago viria a afetar o “grande movimento para a direita” [referência ao artigo The Great Moving Right Show, de Stuart Hall, 1979]. À medida que projetos se desenrolavam nos anos 1980, um conjunto de ideias despontou: o desfazer das políticas protecionistas do Estado para viabilizar uma movimentação financeira mais livre, da mesma forma que para o comércio e o trabalho dentro das fronteiras nacionais (ação conhecida como “desregulação”); a implementação de políticas de competitividade entre os setores público e privado enquanto gerasse eficiência; a privatização de uma série de atividades antes estatais; e uma redefinição da atividade estatal (envolvendo um processo duplo de descentralização e recentralização)7 (2012: 4-5).

Dessa maneira, ao se ler as respostas ao survey, fase de investigação fundamental da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no

“In any event, from the 1980s onwards, the ideas of the Chicago School, driven by the economists Friedrich von Hayek and Milton Friedman, were to eventually dominate. Picked up by the Thatcher and Reagan administrations in the UK and US respectively, Chicago-style neo-liberalism was to affect a ‘great moving right show’ (Hall, 1979). As projects were rolled out in the 1980s, a cluster of key ideas featured: the unpicking of the state’s protectionist policies to enable the freer movement of finance, trade and labor across national boundaries (referred to as deregulation); the implementation of competition policies across the public and private sectors aimed at creating efficiencies; the privatization of a range of former state activity; and the rescaling of state activity (involving a dual process of decentralization and recentralization)” (Robertson, 2012: 4-5). 7

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Brasil, faz-se, ao mesmo tempo, a relação com a realidade nacional e global de crises, o avanço da mercadorização, o predomínio mundial da teoria do capital humano (empregabilidade, individualismo e responsabilização do trabalhador), a integração dos países em blocos regionais, a diminuição dos direitos sociais, violência, as guerras, o império do livre-câmbio e a concentração da riqueza. O que significa dizer que o campo educacional nacional (talvez global) faz parte desse ambiente e, em especial, tem se caracterizado por salários médios baixos, necessidade de contratação de maior número de docentes, clima de insegurança, individualismo, competição, estabelecimento de benchmarks, indicadores e recomendação de “boas práticas” (Azevedo, 2012). Porém, mesmo com os constrangimentos (soft e hard) do reformismo neoliberal, observa-se que o campo educacional também possui certa autonomia; uma paradoxal “relativa independência na dependência” que impele os atores sociais do campo educacional a fazerem concessões e, também, oporem resistências às reformas e comandos externos. Ou seja, o campo educacional tanto pode atender, com a aparência de neutralidade, às injunções e constrangimentos provenientes de atores de diferentes campos sociais (a exemplo do Estado, em sentido amplo, que o financia e o campo do poder e suas extensões – nacionais e global), como pode resistir às investidas externasse reivindicar que não haja ingerência e intromissões de atores sociais diversos no campo educacional. De acordo com Bourdieu, Conceder ao sistema de ensino [ou ao campo educacional] a independência absoluta à qual ele pretende ou, ao contrário, não ver nele senão o reflexo de um estado de um estado do sistema econômico ou a expressão direta do sistema de valores da ‘sociedade global’, é deixar de perceber que sua autonomia relativa lhe permite servir às exigências externas sob as aparências de independência e da neutralidade, isto é, dissimular as funções sociais que ele desempenha e, portanto, desincumbir-se delas mais eficazmente (itálico no original) (1982: 189).

Nesse sentido, as condições do trabalho docente estão mediata e imediatamente relacionadas às regras do campo educacional e à normalização operada pelo campo burocrático nacional (Estado), por intermédio de políticas públicas e legiferações (inclusive a LDB) pertinentes à educação, assim como às circunstâncias econômicas, políticas, culturais e sociais, consensualizadas ou impostas, tácitas ou explícitas, nacionais ou globais.

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A compreensão desse processo, segundo Bourdieu, pode ser empreendida por intermédio do conceito de campo social para evitar o chamado “fetichismo do texto autonomizado” (2004: 19-22), que seria, primeiro, o equívoco de analisar as políticas públicas somente pelo texto – pela lei publicada – e, segundo, o “erro de curto circuito” (2004: 19), que significa a redução do texto e o objeto de pesquisa ao contexto. Para evitar isso, Bourdieu sugere que “(...) para compreender uma produção cultural (...) [ou uma política pública] não basta referir-se ao conteúdo textual dessa produção, tampouco referir-se ao conteúdo textual contentando-se em estabelecer uma relação direta entre o texto e o contexto” (2004: 20). Dessa forma, os resultados do survey (que não deixam de ser também um texto) foram extraídos de uma amostra de 8.765 sujeitos em um contexto social, político, cultural e econômico no qual predominam ainda, por exemplo, o neoliberalismo que, por sua vez, foi em grande parte adotado como referência textual e contextual de variadas políticas públicas. Robertson afirma que “ao notar o impacto do neoliberalismo sobre os locais e as condições de trabalho docente, é possível detectar efeitos sobre o mercado de trabalho, atividades profissionais e status dos professores” (2007: 4)8. Nesse sentido, encaminhar uma investigação a respeito da formação docente, mesmo com a coerente e correta aplicação dos pressupostos teóricos e metodológicos (inclusive estatísticos), requer a devida conexão à situação social, econômica, cultural e política para que se possa conhecer o espaço e o campo de onde fala o docente. Assim, os docentes da educação básica que responderam ao survey (amostra estatística de 8.765 representantes de sete Estados das cinco regiões do Brasil) nos indicam seu posicionamento diante de complexas questões, revelando que o campo educacional e o Estado travam uma relação de “dependência na independência”, o que significa dizer que o docente (indivíduo ou o campo educacional), por um lado, não tem seu destino dominado integralmente por constrangimentos (materiais ou simbólicos) externos e, por outro lado, não detém o controle completo de suas ações, sofrendo com o peso das reincidentes políticas públicas educacionais de inspiração neoliberal.

“In looking at the impact of neo-liberalism on teachers’ workplaces and conditions of labouring it is possible to detect affects on teachers’ work, status and market situations” (2007: 4). 8

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Dessa maneira, no survey, ao se manifestarem a respeito de seu preparo inicial para o magistério, os docentes demonstraram que possuíam, com ênfases diferenciadas, os requisitos para a entrada na profissão. Esse mesmo padrão aparece entre os respondentes à questão “quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação ao manejo da disciplina? Aqueles que se declararam despreparados foram somente 9%. Ou seja, 91% dos docentes se sentiam capazes de manejar a disciplina em sala de aula, distribuídos no seguinte gradiente: razoavelmente preparados (44%), preparados (38%) e muito preparados (7%). O uso das novas tecnologias, relativamente incorporadas em tempos mais recentes ao universo escolar, não foi operação de fácil incorporação no início das atividades docentes, pois 30% disseram que não se sentiam preparados para o uso das novas tecnologias. Gráfico 1 - Quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação à utilização de novas tecnologias?

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Ao responderem a questão “quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação à avaliação da aprendizagem?”, somente 7% se disseram despreparados. Os demais 93%, distribuíram-se entre os “muito preparados” com 6%, “preparados” foram 46% e os “razoavelmente preparados” contaram 41%. No que se refere à comunicação com os alunos, no início das atividades na educação, os docentes se sentiam seguros, pois apenas 3% se

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declararam despreparados. Já 55% se posicionaram como “preparados”, 18% como “razoavelmente preparados” e 24% como “muito preparados”. Por sua vez, ao serem perguntados sobre como se sentiam em relação à comunicação com os pais quando se iniciaram nas atividades de educação, os docentes também demonstraram autoconfiança, pois apenas 6% se sentiam “despreparados”, pouco mais da metade (51%) disseram estar “preparados”, 26% de “razoavelmente preparados” e 17% de “muito preparados”. As respostas à pergunta “quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação ao trabalho em equipe/colaboração com os colegas?” demonstram que os docentes têm incorporado o espírito do trabalho em equipe e de colaboração (por que não dizer de solidariedade), pois, ao começarem as atividades na educação, 97% disseram que se sentiam aptos para o exercício do magistério como um trabalho coletivo, assim distribuídos: “preparados” (56%), “muito preparados” (22%), “razoavelmente preparados” (19%). No que se refere às questões da organização burocrática do trabalho (administração), a quinta parte dos docentes (20%) sente que não tem o domínio dos aspectos administrativos da unidade educacional, isto é, expressivos 80% afirmaram possuir algum tipo de domínio na área de gestão da unidade educacional, distribuídos entre os muito preparados (6%), preparados (32%) e razoavelmente preparados (42%). “Quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação ao planejamento de suas atividades?”, esta questão do survey teve alta resposta de suficiência, sendo 54% de docentes “preparados”, 17% de “muito preparados”, 25% de “razoavelmente preparados” e apenas 4% de “despreparados”. Para a questão “quando iniciou as atividades na educação, como se sentia em relação ao conhecimento sobre como as crianças/jovens aprendem e se desenvolvem?”, 8% afirmaram estar “despreparados”; 9% “muito preparados”; 43% “preparados” e 40% “razoavelmente preparados”. A participação em congressos, seminários e colóquios de educação é fundamental para a formação contínua do docente. Chama a atenção que 47% dos docentes não participaram de atividades dessa natureza, significando carência na oferta de eventos e/ou insuficiente atratividade para a participação docente. De acordo com a análise proposta por Bourdieu, isto é, se se pode considerar que realmente há um campo educacional consolidado no Brasil, a baixa participação em eventos educacionais, com pouco mais

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da metade (53%) dos docentes inquiridos em survey respondendo afirmativamente que participaram de algum seminário, colóquio ou congresso, demonstra que a “certificação” de eventos, uma espécie de capital cultural9 em seu “estado institucionalizado”, não necessariamente em “estado incorporado”, é pouco valorizada no campo, seja na forma de ganhos na carreira ou qualquer outro tipo de incentivo à participação, ou, ainda, a pouca oferta de eventos ou não há suficiente atratividade para a participação dos docentes. Possivelmente seja o conjunto das políticas de formação continuada que necessite de reformulação para que o corpo docente se sinta incitado a participar10. Raciocínio similar pode ser utilizado para tentar compreender a não participação de 41% dos docentes em atividades de formação previstas no calendário escolar, pois não se pode dizer que seja uma indiferença dos docentes ao jogo, ao objeto em disputa (reconhecimento/prestígio/ pecúnia) e as regras do campo educacional. Os eventos e as atividades de formação, quando reconhecidas e valorizadas, tácita e estatutariamente, pelo empregador (estados e municípios) despertam a illusio11, o interesse em estar no jogo, lutando pelo reconhecimento, mesmo que seja pela conquista da certificação (capital cultural institucionalizado que pode se converter em ganho pecuniário), e a libido cognoscendi, que é o desejo de aprender (o gosto pelo conhecimento – também gerador de reconhecimento social). Ambos, illusio e libido cognoscendi, são manifestações que instigam o “interesse” pela participação no jogo (no campo educacional) e pelos saber e (re)conhecimento12.

O capital cultural pode existir sob três formas: 1) em “estado incorporado”, sob a forma de disposições duráveis no indivíduo; 2) em “estado objetivado”, sob a forma de bens culturais (livros, quadros, dicionários, instrumentos, obras de arte em geral etc.; 3) em “estado institucionalizado”, sob a forma de títulos e certificados de estudos que conferem a seu detentor a garantia de posse de capital cultural (potencialmente) incorporado ao indivíduo (Bourdieu, 1979: 3). 10 Conforme mencionado no início do capítulo, a nova CAPES pode estar assumindo esse papel. 11 “Illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo, acreditar que o jogo vale a pena ou, para dizê-lo de maneira simples, que vale a pena jogar” (Bourdieu, 1996: 139). 12 “A noção de interesse opõe-se à de desinteresse, mas também à de indiferença. Podemos estar interessados em um jogo (no sentido de não lhe ser indiferentes), sem ter interesse nele. O indiferente ‘não vê o que está em jogo’, para ele dá na mesma (...). É alguém que, não tendo os princípios de visão e de divisão necessários para estabelecer as diferenças, acha tudo igual, dá tudo na mesma. O que os estóicos chamavam de ataraxia é indiferença ou serenidade da alma, desprendimento, não interesse. Assim, illusio é o oposto da ataraxia, é estar envolvido, é investir nos 9

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Essa constatação pode ficar mais clara ao se analisar os resultados do survey a respeito da Política Nacional de Formação Docente que, a partir dos dados levantados em 2009 (frise-se, ano do lançamento do PARFOR e da Nova CAPES), não havia alcançado o contentamento efetivo dos docentes, pois 44% dos docentes julgavam-na insatisfatória. Uma parte desse contingente de insatisfeitos (20%) considerou que essa Política “não contempla a maioria dos docentes em atividade” e, outra parte (24%), que “precisa ser reformulada”. Além desse parecer dos insatisfeitos, outros 4% declararam “não conhecer a atual política nacional de formação docente”. Já os satisfeitos se dividiram entre aqueles que ressalvavam a necessidade de essa Política ser melhorada (46%) e os que reconheceram (6%) que a Política Nacional de Formação Docente oferecia “boas oportunidades de formação em serviço”. Gráfico 2 - Em sua opinião, a atual Política Nacional de Formação Docente é:

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

alvos que existem em certo jogo, por efeito da concorrência, e que apenas existem para as pessoas que, presas ao jogo, e tendo as disposições para reconhecer os alvos que aí estão em jogo (...). Todo campo social, seja o campo científico, seja o campo artístico, seja o campo artístico, o campo burocrático ou o campo polítco [ou o campo educacional], tende a obter daqueles que nele entram essa relação com o campo que chamo de illusio [itálicos no original]” (Bourdieu, 1996: 140).

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Enfim, essa manifestação demonstra que os docentes estão atentos às regras do jogo no campo educacional e afeitos à luta por uma política de formação que seja ainda mais acessível e que possa ser reconhecida nos planos de carreira13. Do universo de contratados com base em plano de cargos e salários, de acordo provenientes do survey, 21% avaliam que a participação em atividades de formação continuada (palestras, cursos etc.) é valorizada pelo plano de cargos e salários e outros 34% declaram que a titulação acadêmica é destacada como importante. Somados os dois aspectos (formação e titulação) de valorização na carreira, chega-se a 55% dos docentes; proporção aproximada dos respondentes que participaram de atividades de formação previstas no calendário escolar (59%) dos que frequentaram congressos, seminários e colóquios de Educação (53%). Gráfico 3 - Quais são os aspectos mais valorizados em seu plano de cargos e salários?

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Próximo da metade (49,2%) dos docentes entrevistados no survey são contemplados por algum tipo de plano de carreira. 13

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O interesse “desinteressado” pelo conhecimento e pela formação Le culte de la “culture populaire” n’est, bien souvent, qu´une inversion verbale et sans effet, donc faussement révolutionnaire, du racisme de classe qui réduit les pratiques populaires à la barbárie ou à la vulgarité: comme certaines célébrations de la féminiténe font que renforcer la domination masculine, cette manière en définitive três confortable de respecter Le “peuple” qui sous apparence de l’exalter, contribue à l’enfermer ou à l’enfoncer dans ce qu’il est en convertissant la privation em choix ou em accomplissement électif, procure tous les profits d’une ostentation de générosité subversive et paradoxale, tout en laissant les choses en l’état, les uns avec leur culture (ou leur langage) réellement cultivée et capable d´absorber sa propre subversion distinguée, les autres avec leur culture ou leur langue dépourvues de toute valeur sociales ou sujettes à de brutales dévaluations (...), que l’on réhabilite fictivement par un simple faux en écriture théorique. (Bourdieu, 1997: 91-92)

Os dados a respeito da taxa de participação em congressos, seminários e colóquios (47% de respostas negativas) e em atividades de formação previstas em calendário escolar (41% de não participação) requerem a atenção dos analistas e dos formuladores de políticas de formação docente, por mais que também sejam relevantes os percentuais de respostas afirmativas de participação: 53% (em congressos e similares) e 51% (atividades de formação do calendário escolar). Pois, é opinião pacífica que essas atividades de formação continuada são estratégicas para a valorização do trabalho docente, para sua qualificação e, essencialmente, para a transmissão da cultura universal e específica de seu campo de atuação, de forma que uma política de formação docente, potencialmente, venha a contribuir para a aquisição de capital cultural, recuperar conteúdos, melhorar o domínio de componentes curriculares

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e para acompanhar o avanço científico e da produção do conhecimento na área de atuação docente. O survey permitiu relevantes achados a respeito da complexa realidade da questão cultural do docente. Ao se verificar o gráfico resultante da questão “com que frequência você costuma ler livros (romances e literatura em geral)?”, observa-se que pouco mais da terça parte dos docentes “nunca” (4%) ou “raramente” (34%) lê livros de cultural universal (romances/literatura). Porém, não deixa de ser expressivo que 62% dos docentes declararam que “sempre” (31%) e “frequentemente” têm o hábito da leitura. A leitura “desinteressada” (com o sentido de não visar vantagens diretas e imediatas no campo), por um lado, permite ao sujeito leitor desfrutar a arte em forma escrita com deleite e prazer; por outro lado e ao mesmo tempo, esse tipo de literatura é um veículo de transmissão da cultura geral acumulada pela humanidade. O mesmo argumento é válido para a leitura de jornais. O jornalismo investigativo é um eficaz e educativo meio de divulgação das informações verdadeiras e um canal de comunicações por excelência. O survey detectou que 77% dos docentes da educação básica “sempre” (45%) e “frequentemente leem jornais” (32%). Assim, o “interesse desinteressado” pela leitura não formalizada em currículo cumpre um duplo papel, implicando em um aumento do capital cultural do próprio docente e, concomitantemente, catalisando, pela exteriorização de seu habitus14 , o gosto “desinteressado” (não utilitarista) pela arte da linguagem escrita (seu próprio e dos que lhe são próximos – os alunos principalmente). A educação é a combinação do ensino curricular/formal e do cultivo de saberes, informações e conhecimentos em um plano extracurricular. Assim, pelo que se observa a partir do survey, 84% dos docentes responderam que “sempre” (43%) e “frequentemente” (41%) costumam ler livros (técnicos e didáticos). Isto é, os docentes têm se esforçado para aceder ao conhecimento exigido para o exercício da profissão (livros técnicos e didáticos) e, em boa medida, para a sua íntima satisfação. Definição de Habitus, segundo Bourdieu: “Sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e de estruturação de práticas e de representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem que por isso sejam o produto da obediência a regras, objetivamente adaptada a seu objetivo sem supor a visão consciente dos fi ns e o domínio expresso das operações [...]” (Bourdieu, 1974: 40). 14

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Isso é o que se vê também pelas respostas a pergunta sobre a frequência de leitura de artigos de revistas acadêmicas: 29% “sempre” e 34% “frequentemente” (totalizando 63%) exercitam o gênero da literatura acadêmica. O hábito de leitura (de tipo curricular ou extracurricular e de interesse específico ou universal) e o cultivo do conhecimento são alavancas necessárias, entre outras, para o desenvolvimento do pensamento crítico e a emancipação. Por isso, pois, o ensino não pode limitar-se ao básico (Freitas, 2011), ou seja, ao se deter o foco do ensino curricular somente no básico, o docente e o estudante se distanciam de conteúdos, da cultura e dos mais sofisticados conhecimentos que poderiam alçá-los à condição de cidadania e emancipação.

Considerações Finais El conocimiento de las condiciones sociales emergentes debería permitir evitar dos errores opuestos. El primero es la educación como adaptación. Según algunos, la mejor respuesta de la escuela es la simple “adaptación” a las características sociales de los alumnos. Esto es lo que muchas veces ocurre cuando las instituciones terminan mimetizándose con el origen social de los alumnos (“escuelas pobres para los pobres”, “escuelas ricas para los ricos”). A su vez, tampoco hay que caer en la tentación de insistir con viejas recetas homogéneas que facilitan el éxito escolar para unos pocos y el fracaso de las mayorías. (Tenti Fanfani, 2008: 21)

O ensino institucionalizado (a educação escolar legitimada) faz parte do processo geral de incorporação de capital cultural e habitus, cuja qualidade e natureza são fundamentais para os sujeitos tomarem posição no campo social de atuação. Esse processo de transmissão de conhecimento, cultura e disposições se torna ainda mais importante para aqueles que, não tendo nascido em famílias das classes privilegiadas e vivendo em condições sociais e econômicas não favoráveis, travaram menor contato com a cultura universal e com as estruturas afeitas à valorização do co-

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nhecimento. Assim, torna-se imprescindível, para os sujeitos provenientes de grupos e classes sociais subordinados, a adequada frequência em instituições de ensino para a conquista da cultura, do conhecimento, da ciência e da informação. Dessa maneira, de modo especial em sociedades de classes, o alcance da cidadania se torna possível por intermédio do compartilhamento da cultura universal, que seria, em potência, o amálgama para a construção de uma “gramática” de direitos, inclusive no plano científico-cultural, a serem experimentados em comum15. No entanto, quer parecer que na esfera pública de ensino, principalmente a partir das reformas para a educação do final do final do século XX, tem predominado (retornado?) a estratégia dominante da semicultura (Adorno, 1996) para a educação de massas e a cultura elaborada para as elites ou, como sugere Derouet, “uma formação de excelência no seio de redes internacionais destinadas à elite; e, para a mão de obra, o retorno aos saberes de base [Back to Basis]” (2009: 35). Consequentemente, são questões dessa natureza que exigem reflexões e análises a respeito das políticas de formação docente porque, por seu intermédio, podem ser chancelados, nas instituições escolares, procedimentos de diferenciação e reprodução sociais. Enfim, com relação à formação docente, a inovação mais recente no campo educacional aconteceu em 2007 com a mudança da estrutura organizacional da CAPES e a assunção de atividades e competências no domínio da formação de professores da educação básica. Devem ser dadas as boas vindas à CAPES em seu novo papel na formação docente, porém não se deve deixar de notar que, tendencialmente, a CAPES também passará a exercer seu papel na regulação no campo educacional. Dessa forma, a sua posição de interseção entre os campos educacional (educação básica), acadêmico (educação superior, pós-graduação e pesquisa) e burocrático (Estado) permite uma possível forma de síntese de regras entre os campos ou, no limite, a transferência de normas do campo acadêmico para o campo educacional, fazendo com que a essência das “boas práticas” (competição, indicadores e eficiência) válidas para o suSegundo Leslie A. White e Dillingham, Beth, “o papel da cultura é tornar a vida segura e duradoura para a espécie humana” (2009: 29). Dessa maneira, a democratização e a universalização do acesso à cultura, ao conhecimento e à educação permitem que todos os cidadãos possam compartir os instrumentos sociais, a ciência e as tecnologias, como legítimos bem públicos e comuns, com vistas à emancipação humana e à vida de bem-estar segura, fraternal, igualitária, digna, livre e duradoura. 15

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cesso da educação superior pública no Brasil (graduação, pós-graduação e pesquisa) possam ser também direcionadas para a educação básica. Para o exercício da imaginação (em um possível cenário pessimista), recorde-se qual é o tratamento dado a um professor/pesquisador com índice de publicação (produção) não compatível com aquele determinado pelo colegiado do Programa de Pós-Graduação. Como é sabido, a coordenação do curso de pós-graduação em que o docente está credenciado, seguindo as normas acordadas por intermédio da CAPES, convida o referido professor (“improdutivo”) a se retirar. Preservadas as particularidades das etapas da educação (educação básica e superior), no limite, poderia acontecer o mesmo com docentes da educação básica que não alcançassem determinados índices de avaliação. Como resenhou Daiane Ravitch a respeito da afirmação proferida por um dos personagens, o economista (quadro da Hoover Institution), em um filme promotor da charters schools (escolas pertencentes à esfera privadas) nos EUA16: Se pudéssemos demitir a camada entre 5% a 10% dos professores de mais baixo desempenho a cada ano, diz, no filme, o economista da Hoover Institution, Eric Hanushek, os nossos resultados nos testes nacionais logo se aproximaria do topo do ranking internacional em matemática e ciências17.

Melhor que a CAPES ainda permaneça como uma agência pública, pois se em qualquer ponto da história no futuro ocorrer sua transformação em um organismo do terceiro setor ou mesmo sua explícita privatização, para, em seguida, ser contratada pelo Estado para fazer serviços terceirizados, poder-se-á assistir a realidade imitando a arte (Waiting for “Superman”, o filme referido por Ravitch).

Waiting for “Superman”, filme dirigido por Davis Guggenheim. “If we could fire the bottom 5 to 10 percent of the lowest-performing teachers every year, says Hoover Institution economist Eric Hanushek in the film, our national test scores would soon approach the top of international rankings in mathematics and science” (Ravitch). 16 17

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Capítulo 6

Condições de trabalho docente: uma análise a partir de dados de sete estados brasileiros1 Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira

A discussão das condições de trabalho docente se integra ao tema da valorização dos profissionais da educação que é de grande atualidade para o movimento docente no Brasil. O princípio da valorização profissional, conquistado pelas lutas dos trabalhadores da educação dos anos de 1980, durante o processo constituinte, está inscrito na lei maior nos seguintes termos: “valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” (inciso V, art. 206)2. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN 9394), aprovada em 1996, especificou os pilares da valorização, no seu artigo 67, os quais devem ser assegurados, pelos sistemas de ensino, nos termos dos estatutos e planos de carreira do magistério público: I – ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; II – aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim; III – Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN; As autoras manifestam seu agradecimento a Edmilson Pereira Junior, estatístico que, com a sua disposição e competência, muito contribuiu para o trabalho de análise do presente capítulo, com o tratamento estatístico empreendido. 2 Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006. 1

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IV – progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação do desempenho; V – período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho; VI – condições adequadas de trabalho. Após décadas de lutas constantes em busca de sua valorização, os docentes da educação básica no Brasil obtiveram, recentemente, uma importante conquista. A instituição do Piso Nacional Salarial, por meio da Emenda Constitucional nº 53 de 20063 e da Lei nº 11.738/2008, representa, como bem afirma Leão (2011), um grande valor histórico e conceitual para a categoria dos trabalhadores da educação. Ainda que seja um valor muito abaixo do necessário para garantir uma vida digna a esses trabalhadores, a instituição do piso salarial significa o reconhecimento destes como profissionais que desempenham um importante papel na sociedade brasileira, obrigando os 26 estados da federação e o Distrito Federal, bem como os 5.564 municípios, a pagarem um mesmo valor mínimo para os que ingressam ou atuam na educação básica. A instituição do piso recupera a noção de carreira profissional, enfraquecida, em muitos casos, em razão da degradação sofrida pelos docentes em função das condições de trabalho nas redes públicas estaduais e municipais nas últimas décadas do século passado. Do ponto de vista acadêmico, as últimas décadas foram marcadas pela degradação profissional para o magistério, demonstrada por meio de resultados de pesquisa em diferentes contextos nacionais na região latino-americana (Morgenstern, 2010). Foram muitos os estudos que mostraram a perda de autonomia dos docentes pelos processos de massificação do ensino trazida pela expansão da escolaridade, o arrocho salarial imposto a esses trabalhadores combinado a deterioração das condições de trabalho, em muitos casos afetando a saúde dos trabalhadores, a feminização do magistério, entre outros. Mais recentemente, os estudos e pesquisas têm demonstrado alto grau de intensificação do trabalho, com os docentes assumindo novas funções e responsabilidades “Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006). Em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm. 3

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no contexto escolar, além da pauperização desses trabalhadores e de seus alunos. Por tais razões, a questão da valorização docente no contexto latino-americano, e brasileiro em específico, adquire centralidade no presente. Enquanto os países membros da OCDE estão preocupados com a atratividade docente4, os problemas na América Latina parecem se relacionar muito mais com a valorização, compreendida como salário, carreira e condições de trabalho e formação, para os que já atuam na educação básica (Oliveira, 2012). O nosso intuito, neste capítulo, é ressaltar alguns aspectos das condições do trabalho docente nas instituições de educação básica das redes públicas estaduais e municipais e conveniadas de educação infantil em sete estados do Brasil (Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná e Santa Catarina), tendo como fonte os dados obtidos por meio de um survey realizado com 8.795 respondentes no ano de 2009 (Oliveira; Vieira, 2010). O texto parte da discussão do conceito de condições de trabalho, buscando compreendê-las no contexto da escola pública brasileira. A intenção deste capítulo é descrever e analisar as condições de trabalho docente, procurando recuperar a dinamicidade do processo de trabalho escolar submetido a mudanças mais recentes que acarretam maior diversificação da atividade educativa, ampliação das tarefas ao mesmo tempo em que apontam para uma maior autonomia e trazem maior responsabilização aos profissionais da educação. Nessa direção, busca-se proceder a uma leitura crítica dos resultados obtidos e selecionados no Banco de Dados TDEBB/GESTRADO/UFMG, procurando oferecer um tratamento analítico às informações que dizem respeito diretamente às relações de emprego no âmbito das condições de trabalho docente. O capítulo se estrutura da seguinte maneira: o primeiro tópico é dedicado à definição do conceito de condição de trabalho em geral e, especificamente, as condições de trabalho docente; o segundo tópico descreve a metodologia de análise dos dados – o tratamento das informações obtidas por meio de cruzamento de dados e outros procedimentos estatísticos – e, por fim, apresenta-se a discussão dos resultados à luz de algumas hipóteses orientadoras da pesquisa.

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Ver: Relatórios TALIS (2005; 2009).

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Condições de trabalho e condições de trabalho docente A noção de condições de trabalho, em geral, designa o conjunto de recursos que possibilitam a realização do trabalho, envolvendo as instalações físicas, os materiais e insumos disponíveis, os equipamentos e meios de realização das atividades e outros tipos de apoio necessários, dependendo da natureza da produção. Contudo, as condições de trabalho não se restringem ao plano do posto ou local de trabalho ou à realização em si do processo de trabalho, ou seja, o processo que transforma insumos e matérias-primas em mercadorias, mas diz respeito também às relações de emprego (Assunção & Oliveira, 2010; Volkoff, 2008). Em certa medida, é possível considerar que as condições de trabalho são determinadas pelas relações que dizem respeito ao processo de trabalho e ao mercado de trabalho, mais especificamente, às condições de emprego, ou seja, formas de contratação, remuneração, carreira e estabilidade. As relações de emprego variam de acordo com o contexto histórico-geográfico podendo apresentar maior ou menor estabilidade dependendo da correlação de forças no âmbito das relações sociais mais amplas. Elas dizem respeito, segundo Castel (2010, 9ª ed.), à inserção social dos trabalhadores, definindo, na atualidade, sua “condição salarial”. De acordo com Assunção e Oliveira (2010), essa discussão assume relevância ao possibilitar conhecer os efeitos das condições nas quais os trabalhadores exercem suas atividades sobre eles próprios e sobre os resultados almejados, ou seja, a exposição aos riscos de adoecimento e os níveis de segurança nos ambientais ocupacionais influenciam diretamente a vida dos sujeitos. O conceito de condições de trabalho está intimamente vinculado às condições de vida dos trabalhadores. Para Marx, a melhoria nas condições de trabalho (delimitação de jornada e aumento salarial) está relacionada à melhoria de vida dos operários. É por isso que, para o grande pensador, assegurar melhores condições de trabalho é uma luta contínua para a qual os trabalhadores não poderão ceder ao movimento de acumulação do capitalismo sem resistir continuamente. A partir da leitura de Gollac e Volkoff (2001), Assunção e Oliveira (2010) afirmam que as circunstâncias de realização de determinado trabalho são definidas e “reconhecidas” (ou negadas) como condições de trabalho em um determinado contexto histórico-social. Por isso, as condições de trabalho não são dadas a priori, estão abertas a novos critérios e não são inerentes aos processos de trabalho, por serem marcadas

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pela sua historicidade. Por tais razões, a análise sobre as condições de trabalho deve se situar no tempo e no espaço, ou seja, no contexto histórico-social e econômico que as engendram. Considera-se, dessa maneira, de acordo com o referencial marxiano de análise, que as condições de trabalho são derivadas da forma determinada de organização do trabalho no capitalismo. Sendo assim, as condições de trabalho não se restringem ao conjunto de meios necessários à realização de uma atividade, mas contemplam relações específicas de exploração, já que o processo de trabalho no capitalismo é o meio pelo qual matérias-primas e insumos são transformados em mercadorias, constituindo-se, ao mesmo tempo, em processo de produção de valor. É justamente por essa dupla função que o processo de trabalho é considerado o lócus da exploração capitalista, portanto, relação fundamental do mesmo. As condições de trabalho docente se referem à forma como está organizado o processo de trabalho nas unidades educacionais, compreendendo escolas, pré-escolas, creches e outros espaços em que se desenvolve o processo educativo. Tais condições compreendem aspectos relativos à forma como o trabalho está organizado, ou seja, a divisão das tarefas e responsabilidades, a jornada de trabalho, os recursos materiais disponíveis para o desempenho das atividades, os tempos e espaços para a realização do trabalho, até as formas de avaliação de desempenho, horários de trabalho, procedimentos didático-pedagógicos, admissão e administração das carreiras docentes, condições de remuneração, entre outras. A divisão social do trabalho, as formas de regulação, controle e autonomia no trabalho, estruturação das atividades escolares, a relação número de alunos por professor, também podem ser compreendidas como componentes das condições de trabalho docente. O docente não pode mais ser definido como o professor de uma turma ou disciplina, que deve responder pela sua atividade no espaço da sala de aula e no tempo da hora-aula de 50 minutos. O docente é, na atualidade, um profissional complexo que responde por questões amplas que envolvem a unidade educacional e o processo educativo. Assim como as unidades educacionais se apresentam cada vez mais complexas e exigentes de outras funções e competências em seu interior. O controle exercido sobre os docentes tem se dado em formas cada vez mais sutis por parte da gestão dos sistemas educativos; os “pacotes educacionais”, as tecnologias pedagógicas, os livros didáticos; os calendários, horários e as diversas modalidades de supervisão de seu tempo e trabalho, inclusive com o emprego de novas tecnologias. O docente deve responder a instâncias hierárquicas de gestão e também a pres-

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sões internas por parte da direção e coordenação de sua unidade, bem como ao controle externo que é exercido pelos pais dos alunos e pela comunidade em geral. Os mecanismos de controle se constituem em critérios para avaliação do desempenho institucional e individual. Os resultados das avaliações, em alguns casos, têm determinado os salários ou outras formas de remuneração (bônus e premiações), as progressões na carreira e até mesmo a dispensa de pessoal contratado (Assunção & Oliveira, 2009). Com o presente referencial para a análise dos resultados da pesquisa TDEBB, espera-se identificar o quadro nacional em relação às condições do trabalho docente no Brasil, com ênfase nas relações de emprego, remuneração e carga horária de trabalho.

Metodologia de análise dos dados: técnica utilizada e escolha de variáveis A técnica estatística utilizada neste estudo é conhecida como CART (Classification and Regression Tree), que se constitui em uma árvore de decisão construída a partir de uma resposta variável e um conjunto de variáveis explicativas (Breiman et al., 1984; Yohannes e Hoddinott,1999). O CART é utilizado tanto para variáveis contínuas como categóricas, sendo que se a variável resposta for numérica, recebe o nome de árvore de regressão, caso contrário, a árvore é tratada como uma árvore de classificação, como é o nosso caso. A grande vantagem de se utilizar o CART é a inteligibilidade dos resultados, que permite compreender as classificações realizadas e apresentar todas as subdivisões geradas. A construção de modelo de árvore de decisão exige que sejam satisfeitas duas suposições: a primeira é de que a variável resposta – salário bruto do sujeito docente na unidade educacional – deve ter sido atribuída a todas as variáveis analisadas e a outra é que para as variáveis dependentes categóricas (nominais ou ordinais), todas as categorias devem ter sido definidas. Ambas foram atendidas por meio do conjunto de dados utilizados para análise. O procedimento de árvore de decisão aplicado utiliza o método CHAID (Chi-squared Automatic Interaction Detection), que é o método padrão do software utilizado, e que se constitui na realização de divisões sucessivas do conjunto total de dados. A forma em que são divididas as

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variáveis é que agrega valor aos resultados, tendo em vista que, a cada divisão, o método CHAID escolhe a variável independente que possui a mais forte interação com a variável dependente. Além disso, as categorias de cada variável que não são significativamente diferentes em relação à variável dependente são agrupadas pelo método utilizado. Em relação à nossa análise, almeja-se modelar as características dos sujeitos docentes que mais fortemente se associam ao salário bruto recebido. A variável dependente considerada é o salário bruto do sujeito docente e as variáveis independentes, ou explicativas, que abordam o tipo de vínculo com a unidade educacional, função em que atua, etapa em que leciona, carga de trabalho e formação. A variável resposta, ou dependente, é o salário bruto do sujeito docente5 na função que exerce na unidade educacional em que foi entrevistado, considerando a soma de tudo que ganha com adicionais, abono, gratificações, dentre outros benefícios. São consideradas as seguintes faixas salariais: até um salário mínimo (1), mais de um a dois salários mínimos (2), mais de dois a três salários mínimos (3), mais de três a quatro salários mínimos (4), mais de quatro a cinco salários mínimos (5) e superior a cinco salários mínimos (6). As variáveis independentes, ou explicativas, utilizadas para caracterizar o salário bruto dos sujeitos docentes da Educação Básica são: a etapa de ensino6 em que se leciona, segregada em educação infantil (1), ensino fundamental (2) e ensino médio (3); a função exercida na unidade educacional, sendo professor (1) e demais funções (2); escolaridade dos sujeitos docentes, classificados em aqueles que possuem graduação (1) e (2) que possuem no máximo o ensino médio completo; o tipo de vínculo empregatício, englobando os estatutários (1), aqueles que possuem carteira assinada, regidos pela CLT (2), os temporários, substitutos ou designados (3) e os estagiários com remuneração (4); a carga horária semanal na unidade educacional em que foram entrevistados, considerada em até 20 horas (1), de 21 horas até 30 horas (2), de 31 horas até 40 horas (3) e acima de 40 horas (4). A amostra considerada neste estudo foi de 8.230 respondentes, tendo sido desconsiderados os voluntários, os outros – situados entre os

O valor do salário mínimo vigente no período de realização do trabalho de campo da pesquisa, no ano de 2009, correspondia a R$ 465,00. 6 São considerados exclusivamente os sujeitos docentes que lecionam em apenas uma etapa da Educação Básica na unidade educacional em que foram entrevistados. Nesse sentido, foram excluídos aqueles que atuam em duas ou três etapas de ensino. 5

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que responderam diversamente às variáveis apresentadas, e os que não responderam ou informaram o salário. Antes de apresentar os resultados obtidos com a referida técnica estatística, é preciso lembrar que os questionários foram respondidos no período de setembro a novembro de 2009, um ano após a aprovação da Lei nº 11.738, de julho de 2008, que instituiu o Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN para os profissionais do magistério público da educação básica brasileira. O artigo 2º desta Lei estabeleceu que o PSPN seria de R$ 950,00 mensais, para formação em nível médio, na Modalidade Normal, acrescentando, no parágrafo primeiro, que esse é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderiam fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério público na educação básica, para jornada de, no máximo, 40 horas semanais. Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho deveriam ser, no mínimo, proporcionais ao valor supramencionado. Na composição da jornada de trabalho, o limite máximo de 2/3 da carga horária do docente se destinaria ao desempenho de atividades de interação com os educandos. Devendo vigorar a partir de janeiro de 2009, a Lei estabeleceu que a integralização do referido vencimento inicial deveria acontecer até janeiro de 2010, sendo que os entes federados deveriam elaborar ou adequar os seus planos de carreira e remuneração, tendo em vista a efetiva implementação do PSPN.

Perfil-tipo do docente nos sete estados brasileiros De forma geral, os resultados da pesquisa TDEBB nos permitem traçar um perfil-tipo do docente nos sete estados brasileiros. Podemos considerar que a docência na educação básica brasileira se constitui majoritariamente pelo sexo feminino 82% são mulheres; 67% têm filhos e 47% são os principais provedores da renda familiar. Apesar de 84% possuírem formação em nível superior, os salários recebidos se concentram na faixa de 2 a 3 salários mínimos e 47% dos respondentes estatutários não estão integrados a nenhum plano de cargos e salários; 37% dos sujeitos docentes trabalham em duas unidades educacionais, sendo que 10% trabalham em três ou mais unidades educacionais.

160


São 72% os respondentes que costumam levar atividade do trabalho para ser realizada em casa sempre ou frequentemente. Destes, 45% dedicam cinco horas semanais a essas tarefas, e 26% dedicam de cinco a dez horas de trabalho semanais em casa. Isso se soma ao fato de que 50% não possuem tempo remunerado para trabalho extraclasse e 46% consideram que são insuficientes os intervalos para lanche/descanso. São 47% os que informam que em sua sala de aula estão presentes alunos com necessidades especiais, sendo que 70% destes respondentes alegam não receber orientação especializada para trabalhar com tais alunos. Em relação à percepção dos docentes sobre algumas situações inquiridas, constatou-se que 59% se declaram insatisfeitos/as com o seu salário, por se tratar de remuneração incompatível com a sua dedicação ao trabalho; 67% concordam que houve incorporação de novas funções e responsabilidades em seu trabalho na unidade educacional; 61% consideraram que houve aumento das exigências sobre o seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos; 71% avaliam que o trabalho coletivo é prejudicado pela falta de tempo. Contudo, em relação ao trabalho realizado, 50% dos respondentes declaram que recebem maiores cobranças de si mesmo.

Aspectos distintivos da remuneração docente Aos sujeitos docentes foi solicitado que respondessem às questões do questionário sempre se referindo às situações relacionadas à unidade educacional em que foi entrevistado, visto que muitos poderiam ter outros vínculos com duas ou mais unidades educacionais ou mesmo ter emprego em área diversa da educação. Assim, o salário bruto recebido, a carga horária semanal de trabalho, em que se incluiu tempo remunerado ou não de atividades extraclasse, o fato de estar contemplado em um plano de cargos e salários, a etapa de ensino, o cargo e a função exercida deveriam ser esclarecidos sempre em relação à unidade educacional especificada. Partindo da variável dependente salário bruto recebido pelo sujeito naquela unidade educacional, obtivemos os seguintes resultados gerais, para as subsequentes faixas salariais, tendo como referência o Salário Mínimo (SM) vigente na época, conforme Tabela 1.

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Tabela 1 – Salário bruto recebido pelo sujeito docente na unidade educacional, segundo faixas salariais – 2009 Faixas salariais

Frequências

Até 1 SM

8,3 %

1 a 2 SM

29,0%

2 a 3 SM

27,3%

3 a 4 SM

16,4%

+ de 5 SM

9,3%

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

A partir dessas informações gerais, buscou-se verificar quais variáveis interfeririam no ganho salarial dos sujeitos docentes, constituindo-se em fatores de distinção para a remuneração docente. Em relação às análises aqui empreendidas, o primeiro quesito de classificação foi definido intencionalmente pelo pesquisador. Adotou-se então como primeiro quesito a etapa de ensino que corresponde ao exercício da função do sujeito respondente na unidade educacional. Considerando que Educação Básica é uma categoria que abarca uma enorme heterogeneidade de situações devido às especificidades da organização escolar, às características dos alunos e dos currículos e ao legado das políticas, justifica-se uma análise que desagregue as etapas de educação concernentes. Com base nesse primeiro quesito, os resultados seguintes relativos às outras variáveis apareceram como consequência da técnica estatística adotada, descrita acima. Os resultados do CART estão anexados ao final do capítulo, permitindo ao leitor o acesso às frequências encontradas relativas às variáveis estudadas. Isso nos mostrou que, na Educação Infantil, a primeira etapa da Educação Básica, o fator de diferenciação dos salários é devido ao vínculo de trabalho. Em relação à categoria “temporário/substituto/designado”, referida a partir de agora como T/S/D, a situação mais frequente observada foi a de 1 a 2 SM, em 48,8% de casos. Em relação ao estágio remunerado, essa faixa de remuneração concerne 93,3% dos casos e, entre aqueles, têm como vínculo o regime CLT, 63,8%. Nesse último caso, é preciso lembrar que tal vínculo de trabalho é predominantemente encontrado nas instituições de educação infantil conveniadas com o poder público. A alta frequência dos estagiários na referida faixa

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salarial é facilmente explicada pelo fato de que o estágio remunerado no Brasil usualmente tem como referência valores próximos ao salário mínimo vigente. Entre os estatutários, a maior frequência encontrada foi a de 40,6% na faixa de 2 a 3 SM, o que nos evidencia que o concursado, em regime estatutário, encontra-se melhor posicionado em relação ao salário recebido na educação infantil, significando vencimentos que variavam de R$ 930,00 a R$ 1.395,00, naquele ano. Nessa mesma etapa do ensino, se levamos em conta a escolaridade do sujeito, verificamos que, entre os T/S/D, essa variável é distintiva, agregando valor ao salário: nenhum sujeito com escolaridade de ensino médio ganha salário superior a 3 SM. Por outro lado, 23% desses sujeitos que possuem graduação têm rendimentos superiores a 3 SM. Os celetistas da educação infantil também encontram na escolaridade uma marca distintiva: entre os que possuem formação de nível médio 25%, têm remuneração na faixa de até 1 SM, sendo que a metade, 13%, encontra-se nessa faixa salarial por apresentarem formação superior. Apenas os que possuem graduação apareceram entre os que recebem remuneração nas faixas de 3 a 4 SM e 4 a 5 SM, somando 9,7% dos casos. Os que possuem apenas o ensino médio não foram localizados nas faixas salariais maiores de três salários mínimos. Essas situações não foram observadas entre os estatutários/concursados, onde a escolaridade não é variável distintiva. Isso pode ser explicado pela heterogeneidade de situações que são definidas pelos editais de concurso, que podem colocar como critério mínimo de ingresso a escolaridade de ensino médio, sendo que o sujeito concursado pode ter graduação. Esse é um caso muito frequente na educação infantil brasileira, de forma que o fato de ter graduação não vai ter efeitos na sua remuneração. Em Belo Horizonte, por exemplo, um dos municípios da amostra da pesquisa, 80% dos aprovados em exercício no cargo de educador infantil, para o qual se exigiu magistério de nível médio, possuem formação de nível superior. No entanto, o impacto da escolaridade na carreira do educador infantil não é equivalente ao impacto que se observou na carreira do professor, da mesma rede de ensino (Pinto, 2009). Entre os estatutários, a variável distintiva foi a jornada de trabalho, onde encontramos sujeitos que apresentaram remuneração maior que 5 SM. Entre os que exercem jornada de trabalho de até 20 horas semanais na unidade educacional, 2,8% recebe mais que 5 SM, os que apresentam jornada de 21 a 30 horas são 3,5%. Entre aqueles cuja jornada é de 31 a 40 horas semanais, cresce para 5,2% os que se situam

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nessa faixa salarial, sendo que 18,5% dos que apresentam jornada de trabalho maior que 41 horas responderam receber rendimentos nesta faixa salarial mais alta. No Ensino Fundamental também o vínculo trabalhista é a variável de maior peso distintivo para melhores salários. As maiores frequências encontradas estão assinaladas na Tabela 2, a seguir.

Tabela 2 – Percentual de sujeitos docentes no ensino fundamental, segundo vínculo e faixas salariais concernentes – 2009 Vínculo Trabalhista

Estatutário T/S/D CLT Estágio

Faixas Salariais Até 1 SM 1,7 8,9 24,2 87,6

>1a2

>2a3

>3a4

>4a5

20,0 54,6 37,4 11,5

31,7 24,2 22,2 0,0

20,0 9,9 11,1 0,0

13,3 1,7 3,0 0,0

>5 SM 13,4 0,7 2,0 0,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Entre os estatutários e os T/S/D, a carga horária tem impacto na distribuição dos salários. No caso dos T/S/D, apenas 6% recebem remuneração maior que 3 SM, sendo que 26% informam receber mais que 3 SM trabalhando carga horária semanal na unidade maior que 31 horas. A situação é significativamente diferente entre os estatutários, sendo que sua remuneração é sempre mais elevada: 70% e 68% recebem remuneração maior que 3 SM se trabalham mais que 31 a 40 horas semanais e acima de 40 horas, respectivamente. Para estes, os que trabalham até 20 horas e 21 a 30 horas semanais, 30% e 40%, respectivamente, informaram rendimentos maior que 3 SM. No ensino fundamental, entre os estagiários e os celetistas, nenhuma outra variável distingue a faixa salarial, além do próprio vínculo empregatício. No Ensino Médio a variável que distinguiu os salários mais elevados foi a carga horária dos sujeitos docentes. Entre os estatutários do ensino médio que responderam trabalhar semanalmente de 30 a 40 horas e acima de 40 horas, 28,1% e 40,8%, respectivamente, declararam receber rendimentos superiores a 5 SM.

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Para os que trabalham até 20 horas e de 21 a 30 horas semanais na unidade, o vínculo de trabalho apareceu como variável distintiva. Para a segunda faixa, a maior frequência dos que recebem de 3 a 4 SM foi encontrada para os respondentes estatutários, com 32,1% dos casos. E na primeira faixa foram os T/S/D que apresentaram maior frequência dos que recebem de 1 a 2 SM. Comparando-se as três etapas da educação básica, verificamos que, na educação infantil, em nenhuma das variáveis os sujeitos apresentam frequência mais alta nas faixas de salário acima de três salários mínimos. No ensino fundamental essa situação é observada apenas para os sujeitos com vínculo estatutário, exercendo uma carga horária maior que 30 horas na unidade. No ensino médio, como se viu, apenas a carga horária foi distintiva para a presença de uma maior frequência na faixa de salários acima de cinco salários mínimos, situação igualmente observada no ensino fundamental, mas que se deveu também ao fato do sujeito ser estatutário. Em nenhuma das etapas o fato de ser professor ou outros não constituiu fator de diferenciação salarial. Os resultados permitem concluir que, na educação infantil, encontram-se as menores frequências de rendimentos acima de 3 SM e que as políticas docentes deveriam valorizar a formação como critério para definir níveis mais elevados de remuneração para o magistério público em todas as etapas da educação básica.

Plano de Carreira Outras correlações também devem ser consideradas sobre os aspectos distintivos da remuneração dos sujeitos docentes, entre as quais ressaltamos o fato de serem ou não contemplados em um plano de cargos e salários. Metade dos respondentes, professores e outros, declararam não estarem contemplados em planos de cargos e salários, com uma frequência de 49,9%. Na Tabela 3 mostramos as frequências dos sujeitos docentes, de acordo com o vínculo de trabalho, que declaram estarem ou não contemplados em um plano de cargos ou de salários. Informa-se que, do total de respondentes da pesquisa, 65% declararam ser estatutários, 27,2% T/S/D, 4,2% celetistas e 3,6% estagiários.

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Tabela 3 - Sujeito docente de acordo com o vínculo de trabalho em relação a estar contemplado em um plano de cargos e salários Você está contemplado em um plano de cargos e salários?

Vínculo ou contrato de trabalho

Estatutário CLT/Carteira assinada Temporário/Substituto/ Designado Estágio com remuneração

Total

Não

Sim

N

1511

3869

5380

%

28,1

71,9

100

N

253

85

338

%

74,9

25,1

100

N

1933

317

2250

%

85,9

14,1

100

N

291

7

298

%

97,7

2,3

100

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Chama a atenção o fato de que um terço dos estatutários não tenha declarado possuir plano de carreira. Isso nos indica que um dos aspectos necessários para a valorização profissional – a existência de plano de carreira nas políticas docentes dos diferentes entes federados – não está sendo efetivado para os profissionais do magistério público da educação básica nos sete estados pesquisados. Quando buscamos verificar essa situação em relação ao tipo de instituição em que o docente exerce o seu trabalho, verificamos que é no âmbito do município que encontramos a maior frequência dos que declaram possuir plano de cargos e salários, conforme Tabela 4. Tal resultado sugere que, embora seja elevado o percentual dos que não estão contemplados em planos de cargos e salários nos municípios, os mesmos se aproximam do disposto na legislação educacional neste quesito.

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Tabela 4 – Sujeitos docentes por tipo de instituição em que trabalham em relação a estarem contemplados em um plano de cargos e salários Você está contemplado em um plano de cargos e salários?

Tipo de instituição

Municipal Estadual Conveniada Total

Total

Não

Sim

N

1798

2429

4227

%

42,5

57,5

100

N

1940

1812

3752

%

51,7

48,3

100

N

331

84

415

%

79,8

20,2

100

N

4069

4325

8394

%

48,5

51,5

100

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Jornada de trabalho A ampliação da jornada de trabalho pode ser analisada como um elemento que resulta na intensificação do trabalho, seja por meio da extensão da jornada diária, seja pela redução das porosidades na jornada de trabalho. Trata-se de um aumento das horas e da carga de trabalho sem qualquer remuneração. A porosidade na jornada de trabalho é um conceito típico do fordismo, sendo considerada como buracos contidos na jornada de trabalho que se referem aos momentos em que o trabalhador vai ao sanitário, os tempos nos quais conversa com um colega pelos corredores, o tempo de descanso etc. Considerando essa breve conceituação, a jornada de trabalho formal do docente foi analisada a partir de frequências simples. Buscamos levantar a carga horária de trabalho e o tempo que o sujeito tem disponível para a realização das tarefas extraclasse – planejamento e preparação de aulas, elaboração e/ou correção de provas, contabilização da frequência dos alunos, atualização pedagógica e tarefas realizadas fora da escola.

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Os dados apontam que o docente, nos sete estados pesquisados, trabalha, em média, 28 horas semanais na unidade educacional, apresentando uma moda de 40 horas semanais, isto é, o valor mais apontado pelos respondentes. Analisando esse dado por faixas, vemos que os docentes trabalham, majoritariamente, entre 15 e 20 e entre 30 e 40 horas semanais, o que é mostrado na Tabela 5.

Tabela 5 – Sujeitos docentes segundo carga horária semanal na unidade educacional, 2009 Carga horária de trabalho semanal

N

%

Até 15 horas semanais

737

8,4

De 15 a 20 horas semanais

1987

22,9

De 20 a 25 horas semanais

1678

19,3

De 25 a 30 horas semanais

1440

16,6

De 30 a 40 horas semanais

2261

26,1

Acima de 40 horas semanais

574

6,6

Total

8677

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

A LDB 9394/96 estabelece no inciso V, do artigo 67, que aos docentes do magistério público deverá ser assegurado um período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho. Levando-se em conta o disposto na legislação que regulamenta o piso nacional salarial, infere-se que esse período deve ser de 1/3 da carga horária desse profissional, tendo sido estabelecido que, no máximo, 2/3 do total da carga horária devem ser reservados para o desempenho de atividades de interação com os educandos, conforme parágrafo quarto do artigo 2 da Lei nº 11.738/2008. No entanto, metade dos entrevistados na pesquisa afirmou não ter, em sua carga horária semanal de trabalho na unidade educacional, tempo remunerado destinado às atividades extraclasse, conforme a Tabela 6.

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Tabela 6 – Sujeitos docentes por vínculo de trabalho em relação a ter tempo remunerado para atividades extraclasse – 2009 Nesta unidade educacional, você conta com tempo remunerado para dedicar-se a atividades extraclasse?

Tipo de Vínculo

Estatutário CLT/Carteira assinada Temporário/Substituto/ Designado Estágio com remuneração Total

Total

Não

Sim

N

2313

2597

4910

%

47,1

52,9

100

N

180

141

321

%

56,1

43,9

100

N

1143

1039

2182

%

52,4

47,6

100

N

188

57

245

%

76,7

23,3

100

N

3824

3834

7658

%

49,9

50,1

100

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

As mais altas frequências de resposta negativa à questão acima referida encontradas para os celetistas e T/S/D podem ser entendidas pelo tipo de vínculo trabalhista que não é regido pela legislação que regula o trabalho do magistério público nos estados e municípios, mesmo antes da Lei do PSPN. Os estagiários são regidos por outro tipo de vínculo e legislação que não se aplica especificamente ao magistério. É, portanto, preocupante a constatação de que 47,1% dos estatutários não tenham declarado ter tempo remunerado para atividades extraclasse. Outra constatação da pesquisa é a de que o tempo médio de atividade dos docentes em interação com seus alunos ultrapassa em, aproximadamente, quatro horas semanais o tempo previsto na legislação. Cerca de 44% dos entrevistados responderam que todas as suas jornadas de trabalho semanais são destinadas à atividade docente. Desse total, 30,6% afirmaram possuir tempo remunerado para atividades extraclasse, com uma média semanal de, aproximadamente, 5 horas.

169


Considerando os dados, inferimos que esses docentes passam, em média, 23 horas semanais em atividades de interação com seus alunos. Tendo em vista que estes docentes cumprem uma jornada de trabalho semanal de 28 horas, em média, observamos que o tempo médio de atividade dos docentes em interação com seus alunos ultrapassa em, aproximadamente, quatro horas semanais o tempo previsto na legislação. Observando a moda nesses casos, temos um quadro de maior discrepância entre a legislação e o tempo real de atuação do docente em atividades de interação com os alunos. Nesse caso, a moda para a jornada semanal de trabalho é 40 horas, sendo que essa medida para o tempo destinado às atividades extraclasse é de 4 horas, isto é, apenas 1/10 da carga horária de trabalho semanal do indivíduo.

Tabela 7 – Medidas da distribuição da jornada de trabalho semanal do docente com relação à realização de atividades de interação com os alunos Carga horária de trabalho semanal (horas)

Tempo remunerado para desempenho de atividades extraclasse (horas)

Tempo de atividades de interação com os alunos (horas)

Média

28,6

5,2

23,4

Mediana

27,0

4,0

23,4

Moda

40,0

4,0

36,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

De acordo com os resultados da pesquisa TDEBB, 72% dos respondentes costumam levar a atividade do trabalho para ser realizada em casa sempre e frequentemente. Destes, 45% dedicam 5 horas semanais a essas tarefas, e 26% dedicam de 5 a 10 horas de trabalho semanais em casa. Do total de sujeitos entrevistados (excetuando os voluntários e os que não responderam) 50 % não tem tempo remunerado para realizar atividades extraclasses. Tais situações podem engendrar insatisfação. Assim é que 59% dos respondentes se declararam insatisfeitos/as com o seu salário, por se tratar de remuneração incompatível com a sua dedicação ao trabalho.

170


Tomamos como indicador do tempo de trabalho extraclasse sem o reconhecimento formal a frequência que o docente leva trabalho para realizar em casa e a quantidade de horas semanais dedicadas Aproximadamente 3/4 dos docentes afirmaram levar atividades para serem realizadas em casa “sempre” ou “frequentemente”, sendo que quase a metade indicou levar “sempre”. Os docentes dedicam-se a essas atividades, em média, 7 horas semanais, sendo que, o valor mais apontado por eles (a moda) foi de 10 horas semanais. Na Tabela 8 podem ser visualizadas as frequências dos que levam tarefas para casa e o fato de contar com tempo remunerado para o trabalho extraclasse.

171


172

1942 50,28 1945 50,41 3887 50,35

N % N % N %

Sempre

24,68

1905

25,92

1000

23,43

905

Frequentemente

14,51

1120

15,16

585

13,85

535

Raramente

10,47

808

8,50

328

12,43

480

Nunca

Você costuma levar alguma atividade do seu trabalho para realizar em casa?

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Total

Sim

Não

Nesta unidade educacional, você conta com tempo remunerado para dedicar-se a atividades extraclasses?

100

7720

100

3858

100

3862

Total

Tabela 8 – Relação entre contar com tempo remunerado para o trabalho extraclasse e o fato de levar atividade do seu trabalho para realizar em casa - 2009


Cruzando-se a frequência dos docentes que levam trabalhos para serem realizados em casa com o fato de possuírem ou não tempo remunerado para atividades extraclasses previstas na jornada de trabalho, observamos que a maior parte dos sujeitos docentes que afirmaram possuir esse tempo levam trabalho “sempre” ou “frequentemente” para ser realizado em casa. Isso nos permite supor que pode se tratar de um tempo insuficiente para suprir a demanda do trabalho a ser realizado na escola, ou que esse tempo é realizado em casa ou em lugar fora da unidade educacional. Esse público apresentou uma média de horas semanais dedicadas em casa ao trabalho de 6 horas e 54 minutos. Dentre os indivíduos que afirmaram não possuir tempo remunerado para se dedicar às atividades extraclasse, observamos, também, um grande percentual de docentes que afirmam levar trabalhos para serem realizados em casa “sempre” ou “frequentemente”. Estes docentes afirmaram dedicarem, em média, 7 horas e 41 minutos semanais a essas atividades.

Quantidade de unidades educacionais em que o sujeito docente trabalha Outro fator indicativo de jornada ampliada de trabalho e intensificação do trabalho se refere ao número de unidades educacionais em que o sujeito docente trabalha. A intensificação do trabalho pode decorrer do crescimento da produção sem alterações do efetivo ou na diminuição do efetivo sem haver mudança na produção. Mas, é no âmbito da atividade que o processo de intensificação se expressa, pois cabe ao trabalhador regular os efeitos da ampliação da complexidade ou aumento do número de tarefas a serem realizadas na mesma unidade temporal por uma mesma pessoa ou equipe (Melchior, 2008). A intensificação do trabalho que ocorre no interior da jornada remunerada é bastante preocupante por se tratar, em geral, de estratégias mais sutis e menos visíveis de exploração. Para Assunção e Oliveira (2009), as mensurações não são suficientes para abarcar o processo de intensificação do trabalho. As autoras recorrem a Davezies (2007) para enfatizar que o foco sobre as mudanças qualitativas deve ser privilegiado em detrimento de análises puramente quantitativas, pois a intensificação diz respeito não somente à expansão e ao acúmulo de constrangimentos de tempo durante a realização do

173


trabalho, mas também às transformações impingidas à qualidade do serviço, do produto e, de maneira global, sobre o trabalho. Sob essa ótica, é possível analisar a intensificação tanto em termos quantitativos relacionados ao volume de tarefas, como em termos qualitativos caracterizados pelas transformações da atividade sem o necessário suporte social para acomodar as exigências do trabalho. Nesse processo, observa-se um comprometimento do trabalhador que faz com que assuma para si a responsabilidade pelos resultados do trabalho e da instituição, o que pode ser considerado processo de autointensificação do trabalho. Tal fato é o que parece ocorrer com o magistério público no Brasil em grande medida, sobretudo se consideramos a diversidade de condições encontradas na multiplicidade de redes municipais e estaduais que comporta. No caso brasileiro, a partir da década de 1990, sobretudo, observamos que os modos de gestão da carreira centrados no indivíduo convivem com o estímulo ao trabalho coletivo, à cooperação, à descentralização e autonomia local. Podemos observar contradições entre o nível de centralização que as políticas educacionais apresentam no que se refere a sua formulação e regulação, ainda que exercida pelo monitoramento à distância, e o reforço dos níveis de controle dos sujeitos nas unidades educacionais. Contradições desse tipo são reguladas, por vezes, pelo trabalhador, em situação de urgência incidindo sobre o modo operatório e degradando as condições de trabalho (Assunção e Oliveira, 2009). Tendo sido tratada em alguns trabalhos que tiveram como referência o contexto europeu ou norte-americano (Apple; 1997; Hargreaves, 1996; Contreras, 2002), na realidade latino-americana atual, e na brasileira em especial, a intensificação do trabalho assume características específicas. Podemos observar a intensificação do trabalho docente resultante de aumento da jornada de trabalho, que pode ocorrer de diferentes maneiras, e do aumento considerável de responsabilidades que os docentes tiveram com as reformas mais recentes (Oliveira, 2003; 2004; 2007; 2011). Os trabalhadores docentes, em muitos países latino-americanos, estão sujeitos à ampliação da jornada individual de trabalho em razão de assumir mais de um emprego (Oliveira, 2003; Tenti Fanfani, 2005). Apesar de ser uma minoria que assume outro emprego que não a docência (Tenti Fanfani, 2005; CNTE, 2003), os professores que trabalham em escolas públicas costumam assumir mais de uma jornada de trabalho como docente em diferentes unidades. Um mesmo docente leciona em dois ou até três estabelecimentos distintos, em geral, por necessidade de complementação de renda, tendo em vista que os salários docentes na América Latina são baixos comparativamente a outras funções exigentes

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de formação profissional similar. Nesses casos, o professor não se identifica com uma escola em particular, assume um número de aulas que não lhe permite conhecer e gravar o nome da maioria de seus alunos e acaba sem tempo para preparar aulas, estudar e se atualizar, dedicando boa parte de seu fim de semana a cuidar de suas questões pessoais sobre as quais se encontra impedido durante a semana (Noronha, 2001). Ainda em termos qualitativos, a intensificação pode decorrer da padronização dos procedimentos. Formulários de registro de avaliação do aluno, quadros de frequência, caderneta de registro dos eventos envolvem procedimentos padronizados e são encarados pelos professores muitas vezes como excesso de burocracia (Noronha, 2001). Importante salientar ainda o peso que recai sobre os professores quando o desempenho de seus alunos é considerado abaixo do esperado nos exames externos. Também nesse quesito – número de unidades educacionais em que o sujeito docente trabalha – o pertencimento a determinada etapa de ensino se constituiu em um dos fatores mais distintivos. Na educação infantil e, sobretudo, na creche, encontramos a frequência mais alta entre os que trabalham em apenas uma unidade educacional: 81% estão na creche, 66% na pré-escola, 51% no ensino fundamental e 37% no ensino médio. Por outro lado, é no ensino médio que observamos a frequência mais alta, 20,9%, dos que trabalham em três ou mais unidades educacionais, conforme a Tabela 9.

Tabela 9 – Percentual de sujeitos docentes de acordo com número de unidades educacionais em que trabalham, segundo etapas da educação básica – 2009 Etapas

Em quantas unidades educacionais você trabalha?

Educação Infantil*

Ensino Fundamental

Ensino Médio

Apenas nesta unidade educacional

72,3

50,7

37,3

Em 2 unidades educacionais

26,3

41,1

41,8

Em 3 unidades educacionais

0,9

6,0

15,1

Em 4 ou mais unidades educacionais

0,5

2,1

5,8

Total

100,0

100,0

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010 * Creche e pré-escola

175


Em relação ao vínculo de trabalho, os T/S/D e os estatutários foram os que apresentaram frequências superiores sobre o fato de trabalharem em duas ou mais unidades educacionais, com os seguintes percentuais: 49% e 48%, respectivamente, conforme a Tabela 10.

Tabela 10 – Percentual de sujeitos docentes de acordo com o vínculo de trabalho, segundo número de unidades em que trabalha – 2009 Qual seu tipo de vínculo ou contrato de trabalho com esta unidade educacional?

Número de unidades que trabalha

%

Apenas nesta unidade educacional

52,1

2 unidades

38,3

03 unidades

7,1

4 unidades ou mais

2,5

Total

100

Apenas nesta unidade educacional

71,9

2 unidades

22,5

3 unidades

3,1

4 unidades ou mais

2,5

Total

100

Apenas nesta unidade educacional

51,2

2 unidades

39,3

3 unidades

6,6

4 unidades ou mais

2,9

Total

100

Apenas nesta unidade educacional

78,0

2 unidades

20,4

3 unidades

1,6

Total

100

Estatutário

CLT/Carteira assinada

Temporário/Substituto/ Designado

Estágio com remuneração

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

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Também nas creches e pré-escolas se situam os sujeitos que apresentam carga horária semanal mais alta, exercida em apenas uma unidade educacional: 37% e 28%, respectivamente, trabalham de 30 a 40 horas na semana na mesma unidade. Essa situação também foi observada em relação à jornada de 20 a 30 horas semanais (42% e 41%). Não foi o mesmo para os docentes do ensino fundamental e, sobretudo, do ensino médio. Entre estes, encontramos a maior frequência na jornada semanal de até 20 horas na mesma unidade: 34% e 42%, respectivamente. Na creche, apenas 16% informaram trabalhar menos de 20 horas semanais, quase sempre exercendo a função de coordenação ou supervisão. Embora a frequência geral, quando se considera o conjunto das etapas, situe os sujeitos na jornada de 20 a 30 horas semanais na unidade educacional, verificou-se correlativamente que são esses os sujeitos que informam com maior frequência trabalhar em duas ou mais unidades, como também são esses que apresentaram mais alta frequência de licenças médicas. Com efeito, um elemento indicativo do mal-estar docente pode estar referido ao fato do sujeito ter-se afastado do trabalho por motivo de licença médica. Em todas as etapas da educação básica, quase um quarto ou mais informou ter vivido essa situação no período anterior de 24 meses da data de resposta ao questionário, chegando a um terço para os docentes do ensino fundamental. A menor frequência, de 25%, foi informada pelos sujeitos situados no ensino médio, o que parece indicar que outros elementos presentes nas condições de trabalho, além do número de unidades em que se exerce a docência e a carga horária semanal de trabalho, estão em jogo na produção do adoecimento nas creches ou escolas. O fato de mais da metade dos sujeitos, em todas as etapas, perceberem um aumento das exigências sobre seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos, maior no ensino fundamental com 64% de casos; de mais de 60% afirmarem que houve a incorporação de novas funções e responsabilidades nas suas atividades, em que mais uma vez a maior frequência observada foi no ensino fundamental; de mais de 86% concordarem que o trabalho poderia ser mais eficiente se fosse planejado e executado em condições mais favoráveis; de mais de 2/3 perceberem que houve mudança no perfil dos alunos, e que mais de 70% (mais de 80% na educação infantil) consentirem que a manutenção da disciplina em sala de aula exige muita energia, indica-nos um quadro de tensões no exercício da docência na educação básica brasileira que produz efeitos negativos sobre a saúde dos indivíduos.

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Considerações finais A realidade desigual que o Brasil vive sustentada pela injusta distribuição de riquezas resulta em diferenças regionais, sobretudo entre os seus 5.564 municípios, refletindo diretamente na educação pública. Tais desigualdades se traduzem em condições de trabalho mais precárias justamente na fase mais elementar da Educação Básica, sendo ainda aquela que maior contingente congrega, nos termos assegurados na Constituição Federal da República de 1988, que o Ensino Fundamental e a Educação Infantil são prioridades do município. Sendo assim, quase 90% da matrícula em educação básica se encontram no setor público e a oferta desse nível de educação é de competência dos municípios e estados, conforme mencionado acima, envolvendo cerca de dois milhões de docentes. Com a concentração tributária que persiste no país, o que se observa é que boa parte dos municípios brasileiros apresenta sérias dificuldades em garantir as condições adequadas à necessária realização do trabalho docente, resultando em uma educação injusta para os que nela trabalham. As condições de trabalho na educação básica apresentam grande diversidade se consideramos as faixas salariais, os vínculos e os meios necessários à realização da docência e que variam de município para município e, sobretudo, de estado para estado. Não podemos considerar que no Brasil chegamos a atingir o ideal republicano de escola pública em que a igualdade de acesso (e de permanência) foi garantida. O Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de 2007, apesar de promover maior equidade na repartição dos recursos para a educação básica, é insuficiente para resolver o grande desequilíbrio entre estados e regiões do país. A análise dos dados sobre a situação funcional dos profissionais da educação básica nos indica um cenário preocupante em que urgem medidas que possam garantir as condições necessárias ao pleno desenvolvimento da docência. Quando observamos os dados envolvendo a questão salarial, percebemos que em algumas gestões municipais e estaduais a remuneração tem sido vinculada ao desempenho dos alunos como resultado da produtividade docente, traduzindo-se em premiação e bonificação aos trabalhadores, o que põe em riscos garantias e direitos consolidados nos estatutos profissionais. Com a obrigação de cumprimento da Lei do Piso Salarial Nacional, alguns estados e municípios vêm reduzindo as promoções e garantias profissionais, anunciando a possível

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corrosão das carreiras, uma maior flexibilização nas relações de emprego, por meio dos contratos temporários que são formas já conhecidas e há muito praticadas, mas que na atualidade podem representar uma maneira de burlar a legislação. O excessivo número de alunos por turma e as práticas impostas por uma organização e gestão mais coletiva do trabalho, que pressupõe a discussão com os pares e o acompanhamento individual do aluno, conduz à deterioração das condições de trabalho e tem sido fonte, muitas vezes, de sofrimento físico e mental dos docentes. Os resultados encontrados na pesquisa TDEBB nos fazem supor que as condições de trabalho nos aspectos relativos às relações de emprego e desenvolvimento do trabalho pedagógico precisam ser melhoradas na educação básica brasileira, e que a valorização dos profissionais da educação – como o movimento docente conquistou na legislação nacional – é indispensável à melhoria da educação nacional.

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Anexo - Árvore de Classificação, segundo a variável dependente salário bruto recebido pelo sujeito docente nas três etapas da educação básica, de acordo com vínculo de trabalho, jornada de trabalho e escolaridade Educação Básica Faixa Salarial Até 1 SM 682 8,3% 1 a 2 SM 2385 29,0% 2 a 3 SM 2245 27,3% 3 a 4 SM 1346 16,4% 4 a 5 SM 809 9,8% > 5 SM 763 9,3% Total 8230 100%

Etapa da educação básica - Educação Infantil Faixa Salarial Até 1 SM 260 14,7% 1 a 2 SM 653 37,0% 2 a 3 SM 525 29,7% 3 a 4 SM 194 11,0% 4 a 5 SM 79 4,5% > 5 SM 54 3,1% Total 1765 100%

Vínculo Temporário / Substituto / Designado Faixa Salarial Até 1 SM 48 13,9% 1 a 2 SM 169 48,8% 2 a 3 SM 72 20,8% 3 a 4 SM 52 20,8% 4 a 5 SM 3 0,9% > 5 SM 2 0,6% Total 364 100%

Estágio Faixa Salarial Até 1 SM 139 1 a 2 SM 9 2 a 3 SM 1 3 a 4 SM 0 4 a 5 SM 0 > 5 SM 0 Total 149

180

93,3% 6,0% 0,7% 0,0 0,0 0,0 100%


Vínculo ( Continuação) Estatutário

CLT

Faixa Salarial Até 1 SM 28 2,7% 1 a 2 SM 332 31,7% 2 a 3 SM 425 40,6% 3 a 4 SM 138 13,2% 4 a 5 SM 71 6,8% > 5 SM 52 5,0% Total 1046 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 45 1 a 2 SM 143 2 a 3 SM 27 3 a 4 SM 4 4 a 5 SM 5 > 5 SM 0 Total 224

20,1% 63,8% 12,1% 1,8% 2,2% 0,0 100%

Temporário / Substituto / Designado - Escolaridade Até Ensino Médio

Pelo menos Graduação

Faixa Salarial Até 1 SM 35 32,7% 1 a 2 SM 62 57,9% 2 a 3 SM 10 9,3% 3 a 4 SM 0 0,0% 4 a 5 SM 0 0,0% > 5 SM 0 0,0% Total 107 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 13 1 a 2 SM 107 2 a 3 SM 62 3 a 4 SM 52 4 a 5 SM 3 > 5 SM 2 Total 239

5,4% 44,8% 25,9% 21,8% 1,3% 0,8% 100%

Estatutário- Carga horária Até 20h

20h a 30h

Faixa Salarial Até 1 SM 4 3,7% 1 a 2 SM 38 34,9% 2 a 3 SM 48 44,0% 3 a 4 SM 11 10,1% 4 a 5 SM 5 4,6% > 5 SM 3 2,8% Total 109 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 16 1 a 2 SM 234 2 a 3 SM 106 3 a 4 SM 77 4 a 5 SM 34 > 5 SM 17 Total 484

181

3,3% 48,3% 21,9% 15,9% 7,0% 3,5% 100%


Estatutário- Carga horária (Continuação) 30h a 40h

Acima de 40h

Faixa Salarial Até 1 SM 8 2,1% 1 a 2 SM 45 11,6% 2 a 3 SM 252 64,9% 3 a 4 SM 40 10,3% 4 a 5 SM 23 5,9% > 5 SM 20 5,2% Total 388 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 0 1 a 2 SM 15 2 a 3 SM 19 3 a 4 SM 10 4 a 5 SM 9 > 5 SM 12 Total 65

0,0% 23,1% 29,2% 15,4% 13,8% 18,5% 100%

CLT - Escolaridade Até ensino Médio

Pelo menos Graduação

Faixa Salarial Até 1 SM 33 25,0% 1 a 2 SM 96 72,7% 2 a 3 SM 3 2,3% 3 a 4 SM 0 0,0% 4 a 5 SM 0 0,0% > 5 SM 0 0,0% Total 132 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 12 1 a 2 SM 47 2 a 3 SM 24 3 a 4 SM 4 4 a 5 SM 5 > 5 SM 0 Total 92

182

13,0% 51,1% 26,1% 4,3% 5,4% 0,0% 100%


Etapa da educação básica - Ensino Fundamental Faixa Salarial Até 1 SM 271 6,5% 1 a 2 SM 1222 29,4% 2 a 3 SM 1188 28,6% 3 a 4 SM 686 16,5% 4 a 5 SM 397 9,6% > 5 SM 389 9,4% Total 4153 100%

Vínculo Temporário / Substituto / Designado Faixa Salarial Até 1 SM 99 8,9% 1 a 2 SM 607 54,6% 2 a 3 SM 269 24,2% 3 a 4 SM 110 9,9% 4 a 5 SM 19 1,7% > 5 SM 8 0,7% Total 1112 100%

Estágio Faixa Salarial Até 1 SM 99 1 a 2 SM 13 2 a 3 SM 0 3 a 4 SM 0 4 a 5 SM 0 > 5 SM 1 Total 113

87,6% 11,5% 0,0% 0,0 0,0 0,9% 100%

Vínculo (Continuação) Estatutário

CLT

Faixa Salarial Até 1 SM 49 1,7% 1 a 2 SM 565 20,0% 2 a 3 SM 897 31,7% 3 a 4 SM 565 20,0% 4 a 5 SM 375 13,3% > 5 SM 378 13,4% Total 2829 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 24 1 a 2 SM 37 2 a 3 SM 22 3 a 4 SM 11 4 a 5 SM 3 > 5 SM 2 Total 99

183

24,2% 37,4% 22,2% 11,1% 3,0% 2,0% 100%


Temporário / Substituto / Designado - Carga horária Até 20h

20h a 30h

Faixa Salarial Até 1 SM 79 15,6% 1 a 2 SM 322 63,8% 2 a 3 SM 74 14,7% 3 a 4 SM 19 3,8% 4 a 5 SM 7 1,4% > 5 SM 4 0,8% Total 505 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 14 1 a 2 SM 221 2 a 3 SM 91 3 a 4 SM 41 4 a 5 SM 3 > 5 SM 2 Total 372

3,8% 59,4% 24,5% 11,0% 0,8% 0,5% 100%

Temporário / Substituto / Designado - Carga horária Acima de 30h Faixa Salarial Até 1 SM 6 2,6% 1 a 2 SM 64 27,2% 2 a 3 SM 104 44,3% 3 a 4 SM 50 21,3% 4 a 5 SM 9 3,8% > 5 SM 2 0,9% Total 235 100%

Estatutário- Carga horária Até 20h

20h a 30h

Faixa Salarial Até 1 SM 32 4,2% 1 a 2 SM 195 25,3% 2 a 3 SM 315 40,9% 3 a 4 SM 117 15,2% 4 a 5 SM 57 7,4% > 5 SM 54 7,0% Total 770 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 8 1 a 2 SM 292 2 a 3 SM 397 3 a 4 SM 260 4 a 5 SM 97 > 5 SM 110 Total 1164

184

0,7% 25,1% 34,1% 22,3% 8,3% 9,5% 100%


Estatutário- Carga horária (Continuação) 30 a 40h

Acima de 40h

Faixa Salarial Até 1 SM 7 1,0% 1 a 2 SM 50 7,3% 2 a 3 SM 149 21,6% 3 a 4 SM 160 23,2% 4 a 5 SM 178 25,8% > 5 SM 145 21,0% Total 689 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 2 1 a 2 SM 28 2 a 3 SM 36 3 a 4 SM 28 4 a 5 SM 43 > 5 SM 69 Total 206

185

1,0% 13,6% 17,5% 13,6% 20,9% 33,5% 100%


Etapa da educação básica - Ensino Médio Faixa Salarial Até 1 SM 109 8,7% 1 a 2 SM 308 24,5% 2 a 3 SM 264 21,0% 3 a 4 SM 253 20,1% 4 a 5 SM 148 11,8% > 5 SM 175 13,9% Total 1257 100%

Carga horária Até 20h

20h a 30h

Faixa Salarial Até 1 SM 99 19,6% 1 a 2 SM 187 37,0% 2 a 3 SM 108 21,3% 3 a 4 SM 51 10,1% 4 a 5 SM 25 4,9% > 5 SM 36 7,1% Total 506 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 8 1 a 2 SM 101 2 a 3 SM 101 3 a 4 SM 122 4 a 5 SM 33 > 5 SM 25 Total 390

2,1% 25,9% 25,9% 31,3% 8,5% 6,4% 100%

Carga horária 30 a 40h

Acima de 40h

Faixa Salarial Até 1 SM 2 0,8% 1 a 2 SM 13 4,9% 2 a 3 SM 45 17,1% 3 a 4 SM 66 25,1% 4 a 5 SM 63 24,0% > 5 SM 74 28,1% Total 263 100%

Faixa Salarial Até 1 SM 0 1 a 2 SM 7 2 a 3 SM 10 3 a 4 SM 14 4 a 5 SM 27 > 5 SM 40 Total 98

186

0,0% 7,1% 10,2% 14,3% 27,6% 40,8% 100%


Vínculo (Até 20h) Temporário / Substituto / Designado e Estágio Faixa Salarial Até 1 SM 72 30,9% 1 a 2 SM 103 44,2% 2 a 3 SM 34 14,6% 3 a 4 SM 21 9,0% 4 a 5 SM 3 1,3% > 5 SM 0 0,0% Total 233 100%

Estatutário e CLT

Faixa Salarial Até 1 SM 27 1 a 2 SM 84 2 a 3 SM 74 3 a 4 SM 30 4 a 5 SM 22 > 5 SM 36 Total 273

9,9% 30,8% 27,1% 11,0% 8,1% 13,2% 100%

Vínculo (20 a 30h) Temporário / Substituto / Designado / Estágio e CLT Faixa Salarial Até 1 SM 7 8,0% 1 a 2 SM 24 27,3% 2 a 3 SM 27 30,7% 3 a 4 SM 25 28,4% 4 a 5 SM 3 3,4% > 5 SM 2 2,3% Total 88 100%

Estatutário

Faixa Salarial Até 1 SM 1 1 a 2 SM 77 2 a 3 SM 74 3 a 4 SM 97 4 a 5 SM 30 > 5 SM 23 Total 302

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

187

0,3% 25,5% 24,5% 32,1% 9,9% 7,6% 100%


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Capítulo 7

A remuneração dos profissionais da educação e os desafios atuais Vera Lúcia Ferreira Alves de Brito

Introdução Este capítulo visa analisar dados sobre carreira e condições de trabalho a partir do survey “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” realizado pelo Gestrado/FAE/UFMG1. O texto analisa inicialmente a legislação básica sobre carreira e remuneração docente e, em seguida, comenta os dados da pesquisa sobre remuneração, enfocando a satisfação/insatisfação com a remuneração, o trabalho em outras escolas e a situação e socioeconômica familiar dos professores. A legislação brasileira revela a tomada de consciência de amplos setores da sociedade sobre a contradição existente entre a necessidade de uma educação de qualidade e a desvalorização profissional vivenciada pelos professores. A partir das últimas décadas do século XX, as políticas educacionais para a educação básica inovaram não apenas no financiamento, mas também no processo de descentralização, no conceito de avaliação, na ênfase na importância de uma formação adequada e nas novas formas de gestão. Tais políticas apresentam características que surgem articuladas aos diferentes processos de regulação da educação e aos resultados da tensão existente entre universalização e qualidade da educação em tempos de globalização. OLIVEIRA, D. A. e Vieira, Livia M. F. Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – Sinopse do survey nacional. Belo Horizonte, GESTRADO/FAE/UFMG, 2010. (Relatório de Pesquisa). A amostra constou de 8.795 profissionais da educação, em zonas urbanas em sete estados (não aleatorizados) do Brasil - Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. 1

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Nesse contexto é importante analisar a pluralidade de discursos sobre as políticas educacionais e produzir uma reflexão teórica crítica e de modo a captar a complexidade dos fenômenos e a disparidade dos interesses que se confrontam. O fato de as decisões sobre as políticas públicas educacionais terem mudado em um período de tempo relativamente curto, já que as reformas educacionais foram consolidadas na década de 1990, ressalta o caráter político das decisões sobre as políticas educacionais. A especificidade do cenário político atual é destacada por Santos (2005), que incide sobre as políticas públicas: Igualmente política é reflexão sobre as novas formas de Estado que estão a emergir em resultado da globalização, sobre a nova distribuição política entre práticas nacionais, práticas internacionais e práticas globais, sobre o novo formato das políticas públicas em face da crescente complexidade das questões sociais, ambientais e de redistribuição.

É, portanto, complexo o cenário no que diz respeito à carreira dos profissionais da educação num contexto de novas formas de ordenamento das políticas educacionais nas questões relativas à qualidade da educação, ao financiamento, à avaliação e regulação (Oliveira, 2005). A situação econômica enfrentada pelo Brasil nas últimas três décadas, como decorrência do aumento da desigualdade entre países pelo processo de globalização global, é um fator preponderante na dificuldade dos governos de equacionar o problema da qualidade da educação. No discurso governamental, a crise econômica é invocada para justificar a incapacidade de assegurar um nível adequado de remuneração docente, sem levar em conta os efeitos negativos que esse descompromisso governamental produz no funcionamento do sistema educacional e no desempenho do professor. Afirma-se a centralidade da atuação dos professores para o avanço da qualidade da educação. Entretanto, a docência no Brasil se caracteriza como uma profissão cujas políticas públicas não têm equacionado o problema da desvalorização docente e sua baixa remuneração. Nesse cenário não basta afirmar que os docentes brasileiros recebem baixos salários. As propostas de modificação na estrutura da carreira docente têm sido normatizadas recorrentemente, porém, a efetividade das políticas públicas continua posta em questão.

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É importante assinalar que a desvalorização econômico-social dos professores tem sido percebida como resultado de vários fatores, entre os quais o aumento do número de professores nas últimas décadas do século XX, tendo esses profissionais perdido a possibilidade de ascensão social pelo ingresso na carreira e pelo constante rebaixamento do nível dos salários, perdendo atratividade para jovens de classe média, para os quais havia sido anteriormente atrativa. Mas, no contexto atual, em que a educação ocupa lugar importante, os professores e suas condições de trabalho se tornam centrais, enquanto a desvalorização dos profissionais da educação básica é consenso nas pesquisas e debates sobre educação.

1. A legislação e sua efetividade A Constituição introduziu inovações profundas tanto na organização e gestão dos sistemas educacionais como também dispôs sobre os princípios que devem reger o ensino. A valorização do magistério, incluindo o acesso por concurso público, a carreira e o piso salarial constam como o princípio base do ensino, como prescreve o artigo 206: Art. 206 - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: V - valorização dos profissionais do ensino, garantindo, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso de provas e títulos, assegurado regime jurídico único para todas as instituições mantidas pela União (Brasil, 1988). Mas o dispositivo constitucional como grande meta, a base normativa para uma efetiva profissionalização, não se efetivou como meta concreta nas políticas públicas para que fosse alcançada a valorização dos profissionais da educação, seu decorrente prestígio e a conquista de uma remuneração correspondente à sua valorização. O financiamento da educação, apesar do objetivo explícito de valorização dos profissionais da educação, não cumpre o que é estabelecido em lei desde a criação do Fundef. Nesse sentido, a Lei 9424/1996 que regulamentou o FUNDEF é explícita o objetivo de valorização docente: Art. 9º - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, no prazo de seis meses da vigência desta Lei, dispor de novo Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de modo a assegurar:

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I - a remuneração condigna dos professores do ensino fundamental público, em efetivo exercício no magistério; II - o estímulo ao trabalho em sala de aula; III - a melhoria da qualidade do ensino. Art. 10 - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão comprovar: I - efetivo cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Federal; II - apresentação de Plano de Carreira e Remuneração do Magistério, de acordo com as diretrizes emanadas do Conselho Nacional de Educação, no prazo referido no artigo anterior (Lei 9424/1996). Apesar da legislação do FUNDEF, em 1998, ter atribuído 60% dos recursos do fundo para a remuneração dos profissionais da educação nos estados e municípios, a política pública implementada não representou o que foi definido em lei e não gerou um aumento significativo para os docentes, a não ser para alguns estados do Nordeste, contemplados com recursos federais. A LDBEN (9.394/96) define de modo incisivo a necessidade de valorizar os profissionais da educação com salários dignos. Apresenta, articulados, os conceitos de valorização do profissional, garantia do padrão de qualidade e insere o conceito de “custo aluno-qualidade”: Art. 3º - O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: VII - valorização do profissional da educação escolar; IX - garantia de padrão de qualidade. Art. 4º - O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.” Art. 74. Parágrafo único - O custo mínimo de que trata este artigo será calculado pela União ao final de cada ano, com validade para o ano subseqüente, considerando variações regionais no custo dos insumos

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e as diversas modalidades de ensino. Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressivamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão mínimo de qualidade de ensino. O “custo aluno-qualidade” representa uma forma de especificar o que seria gasto com despesas essenciais ao sucesso do processo de educação com qualidade e incidiria também na remuneração do magistério. O custo-aluno, em 1997, foi estabelecido em R$ 300,00. A quantia fixada, no entanto, não representou o que dispunha lei. Foi fixado pelo cálculo médio do que estados e municípios poderiam dispor e o que a União decidiu empenhar como suplementação nestes. Ao implementar a política pública decorrente da legislação, a União deixou de cumprir a suplementação a todos os estados e municípios, priorizando alguns estados do Nordeste. Em novo contexto político, as decisões políticas, com ampla participação da sociedade civil organizada, resultaram em um maior comprometimento da União no apoio financeiro à Educação Básica. A Emenda Constitucional nº 53/2006, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação e de Valorização dos Profissionais da Educação Básica (Fundeb), mantém a lógica do Fundef, redistribuindo as receitas dos governos estaduais e dos seus municípios em fundos contábeis em cada unidade federativa com referência a um valor por aluno/ano definido nacionalmente. A abrangência foi ampliada do ensino fundamental para toda a educação básica e o percentual de subvinculação de receita foi aumentado, bem como o número de impostos envolvidos. A lei reafirma, uma vez mais, a valorização dos profissionais da educação pela implantação de planos de carreira e remuneração condigna: Art. 40. Os Estados, o Distrito federal e os municípios deverão implantar Planos de Carreira e remuneração dos profissionais da educação básica, de modo a assegurar: I - a remuneração condigna dos profissionais na educação básica da rede pública; II - integração entre o trabalho individual e a proposta pedagógica da escola; III - a melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem.

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No art. 41, estabelece-se que o Poder Público deveria definir até o dia 31 de agosto de 2007 o Piso Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica. A mudança no financiamento e a expressa vinculação do financiamento ao pagamento de professores foram consideradas solução ideal para a valorização docente. Corroborando esta expectativa, pesquisadores avaliaram que o aumento da arrecadação de recursos do Fundeb poderia ter sido suficiente para que todos os estados e municípios implantassem um piso salarial básico para os professores. No entanto, mais uma vez as políticas educacionais implementadas não cumpriram o que estava determinado na legislação. Como afirma Abicalil: A abrangência e o volume financeiros alcançados pelo Fundeb teriam possibilitado as condições necessárias e suficientes para a implementação e viabilização do PSPN (2008: 72).

Em 16 de julho de 2008, é sancionada a Lei nº 11.738 dispondo sobre o Piso Salarial Profissional Nacional (PSPN). Em abril de 2007, o Executivo apresentou o Projeto de Lei nº 619/2007 (aprovado em agosto de 2007) que estabelecia o valor do PSPN em R$ 850,00 para a formação em nível médio, na modalidade Normal, com uma carga horária de 40 horas semanais. Esse valor não condizia com as expectativas da categoria. Para Davies (2008), um piso salarial de dois salários mínimos não seria suficiente para a manutenção do professor e de sua família e a jornada de 40 horas impede o professor de ter outra atividade remunerada: O piso de R$ 850,00 é insignificante, porque em 2010, quando estaria em vigor, representaria pouco mais ou pouco menos do que dois salários mínimos e corresponderia a uma jornada de 40 horas, ou seja, em tese, esse salário deveria ser suficiente para o profissional manter-se e também a sua família, e esse profissional não teria mais tempo para outra atividade remunerada (Davies, 2008).

A CNTE protestou contra essa proposta e conseguiu apenas alterar o valor do piso, de R$ 850,00 para R$ 950,00. Além disso, a lei aprovada permitiu aos poderes públicos estaduais e municipais, em 2009, contar no cômputo do piso os adicionais existentes que compõem toda

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a remuneração docente, o que anulou qualquer vantagem salarial para o magistério. O valor do piso de R$950,00 deveria ser atualizado no ano seguinte, levando em consideração o crescimento do valor anual mínimo por aluno, referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano. O artigo 5º da Lei nº 11.738/2008 estabelece, como parâmetro de reajuste do valor do PSPN, o Índice do Valor por Aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O valor base de R$ 950,00 para 2008, quando o piso foi regulamentado, devia ser reajustado em 2009, o que não ocorreu. Para 2010, o Ministério da Educação – MEC, por meio de consulta à Advocacia Geral da União – AGU, fixou em R$ 1.024,67 o valor do piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica, não considerando aumento referente ao ano de 2009 e mantendo o valor de R$950,00. Essa dificuldade gerou controvérsia sobre o índice de reajuste para 2010, com o MEC e o movimento sindical dos professores: A CNTE não tem dúvida quanto à forma de atualização do Piso, devendo o mesmo agregar os reajustes do Fundeb em 2009 (19,2%) e em 2010 (15,93%). Dessa forma, o valor deve ser de R$ 1.312,85. A Confederação já expôs os motivos de sua interpretação e também já condenou, publicamente, a sugestão irresponsável do MEC, que se eximiu de ação de ilegalidade caso persista a interpretação inovadora da AGU. CNTE reitera à categoria que tomará todas as providências para fazer valer a Lei do Piso, especialmente no que diz respeito aos enfrentamentos político e judicial, que requererão forte compromisso e unidade de nossos sindicatos filiados e da categoria em geral. (CNTE, 2010)

A diferença entre os aumentos salariais previstos e realizados são apontados pela CNTE, conforme se visualiza no quadro abaixo:

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Quadro 1 – Reajustes salariais do PSPN – Lei n. 11.738/08, segundo CNTE Reajustes do PSPN na visão do CNTE Ano Índice (%) Valor (R$) 2008 950,00 2009 19,2 1.132,40 2010 15,93 1.312,85 2011 15,29 1.513,58

Reajustes do PSPN - Lei nº. 11.738/08 Ano Índice (%) Valor (R$) 2008 9500,00 2009 9500,00 2010 7,86 1.024,67 2011 15,294 1.181,34

Fonte: CNTE, 2010.

Em decorrência da autonomia federativa, o piso salarial nacional não está implantado em todos os estados e municípios, pois alguns entes federados ainda não se consideram com condições de aplicá-lo. Com isso, muitas vezes os profissionais da educação precisam complementar a sua renda dobrando a sua jornada de trabalho ou realizando atividades em outros segmentos. Como consequência, aumenta a insatisfação dos profissionais da educação e ocorrem greves em várias unidades da federação. O survey “Trabalho docente na Educação Básica no Brasil” pesquisou um quadro de crise do salário e das condições de trabalho da categoria, constatando, para justificar a realização da pesquisa, a ausência de dados apropriados, visando subsidiar as ações orientadas ao sujeito docente e realizando uma pesquisa ampla, que buscou diagnosticar a situação em que se encontram esses profissionais e captar suas opiniões em relação às suas condições de trabalho.

2. Análise dos dados: a percepção dos docentes Neste item abordamos a questão da remuneração e das condições de trabalho, a partir da percepção dos docentes da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, tendo em vista que a situação econômica enfrentada pelo Brasil nas últimas três décadas, como decorrência do aumento da desigualdade entre países pelo processo de globalização, é um fator preponderante na dificuldade dos governos de equacionar o problema do financiamento da educação e da remuneração docente. No discurso governamental, a crise econômica e o cumprimento

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de contratos internacionais (que geram crescente dívida externa) são invocados para justificar a impossibilidade de assegurar um nível adequado de remuneração docente, sem levar em conta os efeitos negativos que a não priorização governamental produz no funcionamento do sistema educacional e no desempenho do professor. A valorização docente incide diretamente na educação de qualidade: Em países como o Brasil, cuja desvalorização social e econômica da profissão docente remonta a seus primórdios e passa por um momento histórico em que precisa avançar da garantia do acesso (processo ainda em curso, mas que não foi concluído para todas as idades da faixa etária de 4 a 17 anos) para a universalização da educação em condições de qualidade. (Alves, 2011)

É importante assinalar que a desvalorização econômico-social dos professores tem sido percebida como um resultado de vários fatores, entre os quais o aumento do número de professores nas últimas décadas do século XX, tendo estes perdido a possibilidade de ascensão social pelo ingresso na carreira e pelo constante rebaixamento do nível dos salários. A profissão perde atratividade para jovens de classe média, para os quais havia sido anteriormente atrativa. Nas últimas décadas, pesquisadores e dirigentes tem colocado em questão a perda de valorização dos docentes da educação básica que vem desmotivando os jovens promissores de ingressarem na carreira. Os meios de comunicação tem repercutido essa questão. A valorização social representa a compreensão da sociedade da importância do trabalho docente para o conjunto dos cidadãos e isso afeta a percepção que os próprios docentes têm de si mesmos. Sua carreira, remuneração e condições de trabalho se tornam centrais para a valorização dos profissionais da educação básica, revelando um consenso nas pesquisas e debates sobre a educação. A valorização social representa a compreensão da sociedade da importância do trabalho docente para o conjunto dos cidadãos e isso afeta a percepção que os próprios docentes têm de si mesmos.

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3. Analisando os dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil Os dados da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” confirmam a baixa remuneração de professores, mas mostram que há variações consideráveis nos salários dos professores. A média de salário bruto é R$ 1.263,73, valor que encobre salários menores e o valor modal, que é de R$ 697,50. A mediana nos revela que 50% dos salários são menores que R$ 1.162,50 e 50% dos salários são maiores que R$ 1.162,50. O magistério entrevistado (dados de 2009) recebe até 2 SM são 38,4%, até 3 SM são 65,4% e até 4 SM são 81,4%. Portanto, 65,4% recebe salário menor R$1550,00 que equivalia a 3 salários mínimos. (salário mínimo de R$ 465, 00 em 2009). Constata-se, nos dados coletados, a afirmação de que a política salarial do setor público apresenta grande diversidade. Essa variação pode ser atribuída aos vencimentos dos docentes que se diferenciam em função da carreira, do contrato de trabalho, efetivo ou temporário, do regime de trabalho, do nível e da classe, do tempo de serviço, das gratificações incorporadas e da titulação. E, sobretudo à diferença econômica regional que o país comporta, apresentando enormes discrepâncias entre os trabalhadores de diferentes redes públicas municipais e estaduais com mesma formação e titulação contribuídas para essa diversificação (Oliveira, 2005). Contudo, faltam informações nos dados da pesquisa sobre a habilitação e duração da jornada de trabalho e, por esse motivo, são necessárias informações adicionais para melhor compreensão e comparação com outras profissões. Por isso, analisar os dados da pesquisa sem especificar a jornada e a formação tem o risco de subestimar ou superestimar a formação e a jornada dos professores para efeito da análise da remuneração. Sobre o grau de satisfação/insatisfação com a remuneração, 82,6% dos professores entrevistados expressam insatisfação. Há evidências que a insatisfação se deve, além dos baixos salários, às precárias condições, à insatisfação no trabalho e ao desprestígio profissional. O grau de satisfação com o trabalho tem a ver com a habilidade de persistir nos momentos difíceis mantendo a esperança com a crença de realizar um trabalho socialmente relevante:

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Quadro 2 - Satisfação/ Insatisfação salarial Satisfeito

13,4%

Insatisfeito

60,8%

Muito insatisfeito

21,8 %

Total de insatisfeitos

82,6 %

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Os docentes demonstram explícita insatisfação com o salário e, na especificação do porque desta insatisfação ou satisfação, há elementos para uma compreensão das razões da insatisfação/satisfação. Entre os motivos para a satisfação está presente a compatibilidade com a (pequena) dedicação ao trabalho e, por esse motivo, o entrevistado se manifesta conformado com a remuneração (12,4%). É uma resposta com várias possibilidades de interpretação, pois pode indicar que a jornada de trabalho parcial justifica o salário baixo, mas também pode significar pouco envolvimento profissional. Um dos motivos da insatisfação “incompatível (injusta) com sua dedicação ao trabalho” demonstra que a segunda opção parece ser a mais provável, pois professores insatisfeitos explicam sua insatisfação pela injustiça diante de sua grande dedicação ao trabalho. A lógica do raciocínio parece ser o compromisso moral: se invisto pouco, devo receber salário baixo, se invisto muito, devo receber salário adequado a esta dedicação. Outro tipo de argumento é o que mostra insatisfação pelo fato da remuneração ser insuficiente para manter um padrão de vida digno ou para possibilitar uma formação continuada.

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Quadro 3 - Satisfação/insatisfação com a remuneração Satisfeito/a, por se tratar de remuneração compatível com sua dedicação ao trabalho

9,2 %

Conformado, pois o salário é baixo, mas é compatível com sua dedicação ao trabalho

3,2 %

Insatisfeito, remuneração incompatível (injusta) com sua dedicação ao trabalho

60,8 %

Muito insatisfeito, remuneração é insuficiente para manter um padrão de vida digno

21,8 %

Muito bem remunerado

0,4 %

Indiferente

1,6 %

Outro

3,0 %

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Em outro item da pesquisa, encontra-se a informação de que 48,5% dizem não estar contemplados em um plano de cargos e salários, o que pode ser uma razão importante para a insatisfação revelada. A questão da duplicação da jornada de trabalho foi objeto da pesquisa e mostrou que 54,6% não trabalham em outra instituição educacional enquanto 45,4% trabalham. Destes, 37,2% trabalham em duas unidades, 6,6% em três unidades e 2,5% em quatro unidades educacionais.

Distribuição dos sujeitos docentes quanto ao número de unidades educacionais em que trabalha A pesquisa de Alves (2011) encontrou os seguintes dados: 76,8% dos professores da edu­cação básica atuam em apenas uma escola, 19% em duas e 3,3% em três e 1% em mais de três. Em comparação com essa pesquisa, para o survey “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” existem menos professores que trabalham em uma só escola e mais professores que trabalham em duas, três ou quatro escolas. Segundo o autor, é recorrente a duplicação da jornada de trabalho como forma de melhorar o padrão de remuneração, o que, em muitos casos,

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está relacionada a um fenôme­no que afeta negativamente o exercício profissional. Outra forma de complementar o salário é ter outro trabalho remunerado. Na pesquisa, 87,2% dos professores afirmam não ter outro trabalho remunerado, mas 12,8% complementam sua renda com outro emprego. A renda obtida nesse outro setor é significativa. Os professores recebem até 1 SM (29,4%), de 1 a 2 SM (25,4%), de 2 a 3 SM (16,8%), de 3 a 4 SM (8,7%), de 4 a 5 SM (6,9%), de 5 a 7 SM (5,7%), de 7 a 10 SM (3,7%), de 10 a 20 SM(2,7%), acima de 20 SM (1,0%). A pesquisa de Alves e Pinto (2011) encontrou dados semelhantes: em sua pesquisa, 89,9% dos professores da educação básica não têm outro trabalho remunerado. Em relação à formação, 0,6% dos professores estudaram até o ensino fundamental, 31,6% concluíram o ensino médio e a maioria, 67,6%, concluiu a formação em nível superior. Esse último grupo é formado por 43% de graduados, 23,3% de especialistas e 1,3% de mestres ou doutores. Ainda segundo Alves e Pinto (2011), os professores pesquisados são formados, em sua maioria (86,1%), por instituições de ensino superiores públicas e 13,9% por IES privadas. Sobre a situação econômica familiar, 15% têm rendimento familiar de até 3 SM, dado que difere da pesquisa de Alves e Pinto (2011), que encontrou 25% nessa faixa. A pesquisa desenvolvida por esses especialistas mostrou, entretanto, variações regionais que revelaram grandes disparidades. Enquanto no Nordeste 42,5% possuíam rendimento familiar de até um salário mínimo, no Sudeste o percentual era de 10,3%, no Centro-Oeste 14,2% e no Sul 6,2%. A questão da renda familiar dos entrevistados encontra dados bastante diferenciados conforme a região em que foi realizada a pesquisa. A pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil encontrou os seguintes dados:

203


Tabela 1 - Estimativa de renda familiar dos pesquisados Faixa de renda em SM

Frequência

De 1 a 3 SM*

15

De 3 a 4 SM

13,2

De 4 a 7 SM

49,4

De 7 a 10 SM

17,9

Mais de 10 SM

13,3

Mais de 20 SM

2,7

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. *Obs. Salário Mínimo (SM) vigente em 2009 foi de R$ 465,00.

Quanto à situação econômica familiar, 15% têm rendimento familiar de até 3 SM, dado que difere da pesquisa de Alves e Pinto (2011), que encontrou 25% nessa faixa. A pesquisa desenvolvida por esses especialistas mostrou, entretanto, variações regionais que revelaram grandes disparidades. Enquanto no Nordeste 42,5% possuíam rendimento familiar de até um salário mínimo, no Sudeste o percentual era de 10,3%, no Centro-Oeste 14,2% e no Sul 6,2%. A pesquisa realizada em 2009 por Alves e Pinto (2011), constatou que, em um ranking socioeconômico de 32 “profissionais das ciências e das artes” (dados de 3.564 professores com jornada de pelo menos 30 horas semanais), os professores da educação básica ocupam o 27º lugar. O topo da lista é ocupado por profissões com status social e reconhecimento econômico na sociedade brasileira, tais como a dos médicos, cirurgiões dentistas, advogados, engenheiros, professores do ensino superior, engenheiros e arquitetos. Os professores da educação básica ocupam posição próxima a dos assistentes sociais e economistas domésticos (colocação 28) e dos decoradores de interiores e cenógrafos (colocação 29). Sobre a questão do principal responsável pela provisão doméstica, quase a metade do magistério (47,5%) responde ser o/a principal provedor/a, o que indica que um número acentuado de mulheres docentes possui essa responsabilidade. Considerado um fenômeno recente, a mulher como provedora do lar revela um rápido aumento das mulheres como chefes de família. O IPEA revelou, a partir dos dados da PNAD de 2009, que houve um aumento muito expressivo da proporção de mulheres chefes de família.

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Entre 1992 e 2009, as famílias com e sem filhos chefiadas por mulheres passaram de 0,8% para 9,4% do total. Isso significa que, em 2009, 4,3 milhões de domicílios brasileiros eram chefiados por mulheres. Em 2009, segundo o IPEA, 89,9% das mulheres ocupadas também se dedicavam aos afazeres domésticos, enquanto entre os homens essa proporção era de 49,6%. A dupla jornada ainda é mais pesada para as mulheres, que gastavam, em média, 21,8 horas semanais com esse tipo de tarefa – entre os homens, o tempo dedicado aos trabalhos do lar era de apenas 9,5 horas. Em razão desse cenário de discriminação feminina, algumas contradições e paradoxos se referem ao fato de que, mesmo frente à evidente inserção das mulheres no mercado de trabalho e ao acesso à escolaridade, o salário das mulheres é menor que o dos homens. No caso das profissionais da educação, seu posicionamento na sociedade se vincula a um contexto mais amplo que envolve o processo histórico de desenvolvimento da profissão docente. A questão primordial é saber se a discriminação no mercado de trabalho leva à inserção na profissão docente e se o fato das mulheres terem menos possibilidades de ocupar uma profissão com maior reconhecimento social interfere nessa escolha. A partir desse questionamento, infere-se que a escolha da profissão é marcada por processos discriminatórios que levam muitas mulheres ao acesso à carreira docente. “Devemos lembrar que, historicamente, as mulheres foram remetidas a campos de atuação específicos, considerados adequados ao seu sexo”, aponta Bruschini (2007).

Considerações finais Este texto buscou analisar os dados obtidos na pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, confirmando a inefetividade existente entre a legislação das políticas educacionais e a valorização concreta dos profissionais da educação. Foram abordados aspectos como a remuneração, a satisfação/insatisfação com a remuneração, o trabalho em mais de uma unidade educacional, a existência de outro trabalho remunerado e o salário recebido, a formação e a situação socioeconômica familiar dos professores entrevistados. Os resultados revelam que os entrevistados, em sua maioria, têm a docência como atividade principal e recebe rendimentos muito abaixo

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das profissões mais valorizadas (em uma pesquisa sobre salários de 32 profissionais, os professores da educação básica se encontram na posição 27). Nos motivos expressados para a causa da insatisfação estão a desvalorização e a falta de reconhecimento pelo trabalho, a incompatibilidade entre o salário e a função exercida, a exigência de formação e as condições de trabalho. Entre as respostas positivas é preponderante a resposta dos docentes que afirmam estarem satisfeitos profissionalmente, mas insatisfeitos na questão salarial. A discussão sobre a visão dos entrevistados sobre a profissão docente mostra as discrepâncias existentes entre a formalização das políticas educacionais, o financiamento da educação e a implementação de planos de carreira e piso salarial condizentes com a valorização docente. Considera-se que a remuneração adequada e os planos de carreira, que contemplem horas de atividade além do trabalho em sala de aula, podem contribuir para a identificação do professor com a docência, expressada na satisfação com seu trabalho. A persistência de baixa remuneração e insatisfação demonstram que há muito a ser discutido e implantado para que a educação de qualidade e a valorização dos professores sejam realidade. Considerando a importância inerente ao trabalho educativo, é necessário valorizar esse profissional para que se constitua uma profissionalização justa para os docentes e que seja reconhecida socialmente. Ao considerar as condições para que os profissionais da educação pública sejam reconhecidos, é preciso enfatizar a importância do financiamento da educação. O Plano Nacional de Educação (Projeto de Lei nº 8.035/2010) em discussão no Congresso Nacional propõe, em sua Meta 20, que seja garantida uma fonte de financiamento permanente e sustentável para todas as etapas da educação pública. Considerando a importância da educação para todos os aspectos da vida social e para uma vida digna, essa meta é primordial. Propõe-se, na Meta 17, valorizar o magistério público da educação básica, a fim de aproximar o rendimento médio do profissional do magistério ao rendimento médio dos demais profissionais com escolaridade equivalente e propõe, na Meta 18, assegurar, no prazo de dois anos, a existência de planos de carreira para os profissionais do magistério em todos os sistemas de ensino. Mesmo não desconhecendo a especificidade da carreira docente, são metas que respondem à percepção de injustiça que foi revelada nas entrevistas da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil. O que foi mostrado pela pesquisa já tem sido expressado pelos

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movimentos da sociedade civil e dos sindicatos, que são indispensáveis para dar visibilidade pública à insatisfação sobre a remuneração, a carreira e as condições de trabalho dos docentes, tendo em vista que as políticas públicas direcionadas aos docentes não estão efetivando perspectivas de profisssionalidade com o grau de justiça reivindicado pelos docentes públicos.

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207


BRASIL. Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília: Casa Civil da Presidência da República, 1996c. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L9424.htm BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação - FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nos 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União. BRASIL. Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União. Brasília. BRASIL, Ministério da Educação. Projeto de Lei. Aprova o Plano Nacional de Educação 2011-2020 e dá outras providências. Brasília: MEC, 2010. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831421.pdf BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CB nº 9/2009, aprovado em 2 de abril de 2009. Revisão da Resolução CNE/CEB nº 3/97, que fixa Diretrizes para os Novos Planos de Carreira e de Remuneração para o Magistério dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Portal MEC. Brasília: MEC/CNE/CB, 2009a. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/pceb009_09.pdf BRUSCHINI, Cristina; Trabalho e gênero no Brasil nos últimos dez anos. Cadernos de Pesquisa, v. 37, n. 32, p. 537-572, 2007. CNTE. Trabalhadores em educação exigem respeito à lei do piso do magistério, 2010. DAVIES, Nicholas. Fundeb: a redenção da educação básica? Campinas: Autores Associados, 2008. HYPOLITO, Álvaro M. Estado gerencial, reestruturação educativa e gestão escolar. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v.27, n.1, p.63-78, jan./abr. 2008. OLIVEIRA, D. A. e VIEIRA, Livia M. F. Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – Sinopse do survey nacional. Belo Horizonte, GESTRADO/FAE/UFMG, 2010 (Relatório de Pesquisa).

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OLIVEIRA, D. A. Regulação das políticas educacionais na América Latina e suas conseqüências para os trabalhadores docentes. Educ. Soc. v. 26 n. 92 Campinas out. 2005. SANTOS, B.S. S SANTOS, B.S. (Org.). Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

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Capítulo 8

Trabalho docente na educação básica no Brasil: as condições de trabalho Álvaro Moreira Hypolito

Uma parte importante sobre o trabalho de ensinar é a que se refere às condições de produção desse trabalho. Isso tem sido negligenciado por estudos e pesquisas que atribuem a responsabilidade do desempenho da escola e da educação pública, sobretudo aos professores e às professoras, culpabilizando o magistério pela crise da educação e da escola. As condições de produção do trabalho de ensinar como fator determinante do fracasso escolar tem sido especialmente negligenciado pelas políticas educacionais. Muitos aspectos envolvem as condições de trabalho nas escolas públicas, aspectos que influenciam sobremaneira as condições do trabalho do professorado. Envolvem elementos indissociáveis, tais como: formação; carreira, remuneração e formas de contratação; processo de trabalho – intensificação, cargas de trabalho, tempos, características das turmas (aspectos materiais e emocionais); condições físicas e materiais do trabalho; dentre outros. Uma situação a ser mais bem considerada se refere à precarização do trabalho docente. Essa precarização há anos vem sendo aprofundada e atinge diretamente as condições objetivas e subjetivas de realização do trabalho de ensinar nas escolas públicas. Este texto1 tece comentários a respeito das condições do trabalho docente a partir de dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil (Oliveira e Vieira, 2010). Inicia, aproveitando-se de um

1

Texto para discussão na Oficina de Trabalho, do GESTRADO, nos dias 21 e 22 de junho, para debate temático dos dados da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil.

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dos resultados iniciais da investigação que foi o Dicionário2, trabalhando alguns conceitos referentes a condições de trabalho e trabalho docente. O texto prossegue com uma discussão sobre valorização docente e condições de trabalho, na tentativa de mostrar que essas categorias estão imbricadas com o conceito de precarização. Na sequência trata das formas de gestão e da organização do trabalho escolar, relacionando gerencialismo, organização escolar e condições de trabalho. Por fim, faz emergir dados da pesquisa para discorrer sobre as condições do trabalho docente no Brasil a fim de relacionar com as discussões teóricas iniciais.

Trabalho docente e condições de trabalho No dicionário Trabalho, profissão e Condição Docente três verbetes tratam do tema da condição docente e condições de trabalho docente. Fanfani3 aborda a condição docente como um estado – uma condição – da construção social do ofício docente (Fanfani, 2010). O autor utiliza o termo condição justificando seu uso pela abrangência do termo, o que lhe permite uma posição relativamente neutra sobre as definições de sentido da profissão. O autor compreende que os estudos sobre a condição docente devem incluir aspectos objetivos e subjetivos dessa condição – suas dimensões mais objetivas, como gênero, formação, idade, carreira, renda etc., e suas dimensões mais subjetivas, como satisfação, valores, representações etc. O autor encerra o verbete considerando que a condição docente atual está sendo definida, por um lado, pela incorporação de novas tecnologias no trabalho, que interferem diretamente nas práticas e modos de ensinar, assim como na formação docente, e, por outro lado, pelas novas lógicas de regulação, baseadas em testes, avaliações e medições. Resulta desse processo de novas tecnologias e de regulação, uma identidade docente que afeta antigas construções sociais, tais como a vocação, o profissionalismo e a carreira, dentre outras. De acordo com Migliavacca (2010), a expressão condições de trabalho do professor se refere a “aspectos sociais, políticos, culturais e educacio-

Este dicionário foi uma das produções acadêmicas da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, tema deste livro ver Oliveira e Duarte (2010). 3 O autor realizou importante investigação sobre a condição docente, com dados comparativos de alguns países da America Latina (Fanfani, 2005). 2

212


nais que, em um período histórico dado, delimitam o marco estrutural em que se desenvolve o processo de trabalho do professor”, portanto, segundo a autora, está muito distante da “identificação de uma suposta essência universal imanente ao trabalho docente”, já que depende de uma contextualização histórica particular. As condições de trabalho docente, verbete desenvolvido por Oliveira e Assunção (2010), parte do conceito marxiano desenvolvido a partir de análises sobre o processo de trabalho. Nesse sentido, condições de trabalho, em geral, são todos os recursos necessários para que o trabalho se realize, incluindo materiais, instalações, insumos, equipamentos etc. Ademais, acrescentam as autoras, o termo se refere a relações de emprego (contratação, salário, carreira etc.). Dessa forma, em condições de trabalho estão incluídas as relações que se referem ao processo de trabalho e ao emprego. As condições de trabalho se situam no tempo e no espaço, o que significa dizer que estão submetidas a um momento histórico e social e a um contexto de trabalho. Afirmam as autoras que as condições de trabalho incluem as condições de emprego – relações formais e informais entre o empregador e o empregado; e as condições objetivas – relações presentes no ambiente em que o trabalho se realiza. Essas condições são determinantes para uma maior ou menor condição de precarização do trabalho. Condições menos favoráveis para o desempenho do trabalho são diretamente relacionadas com mais precarização. Considerando-se essas três abordagens e aproximações com o termo condição de trabalho e condição docente, julgo possível sintetizar uma ideia em torno do que sejam as condições do trabalho docente. Para isso, é preciso agregar outra noção importante que trata do caráter subjetivo das condições de trabalho, relativos a dimensões emocionais do trabalho docente que impactam sobremaneira a vida e o trabalho do professorado. Trata-se de questões relacionadas com ritmo, sobrecarga, tempos, intensificação e, dentre outras, com a satisfação nas atividades desempenhadas no trabalho. Hargreaves (1994) já indicava que os aspectos emocionais – culpa, stress etc. – estavam presentes no trabalho e poderiam se comportar como realimentadores do processo de intensificação, o que o autor denomina de autointensificação. Ball (2005; 2008) analisa tal processo desde uma perspectiva do caráter performático e regulador das políticas educativas que, ao alcançar os docentes, por meio de um endereçamento interpelativo das reformas gerencialistas, visam a um controle da subjetividade para forjar identidades docentes. Oliveira (2007) também desenvolve o tema da autoin-

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tensificação do trabalho docente, demonstrando como os processos de intensificação, pela crescente precarização do trabalho e pelo aumento das funções e atividades docentes, advindos das novas formas de organização do trabalho impostas pelas reformas, vão se transformando em processos de autointensificação (Duarte, 2010). A temática é retomada nos artigos de Garcia e Anadon (2009) e de Hypolito, Vieira e Pizzi (2009). No primeiro, as autoras tratam de demonstrar relações entre as reformas educativas e a autointensificação do trabalho docente, por meio de uma pesquisa biográfica com docentes de uma rede municipal do Rio Grande do Sul, indicando que a precarização do trabalho na educação básica, as novas demandas nos modos de gestão do trabalho escolar, envolvendo o currículo e o ensino, juntamente com as políticas oficiais de formação e profissionalização, estimulam uma nova moral, que impõe, por sua vez, uma nova identidade docente, baseada na responsabilização e na culpa. É um processo de subjetivação que, associado à intensificação, atinge as emoções docentes, resultando num processo de autointensificação. No segundo artigo, os autores centram um pouco mais a análise nas práticas curriculares. Mostram que as modificações que ocorrem no trabalho educativo em termos de controle pedagógico, o que interfere na autonomia sobre o fazer e o pensar dos docentes, sobre o que deve ou não ser ensinado, estão associadas aos processos de intensificação do trabalho e aos novos requisitos educativos exigidos via reformas gerencialistas, muito baseadas nas políticas de avaliação. Afirmam que essas mudanças não interferem somente nos corpos, mas principalmente no emocional do magistério, de modo que os processos de intensificação se internalizam e se transformam em processos de autointensificação4. Tendo isso em mente, pode-se dizer que as condições de trabalho atuais têm a ver com precarização, que tem a ver com intensificação, que tem a ver com autointensificação, que tem a ver com valorização do trabalho docente. Com efeito, são aspectos indissociáveis.

4

Esses argumentos estão desenvolvidos, com mais detalhes, em outro estudo de pesquisadores do mesmo grupo, que discute o uso panóptico de câmeras de vigilância sobre docentes em sala de aula (ver Del Pino, Vieira e Hypolito, 2009).

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Anotações sobre valorização docente e condições de trabalho Como disse no final da seção anterior, a valorização docente tem a ver com a autointensificação, que tem a ver com a intensificação, que tem a ver com a precarização. Como foi ressaltado, são aspectos indissociáveis, porém não são a mesma coisa. Constituem-se e são constituídos por processos e dispositivos próprios que apresentam características específicas. A valorização profissional docente se refere tanto a aspectos internos como externos à profissão. Possui, evidentemente, interfaces com o trabalho e as suas condições de produção, mas possui também interfaces muito determinantes com aspectos anteriores ou externos ao processo de trabalho, tais como formação, políticas de remuneração e carreira, políticas educacionais e, de modo especial, com o prestígio social que é atribuído ao trabalho docente. É uma relação complexa de influências recíprocas em que um fator influencia outros e é por eles influenciado. Isso pode soar simplista, mas o fato é que fatores externos, por exemplo, a formação, podem influenciar diretamente fatores internos ao processo de trabalho, afetando da mesma forma aspectos subjetivos, como a vocação e a identidade. Ocorre que muitos desses cruzamentos não são percebidos no cotidiano por alguns docentes e por amplos setores sociais, o que faz com que relações mais diretamente identificáveis sejam atribuídas como as causas dos dilemas educativos. Como exemplo, o fato de os docentes serem apontados como responsáveis por sua própria formação e isso ser aceito por muitos docentes como algo natural e não como um problema de carreira ou de políticas educacionais mais amplas. A precarização está muito relacionada à condição geral do trabalho e não necessariamente está ligada ao processo de trabalho propriamente dito, embora o afete diretamente e, por efeito contrário, seja por ele afetada. A precarização está diretamente relacionada às condições de trabalho5. Nesse sentido, a precarização, dentre outros aspectos possíveis, envolve: • Condições materiais de trabalho – aspectos físicos (prédios, salas de aula, ginásios, bibliotecas), aspectos de ensino (que envolvem tamanho de turmas, alunos, materiais didáticos, acervo bibliográfico, dentre outros) e de pessoal (número de docentes, equipes

5

Ver verbetes sobre o tema em Fernandes e Helal (2010) e Marin (2010).

215


de apoio, substitutos etc.); • Condições subjetivas de trabalho – tempo de preparo para atividades de ensino, pressão emocional, valorização, prestígio profissional; • Formação e carreira – tipos de contrato, formas de ingresso, formas de terceirização, progressão funcional, valorização profissional, atividades de formação, estímulo a estudos, dedicação exclusiva, semestre sabático, e outros; • Remuneração – piso salarial, garantias de reajustes, posições de prestígio, isonomia salarial etc.; • Processo de Trabalho – aumento de funções e atividades, mais serviço burocrático, número de alunos por turma, alienação dos fins da educação/menor autonomia, acompanhamento social de estudantes, trabalho de serviço social, encargos com trabalhadores temporários, aumento da carga de trabalho, intensificação; • Satisfação e reconhecimento do trabalho – envolve aspectos da vocação, do prestígio social, da condição social do professorado, do controle, da regulação e da pressão no trabalho. O grau de satisfação com o trabalho tem a ver com diferentes graus de resiliência, com a vocação e com a crença de realizar um trabalho socialmente relevante. O reconhecimento do trabalho pela sociedade – país, comunidade – afeta diretamente aspectos emocionais do trabalho e envolve o tema do prestígio social. Vários desses elementos estão mais ou menos relacionados uns com os outros, uns podem ser mais determinantes do que outros, dependendo do ponto de inflexão e de análise desejado e da faceta acentuada. Mas o que quero destacar é que as formas de organização coletiva do trabalho e os modos de gestão estão conectados. Novos modelos de regulação e de organização do trabalho nas escolas, propostos pelas reformas educativas, a partir de modelos gerenciais orientados pelo mercado, mesmo que sutis, afetam as escolas e o trabalho docente de forma profunda.

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Formas de gestão e organização coletiva do trabalho Em outro trabalho, em colaboração com uma colega, definimos modos de gestão como as formas de produzir a organização escolar, incluindo, assim, as relações políticas e os mecanismos de poder envolvidos nas práticas pedagógicas da comunidade escolar, as concepções e práticas curriculares, bem como todas as formas de organização do processo de trabalho na escola. (Hypolito e Leite, prelo: 3)

Nesse trabalho advogamos que o modo de gestão gerencialista cria uma lógica e um reordenamento do processo de trabalho docente6 e de organização escolar que distancia os docentes de um profissionalismo baseado no discernimento pedagógico crítico e na autonomia, ao mesmo tempo em que produz um regramento educativo, que se baseia na eficiência, no cientificismo, e se julga capaz de impulsionar um desempenho escolar de qualidade, cujo critério é a competência, a eficiência e o mercado (Hypolito, 2010a). Esse modo de gestão incentiva a introdução das relações gerencialistas de parceria público-privadas, com a terceirização dos serviços, da produção de materiais didáticos e pedagógicos e dos empregos, o que tem efeito muito significativo, pelo menos, em dois aspectos do trabalho docente: de um lado, no trabalho docente como emprego e, de outro, no trabalho de ensinar. Antes de adentrar nesses efeitos sobre o trabalho docente, quero expor dois modelos de mercantilização da educação pública escolar, baseados em relações econômicas por muitos caracterizadas como quase-mercado, em que aparecem dois tipos de privatização: endógena e exógena. A endógena se caracteriza pelo modelo no qual o setor público mimetiza o modo de gestão do setor privado, assume tal modelo de governança e adere à filosofia da lógica administrativo-empresarial do mercado. Esse modelo de privatização está cada vez mais presente na administração pública e penetra com muita profundidade e abrangência na administração escolar e educacional. Perpassa as escolas e todo o sistema educacional, com os sistemas de controle e avaliação, desempenho por competências, descentralização administrativo-financeira,

6

Ver o verbete Processo de Trabalho Docente em Hypolito (2010b).

217


pagamento por desempenho, modelos de gestão baseados na eficiência, contrato de metas e outras formas de gestão que muito se distanciam dos avanços da gestão democrática alcançados por algumas escolas públicas. A privatização exógena é aquela que transfere serviços públicos para instituições privadas, seja por intermédio das parcerias público-privadas, pelos modelos de terceirização de serviços, pela contratação de trabalhadores temporários, ou seja, pela contratação e/ou aquisição de sistemas de ensino. Em ambos os casos o modo de gestão que se consolida visa a naturalização de conceitos caros à história da democratização da escola e da educação, tais como qualidade, avaliação, desempenho escolar. Atribui a esses conceitos um sentido único e universal que, de fato, é um sentido muito particular que se universaliza por meio de um processo de hegemonia e de articulação de sentidos, denominado por Laclau (1996) de significante vazio. Um exemplo disso pode ser o que segue: (...) a qualidade na educação pública é algo reivindicado por todos os grupos e setores sociais, mas cada um atribui um significado para o que é qualidade. O que as forças conservadoras, neoliberais, direitistas, têm obtido é a imposição do seu significado particular como se fora universal, é articular os diferentes sentidos em torno de um significante vazio, fazendo com que o significado hegemônico seja a qualidade regulada pelo mercado e definida pelo gerencialismo.

O modus operandi do gerencialismo passa a ser o modo de gestão escolar hegemônico. Nesse sentido, até mesmo a gestão democrática, termo polissêmico, passa a ser aceita desde que restrita ao modus operandi da gerência capitalista. (Hypolito & Leite, prelo: 3)

Os efeitos sobre o trabalho docente, retomando a linha argumentativa, em termos de emprego tem sido devastador. Seja via parcerias público-privado seja por ação governamental direta, tem-se desenvolvido formas de contratação precárias de trabalho, temporárias, muitas vezes sem direitos trabalhistas, tais como a terceirização de serviços, não somente para os serviços de limpeza, mas também serviços administrativos, monitorias, trabalho de oficineiros e professores para áreas específicas

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de ensino7. É um processo de precarização intenso que afeta a carreira, adia concursos, fragmenta a categoria, impõe rebaixamentos salariais e cria um exército de reserva pronto para assumir as funções docentes8. Ademais, como muitos contratos são temporários ou por hora, nota-se um comprometimento menor com o trabalho e, por isso, uma dificuldade maior para com um trabalho mais coletivo, de modo que muitas atividades acabam se concentrando e sendo redistribuídas para docentes de carreira, o que poderia ser minimizado com mais contratação por meio de concursos. Os efeitos sobre o trabalho docente em termos de trabalho pedagógico e de ensino tem sido devastador e muito preocupante. Com o avanço da privatização exógena, com a contratação de consultorias privadas, aquisição de pacotes pedagógicos, sistemas de ensino, cursos para treinamento de professores, programas contratados de gestão – terceirização de modelos de gestão, o trabalho docente passa a ser mais diretamente controlado, do ponto de vista técnico e ideológico, por instituições que, além de exercerem o controle sobre o que ensinar e sobre como ensinar, obtêm lucro com a venda de seus produtos e com a execução de seus métodos e conteúdos. Esse lucro, embora não seja obtido diretamente com a contratação de docentes, é extraído a partir do trabalho de docentes de escolas públicas – contratados, concursados ou efetivos – que recebem do Estado um salário fixo por um trabalho que tem sido intensificado com esses métodos e cujo excedente acaba ficando com as empresas privadas. Há necessidade de se retomar a discussão da mais-valia, já que estamos vivendo outra realidade no serviço público escolar, em que o Estado atua diretamente para a acumulação de capital agenciando o trabalho que será imediatamente explorado. Trata-se de uma acumulação imediata do capital.

Na Educação Infantil, por meio de instituições conveniadas, pode-se encontrar inúmeras situações graves desse tipo de precarização do trabalho docente e dessas formas de privatização. Como esta é uma área educacional com baixa cobertura pública, tende a ser ampliado o serviço, e tudo indica que é uma área mais vulnerável ao crescimento dessas formas de privatização. O programa federal Mais Educação também tem permitido o aparecimento dessas formas de contratação. 8 Isso pôde ser visto na greve dos professores estaduais de Minas Gerais, em 2011, quando o governo realizou contratos emergenciais para cobrir o trabalho dos grevistas. Muitos dos que atenderam ao chamado governamental, nem chegaram a assinar os contratos e alguns trabalharam sem receber. 7

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Os argumentos desenvolvidos até aqui buscaram uma forma de conectar políticas educacionais, modos de gestão, organização escolar e condições de trabalho docente. Doravante, pretendo assinalar a contribuição da pesquisa para uma melhor compreensão das condições trabalho docente, tentando, tanto como possível, relacionar os dados com os conceitos anteriormente discutidos.

A contribuição da pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil A pesquisa parte do pressuposto teórico de que tem havido um processo de reestruturação educativa que afeta profundamente a organização escolar e o trabalho docente no Brasil. Parte de algumas hipóteses que podem ser sintetizadas da seguinte forma: a) tem ocorrido uma modificação no trabalho docente com a ampliação de tarefas, de novas funções e de responsabilidades docentes; b) tem havido um ampliação da jornada de trabalho real sem o reconhecimento formal e sem a devida retribuição; c) pode-se identificar o aumento da intensificação e da autointensificação do trabalho docente; d) pode-se identificar a emergência de uma nova divisão técnica do trabalho na escola, com novas funções e personagens docentes. No geral, com as análises dos dados obtidos até o momento, tudo indica que as hipóteses da investigação vêm sendo confirmadas. A partir daqui, tomando em consideração o cenário teórico apresentado, pretendo mostrar como vejo a confirmação dessas teses, ou de parte delas9, ponderando a partir de alguns dados sobre condições de trabalho docente, intencionalmente peneirados para se discutir: i) condição de formação; ii) formas de contratação, carreira e remuneração; iii) condições físicas e materiais do trabalho; e iv) processo de trabalho.

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Alguns aspectos que se apresentaram contraditórios ou imprecisos nos dados do survey estão sendo objeto de investigação na segunda fase da pesquisa, de caráter mais qualitativo, que se utilizará da técnica de grupos focais.

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Formação Os dados sobre formação não surpreendem àqueles que possuem alguma familiaridade com o campo, no sentido de que confirmam aspectos formais sobre a formação docente, com exceção da formação em nível de pós-graduação que surpreende e, ao mesmo tempo, preocupa, o que será abordado adiante. A ampla maioria dos docentes já possui formação superior, em nível de graduação, aproximadamente 84%. A grande maioria cursou Licenciatura (53,2%) ou Pedagogia (33,9%), um número muito pequeno, quase insignificante, cursou Normal Superior10. No entanto, 46% dos docentes com formação superior frequentaram instituições privadas – somente 0,6% em instituições confessionais, comunitárias ou filantrópicas. Embora não envolva a maioria, pois 52,8% foram formados em instituições públicas, a formação docente em instituições privadas constitui um percentual muito alto, se considerado que são instituições pagas e que a educação privada é muito onerosa para uma certificação com baixo valor no mercado de trabalho. Além disso, o fato de a frequência em instituições confessionais, comunitárias ou filantrópicas ser extremamente baixo, pode-se indicar que a grande maioria dos que fizeram formação superior em instituições privadas o fizeram em faculdades ou centros não universitários, que muitas vezes funcionam como Normal Superior, porém não adotam essa terminologia pela baixa aceitação social dessa modalidade. É notório que a qualidade do ensino dessas instituições é bastante duvidosa11. Todavia, quando se trata da pós-graduação os dados surpreendem, pois não havia informação oficial recente que pudesse detectar tal situação. Surpreende, num primeiro momento, que 92,5% dos docentes com formação superior possuam pós-graduação. Houve uma busca inegável por formação em nível de especialização, a qual foi realizada em instituições privadas, em horários para além da jornada de trabalho, em cursos noturnos ou de finais de semana. Na maioria dos casos, pode-se inferir, custeados com recursos próprios dos docentes. Poucas administrações realizam programas gratuitos para os docentes nesse nível de formação. É uma formação almejada, talvez, para uma progressão na carreira ou para melhorar o currículo com vistas a concursos futuros. O que reforça, de alguma forma, o fracasso apontado pela área de Educação para essas políticas de Curso Normal Superior. 11 Programas governamentais tem auxiliado essa expansão do ensino privado, como é o caso do FIES e do Prouni. 10

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Porém, é uma formação precária dada a situação que se conhece da maioria das ofertas de cursos nesse nível de ensino. Todavia, a maioria dos pesquisados justificam a busca por formação baseados em critérios nobres, como se trata adiante. No que se refere à formação continuada, 52,7% afirmam que participaram de alguma atividade (congressos, seminários, colóquios etc.) e 47,3% afirmam que não participaram. A maioria indica que essas atividades não foram promovidas pelas Secretarias de Educação – maior presença dos órgãos municipais do que os estaduais na promoção desse tipo de ação, ou pelo Ministério da Educação ou pelos sindicatos. A grande maioria dos que participaram, acima de 80% ou próximo disso, sustenta que participaram para aprofundar seus conhecimentos, para ajudar no seu trabalho com os alunos, para avaliar seus conhecimentos e as competências dos alunos, para utilizar novas tecnologias no ensino, para colaborar com seus colegas na preparação de projetos e para refletir sobre sua própria prática. A busca por atividades de formação é, de forma muito evidente, voltada para o coletivo e para melhorar a qualidade do trabalho. A maioria não participou de programas de formação em instituições universitárias, programas de formação das secretarias de educação, do Ministério da Educação ou programas organizados por sindicatos. Um terço somente afirma ter participado de programas de formação promovidos por essas instituições. O nível de leitura declarado varia um pouco dependendo do material de leitura, mas indica níveis baixos de hábito de leitura. O quadro da formação docente revela que há falta de políticas consistentes por parte dos governos municipais, estaduais e federal. Boa parte da formação docente está sendo realizada em instituições privadas sem qualquer articulação, como uma política nacional. A busca por formação tem-se dado por iniciativas individuais. A política nacional de formação é tímida, o que aparece quando os docentes são instigados a dar sua opinião sobre o assunto: em torno de 75% afirmam que a política precisa ser reformulada, contudo somente 7% afirmaram ter participado de alguma formação de iniciativa do Ministério da Educação. É muito provável que os docentes não conheçam as políticas nacionais de formação.

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Contratação, carreira e remuneração Em termos salariais, o magistério recebe um salário (baseado no salário mínimo – SM – de R$ 465,00, quando da coleta dos dados) de até 3 SM (65,4%) e até 4 SM (81,4%), num quadro salarial que varia de um valor mínimo de R$ 232,50 a um valor máximo de R$ 4.882,50, perfazendo uma média de salário bruto de R$ 1.263,73. No entanto, o valor modal – valor mais frequente – é de R$ 697,50. Isso faz com que 82,6% dos docentes pesquisados estejam insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a remuneração recebida, sendo que a maioria se considera insatisfeito em função de perceber que é um valor incompatível com sua dedicação ao trabalho. Dentre os docentes pesquisados, 54,6% não trabalham em outra instituição educacional, o que indica que mais da metade poderia estar com dedicação a uma instituição escolar em tempo integral, pois tampouco exercem outra atividade remunerada (87,2%). Quase a metade do magistério (47,5%) responde ser o/a principal provedor/a do lar, o que indica que um número acentuado de mulheres docentes possui tal responsabilidade. Um terço dos docentes entrevistados não prestou concurso público para trabalhar na rede de ensino. A categoria nacionalmente está constituída por 64% de professores estatutários e cerca 30% de temporários, CLT, contratados ou substitutos, etc. Em outros estados este percentual pode chegar a quase 50% de contratados. No entanto, 48,5% dizem não estarem contemplados com um plano de cargos e salários. Esse dado pode indicar que muitos planos de carreira são simplesmente uma terminologia genérica para atender exigências legais, provavelmente concentram respondentes da educação infantil (já que é nesse nível de ensino que se encontra relativamente o maior número de docentes sem plano de carreira) e podem se referir a planos de salários sem definições de progressão salarial e valorização da formação continuada. Daí a insatisfação com a carreira. Esse aspecto é muito preocupante no momento em que o professorado luta para garantir o piso nacional de salário, que muitos governantes não estão cumprindo a lei do piso, tanto no que se refere ao valor como ao aspecto do tempo de preparação e planejamento (1/3 do tempo), com justificativas que variam da discordância com a lei até a impossibilidade orçamentária. O que é certo é que, como justificativa para pagar o piso nacional, muitos governos estão modificando e desestruturando os planos

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de carreira, com o fim de vantagens, o achatamento das progressões e dos percentuais de incentivo por qualificação.

Condições físicas e materiais do trabalho As condições de ruído são significativas no sentido de que há uma perturbação do trabalho, como no que se refere ao ruído originado na sala de aula, fora da sala de aula e fora da unidade escolar. Os docentes também indicam problemas de ventilação, iluminação e condições das paredes e prédios. A sala de convivência e repouso e as condições dos banheiros não são excelentes, embora apareçam como razoáveis. As condições dos equipamentos, das salas de informática, dos recursos pedagógicos e das bibliotecas foram indicadas como razoáveis, o que deveria ser bom ou excelente para se pensar em uma educação de qualidade. O mesmo ocorre com as respostas sobre as áreas de recreação ou quadra de esportes. Nota-se que as condições físicas e materiais para o desempenho do trabalho são razoáveis, em alguns casos ruins. Esses aspectos são muito relevantes para um bom ou mau desempenho do trabalho escolar, urge a definição de um padrão de qualidade para a escola pública12.

Processo de trabalho, aspectos materiais e emocionais A média de alunos nas turmas é de 27,8 estudantes e a quantidade mais frequente é de 30 estudantes por sala. Os professores afirmam que contam com apoio de pessoal para o acompanhamento de seus alunos (60,8%), contudo não fica claro que tipo de ajuda – em sala, ajuda sistemática ou apoio fora da sala. Quase a metade afirma atender crianças com necessidades especiais, para o que as seguintes atividades devem ser desenvolvidas, em ordem de maior incidência: adaptação das atividades propostas às crianças; adaptação e produção de materiais; reforço pedagógico; e avaliação das crianças com necessidades especiais, dentre outras. Embora tenham afirmado que recebem apoio, quando

Esses dados são de difícil apreensão, pois não há parâmetros de comparação, já que pequenas reformas e melhorias do que poderia ser muito ruim ou inexistente pode passar a ser razoável. 12

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perguntados se recebem orientação específica para essas atividades, 70% dos docentes responde que não recebem orientação alguma. Quando questionados se costumam levar trabalho para casa, 71,5% respondem que sim, distribuídos da seguinte forma: sempre (47,3%) ou frequentemente (24,2%). Em termos de horas semanais dedicadas a esse trabalho em casa, 71,4% respondem que despendem até 10 horas semanais. Em média os docentes despendem mais de 7 horas. A indicação que mais aparece – modal – é de 10 horas. Como a maioria possui vínculo com uma única unidade escolar e 50%, cumulativamente, possui uma carga horária de até 20 horas e 67% de até 30 horas, esse tempo de trabalho em casa, como hipótese, pode girar em torno de um terço do tempo de trabalho na escola. Sobre o tempo despendido em sala de aula, cerca de 85% dos docentes utilizam mais de 10 horas semanais da sua carga horária com atividades de ensino em sala. No entanto, quando questionados sobre a ampliação de sua jornada de trabalho, dois terços respondem que não houve. Um número significativo diz ter aumentado o seu número de estudantes nas turmas e que houve uma mudança no perfil estudantil. Afirmam, em sua maioria, que há maior supervisão e controle de suas atividades, com um aumento de exigências sobre o seu trabalho em relação ao desempenho de seus estudantes, porém dizem ter maior autonomia na definição e desempenho de suas atividades, o que é aparentemente uma contradição. No que se refere à competição entre escolas para a obtenção de índices melhores de qualidade não há uma identificação precisa, embora um terço relacione esse tipo de competição pela qualidade. Uma maioria significativa (67,3%) reconhece a incorporação de novas funções e responsabilidades, porém afirmam que há maior apoio na realização de suas atividades. Essa informação também parece contraditória com outras respostas. Sobre as parcerias com ONGs, fundações e empresas em relação à definição de novas formas de organização e gestão do trabalho nas unidades escolares, 30% identificam essas parcerias, as quais efetivamente ainda não se fazem presentes em todas as escolas. É um processo que se inicia e pode ainda não ser muito evidente para muitos. Essa evidência é mais presente para os docentes quando são questionados sobre convênios com secretarias ou ministérios, por meio de programas especiais, contudo, a identificação disso não chega à metade dos docentes. Como há variados programas, nos diversos níveis administrativos, a resposta pode indicar um alto grau de desinformação.

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Embora as respostas sobre a incorporação de novas exigências e de aumento do número de estudantes em salas tenham sido afirmativas, os docentes dizem que não estão se sentindo forçados a dominar novas práticas, competências, responsabilidades etc., que assumem novas responsabilidades naturalmente e procuram se adaptar a novas exigências. Quando, todavia, são indagados se observam mudanças e repercussões das políticas educacionais sobre o seu trabalho, 80% dos pesquisados respondem afirmativamente, assim como o mesmo percentual de respondentes diz-se sentir responsável pela classificação de sua unidade escolar nas avaliações dos governos. Todavia, afirmam não se sentirem constrangidos a mudar sua forma de trabalho em razão dos exames de avaliação. Sobre sentirem-se cobrados pelo trabalho que realizam, 49,5% afirmam receber mais cobranças de si mesmos e depois, respectivamente, 13,1% pela Secretaria de Educação, 12,5% pela direção da escola e 11% pela supervisão, o que perfaz um percentual de 36,6% que nos permite identificar uma cobrança consistente vinda de funções institucionais. Portanto, há um sentimento de responsabilização e cobrança, seja pela via institucional seja de si mesmo, o que pode significar uma forte relação com um processo de autointensificação no trabalho. Quando inquiridos sobre o grau de frustração e de satisfação com o trabalho, a pesquisa confirma outros estudos e mostra um baixo grau de frustração e de muita satisfação com o trabalho. Essas manifestações são mediadas por respostas positivas, tais como: tem muito a contribuir com a educação; raramente ou nunca pensam em parar de trabalhar na educação; sentem que a educação permite o uso de suas capacidades; sabem que não utilizariam melhor suas habilidades intelectuais em outra profissão; e se tivessem que recomeçar a vida profissional, escolheriam novamente trabalhar com a educação. Entretanto, a ampla maioria manifesta ter consciência que seu trabalho poderia ser mais eficiente se planejado e executado em condições de trabalho mais favoráveis.

Comentários finais Discutir as condições do trabalho docente é crucial para a educação brasileira, dado que nas últimas três décadas, pelo menos, as políticas educacionais têm sido baseadas em modelos gerencialistas que atribuem aos docentes e à sua formação a culpa pelo fracasso escolar, contudo,

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os resultados dessas políticas têm ficado muito aquém do prometido. As condições de trabalho têm sido negligenciadas a ponto de ter aumentado assustadoramente a precarização do trabalho docente. Em todos os países que lideram as listas de bom desempenho educacional o magistério goza de boas condições salariais e de trabalho, de formação e as escolas possuem um padrão alto de qualidade, em termos de condições físicas e materiais. Não se pode falar em educação de qualidade, porquanto as condições de produção do trabalho de ensinar persistam precárias. Penso que os dados e as análises teóricas permitem a assertiva de que as hipóteses levantadas pela pesquisa vão se confirmando. É inegável que os docentes identificam uma ampliação de suas atividades, com novas atividades e responsabilidades. É também incontestável a afirmação de que há uma ampliação da jornada real sem um reconhecimento formal e sem a devida retribuição. A agressiva contestação e negação dos governos estaduais e municipais aos docentes do tempo de preparo e planejamento, previsto na lei do piso nacional, é uma evidência política desse não reconhecimento formal da ampliação da jornada, já que muito do trabalho vem sendo realizado fora do ambiente escolar. A precarização do trabalho docente é bem evidente quando se toma as condições de trabalho como um conjunto. A precarização pode ser identificada, em maior ou menor grau, nas condições salariais, de carreira, de formação, nas formas de gestão que se expressam nas contratações precárias de trabalhadores, na contratação de pessoal com pouca formação, nas parcerias público-privadas, assim como nas formas de controle e regulação do trabalho, com nítidas modificações intensificadoras do trabalho. De forma mais específica, o sentimento docente de cobrança e responsabilização indica uma incorporação subjetiva e moral das políticas regulatórias, o que resulta no que se tem denominado autointensificação, mesmo que em algumas situações os docentes afirmem possuir autonomia. Um dado relevante que aparece de forma muito evidente na investigação é o que mostra a emergência de uma nova divisão técnica do trabalho, em que novas funções e personagens docentes surgem, principalmente, com a precarização das formas de contratação e com novas formas de organização do trabalho. Programas que permitem contratações temporárias, sistemas conveniados e terceirizados que abrem a possibilidade de contrato de trabalhadores com pouca formação, ingresso sem concurso e sem estabilidade que permite que funções docentes sejam exercidas por pessoal não qualificado, como monitores, oficineiros, auxiliares ou pessoal contratado para exercer atividades específicas. Isso corrói os

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planos de carreira e fragmenta o corpo docente, auxiliando na precarização da condição docente e das condições de trabalho. Ademais, o quadro geral demonstrado pela análise das condições de trabalho, incluindo formação, carreira, remuneração, intensificação e novos encargos de trabalho, evidencia que as condições precárias de trabalho afetam a valorização profissional. O grau de satisfação demonstrado pelo professorado pode ter a ver com aspectos da vocação e com comprometimentos morais que os docentes manifestam por uma boa educação, o que pode ser visto pela busca incessante por mais formação, mesmo que isso implique em obtê-la às suas custas, e pelas razões que justificam essa busca, sempre voltadas para o coletivo e para uma educação renovada.

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Capítulo 9

Política e gestão educacional: uma análise dos dados da pesquisa “Trabalho docente na educação básica no Brasil” Adriana Duarte Eliza Bartolozzi Ferreira

Este capítulo se propõe a analisar os dados coletados sobre política e gestão educacional na pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”. Com isso, vem contemplar um dos objetivos específicos do projeto da pesquisa: “Identificar e analisar mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a educação básica no que se refere à organização e gestão escolar e suas consequências para a formação e carreira docente”. Dessa forma, as análises aqui desenvolvidas têm o compromisso de fazer a leitura da realidade apresentada pelos dados à luz dos estudos contemporâneos no campo das políticas educacionais. O objetivo geral dessa pesquisa foi analisar as dimensões constitutivas do trabalho docente e em que condições se realizam nas escolas de Educação Básica. Dessa forma, as questões referentes à gestão educacional seguem essa trilha e buscam apontar o papel do dirigente escolar, o grau de participação dos atores sociais na gestão e o caráter da autonomia e da avaliação em larga escala. Importa ressaltar que os dados coletados possibilitam leituras sobre a percepção dos trabalhadores docentes sobre a gestão escolar e não podem informar sobre a prática da gestão. Esse limite metodológico, antes que um fator negativo, revela a complexidade do real tendo em vista a compreensão de que a apropriação das concepções sobre algum fenômeno é constituída por elementos objetivos e subjetivos e, quando ocorre uma recorrência significativa de concordância sobre determinada questão, é um indicativo da experiência vivida pelo sujeito e pelo coletivo.

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Este capítulo está organizado em três seções, além da introdução e considerações finais. A primeira seção procura apresentar alguns aspectos teórico-metodológicos dos estudos sobre política e gestão educacional no que concernem às novas formas de regulação social; a segunda buscou sistematizar os temas da gestão democrática e da avaliação no ordenamento legal brasileiro e; a terceira apresenta e comenta os dados obtidos na pesquisa.

1. Desafios para a gestão educacional: tensão entre a modernização e a democratização As análises aqui desenvolvidas têm como ponto de partida a compreensão de que as políticas educacionais são elaborações (e implantações) de um conjunto múltiplo de atores que exercem a ação pública. Uma diversidade de atores mobiliza conhecimento para agir no plano político e, muito mais que antigamente, os atores políticos são obrigados a justificar racionalmente as suas propostas e as suas opções. Delvaux (2009) afirma que, cada vez mais, as próprias políticas públicas põem em prática dispositivos de regulação baseados na difusão de conhecimentos. Essas evoluções reconhecidas como novas formas de regulação, Delvaux (2009) entende que foram resumidas em noções muito pobres como “sociedade do conhecimento”, “new public management” ou “pós-burocracia”. Essa ideia leva a crer que o Estado não tem mais uma posição preponderante na ação pública, pois essa se desenvolve em múltiplos níveis interdependentes. A perspectiva da ação pública fortalecida pelo ingresso de forma mais sistemática da gestão democrática, pressupõe a distribuição do poder que agora se pratica menos pela força bruta e mais pelos sistemas de saberes e da razão (Popkewitz, 2008). As relações entre conhecimento e política são múltiplas tendo em vista a natureza de ambas e, além disso, as diferentes e diversas concepções que abrangem essas categorias. Por exemplo, Popkewitz (2008), ao considerar a epistemologia social da escolarização como parte das relações de poder, trata as políticas educativas no nível micro da escola, buscando identificar os diversos elementos produtores de poder. Assim, focar a análise na relação conhecimento e política produzida na escola e estabelecer as relações do ponto de vista macro, significa compreender a existência de uma multiplicidade de fenômenos explica-

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dores da realidade social e educacional. A política, então, deve ser concebida como um processo desenvolvido por meio das práticas de sujeitos e instituições atuando de maneira diferente, mas em simultâneo. Com essas características, a ação pública educacional geralmente tem uma natureza fragmentada, flexível e complexa, exigindo dos pesquisadores um olhar mais amplo e denso sobre/nos dados teóricos e empíricos. Isso implica em um esforço de compreender a política e a gestão educacional, marcadas pela divisão e pelo conflito social. Os estudos de Lima (2003; 2012) apontam que as políticas educacionais dos últimos vinte anos fizeram um deslocamento da esfera da democratização para o universo da modernização. Isso não quer dizer que se passou a ignorar a necessidade de democratizar o sistema educativo e a escola, mas é como se sua aquisição já estivesse alcançada. Para a política nacional e internacional, o mais urgente agora passam a ser os objetivos da racionalização e da otimização, desafios esses mais consagrados no contexto atual dominado pela ideologia do tipo neotayloriano. Essas análises podem ser reconhecidas no caso da educação brasileira, notadamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. A democratização das escolas assumiu um lugar de destaque a partir de dois pontos de vista que se completam: i) a democracia da gestão da escola pública; ii) a democratização da oferta escolar para grande parte da população ainda fora da escola, na segunda metade da década de 1990. No primeiro plano da gestão democrática, as reformas da década de 1990 trouxeram consigo instrumentos para a democratização do espaço escolar como a possibilidade de eleição de diretores, implantação de instâncias de decisões como colegiados e assembleias escolares, a possibilidade de elaboração de projeto político- pedagógico e trouxeram simultaneamente as noções e os princípios administrativos oriundos da instituição mercantil, com base no modelo gerencialista. No segundo plano da expansão da oferta escolar, a democratização assumiu um caráter massificador, ou seja, a escola se massificou sem alterar sua organização pedagógica (voltada para públicos seletos), sem criar estruturas adequadas ao aumento de seus alunos e sem dispor dos recursos necessários para gerir os anseios de uma escola para todos (Barroso, 2003). É certo que o discurso da democratização não foi completamente afastado, mas antes reconvertido e subordinado à ideologia da modernização. A modernização de tipo neotayloriano tem a racionalidade tecnocrática assentada na cultura do positivismo. Uma nova semântica da modernização foi construída de modo que permite utilizar as mesmas

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palavras (democratização, participação, autonomia, descentralização, justiça social etc.) com novos significados (Lima, 2003). Para o autor supracitado, o pensamento de Frederick Taylor sobrevive no quadro ideológico mais alargado do capitalismo liberal e das concepções elitistas da democracia com a introdução do racionalismo na organização, fazendo emergir um verdadeiro programa “hiper-racionalista”. A rigor, desde o século XIX, “a racionalização é um fenômeno que permeia cada uma das principais instituições da sociedade capitalista” (Held, 1987: 134). Ao tratar da “hiper-racionalização”, Lima (2003) parte do entendimento sobre a modernização contemporânea como o tempo do predomínio da racionalização, da eficácia, da eficiência; o foco no alcance da solução certa, na otimização; a prioridade na relação favorável custo/benefício, no progresso. O autor afirma que o império da racionalidade econômica institui a procura da eficácia à escala universal. A política, nesse sentido, é a política do não político, “ou a política das soluções e dos imperativos técnicos” (Lima, 2003: 121). Nesse contexto, novas formas de regulação são implantadas com o fim último de garantir a eficácia e a eficiência nas organizações educacionais, com estímulos à participação dos trabalhadores docentes e da comunidade na gestão de “novas práticas” que conduzam a uma escolaridade adequada aos interesses do capitalismo transnacional. Com isso, as reformas educativas assumiram um caráter descentralizado, autônomo e avaliador. Esses processos de regulação são pautados nos resultados, o que faz gerar uma pressão sobre os trabalhadores docentes já que são incitados a submeterem suas práticas a uma avaliação externa de seus resultados. Essa racionalidade instrumental conduz a formação de uma cultura da “performatividade” (Ball, 2002) com ênfase nos resultados tangíveis dados pelas avaliações desenvolvidas pelo Estado. Pode-se afirmar que as finalidades educacionais se submetem à competição das melhores práticas e no acirramento da individualização profissional. Esse modelo de regulação é conhecido como de “quase-mercado” ou “pós-burocrático” (Lima, 2003; Maroy, 2011; Barroso, 2009), pois traz para o interior da escola pública os mecanismos e a lógica do setor privado e, sobretudo, porque fomenta uma cultura profissional individualizada. As críticas em relação aos sistemas educacionais foram

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pautadas nas evidências do caráter burocrático das instituições ligadas a um Estado-nação responsável pela educação de seu povo1. As características da burocracia no campo educativo engendrou a uniformização das regras baseada na universalidade do tratamento do acesso de todos à educação. Esse modelo de burocratização levou a uma autonomia individual e coletiva dos professores, autonomia fundada sobre sua especialização e seus saberes profissionais. Sendo, portanto, um regime de regulação burocrático-profissional. De acordo com Barroso (2000), esse regime faz coabitar uma regulação “do Estado, burocrática, administrativa” e uma regulação “profissional, corporativa, pedagógica” que podem entrar em tensão. Cabem às pesquisas identificarem como as formas de “multirregulação”2 são operadas pelos diversos atores e a comunidade educativa, tendo em vista a dinâmica escolar em um contexto mais complexo e difuso como a “educação de massa”. Na esteira do deslocamento político da perspectiva de nação para uma ideia transnacional, o Estado educador, no final do século XX, se transformou em um modelo de Estado avaliador. E, ao mesmo tempo em que o Estado conduziu (e controlou) a expansão da escolarização, estimulou o mercado educacional na oferta tanto da educação básica como da superior. Essas novas formas de dominação reconhecidas como modelos pós-burocráticos (ou hiperburocráticos) substituem o controle hierárquico pelo autocontrole; a obrigação de meios para a obrigação dos resultados; a regulamentação pela avaliação. Já o controle hierárquico não desaparece, pelo contrário, assume formas mais sutis, exercendo um tipo de captura da mente do trabalhador, mais próximo de um modelo hiperburocrático. A racionalização, inevitavelmente, como ressaltou Weber (2000) vem acompanhada pela disseminação da burocracia. A dominação burocrática, no contexto da hiper-racionalização analisado por Lima (2012), deve vir acompanhada de uma “hiperburocratização”, contrariando, assim, as teses que defendem o caráter pós-burocrático dos modelos atualmente verificados do Estado avaliador e do “quase-mercado”, como se operassem uma ruptura com o regime burocrático.

Essa burocracia tem um componente profissional, sendo uma burocracia profissional, concepção cunhada por Bidwell em 1965 (Lima, 2003; Maroy, 2011). 2 Para Barroso (2005), a regulação é sempre multirregulação, pois faz parte de um processo múltiplo de fontes, objetos e de sujeitos. 1

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A burocracia agora seria mais acelerada, admitindo, simultaneamente, elementos de descentralização de certo tipo e novas formas de centralização e de controle à distância. Aumentou, assim, a capacidade de controle hierárquico e centralizado, agora de tipo automático, mesmo no interior de “redes” que não são necessariamente policêntricas nem menos hierarquizadas, bem como a monitorização e gravação síncrona de certas ações, a vigilância individual talvez já para além de uma condição “panóptica” (porque remota e invisível), a estandardização de regras e processos inscritos em plataformas informáticas, a imposição de categorias já não apenas legais mas também mentais, a rapidez do registro e circulação dos atos administrativos, associáveis a uma hiperburocracia (Lima, 2012: 13).

As reformas educacionais iniciadas no Brasil do final do século XX podem ser reconhecidas como mecanismos de regulação hiperburocráticos, particularmente para o campo da gestão educacional. A emergência de um Estado avaliador, no processo de descentralização da gestão educacional, acentuou e/ou resignificou diversas práticas coletivas/individuais, autônomas, profissionais e de carreira. Mas antes de buscar nos dados alguns elementos que possam confirmar (ou não) o quadro analítico aqui descrito, é importante sublinhar as implicações da avaliação em larga escala na gestão educacional.

2. A gestão educacional e a avaliação nos marcos legais A bandeira da gestão democrática da educação e da escola pública constava das lutas dos trabalhadores da educação no Brasil desde o final da década de 1970 e podia ser traduzida pela demanda de uma maior autonomia escolar e de democratização das relações institucionais. O debate sobre a gestão democrática da escola pública se colocou, segundo Paro (1996), em oposição ao caráter conservador e autoritário da administração escolar, no contexto político dos anos de 1970-80, ganhando relevo o caráter político e pedagógico da administração, que não deveria se reduzir à dimensão técnica. Esse movimento ganhou vulto quando os trabalhadores da educação se organizaram para participar do processo constituinte e conseguiram inscrever o princípio da gestão democrática do ensino público na Carta de 1988 (Inc. VI, Art. 206). Não tinha o mesmo destaque nos debates educacionais dos anos de 1980 a discussão sobre a avaliação como mediação necessária à forma

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democrática de gestão da educação, conforme constatação realizada em estudo de Freitas (2007). Examinando-se o conteúdo das CBEs (Conferências Brasileiras de Educação – 1980; 1982; 1986; 1988), Freitas (2007) verificou que a avaliação, como estratégia ou ferramenta da gestão educacional, não figurava como tema da agenda de debates dos educadores, não refletindo o crescente destaque dado a essa prática, tanto no planejamento educacional, como nos estudos avaliativos e nos programas e projetos governamentais (Freitas, 2007). Além da Constituição de 1988, o princípio da gestão democrática foi se reafirmado de forma genérica na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 9.394/96 (inc. VII, art. 3o). Alguns instrumentos foram apresentados para a sua concretização no espaço escolar, como a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e, também, a participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares (inc. I e II, art. 14). Como se vê, a LDBEN se limitou a normatizar a gestão democrática no que se refere aos dois aspectos acima citados, deixando a cargo dos Estados e Municípios fixarem as normas para a gestão democrática das suas redes. A não definição do princípio de gestão democrática, apresentado na CF/1988 e regulamentado pela LDBEN/1996, repercutiu na legislação dos estados, que também se apresentou repleta de imprecisões e reduzida à participação da comunidade escolar, preferencialmente pela via representativa (Freitas, 2007). Dessa forma, a compreensão da gestão democrática se transformou em um espaço de disputa com diversas interpretações sobre o seu significado e conteúdo, o que pode denunciar as imprecisões e ambiguidade do termo e a diversidade de experiências, inclusive antagônicas, que se vêm reconhecidas como democráticas (Bruno, 2002). A LDBEN (lei nº 9.394/96), genérica na definição do princípio da gestão democrática, é precisa no que se refere à criação de um sistema de avaliação. Coube ao governo federal assegurar o processo nacional de avaliação do rendimento escolar no ensino fundamental, médio e superior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (inc. VI, art. 9); coletar, analisar e disseminar informações sobre a educação (inc. V, art. 8º); integrar todos os estabelecimentos de ensino fundamental do território nacional ao sistema nacional de avaliação (inc. IV, art. 87). Segundo Cury (1997: 105), a “União se investiu de poderes sobre a educação escolar em todos os níveis, a partir das noções de coordenação e avaliação, como jamais se viu em regime democrático no Brasil”. Além

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da avaliação dos sistemas educacionais, essa lei trouxe nos dispositivos que tratam dos profissionais da educação, a progressão funcional baseada na titulação ou habilitação e na avaliação de desempenho docente (inc. V, art. 67). Em termos legais cabe ainda citar a Lei nº 10.172/2001, que aprovou o Plano Nacional de Educação. Esse plano reafirmou as normas da gestão democrática como uma tarefa de cada sistema de ensino, propondo desenvolver um padrão de gestão que tenha como elementos a destinação de recursos para atividades-fim, a descentralização, a autonomia da escola, a equidade, o foco na aprendizagem dos alunos e a participação da comunidade3. Tal plano também reafirma o desenvolvimento de sistemas de informação e de avaliação em todos os níveis e modalidades de ensino, contemplando também o aperfeiçoamento dos processos de coleta e difusão dos dados como instrumentos indispensáveis à gestão dos sistemas educacionais e melhoria do ensino4. Pode-se observar que a reforma educacional no Brasil foi se consolidando, por meio da implementação da legislação educacional, em conformidade com as proposições da reforma administrativa. Pois, ambas tiveram como foco a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços prestados pela administração pública, como dimensão das formas de participação dos usuários nesses serviços (inc. 1, art. 3º, EC n. 19/1998)5. Segundo Freitas (2007: 512) “os referidos princípios e normas apontam para a inclusão da avaliação na gestão pública, abrindo a possibilidade da inter-relação entre ambas, porém sem determinar sob que ótica”. Essas medidas adotadas no âmbito das reformas estavam articuladas ao modelo gerencial introduzido a partir da reforma administrativa do Estado e que vai influir na redefinição do modo de organização, financiamento e gestão dos sistemas públicos de ensino e das unidades escolares. Nesse sentido, essas reformas se efetivaram por meio do processo de descentralização, na direção de transferir poderes e funções da esfera nacional e regional para a local, reforçando a representação da escola como uma unidade de gestão e de mudanças e o discurso de participação da comunidade nesse processo (Barroso, 2003). Nessa lógica, a direção, os docentes e os funcionários, devem ser os responsáveis por suas decisões no interior da escola, pelo seu sucesso ou fracasso. PNE/2001 - Financiamento e Gestão – Metas 22 e 24 (item 5). PNE/2001 - Objetivos e prioridades (item 2). 5 Dispõe sobre princípios e normas da administração pública. 3 4

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As reformas na administração pública, segundo Abrúcio (1997), introduziram a descentralização na oferta de serviços como forma de aumentar a sua eficiência e eficácia, princípios importados das empresas privadas, impondo uma administração mais racional e centrada em resultados. Na perspectiva gerencial, a busca por resultados leva os governos a orientar suas decisões, alcançar as metas estabelecidas, levantar indicadores para o repasse de verbas públicas, recorrer mais a incentivos e menos à imposição de regulamentos, dar voz aos clientes no controle dos serviços públicos, revitalizando a participação da comunidade (Carvalho, 2009). Nesse sentido, ganham reforço as políticas de accountability, ou seja, medidas de prestação de contas “que permitam aos usuários e gestores responsabilizar os ‘prestadores’ de determinado serviço por aquilo que é oferecido à sociedade” (Adrião e Garcia, 2008: 781). Os resultados dessas políticas têm levado “à adoção de mecanismos de premiação ou ‘punição’ às instituições-fim, gestores públicos ou funcionários que não tenham atingido o padrão estabelecido” (Adrião e Garcia, 2008: 781). Nessa lógica, cresceu e se consolidou no Brasil uma concepção de avaliação do trabalho escolar que tem na verificação do desempenho dos alunos, medidos por meio de testes padronizados, o seu foco. Segundo Souza (2010), pode-se demarcar dois momentos em relação à avaliação de larga escala no Brasil, antes e depois da criação da Prova Brasil (2005) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB (2007). Na análise desta autora, com a criação desse instrumento e desse índice de avaliação se tem o controle de resultados por escolas e redes, o que possivelmente tem gerado mobilização das diferentes instâncias do sistema educacional que, por sua vez, podem impactar a gestão das redes de ensino e a gestão do trabalho escolar. Anterior a eles, os resultados eram pouco utilizados contrariando os propósitos anunciados pelos entes federativos para as avaliações e as intervenções propagadas a partir dos problemas que fossem apontados. As escolas consideradas como instituições-fim passam a ser vistas como o lócus privilegiado para as intervenções corretivas dos sistemas (Adrião e Garcia, 2008) e os dirigentes escolares e os professores responsabilizados diretamente pelos resultados das avaliações. As novas formas de regulação encontradas no Estado avaliador estão apegadas em uma autoridade assentada no conhecimento adquirido a partir das evidências reveladas pelos resultados das avaliações. Nesse sentido, o Estado regula os atores sociais e legitima a tomada de decisões

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políticas. Há, dessa forma, o domínio da racionalidade técnica a partir da ênfase dada à eficácia, ao rendimento e ao desempenho. Há um uso retórico do conhecimento com o objetivo de imprimir novas formas de regulação no campo da educação e do trabalho docente. A regulação, geralmente, vem se dando mediante diversas políticas que informam as “boas práticas” e, em última instância, estimulam a expansão do mercado educacional.

3. A gestão educacional e os trabalhadores docentes: elementos para análise De acordo com as análises desenvolvidas nas seções anteriores, entendemos que a gestão educacional sofreu mudanças significativas no contexto das reformas educativas implantadas após a década de 1990 no Brasil. Em síntese, as reformas podem ser caracterizadas predominantemente pelas políticas descentralizadoras, pela ampliação da escolaridade obrigatória e massificadora e pela disseminação da prática da avaliação em larga escala. Estudos e pesquisas6 desenvolvidas sobre esse contexto apontam mudanças significativas na dinâmica escolar com a tensão entre a democratização e a modernização da gestão. Esta seção pretende apresentar e analisar alguns dados coletados no âmbito da pesquisa “Trabalho docente na Educação Básica no Brasil”, dados específicos que informam sobre os elementos constituintes da política e gestão educacional. As análises estão organizadas de modo a apresentar: a) a concepção dos trabalhadores docentes entrevistados sobre a direção de sua escola; b) sobre a gestão democrática na escola a partir dos instrumentos previstos na LDBEN, ou seja, a participação na construção e execução do projeto político-pedagógico (PPP) e a atuação do conselho escolar; c) sobre os aspectos relacionados à autonomia e à avaliação docente. Algumas premissas metodológicas nos cercam na escrita analítica dos dados aqui apresentados que importam sublinhar. Nessa pesquisa, os dados são ocupados por múltiplos trabalhadores (pedagogos, professores das três etapas da educação básica, estagiários) que traduzem posições sobre as políticas e a gestão da educação em seus espaços escolares. Os

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Lima, 2003; Oliveira, 2002; Bruno, 1997.

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dirigentes escolares, por sua vez, não participaram do survey. Embora a pesquisa permita construir um cenário e identificar uma hierarquia de valores políticos e pedagógicos de forma que os atores em geral se reconheçam, é certo que os sistemas educacionais são heterogêneos e caracterizados por diversas divisões e diferenças. Dessa forma, como já destacado na introdução deste capítulo, as análises tratam das percepções dos trabalhadores docentes sobre seus diferentes espaços institucionais de trabalho, mas não pretendem informar sobre a prática da gestão escolar das instituições pesquisadas.

a) O trabalho da direção da escola O processo de descentralização7 política, administrativa e financeira da educação brasileira trouxe consigo maiores exigências sobre os gestores escolares ao permitir práticas de autonomia nos processos decisivos locais, exigir a modernização administrativa e a participação da comunidade escolar. As ações do diretor escolar e dos docentes passam a ser determinantes na execução local8 das políticas de educação, que são definidas centralmente e também na forma de implantação dessas políticas, considerando a escola como espaço de debate e os atores sociais como sujeitos que podem interpretar e agir sobre essas políticas. Pode-se dizer que esse papel central da direção é reconhecido pelos docentes, quando 67,3% consideram que a direção exerce forte liderança sobre o coletivo da escola. Se fizermos um recorte pelo vínculo empregatício entre os respondentes que tem a função de professor verificamos que a maioria que concorda com a afirmativa acima, 64,05% são estatutários, ou seja, são concursados e possuem estabilidade no emprego. Entre aqueles professores que são temporários, substitutos ou designados, esse percentual é de 31,30%, e, entre os demais vínculos (CLT, estágio remunerado, voluntário e outro) somam 4,66%. Interessante observar também que dentre os docentes que reconheceram queo diretor exerce force liderança sobre o coletivo da escola, a maioria atua no ensino fundamental (53%). Esse percentual diminui Sobre o processo de descentralização da educação brasileira, ver: Azevedo (2002); Barroso (1998); Cabral Neto e Castro (2007); Cabral Neto (2010); Souza e Faria (2004). 8 Ver sobre as multirregulações locais e o papel dos atores em Maroy (2011); Barroso (2005), Demailly (2001). 7

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significativamente para os respondentes do ensino médio (14%) e, na educação infantil representa23%. Gráfico 1 - Direção exerce forte liderança sobre o coletivo (por etapa da educação)

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Importante também destacar que quando perguntados “se a falta de liderança do diretor interfere no seu trabalho”, mesmo entre aqueles que consideram que não interfere, 44% reconhecem a forte liderança da direção sobre o coletivo da escola.

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Gráfico 2 - Interferência da falta de liderança da direção x Exercício de forte liderança da direção sobre o coletivo

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Mais um aspecto que pode reforçar o papel central do diretor na escola se verifica quando 37,6%, a maioria, escolheu a alternativa de conversar com a direção da unidade educacional quando discorda de alguma medida que interfere diretamente no seu trabalho. A segunda opção dos docentes é a de conversar com os pares, ou seja, com seus colegas (30,7%). As demais alternativas ficaram diluídas entre as respostas: aceita, mas só cumpre as exigências que considera coerente (7,7%); aceita e cumpre as exigências (7,0%); fica em silêncio (6,1%); reclama com o sindicato (3,2%); conversa pelos corredores (3,1%); não cumpre as normas que não concorda (3,1%); outros (1,7%). Outra questão evidente é o aumento e diversificação das atividades e competências do diretor, ou seja, a escola ao ser organizada como uma unidade de gestão precisa responder a vários expedientes administrativos e financeiros, antes absorvidos pelas áreas meio, ou seja, secretarias estaduais ou municipais, contando com pouco suporte de pessoal para esse fim. Esses movimentos são percebidos pelos docentes das escolas, pois 56,1% consideram que o diretor gasta a maior parte de seu tempo resolvendo problemas administrativos. Entre os que responderam afirmativamente, 49,93% atuam no ensino fundamental, seguido dos docentes da educação infantil (20,83%) e do ensino médio (17,33%).

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Gráfico 3 - A direção passa a maior parte do seu tempo resolvendo problemas administrativos (por etapa de ensino)

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Todas essas alterações na gestão escolar podem explicar o consenso em torno de 86,6% dos docentes que entendem ser necessário que os diretores recebam formação específica para esse fim. Nessa perspectiva, reforça-se a necessidade da profissionalização do gestor valorizando os cursos de formação, vistos, provavelmente, como um apoio importante para se obter a eficiência na gestão escolar e responder às demandas postas ao novo líder. Essa ênfase na profissionalização dos gestores escolares pode estar ligada à sobrecarga administrativa como uma característica frequente da reorganização institucional nos moldes da modernização contemporânea. Pode também ser a forma mais flexível do trabalho atualmente, cujas características destacam a necessidade de tomada rápida de decisões, a valorização da capacidade de influenciar as pessoas (sem ditar normas), a organização das ações, a trabalhar a diversidade, a conviver com outras opiniões e a mediação dos conflitos (Sennett, 2002). Esse novo líder precisa de formação específica, pois contraria o modelo de uma gestão burocratizada, centralizada, verticalizada, hierarquizada. Nesse sentido, potencializa-se o valor da formação complementar como determinante para o desempenho profissional.

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b) A gestão democrática e a participação Com o objetivo de verificar indícios sobre a gestão democrática e a ideia de participação nas respostas dos trabalhadores docentes pesquisados, analisamos dados que evidenciam mecanismos que podem levar a essa prática, tais como a participação no projeto político-pedagógico; a concepção de trabalho coletivo; a participação dos pais e os conselhos escolares. As análises indicam uma apropriação (formal) das concepções construídas como participação e autonomia. Tais concepções estiveram presentes nas lutas dos trabalhadores docentes na década de 1980, com valorização dos aspectos políticos da administração escolar. Nos anos de 1990, tais concepções perderam força com a retomada do perfil técnico da organização escolar, sob a orientação da empresa moderna e gerencial. De acordo com o gráfico 6, chama a atenção o fato de 71,6% dos trabalhadores docentes concordarem que a gestão da escola é democrática, envolvendo o coletivo dos docentes no planejamento dos trabalhos. Mas, se cruzamos essa questão com a que indaga se o desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo prejudica a gestão democrática, 56,89% dos que concordaram que a gestão é democrática entendem que há um desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo. Dentre aqueles que discordaram que a gestão é democrática, 63,31% concordaram que há desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo. O que ratifica esses dados é a concordância de 70,7% dos respondentes sobre a questão do trabalho coletivo ser prejudicado pela falta de tempo dos trabalhadores. Nessa perspectiva também se encontra a resposta relativa ao Projeto Político-Pedagógico (PPP), pois 68,1% dos professores responderam que ele é fruto de um trabalho coletivo e colaborativo entre os docentes nas escolas pesquisadas. Ao cruzar com outra questão referente à pergunta sobre a frequência em que se realiza discussão sobre o PPP, temos que aqueles que concordaram com a premissa sobre a construção do PPP de forma coletiva, somente 21% afirmaram fazerem sempre essa discussão. Por sua vez, 38% e 35%, responderam frequentemente e raramente.

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Gráfico 4 - Grau de concordância em relação aos aspectos de organização e gestão da unidade educacional

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

E, quando perguntados sobre o grau de controle que exercem sobre o PPP, obtivemos que 27% responderam ter muito e 46% têm razoável controle, contra 27% que responderam ter pouco (18%) ou nenhum (9%). Soma-se a isso o fato de que 53,8% dos docentes indicarem que raramente (40%) ou nunca (13,8%) se realiza a discussão sobre o PPP na escola, contra os que consideram que sempre (15,3%) e frequentemente (36%) o fazem. Em linhas gerais, podemos observar a recorrência nas respostas que denotam que o trabalho coletivo é ainda difícil de acontecer de fato dentro do modelo escolar clássico, que privilegia um maior tempo ao trabalho individual e isolado do docente em sala de aula. Os debates em torno do PPP e de sua construção coletiva que são realizados tanto pela academia como pelos sistemas educativos continuam com dificuldades de verificação na escola. Os dados apontam contradições em relação à existência de um trabalho coletivo e é muito provável que a divisão do trabalho na escola ajude a hierarquizar e prejudicar uma participação para além das funções técnicas. Diante desses resultados, podem-se levantar algumas hipóteses sobre o entendimento do que é a gestão democrática e o trabalho coletivo pelos trabalhadores docentes pesquisados que podem ajudar a explicar os dados acima. Uma hipótese é a de que os trabalhadores docentes pesquisados estão relacionando um modelo de liderança mais horizontal e articulado ao processo de autonomia da escola, ou seja, a democra-

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tização escolar está diretamente relacionada à conduta individual da direção da escola. Outra hipótese é a de que os trabalhadores docentes podem estar incorporando a concepção de que cada um deve fazer a sua parte contribuindo cooperativamente para o alcance de um objetivo comum da escola e traduzem isso como trabalho coletivo. E, ainda, esse entendimento pode estar relacionado ao fato de a escola ter instituído formalmente os canais previstos na legislação para o exercício da gestão democrática: eleição de diretores, Conselhos/Colegiados Escolares, assembleias escolares, PPP, espaços que deveriam estar cumprindo o papel de compartilhar o poder de decisão no interior das escolas. Em relação aos Conselhos/Colegiados Escolares, a pesquisa indagou sobre a sua atuação e os resultados foram positivos, pois 51% dos trabalhadores docentes consideram que ele é bastante atuante e define, com a participação da maioria de seus membros, o orçamento da unidade escolar. Pesquisas9 desenvolvidas sobre a ação de conselhos escolares evidenciam, de maneira geral, dificuldades desses espaços coletivos de efetivarem sua função democrática. É provável que o dado aqui levantado tenha apresentado de forma positiva a participação dos conselhos pelo fato da questão relacionar a atuação do conselho com o orçamento da unidade escolar, pois, na maioria das redes de ensino no país, é obrigatória a aprovação do orçamento pelo Conselho/Colegiado. Por sua vez, ainda de acordo com as pesquisas sobre a temática, esses atores sociais, nas reuniões de aprovação de orçamento e de prestação de contas, podem estar fazendo um papel de coadjuvantes, confundindo participação com fator de coesão e busca de consenso. Ou seja, a participação é concebida como uma ação técnica que visa o atendimento da burocracia escolar. A participação dos pais no conselho da unidade escolar, é considerada por 50% dos entrevistados como insatisfatória e por 10% como inexistente. Já 36% consideraram satisfatória e 4% muito satisfatória. As questões referentes aos pais foram, predominantemente, respondidas de forma a registrar a não participação desse segmento na gestão da escola. Essa tendência permanece quando também se trata da participação dos pais na aprendizagem dos filhos. Os dados revelam que a participação dos pais e da comunidade na gestão escolar, presente nas reformas administrativa e educacional, ainda permanece como retórica discursiva. Mesmo consagrada em documentos legais, tem tido pouca ressonância na prática social. Cabe questionar se 9

Ver Aguiar (2008), Gohn (2006); Martins (2008); Souza (2009).

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os espaços e tempos criados pela escola para participação dos pais oferecem realmente condições de diálogo, de convivência e da participação desse segmento. E, ainda, demarcar que a baixa participação dos pais pode estar ocorrendo não por falta de interesse, nem por desvalorizar a escola, mas pela difícil condição social vivida pela classe popular, maioria atendida pela escola pública de se fazer presente. No limite, os dados sobre a participação, levantados nesse survey, sugerem que a gestão escolar ao apresentar um caráter mais gerencialista e voltada para resultados, mesmo que permeada pela retórica que valoriza o trabalho coletivo, incentiva uma participação mais tutelada que assume contornos mais normativos e ações previsíveis, consideradas necessárias pela direção da escola e pelas redes.

c) Autonomia e avaliação educacional O tema da autonomia escolar tem estado associado principalmente às políticas de descentralização administrativa e financeira das escolas, revalorizando e incentivando o poder local e a participação da comunidade. Paralelamente às formas mais autônomas de organização dos sistemas educacionais, surgem novas formas de controle e avaliação das atividades realizadas nas escolas por meio das avaliações externas, realizadas pelos governos central, estadual e municipal. Nesse sentido, Feldfeber (2006) analisa que se trata do “governo à distância” sinalizando o que é esperado da produção escolar, do trabalho docente e da participação da sociedade nas escolas. Esse processo foi denominado por esta autora como “autonomia regulada”, no sentido de tornar a autonomia compatível com uma “eficiência” maior e com a obrigação de produzir resultados (Feldfeber, 2006). Nessa perspectiva, pode-se dizer que o processo de autonomia vem acompanhado pela responsabilização, que se concretiza pelas avaliações externas dos alunos e pela adoção nas redes públicas de educação de avaliações de desempenho docente. Os dados referentes à autonomia no trabalho docente obtidos na pesquisa sinalizam esse movimento contraditório, uma vez que 83,43% dos respondentes consideraram ter maior autonomia na definição e desempenho de suas atividades e, ao mesmo tempo, 56,87% dos docentes reconheceram haver uma maior supervisão e controle de suas atividades. Esses dados sugerem que os docentes captam o discurso da autonomia e a reconhece, provavelmente, por meio de decisões locais possíveis de serem tomadas no interior das escolas e a implantação de instâncias

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de decisão – colegiados e assembleias. Simultaneamente, identificam o aumento das exigências sobre seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos, pois 60,77% responderam afirmativamente a essa questão. Eles também se sentem massivamente (80%) responsáveis pela classificação de sua unidade educacional nas avaliações realizadas pelos governos. Entre aqueles que alegaram haver maior exigência sobre o seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos, 82% se consideram responsáveis pela classificação da sua unidade nas avaliações externas. Gráfico 5 - Responsabilidade pela avaliação da unidade educacional X Aumento das exigências sobre seu trabalho

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Se examinarmos essa responsabilização docente pelos resultados da escola, por etapa da educação básica, verificamos que tanto no ensino fundamental como no ensino médio os índices são muito elevados, ou seja, 81,7% e 73,3%, respectivamente. O processo de culpabilização dos docentes pelos resultados têm tido ressonância nas escolas.

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Gráfico 6 - Responsabilidade pela classificação de sua unidade educacional nas avaliações externas (etapas de ensino)

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

A centralidade pelas avaliações externas, a responsabilização dos docentes pelos resultados dos alunos, a preocupação com o resultado negativo obtido pelos discentes, reforçaram a implantação das avaliações também para os docentes, muitas delas, acompanhadas por bonificações, ou seja, cresce a ideia da premiação por mérito. Pode-se dizer que, nos anos 2000, consolidou-se no Brasil uma cultura de avaliação nas instituições educacionais, que se estendeu para o desempenho docente. Nessa perspectiva, a pesquisa indicou que 92,5% dos docentes entrevistados afirmaram que o trabalho do professor deve ser avaliado e que 49,5% deles consideram que a maior cobrança sobre o trabalho realizado vem deles próprios. Esses dados sinalizam que a política de resultados tem tido os efeitos esperados, ou seja, os trabalhadores docentes se autorresponsabilizam pelo seu desempenho e pelo sucesso ou fracasso dos alunos e das escolas nos testes estandardizados. Constata-se também que quando questionados sobre quem deveria avaliar o trabalho dos professores, as respostas foram aproximadas entre os seguintes sujeitos: supervisores/coordenadores escolares (79,9%); diretores (77,6%); comissões das unidades escolares criadas para esse fim (67,3%); os alunos (64,8%); a secretaria de educação (63,3%); o MEC (61,8%); o conselho de escola (57,7%); os pais (56,6%); os colegas (47%); os inspetores escolares (41,2%). No entanto, chama a atenção que as quatro primeiras escolhas dos trabalhadores docentes se voltam

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para os profissionais envolvidos diretamente no trabalho escolar, mesmo que entre eles haja uma hierarquia: dirigentes (supervisores, diretores, comissões) e alunos. A avaliação do desempenho docente reforça a cultura da avaliação pautada na meritocracia, na competição entre os pares, na responsabilização pelos resultados, típica do setor privado e cada vez mais presente no âmbito da escola pública. As políticas de avaliação quase não realçam as condições de trabalho e emprego, o envolvimento e o compromisso profissional dos docentes, o número de alunos em sala de aula. Esses aspectos parecem ficar subsumidos. A eficiência do professor é mensurada principalmente pelos ganhos de aprendizagem dos alunos sob sua responsabilidade (Lessard, 2009). Como lembra esse autor, não se trata de se opor à validade da “política baseada na evidência”, mas de chamar a atenção para a armadilha que elas podem compreender, ou seja, “reduzir a aprendizagem ao que pode ser mensurado (...), e o valor da educação à sua instrumentalidade” (Lessard, 2009: 89).

Considerações finais A Constituição Federal de 1988 inscreveu em seu texto o princípio da gestão democrática nas escolas públicas brasileiras após um longo período de exceção no decorrer da ditadura militar. O movimento constituinte (1987-1988), a tramitação da LDBEN (1996) e do PNE (2001), entre outros, vão delinear os diferentes projetos de educação preconizados e defendidos pelos movimentos sociais organizados. Há aí uma clara disputa entre os que vão defender a escola pública, laica, gratuita e uma efetiva democratização do acesso e da organização escolar e aqueles que vão defender o ajuste dos sistemas educacionais às demandas da nova ordem do capital e das necessidades do mercado. O contexto dominante foi submetendo o debate e a prática da democracia a um caráter minimalista. A questão da autonomia do Estado e de sua democratização se tornou um debate complexo de se conduzir quando os governos democraticamente eleitos se transformaram em gestores dos ajustes econômicos em sintonia com a dinâmica internacional de manutenção do status quo dominante. A década de 1990 registrou também a presença dos organismos internacionais que entram em cena em termos organizacionais e pedagógicos, assessorias técnicas e farta

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produção documental, buscando orientar as políticas educacionais de distintos países (Frigotto e Ciavatta, 2003). Por meio da implantação de novas formas de regulação, procurou-se um equilíbrio entre o Estado, os interesses da sociedade civil e os agentes econômicos, multiplicados em decorrência dos processos de desestatização. O Estado criou o cenário de uma democracia liberal que, na tentativa de conservar sua legitimidade, lançou mão de artifícios técnicos para operacionalizar as mudanças impostas no processo de globalização econômica dependente. Uma série de medidas foram tomadas, cuja consistência demonstrava a tentativa dos governos de redefinir completamente a modernização historicamente desenvolvida no país. Com o resgate das ideias liberais e a incapacidade do Estado em proporcionar os meios necessários para o atendimento aos direitos constitucionais, houve uma inversão dos ideais universais democráticos e a sociedade civil ficou pulverizada em setores cada vez mais voltados aos valores do individualismo e de apropriação do capital público para fins privados e/ou setoriais. As políticas democráticas vão ficando em segundo plano e se aproximam mais da retórica que viabiliza o processo de modernização capitalista, enquanto o Estado busca assegurar que as decisões sejam tomadas conforme critérios técnicos. Nessa perspectiva, o discurso da democratização da gestão educacional ficou subsumido à ideia de modernização e, para isso, as políticas de descentralização foram o principal vetor de promoção da lógica tecnocrática, calcada na eficiência e eficácia dos resultados dos serviços sociais. Dentre tantas formas de gerenciamento sobre a escola para o alcance de resultados positivos nos índices de aprendizagem, a divisão interna de trabalho da escola não sofreu grandes transformações, porém foi agravada. Ademais, podemos observar a entrada de novos trabalhadores precarizados nas formas de contratação (por exemplo, a contratação de estagiários como estratégia de ocupação das crescentes funções pedagógicas). Não obstante a percepção de autonomia pelos trabalhadores docentes na realização de suas atividades, as políticas relacionadas à autonomia das escolas públi­cas têm perdido força, mesmo quando garantidas na ordem legal, se considerarmos a centralidade que os processos de avaliação têm tomado no interior das escolas, das redes, dos sistemas públicos de educação. Os resultados das avaliações, inicialmente pouco utilizados pelos gestores escolares, passam a ter impacto na administração das escolas com a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica –

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IDEB, em 2007 (Souza, 2010). Esse índice se transformou em uma ferramenta estratégica de gestão, pois tem sido com base nele que se traçam as metas que a escola deve atingir. Nessa perspectiva, a direção da escola assume o papel central de mobilizar os professores para o cumprimento das metas e dos objetivos, que muitas vezes não foram traçados no interior da escola, tornando-se “corresponsável na gestão por resultados” (Carvalho, 2009). Ainda nessa perspectiva da modernização da escola, as premiações e gratificações dos professores servem para incentivar as escolas a buscarem melhor desempenho do corpo discente nos testes padronizados. Esses incentivos podem ser individuais, com metas traçadas para os docentes e seus respectivos alunos e coletivas, com metas traçadas para a escola, em que cada docente tem que fazer a sua parte para que a escola consiga atingir a sua meta. Trata-se da soma das partes que formam um todo, tão difundida pela qualidade total da educação, e nomeada de participação. Podemos afirmar que a gestão por resultados vem ganhando força no interior das escolas, o que faz revigorar uma cultura organizacional baseada nos princípios da racionalização, eficiência e eficácia dos processos educativos, reforçando os argumentos de Lima (2012), quando defende o deslocamento da esfera da democratização da gestão escolar para o universo da modernização.

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Capítulo 10

Gestão democrática: um estudo em escolas de educação básica no Brasil Antônio Cabral Neto

Este capítulo tem como objetivo proceder a uma análise das informações relativas à gestão democrática, sistematizadas pela pesquisa nacional sobre as condições de trabalho docente na educação básica no Brasil. Parte-se do pressuposto de que, para uma melhor compreensão dessa temática, precisa-se situá-la no contexto das discussões e da produção do conhecimento acumulado nessa área de investigação. Para atender a essa orientação, o texto foi organizado em três partes. Na primeira, faz-se uma breve retomada do processo de formulação da agenda sobre a gestão democrática, situando-a no embate entre os movimentos dos educadores e o governo. Na segunda parte do capítulo, sistematiza-se, com base na literatura, uma discussão acerca de dimensões relevantes da gestão democrática, enfatizando a autonomia, a descentralização e o trabalho coletivo. Na terceira parte, discutem-se os dados sistematizados no âmbito da pesquisa, considerando as dimensões do trabalho coletivo e da avaliação do trabalho docente.

1. Notas sobre a agenda da gestão democrática Escrever sobre a gestão democrática torna necessário situar esse movimento em seus aspectos históricos ainda que se considere, nessa tarefa, um recorte mais recente. A gestão democrática da escola é um tema que surge na agenda política colocada por atores que se situam em várias instâncias da sociedade. Em determinados momentos históricos, ela é colocada na agenda política por organizações da sociedade; em outros momentos, pelo próprio governo. Esse tema, no Brasil, aparece em várias conjunturas. Reportando-se à época mais recente, pode-se

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afirmar que, na década de 1980, no contexto da crise do regime civil-militar e situado nas lutas pela redemocratização do país, o tema da gestão democrática da educação (e da escola) é fortemente trazido à baila pelo movimento dos educadores que, ao se organizarem em suas entidades de classe, colocaram em debate o autoritarismo com o qual as escolas eram geridas, passando a pressionar os governos a imprimir novos rumos à gestão das escolas. Esse movimento, inicialmente bastante focado na eleição de dirigentes escolares, é veementemente contestado pelo governo com o argumento de que não era possível deixar na mão dos agentes escolares a definição sobre a escolha dos diretores da escola porque isso poderia ocasionar uma desarticulação do sistema de ensino e a perda de controle por parte do governo. Em essência, o que o governo temia era a perda da capacidade de controle sobre um dos elos importantes do poder local – o cargo de diretor de escola. Essa dinâmica desencadeada pelos movimentos dos educadores vai, gradativamente, ampliando-se para exigir do poder constituído, além da eleição de diretores, a organização de estruturas escolares capazes de viabilizar uma organização que propicie a participação mais orgânica dos vários setores da escola e de agentes da comunidade nos destinos da instituição escolar. Coloca-se, então, o debate sobre a necessidade de organização de conselhos escolares com funções deliberativas e consultivas para permitir a edificação de mecanismos de gestão democrática. Nesse momento, essa temática foi polemizada com o governo que, embora fazendo ressalvas sobre a criação dos conselhos, até admitia a sua organização, porém, apenas com função consultiva. Nesse momento, foram iniciadas, também, experiências de gestão democrática em escolas públicas situadas em estados e municipais que tinham elegido governos de orientação progressista, empenhados em ampliar o movimento pela redemocratização dos espaços públicos. Como resposta a essas demandas dos setores organizados, o governo, principalmente, o último da ditadura civil-militar incorpora aos documentos oficiais o discurso da gestão democrática da escola. Podem-se citar, como exemplo, as formulações contidas no III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980/1985) e no III Plano Setorial de Educação e Cultura relativas ao mesmo período. Em ambos planos se encontram registros que expressam a intenção de o governo adotar mecanismos que favoreçam a participação da sociedade na definição e gestão das políticas governamentais. Essa tendência de incorporar o discurso da participação no âmbito das diretrizes governamentais já vinha sendo

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concretizado desde o governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979). O discurso governamental expressa que o planejamento deveria promover a justiça social com participação dos clientes, isto é, o bem-estar com cidadania. Essas iniciativas decorriam, dentre outros fatores, da crise do regime ditatorial e, por conseguinte, do enfraquecimento das formas autoritárias que haviam predominado nas relações entre Estado e sociedade civil nesse período1. Nesse contexto de crise, a participação seria uma estratégia importante para buscar a legitimação do regime que pretendia se perpetuar em novas bases. O tema da gestão democrática assume centralidade à medida que se aprofunda a crise do regime civil-militar e se consolida o movimento da sociedade civil colocando em debate a necessidade de se erigir uma sociedade fundada em princípios democráticos. A Nova República, constituída a partir desse movimento, embora não tenha assumido as feições pretendidas por alguns setores, representou elementos novos que permitiram recolocar na agenda o tema da gestão democrática da escola. O movimento sindical na área de educação passa a exigir do governo (em nome da democracia prometida) uma participação mais efetiva nos destinos da política educacional em todos os níveis. Como parte desse movimento, os planos governamentais (I Plano de Desenvolvimento da Nova República 1986-1989, Programa Educação para Todos) incorporam a ideia de participação como eixo da política educacional. A defesa disso se situava no sentido de que era preciso recuperar a credibilidade da escola pública, fortalecendo a sua atuação junto à comunidade, que deveria ser também envolvida na tarefa educacional. Previa a definição de uma proposta político-pedagógica que tivesse correspondência com os interesses da sociedade e preservasse as particularidades locais e regionais. Previa, ainda, a participação dos alunos e da família no processo de planejamento e avaliação das atividades educativas. Nessa conjuntura, os educadores passam a exigir dos governos medidas concretas para construir, no âmbito das escolas públicas, uma gestão com características democráticas. Essa temática vai ganhando mais notabilidade na medida em que as forças progressistas avançam no debate da democratização do campo da educação e os intelectuais passam a tomar esse tema como foco de suas pesquisas. Esses estudos foram fulcrais para alimentar o debate no âmbito da política e embasar Para uma compreensão mais ampla do tema da gestão democrática no período entre 1980 e 1989 consultar Cabral Neto (1997). 1

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as propostas que se configuram no âmbito do movimento dos educadores que passaram a dividir com o governo o espaço de formulação de políticas. Isso pode ser observado, entre outros momentos, no processo discussão da LDB (9.394/96) e do Plano Nacional de Educação (2001/2010) em que os educadores tinham projetos discutidos e aprovados em seus fóruns, para disputar com o governo o debate no Congresso Nacional. Havia, nesse momento, dois projetos em disputa, embora tenham prevalecido, em sua quase totalidade as teses formuladas pelo governo; aspectos defendidos no âmbito do movimento dos educadores foram também considerados. A promulgação desses instrumentos normativos, com prevalência das posições do governo, não significou, todavia, que não tenha havido avanços relativos à gestão democrática, principalmente porque eles reafirmam o princípio da gestão democrática da educação já consagrado na Constituição Federal de 1988. O fato de ter sido firmado, no âmbito legal, o princípio da gestão democrática, associado aos debates políticos já acumulados nessa área, bem como a produção acadêmica, ensejaram, no cotidiano escolar, a produção de medidas operacionais com fulcro na possibilidade de edificação de mecanismos que viabilizassem a gestão democrática, reforçando-se a necessidade da criação de estruturas para viabilizá-la. O foco passa a ser a definição do Projeto Político-Pedagógico, a organização (ou reorganização) dos Conselhos Escolares e da Unidade Executora para gerir os recursos descentralizados. Esses três mecanismos passam a ser inscritos no âmbito da política governamental para a área da educação como requisitos da gestão democrática. Esses mecanismos se encontram, hoje, organizados em todas (ou quase todas) as escolas públicas do país, mas a sua contribuição para a efetivação da gestão democrática tem-se mostrado insuficiente. Isso tem sido evidenciado pelos amplos estudos efetivados por pesquisadores da área nas várias regiões do país. Embora os estudos mostrem essa fragilidade, é importante reter que essa dinâmica tem colocado aspectos relevantes visto que, hoje, ninguém mais questiona a necessidade de uma gestão democrática. No atual debate sobre o Plano Nacional de Educação (2011-2020) – Projeto de Lei nº 8.035/2010 –, na versão do Relatório aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a gestão democrática foi incluída como diretriz com a seguinte redação: “Difusão dos princípios da equidade, do respeito à diversidade e a gestão democrática da educação” (Diretriz X). Mesmo tendo sido inscrito no Relatório o princípio

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da gestão democrática, destaca-se que a meta 19, que trata desse tema, é muito limitada, pois faz referências apenas à escolha de diretores escolares, configurando, dessa forma, uma visão muito restrita da gestão democrática. A meta está assim especificada: “Garantir, mediante lei específica aprovada no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a nomeação comissionada de diretores de escola vinculada a critérios técnicos de mérito e desempenho e à participação da comunidade escolar”. As ideias sistematizadas, nessa parte do texto, permitem destacar que a gestão democrática tem sido colocada de forma recorrente nas diretrizes governamentais em várias conjunturas a partir de uma demanda crescente dos educadores e de iniciativas dos próprios governos que respondem, de forma diferenciada, a tais demandas. Esse é um debate inconcluso porquanto a gestão democrática é um processo que está sempre em construção; a democracia não se aprende a priori; é construída no embate permanente e na pactuação coletiva de regras que favoreçam a sua consolidação.

2. Indicações conceituais para a discussão sobre a gestão democrática A política educacional implantada nas últimas décadas do século XX tem provocado modificações no espaço escolar. Essas modificações, segundo Barroso (1998), podem ser traduzidas em diferentes medidas, que vão desde o reconhecimento e reforço da autonomia da escola, promoção de associação entre escolas e a sociedade civil até a adoção de medidas específicas de gestão adaptadas às novas demandas da sociedade. No que se refere à gestão, contemplam-se a descentralização, a autonomia administrativa e pedagógica e o trabalho coletivo ­­– dimensões essenciais ao processo de democratização do espaço escolar. Nessa perspectiva, a escola é considerada o foco de ação da política educacional, passando a ser reconhecida como um lócus privilegiado de desenvolvimento das ações de melhoria da qualidade educativa. A gestão deve contribuir para criar uma cultura democrática no âmbito das instituições de ensino. A gestão democrática supõe o trabalho coletivo em todas as esferas da instituição, compreendida como lugar da aprendizagem. Nesse sentido, a gestão escolar democrática seria

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considerada suporte de um processo educativo capaz de proporcionar a permanência do aluno na escola com níveis satisfatórios de aprendizagem. Nessa lógica de argumentação, é pertinente assinalar a defesa de Cury (2005: 19), para quem a “gestão democrática é um princípio de Estado nas políticas educacionais que espelha o próprio Estado Democrático de Direito e nela se espelha, postulando a presença dos cidadãos no processo e no produto de políticas de governo”. O autor lembra ainda que os cidadãos querem, mais do que serem executores de políticas, serem ouvidos e marcar presença em arenas políticas de elaboração e nos momentos de tomada de decisão. A gestão democrática, nesses termos, tem como eixo fundante a busca pela efetivação da educação como direito social, assim como a universalização do acesso com permanência e qualidade socialmente referenciada. É uma prática político-pedagógica que procura estabelecer mecanismos institucionais capazes de promover a participação qualificada dos agentes educacionais e demais setores interessados na ação educativa. Isso requer um engajamento coletivo na formulação das diretrizes escolares, no planejamento das ações, assim como na sua execução e avaliação. A gestão democrática pressupõe considerar, necessariamente, três mecanismos que se articulam: a autonomia, a descentralização e o trabalho coletivo. Nessa lógica, as escolas precisam conquistar, gradualmente, espaços de autonomia que estão relacionados às características do processo de descentralização e ao trabalho coletivo.

2.1. Autonomia: uma busca permanente A autonomia de uma instituição significa o poder de decisão sobre seus objetivos e as suas formas de organização, manter-se relativamente independente do poder central, administrar livremente seus recursos financeiros. Como assinala Libânio (2004: 78), “as escolas podem traçar seu próprio caminho envolvendo professores, alunos, funcionários, pais e comunidade próxima que se tornam corresponsáveis pelo êxito da instituição”. Realça-se, entretanto, que a autonomia não se configura como processo de liberdade absoluta, mas significa a capacidade que tem uma instituição de se reger segundo suas próprias normas no cumprimento de suas finalidades sociais. A autonomia da escola - dimensão importante do processo democrático - precisa considerar que essa instituição é parte constitutiva do sistema de ensino, devendo, por isso, edificar

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níveis de articulação com as outras instâncias, com vistas a garantir relações democráticas horizontalizadas no processo de gestão da escola. Como afirma Lima (2011:115) A escola não é apenas uma instância hetero-organizada para a reprodução, mas é também, uma instância auto-organizada para a produção de orientações e regras, expressão das capacidades estratégicas dos atores e do exercício (político) de margens de autonomia relativa, o que lhes permite, umas vezes retirar benefícios da centralização e, outras vezes, colher vantagens de iniciativas que a afrontam.

É preciso reafirmar que a descentralização de competências para o nível local (escola) deve estar articulada com outras medidas de caráter financeiro e pedagógico que propiciem as condições necessárias e suficientes para a escola desenvolver um projeto educacional concebido coletivamente e compromissado com a qualidade social da educação. A autonomia nessa perspectiva será sempre relativa, porque a descentralização não deve ser compreendida como mera transferência de responsabilidade administrativa da esfera central do sistema para a escola; ao contrário, deve-se criar novos níveis de relacionamento entre essas esferas do sistema, de modo que sejam garantidos níveis de autonomia, mas não de atomização das escolas, tampouco a sua pulverização. O Estado deve assumir as responsabilidades que lhe são inerentes, ou seja, assegurar as condições adequadas para o funcionamento do sistema, visando propiciar a toda a população níveis crescentes de acesso e permanência à educação. Isso se efetivará com mais consistência se forem estabelecidas regras pactuadas coletivamente entre as várias instâncias do sistema, de forma que, nesse processo de pactuação, sejam envolvidos os principais profissionais implicados no processo educativo. Essa forma de trabalho permite, a partir do cotidiano da escola, ampliar as possibilidades de construir patamares desejados de autonomia sem, contudo, se contrapor às normas gerais do sistema. A autonomia deve ser edificada pela escola e, nesse processo, deve-se forjar os espaços possíveis e aproveitar todas as possibilidades, no sentido de criar mecanismos para a sua materialização. Não se deve esperar que a autonomia seja uma dádiva do poder central; ela pode ser germinada e aprofundada com base nas práticas vivenciadas no conjunto das ações desenvolvidas pelas escolas.

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2.2. Descentralização como estratégia da gestão democrática Parte-se do pressuposto de que a descentralização, para se tornar um elemento significativo e constitutivo da gestão democrática, deve ser considerada, necessariamente, em uma dimensão adversa daquela concebida no âmbito das ideias gerencialistas, que a focalizam, por excelência, como estratégia centrada no produtivismo e na redistribuição de responsabilidades entre os níveis do sistema. Considerar a descentralização como um dos componentes essenciais da gestão democrática significa redimensioná-la e colocá-la em um novo patamar. Nesse sentido, um fator facilitador dessa dinâmica seria pensar a gestão democrática da educação como estratégia de um projeto de governo. As reformas empreendidas deveriam estar comprometidas com a afirmação da cidadania resultante de uma maior aproximação entre a sociedade e o Estado, facilitando a definição de diretrizes, de objetivos e metas, bem como o controle social das políticas e da prestação de serviços. Essa proximidade requer, por sua vez, a transferência de responsabilidades para o nível local das decisões e ações, mediante um radical processo de descentralização político-administrativa. (Lustosa da Costa, 2010: 158)

No campo educacional, de acordo com os delineamentos gerais, a defesa da descentralização pauta-se no entendimento de que é exclusivamente no âmbito local que é possível promover a gestão da escola e do processo educacional para a produção de melhores resultados. No entanto, como diz Barroso (1998), torna-se necessário reconhecer que a descentralização, na área da educação, tem sido utilizada não apenas como estratégia de democratização da sociedade, mas, sobretudo, como mecanismo para propiciar a melhoria na gestão de processos e recursos e, também, como condição para aliviar as instâncias centrais do sistema educacional, que se tornam sobrecarregadas com o crescimento das demandas. Na atual situação brasileira, constata-se a existência de um processo em que, ao mesmo tempo, descentralizam-se algumas ações (quase sempre relacionadas à execução) e se recentralizam outras de caráter mais estratégico, relacionadas ao processo de tomada de decisão, evidenciando, desse modo, uma dinâmica em que o fulcro do processo não é o favorecimento do princípio da gestão democrática, mas, sobretudo, a busca de uma nova racionalidade centrada no gerenciamento dos re-

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cursos, objetivando o aumento da produtividade do sistema em moldes empresariais. A descentralização da forma como vem se consubstanciando no sistema educacional tem se configurado como estratégia que pouco tem contribuído para o fortalecimento da gestão democrática da escola (Cabral Neto; Almeida, 2000), visto que não tem propiciado espaços significativos para que se construam, no âmbito das unidades escolares, níveis crescentes de participação política que representem uma redistribuição significativa de poder no processo de tomada de decisão em relação ao que deve ser efetivado nessa instância do sistema educacional. A reforma gerencial implementada tanto no nível do sistema educacional como nos demais setores sociais, dirigida para desestatização do setor público, para descentralização e para a flexibilização, não contribui para a democracia. Esse tipo de reforma, como assinala Lustosa da Costa (2010: 236), é incapaz de alterar “as relações entre Estado e sociedade, valorizando o interesse do cidadão como titular de direito e consumidor de bens públicos, incorporando a sua participação, superando a neutralidade burocrática e mudando o sentido de responsabilidade pública”. A descentralização, como mera transferência de atividades concebidas em nível central e que devem ser executadas pelas instâncias hierarquicamente inferiores do sistema, não congrega esforços para aprimorar os mecanismos de gestão democrática. Muitas vezes, a pretexto de conferir autonomia às escolas, mediante um modelo de gestão baseado na descentralização de ações, os órgãos centrais tendem a delegar às escolas muitas rotinas (Oliveira, 2007) e quase nenhum poder de decisão. Reforça uma tendência de o Estado se desobrigar com uma parcela do financiamento para a educação e criar, ao mesmo tempo, uma nova racionalidade para o gerenciamento público, fundada nos princípios da nova gestão pública, cujo foco é o aprimoramento do desempenho governamental com a adoção mecanismos de responsabilização. Preconiza a adoção da lógica de resultados na administração pública visando medir o desempenho e exigir a prestação de contas de agentes públicos responsáveis pela execução e pelos resultados obtidos com as políticas. Reafirma-se que a descentralização, para funcionar com propulsora da gestão democrática, deve estar articulada com a edificação de níveis crescentes de autonomia e de socialização do processo de tomada de decisão, assim como da responsabilização dos vários níveis do sistema pelos resultados do processo educativo.

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2.3. O trabalho coletivo como elemento de fortalecimento da gestão democrática Os mecanismos de autonomia e descentralização – dimensões desejáveis e imprescindíveis à gestão democrática – terão mais chances de prosperar no âmbito do trabalho coletivo. Isso porque a participação coletiva propicia à instituição escolar a busca de condições próprias para seus problemas e, portanto, mais adequadas às suas necessidades e possibilidades. A participação favorece que um conjunto de fatores se articule em torno de um mesmo projeto educacional, o que aumenta a probabilidade de que ele se materialize no âmbito da escola. A participação é também um elemento estratégico, uma forma que possibilita administrar – pela negociação, pela busca de consenso ou de hegemonia – as resistências dos próprios agentes internos à instituição. Pateman (1992: 60) assinala que a “teoria da democracia participativa é construída em torno da afirmação central de que os indivíduos e suas instituições não podem ser considerados isoladamente”. O máximo de participação de todas as pessoas e a socialização precisa ocorrer em todas as esferas, de forma que as atitudes e as qualidades necessárias a esse processo sejam desenvolvidas; a própria participação funciona como propulsora desse processo formativo. Afirma ainda a mencionada autora que a principal função da participação [...] é educativa; educativa no mais amplo sentido da palavra, tanto no aspecto psicológico quanto no de aquisição de prática de habilidades e procedimentos democráticos. [...] A participação promove e desenvolve as próprias qualidades que lhes são necessárias; quanto mais os indivíduos participam, melhor capacitadas elas se tornam para fazê-lo. (Pateman, 1992: 61)

Nesse entendimento, a participação é uma estratégia indispensável para a consolidação dos processos democráticos em todos os níveis, constituindo-se, portanto, em uma exigência para se consolidar a gestão democrática na escola. Ela favorece o envolvimento de todos os profissionais que trabalham na instituição, assim como dos seus usuários, nas decisões tomadas, no funcionamento e na organização da escola. Como assinala Lima (2011: 78), uma vez consagrada como direito e como instrumento de realização da democracia, “a participação na educação e, designadamente na escola, assume contornos normativos. [...] Conquistada como princípio e consagrada enquanto direito, a partici-

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pação deve constituir uma prática normal, esperada e institucionalmente justificada”. Chama-se a atenção, entretanto, para o fato de que as práticas de participação em desenvolvimento, no atual momento, têm-se constituído, quase sempre, em mecanismos de legitimação de decisões tomadas fora do âmbito da instituição escolar e que a ela são apresentadas sem nenhuma negociação; muitas vezes, a participação dos componentes da escola se resume a decidir sobre as melhores formas de implementar os programas por ela recebidos. Como lembra Lima (2011: 146-147), as estratégias neotayloristas de modernização se apropriam do potencial da participação e reeditam o princípio da integração em termos organizacionais. Essa perspectiva, segundo o referido autor, implantada nas empresas, começa a ser transferida para o setor público e para a educação. “Esse tipo de participação-coesão [...] é claramente entendido como uma técnica de gestão para a promoção da eficácia e da qualidade. A participação ‘alargada’ dos ‘interesses’ assenta numa estratégia de delegação política para reduzir os conflitos institucionais”. Nesses termos, a participação se encontra esvaziada de sentido político e educativo tal como preconiza Pateman (1992). A dimensão emancipatória fica ausente se não houver um investimento para se contrapor a essa perspectiva de participação (notadamente funcional) que em quase nada contribui para a consolidação da democracia no espaço escolar. Não se pode desconhecer que – embora eivada por limitações próprias desse modelo de participação que tende a ser hegemônico – encontra-se nas instituições escolares um movimento no sentido de construir possibilidades de vivenciar uma gestão participativa que se encaminhe na direção do envolvimento dos seus vários segmentos. Nesse sentido, ganha destaque a defesa dos colegiados como forma de incentivar a participação no processo de tomada de decisão. A legitimidade das ações educativas desenvolvidas depende do nível de participação de todas as pessoas envolvidas na ação escolar. Portanto, os conselhos escolares se constituem em instrumentos mobilizadores e integradores de ações que podem contribuir para sedimentar uma gestão democrática. Os conselhos escolares, segundo Cabral Neto e Castro (2011), favorecem o diálogo no processo de efetivação da descentralização e da consolidação da autonomia e se constituem em uma das estruturas que contribuem nesse processo de aperfeiçoamento da gestão democrática. Entretanto, os referidos autores destacam que não basta criar a estrutura, é importante fazê-la funcionar de forma que se constitua em um espaço

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de debate, de formulação de políticas administrativas e pedagógicas, de formulação de regras em nível local, de criação de mecanismos de articulação com as outras instâncias do sistema. Isso permite um diálogo mais qualificado dos gestores escolares em seu processo de negociação com setores internos (agentes escolares) e externos (família, comunidade, governo).

3. Uma reflexão sobre a prática da gestão democrática Propõe-se, nesta parte do capítulo, proceder a uma reflexão sobre a gestão democrática, tomando como referência os dados da Pesquisa Nacional sobre Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil. Os dados, no geral, reafirmam que a gestão democrática faz parte do cotidiano das escolas da educação básica no país e é considerada como uma forma necessária para gerir os destinos da escola. Pode-se constatar, ao analisar a gestão democrática no interior da escola, que a forma como ela vem se materializando tem trazidos melhorias organizacionais para essas instituições, mas se observa, também, que a sua implementação está recortada por muitas limitações. A discussão dos dados da pesquisa sobre a gestão democrática foi organizada em dois aspectos: o trabalho coletivo e a avaliação.

3.1. O trabalho coletivo como dimensão da gestão democrática2 O envolvimento do coletivo dos docentes no planejamento global dos trabalhos da escola – uma dimensão relevante para a consolidação da gestão democrática – é admitido por 71,6% dos entrevistados. Esse nível de concordância manifestada pelos docentes representa um indício importante de que existe uma consciência desses profissionais sobre a necessidade do trabalho coletivo e que ele se constitui em uma prática no cotidiano das escolas onde trabalham. Entretanto, perdura ainda um percentual significativo de docentes (21,1%) que discordam sobre o envolvimento do coletivo no planejamento global da escola em que trabalham.

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Os dados analisados nesta parte do texto estão organizados na tabela 1 – Anexo 1.

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Essa situação pode ser um indicativo de que a equipe gestora ainda encontra dificuldades para incorporar o coletivo da escola, em seu conjunto, nas definições gerais, em função de alguns problemas presentes tanto na forma como a gestão é conduzida, não propiciando as condições necessárias para a participação dos sujeitos docentes, quanto da limitação dos docentes em desenvolver atividades na escola mediante as suas condições de trabalho. Como chama a atenção Gorostiaga e Fraga (2011: 84) “paradoxalmente, a ampliação da participação dos professores na gestão escolar contribuiu, por vezes, para a deterioração das condições de trabalho, ao agregar responsabilidades sem o acompanhamento de apoios e retribuições salariais em conformidade”. O excesso de trabalho requerido desses profissionais resulta em atividades que se estendem para além do espaço da sala de aula; dentre elas, estão: participação na gestão, na organização e no planejamento da escola, na relação com a comunidade; ou até mesmo fora da escola (espaço doméstico, por exemplo) como correção de atividades e preparação de aulas. Um dado que chama a atenção se refere aos docentes que são indiferentes a essa problemática do envolvimento com o planejamento do trabalho de forma coletiva. Eles representam 7,4% (628) dos sujeitos docentes entrevistados. Isso pode representar certo estado de apatia entre esses docentes ou mesmo um posicionamento de, conscientemente, não se envolver com a gestão da escola. Em relação ao Projeto Político-Pedagógico (PPP), há uma forte concordância por parte dos sujeitos docentes de que ele é resultado de um trabalho coletivo e colaborativo. Essa condição foi indicada por 68,1% dos entrevistados, o que representa uma parcela significativa dos sujeitos docentes que se envolvem com essa dimensão da gestão democrática. A situação constatada, embora represente indícios favoráveis, apresenta-se eivada por limitações, visto que 22,7% desses docentes discordam de que o PPP seja resultado de um trabalho coletivo e colaborativo. Nessa dimensão, há, também, um número de sujeitos docentes que são indiferentes a essa temática, o que representa uma limitação ao trabalho coletivo e pode indicar um elemento igualmente limitador da gestão democrática. Dos sujeitos docentes entrevistados, 9,1% (730) se situam nessa condição. Esses dados mantêm coerência com os resultados do estudo realizado por Cabral Neto e Castro (2011), que investigou o envolvimento dos sujeitos docentes na elaboração do PPP de escolas de ensino médio. Os dados evidenciam um bom envolvimento dos sujeitos docentes na elabo-

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ração do PPP, mas constatou, também, que há níveis diferenciados de participação dos sujeitos docentes. Por ordem de nível de participação, estão as equipes técnico-pedagógicas, os diretores e os professores. Os professores tiveram pouca participação, considerando que somente 12,5% participaram da elaboração; 18,8%, da sistematização e em nenhuma escola os professores chegaram a coordenar a elaboração do PPP. Nesse sentido, cabe evidenciar que as escolas públicas, embora tenham procurado ampliar a participação dos sujeitos docentes na elaboração do PPP, precisam, ainda, trilhar caminhos e criar estratégias para que os docentes se sintam motivados a conceber, coletivamente, esse mecanismo essencial para a vida da escola e para seu projeto educativo. Dentre as dificuldades para o envolvimento dos sujeitos docentes com a gestão democrática, destacam-se, segundo os dados da pesquisa, o excessivo tempo que o diretor se dedica à resolução de problemas puramente administrativos e o desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo. Concernente ao primeiro aspecto, 56,1% dos entrevistados concordam que a direção das unidades escolares dedica grande parte do seu tempo resolvendo problemas administrativos. Essa situação ficou evidente no ato da pesquisa quando foi aplicada, com os diretores-gestores, uma técnica que solicitava que eles descrevessem um dia de trabalho na escola. Os relatos não deixam dúvidas de que esse profissional tem um cotidiano extremamente marcado por um ativismo imediatista na busca de resolver os problemas rotineiros da escola. Embora no ato da entrevista afirmem que procuram se envolver com os aspectos pedagógicos na descrição do seu dia de trabalho isso não foi realçado. Essa situação constatada na pesquisa é semelhante àquela observada nos estudos de Oliveira (2008) e Kuenzer e Caldas (2009) que comprovam a ocorrência da intensificação do trabalho do gestor escolar nessa conjuntura em que são atribuídos às escolas novos papéis. Para as referidas autoras, diante da sobrecarga de trabalho, alguns gestores se limitam a administrar as situações do cotidiano da escola e, por conseguinte, acabam por colocar em segundo plano a dimensão pedagógica da gestão escolar. Evidencia-se, desse modo, que o gestor escolar diante da sobrecarga de trabalho, resultante de uma série de novas demandas, que inclui, além das atividades rotineiras, o gerenciamento de uma gama significativa de projetos que o poder central (ou intermediário) lhes impõe, assim como o gerenciamento dos recursos e atividades específicas dessa função, como prestação de contas, além de ter de conviver com a precariedade de recursos para gerir a unidade escolar. Nessas circunstâncias, não são verificadas as condições favoráveis para que o gestor exerça a co-

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ordenação do projeto educacional no que concerne, especificamente, à sua dimensão pedagógica. Mas, por outro lado, 35,5% dos entrevistados discordam de que os diretores se dedicam excessivamente à resolução de problemas puramente administrativos. O posicionamento assumido por esse grupo de docentes – embora não esteja explicitamente declarado – pode significar avanços na gestão da escola, visto que admite que os diretores/gestores – que, tradicionalmente, tendiam a se preocupar com a resolução dos problemas existentes no cotidiano da escola, confirmado por 56,1% dos entrevistados – estão se envolvendo com atividades relativas a outros aspectos da gestão, o que pode incluir uma participação na dimensão pedagógica da gestão. Concernente ao segundo aspecto (desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo) constatou-se que há uma concordância, por parte de 58,8% dos entrevistados, de que o desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo prejudica a gestão democrática da escola. O interesse ou falta de interesse dos docentes pelo trabalho coletivo não pode ser tratado isoladamente de outras variáveis importantes que interferem nesse posicionamento dos docentes sobre o trabalho coletivo, dentre as quais podem ser ressaltadas: as condições de trabalho, a situação salarial, o excesso de atribuições, as dificuldades de aprendizagem dos alunos e as condições socioeconômicas da população que frequenta a escola pública. Esses aspectos – muito presentes no cotidiano do trabalho dos docentes – foram evidenciados no conjunto dos dados sistematizados na pesquisa. A título de exemplo, pode-se citar que os salários são muito baixos (57% dos docentes recebem entre um e três salários mínimos); persistem as longas jornadas de trabalho (47% trabalham em mais de uma escola); a ausência de Planos de Cargos e Salários (48% não estão incluídos nesse mecanismo) (GESTRADO/UFMG, 2010). Entretanto, essa expressiva concordância de que a falta de interesse dos docentes prejudica o trabalho coletivo representa, de fato, uma limitação importante para a edificação da gestão democrática da escola. Esse posicionamento pode, inclusive, decorrer de certo “desânimo” dos docentes (ou da falta de perspectiva) de que a gestão democrática, tal como vem sendo apregoada na literatura ou, até mesmo, nas políticas governamentais, encontra barreiras quase intransponíveis diante das dificuldades enfrentadas no contexto escolar. É relevante demarcar, também, que 35,6% dos entrevistados discordam de que a falta de interesse dos docentes comprometa o trabalho coletivo. O posicionamento desse grupo pode ser indicativo de que parte

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dos docentes tenha um maior envolvimento com o trabalho coletivo da escola, e, mesmo assim, não percebem avanços significativos na gestão; ou ainda, consideram que esse aspecto não é o mais relevante quando se trata de desenvolver o trabalho coletivo no âmbito da unidade educacional. Talvez esteja subjacente a esse posicionamento a indicação de que as condições em que ocorre o trabalho na escola e o tipo de formação recebida pelos sujeitos docentes funcionem como obstáculos ao aprimoramento da gestão democrática. No que diz respeito ao financiamento, há uma forte discordância dos entrevistados de que o montante de recursos destinado à educação garanta as condições adequadas de trabalho para os docentes e para a viabilização de um projeto de escola com características democráticas. Dentre os entrevistados, apenas 22,8% concordam com a assertiva de que os recursos financeiros são suficientes para garantir as condições de trabalho adequadas, enquanto isso, 68,8% dos docentes discordam dessa afirmativa. Essa insuficiência financeira de recursos para viabilizar um projeto de educação e de escola, referida pela maioria dos entrevistados, é, igualmente, expressa pela literatura decorrente da maioria dos estudos sobre a política de financiamento adotada pelo governo brasileiro no campo da educação. Observa-se que os percentuais do PIB aplicados no setor educacional são insuficientes para a edificação de patamares mais adequados de financiamento da área em todas as suas dimensões, por conseguinte, para edificar um projeto de escola com características democráticas. Esse é, inclusive, um tema que vem sendo polemizado no processo de elaboração e aprovação do Plano Nacional de Educação (2011-2020). De início, o governo propôs destinar 7% do PIB para a educação, posicionamento esse contestado pelas entidades educacionais que ofereçam várias emendas a essa matéria. A versão aprovada, na Câmara dos Deputados, prevê a aplicação de 7% do PIB na educação até o ano de 2014 e 10% em 2020, último ano de vigência do referido plano. Resta saber se esses percentuais vão ser mantidos pelo Senado Federal e, em caso afirmativo, se a Presidência da República não os vetará. A aprovação desses percentuais do PIB para a educação representa um aumento significativo dos investimentos na área, mas persistem dois problemas que precisam ser equacionados: a determinação das fontes dos recursos e a criação de mecanismos que garantam a transparência e o controle social na sua efetiva utilização. Outro fator que impõe limite ao trabalho coletivo se refere à falta de tempo dos docentes para se dedicar ao conjunto das atividades da

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escola. Essa situação foi indicada por 70,7% dos entrevistados que concordam que a falta de tempo se constitui em uma das limitações para o desenvolvimento do trabalho coletivo. A realidade referida pelos entrevistados guarda coerência com as informações da pesquisa relativas à sobrecarga de trabalho dos docentes, expressa em longas jornadas, exercidas em vários turnos da mesma escola ou em várias escolas (45% dos sujeitos entrevistados trabalham em mais de uma escola, sendo que 4% trabalham em quatro ou mais escolas), e, ainda, no espaço doméstico (87% levam atividades para realizar em casa). Destaca-se, todavia, que, embora os sujeitos docentes convivam com essas dificuldades, 57,2% desses profissionais entrevistados concordam que, nos últimos anos, houve uma melhoria nas condições de trabalho, enquanto 32,8% discordam desse posicionamento. As melhorias devem estar relacionadas ao fato de que a maioria dos docentes atualmente está vinculada a um Plano de Cargo, Carreira e Salário (52,2%) e também a outras conquistas da categoria docente, como, por exemplo, o Piso Salarial Profissional Nacional (GESTRADO, 2010). Entretanto, outros 25,4% dos sujeitos docentes entrevistados discordam de que a falta de tempo limita o trabalho coletivo. O posicionamento desse segundo grupo pode estar relacionado ao fato de trabalharem em redes de ensino em que exista carga horária disponível para atividades de planejamento e que, mesmo nessa condição, os docentes, por uma série de motivos, não se envolvem com o trabalho coletivo. Muitos docentes utilizam essas horas, que seriam para se dedicar ao planejamento das atividades na unidade educacional, para desenvolver atividades particulares, ou para aumentar a sua jornada em outros espaços escolares, com o intuito de complementação de renda. Ou ainda pode expressar uma crença de que uma parcela dos docentes está desmotivada (ou desinteressada) para desenvolver o trabalho coletivo e que a sua não integração ao projeto educacional da escola não está, necessariamente, vinculada, apenas, à ausência de tempo. Em relação ao papel de liderança exercido pelo administrado/diretor, constata-se que, dentre os sujeitos docentes entrevistados, 67,3% concordam que o diretor da sua unidade educacional exerce uma destacada liderança no contexto da escola. Esse posicionamento está em acordo com a literatura que realça a importância do diretor como articulador do projeto educativo da escola e pode ser indício de que, nessas unidades educacionais, esteja em desenvolvimento um trabalho com características participativas, sob a maestria do seu gestor.

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Um grupo de 23,7% dos docentes discorda sobre essa atuação de liderança exercida pelo diretor em suas unidades educacionais. Embora haja, como foi especificado, um percentual significativo de docentes que destacam o papel de liderança exercido pelo diretor, nas unidades escolares pesquisadas, não se pode desconsiderar que há uma parcela significativa de docentes que avaliam que o seu dirigente não vem exercendo papel de realce no que concerne à função de liderança. Isso pode ser indicativo de que a gestão democrática, nessas unidades escolares, vem encontrando restrições, considerando que o diretor exerce um papel importante nesse processo porque assume a função de coordenar, em conjunto com o coletivo, o projeto educacional a ser concebido e implementado na escola. Embora exista acentuada concordância sobre o papel de liderança exercida pela administração/direção da escola sobre o processo de gestão, chama-se atenção para o fato de que 56,1% dos sujeitos entrevistados concordam que o diretor de suas unidades educacionais se envolve, predominantemente, com atividades do cotidiano – realidade essa pouco favorável ao exercício da liderança, visto que ela deve ser exercida considerando, necessariamente, os aspectos administrativos e pedagógicos, dimensões fundamentais do projeto da escola. O tipo de formação exigida para a ocupação da função do gestor foi outro tema considerado na pesquisa. Nesse aspecto, 86,6% dos sujeitos docentes entrevistados concordam que os responsáveis pela gestão da escola precisam de uma formação específica para atuar nessa função. Apenas 9,8% dos entrevistados discordam da necessidade de uma formação específica para atuar nessa função. Essa alta concordância sobre a necessidade de uma formação específica para atuar na gestão escolar pode ser um indicativo de que se está construindo um consenso sobre a necessidade de uma melhor profissionalização da gestão e que a formação pode contribuir para esse fim. Ou, ainda, pode decorrer das exigências postas, hoje, para o exercício dessa função, que requer uma mudança do perfil do gestor para atender às novas demandas colocadas pelo ordenamento concernente às políticas governamentais. Passa-se a exigir dos gestores escolares maiores responsabilidades com os resultados do processo educacional e a prestação de contas de sua atuação à sociedade e ao poder central. Portanto, o gestor precisa se apropriar de mais conhecimento para gerir a escola e produzir novos índices de produtividade que passam a balizar, inclusive o seu financiamento. Este tema recoloca a importância de que o processo de escolha dos gestores deve levar em consideração, além de critérios de eleição direta,

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outros atributos como a capacidade de liderança, os conhecimentos específicos da área, a formação. Entretanto, firma-se o posicionamento de que o princípio da eleição direta deve ser o ponto de referência fulcral ao qual se devem articular outros que estão a ele subordinados como, por exemplo, a formação, a experiência em escolas, dentre outros. O que precisa ser considerada é a natureza da formação: se apenas em nível de graduação ou em nível de pós-graduação. É certo que a formação, no atual cenário, é um requisito indispensável para o exercício da função de gestor. Deve-se, contudo, prestar atenção em relação aos conteúdos da formação, visto que, hoje, existe uma acentuada tendência de que os cursos (principalmente os de pós-graduação lato sensu, mas não exclusivamente) privilegiem uma perspectiva gerencialista da gestão escolar. Em relação à participação dos pais dos alunos e à sua contribuição na gestão das unidades escolares, são avaliadas, pelos sujeitos docentes, como deficitária. Apenas, 18,8% dos entrevistados concordam que os pais dos alunos são bastante ativos e participativos na gestão escolar. O percentual de docentes que discordam dessa atuação dos pais na gestão ficou no patamar de 70,3%. Esse foi o maior índice de discordância verificado em relação a todas as variáveis consideradas na pesquisa na dimensão da gestão. Essa limitação da participação dos pais na gestão da escola não é uma novidade dessa pesquisa, visto que os estudos nessa área (Cabral Neto e Castro 2011, por exemplo) têm evidenciado, com recorrência, essa situação e, para a qual, pode-se aventar algumas hipóteses explicativas: a) a escola – pelo seu comportamento elitista – tem, historicamente, dificuldade de dialogar com as famílias dos alunos e quando o faz, via de regra, é para tratar de problemas de comportamento (ou mau comportamento) dos filhos; b) os pais, principalmente aqueles das classes sociais de menor poder aquisitivo e de baixa formação formal, têm dificuldades para dialogar com a escola que detém o conhecimento científico sobre a criança/ jovem e sobre os conteúdos curriculares. Nessa relação escola/família, cria-se uma situação de desigualdade porque, quem tem o domínio do conhecimento, detém, também, maior poder e, desse modo, os pais se constituem no elo mais frágil no diálogo (ou do não diálogo) com a escola; c) a falta de tempo dos pais para marcar presença na escola, principalmente, em horários por ela determinados. Os pais, em função de suas atividades profissionais, argumentam, muitas vezes, que o horário proposto pela escola para as reuniões são incompatíveis com a sua disponibilidade;

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d) há também de se considerar a falta de cultura de participação das famílias na vida educacional dos seus filhos. Criou-se certo consenso (ou senso comum) de que a escola deve ser a responsável pela educação das crianças e jovens cumprindo sozinha essa função, cabendo aos pais, apenas, a iniciativa de matriculá-las. Embora se reconheça essa limitação da participação da família na vida da escola, vale registrar que essa situação já foi mais precária e que, atualmente, no Brasil, tem-se vislumbrado a possibilidade de se criarem novos vínculos entre a escola e a família na gestão e no acompanhamento da vida escolar dos alunos; esse é um caminho, apenas, iniciado e, portanto, há muito a ser feito nessa direção. Outra dimensão da gestão considerada na pesquisa foi a atuação do Conselho Escolar. A organização e funcionamento desse mecanismo se constituem em ações necessárias para viabilizar a participação dos segmentos escolares e da “comunidade” na gestão da escola. O seu adequado funcionamento deveria propiciar uma efetiva participação das representações no processo de tomada de decisão no âmbito da escola. No entanto, os dados da pesquisa constatam que os conselhos das escolas envolvidas no estudo têm uma participação frágil no que concerne a sua atuação na gestão escolar. Particularmente, a sua atuação na definição do orçamento da unidade educacional pode ser considerada insuficiente. Apenas 50,5% (pouco mais da metade) dos sujeitos docentes consideram que o Conselho é atuante e define, com a participação de seus membros, o orçamento da unidade educacional. Os outros entrevistados (49,5%), ou discordam dessa atuação do Conselho, (35%), ou são indiferentes a essa temática (14,5%). Esses dados são emblemáticos e expressam certa fragilidade dos Conselhos e sua contribuição para o aprimoramento da gestão democrática. Em pesquisa recente, Cabral Neto e Castro (2011), considerando aspectos mais abrangentes da atuação dos conselhos escolares, constatam que as escolas públicas, no geral, organizaram os seus conselhos, mas o nível de participação dos sujeitos docentes e, particularmente, dos pais, nesse mecanismo é muito precário. Neste estudo, conclui-se que os colegiados poderão vir a se constituir em uma estratégia de democratização da gestão escolar, na medida em que forem exploradas todas as possibilidades de oportunizar a seus membros uma efetiva participação direta na concepção, execução e avaliação dos projetos da escola, permitindo a ampliação da consciência dos indivíduos e dos grupos que deles fazem parte.

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3.2. Avaliação: uma prioridade do atual modelo de gestão 3 A avaliação do trabalho docente aparece, hoje, como uma das metas prioritárias das políticas governamentais. Argumenta-se que os sistemas educacionais são pouco produtivos e que os docentes exercem papel relevante nessa situação, visto que não têm desempenhado, a contento, as suas atividades profissionais. Há, também, um consenso por parte dos docentes sobre a necessidade de uma avaliação do seu trabalho, embora haja conflitos sobre o tipo de avaliação que deve ser feito. Esse consenso ficou evidenciado nos dados da pesquisa visto que há uma forte concordância dos sujeitos docentes sobre a necessidade a avaliação do seu trabalho. Do total dos entrevistados, 92,5% são favoráveis a que o trabalho dos professores seja avaliado. Isso reforça a compreensão de que os docentes não têm dúvida sobre a pertinência da avaliação do seu trabalho docente, e, ao mesmo tempo, põe em xeque o discurso corrente entre setores dos governos (estadual e municipal) de que os docentes reagem à avaliação porque não querem expor a fragilidade do trabalho que realizam. Essa forte concordância sobre a necessidade de avaliação do trabalho docente também pode ter sido influenciada ou, até mesmo, induzida pela sua incorporação na agenda das políticas educacionais e fortemente incluída nas normativas e programas de governo. É importante reter que a reação dos docentes à avaliação não diz respeito ao processo em si, mas ao formato e a natureza que ele vem assumindo. As críticas aos atuais modelos de avaliação estão relacionadas ao seu caráter produtivista e ao destino dado aos resultados oriundos desse processo; ponderação essa fortemente destacada pelas lideranças sindicais e pela literatura crítica sobre a avaliação. Os resultados são, em geral, utilizados para a promoção do docente no Plano de Cargos e Salários (promovendo a concorrência interna), para responsabilizar os docentes sobre o baixo desempenho da aprendizagem dos alunos, e, ainda, para culpá-los pelo fracasso das reformas educacionais. O detalhamento dos dados sobre quem deve avaliar o trabalho dos professores revela que existe maior concordância, por parte dos sujeitos docentes, de que esse processo seja feito internamente e assumido pela administração/direção da unidade educacional (concordância de 77,6%) e pelos supervisores/coordenadores da escola (79,9% de concordância).

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Os dados analisados nesta parte do texto estão organizados na tabela 2 – A nexo 1.

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No que se refere à avaliação interna, realizada por seus pares, os níveis de concordância são menores: conselho escolar, 57,7%; comissões criadas na unidade escolar para esse fim, 67,3%; pelos colegas da escola, 47,0%. Esses dados são emblemáticos, visto que era de se esperar que os sujeitos docentes, reivindicassem uma avaliação do seu trabalho, feita pelos seus pares, visto que são os maiores conhecedores das circunstâncias em que esse trabalho se realiza e, também, são seus pares que, teoricamente, pela formação, estariam mais habilitados a realizar essa tarefa. Essa constatação pode expressar, também, um receio por parte dos docentes, sobre uma possível situação de conflito gerada mediante resultados não satisfatórios atribuídos por colegas de trabalho. No entanto, pode-se supor que a maior concordância de que a avaliação seja realizada por agentes da administração/coordenação revele certa tradição de avaliação vertical, em que as pessoas, situadas na hierarquia superior na organização escolar, estão mais bem capacitadas para proceder à avaliação. Pode revelar, ademais, certo culto à autoridade constituída e uma cultura da subordinação dentro da estrutura institucional. Os níveis de concordância sobre a avaliação do trabalho dos docentes por mecanismos de avaliação externa são, no geral, inferiores àqueles indicados na avaliação interna. Há uma concordância de 61,8% dos sujeitos docentes de que o trabalho dos professores deve ser avaliado pelo Ministério da Educação, enquanto 63,3% indicam que essa responsabilidade deveria ser assumida pela Secretaria de Educação e 55,7% opinaram pelo Conselho de Educação. Embora os percentuais de concordância em relação aos agentes externos para avaliar o trabalho dos professores sejam inferiores àqueles relativos aos agentes da avaliação interna, eles são, também, representativos e expressam que uma parte significativa de docentes admite que deve ser avaliada pelos órgãos do governo.

4. Considerações finais A gestão democrática, como foi assinalado, vem sendo historicamente colocada na agenda da política educacional brasileira. Mesmo quando ainda não era prevista no ordenamento jurídico, já se apresentava como uma demanda dos educadores e de suas entidades representativas, situada no movimento de redemocratização em curso, no país, e foi sendo,

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ao mesmo tempo, incluída, gradativamente, nos planos governamentais relativos à área de educação. Com a sua inclusão nos marcos legais, a partir da Constituição de 1988 e nos instrumentos normativos infraconstitucionais (LDB 9.394/96, PNE 2001/2010), a gestão democrática ganha um fórum privilegiado porque se reconhece legalmente o princípio da gestão democrática como inerente ao ato de gerir as escolas públicas do país. Todavia, esse reconhecimento legal não garantiu a sua efetivação nas escolas públicas que continuam a enfrentar problemas de ordem política e administrativa para a sua viabilização com sucesso. Atualmente, as escolas públicas convivem com uma permanente tensão porque, embora os instrumentos legais e a maioria dos planos de governo façam referência à gestão democrática, as medidas prescritas em parte dos programas de governo põem ênfase na gestão gerencial que tem características diversas da gestão democrática. Ela (re)significou conceitos importantes como a autonomia, a descentralização e a participação, que passaram a ser consideradas como mecanismos para assegurar mais agilidade, eficiência e eficácia à gestão das escolas. Nessa lógica, a descentralização e a autonomia se configuram como muito limitada porque, na instância das unidades escolares, quase não há espaço para que os sujeitos docentes exerçam o poder de decisão. São, em essência, executores de políticas concebidas por outras instâncias do sistema educacional. Entretanto, como esse processo é eivado por uma série de contradições, observa-se que, no cotidiano das escolas, os sujeitos docentes, conforme ficou evidenciado pelos resultados da pesquisa, procuram viabilizar medidas que se configuram como indícios de construção de uma prática democrática, dentre as quais podem ser citadas: um contingente significativo de sujeitos docentes se envolve com o planejamento global da escola, elabora coletivamente o Projeto Político-Pedagógico, assim como o gestor tem assumido um papel de liderança na gestão das escolas. Também foram evidenciadas limitações como: pouca participação dos pais na gestão da escola; atuação limitada do Conselho Escolar; sobrecarga de trabalho dos gestores; falta de tempo para que os sujeitos docentes possam vivenciar o trabalho coletivo; insuficiência de recursos financeiros para gerir, adequadamente, a unidade escolar. No tocante à avaliação, evidencia-se que há uma expressiva concordância, por parte dos sujeitos docentes, de que o seu trabalho seja avaliado. Desse modo, supõe-se que a avaliação do trabalho docente começa a integrar a cultura dos sistemas educacionais de todos os entes federativos e tende a se consolidar, tendo sido, também, incorporada

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pelos docentes. Embora haja fortes críticas de setores de intelectuais e das entidades docentes ao modelo de avaliação que vem sendo adotado, não há indícios de que haja um retrocesso do governo nesse sentido. Assim, o horizonte que se vislumbra do lado dos educadores é de exercer a pressão organizada para imprimir mudanças ao processo avaliativo, atribuindo-lhe funções formativas e emancipatórias. Por fim, destaca-se que, embora a situação evidenciada na pesquisa denote alguns avanços iniciais em relação à gestão democrática da escola pública, as limitações apontadas pelos sujeitos docentes sobre a sua viabilização significam que ainda há muito a se fazer para que as escolas públicas tenham, de fato, uma gestão democrática. A gestão democrática é um processo que precisa ser edificado, o que requer uma aprendizagem em construção. Apesar das limitações existentes e fortemente enraizadas no contexto escolar – marcado, via de regra, por práticas cotidianas recortadas pelo improviso – torna-se necessário construir alternativas capazes de imprimir uma nova dinâmica à escola para superar o atual modelo e procurar configurar um padrão de gestão que contribua para consolidar a educação de qualidade como um direito de todo o cidadão.

Referências bibliográficas BARROSO, João. Autonomia e gestão das escolas. Lisboa: Ministério da Educação, 1998. BARROSO, João. O estudo da autonomia da escola: da autonomia decretada à autonomia construída. In: O estudo da escola. Porto: Porto Editora, 1996, pp.167-189. BRASIL. Presidência da República. III Plano Nacional de desenvolvimento (1980-1985). Brasília, 1980. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto (1980-1985). Brasília, 1980. BRASIL. Presidência da República. I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986-1989). Brasília, 1986. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Programa Educação para Todos: caminhos para mudança. Brasília, 1985. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado federal, 1988. BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996

280


que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996. BRASIL. Câmara dos Deputados. Plano Nacional de Educação (2011-2020). Disponível em: <http//www.camara.gov.br>. Acesso em: 20 de julho de 2012. CABRAL NETO, Antônio. ALMEIDA, Maria Doninha. Educação e gestão descentralizada: conselho diretor, caixa escola, projeto político-pedagógico. Revista em Aberto. Brasília, v. 17, n. 72, pp. 35-45, jun. 2000. CABRAL NETO, Antônio. Política educacional no Projeto Nordeste: discursos, embates e práticas. Natal (RN): EDUFRN, 1979. CABRAL NETO, Antônio; CASTRO, Alda Maria Duarte Araújo. Gestão escolar em instituições de ensino médio: entre a gestão democrática e a gerencial. Educação e Sociedade, Campinas (SP), v. 32, n. 116, pp. 745-770, jul.-set. 2011. CURY, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da educação pública. In: Gestão democrática da educação. Ministério da Educação. Boletim 19, outubro, 2005, pp. 14-19. GOROSTIAGA, Jorge M.; VIEIRA, Lívia Maria Fraga. Tendências nacionais e subnacionais no governo escolar: Argentina e Brasil (1990-2010). In: OLIVEIRA, D. A.; PINI, Eva Mónica; FELDFEBER, Myriam (Org.). Políticas educacionais e trabalho docente: perspectiva comparada. Belo Horizonte: Fino Trato, 2011, pp. 63-90. LIBÂNIO, José Carlos. Organização e gestão escolar: teoria e prática. 5ª ed. Goiânia: Editora Alternativa, 2004. LIMA, Licínio, C. A escola como organização educativa. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. LUSTOSA DA COSTA, F. Reforma do estado e contexto brasileiro: uma crítica do paradigma gerencialista. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2010. OLIVEIRA, D. A. Mudanças na organização e gestão da escola. In: OLIVERIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Fátima Felix (Org.). 2ª ed. Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, pp. 75-89. OLIVEIRA, D. A. Educação e planejamento: a escola como núcleo da gestão. In: OLIVEIRA, D. A. (Org.). Gestão democrática da escola: desafios contemporâneos. Petrópolis: Vozes, 2007, pp. 64-86. OLIVEIRA, Dalila A. e VIEIRA, Livia M. F. Trabalho Docente na Edu­ cação Básica no Brasil – Sinopse do survey nacional. Belo Horizonte, GESTRADO/FAE/UFMG, 2010. [Relatório de Pesquisa]. Disponível em www.fae.ufmg/gestrado/files/relatorio_sinopse. Acesso em 10 de julho de 2012.

281


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ANEXO 1

Tabela 1 - Percentual de concordância dos sujeitos docentes com relação aos aspectos referentes à gestão escolar ASPECTOS CONSIDERADOS

CONC. (%)

DISC. (%)

INDIF. (%)

A gestão é democrática envolvendo o coletivo dos docentes no planejamento dos trabalhos

71,6

21,1

7,4

O projeto político-pedagógico é resultado de um trabalho coletivo e colaborativo dos docentes

68,1

22,7

9,1

A administração/direção exerce forte liderança sobre o coletivo

67,3

22,7

8,0

O financiamento da educação garante condições adequadas de trabalho

22,8

68,8

9,0

A direção desta unidade educacional passa a maior parte de seu tempo resolvendo problemas administrativos

56,1

35,5

8,4

Os pais de alunos são bastante participativos e contribuem na gestão dos problemas cotidianos desta unidade educacional

18,8

70,3

10,9

Os que participam da gestão devem receber formação específica para esse fim

86,6

9,8

3,6

O trabalho coletivo é prejudicado pela falta de tempo

70,7

25,4

3,9

O desinteresse dos docentes pelo trabalho coletivo prejudica a gestão democrática da unidade educacional

58,8

35,6

5,6

O conselho escolar é bastante atuante e define, com a participação da maioria de seus membros, o orçamento da unidade educacional

50,5

35,0

14,5

Observa-se uma melhoria nas condições de trabalho nos últimos anos

57,2

32,8

10,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

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Tabela 2 - Percentual dos sujeitos docentes que concordam que o seu trabalho deve ser avaliado, segundo as instâncias avaliativas INSTÂNCIAS AVALIADORAS

CONCORDÂNCIA (%)

Ministério da Educação

61,8

Secretaria de Educação

63,3

Conselho de Educação

55,7

Conselhos Escolares

57,7

Direção/Administração

77,6

Supervisores/Coordenadores

79,9

Comissões Internas

67,3

Colegas/Pares

47,0

OBS: 92,5% dos docentes concordam que devem ser avaliados Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

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Capítulo 11

Políticas Educacionais e Gestão da Educação Básica sob a ótica docente

Luiz Fernandes Dourado

Introdução Este capítulo problematiza e analisa os indicadores sobre gestão educacional, especialmente discute dados resultantes de parte da pesquisa Trabalho docentes na Educação Básica no Brasil, em cooperação técnica com o Ministério da Educação - Secretaria de Educação Básica, envolvendo investigação simultânea em 07 Estados da federação. Trata-se de pesquisa abrangente cujo escopo base buscou analisar o trabalho docente realizado nas redes públicas de ensino, possibilitando ao leitor apreender a visão dos docentes sobre a sua profissão e condições de trabalho. Neste artigo buscar-se-á analisar alguns dos indicadores resultantes da pesquisa referentes a organização e gestão, a luz da literatura especializada na área com vistas a sinalizar políticas para a reorganização e fortalecimento da Educação Básica pública.

As políticas educacionais e a gestão da Educação Básica As análises sobre as políticas para a Educação Básica no Brasil, numa abordagem crítica, revelam um movimento de alterações na lógica de organização e gestão induzidas nos últimos anos. Nessa ótica, intensificam-se, nesse campo da educação, políticas direcionadas à superação do processo de focalização do Ensino Fundamental, adotado nos anos de 1990, por meio de ações e programas direcionados a toda a Educação Básica. Destacam-se, nesse processo, mudanças nas políticas de financiamento, gestão e valorização dos profissionais da educação

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num panorama marcado por profundas desigualdades regionais e intrarregionais (MEC, 2010), resultantes de um contexto societário desigual e combinado (Dourado, 2009a). Nesse cenário, é fundamental considerar as lacunas históricas no tocante a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados (União, estados, distrito federal e municípios), a não efetivação de um sistema nacional de educação, as diferenças entre as redes de ensino e seus processos de organização e de gestão, bem como o cenário complexo no que diz respeito à valorização dos profissionais da educação num contexto de reduzida autonomia das instituições educativas e, paradoxalmente, de algumas injunções no sentido da democratização das relações no interior dessas instituições e dos processos de trabalho. É nesse contexto contraditório que se situam os processos de organização e gestão das unidades educativas, seus simulacros e potencialidades, cuja tradição histórica, em que pesem os avanços constitucionais relativos à Educação Básica, não se efetiva de modo orgânico no sentido de garantia de uma visão ampla da educação, entendida como um direito humano fundamental, um bem público e um dever do Estado, a ser garantida a todos/as, em todos os níveis, etapas e modalidades com qualidade. A discussão sobre as concepções de gestão e de organização da educação nacional se articula, portanto, às questões relativas à qualidade, ao financiamento, à avaliação, à regulação e à valorização dos profissionais da educação e, especialmente, no que diz respeito às formas de organização e gestão dos sistemas e das instituições educativas que o compõem, as diretrizes para a gestão democrática da educação e os mecanismos e processos de participação dela resultantes (Dourado, 2009; 2007). No tocante ao financiamento, é fundamental destacar que a aprovação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério (Fundeb), resultante de uma proposta governamental e da ampla participação da sociedade civil organizada, resultou em um maior comprometimento da União no apoio financeiro à Educação Básica. Necessário destacar, contudo, que esse fundo de natureza contábil apresenta limites, entre outros, nos coeficientes adotados para etapas e modalidades (Dourado; Amaral, 2011). O financiamento da Educação Básica impacta diretamente a situação e condição docente, sua atuação e inserção nas instituições educativas e seu papel na melhoria dos processos de organização e gestão na medida em que se prevê que, pelo menos, 60% dos recursos anuais do Fundeb

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devem ser destinados à remuneração dos profissionais do magistério em efetivo exercício na Educação Básica da rede pública e, como decorrência, a criação de planos de carreira para os professores e a fixação de um piso salarial nacional.

A gestão na/da Educação Básica: indicadores e concepções Apesar dos esforços em prol de avanços nos processos de gestão e de financiamento da Educação Básica, muitos desafios se colocam às políticas para esse nível educacional, incluindo, nesse contexto, a efetivação de políticas de valorização dos profissionais da educação pelo conjunto dos sistemas de ensino. As questões relativas à formação, ao salário, à carreira, entre outras, têm resultando em greves dos docentes em várias unidades da federação. A pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” contribui para a compreensão desse cenário à medida que vai deslindando um quadro emblemático da situação e condições de trabalho dessa categoria, a partir de levantamento feito, sinalizando inúmeras questões relacionadas aos docentes e outros sujeitos que participam do fazer pedagógico, suas atividades e as condições nas quais as exercem. Neste artigo, abordarmos as questões relativas à organização e gestão da unidade educacional envolvendo a visão dos docentes sobre o trabalho coletivo, a elaboração do projeto pedagógico, a gestão e papel da liderança, o financiamento e a questão das condições de trabalho, a gestão e questões administrativas, a participação dos pais, a especificidade da gestão e da formação, a questão do tempo e o trabalho coletivo e gestão democrática, o conselho escolar e avaliação do docente. Temos como pressuposto, em nossa análise, que a gestão não se dissocia dos marcos do financiamento e, portanto, das condições objetivas em que se desdobram o trabalho pedagógico. A Educação Básica brasileira, em suas etapas e modalidades, apresenta um processo de efetiva participação do setor público, sobretudo no Ensino Fundamental e Médio. Segundo os dados do Censo 2011 (Inep), na educação básica estão matriculados 50.972.619 alunos, sendo 43.053.942 (84,5%) em escolas públicas e 7.918.677 (15,5%) em escolas da rede privada. O setor privado tem participação reduzida se comparado a sua expressiva participação desse segmento na Educação Superior brasileira, que responde por 74% das matrículas.

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No setor público, segundo dados do Censo 2011, as redes públicas municipais e estaduais respondem por 84% das matrículas. As redes municipais são responsáveis pela matrícula de 23.313.980 alunos (45,7%) e a rede estadual atende 19.483.910 estudantes (38,2%). A participação da União na oferta de Educação Básica é residual à medida que a rede federal conta com apenas 257.052 matrículas, ou seja, responde por apenas 0,5% do total de matrículas na EB. Esses indicadores revelam que qualquer esforço de expansão da educação implica novos aportes no financiamento e gestão da EB e na efetiva regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados. Esses indicadores revelam, portanto, o grande esforço a ser feito pelo Estado brasileiro no sentido de se garantir a expansão e universalização da educação obrigatória de 04 a 17 anos até 2016, resultante da aprovação da EC59/09, sobretudo, se considerarmos que, ainda segundo os dados do Censo 2011, os estados e municípios têm tido a centralidade na oferta das matrículas a essa faixa etária com enormes desafios no tocante à expansão da Educação Infantil e do Ensino Médio, bem como a superação da distorção idade-série e evasão em toda EB. A avaliação de políticas públicas, segundo Dourado (2006), tem se constituído em um grande desafio para a área educacional, seja em função dos limites teóricos e metodológicos subjacentes ao seu grau de complexidade, pelo envolvimento de diferentes atores, ou pelo seu desdobramento abrangente, envolvendo questões que transcendem o escopo da área educacional. A avaliação de políticas educacionais pode se efetivar por vários ângulos, concepções e perspectivas, que requerem uma análise contextualizada dos complexos contornos políticos que a engendram, uma vez que ela se apresenta por meio da tensão salutar entre a dimensão técnica e política, cujos horizontes teórico-ideológicos e políticos a traduzem como uma política de governo e/ou de Estado. Isso implica reconhecer que, aliado à adoção de políticas expansionistas da EB, faz-se necessário ações direcionadas à valorização dos profissionais da educação. Na tradição histórica brasileira, as análises indicam que as políticas educacionais têm sido marcadas hegemonicamente por carência de planejamento de longo prazo e por políticas de governo, em detrimento da construção coletiva, pela sociedade brasileira, de políticas de Estado (Dourado, 2011). Dourado (2010) afirma que nesse cenário, marcado por desigualdades sociopolítico-culturais e econômicas, alguns avanços na democratização das políticas educacionais têm sido propostos e, em alguns casos,

288


efetivados, ainda que tais políticas não sejam resultantes da efetivação do Plano Nacional de Educação (PNE) como política de Estado e base para os processos de planejamento e gestão da educação nacional. Tal perspectiva alerta-nos para a complexa relação entre proposição e materialização de políticas, seus limites e possibilidades históricas, bem como para a necessária efetivação de políticas de Estado que traduzam a participação ampla da sociedade brasileira. Portanto, a avaliação na arena educacional deve considerar as condições sócio-político e culturais, a legislação (regulamentação), o quadro complexo e desigual em que se efetivam as políticas e, ainda, as diferentes formas de regulação que interferem na materialização das políticas e que resultam da ação de vários atores institucionais ou não (professores, estudantes, pais, gestores, sindicatos etc.). Todos esses desafios se articulam ao processo de gestão da Educação Básica. No contexto nacional, a discussão sobre a gestão da Educação Básica se apresenta a partir de várias proposições, bem como concepções e cenários complexos, articulados aos sistemas de ensino. Nessa direção, é fundamental situar os eixos que permeiam a presente análise sobre gestão, no tocante à concepção de educação, formação e financiamento da educação. A concepção de educação é entendida como prática social, portanto, constitutiva e constituinte das relações sociais mais amplas, a partir de embates e processos em disputa que traduzem distintas concepções de homem, mundo e sociedade. Assim, segundo Dourado (2008) a educação é um processo amplo de socialização da cultura historicamente produzida pelo homem e a escola como lócus privilegiado de produção e apropriação do saber, cujas políticas, gestão e processos se organizam, coletivamente ou não, em prol dos objetivos de formação. Sendo assim, políticas educacionais efetivamente implicam o envolvimento e o comprometimento de diferentes atores, incluindo gestores e professores vinculados aos diferentes sistemas de ensino. Assim, segundo este autor, a gestão educacional tem natureza e características próprias, ou seja, tem escopo mais amplo do que a mera aplicação dos métodos, técnicas e princípios da administração empresarial, devido à sua especificidade e aos fins a serem alcançados. Ou seja, a instituição educativa, entendida como instituição social, tem sua lógica organizativa e suas finalidades demarcadas pelos fins político-pedagógicos que extrapolam o horizonte custo-benefício stricto sensu. Isso tem impacto direto no que se entende por planejamento e desenvolvimento da educação e da escola e, nessa perspectiva, implica em um aprofun-

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damento sobre a natureza das instituições educativas e suas finalidades, bem como as prioridades institucionais, os processos de participação e decisão, em âmbito nacional, nos sistemas de ensino e nas instituições educativas em todas as etapas e modalidades da Educação Básica. Algumas dessas questões foram abordadas pela pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” e oferecem indicadores para refletirmos sobre esses processos sobre a ótica docente. Merece ser destacado que a “pesquisa teve como objetivo analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza o trabalho nas escolas de Educação Básica da rede pública e conveniada, tendo como finalidade subsidiar a elaboração de políticas públicas no Brasil. Investigou em que medida as mudanças trazidas pela nova regulação educativa impactam na constituição das identidades e dos perfis dos profissionais de Educação Básica, identificando estratégias desenvolvidas pelos docentes para responder a novas exigências. Buscou ainda conhecer e analisar as mudanças promovidas pelas recentes políticas públicas para a Educação Básica no que se refere à organização e gestão escolar e suas consequências para a formação e a carreira docente, observando ainda seus efeitos sobre a saúde dos docentes.” (Oliveira; Vieira, 2010: 10). A referida pesquisa traça, portanto, uma visão dos docentes e seus processos de trabalho incluindo aspectos relacionados à organização e à gestão que serão aqui analisados. Nesse sentido, pode se depreender a profissão docente como categoria sociológica que é histórica e não homogênea (Morgenstern, 2010: 29) o que, certamente, tem grande impacto nas análises e na necessária problematização dos indicadores. Na pesquisa, o desenvolvimento de trabalho coletivo dos professores no planejamento dos trabalhos traz uma importante dimensão da gestão adjetivada como democrática, o que encontra ressonância na visão dos docentes, pois 71,6% destes concordam com essa afirmação. No entanto, a efetivação do trabalho coletivo, segundo esses profissionais, é prejudicada pela falta de tempo (70,7%) e também pelo desinteresse profissional (58,8%), o que pode comprometer o processo de gestão democrática. Esses dados revelam que o docente tem consciência da importância do trabalho coletivo para a gestão democrática e que as suas condições objetivas de trabalho interferem na efetivação desse pressuposto. Nesse sentido, vai se deslindando a articulação das condições de valorização desses profissionais, tais como planos de cargos e salários, compromisso com processos participativos e coletivos como bases fundamentais aos processos de democratização da gestão.

290


A centralidade conferida à identificação da gestão com o gestor/ diretor pelos professores é uma realidade. O diretor é entendido como uma liderança sobre o coletivo da instituição educativa para 67,3% dos respondentes. Esse dado, se articulado com as formas de provimento ao cargo do diretor, poderia fornecer outros elementos para a análise a ser objeto de investigação futura. As condições objetivas de trabalho, consideradas inadequadas por 68,2% dos docentes, que envolvem vários insumos incluindo, entre outras, infraestrutura, relação aluno/professor, planos de carreira e salário se relacionam, diretamente, às políticas de financiamento da Educação Básica. Esse indicador revela a necessária articulação entre o financiamento e os processos de gestão, incluindo nesse contexto as condições de trabalho como variáveis que interferem e que devem ser consideradas nas políticas para a EB. Segundo os docentes, a centralidade conferida à gestão e às questões administrativas pela direção é presente na maioria das unidades educacionais (56,1%). Esse dado é revelador de uma lógica de ação do gestor marcada pela priorização das questões administrativas podendo indicar, também, que o gestor assume muitos encargos externos da unidade escolar e/ou tem grande parte de seu tempo absorvido pelas questões administrativas em detrimento de acompanhamento das questões pedagógicas. Um detalhamento do que constitui as tarefas cotidianas dos diretores das unidades educacionais, em investigação futura, poderá auxiliar no delineamento das ações mais usuais destes profissionais e das concepções de gestão que as informam. A participação da comunidade local e escolar tem sido uma das questões presentes no debate sobre a democratização da organização e gestão da escola (Dourado, 2009). Alguns atores têm sido objeto de investigação destacando-se, entre outros, a participação de pais, estudantes e profissionais. Nesse sentido, a pesquisa traz alguns indicadores interessantes que traduzem a visão do docente, ao destacar a baixa participação dos pais na unidade educacional (18,8%) e, ao mesmo tempo, enfatiza a necessidade de formação específica desse segmento para a participação qualificada nos processos de gestão (86,6%). Esses dados sinalizam que o processo de gestão conta com uma pequena participação e, ao mesmo tempo, retrata uma visão restrita de formação e de gestão do profissional da educação. Assim, ao centrar na formação como base para a qualificação, negligencia, entre outros, o papel formativo dos processos de participação nas diferentes instâncias e espaços das instituições educativas que tem sido ratificado por deli-

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berações diversas, incluindo as deliberações da Conferência Nacional de Educação (Conae) (MEC, 2010). No que diz respeito aos mecanismos de participação nas unidades educativas, é importante destacar, na literatura especializada, a importância de órgãos colegiados, grêmios estudantis, eleição para dirigentes no processo de democratização da gestão. A pesquisa, nesse sentido, abordou apenas o conselho escolar questionando sobre a atuação deste com especial realce à participação da maioria nas questões direcionadas ao orçamento da unidade educacional. Trata-se de uma questão importante e que retrata a centralização das discussões relativas a esse item, ainda que 50,5% dos respondentes concordem que a participação da maioria dos membros do conselho ocorra. Nesse quesito cabe alguns questionamentos e sinalizações para as futuras investigações envolvendo a composição do conselho escolar, as formas de escolha dos segmentos, atribuições, bem como a organização da escola e sua vinculação a programas de fomento tais como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), cuja lógica tem impulsionado a criação das Unidades Executoras, entidades privadas que, em muitos casos, funciona dissociada do conselho escolar (Adrião; Peroni. 2005). Outro aspecto fundamental da gestão é a centralidade conferida à avaliação dos profissionais da educação. Nesse contexto, a avaliação dos docentes tem assumido uma grande centralidade nas últimas décadas e se intensificado no cotidiano das instituições educacionais por meio de variados instrumentos e mecanismos, o que é revelador de novas regulações educativas (Dourado, 2009a) para o trabalho docente e, ao mesmo tempo, de diversas formas de resistência e atuação (Oliveira, 2010: 72-78). A respeito da avaliação e da centralidade conferida a ela, a pesquisa foi bastante abrangente, permitindo alguns achados importantes: 1) Os docentes são majoritariamente favoráveis à avaliação do seu trabalho (92,5%); 2) Os docentes entendem, em sua maioria, que o conselho de educação deve avaliar o trabalho do profissional (55,7%), bem como os conselhos escolares (57,7%) e, sobretudo, a administração/direção da unidade educacional (77,6%). Tais sinalizações revelam a internalização dos processos avaliativos pelos docentes. 3) Com relação à avaliação pelos colegas/pares, 48,9% dos docentes são contrários e 47% são favoráveis, o que indica um impasse com relação a essa dinâmica de avaliação envolvendo os pares;

292


4) Para 56,6% dos docentes, os pais dos alunos devem avaliar o seu trabalho e 64,8% destes entendem que os alunos também devem avaliar esse trabalho. Esses dados podem sinalizar um credenciamento desses segmentos para o processo avaliativo docente, o que constitui em uma inovação nos processos de avaliação atualmente realizados; 5) Para 53,3% dos docentes, os inspetores escolares não devem avaliá-los. Ao mesmo tempo, estes profissionais compreendem que essa tarefa cabe aos supervisores/coordenadores escolares (79,9%) e às Comissões nas unidades educacionais criadas para este fim (67,3%), às secretarias de educação (63,3%) e ao ministério da educação (61,8%). Esses dados são reveladores de mudanças nos sistemas de ensino e nas IES com relação à formação de especialistas, bem como na supressão de alguns cargos ou postos de trabalho (por exemplo, os supervisores e os inspetores escolares) ou admissão de novos profissionais (por exemplo, os coordenadores). De qualquer maneira, a lógica da avaliação foi assimilada envolvendo tanto a comunidade escolar como a avaliação externa pelos órgãos governamentais. Todos esses indicadores revelam que a avaliação do docente já foi assimilada e internalizada pela categoria pesquisada. Essa constatação sinaliza alguns elementos para se repensar os processos avaliativos destacando, especialmente, a necessária articulação entre diferentes atores (direção, pais, estudantes supervisores/coordenadores, comissões criadas para este fim, secretarias de educação e ministério). Ou seja, um processo avaliativo, segundo a ótica docente, deve envolver a articulação da unidade escolar e dos órgãos governamentais (ministério, sistemas e secretarias). Uma investigação futura poderá identificar quais são as concepções de avaliação norteiam o imaginário docente e quais são as avaliações vivenciadas por estes profissionais.

Considerações finais: políticas para a reorganização e fortalecimento da Educação Básica pública A existência de formas de organização da política educacional, marcadas por continuidade/descontinuidade/continuidade, em detrimento da efetivação de um sistema nacional de educação, objeto de reivindicações de diferentes atores, institucionais ou não, e de deliberações da Conferência Nacional de Educação (MEC, 2010), ensejam novos ajustes nas políticas e ações envolvendo o papel da união na coordenação das

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políticas nacionais para a educação, bem como a regulamentação do regime de colaboração de modo a garantir dinâmicas e processos articulados envolvendo os diferentes entes federados na avaliação, definição e garantia de oferta de Educação Básica de qualidade. Tais questões ensejam políticas mais articuladas para os profissionais da educação. Nesse cenário, a articulação e a rediscussão de diferentes concepções de organização e gestão educacional, devem ter como eixo uma concepção ampla de gestão que considere a centralidade das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos das escolas, bem como a implementação de processos de participação e decisão nessas instâncias, balizados pelo resgate do direito social à educação e à escola, pela implementação da autonomia nesses espaços sociais e, ainda, pela efetiva articulação com os projetos de gestão do MEC, das secretarias, com os projetos político-pedagógicos das escolas e com o amplo envolvimento da sociedade civil organizada e dos profissionais da educação. Nesse contexto, situa a valorização dos profissionais da educação envolvendo questões relativas à gestão, ao financiamento e à avaliação. A avaliação dos docentes assume importante papel e deve ser repensada e articulada à valorização desses profissionais. Uma concepção ampla de gestão e avaliação deve se articular com a melhoria das condições objetivas de trabalho dos profissionais da educação de modo que estes possam recriar seus processos de trabalho por meio do exercício do trabalho coletivo, pela participação e fortalecimento dos órgãos colegiados na instituição educativa (conselhos e colegiados escolares), bem como no apoio e efetiva participação, articulado aos demais segmentos, a outros mecanismos de democratização da escola de modo a recriar os processos avaliativos por meio do desenvolvimento institucional e pela contraposição à lógica vigente das políticas hegemônicas, que enfatizam a meritocracia. Avançar na investigação sobre essa temática permitirá, certamente, uma maior aproximação das concepções que norteiam o pensar e o fazer político pedagógico dos docentes. Assim, a pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” abordou importantes questões indo desde o perfil socioeconômico e cultural dos docentes em exercício na Educação Básica no Brasil, a divisão técnica do trabalho na escola, as condições de trabalho dos docentes, as formas de contratação, as condições salariais e de carreira, as necessidades de formação dos professores, bem como, os processos de organização e gestão. Avançar nessa perspectiva investigativa faz-se necessário, pois as análises aqui desenvolvidas ratificam que a proble-

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matização das condições de formação e profissionalização docentes se coloca como questão interligada à gestão educacional e, nesse sentido, deve considerar os diferentes fatores que interferem na atuação dos profissionais da educação, bem como possibilitar o acesso a processos formativos que se estruturem por meio de uma base sólida de formação, bem como garantir as condições objetivas para o exercício profissional (carreira atraente, salários, dedicação exclusiva à unidade educativa, avaliação envolvendo os diferentes sujeitos, tempo para estudo, preparação de atividades e trabalho coletivo, participação nos diferentes mecanismos e processos de democratização da gestão e dos processos pedagógicos, entre outros). Ou seja, os processos de organização e gestão se vinculam, portanto, às políticas de valorização dos profissionais da educação, requerendo a articulação entre as políticas educacionais, as condições objetivas de trabalho e as concepções de formação e gestão democrática enquanto processos de construção coletiva. Implica, também, resgatar as experiências implementadas por estados e municípios como passos importantes no fortalecimento das ações e políticas, em apoio à democratização dos processos de organização, gestão educacional e escolar. Nesse sentido se situam também as ações voltadas à organização da educação nacional, cujo norte político-pedagógico, no campo e na cidade, deve considerar a riqueza e a diversidade de experiências e as condições e especificidades com as quais se realizam processos formativos para professores e estudantes, considerando a garantia de parâmetros de qualidade e indicando alternativas e perspectivas pedagógicas centradas em uma sólida concepção de educação, escola, cultura, avaliação e gestão educacional. Ao mesmo tempo, deve-se considerar o papel basilar das políticas de financiamento e de regulação da educação, uma vez que os processos de gestão educacional e escolar são fortemente induzidos pela lógica decorrente do financiamento adotado, resultante da caracterização do Estado e da articulação entre as esferas pública e privada. Tais indicadores situam a gestão educacional e a qualidade da educação é margeada por fatores intra e extraescolares (Dourado; Oliveira, 2009). Assim, a democratização dos processos de organização e gestão deve considerar as especificidades dos sistemas de ensino, bem como os graus progressivos de autonomia das unidades escolares a eles vinculados, e buscar a participação da sociedade civil organizada, especialmente o envolvimento de profissionais da educação, estudantes e pais. É importante salientar que a centralidade política da ação do poder público no financiamento e na expansão da Educação Básica obrigatória

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não deve negligenciar a necessidade de esforços efetivos visando garantir a expansão da Educação Infantil (0-3 anos), EJA e demais modalidades, bem como da Educação Superior pelo setor público, além da importância de identificação das concepções de qualidade que as informa. Nesta ótica, as propostas de revitalização do sistema público de Educação Básica implicam em ajustes estruturais na proposição de políticas, na lógica de organização, gestão e no padrão de avaliação financiamento da Educação Básica, bem como no aperfeiçoamento dos mecanismos de gestão democrática. Outro princípio fundamental se refere à garantia de mecanismos que possibilitem a efetivação do caráter da autonomia das instituições educativas e, ao mesmo, a instituição de um sistema nacional de educação e a efetiva regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados.

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Capítulo 12

Resistência e Organização sindical dos docentes da Educação Básica no Brasil

Savana Diniz Gomes Melo Maria Helena Augusto

Introdução Este capítulo se dedica a expor e analisar os resultados nacionais da “Pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” (TDEBB) sobre o tema da resistência e organização política e sindical, que são tratados em algumas questões do survey1. Os dados quantitativos são discutidos à luz das informações obtidas nos relatórios documentais de cada estado pesquisado e na literatura da área. Conclui-se que há duas dimensões da resistência que se expressam simultaneamente no trabalho docente. Uma delas é implícita ao trabalho docente cotidiano e se manifesta de distintas formas nos locais de trabalho. A segunda é explícita, coletiva, e se expressa, sobretudo, pela via sindical, ainda que se verifique, nessa via, uma grande heterogeneidade e fragmentação. Os novos formatos da organização escolar e da organização do trabalho escolar advindos das políticas educativas em curso nas últimas décadas têm apresentado novas limitações para a ação política sindical dos docentes. Por outro lado, as políticas vigentes têm também implicado novas e complexas dificuldades para as direções sindicais defenderem e extrapolarem os interesses corporativos de suas bases. Esse distanciamento recíproco entre direção e trabalhadores tem propiciado uma maior vulnerabilidade dos docentes e suas organizações ante as medidas que sustentam e ampliam a desvalorização do magistério e consolidam

1

Cf. OLIVEIRA & VIEIRA (2010).

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uma nova forma de regulação educacional. Ainda assim, a filiação e a participação dos docentes nas ações sindicais seguem sendo expressivas, o que pode significar que as organizações sindicais, em geral, ainda mantêm credibilidade e potencial aglutinador frente aos seus representados. Espera-se que o debate aqui iniciado possa ser complementado e/ou confrontado com outros recortes temáticos realizados sobre a pesquisa e com interlocutores desafiados e/ou instigados a enfrentá-lo. Convém esclarecer que, na pesquisa em tela, partiu-se do pressuposto de que o trabalho docente não pode ser considerado fora das relações sociais de produção do mundo capitalista. O seu fim último é contribuir ou promover a emancipação humana, através de um processo formativo em suas diferentes dimensões. O trabalhador docente está inserido como trabalhador assalariado, em sua totalidade, e não possui controle total do processo de trabalho. É por meio da instituição escolar, onde exerce seu trabalho, que ele se constitui como trabalhador docente, sendo, em muitas situações, flexibilizada a sua forma de contratação. A instrumentalização da razão institucional (escolar/acadêmica) acaba por interferir diretamente na organização do trabalho docente, tanto em relação aos novos marcos regulatórios emergentes nesse contexto, como à intensificação e visível precarização das condições, com base nas quais o trabalho é realizado, ou ainda, em relação ao nível de sindicalização, de resistência e de efetiva militância política e sindical. As consequências são diversas e se expressam de diferentes formas. Somente quando se identifica como trabalhador coletivo o trabalhador docente pode perceber que o conhecimento é apenas uma das ferramentas ou instrumentos necessários ao seu trabalho. Como resultado, as formas de organização e resistência desses trabalhadores, seus respectivos métodos de atuação sindical e os conteúdos dessa atuação adquirem papel relevante no contexto social mais amplo no qual se realiza o trabalho docente. Posto isso, aclara-se que, neste capítulo, foram realizados recortes precisos sobre as questões que tratam da resistência e da organização sindical dos docentes do país, procurando-se promover alguns cruzamentos de dados que permitam articular algumas ideias preliminares sobre o tema. Nesse texto, são apresentados, primeiramente os aportes teóricos sobre resistência e organização sindical docente que deram sustentação às análises. Em seguida se apresentam algumas ideias sobre o movimento sindical no Brasil com base na produção acadêmica e nos dados do relatório documental, realizado nos sete estados brasileiros pesquisados. O terceiro tópico se dedica a apresentar os dados do survey da pesqui-

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sa TDEBB, abordando, inicialmente, a participação político-sindical e, finalmente, a resistência dos docentes.

Aportes teóricos sobre resistência e organização sindical docente A resistência docente é compreendida como situada no amplo espectro do conflito social, entendido como conflito entre capital e trabalho. O conflito se manifesta de diferentes formas, nos diversos momentos e espaços da vida social, em todas as instituições da sociedade, fazendo-se também presente na educação e, por conseguinte, na escola e no trabalho docente, seja ele exercido no setor público ou privado. Para abarcar sua acepção é preciso compreender a escola como local de trabalho e o docente como trabalhador, desvelando o falseamento contido nas ideias da carreira – vocação, amor, dedicação, doação, abnegação e sacerdócio – supostamente próprios do magistério, e cujas origens, ancoradas em passados remotos, encobrem as condições concretas, as relações sociais de produção nas quais se assenta o trabalho docente. Há modos variados dos trabalhadores enfrentarem as dificuldades diárias em seu trabalho. Essas formas de enfrentamento se constituem na luta dos trabalhadores contra as precariedades das condições de trabalho, a desvalorização a que são submetidos, a intensificação do trabalho, a alienação etc. Parte-se do pressuposto que em sociedades organizadas sobre a forma capitalista o trabalho não ocorre sem luta. Esta é inerente à sociedade e nela se manifesta ininterruptamente, em múltiplas formas. Em última análise, os trabalhadores procuram, através de ações diversificadas, direta ou indiretamente, escapar da alienação e do controle que lhes é imposto, da dominação e da exploração. O conceito de trabalhador não de refere estritamente ao trabalhador com vínculo formal de emprego, ou àquele envolvido no trabalho industrial. Não envolve somente o trabalhador produtivo ou no que se poderia se chamar de trabalho produtivo, mas engloba todos aqueles que, para sobreviver nessa sociedade, tem que vender a um empregador a sua força de trabalho física ou mental (Paro, 2002). Portanto, o conceito de trabalhador engloba os docentes e todas as demais categorias que atuam no ensino, seja no setor privado ou público. A história já registrou várias ações diferentes pelo mundo. No Brasil, a Greve do Zelo dos metalúrgicos, a “operação linguição” ou “tartaruga”

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dos motoristas de ônibus, a greve da amnésia, as casas coloridas do Banco Nacional da Habitação, a destruição de artefatos do trabalho e de símbolos da submissão; as grandes greves por salário e jornada de trabalho são também exemplares desse tipo de ação. Muitos autores2 denominam tais ações como manifestações de conflito e de resistência e afirmam que estes se fazem presentes em sociedades divididas em classes sociais. Os trabalhadores as (re) inventam. No campo da educação não é diferente. A educação está situada no contexto desse conflito social e é dele parte integrante. A escola, pública ou privada, não se exime desse processo. Ela está sujeita às forças conflitantes que exercem influência sobre seu controle, objetivo e funcionamento. Aliás, pode-se considerar a escola um local propício às manifestações de luta, tanto por ser um local de trabalho, como pela própria natureza da atividade de ensino, em que se presenciam práticas marcadas por fatores históricos, culturais, sociais, institucionais, trabalhistas, entre outros. Trata-se de um trabalho relacional, que pode ter consequências importantes na vida das pessoas. O ensino é dual, sendo, ao mesmo tempo, espaço de liberação e reprodução e legitimação social. A contradição do ensino é também contradição dos docentes (Popkewitz, 1997). A escola como instituição estatal e como local de trabalho é suscetível às reivindicações políticas e se caracteriza por relações de produção capitalistas. Constitui-se como espaço de conflito e resistência, cujas manifestações ocorrem em proporções semelhantes a outros locais de trabalho. Os docentes são responsáveis pela implementação das leis de educação e das políticas da escola, mas não participam de sua formulação e avaliação. Tanto o processo como os resultados de suas atividades são controlados por forças externas. Os professores são submetidos a um processo de alienação, tanto quanto outros trabalhadores. E lutam contra essa alienação. Em suas lutas cotidianas surgem elementos embrionários, capazes de gerar uma nova forma de organização social, um novo comportamento, uma nova mentalidade humana. Afinal, o que vem a ser resistência? Como se manifesta e por que ocorre? Para Chauí (1986: 63), tanto pode ser difusa, como na irreverência do humor anônimo que percorre ruas, os ditos populares, os “grafites” espalhados pelos muros das cidades, como localizada em ações coletivas e grupais – ações deliberadas de resistência. As relações sociais, próprias do autoritarismo da sociedade brasileira, forçam os indivíduos em direção aos sistemas de favor e tutela e 2

Cf. Uma síntese de diferentes perspectivas é apresentada por Melo (2009).

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suscitam práticas para escapar das patronagens. Chaui (1986) considera que, por esse motivo, e porque o espaço público é tratado como espaço privado dos dominantes, que não há cidadania no país, embora haja os movimentos sociais e populares para alcançá-la. A dimensão trágica da consciência diz ‘não’, e a prática popular toma a forma de resistência, e introduz a desordem na ordem, abre brechas, caminha pelos interstícios da sociedade brasileira. Surge uma outra lógica, que navega contra a corrente, diz ‘não’, e recusa a ideia de que a única história possível seja concebida pelos dominantes, românticos e ilustrados. (Chaui, 1986: 65)

Castoriadis (1985) considera que a classe operária está em luta constante para superar as contradições. Identifica duas formas de luta: a explícita, que se refere à sua organização e ação explícita em sindicatos, partidos, greves; a implícita, compreendida como um processo permanente de ação e organização no cotidiano do local de trabalho, mas sendo o reverso do trabalho que ali ocorre. A análise da resistência e do conflito entre classes exige a compreensão da relação capital e trabalho, que se apresenta como oposição e contradição entre elas. O desequilíbrio na distribuição em favor de uma delas, e em detrimento da satisfação das necessidades sociais básicas da outra, é que lhe dá origem. Bruno (1991) relata que a contradição entre a posição, e o que a mobiliza no processo de produção, determina o conflito. É a partir desse movimento de articulação entre as classes sociais que deve ser analisado o processo de trabalho. As resistências determinam as pressões exercidas pela classe dominante, ficando definida, assim, a luta de classes. As resistências existem, e se fazem presentes na área educacional, embora assumam características tais como: ausência de completa adesão, descrédito em alguns movimentos de luta, desarticulação, falta de integração da categoria como um todo. O elemento central da relação social é a ação dos trabalhadores e o campo da exploração nesse sistema, que se dá no processo de produção. A naturalização da exploração, uma vez que se está inserido no sistema, faz com que seja escamoteada a exploração. De qualquer forma, a relação é antagônica entre classes, e faz surgir o conflito, que dá lugar às resistências. Bernardo (1998) classifica as resistências em relação à participação dos trabalhadores e ao modo de ocorrência. Podem se constituir em uma combinação, em quatro possibilidades, em um arranjo de duas em duas: individuais passivas (alcoolismo, doenças, absenteísmo); individuais

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ativas (sabotagens, roubo); coletivas passivas (estado de greve, abaixo-assinados, redução de tempo de duração das aulas, greves-tartaruga); coletivas ativas (greve de fato, professores assumindo as escolas e as gerenciando, movimentos coletivos ativos de ocupação dos locais de trabalho). As formas de luta que ocasionam as resistências e que têm por objetivo diminuir a defasagem entre os dois polos antagônicos da relação podem fazer surgir, diante das manifestações dos trabalhadores, duas situações: repressão ou recuperação (Bernardo, 1991: 63-78). A repressão, conforme indica Bernardo (1998), na perspectiva do desenvolvimento capitalista, corresponde à estagnação e a recuperação ao progresso. Quanto maior for o componente de recuperação, mais rápido será o progresso. A recuperação consiste em aceitar as reivindicações, mas aumentar a complexidade do trabalho e diminuir o valor do produto, por meio de respostas que determinam o desenvolvimento da produtividade. Tais tendências às pressões dos trabalhadores pelo sistema capitalista não representam um recuo, mas o seu progresso. Aumenta-se o tempo de trabalho despendido durante o processo de produção e reduz-se o tempo de trabalho (mais-valia relativa). A essa conjunção entre a pressão dos trabalhadores e as respostas dos capitalistas, Bernardo (1991) denomina ciclos curtos de mais-valia relativa. O conflito capital/trabalho não é característico apenas do setor privado. Ele existe porque há a desigualdade no sistema econômico social. O conflito pode ocorrer também, como já mencionado, no setor público, em que as relações de trabalho e emprego se processam segundo formas capitalistas. No caso da educação, ocorre, segundo Santos (1992), uma dependência dos docentes em relação às instituições nas quais trabalham. De modo geral, eles não participam da elaboração das propostas políticas, como as normas que regulamentam o seu próprio trabalho. Essas medidas são, muitas vezes, concebidas em uma lógica meritocrática, competitiva, e regidas por razões economicistas, no sentido de enxugar despesas. Na atualidade tem ocorrido uma reestruturação do trabalho docente, ligando-o a resultados mensuráveis, associados à avaliação de desempenho. A forma de regulação do seu trabalho exerce efeito sobre a escola e sobrecarrega os professores. A própria organização do modo de trabalho não facilita a integração dos docentes como uma categoria profissional. As relações ocorrem apenas no sentido hierárquico, com a própria organização, e com o saber, o conteúdo do ensino. A própria forma como são constituídos os cargos, por conteúdos curriculares, não facilita a integração.

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Pasquino (1998) afirma haver diversos tipos de conflitos e também diversos níveis em que se pode situá-los. Os tipos de conflito se distinguem em função de determinadas características objetivas. São elas: i) as dimensões, o que se mede pelo número de participantes; ii) a intensidade, medida pelo grau de envolvimento dos participantes, na sua disponibilidade a resistir até o fim; iii) os objetivos, cuja distinção habitual, porém insuficiente aos olhos do autor, refere-se aos que almejam mudança no sistema e os que propõem mudanças do sistema. Outro aspecto importante levantado pelo autor refere-se à forma de manifestação dos conflitos. Segundo ele, a experiência mostra que o conflito nem sempre está em ato e não necessariamente se desenvolverá abertamente. Para que se verifique um conflito aberto e manifesto, é necessário que os trabalhadores tenham já constituído uma forma de organização, quer se trate de um grupo organizado estável ou de um grupo que apresente uma liderança natural carismática. Uma diferença básica entre conflitos organizados e não organizados apontada pelo autor reside no fato de que, nos primeiros, “a insatisfação poderá ser traduzida em objetivos reivindicáveis e negociáveis e poderá, portanto, ser composta” e, nos segundos, a situação de conflito “não desemboca em negociações.” (Paquino, 1998: 229). Contudo, as formas de conflito organizado não esgotam todas as manifestações conflitivas no trabalho, pois há manifestações que, frequentemente ambivalentes, são formas de conflito individual e não organizado, entre as quais se incluem a rotatividade, o absenteísmo, a sabotagem, a indisciplina e outros comportamentos rotulados como desafeição ao trabalho. Com base em conclusões de várias pesquisas, afirma parecer sustentável a tese de que os conflitos organizados e não organizados têm funções alternativas, intercambiáveis. Para exemplificar, Pasquino recorre aos estudos sobre uma empresa automobilística na qual se observou uma diminuição de greves e um aumento do absenteísmo, de rotatividade e de acidentes em lugares onde os líderes sindicais mais combativos se demitiram. O inverso também foi observado em outras pesquisas. Como se pode ver, o tema da resistência é intricado e essas referências se complementam tentando capturar a complexidade que o envolve. O que se pode depreender da análise feita sobre o trabalho docente na Educação Básica é que se trata de um trabalho precário. É precário, tanto o dos professores efetivos, como as demais formas de situação funcional (contratados temporários, celetistas), apesar de não se enquadrar totalmente em todas as categorias mencionadas pelos autores (Castel, 1998; Pochmann, 1999), porque as condições de trabalho são

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precárias e a remuneração da força de trabalho e os salários pagos aos professores não são condizentes ao desprendimento exigido pela função docente. O que é encontrado no cotidiano escolar, devido à precariedade das condições de trabalho e à consciência que os professores têm desta realidade, pode representar indicadores de intervenções necessárias à ruptura, por parte dos próprios professores, no que se refere aos fatores que os levam a essa situação. É à luz desse conjunto de referências aqui aportadas que se busca identificar e analisar a resistência e a organização dos docentes manifestas na pesquisa TDEBB, como estas se expressam no banco de dados da pesquisa, o que se abordará no próximo tópico.

Movimento sindical docente no Brasil Diferentemente das associações profissionais que são de pertencimento obrigatório para o exercício de uma atividade, as associações sindicais são de pertencimento optativo e nascem com a intenção de obter forças, pela reunião de seus membros, contra os empregadores. O movimento sindical em geral, portanto, como movimento generalizado, é fruto do crescimento do trabalho assalariado capitalista e pode ser compreendido como o mais antigo e significativo movimento social das sociedades capitalistas. Os movimentos de professores, por sua vez, surgem com o crescimento dos sistemas nacionais de educação no princípio do século XX e, desde então, vêm crescendo e se complexificando. Já é notório que os docentes detêm uma capacidade mobilizatória difícil de ser encontrada em outros grupos profissionais (Tenti Fanfani, 1998). Esse fato tem despertado o interesse de estudo de áreas como a sociologia do trabalho, história, economia, entre outras. Na América Latina, os movimentos docentes tem uma história desigual, mas de acordo com Tiramontti (2001), é possível identificar elementos comuns. Esses movimentos se transformaram em sindicatos na primeira metade do século XX, primeiramente no Chile (1903), depois na Argentina (1917) e no México (1920). Somente nas décadas de 1960 a 1970 surgiram associações de professores em outros países dessa região, como no Brasil (1960), na República Dominicana (1961) e em El Salvador (1968). A partir dos anos de 1950, os movimentos de professores se transformaram em organizações sindicais e se articularam

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de modo bastante intricado com as instituições e práticas do poder. Nesse período, ainda que os sindicatos tenham sido incorporados à malha de poder, a articulação entre eles adquiriu formas distintas nos vários países, em função da estrutura institucional de poder, das características das elites de governo e da cultura política dominante. Em muitos dos países, as fronteiras entre as lideranças de uma e outra organização são bastante mutáveis, havendo frequentes intercruzamentos entre as burocracias estatais e sindicais. Nos anos de 1990, período em que ocorreram as reformas dos sistemas educativos nacionais de diversos países da América Latina, as distintas modificações nos sistemas educacionais, nas escolas e no trabalho docente, implicaram em mudanças nos modos de articulação dessas associações com os atores e na reorganização do campo, estabelecendo novas condições e dificuldades para a ação coletiva. A grande heterogeneidade que caracteriza os quadros docentes (formação, jornada, salário, vínculo de trabalho, etapa ou nível de ensino, tipo de rede etc.), também aparece nas organizações sindicais que representam esses distintos quadros. No Brasil, essa heterogeneidade e fragmentação têm como um dos fatores geradores a histórica descentralização política e educacional, característica que, segundo Gindin (2009), distingue o país no contexto latino-americano. Outro elemento a ser considerado é modo como os sindicatos se articularam tradicionalmente com a estrutura de poder e seus referentes sociais – os professores. Isso condiciona claramente suas estratégias de atuação. Em que pesem as recentes transformações operadas nos sindicatos docentes, como de resto ocorre com os demais sindicatos de trabalhadores, que pode ser sintetizada em uma crise de representação, convém destacar a permanência no âmbito das ações do Estado, na sua condição de empregador, da tendência de limitação ao exercício da atividade sindical e não reconhecimento do direito de greve aos servidores públicos, apesar de ambos serem garantidos na Constituição Federal de 1998. Especialmente em relação às greves, não faltaram nos últimos anos, por parte dos governos, práticas de judicialização do conflito e adoção de medidas punitivas aos que participaram de movimentos grevistas e paralisações. Medidas de repressão de distintas formas foram utilizadas pelo poder público. O Estado colocou nas ruas policiais e tropas de choque com o intuito de fazer com que os manifestantes recuassem. Deve-se ressaltar também que não foi apenas a violência física que se fez presente nesses

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movimentos, já que professores sofrem com outros tipos de repressão, como as propagandas enganosas na mídia impressa e televisiva. Trata-se de clara demonstração de que o Estado não reconhece o servidor público como um sujeito detentor de direitos do trabalho e, igualmente, não mostra disposição para negociar, repassando para o poder policial e judiciário a responsabilidade que ele, como empregador e antagonista dos trabalhadores e dos sindicatos, deveria tomar.

Participação político-sindical e resistência dos docentes: dados do Survey da Pesquisa TDEBB O questionário/entrevista utilizado na pesquisa TDEBB foi composto por 85 questões. Sua grande abrangência resultou na composição de um vigoroso banco de dados que permite tratar dos dados globais do país, bem como desagregá-los por estados e municípios que compuseram a amostra, por redes de ensino, por etapas da educação básica, entre outras variáveis, com múltiplas possibilidades de tratamento. O tratamento dos temas da resistência e da organização político-sindical, embora não prioritário, constitui-se em um dos objetivos específicos da investigação3 e foi contemplado em um bloco de quatro questões, sendo duas delas dedicadas a mensurar a filiação, a participação nas ações do sindicato, a avaliação das ações do sindicato pelos docentes e uma a capturar as formas de manifestação dos docentes frente a medidas que interferem em seu trabalho. Os resultados desse bloco serão abordados nos próximos tópicos.

Filiação Na pesquisa TDEBB, dos 8.712 docentes entrevistados (casos válidos), 5.433 (62,4%) afirmaram não se vincularem a algum sindicato, e 3.279 (37,6%) afirmam possuir vínculo sindical. Essa taxa de filiação pode parecer baixa, mas algumas considerações indicam exatamente o contrário. Cf. Informações Gerais sobre a pesquisa TDEBB podem ser obtidas no sítio web http://trabalhodocente.net.br/pesquisa.php . 3

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Alguns autores4 argumentam que o poder sindical se mede mais pelo poder de iniciar ações coletivas, encerrá-las quando for o caso, ou impedir que ocorram sem o consentimento do sindicato do que pela capacidade de arregimentar filiados. Isso porque a filiação sindical não denota necessariamente uma disposição para a ação coletiva, que é, em última análise, a forma efetiva de exercício de poder por parte dos sindicatos. A filiação ao sindicato é, portanto, um dos indicativos utilizados para aferir a densidade e a representatividade sindical trabalhadores, mas, se tomado de forma isolada e descontextualizada, esse indicativo não só é insuficiente como pode induzir ao equívoco. Posto isso, há que se considerar que muitos fatores incidem sobre as taxas de filiação e que a sua análise deve se dar de forma articulada a outras variáveis. No Brasil, os trabalhadores não necessitam se filiar a sindicatos para terem acesso aos resultados de suas lutas, que são extensivos ao universo de sua representação. O sindicato único na base territorial é seu representante compulsório. Apenas os filiados votam em eleições sindicais, mas os que não são filiados participam, em geral ativamente, em medidas de força protagonizadas pelas organizações sindicais. A média de filiação sindical no Brasil gira em torno de 20%, taxa estável há anos, embora se observe uma reconfiguração interna de seus integrantes. Ante essa taxa geral, o resultado da filiação dos docentes na pesquisa TDEBB (37,6%) se apresenta muito mais expressivo. Contudo, é importante destacar que o conceito ampliado de docência, utilizado na pesquisa5, inclui respondentes que não são propriamente professores. Muitos deles possuem formação ou vínculo empregatício, como é o caso de estagiários e oficineiros, ou possuem vínculo fraco, como ocorre com os contratados por tempo determinado. Essa condição tende a dificultar a vinculação sindical. Por outro lado, a pesquisa contou exclusivamente com informantes em atividade, o que exclui os trabalhadores aposentados, geralmente computados nos números dos sindicatos. Como se sabe, na atualidade, os aposentados representam número significativo de filiados e, em alguns casos, alcançam maioria, com percentuais acima de 50% do total

Cf. Pizzorno, 1978; Tilly e Tilly, 1998; Cardoso, 1999. Na Pesquisa se considera “sujeito docente” os profissionais que desenvolvem algum tipo de atividade de ensino ou docência, sendo compreendidos pelos professores e por outros profissionais que exercem atividade de docência. Cf. sítio web http://trabalhodocente.net.br/relatorio_sinopse.pdf 4 5

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de filados a sindicatos. Trata-se de um contingente de filiados que vem sofrendo grandes perdas com as ultimas medidas dirigidas aos inativos. Outro fator a ser considerado é a precariedade salarial dos docentes da educação básica no Brasil, o que implica, em muitos casos, em uma baixa margem consignável nos vencimentos dos docentes, dificultando, ou mesmo inviabilizando, a contribuição sindical requerida, em geral em torno de 1% dos salários. Além disso, a contribuição que é operada pelo poder público é, em geral, submetida a trâmites burocráticos, que também dificultam ou inviabilizam a vinculação sindical. O quadro geral em que se inserem as organizações sindicais dos docentes no Brasil é caracterizado por uma grande heterogeneidade e fragmentação. Os sindicalizados estão distribuídos entre redes municipais e estaduais e uma pequena parcela se encontra em instituições privadas conveniadas. A maior presença de sindicalizados é verificada nas capitais. A organização dos docentes no interior é dificultada pela ausência de uma entidade sindical que os agregue e represente no próprio município. Há sindicatos estaduais e municipais de docentes ou trabalhadores da educação, mas existem, também, sindicatos dos servidores da Prefeitura (servidores gerais municipais) e sindicatos que englobam regiões dos estados, reunindo grupos de municípios. Essa situação, já bastante tratada na literatura da área, é confirmada na pesquisa documental da pesquisa TDEBB6. Podem ser citados vários sindicatos de abrangência estadual, representativos dos docentes investigados: Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte (SINTE-RN); Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SIND-UTE/MG); Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (SINTE-SC); Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Estado do Pará (SINTEPP); Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Espírito Santo (SINDIUPES), Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato). Em âmbito municipal verifica-se o Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Pública Municipal de Belo Horizonte (SINDREDE/BH), capital do estado de Minas Gerais. O survey da pesquisa TDEBB foi precedido por uma pesquisa documental realizada em todos os estados e municípios participantes, com o objetivo de retratar a política educacional em cada um desses locais, bem como de caracterizar suas redes de ensino. Um dos itens indicados para levantamento foi a organização sindical dos docentes. Contudo, ante as outras prioridades, esse tópico foi secundarizado na pesquisa documental e deixou lacunas em alguns dos estados e municípios pesquisados. 6

310


Em alguns dos municípios pesquisados se verificam seções locais do Sindicato Estadual, como é o caso da seção local do SINTEPP no Município de Curralinho, no Pará. Em muitos municípios, os docentes das redes municipais não possuem organização sindical própria e se integram à base de sindicatos do serviço público municipal, como o Sindicato do Servidor Público Municipal de Planaltina (SINDIPLAG), em Goiás; o Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (SINTRASEM), em Santa Catarina; e em Minas Gerais, que aparece com vários exemplos, encontra-se o Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Divinópolis e Região Centro-Oeste de MG (SINTRAM), uma entidade que representa servidores públicos municipais de Bambuí e de inúmeras outras cidades7; o Sindicato dos Trabalhadores Municipais de Formiga e Região (SINTRAMFOR), em Formiga; o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Paracatu (SINDSPAR) e o Sindicato dos Servidores Públicos de Raul Soares (SINDSRAUL). Registra-se ainda a existência de sindicatos de outras categorias mais amplas, que representam educadores infantis de creches conveniadas (com o poder público municipal), como é o caso do Sindicato dos Empregados em Entidades Culturais, Recreativas, de Assistência Social, de Orientação e Formação Profissional no Estado de Minas Gerais (SENALBA/MG). Como se vê, há uma grande variedade de entidades e cada uma delas possui uma história singular, estrutura e um rol de reivindicações próprias, entre outras características que dificultam a unidade dos docentes em suas lutas. Há que se destacar, ainda, a existência de uma maior dificuldade de ação dos sindicatos no interior, devido às pressões mais diretas dos governos locais. Além disso, os sindicatos são ainda tensionados por associações tradicionais que, não raro, ainda hoje disputam espaços de atuação e por novos atores que entram também em cena no cenário atual, trazendo novas tensões para os sindicatos, como São elas: Araújos, Arcos, Bambuí, Bom Despacho, Camacho, Candeias, Carmo da Mata, Carmo do Cajuru, Claúdio, Conceição do Pará, Córrego Dantas, Divinópolis, Doresópolis, Esmeraldas, Florestal, Formiga, Igarapé, Igaratinga, Iguatama, Itapecrica, Itatiaiuçú, Itaúna, Japaraíba, Lagoa da Prata, Leandro Ferreira, Luz, Marilândia, Mateus Leme, Moema, Nova Serrana, Oliveira, Onça do Pitangui, Pains, Pará de Minas, Pedra do Indaiá, Perdigão, Pequi, Pimenta, Pitangui, Piumhí, Santo Antônio do Monte, São Francisco de Paula, São Gonçalo do Pará, São José da Varginha, São Sebastião do Oeste e Tapiraí. 7

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é o caso daqueles que emergem como resultado do Sistema Nacional de Avaliação e objetivam realizar avaliações de desempenho dos docentes. Por fim, há que se considerar que há também dificuldades para a vinculação sindical que tem origem na forma como o trabalho docente se organiza nos locais de trabalho. A precarização e a intensificação do trabalho, entre outras consequências das políticas educacionais em curso, dão seu contributo deletério à organização coletiva dos docentes. Esse tema será retomado no próximo tópico.

Formas de participação Na pesquisa TDEBB, entre os docentes filiados a sindicatos, 2.144 afirmaram que participam das ações e tomadas de decisões sindicais, sendo predominante a participação esporádica, que contou com 1.405 das respostas (65,5%) contra 739 (34,5%) que afirmaram participar ativamente. Estes 2.144 filiados representam 24,5% do total dos docentes entrevistados. Os motivos da sindicalização e da participação não foram perguntados diretamente no questionário, mas há algumas hipóteses que podem ajudar a refletir e que devem ser confirmadas em estudos posteriores, entre as quais se podem destacar a falta de tempo dos professores ante a intensificação do trabalho a que estão submetidos; a ausência de formação política dos professores; a falta de credibilidade na ação política dos sindicatos; o distanciamento das direções e suas bases; as dificuldades com a burocracia dos sistemas de ensino, entre outros. São muitos os estudos que têm demonstrado a precarização e a intensificação do trabalho docente. A luta para aumentar os rendimentos e responder aos múltiplos requerimentos que são dirigidos a esses trabalhadores em sua jornada de trabalho e para além dela, tem implicado no exercício de atividades em mais de uma instituição escolar, trabalho em dois ou três turnos, e desenvolvimento de atividades laborais em seus tempos livres. Esse quadro não pode ter deixado de considerar a análise da participação político-sindical desses trabalhadores em seu cotidiano, contexto em que a pesquisa foi realizada. Afora isso, há que se considerar que em situações de conflito, como greves, a participação ativa extrapola os trabalhadores sindicalizados e alcança um universo muito maior da base representada pelo sindicato. Nesses momentos, verifica-se uma maior mobilização dos trabalhadores em torno de interesses comuns

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constantes da pauta de reivindicação, intensifica-se a comunicação entre direção e sindicato, os trabalhadores se apropriam de conhecimentos antes dispersos e ou inacessíveis, e, em geral, promove-se uma grande formação política, que pode vir a constituir em acúmulo de forças coletivas para lutas futuras, independentemente de filiação ao sindicato.

Filiação/Tipo de Participação/Escolaridade Ao cruzar a filiação sindical, tipo de participação e a escolaridade dos informantes, observa-se que, entre os que possuem pós-graduação (2.528 respondentes), a sindicalização é maior (2.009 respondentes), e também é maior o número de respondentes que afirma participar de forma ativa nas decisões do sindicato (472 dos entrevistados do total de 739 respondentes). Essa relação também é observada entre os que afirmam ter graduação (2.528 respondentes), porém com uma significativa queda em relação aos pós-graduados, com 900 respondentes sindicalizados. E a relação se repete entre os que afirmam possuir ensino médio, em que a participação ativa se apresenta com números ainda mais reduzidos (67 repostas) que os expressos entre os graduados. Pode-se inferir que a maior escolaridade do docente guarda relação positiva tanto com a filiação sindical como com a participação ativa nas decisões e ações sindicais. Tal correlação dá indícios e pode ser analisada à luz da concepção que considera o direito à educação como deflagrador e estimulador da tomada de consciência e reivindicação de outros direitos (sociais, políticos, trabalhistas).

Filiação/Tipo de Participação/Salário Ao cruzar a filiação sindical, tipo de participação e o salário dos informantes, observa-se que, à medida que aumenta o salário, cresce o percentual de sindicalizados que participa das ações do sindicato e de participação ativa. Pode-se inferir que o maior salário do docente guarda relação positiva tanto com a filiação sindical como com a participação ativa nas decisões e ações sindicais, conforme a tabela 1, a seguir.

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68,7% 58,7% 54,9% 50,5% 53,6% 50,3% 47,1%

Mais de 1 SM a 2 SM (de R$ 465,01 a R$ 930,00)

Mais de 2 SM a 3 SM (de R$ 930,01 a R$ 1.395,00)

Mais de 3 SM a 4 SM (de R$ 1.395,01 a R$ 1.860,00)

Mais de 4 SM a 5 SM (de R$ 1.860,01 a R$ 2.325,00)

Mais de 5 SM a 7 SM (de R$ 2.325,01 a R$ 3.255,00)

Mais de 7 SM a 10 SM (de R$ 3.255,01 a R$ 4.650,00)

Mais de 10 SM a 20 SM (de R$ 4.650,01 a R$ 9.300,00) 14,7%

11,6%

10,9%

10,1%

11,0%

9,9%

6,4%

2,8%

Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

86,8%

Não

Até 1 salário mínimo (SM) (até R$ 465,00)

Faixas Salariais

20,6%

23,8%

22,5%

24,5%

19,8%

17,8%

11,9%

3,2%

Sim, e participo esporadicamente das ações e tomadas de decisões

Filiado ao Sindicato?

Tabela 1 - Cruzamento dos dados salariais com filiação ao sindicato

17,6%

14,3%

13,0%

14,9%

14,3%

13,6%

13,0%

7,2%

Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões


Sindicalização/Tipo de Vínculo O teste de qui-quadrado indicou uma associação entre o tipo de vínculo e filiação/participação no sindicato. Pelo coeficiente de Spearman se pode afirmar que se trata de uma correlação positiva e baixa. Isso significa dizer que na amostra os concursados são os que mais apresentam participação no sindicato e, à medida que se caminha no sentido da “precarização” do vínculo de trabalho, a filiação e a participação diminuem. Mas, embora os estatutários sejam os que mais participam, apenas 11,2% deles participam ativamente e 21,8% participam esporadicamente. Pode-se levantar a hipótese de que a precarização do vínculo distancia os docentes do sindicato e reduz a capacidade de participação, sobretudo a participação ativa dos sindicalizados.

Filiação/Tempo de Trabalho na Educação O teste de qui-quadrado indicou uma associação entre as variáveis. Pelo teste de correlação de Spearman podemos observar que se trata de uma baixa relação negativa. Para essa variável significa dizer que, à medida que passamos das faixas de tempo de trabalho na educação, temos um aumento do número de docentes que se encontram filiados ao sindicato e participam ativamente nas tomadas de decisão. Pode-se inferir que a experiência de trabalho, e, por conseguinte, a experiências com as tensões presentes no trabalho, aproximam os trabalhadores da organização sindical.

Avaliação da Atuação do Sindicato/Problemas que Afetam o Trabalho A maior parte dos respondentes de todas as etapas da educação básica, totalizando 5.610 (63,78%), considera a atuação do sindicato pouco satisfatória (2.695, isto é, 30,64%) ou insatisfatória (2.915, isto é, 33,14%) em relação aos problemas que afetam o trabalho. Tais resultados parecem se relacionar a baixa capacidade dos sindicatos de oferecerem respostas às questões relativas ao cotidiano e ao local de trabalho dos

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respondentes, ou seja, às relações de trabalho, aqui entendidas como aquelas que dizem respeito às relações sociais no interior da instituição (a forma como o trabalho é realizado, relações de poder etc.). O distanciamento das direções sindicais do local de trabalho e a ausência de organizações nos locais de trabalho parecem favorecer a vulnerabilidade dos trabalhadores no enfrentamento das tensões que se expressam no cotidiano do trabalho, sobretudo em um contexto de precariedade dos vínculos trabalhistas, vulnerabilidade no emprego e diversificação dos mecanismos de controle sobre o trabalho.

Filiação a Partido Político A maioria dos 7.895 docentes da educação básica participantes da pesquisa não é filiada a partidos políticos. Apenas 836 (9,5%) dos entrevistados afirmam possuir filiação político-partidária. Não se pergunta sobre a que partido se refere. Desagregando-se os dados para os que são sindicalizados, verifica-se que os que participam das ações e tomadas de decisões dos sindicatos conforma a grande maioria, com 1.794 respostas, mas é predominante a participação esporádica, com 1.223 respostas. Chama a atenção, entretanto, o número de sindicalizados, 1.028 docentes, que não participa das ações e deliberações do sindicato, mas mantém vínculo com partido político. Levanta-se a hipótese de um pertencimento a partido político diferente daquele que tem maior aproximação com a direção do sindicato da categoria a que pertencem tais docentes.

Formas de Manifestação Frente a Medidas que Interferem em seu Trabalho Nessa questão, o respondente pode marcar até três alternativas e foi considerada a que mais pode fornecer elementos para investigar formas implícitas de resistências, pois captura momentos do cotidiano dos docentes em seu local de trabalho. As análises dos dados apontam que quando discordam de uma medida que interfere diretamente em seu trabalho os docentes se manifestam, em primeiro lugar, com a direção da escola, acompanhado da

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opção “conversa com os colegas na sala dos professores”. Essa opção indica uma tentativa de resolver os problemas de forma coletiva, expondo abertamente seus problemas, para a direção ou para os colegas, conforme a tabela 2, a seguir.

Tabela 2 – Formas de manifestação dos docentes sobre as medidas que discordam Opções

N

Percentual

Conversa pelos corredores

562

3,03

Conversa com os colegas na sala dos professores

5580

30,66

Conversa com a direção da unidade educacional

6835

37,60

Fica em silêncio, apesar da insatisfação

1112

6,11

Não cumpre as normas e as exigências com as quais não concorda

556

3,05

Aceita e cumpre as exigências, pois acha que não adianta reclamar

1276

7,01

Aparenta aceitar, mas só cumpre as exigências que considera coerentes

1397

7,68

Reclama com o sindicato

577

3,20

Outros

302

1,66

Total

18197

100,00

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

A predominância de respondentes que afirmam buscar solucionar os problemas junto à direção da escola pode indicar a tentativa de recorrer e efetivar um tipo de gestão mais democrática no interior da escola, o que está prescrito nas legislações nacionais e locais, bem como em programas e discursos atuais, mas que ainda não se constituem em práticas generalizadas nas escolas. As opções “fica em silêncio” e “aceita e cumpre as exigências, pois considera que não adianta reclamar”, se agregadas, representam 13,12% das respostas. Essas indicam resignação, que constitui uma forma de resistência passiva.

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O número de respondentes que apontaram que “não cumprem abertamente as normas...” (3,05%) indica que as formas de resistência abertas são reduzidas. 7,68% dos respondentes responderam que “aparentam aceitar”. Essa opção pode revelar resistências que não provocam exposição dos docentes, mas que detém potencial de dificultar ou inviabilizar medidas consideradas inconvenientes. Como a questão permite três opções, pode-se inferir que esse tipo de resistência pode ser combinado com as opções mais destacadas, como a conversa com a direção e com os colegas. No cruzamento dos dados sobre as formas de manifestação frente a medidas que interferem em seu trabalho, com outras questões, que refletem aspectos do cotidiano dos docentes e as suas condições de trabalho, os dados apontam que 52,9% dos respondentes consideram que houve ampliação do controle sobre suas ações, 59,2% consideram que houve aumento das exigências sobre o seu trabalho em relação ao desempenho dos alunos, 67,4% informam que incorporaram novas funções e responsabilidades, e 82,2% observam transformações e repercussões das medidas sobre o seu trabalho. Entretanto, o que mais sobressai é o modo como se sentem em relação aos salários. De 8.593 docentes que responderam a questão, 7.103 declaram-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos com os seus salários. Desse total, 2.150 destacam-se, revelando ações que configuram resistência em relação às medidas com as quais discordam. O baixo número de respondentes que afirmam que “reclamam com o sindicato” (3,2%) pode indicar a baixa capacidade de influência dos sindicatos sobre as questões do cotidiano do trabalho dos docentes. Pode significar que o sindicato é identificado como instituição que trata de questões mais gerais afetas à categoria, tais como salário, carreira, entre outros, mas com pouco alcance para atuar nas tensões cotidianas do trabalho no interior das escolas. A opção “outras” indica formas de se manifestar que podem revelar ações, conscientes ou não, não contempladas nas respostas previstas. Apesar de ser uma baixa incidência, são indícios de formas de resistência implícita. Dentre as outras ações indicadas (totalizando 302), destacam-se: “aceita e cumpre as exigências, mesmo depois de reclamar, visto que é da legislação”; “aceita, cumpre as exigências, se for para melhorar, mas antes questiona”; “aceita, mesmo não concordando”; “cumpre as exigências mesmo depois de reclamar”; “cumpre mesmo indignada”; “cumpre, porém reclama”. Essas respostas significariam uma variação do item proposto no questionário: “aceita e cumpre as exigências, pois

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acha que não adianta reclamar”; visto que os docentes afirmam nessas outras respostas que reclamam, o que aponta um caminho para romper com a passividade.

Considerações finais Os dados do survey da pesquisa TDEBB permitem algumas considerações e inferências gerais sobre a resistência e a organização político-sindical dos docentes entrevistados, mesmo que esse tema não tenha se constituído como o objeto prioritário da pesquisa. Os dados revelam que tanto as filiações sindicais como a participação dos docentes estão relacionadas positivamente com o maior nível de escolaridade dos docentes, com o maior tempo de trabalho na educação, com o mais alto salário e o vínculo empregatício forte. Considerando que essas variáveis são constitutivas da valorização do magistério, pode-se inferir que a participação político-sindical dos docentes é favorecida por sua valorização. Como as políticas educativas em curso estão resultando em uma maior precarização do trabalho docente, seus efeitos nocivos se expressam na capacidade de participação político-sindical dos docentes, como também na capacidade de defesa da melhoria da qualidade da educação. Pode-se inferir, ainda, que a qualidade da educação, a valorização docente e a capacidade de organização político-sindical são fatores que se relacionam de forma intensa e, portanto, devem ser tratados de forma articulada, na prática, nas políticas e nas análises dessas políticas. Essa articulação, não obstante, constitui um grande desafio. Os temas da resistência e da organização político sindical dos docentes de fato vêm sendo reconhecidos em vários campos do saber como oportunos e relevantes. Isso é evidente na sociologia, na história, na ciência política, na saúde. E é igualmente relevante e oportuno no campo da educação, nos estudos do trabalho no espaço da educação pública, das políticas educativas, das relações entre trabalhadores docentes e poder público, dos trabalhadores entre si, enquanto coletivo, e destes com suas organizações associativas. A aproximação com os dados da pesquisa confirma essas assertivas, ao mesmo tempo em que anuncia lacunas de conhecimento, e aponta desafios teóricos metodológicos para as pesquisas sobre o trabalho docente. Para responder a essas questões torna-se necessário colocar tais

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temas em prioridade na agenda de pesquisa. A etapa seguinte consiste em reunir as perspectivas dos distintos atores que atuam no campo que, em confronto, podem contribuir para o avanço do conhecimento nesse campo. Trata-se, portanto, de temas em ascensão, e se faz necessário situá-los no contexto macroestrutural, marcado atual pela complexidade que caracteriza o capitalismo no seu atual estágio de desenvolvimento. Ante aos seus novos requerimentos, o trabalho em geral é reestruturado e também se complexifica, gerando novas contradições e tensões que, em um movimento dinâmico e dialético, conferirão nova complexidade às lutas dos trabalhadores. Nesse contexto, a reestruturação educacional empreendida a partir dos anos de 1990 implicou, também, em uma maior complexidade da docência, em razão dos novos requerimentos que lhes são dirigidos. O trabalho docente sofreu e vem sofrendo transformações significativas em razão das novas e múltiplas legislações, o que ainda não está perfeitamente apreendido, inclusive por suas organizações sindicais. Esse desconhecimento se expressa, em distintas nuanças, nos sindicatos pesquisados. A nova abrangência do trabalho, o novo perfil dos docentes, a grande heterogeneidade vertical e horizontal presente na profissão, as múltiplas exigências sob a égide da performatividade, a precariedade das condições e a intensificação do trabalho, acrescidos pela crescente falta de tempo dos trabalhadores e das direções sindicais para discutir e refletir, individual e coletivamente, sobre tais questões, têm acarretado em maiores dificuldades de organização coletiva em torno de interesses comuns. Em meio a esse processo, as organizações sindicais também sofrem significativas transformações: crescem e se diferenciam os contingentes de filiados; multiplicam-se; dividem-se internamente; amplia-se o leque de demandas e atuações que lhes são requeridas. A fragmentação dos trabalhadores docentes, expressada, entre outros fatores, nos distintos vínculos empregatícios, nas diferentes áreas de atuação, em distintas redes de ensino, etapas, níveis e modalidades da educação, também se expressa em suas organizações sindicais, provocando dificuldade de definição de objetivos e estratégias comuns e fortes tensões. Além disso, a vinculação ou proximidade das direções sindicais a partidos políticos que ocupam governos (federal, municipal, estadual) e que são os principais antagonistas dos trabalhadores/sindicatos referentes

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do setor público trazem limites e novas tensões ao movimento docente. Essas tensões estão igualmente presentes entre as organizações sindicais que integraram este estudo e destas com suas bases. O distanciamento das direções sindicais dos locais de trabalho, seja por reiteradas participações em mandato sindical, seja por dificuldade de acesso às escolas, tem trazido dificuldades para apreensão dessa realidade. Por outro lado, o distanciamento dos trabalhadores de seus sindicatos, seja por falta de crença na representatividade de seus interesses ou por absoluta falta de tempo ante a precarização e a intensificação do trabalho (fatores que têm sido apontados em inúmeras pesquisas recentes), tem, também, dificultado a organização coletiva desses trabalhadores, o que também se expressa no conjunto de organizações focalizadas neste estudo. Embora os resultados das lutas dos sindicatos e trabalhadores docentes se apresentem pouco expressivos comparativamente à pauta de reivindicações, a capacidade ou a expectativa das organizações de trabalhadores em educação de bloquear, negociar ou influir de alguma maneira na agenda das políticas educacionais, eles tem contribuído para aglutinar os trabalhadores e possibilitar-lhes formação política, que não vem sendo sistematicamente efetivada no cotidiano, seja pela via da formação inicial ou continuada, seja pela sindical, seja no trabalho. Essa possibilidade emerge, sobretudo durante as greves protagonizadas pelas organizações sindicais do setor público, bem como de outras distribuídas pelo país. Esse talvez seja o maior ganho dos trabalhadores docentes em greve nos últimos anos: romper com a alienação que lhes é imposta pela forma como o trabalho está objetivamente organizado. O estudo da resistência e da organização sindical docente tem apontado que as lutas empreendidas pelos docentes são reiteradamente centradas no eixo da valorização do magistério e, mais particularmente, sobre os seus pilares salário e carreira, ambos princípios constitucionais e reproduzidos em leis nacionais, estaduais e municipais. Tais lutas, fundamentadas no direito dos trabalhadores, ainda que venham demonstrando força numérica e de intensidade; apoio explícito da comunidade escolar e de outros segmentos da sociedade, tais como setores da academia, organizações do movimento social, entre outras; têm sido julgadas ilegais e abusivas. O conflito é judicializado e a força do movimento não traslada para a política. Eis temas de pesquisa, entre outros que poderiam trazer novos aportes à analise das políticas educativas e do trabalho docente.

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Convém destacar que o movimento docente tem despertado a atenção de pesquisadores e fomentado a discussão internacional, colocando os sindicatos docentes como parte da agenda de discussão. Indaga-se o seu potencial como força social política numericamente expressiva contra o capital/empregadores. A sua potencialidade de extrapolar a luta corporativa e alcançar patamares mais amplos da luta de classe. Acredita-se que as políticas educativas e o trabalho docente, analisados por meio das ações e tensões do movimento docente, representam um caminho rico, inclusive no que se refere à luta implícita desses trabalhadores, e pouco estudada. Daí também decorre a importância de valorizar e fomentar pesquisas teóricas e empíricas, em programas de pós-graduação em educação, sobre a resistência e organização sindical docente em âmbito local, regional, nacional e internacional, e socializar seus resultados como meio não só para iluminar as análises sobre as políticas educacionais e o trabalho docente, mas também como estratégia que possa contribuir para a luta coletiva dessa categoria em âmbito local, regional e internacional e para a luta mais ampla dos trabalhadores. Os desafios são muitos e se colocam para distintos sujeitos. Aos sindicalistas coloca-se o desafio da autocrítica em relação a sua própria representatividade política frente a categoria que implica a compreensão do sindicato e seu papel na produção da crítica, na organização dos trabalhadores e na resistência em vista da superação das contradições sociais do trabalho; reconhecimento da importância da militância política, e; pela a construção de um sindicalismo crítico, autônomo e que reflita, em suas ações, o pensamento e as expectativas dos próprios trabalhadores. Ao poder público, na condição de empregador, coloca-se o desafio da autocrítica, do que vem sendo negado aos trabalhadores públicos, e em particular ao trabalhador docente: o acesso aos direitos do trabalho. Aos trabalhadores apresenta-se o desafio de criar formas de enfrentar a fragmentação a que estão submetidos no trabalho real, nos movimentos coletivos e na relação com as direções das entidades sindicais. À academia, por sua vez, apresenta-se o desafio de valorizar o tema da resistência e organização coletiva docente no ensino, na pesquisa e na extensão, produzindo, socializando e confrontando conhecimentos. Trata-se, portanto, de uma tarefa coletiva.

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Capítulo 13

Organização e luta dos docentes no Brasil Heleno Araújo

Introdução A atual organização dos docentes e demais trabalhadores em educação, através da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), é fruto de um longo processo de mobilização que teve início em 1945, com a criação das associações dos docentes. No inicio da década dos anos de 1960, a organização dos professores assumiu um caráter nacional com a criação da Confederação dos Professores Primários do Brasil (CPPB). No final dos anos de 1970, a entidade ampliou seu raio de atuação ao se transformar na Confederação dos Professores do Brasil (CPB). Entre os anos de 1982 e 1986, a CPB se consolidou como entidade federativa e como a principal via de organização do sindicalismo no setor educacional. A partir do ano 1990, mais uma vez, ampliou-se a representação dos docentes e demais trabalhadores em educação com a transformação da CPB em CNTE. A CNTE representa 2,5 milhões trabalhadores e trabalhadoras da Educação Básica Pública. Possui 44 sindicatos filiados e um milhão de sócios. É filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), à Confederação dos Educadores Americanos (CEA) e à Internacional da Educação (IE), e tem como compromisso lutar de forma contínua pela garantia de uma educação de acesso universal, pública, laica e de qualidade. Defendemos uma educação emancipadora pautada na livre participação, a fim de realizar e legitimar as formas institucionais necessárias à construção efetiva da soberania nacional e da solidariedade internacional. Na pauta de reivindicações para organizar o trabalho docente, apresentamos a necessidade de se investir em uma sólida formação inicial dos docentes e demais profissionais da educação, o ingresso na carreira através de concurso público, a garantia de uma remuneração digna com exclusividade no vínculo empregatício, desenvolver políticas de formação

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continuada para o quadro permanente de pessoal das secretarias de educação, elaborar coletivamente e aplicar o plano de cargos e carreira, estruturar o espaço escolar na perspectiva de garantir condições adequadas de trabalho, vivenciar a gestão democrática na escola, na rede de ensino e nos sistemas de educação, aplicar avaliação diagnóstica, considerando a autoavaliação e a avaliação do processo pedagógico, levando em consideração todos os fatores que influenciam no acesso, na permanência e na qualidade da educação básica pública. Em uma sociedade capitalista, entendemos que o trabalho docente deve se associar à luta de classes. O docente tem o direito de participar efetivamente da elaboração das políticas públicas educacionais em uma visão sistêmica, que inclua as camadas pobres nos sistemas de ensino, a emancipação do currículo escolar, a garantia de financiamento para a educação pública, a promoção da gestão democrática nas escolas, nos sistemas educacionais e a valorização profissional. Do ponto de vista sindical, é impossível dissociar a organização do trabalho docente e dos funcionários de escola, das políticas públicas que devem conduzir a educação ao status de política estratégica para o desenvolvimento inclusivo e sustentável das nações. Como pensar a praxe do educador sem considerar, por exemplo, as diferentes realidades sociais dos estudantes de nosso continente? A organização e a mobilização da categoria, junto com outros atores sociais, possibilitaram colocar em debate, no país, temas importantes para o direito à educação e à valorização profissional, como por exemplo, o piso salarial do magistério (implantação nos estados e municípios) e dos demais profissionais (regulamentação prevista no projeto de PNE); as diretrizes nacionais de carreira unificada (em tramitação no Congresso) e a luta pela implantação das diretrizes do CNE (professores e funcionários); a implantação das políticas nacionais de formação de professores e dos funcionários da educação; a garantia de formação inicial para todos os professores; a profissionalização dos funcionários (além de formação tecnológica); a formação de 50% dos professores da educação básica em nível de pós-graduação (em 10 anos); a regulamentação da gestão democrática à luz do PNE (através de leis estaduais e municipais); a previsão de 10% do PIB para a educação e regulamentação do sistema nacional de educação (por meio de regime de cooperação constitucional); o fortalecimento dos conselhos escolares e do projeto político pedagógico das escolas.

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A pesquisa nacional sobre o trabalho docente A história da organização sindical dos docentes e demais trabalhadores em educação, as conquistas dos direitos sociais e sindicais dos últimos anos e as questões levantadas para o debate nacional não deram conta de envolver a maioria da categoria no processo de sindicalização e de mobilização. 62,4% dos que responderam a pesquisa não são filiados ao sindicato. Dos 37,6% filiados, apenas 8,5% afirmaram participar ativamente das atividades do sindicato e das instâncias de decisão. Na questão sobre a avaliação da ação sindical 37,3% estão pouco satisfeitos, e 40,4% estão insatisfeitos com o desempenho das atividades sindicais. Apenas 2,6% declararam estarem muito satisfeitos com as ações sindicais e 19,7% consideram satisfatórias as atividades desenvolvidas pela entidade sindical. Esses dados da pesquisa são muito preocupantes e devem servir para reflexões dos dirigentes sindicais e da base da categoria, pois os resultados esperados nos temas discutidos nacionalmente só terão os efeitos positivos se houver mais engajamento do conjunto dos trabalhadores em educação para pressionar os membros dos poderes executivos e legislativos. Outra informação captada pela pesquisa que preocupa é o baixo índice de filiação a algum partido político (9,6%). Como a organização sindical tem a tarefa de formar pessoas para exercer a cidadania, na perspectiva de garantir que todos vivam com dignidade, e como a estruturação e as normas que regram a vida em sociedade passam pelos poderes executivos e legislativos, a importância dos docentes na vida política partidária cresce muito mais. Como enfrentar esses desafios? Como envolver e estimular a efetiva participação dos docentes e demais trabalhadores em educação no mundo da formulação das políticas públicas?

1. Alguns desafios para organização do trabalho e o sindicalismo docente 1.1 A violência no espaço escolar As constantes denúncias dos casos de violência nos espaços das escolas públicas provocam uma imensa preocupação. Claro que entendemos

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que a violência é um problema a ser enfrentado por toda a sociedade, mas a escola tem um papel a desempenhar, também, sobre esse tema. Mas, os trabalhadores e as trabalhadoras em educação estão com muitas dificuldades para atuarem sobre o tema, devido à postura autoritária e, muitas vezes, arbitrária dos gestores das Secretarias de Educação que, seguido o modo gerencial impostos pelo projeto neoliberal, termina por contribuir com o aumento da violência no espaço escolar. Acreditamos e confiamos que envolver toda a comunidade escolar na gestão administrativa, financeira e pedagógica da escola é o caminho para se reduzir a violência na escola. No entanto, as medidas aplicadas pelos governos vão à contra mão desta alternativa. A ausência de política consistente de criação e fortalecimento do Conselho Escolar, com cada segmento da comunidade escolar elegendo seus representantes, definido a presidência do conselho e participando de reuniões periódicas, pode vir a contribuir para tratar dos problemas e desafios enfrentados pela escola. Os critérios de méritos e indiretos, através de curso, seleção, indicação política e outras formas, para escolher o diretor da escola é um golpe sobre a comunidade escolar, que fica refém dos iluminados que são selecionados com base nos indicadores definidos pelos governos, em detrimento da vontade e das ideias da comunidade escolar. A intensificação do trabalho dos professores para alcançar as metas impostas por grupos de pessoas ligadas à iniciativa privada é outro fator que contribui com o aumento da violência na escola. A perversa premiação pelo desempenho da escola pelo IDEB leva os professores ao estresse. São cobranças e ameaças de todos os lados – dos colegas para alcançar as metas impostas de cima para baixo, pensando no “salário extra” no ano seguinte; da direção da escola que, se não cumprir as metas, é exonerada da função; dos gerentes das regionais de ensino que, através de ameaças de corte do salário, de notificações e de abertura de inquérito administrativo, tentam impor a forma gerencial na condução das políticas educacionais e no processo de ensino e aprendizagem; das Secretarias de Educação que, de forma autoritária, e muitas vezes camuflada, ditam as regras que são aplicadas, ferindo os direitos dos trabalhadores da educação conquistados nas legislações. Nesse ambiente hostil, o que pode acontecer senão o aumento da violência? Os poderes executivos e legislativos tentam combater a violência no espaço escolar com leis como, por exemplo, a que proíbe a entrada de pessoas estranhas no ambiente escolar. Ora, não é esse tipo de ação que vai reduzir a violência na escola. É preciso fazer concurso público

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para todos os cargos do quadro de pessoal da educação. O porteiro da escola sendo do quadro permanente da educação, um profissional que, na sua atuação diária, conheça cada estudante (pelo nome e apelido), bem como as pessoas responsáveis pelos estudantes, sabendo quem é e quem não é da comunidade escolar, dessa forma, contribuirá com a redução da violência na escola. Cumprir a lei federal nº 11.728/2008 de forma integral, aplicando um terço da jornada de trabalho do professor para outras atividades docentes, além das aulas, proporcionando as condições para que, entre outras coisas, o professor possa atender de forma individualizada os estudantes com dificuldades de aprendizado e de relacionamento. Nesse sentido, ter um quadro de pessoal completo na escola, em que cada qual desempenhe seu papel – o diretor e o diretor adjunto devem cuidar da parte administrativa e financeira da escola; o coordenador pedagógico deve cuidar da parte pedagógica; o secretário escolar deve cuidar da parte documental da escola e da vida escolar dos estudantes, tendo uma equipe de administrativos (Funcionários da Educação) para desenvolver essas tarefas, muitas vezes, devido à falta desde segmento nas escolas, as tarefas são repassadas para o professor, aumentado a carga de trabalho e ocupando o tempo pedagógico desse profissional; manter equipes multiprofissionais, composta por técnicos, psicólogos, assistentes sociais, bibliotecários e outros, em cada gerência regional de ensino, no quantitativo que atenda todas as escolas da rede, com o objetivo de garantir um suporte pedagógico aos professores que estão na sala de aula. Entendemos que essas são algumas medidas que devem ser aplicadas para reduzir a violência na escola, fora disso, é só propaganda de governo sobre medidas que não atacam a raiz do problema. Por isso, o movimento sindical da educação exige dos governos mudança de postura, no que se refere às políticas educacionais aplicadas nas redes de ensino.

A valorização dos profissionais nos planos de educação Com a tramitação do projeto de lei nº 8.035 de 2010, que trata do novo plano nacional de educação para a próxima década, faz-se necessário aprofundar o debate sobre as metas e estratégias indicadas e definir as responsabilidades dos entes federados, na perspectiva de

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garantir o direito humano a educação e a valorização dos profissionais que nela atuam. Avaliamos que dois fatores comprometeram a aplicação da lei nº 10.172/2001 (PNE 2001-2010): o veto na vinculação de 7% do PIB para educação e a ausência de planos estaduais e municipais de educação. Para alterar esse cenário, uma medida já foi tomada: a exigência constitucional de “estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009). A outra que deve ser encaminhada é a elaboração seguida pela aplicação dos planos estaduais e municipais de educação. Ao elaborar, de forma coletiva, e aplicar as políticas educacionais voltadas à valorização dos profissionais da educação, os entes federados estarão atendendo o preceito constitucional do direito à educação para todos e a qualidade social da educação escolar básica. Os Planos de Educação deverão estabelecer metas e estratégias que atendam a profissionalização dos trabalhadores em educação; deverão garantir a aplicação do piso salarial profissional nacional, de acordo com o inciso VIII do artigo 206 da Constituição Federal e o desenvolvimento na carreira, respeitando o que determina o artigo 61 da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional e as Resoluções nº 2/2009 e nº 5/2010 do Conselho Nacional de Educação; garantir as condições adequadas de trabalho, como determina o artigo 212 da Constituição Federal, além de garantir o direito de participação efetiva dos profissionais da educação na elaboração do projeto político pedagógico da escola, na instância deliberativa do Conselho Escolar e na eleição direta para direção da escola.

A Profissionalização O artigo 61 da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB – Lei n. 9.394/96) foi alterado pela Lei nº 12.014/2009, atendendo o que determina o Parágrafo único do artigo 206 da Constituição Federal:“A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº. 53, de 2006”. Sendo assim, são considerados como profissionais da educação:

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Art. 61- [...] os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim. A Lei 12.014/09, de autoria da Ex-Senadora da República Fátima Cleide, atendeu uma reivindicação histórica da CNTE, o reconhecimento dos Funcionários Administrativos da Educação como profissionais da educação. Essa alteração na LDB deve servir para combater as terceirizações na educação, induzir a realização de concurso público para o ingresso na carreira desses profissionais, e a elaboração de plano de cargos, carreira e remuneração unificados (que incluam professores e funcionários administrativos da educação).

A Formação O Parágrafo único do artigo 61 da LBD estabelece que a formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos: I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço; III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades.

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O § 1º do artigo 62 da LDB diz que a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério (Incluído pela Lei nº. 12.056, de 2009). Para atender aos objetivos e metas estabelecidos nas legislações, entendemos que a formação inicial dos profissionais da educação ainda carece de revisão de sua base curricular, a fim de se aproximar das demandas escolares impostas pelas novas gerações e pela necessidade dos profissionais em adquirir novos conhecimentos, sobretudo de técnicas e tecnologias pedagógicas. Na formação continuada dos profissionais da educação é preciso um maior comprometimento dos estados e municípios com a aplicação dessas ações. Paralelamente aos cursos de formação continuada, ainda são necessários investimentos para a formação no local de trabalho, para o fortalecimento da gestão democrática, para o estímulo ao processo pedagógico e para a formatação de projetos multidisciplinares direcionados ao currículo da educação básica.

Salário e Carreira Estamos tratando da reelaboração dos Planos de Educação nas três esferas de governo, logo, os novos PNE, PEE e PME devem se adequar às determinações de conteúdos e prazos já existentes. No artigo 206 da Constituição Federal encontramos que o ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda nº 53 de 2006”, grifo nosso) VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) . É preciso que o Governo Federal cumpra o seu dever de enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei que atenda a determinação constitucional, já que a lei federal nº 11.738/08, que trata do piso salarial profissional nacional é limitada aos profissionais do magistério da educação básica pública.

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Os estados e municípios devem cumprir as legislações e resoluções que tratam do piso salarial e das diretrizes de carreira imediatamente, de forma que na reelaboração do seu plano de educação possamos avançar, ou seja, ir além do já conquistado no processo de organização e mobilização pela valorização dos profissionais da educação e a qualidade social da educação escolar. A lei do piso salarial nacional do magistério, por exemplo, além de definir valor, critério e data do reajuste do valor, cuidou da hora/aula/ atividade e estabeleceu um prazo (até o dia 31 de dezembro de 2009) para que os planos de cargos, carreira e remuneração dos estados e municípios fossem criados ou reformulados. Essa lei não está sendo cumprida e esse fato que nos leva a fazer alguns questionamentos: • R$ 1.451,00 para uma carga semanal de 40 horas de trabalho, valoriza o professor? • O achatamento salarial na carreira, para atender a Lei Federal do PSPN, é uma prática que valoriza? • Não cumprir os prazos determinados pelas legislações, valoriza os profissionais da educação? As condições adequadas de trabalho e estudos: O parágrafo 3º do artigo 212 da Constituição Federal determina que “a distribuição dos recursos públicos deve assegurar prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação”. A Emenda Constitucional nº 59/2009 definiu que o ensino obrigatório deverá atender as pessoas de 4 a 17 anos de idade, ou seja, da pré-escola até o ensino médio. A universalização do atendimento deverá ocorrer até 2016, dentro do prazo de vigência dos novos planos de educação, das três esferas de governos. E como a Constituição determina a garantia de padrão de qualidade, nos termos do plano nacional de educação, esse mesmo padrão de qualidade deverá ser replicado nos planos estaduais e municipais de educação. Isso implica investir mais e melhor em educação, daí a importância da EC nº 59/09 obrigar a vinculação percentual do PIB para investimentos na educação. Defendemos a ampliação do investimento em educação para 10% do PIB. Esses recursos novos, que podem vir do Fundo Social do Pré-sal, da vinculação das contribuições sociais e dos royalties, deverão ser utilizados para organizar a infraestrutura escolar, proporcionando repensar o tempo, o espaço e

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o currículo escolar da educação básica; garantir a jornada de trabalho exclusiva e integral do profissional da educação em uma única escola, com salário digno e desenvolvimento na carreira; investir na ampliação da hora aula atividade e no fortalecimento da gestão democrática da escola, da rede e dos sistemas de ensino. A organização e mobilização dos segmentos da comunidade escolar e dos setores da sociedade civil, como aconteceram na CONEB e CONAE, farão as mudanças necessárias para colocar a educação como prioridade nacional, garantindo o acesso e a permanência de todos na escola, o direito dos estudantes de aprender e a valorização dos profissionais da educação.

Eleição direta para direção das escolas A gestão democrática, um dos indicadores fundamentais para a qualidade social da educação básica pública, precisa urgentemente ser colocada em prática nas redes de ensino. As escolas devem ter uma gestão compartilhada com todos os segmentos que compõem a Comunidade Escolar, um conselho escolar deliberativo, que seja responsável pela coordenação da elaboração do projeto político-pedagógico da escola, que faça o diagnóstico e aponte as ações administrativas e pedagógicas que devem ser desenvolvidas para melhorar o ambiente escolar e garantir a qualidade social da educação, além de definir o que fazer com recursos financeiros recebidos, acompanhar sua aplicação e prestar contas dos recursos na assembleia geral da escola. Para garantir esse processo é preciso que a comunidade escolar exerça o direito de escolher, através do voto, o diretor e o diretor-adjunto que coordenarão as ações do projeto político pedagógico, construindo coletivamente pela Comunidade Escolar. Nesse sentido, os trabalhadores e as trabalhadoras em educação apontam para a necessidade da aplicação de medidas, que possibilitem o processo de eleição direta para direção das escolas públicas: • Abertura imediata do processo eleitoral para dirigentes escolares. • Definição de um prazo para a realização das assembleias escolares para eleger a comissão eleitoral, garantindo a representação de todos os segmentos da comunidade escolar nessa composição.

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• Garantia da composição de chapas completas, ou seja, com um nome para diretor da escola e outro nome para diretor-adjunto escolar. • Organização do processo eleitoral estabelecendo critérios para a inscrição dos candidatos, que seja professor com formação em nível superior nas áreas da pedagogia e licenciaturas com no mínimo 30 horas aulas na escola que pretende ser candidato e no mínimo dois anos de lotação nessa escola. • Garantia de direito de voto aos estudantes, a partir de 11 anos de idade, do responsável pelo estudante registrado na escola, dos professores, técnicos e administrativos do quadro efetivo das Secretarias de Educação, lotados na escola, dos representantes dos grupos organizados da comunidade onde a escola está inserida que tem assento no Conselho Escolar. Com regras proporcionais para cada segmento da comunidade escolar. • Que as chapas inscritas para o processo eleitoral entreguem por escrito a carta programa/propostas dos candidatos. • Que o regimento eleitoral de cada escola seja apresentado e aprovado em uma assembleia geral da escola. • Que os eleitos se submetam a participar de forma obrigatória dos cursos de formação continuada sobre a gestão educacional. Essas são as posições históricas dos sindicatos da educação sobre a gestão democrática nas escolas públicas. Sigamos firmes na luta por uma educação escolar básica pública, com qualidade social, que exija a valorização de seus profissionais e o respeito aos estudantes e seus familiares.

A Copa é nossa! E a escola pública de quem é? O povo brasileiro festeja a realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil em 2014. Esporte, mania nacional, leva ao delírio milhares de pessoas. Na Copa do Mundo então, é só alegria e muita festa. Porém, o

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que dizer ou fazer pelo direito universal à educação escolar dos brasileiros e das brasileiras? Segundo estudos da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base, serão investidos, nos próximos quatros anos, R$ 110 bilhões para a realização da Copa do Mundo de futebol no Brasil. Nesse mesmo período deverão ser aplicados, no máximo, com o acompanhamento e muita pressão das entidades de trabalhadores/as em educação do País, R$ 40 bilhões de repasse do Governo Federal para a educação básica nos estados e municípios. É justo que a mania nacional receba um investimento bem maior, quase o triplo, em detrimento ao direito universal à educação? Em Pernambuco, por exemplo, a campanha publicitária do Governo do Estado dizia que: “Alegria é Pernambuco na Copa, um grande gol de placa, vamos comemorar. A Copa do Mundo é nossa, Pernambuco de raça é a nossa torcida pra melhorar nossa vida, para vencer e brilhar. Ora, no estado convivemos diariamente na área da educação com os seguintes problemas: • Um milhão cento e trinta nove mil oitocentos e vinte e nove seres humanos analfabetos; • Um milhão oitocentos e setenta e nove mil cento e setenta e sete pessoas analfabetas funcionais; • 25,79% das pessoas de 0 a 17 anos de idade não freqüentam escola ou creche; • Um milhão seiscentos e vinte e quatro mil famílias, que têm crianças de 0 a 6 anos de idade, têm rendimento familiar per capita de até meio salário mínimo; • Professores e professoras, com formação superior, recebendo o pior salário do País. O Governo, entretanto, tem como primeira medida para viabilizar os jogos da Copa do Mundo, o envio do Projeto de Lei nº 1093/2009 que “dispõe sobre a concessão de isenção de tributos estaduais referentes a fatos geradores relacionados às competições da Copa das Confederações da Fédération Internationale de Football Association – FIFA de 2013 e da Copa do Mundo da FIFA de 2014”, ou seja, os empresários não pagarão os seguintes impostos: “I – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte

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Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS; II – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ICD; III – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA; IV – Taxas”. Logo, a educação ficará sem arrecadar os 25% determinados pelas Constituições Federal e Estadual dos investimentos relacionados à Copa do Mundo da FIFA. Diante do exposto, surgem os seguintes questionamentos: será que os investimentos nos jogos da Copa do Mundo vão realmente melhorar nossas vidas? São investimentos que beneficiarão os mais pobres ou as famílias dos grandes empresários que irão colocar seu dinheiro na roda? Quem vai ganhar mais? Em que os referidos investimentos mudarão o quadro educacional dos estados, que terão jogos da copa do mundo de futebol? A Copa pode até ser nossa, mas o que desejamos de verdade é um maior investimento na formação de uma sociedade letrada, instruída, com o mais alto nível do conhecimento. Sonhamos e lutamos por uma escola pública com qualidade social. Direito de todos e todas e Dever do Estado.

Educação: Direito ou Prêmio? O capitalismo é um sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, no individualismo, na organização da produção visando o lucro e no empregando trabalho assalariado, na exploração da força de trabalho e no funcionamento do sistema de preços. A bonificação ou remuneração variável foi a forma encontrada pelo capitalismo para reconhecer o mérito na realização do trabalho, aumentar a exploração e o controle sobre o trabalhador. Para o capital, aqueles com maior capacidade de trabalho e de gerar resultados, merecem as glórias e mais dinheiro. Para os que “fracassam”, o esquecimento e baixos salários. A política de pagamento de bônus, através do 14º salário, tem como base o seguinte princípio capitalista: quanto mais resultados, melhor, independente dos riscos para o futuro das crianças, jovens e adultos. O vírus do imediatismo atacou a construção consistente e progressiva da qualidade social da educação. Aplicar os critérios do setor financeiro, que sempre atuou priorizando o salário fixo baixo, com alto potencial de ganho variável, é um grande equivoco.

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A forma gerencial utilizada pelos governos para alcançar, desesperadamente, bons resultados até o final do mandato, consolidou o espírito capitalista da disputa para conquistar o maior percentual das metas estipuladas por uma entidade de empresários, estranha à comunidade escolar. Estimulando o individualismo e a classificação das escolas, os bônus servem como troféus aos vitoriosos dessa disputa em condições diferenciadas. As faixas e os muros pintados das escolas públicas, ostentando que alcançaram 100% das metas, destoam quando observamos a infraestrutura precária, as baixas notas dos alunos nas avaliações externas, os trabalhadores desrespeitados e com baixos salários. Eis a questão: de que forma essa política contribuirá para garantir um ensino público com qualidade social para todos e todas? Por volta dos anos de 1970, foi introduzido no Brasil, através do empresário Jorge Paulo Lemann, fundador do antigo banco Garantia, a meritocracia e a recompensa por meio da remuneração variável. Os governos utilizam a lógica das empresas capitalistas para as escolas públicas em muitos estados e municípios do país. A crise mundial abalou o sistema capitalista, a quebradeira das grandes empresas norte americanas e os bônus recebidos pelos presidentes das empresas falidas, levantaram uma questão para as reflexões dos capitalistas: se o “sucesso” individual não foi posto a frente do sucesso das organizações. Os governos precisam fazer uma autoavaliação, refletir sobre suas práticas, para evitar que o “sucesso” de algumas unidades escolares não comprometa todo sistema público de ensino e o direito social do conjunto da população a uma escola pública com qualidade social em todas as suas etapas e em qualquer canto do país.

Piso salarial nacional das professoras e dos professores A primeira referência que temos de piso salarial nacional para professores foi na Lei Geral da Educação, de 15 de outubro de 1827, assinada pelo Imperador Dom Pedro I. De lá até o dia 16 de julho de 2008, dia da assinatura da Lei nº 11.738/08 pelo Presidente Lula, foram 181 anos de muita luta por uma política nacional de valorização dos profissionais do magistério.

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Em 1988, através da mobilização do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, tentamos colocar na Constituição Federal o piso salarial profissional nacional para o magistério, mas, as forças conservadoras resistiram e não aceitaram esse avanço, mantendo a característica vigente, onde cada estado e cada município determinavam o valor do salário no início da carreira do professor. Em 1994, aproximamo-nos dessa conquista. O pacto pela valorização do magistério e pela qualidade da educação foi assinado em outubro daquele ano pelas três esferas de governo, através do Ministério da Educação – MEC; do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação – CONSED; da União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME; do Clube dos Reitores das Universidades do Brasil – CRUB e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Como deliberação da Conferência Nacional de Educação para Todos, a partir do mês de julho de 1994, o piso salarial profissional nacional dos profissionais do magistério deveria ser pago no valor de R$ 300,00, para a professora com formação em nível médio, com uma jornada de trabalho de 40 horas/aula por semana. O pacto não foi cumprido pelas esferas governamentais. Só em 2004, após dez anos, o Estado brasileiro voltou a discutir sobre o tema. O governo federal colocou na pauta de discussão, por ocasião da criação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e da Valorização dos Profissionais da Educação, após uma forte pressão coordenada pela nossa Confederação. A conquista da lei do piso já é um marco importante pela luta histórica da categoria. Claro que o valor de R$ 950,00, como piso nacional para uma professora com a formação em nível médio, ainda está aquém do reivindicado, pois exigimos um piso salarial nacional digno, que garanta a exclusividade do vínculo empregatício e condições financeiras adequadas para desenvolvermos com qualidade as nossas tarefas. No entanto, os indicadores que conquistamos com a lei do piso (Lei nº 11.738/08) têm um grande valor na busca incessante pela valorização profissional e pela qualidade social da educação: a) a definição de um valor mínimo nacional (estado e município são impedidos de pagar valores abaixo do determinado); b) valor definido para qual nível de formação e jornada de trabalho; c) a definição de quem são os profissionais do magistério com o direito a receber o piso salarial nacional; d) o piso como vencimento inicial na carreira, a partir de janeiro de 2010; e) a determinação de um percentual de 1/3 da carga horária destinadas para horas/aula/atividade; f) a aplicação do piso para os ativos, aposentados e pensionistas; g) a obrigação do governo federal de complementar os

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recursos dos estados e municípios que provarem não ter condições de pagar o valor piso nacional; h) a colocação do mês de janeiro como referência para o reajuste anual do valor do piso; j) a colocação do prazo até o dia 31 de dezembro de 2009, para que fossem reformulados os planos de cargos e carreira dos estados e municípios. A conquista da Lei, infelizmente, não significa que a batalha acabou. Após a vitória no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a ADIn, impetrada pelos governadores dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Ceará, enfrentamos agora uma batalha na Câmara dos Deputados para impedir que o projeto de Lei nº 1776/2008, que altera o índice de reajuste do piso, seja aprovado. Hoje, o índice que reajusta o piso é o mesmo que reajusta o custo aluno do FUNDEB. O projeto de lei altera para o índice da inflação medido pelo INPC do IBGE. A longa luta pelo piso nacional dos professores e das professoras mostra a dimensão e a importância desta lei para os profissionais da educação. Alcançar o piso para o conjunto dos profissionais da educação (professores e funcionários de escola), com valores que garantam a verdadeira valorização desses profissionais e incentive os jovens a buscar a formação no magistério, exigir a aplicação de políticas educacionais que atuem concomitantemente no salário digno, na formação inicial e continuada, nas condições adequadas de trabalho, na carreira e jornada de trabalho, na gestão democrática, são desafios postos para todos nós. Por isso, companheiros e companheiras, desanimar jamais. Devemos manter a unidade na nossa luta. Filiando-se ao sindicato você mostra para os governos que a categoria é forte. Participando de todas as atividades convocadas pela direção do sindicato, você mostra para a sociedade que a sua luta é em defesa do direito de cada cidadão e cada cidadã a uma educação pública com qualidade social. Você no sindicato mostrará a si mesmo que o ser humano é um animal coletivo e só alcançará os seus objetivos se sonharmos e lutarmos juntos. Um forte abraço educacional e sindical.

Referências bibliográficas BRASIL. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996a.

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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 18. ed. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 1998. BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009. Acrescenta § 3º ao art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para reduzir, anualmente, a partir do exercício de 2009, o percentual da Desvinculação das Receitas da União incidente sobre os recursos destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino de que trata o art. 212 da Constituição Federal, dá nova redação aos incisos I e VII do art. 208, de forma a prever a obrigatoriedade do ensino de quatro a dezessete anos e ampliar a abrangência dos programas suplementares para todas as etapas da educação básica, e dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao § 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a inserção neste dispositivo de inciso VI. Diário Oficial da União, 12 nov. 2009a. BRASIL. Lei nº. 9.424, de 24 de dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, na forma prevista no art. 60, § 7º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 1996b. BRASIL. Lei nº. 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 10 jan. 2001. BRASIL. Lei nº. 11.741, de 16 de julho de 2008. Altera dispositivos da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para redimensionar, institucionalizar e integrar as ações da educação profissional técnica de nível médio, da educação de jovens e adultos e da educação profissional e tecnológica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 2008a. BRASIL. Lei nº. 11.738, de 16 de julho de 2008. Regulamenta a alínea “e” do inciso III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 2008b. BRASIL. Lei nº. 12.014, de 6 de agosto de 2009. Altera o art. 61 da Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, com a finalidade de discriminar as categorias de trabalhadores que se devem considerar profissionais da educação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 ago. 2009c. BRASIL. Ministério da Educação. INEP. Avaliação do Plano Nacional de Educação: 2001/2008. Brasília, DF: MEC/INEP, 2010. BRASIL. Projeto de Lei nº. 8.035. Aprova o Plano Nacional de Educação para o decênio 2011-2020 e dá outras providências. Brasília, DF, 2010.

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CONEB. Documento Final da Conferência Nacional da Educação Básica. Brasília, DF. 2008. CONAE. Documento Final da Conferência Nacional de Educação. Brasília, DF. 2010. CNTE, Caderno de Deliberações do XXXIII Congresso Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação. Brasília, DF, 2011. VIEIRA, Juçara D. A CNTE no contexto das lutas do movimento sindical educacional. Apresentado no Seminário sobre Associativismo e Sindicalismo Docente no Brasil, realizado nos dias 17 e 18 de abril de 2009. Este trabalho contou com a colaboração (levantamento e organização dos dados) de Eduardo B. Ferreira. E-mail: <cnte@cnte.org.br>. Associativismo e sindicalismo docente no Brasil. Rio de Janeiro, 17 e 18 de abril de 2009.

342


Capítulo 14

Organização do trabalho e sindicalismo docente: notas sobre taxas de filiação

Marcos Ferraz Em homenagem a Antônio Flávio Pierucci Quando falamos em organização do trabalho, há duas possibilidades de abordá-la. A primeira diz respeito ao que podemos chamar de organização do trabalho stricto sensu. Ou seja, as formas como ocorrem a divisão do trabalho e como o trabalho coletivo se organiza técnica e burocraticamente no espaço que, comumente, chamamos de chão de fábrica. Ou chão da escola, no caso do trabalho docente. Nesse sentido, debater a divisão do trabalho é perseguir uma tradição que tem início em Taylor (1911), passa, dentre outros, por Braverman (1987) e Crozier (1981), com todo o debate crítico sobre o taylorismo e o fordismo e, por fim, deságua nos estudos sobre a reestruturação produtiva, o toyotismo, o modelo da competência e suas variâncias; literatura em que podemos encontrar Zarifian (2003), Linhart (2007; 2009), Durand (2003) e diversos autores contemporâneos. Mas também é possível falar sobre a organização do trabalho, no que chamamos aqui de lato sensu, como um fenômeno que trasborda os locais de trabalho, para alcançar a organização da solidariedade e do conflito em uma sociedade histórica e do próprio contrato social firmado em seu interior. A origem dessa tradição de análise pode ser encontrada nos clássicos como em Marx (2008), Durkheim (1999) e Weber (2004), passa por Polanyi (2000), pela escola de regulação francesa (Boyer, 1990; Lipietz, 1988; 1991) e encontra Castel (1998; 2010) e Supiot (1994; 1999; 2007), dentre outros. Nessa chave interpretativa significa que a organização do trabalho contempla, para além de sua estruturação no chão de fábrica, um regime de acumulação e, principalmente, um

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modo de regulação – normas, costumes, leis, tradições – que garante a estabilidade das relações sociais e a continuidade da reprodução social. Quando buscamos interpretar o sentido social das taxas de filiação sindical, estamos diante de sua conexão com a organização do trabalho stricto sensu, mas, principalmente, interessa-nos sua relação com a organização do trabalho lato sensu. Essa compreensão é fundamental porque a importância política das taxas de filiação sindical pode variar, conforme as funções sociais assumidas pelo sindicato, no interior do contrato social e do processo de reprodução social. Assim, em países onde os sindicatos de trabalhadores assumem funções explícitas no interior dos sistemas de previdência e saúde, como no caso de alguns dos países nórdicos (Finlândia, Suécia, Dinamarca e Noruega), são comuns altas taxas de filiação. Contudo, isso não significa, necessariamente, maior poder político ou mobilizatório, se comparado com países de tradição de relações de trabalho legisladas, como é o caso francês, em que as taxas de filiação são, em muitos casos, baixas1. Seria ilusório, diante da baixa taxa de filiação francesa, frente à exibida pelos países nórdicos, pensar em uma maior fragilidade política. Basta olhar a capacidade do sindicalismo francês para dirigir greves gerais e conduzir negociações legislativas nacionais para a ilusão se desfazer. Para Cardoso (2003), dentre outros motivos, não se pode mensurar a vitalidade política de um sindicalismo apenas pelas suas taxas de filiação, pois, em muitos países, taxas de filiação e cobertura dos acordos trabalhistas não são coincidentes. Em outras palavras, mesmo com baixas taxas de filiação, o sindicalismo pode acumular poder político, econômico e social porque sua capacidade de firmar acordos trabalhistas transborda para além dos simples trabalhadores filiados. Tanto as greves são realizadas por trabalhadores filiados e não filiados, como os acordos ou contratos coletivos firmados têm validade para os trabalhadores formalmente associados ao sindicato ou não. Nas palavras do autor:

Cardoso (2003), com dados de 1997, demonstra uma taxa de filiação sindical, sobre toda a população assalariada do país, de: 79,3% na Finlândia, 91,1% na Suécia, 57,7% na Noruega e 80,1% na Dinamarca; contra 9,1% na França. 1

344


[...] pode-se argumentar que o poder sindical mede-se não tanto (ou nem sempre) pela capacidade de arregimentar filiados, mas sim pelo poder de iniciar ações coletivas, encerrá-las quando for o caso, ou impedir que aconteçam sem o consentimento do sindicato. Isso porque a filiação sindical não denota necessariamente disposição para a ação coletiva, que é, em última análise, a forma efetiva de exercício de poder por parte dos sindicatos. (Cardoso, 2003: 209)

Ao se olhar para o Brasil, o cenário não é diferente. Níveis de sindicalização e poder sindical não são, de forma alguma, linearmente relacionados. Ao contrário, a unicidade e o imposto sindical conferem, aos sindicatos brasileiros, poder independente de seus níveis de filiação. Da mesma forma, o caráter legislado do modelo de relações de trabalho brasileiro garante os acordos trabalhistas para toda a categoria, independentemente dos níveis de filiação. No entanto, sindicatos que permanecem simplesmente no recolhimento do imposto sindical e na representação jurídica do trabalhador, esbarram no limite do poder de representação legal. Não é esse o caso dos grandes sindicatos – como os de metalúrgicos, de bancários, de professores, dentre outros – que, em função de sua capacidade de mobilização – somam, ao poder de representação legal, poderes político, identitário e simbólico. Para esses sindicatos, se, por um lado, seu poder não deriva exclusivamente de seus níveis de filiação, por outro, altas taxas de filiação podem, dependendo do contexto, significar uma base social mais sólida e, identitáriamente, mais homogênea para as ações coletivas. No caso de servidores públicos – o que inclui o caso do sindicalismo docente, aqui em debate – suas taxas de filiação podem, também, para além desta base social, significar maior poder econômico, visto que, em sua grande maioria, os sindicatos de servidores não recolhem o imposto sindical2. Ou seja, o poder da estrutura sindical, enquanto máquina burocrática, no caso docente, está vinculada a sua capacidade de arrecadação, logo, aos níveis de filiação. De toda maneira, pensar sobre os níveis de poder sindical é sempre mediar capacidade de mobilização coletiva e as demais formas legítimas de representação política, como a jurídica, a identitária, a discursiva, dentre outras.

A legislação brasileira não impõe, aos servidores públicos, o desconto do imposto sindical. No entanto, alguns sindicatos pleitearam esse desconto na Justiça. No caso da educação, o Sintego – Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Goiás – é um exemplo de sindicato que recebe o imposto sindical. 2

345


Para se compreender essa questão, talvez seja necessário recuperar um debate de Offe e Wiesenthal (1984). Para os autores, a legitimidade da ação sindical está ancorada em dois processos distintos, ainda que eles possam ser complementares, concorrentes, ou mesmo, conflitantes, em cada caso específico. O primeiro destes processos – que poderíamos chamar endógeno – diz respeito a sua capacidade de movimentar uma força social real. Em outras palavras, sua capacidade de mobilizar grandes coletivos de trabalhadores que desenvolvam uma ação política orientada, seja uma greve, uma ocupação de espaços públicos ou privados ou, mesmo, o voto em um mesmo candidato dentro das disputas eleitorais. A legitimidade do seu poder, portanto, deriva da possibilidade do exercício de uma liderança política consciente de um amplo conjunto de trabalhadores. No entanto, na medida em que esse poder cresce, o sindicalismo passa a ser um interlocutor contínuo, junto a outros poderes sociais, tais como o empresariado, os partidos políticos, o Estado. Ou seja, em função de seu poder de liderança real, os sindicatos precisam ser ouvidos pelos demais atores sociais, antes de qualquer deliberação política que possa vir a atingir os trabalhadores. Nesse processo, ao reconhecer o poder sindical, os demais atores sociais lhe conferem um novo tipo de legitimidade – a qual se pode denominar exógena. Assim, o poder sindical depende, igualmente, de sua real capacidade mobilizatória presente, como do seu potencial mobilizatório (presente, passado ou futuro) aos olhos dos outros atores sociais. Neste segundo caso, pouco interessa se esse potencial seja real ou irreal. Mais importante é a crença que os demais atores sociais têm sobre a possibilidade de uma mobilização sindical. Se compreendermos essa dialética entre os processos endógeno e exógeno da legitimidade do poder sindical, talvez possamos construir novos significados sobre a filiação sindical docente. A literatura brasileira registra os anos finais de 1970, os anos de 1980 e os anos iniciais de 1990, como os anos de ouro da mobilização docente: seja pela visibilidade que os professores adquirem na cena pública; seja pela consolidação do sindicalismo junto à base de professores; seja pela força e pelo sucesso de suas greves; ou, seja pelo contínuo crescimento dos índices de filiação, após a legalização do sindicalismo de professores públicos, conquistada na Constituição de 1988 (Biasotto e Tetila, 1991; Bulhões e Abreu, 1992; Ferraz, 2011; Ferreira Jr, 2003; Gadotti, 1996; Gerolomo, 2009; Gindin, 2011; Monlevade, 1990; Nogueira, 2005; Vicentini e Lugli, 2009). E, naquele momento, o processo de filiação – seja em associações no período anterior a 1988, ou nos

346


sindicatos após 1988 – cumpriu um papel de legitimação endógena do movimento. Diante da imagem do trabalho docente como um sacerdócio e da tradição gremista das associações de professores, as novas lideranças – nascidas das greves de 1979 em diante – recorreram a um contínuo processo de filiação daqueles que se identificavam com a profissionalização da atividade docente e com a necessidade de construir a luta trabalhista para se conquistar a valorização do magistério. No entanto, é preciso descobrir se os níveis de filiação sindical, hoje, tem o mesmo significado do referido período. Ferraz e Gouveia (2011), ao analisarem a realidade do Sindicato dos Servidores do Magistério Municipal de Curitiba – Sismmac –, relacionaram o número de filiados com as funções docentes3 na Rede Municipal, e encontraram, para o ano de 2006, uma taxa de sindicalização de 59,8%. Ou, em números absolutos, 4.284 filiados, para 7.162 funções docentes, na Rede Municipal de Curitiba. Com a mesma metodologia, os autores encontraram, também no ano de 2006, uma taxa de filiação de 63,9%, junto ao Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná – APP-Sindicato. Traduzidos em números absolutos, são 52.227 filiados, para 81.719 funções docentes. Se nos concentrarmos sobre esse padrão de filiação, representado por estes dois sindicatos, ambos próximos a 60%, encontramo-nos diante de uma aparente divergência de dados, entre o trabalho de Ferraz e Gouveia (2011) e o que foi encontrado pela pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil. Vejamos, na tabela 1, considerando apenas as respostas válidas, o que a pesquisa conseguiu captar, com a pergunta: Você é filiado ao sindicato?

A utilização do número de funções docentes cria certa distorção nas taxas de filiação, pois o mesmo professor pode ocupar duas funções docentes na mesma Rede. No entanto, a partir dos dados do censo escolar MEC/INEP, nem sempre é possível a separação por professor. 3

347


Tabela 1 - Cruzamento dos dados salariais com filiação ao sindicato Frequência

Percentual

Não sou filiado

5433

62,4

Sim, e participo ativamente das ações e tomadas de decisões

739

8,5

Sim, e participo esporadicamente das ações e tomadas de decisões

1405

16,1

Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões

1135

13,0

Total

8712

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

O resultado encontrado é o inverso em relação ao que Ferraz e Gouveia (2011) registraram para os casos de APP-Sindicato e Sismmac. Enquanto, para estes dois autores, o número de filiados estava no patamar dos 60%, o survey diagnosticou 62,4% dos casos válidos como não filiados. Ou seja, apenas 37,6% de filiados. O que produz essa diferença tão grande entre os dados? Uma hipótese que se deve descartar de saída é que o uso das funções docentes, no caso do trabalho de Ferraz e Gouveia (2011), seja responsável por essa divergência de resultados. A substituição das funções docentes, pelo número de professores da rede, diminuiria ainda mais a base de trabalhadores. Ou seja, demonstraria taxas de filiação ainda mais altas. Mas há outra questão, que separa, metodologicamente, as duas informações, e essa nos parece fundamental para ser debatida. Como a fonte de filiação sindical, utilizada por Ferraz e Gouveia (2011), é o banco de dados dos próprios sindicatos, ela inclui professores da ativa e aposentados. No caso do survey, que utilizou questionários em uma amostragem formada exclusivamente por docentes em atividade, não é captado o peso dos aposentados nas taxas de filiação. Para recolocar a questão, fomos obrigados a revisitar os dados de Ferraz e Gouveia (2011) e reelaborá-los com uma orientação que não fazia parte das preocupações dos autores, naquele momento. Assim, separando professores em atividade e aposentados, e recalculando as taxas de filiação, apenas com aqueles que se encontram em pleno exercício profissional, temos novos números. No caso da Rede Municipal

348


de Curitiba, em 2006, o Sismmac tinha, dentre os seus 4.284 filiados, 3.309 docentes na ativa e 975 aposentados. Ao considerar-se, portanto, as 7.162 funções docentes da Rede Municipal de Curitiba, chega-se a uma taxa de filiação de 46,2%, bem mais próxima dos 37,6% encontrados pelo survey. No caso da APP-Sindicato – e a Rede Estadual de Ensino do Paraná –, as taxas de filiação se tornam ainda mais semelhantes. Dos 52.227 filiados da APP-Sindicato, no ano de 2006, 29.765 eram docentes na ativa e 22.462 aposentados. Com o universo de 81.719 funções docentes, temos uma taxa de filiação de 36,4%. Nesse caso, os dados levantados pelo survey e os dados de Ferraz e Gouveia (2011) se tornam, praticamente, coincidentes. Se considerarmos que o survey representa a realidade de sete estados, mas sem desagregar redes municipais e estaduais, certa variação de uma rede a outra, como os diferentes níveis de filiação entre o Sismmac e a APP-Sindicato são esperados. Mas fazer coincidir os dados não é o mais importante da comparação entre estas duas fontes de pesquisa. O que torna interessante a comparação, é a pergunta sociológica que ela possibilita: quanto da taxa de filiação exibida pelos sindicatos – misturando professores da ativa e aposentados – esconde do seu real poder de liderança? Não se trata, aqui, de confundir taxa de filiação e poder sindical, pois, como já argumentamos, não há, necessariamente, uma relação unívoca entre as duas. E, como afirma Cardoso (2003), o poder sindical se encontra em sua capacidade de promover ou impedir ações coletivas. Mas, se considerarmos, com Offe e Wiesenthal (1984), o duplo processo de legitimação do poder sindical, somos obrigados a questionar sobre qual o efeito das altas taxas de filiação exibidas pelo sindicalismo docente para a percepção que os outros atores sociais têm do poder sindical. Também é preciso perguntar sobre quanto da mobilização sindical docente atual está ancorada em sua base de aposentados. E o que pode ocorrer com estas mobilizações, se a base de filiados não for renovada ou ampliada. Nesse momento, torna-se importante a realização de novos trabalhos que possam mapear a relação percentual entre professores em atividade e aposentados, no interior dos filiados das entidades sindicais. Se os aposentados crescem em números absolutos, visto que o envelhecimento das Redes de Ensino é uma tendência, mas a taxa de filiação, considerando apenas professores da ativa por funções docentes, se mantém ao longo dos anos, teremos uma determinada situação. Mas se, juntamente com o crescimento do número de aposentados, estiver ocorrendo quedas na taxa de filiação dos professores da ativa, estaremos diante de outra situação sociopolítica. Nesse segundo caso, os sindicatos docentes po-

349


derão estar diante de dificuldades futuras, caso o movimento em suas taxas de filiação venha a atingir sua capacidade de mobilizar grandes coletivos de trabalhadores, no sentido de empreender ações políticas racionalmente orientadas. Em uma visão pessimista, poderia significar perda de poder, inicialmente endógeno, que se agravaria com perda de poder exógeno. Os dados produzidos pelo survey da pesquisa TDEBB, como retrato de um momento, não são capazes de demonstrarem tendências, pois não temos possibilidade de uma linha histórica para a comparação. No entanto, o cruzamento entre diferentes questões do survey possibilita algumas reflexões sobre o comportamento das taxas de filiação do sindicalismo docente. O primeiro cruzamento que fizemos buscou iluminar as taxas de filiação entre diferentes faixas etárias. Como no survey, trabalhou-se com a pergunta sobre o ano de nascimento do entrevistado, construímos cinco faixas etárias: até 30 anos; de 31 a 40 anos; de 41 a 50 anos; de 51 a 60 anos; e com 61 anos ou mais. Com este cruzamento, considerando as respostas válidas, geramos as tabelas 2 e 3:

Tabela 2 - Filiado ao sindicato por faixa etária Você é filiado ao sindicato? Não sou filiado Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões Total

Até 30 anos

31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 anos anos anos anos ou mais

Total

1287

1891

1505

654

80

5417

23,8

34,9

27,8

12,1

1,5

100,0

48

213

328

134

16

739

6,5

28,8

44,4

18,1

2,2

100,0

89

398

556

319

42

1404

6,3

28,3

39,6

22,7

3,0

100,0

109

314

416

247

46

1132

9,6

27,7

36,7

21,8

4,1

100,0

1533

2816

2805

1354

184

8692

17,6

32,4

32,3

15,6

2,1

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

350


Pode-se destacar, pela tabela 2, que, enquanto as faixas até 30 anos e de 31 a 40 anos correspondem a 17,6% e 32,4% do total de respondentes, sua participação entre os não filiados salta para 23,8% e 34,9% respectivamente. Ou seja, a participação das duas faixas etárias mais jovens cresce quando se considera os não filiados, sendo este crescimento mais acentuado nos docentes até 30 anos. Por outro lado, as faixas etárias entre 41 e 50 anos, entre 51 e 60 anos e os de 61 anos ou mais, tem sua participação percentual aumentada nos três casos de filiados (ainda que com níveis diferentes). Assim, a faixa etária entre 41 e 50 anos, sendo 32,3% do total de respondentes, corresponde a 44,4% dos filiados que participam ativamente das ações sindicais. Na faixa etária que vai de 51 a 60 anos – e que corresponde a 15,6% dos respondentes – encontramos 22,7% dos filiados que participam esporadicamente das atividades sindicais. Por fim, os respondentes com 61 anos ou mais, que são 2,1% do total, passam a 4,1% dos filiados com baixa participação sindical. Ficam evidentes as dificuldades que os sindicatos estão enfrentando para filiar os docentes mais novos. Esse quadro é reforçado pela tabela 3:

Tabela 3 - Filiado ao sindicato por faixa etária Você é filiado ao sindicato? Não sou filiado Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões Total

Até 30 anos

31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 anos anos anos anos ou mais

Total

1287

1891

1505

654

80

5417

84,0

67,2

53,7

48,3

43,5

62,3

48

213

328

134

16

739

3,1

7.6

11,7

9,9

8,7

8,5

89

398

556

319

42

1404

5,8

14,1

19,8

23,6

22,8

16,2

109

314

416

247

46

1132

7,1

11,2

14,8

18,2

25,0

13,0

1533

2816

2805

1354

184

8692

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

351


Na tabela 3 é possível visualizar um movimento de aumento do nível de filiação na medida em que os docentes se tornam mais velhos. Assim, 84% dos docentes com até 30 anos não são filiados, enquanto esse percentual é de apenas 43,5% entre os professores com 61 anos ou mais. Contudo, os mais velhos não são necessariamente os com maiores níveis de participação. Nesse caso, 11,7% dos docentes entre 41 e 50 anos são filiados e participam ativamente das ações sindicais, contra 8,7% dos professores com mais de 51 anos. No entanto, a participação dos professores mais velhos ainda é nitidamente superior aos docentes com menos de 30 anos, grupo no qual, apenas 3,1% são filiados e participam das atividades sindicais. Contudo, ainda é impossível cravar a interpretação que associa causalidade entre idade e filiação sindical, pois outros fatores que atingem de forma desigual as diferentes faixas etárias podem estar na origem do fenômeno. Uma delas diz respeito ao tipo de contrato que os docentes mantêm com as Redes de Ensino. Assim, é necessário olhar os dados da tabela 4:

352


353

7.3

11,2

109 30,6 356 100,0

817 14,6 5595 100,0

12,6

26

625

21,8

49,4

52,4

45

176

2933

1220

CLT/ Carteira Assinada

Estatutário

100,0

2326

8,0

187

5,3

124

3,4

78

83,3

1937

Temporário/ Substituto/ Designado

100,0

301

1,7

5

0,0

1

0,3

1

97,7

294

Estágio com remuneração

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

Total

Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões

Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões

Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões

Não sou filiado

Você é filiado ao sindicato?

Tabela 4 - Filiado ao sindicato por tipo de vínculo de contrato de trabalho

100,0

23

0,0

0

13,0

3

0,0

0

87,0

29

Voluntário

100,0

92

14,1

13

12,0

11

7,6

7

66,3

61

Outro

100,0

8693

13,0

1131

16,2

1404

8,5

737

62,4

5421

Total


Ao analisar as taxas de filiação de estatutários e temporários – os dois tipos de vínculos que apresentaram um número de respondentes estatisticamente relevantes para interpretarmos o significado –, é nítida a tendência de maior filiação entre aqueles que possuem um vínculo empregatício mais estável. Esse resultado era esperado, mas o dado interessante aparece ao comparar a tabela 4 com a tabela 3, que foi apresentada acima. O comportamento dos professores estatutários, sobre a filiação e, mesmo ao nível de participação dos filiados, é praticamente igual ao comportamento dos docentes na faixa entre 41 e 50 anos da tabela 3. O mesmo é verificável quando se compara o comportamento dos docentes temporários da tabela 4, com os professores com menos de 30 anos da tabela 3. Ou seja, o que parecia ser um problema de ordem cultural e político-geracional pode ser revertido se os sindicatos conseguirem ampliar o percentual de docentes com vínculo empregatício estável. Em outras palavras, a dificuldade de filiação pode não residir na questão de consciência política das novas gerações, mas no tipo de vínculo de trabalho. Afinal, no caso dos temporários, por que filiar se amanhã o professor estará fora da Rede de Ensino? Se considerarmos que nas Redes Municipais, que se ampliaram, principalmente a partir dos anos de 1990, encontramos um quadro de professores mais jovens, torna-se interessante fazer um cruzamento entre a filiação sindical e Rede de Ensino em que trabalha o docente. São estes dados que podem ser observados na tabela 5:

354


Tabela 5 - Filiado ao sindicato por tipo de instituição em que trabalha Você é filiado ao sindicato? Não sou filiado

Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões

Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões Total

Municipal

Estadual

Conveniada

Total

2624

2516

293

5433

59,8

64,7

67,0

62,4

465

258

16

739

10,6

6.6

3,7

8,5

760

613

32

1405

17,3

15,8

7,3

16,1

536

503

96

1135

12,2

12,9

22,0

13,0

4385

3890

437

8712

100,0

100,0

100,0

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

Deixaremos de lado os dados da Rede Conveniada, pois o baixo número de respondentes aumenta a probabilidade de distorções estatísticas. Mas, concentrando-nos nas Redes Municipais e Estaduais, podemos perceber que o nível de filiação cresce das Redes Estaduais para as Municipais. Ou seja, a taxa de filiação é de 35,3% nas Redes Estaduais e salta para 40,2% nas Redes Municipais. Mesmo concentrando as redes mais novas nos municípios, as taxas de filiação são maiores, o que pode ser explicado pelo fato das redes municipais – principalmente das capitais – apresentarem números mais baixos de professores temporários. Logo, a tabela 5 reforça o argumento que a dificuldade de filiação, enfrentada pelo sindicalismo docente, pode residir na persistência estrutural de um alto nível de professores temporários, no interior das Redes de Ensino. E o discurso sobre a menor politização das novas gerações pode não ter a força que seus arautos costumam irradiar. Assim, para retomarmos

355


uma questão colocada anteriormente, o crescimento das aposentadorias entre os professores não se transformará em um problema de representatividade para os sindicatos, se estes professores aposentados forem substituídos por docentes com vínculos de trabalho estáveis. No entanto, se o número de temporários crescerem percentualmente, é possível prever crises endógenas da representatividade sindical docente. Outro dado interessante da tabela 5 é a diferença entre aqueles que afirmam ser filiados e participarem ativamente das ações sindicais. Nas Redes Municipais, o percentual de docentes que afirmam participar ativamente é de 10,6%, enquanto, nas Redes Estaduais, este percentual cai para 6,6%. Ou seja, nas Redes Municipais, o número de docentes que afirmam participar ativamente das decisões e das ações sindicais é 60,6% maior que nas Redes Estaduais. Aqui pode estar em jogo tanto as maiores dificuldades geográficas dos Sindicatos Estaduais como uma maior concentração de uma cúpula dirigente. Nesse sentido, torna-se interessante verificar mais alguns dados, coletados pelo survey da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que nos permitem ir adiante. Vejamos, na tabela 6, mais uma vez considerando apenas os dados válidos, o que os professores responderam para a pergunta: Como você avalia a atuação do sindicato em relação aos problemas que afetam o seu trabalho?

Tabela 6 - Como você avalia a situação do sindicato em relação aos problemas que afetam diretamente o seu trabalho Frequência

Percentual

Muio Satisfatória

191

2,6

Satisfatória

1421

19,7

Pouco Satisfatória

2695

37,3

Insatisfatória

2915

40,4

Total

7222

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

Dentre as resposta válidas, 22,3% fazem uma boa avaliação da ação sindical (soma de muito satisfatória com satisfatória), 37,3% têm uma avaliação mediana da atuação sindical e 40,4% estão insatisfeitos com o sindicato. Para um primeiro olhar, esses números não sinalizam

356


grandes problemas para o futuro do sindicalismo docente. Pois, dentre as respostas válidas, o universo daqueles que avaliam como positiva ou mediana a atuação do sindicato chega a 59,6%. Ou seja, entre os professores da ativa, existe uma margem significativa para o crescimento da taxa de sindicalização, ainda que não seja linear a relação entre avaliação positiva do sindicato e predisposição para filiação sindical. De qualquer maneira, uma boa avaliação pode indicar a possibilidade de influenciar politicamente o docente. Logo, potencial para coordenar ação coletiva, mesmo que essa liderança não se transforme em filiação sindical. Mas, vejamos, na tabela 7, se há diferença sobre a avaliação da ação sindical entre aqueles que são filiados e os que não são filiados ao sindicato:

Tabela 7 - Filiado ao sindicato X Como voçê avalia a atuação do sindicato em relação aos problemas que afetam diretamente seu trabalho Você é filiado ao sindicato? Não sou filiado Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões Total

Muito Satisfatória

Satisfatória

Pouco Satisfatória

Insatisfatória

Total

91

647

1377

1880

3995

2,3

16,2

34,5

47,1

100,0

42

252

279

157

730

5,8

34,5

38,2

21,5

100,0

35

319

655

382

1391

2,5

22,9

47,1

27,5

100,0

17

19,6

379

485

1077

1,6

18,2

35,2

45,0

100,0

185

14,4

2690

2904

7193

2,6

19,7

37,4

40,4

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

357


Se nos concentrarmos nos docentes que avaliam como muito satisfatória a ação do sindicato, há pouca diferença entre filiados e não filiados. Em todos os casos é muito baixo4 o percentual de professores que avaliam positivamente a ação do sindicato, ainda que o sentido dessa avaliação possa ser politicamente diferente em cada caso, mas isso não pode ser captado pelo survey. No entanto, a avaliação se torna muito diferente quando se olha para aqueles docentes que julgam como insatisfatória a ação sindical. Dentre os não filiados e os filiados que não participam da ação sindical, esse tipo de avaliação é de 47,1% e 45%, respectivamente. Passando para os filiados que participam ativamente ou esporadicamente das ações sindicais, esse quadro muda e os percentuais se transformam em 21,5% e 27,5%, respectivamente. Ou seja, é possível visualizar uma tendência de se avaliar positivamente a ação sindical quanto mais participante é o docente. Isso significa que além de ter dificuldades para filiar, o sindicato pode estar enfrentando problemas para influenciar politicamente aqueles que não são filiados. Pois, vale lembrar que, como afirma Cardoso (2003), o poder sindical não vem apenas da sua taxa de filiação, mas, fundamentalmente, da sua capacidade de mobilizar coletivamente a sua base, independentemente da filiação individual dos trabalhadores. É preciso reforçar que a questão sobre a avaliação positiva ou negativa da ação sindical parece estar diretamente vinculada ao fator da filiação e não, necessariamente, a outras variáveis. É possível fazer essa afirmação, pois essa tendência que ficou explícita acima, na tabela 7, não se repete quando construímos cruzamentos entre a avaliação da atuação sindical e o tipo de vínculo do docente. Vejamos a tabela 8:

É preciso registrar que mesmo diante de percentuais bastante baixos, o percentual de docentes que participam ativamente das ações sindicais e que avaliam como muito satisfatória a ação do sindicato é mais que o dobro do percentual de todos os outros casos. 4

358


Tabela 8 - Qual o tipo de vínculo de contrato de trabalho X Como você avalia a atuação do sindicato aos problemas que afetam diretamente o seu trabalho Tipo de vínculo de contrato de trabalho Estatutário

CLT/ Carteira Assinada

Temporário/ Substituto/ Designado Estágio com remuneração Voluntário Outro Total

Muito Satisfatória

Satisfatória

Pouco Satisfatória

Insatisfatória

Total

117

934

1945

2011

5007

2,3

18,7

38,8

40,2

100,0

13

75

89

100

277

4,7

27,1

32,1

36,1

100,0

52

350

571

722

1695

3,1

20,6

33,7

42,6

100,0

7

34

49

47

137

5,1

24,8

35,8

34,3

100,0

0

4

8

3

15

0,0

26,7

53,3

20,0

100,0

1

20

27

28

76

1,3

26,3

35,5

36,8

100,0

190

1417

2689

2911

7207

2,6

19,7

37,3

40,4

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

Lembremos que a tabela 4, havia nos informado que os níveis de filiação eram superiores entre os estatutários, quando comparado com os temporários. Assim, poderíamos supor que a satisfação com a ação do sindicato fosse maior entre os estatutários, mas isso não ocorre. O percentual de temporários que avaliam como muito satisfatória ou satisfatória a ação do sindicato é superior ao que ocorre entre os estatutários. No entanto, também é maior o percentual dos temporários que avaliam como insatisfatória. Somente entre os docentes que avaliam a

359


ação sindical como pouco satisfatória é que o percentual dos estatutários se torna maior. Entretanto, os percentuais entre os docentes com os dois tipos de vínculo de trabalho são sempre bastante próximos, impedindo que se torne visível qualquer relação causal entre o tipo de vínculo de trabalho e a avaliação positiva ou negativa da ação do sindicato. Tal tendência somente reaparecerá quando cruzamos a avaliação que o docente faz da ação do sindicato com o tipo de instituição na qual ele trabalha. No entanto, essa tendência é muito menos acentuada que aquela verificada na tabela 7. Na tabela 7, quanto mais próximo os docentes estão do sindicato, melhor é a avaliação que eles fazem do mesmo. Ao ponto de se tornarem o dobro dos demais percentualmente. O mesmo vale para a avaliação negativa. Quanto mais distantes os professores são do sindicato (não filiados), maior a avaliação negativa. Ao ponto de serem percentualmente mais que o dobro dos docentes que são filiados e participam ativamente das decisões. Já na tabela 9, como se verá abaixo, essa tendência existe, mas não é tão intensa.

Tabela 9 - Tipo de instituição em que trabalha X Como você avalia a atuação do sindicato em relação aos problemas que afetam diretamente o seu trabalho. Tipo de instituição que trabalha Municipal Estadual Conveniada Total

Muito Satisfatória

Satisfatória

Pouco Satisfatória

Insatisfatória

Total

98

726

1416

1386

3626

2,7

20,0

39,1

38,2

100,0

78

619

1176

1430

3303

2,4

18,7

35,6

43,3

100,0

15

75

103

99

293

5,1

25,9

35,2

33,8

100,0

191

1421

2695

2915

7222

2,6

19,7

37,3

40,4

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

360


Entre os professores de Redes Municipais de Ensino – que tem maiores níveis de filiação, segundo a tabela 5 – são maiores os percentuais de docentes que avaliam a ação do sindicato como muito satisfatória, satisfatória ou pouco satisfatória, em relação aos docentes das Redes Estaduais de Ensino. Ou seja, 2,7%, 20% e 39,1% nas Redes Municipais contra 2,4%, 18,7% e 35,6% nas Redes Estaduais. Em contrapartida, o percentual é menor entre os docentes municipais para a avaliação insatisfatória da ação sindical. Entre os professores das Redes Municipais, 38,2% avaliam insatisfatoriamente a ação do sindicato, contra 43,3% dos docentes das Redes Estaduais. Assim, como dito anteriormente, há uma tendência, mas muito menos acentuada que no caso da filiação ou não ao sindicato. Anteriormente, registramos com Offe e Wiesenthal (1984) e também com Cardoso (2003), que parte do poder sindical vem de sua capacidade de coordenar ações coletivas. Estas podem se traduzir tanto em greves e paralisações como em um comportamento eleitoral diante de candidatos ou partidos que representem os interesses expressos pela atuação sindical. Assim, o envolvimento, tanto dos trabalhadores de determinada base sindical como das direções sindicais, no processo político institucional, pode ser indicativo do poder sindical. Ferraz e Perecin (2012) encontraram, entre os quadros dirigentes do sindicalismo docente do Mato Grosso do Sul, trajetórias políticas que passam pelos cargos de prefeito, secretário municipal, vereador, secretário estadual, deputado estadual e deputado federal. Essa realidade se reproduz em outros estados e também em algumas capitais, com os quadros dirigentes dos sindicatos municipais. No entanto, com uma base de dado qualitativo, é impossível para Ferraz e Perecin (2012) demonstrar qualquer conexão causal entre a estrutura sindical docente e um comportamento eleitoral coletivo e racionalmente orientado com respeito a fins (Weber, 1994). Assim, tentemos contrapor o dado qualitativo dos autores, com os dados quantitativos do survey aplicado pela pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”. Para isso, podemos observar a tabela 10, com dados relativos à filiação partidária de professores e professoras:

361


Tabela 10 - Você é filiado a algum partido político? Frequência

Percentual

Não sou filiado

7899

90,4

Sou filiado

836

9,6

Total

8735

100,0

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

A tabela 10 revela um número de professores e professoras com vida partidária um pouco abaixo da média nacional. Apenas 9,6% dos resultados válidos correspondem a docentes que se encontram filiados a algum partido político. Enquanto, no geral da população brasileira, esse percentual é de 11,1%. Ou seja, em um universo de 138,2 milhões de eleitores, o Brasil tem 15,4 milhões de filiados a partidos políticos (TSE, 2011). Para tentar compreender melhor o significado desses números, cruzamos, inicialmente, os níveis de filiação a partidos políticos, com os níveis de filiação sindical. É o que pode ser visto na tabela 11:

362


Tabela 11 - Filiado ao sindicato X Filiação a partido político Não sou filiado a partido político

Sou filiado a partido político

5012

393

5405

92,7

7,3

100,0

571

160

731

78,1

21,9

100,0

Sim, e participo esporadicamente de todas as ações e tomadas de decisões

1223

177

1400

87,4

12,6

100,0

Sim, mas não participo das ações e tomadas de decisões

1028

103

1131

90,9

9,1

100,0

7834

833

8667

90,4

9,6

100,0

Você é filiado ao sindicato?

Não sou filiado

Sim, e participo ativamente de todas as ações e tomadas de decisões

Total

Conveniada

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

O resultado é próximo ao que poderíamos supor, mesmo sem grandes reflexões. Ou seja, quanto mais próximo ao sindicato, maior o nível de filiação partidária, o que poderia ser fruto de um comportamento mais politizado em relação aos conflitos públicos. Assim, no caso de não filiados e de filiados com pouca participação sindical, os níveis de filiação partidária estão abaixo da média nacional: 7,3% e 9,1%, respectivamente. Entretanto, os níveis de filiação partidária ultrapassam a média nacional, quando olhamos para os filiados com participação esporádica nas ações sindicais, chegando a 12,6%. E quase dobram a média nacional, alcançando 21,9%, quando nos concentramos nos filiados com participação ativa nas ações sindicais. Porém, esse vínculo direto, entre proximidade ao sindicato e maiores níveis de filiação partidária, torna-se um pouco mais complexo quando

363


cruzamos a filiação partidária com a avaliação que os docentes fazem da ação sindical. Vejamos a tabela 12:

Tabela 12 - Você é filiado a partido político X Como você avalia a atuação do sindicato em relação aos problemas que afetam diretamente o seu trabalho Filiação a partido político

Muito Satisfatória

Satisfatória

Pouco Satisfatória

Insatisfatória

Total

Não sou filiado a partido político

151

1248

2426

2627

6452

2,3

19,3

37,6

40,7

100,0

Sou filiado a partido político

37

166

263

1430

1896

2,0

8,8

13,9

75,4

100,0

188

1414

2689

4057

8348

2,3

16,9

32,2

48,6

100,0

Total

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010. Dados trabalhados pelo autor.

Entre os filiados a partidos políticos, a insatisfação com a ação sindical é muito superior que aquela encontrada entre os não filiados. Ou seja, 75,4% contra 40,7%. Aqui, poderíamos traçar uma infinidade de hipóteses explicativas. No entanto, todas seriam especulativas, diante das informações que temos no momento. Para termos maior segurança na interpretação desses dados, duas informações, que não dispomos, são importantes para se balizar o significado sociopolítico dos mesmos. A primeira é o nível de filiação partidária de outras categorias, para termos a possibilidade de avaliar se, no caso docente, eles são mais altos ou mais baixos que outros setores organizados e, então, poder traçar alguma hipótese que os vinculassem a ação sindical. A segunda informação é sobre a quais partidos, professoras e professores estão filiados, para testarmos se os mesmos correspondem à orientação política do sindicato e se há alguma relação válida entre os dois fenômenos. Na ausência dessas informações, pois não faziam parte das preocupações teóricas e metodológicas que orientaram a construção do survey, podemos traçar algumas hipóteses relacionando essas informações da filiação partidária

364


com os dados qualitativos de Ferraz e Perecin (2012). Reunindo as duas fontes de dados, temos o seguinte quadro de informações: 1) lideranças sindicais que construíram trajetórias políticas institucionais; 2) filiação partidária em nível inferior à média nacional entre os docentes mais distantes do sindicato, mas muito superior entre os docentes com forte participação sindical; 3) comportamento mais crítico à ação sindical entre os professores e professoras filiados a partidos políticos. Isso significa que há professores que têm conseguido sucesso eleitoral, sem que isso se transforme em filiação partidária de sua base, ainda que essa filiação possa ser encontrada entre lideranças docentes. O mesmo raciocínio que utilizamos para a filiação sindical – qual seja, que a filiação sindical não significa, necessariamente, predisposição para a ação coletiva – pode ser desenvolvido em relação à filiação partidária. Assim, da mesma forma que pode haver ação coletiva, sem a necessária filiação sindical, pode ocorrer comportamento eleitoral politicamente orientado sem filiação partidária. O dado conflitante com essa interpretação é a grande avaliação negativa da ação sindical, entre os docentes que são filiados a partidos políticos. Porém, esta é uma hipótese impossível de ser demonstrada apenas com os dados de que dispomos no momento. Mas não é, de forma alguma, uma hipótese que se deve previamente descartar. Essa hipótese, contudo, por enquanto deve conviver com outras, igualmente plausíveis. Assim, tanto pode estar ocorrendo um comportamento eleitoralmente orientado, expressado por votos depositados em candidatos sintonizados com os interesses expressados pelos sindicatos docentes; como os sindicatos docentes podem ter se transformado em um espaço de visibilidade pública capaz de projetar lideranças eleitoralmente viáveis, independente de qualquer movimento de base mais organizado ou consequente. Diante desse quadro, podemos recolher quatro desafios de pesquisa elaborados por Ferraz (2012) e transformá-los em questionamentos que dizem respeito ao comportamento das taxas de filiação sindical, para traçarmos um cenário de pesquisas futuras para esse tema. Para o autor, são temas que desafiam os pesquisadores de sindicalismo docente para os próximos anos: 1) a expansão do direito à educação; 2) o processo de democratização do Estado e a participação docente na definição das políticas educacionais; 3) a precarização do trabalho docente; 4) o conflito ao redor da lei do Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN. (Ferraz, 2012: 158)

365


No primeiro ponto, estão em jogo as metas do Plano Nacional de Educação – PNE –, que se encontra em processo de votação no Congresso Nacional. Projeta-se uma ampliação de 15% da oferta de matrícula, sem considerar o crescimento no atendimento de educação de jovens e adultos – EJA –, educação especial e educação integral. Isso significa uma ampla contratação de novos professores e professoras, caso as metas venham a ser cumpridas. Como os sindicatos vão absorver essa nova geração, em termos de filiação? A entrada de professores nas redes de ensino, nos anos de 1960, 1970 e 1980, período de universalização do ensino fundamental de oito anos, foi acompanhada por filiação massiva de professores, fruto, tanto das greves de 1970 e de 1980, como do enfrentamento interno entre as lideranças do novo sindicalismo e as lideranças tradicionais. E no atual momento, como se passará esse processo? Os dados que conseguimos observar neste texto sugerem que a questão geracional não é fundamental para o crescimento dos níveis de filiação. Ao contrário, o tipo de vínculo empregatício tem relação direta com a filiação e mesmo com a participação ativa nas ações sindicais. Assim, para os interesses coletivos de representação política e sindical dos professores será de fundamental importância o tipo de vínculo empregatício que dará suporte para a expansão do direito à educação. Ampliar o crescimento educacional, através de contratos precários ou precarizados de trabalho, significa novos obstáculos para uma ação sindical politicamente consequente. A segunda questão diz respeito à participação sindical, tanto no processo legislativo, através da pressão social sobre o Congresso, como no interior de Conselhos que formulam ou fiscalizam as políticas educacionais. Esse envolvimento no interior dos Conselhos amplia a legitimidade exógena do poder sindical. Ao ter seu poder ampliado, de fora para dentro, o sindicalismo não se molda às necessidades técnicas de um poder burocrático no interior do Estado? Essa especialização burocrática não pode aumentar a distância entre o universo político e simbólico das lideranças e de suas respectivas bases sindicais? Essa distância, maior ou menor, pode influenciar as taxas de sindicalização? Tão significativas diferenças entre os níveis de filiação partidária dos sindicalizados com grande participação sindical e os não filiados não podem ser amplificadas por esse maior nível de legitimidade exógena do poder sindical? Também é necessário registrar que a participação do sindicalismo docente na formulação e acompanhamento das políticas públicas se ampliou, em paralelo, com o crescimento da municipalização do ensino nos anos de 1990, ainda que não se possa estabelecer relação causal

366


entre os dois fenômenos. De qualquer forma, a concomitância dos dois processos tem produzido uma maior visibilidade dos interesses específicos de docentes vinculados às redes municipais. O crescimento das redes municipais pode estar potencializando os sindicatos municipais e gestando crises futuras para os sindicatos estaduais? Os maiores níveis das taxas de filiação sindical entre professores das Redes Municipais de Ensino são traduções deste fenômeno? Já no terceiro ponto, ou seja, no debate sobre a precarização do trabalho docente5, há vinculação deste com os níveis de filiação sindical? Os dados apresentados neste texto demonstram que os níveis de filiação caem entre os professores temporários. No entanto, a convivência entre professores estatutários e temporários, nas redes de ensino, sempre foi um obstáculo para o crescimento do sindicalismo docente. Entretanto, a precarização que pode estar ocorrendo significa não apenas um vínculo de trabalho mais ou menos precário. Entram, agora, no debate, questões como a ampliação da jornada real de trabalho, sem reconhecimento formal (ainda que a lei do PSPN regulamente a hora/ atividade); a autointensificação do trabalho docente; a remuneração por produtividade; e outras que poderíamos elencar, mas que não se fazem necessárias para os objetivos deste texto. A questão é que, se tivermos em mente o conceito de precarização social (Appay e Thébaud-Mony, 1997), este processo pode significar uma individualização ainda mais intensa do trabalho docente, que poderia refletir em sua participação coletiva e sindical. Por fim, o desafio que foi estabelecido pela lei do PSPN. A valorização do magistério sempre foi bandeira fundamental de luta, tanto dos sindicatos docentes criados após a Constituição de 1988, como das associações e grêmios de professores que foram fundados desde os finais do século XIX. No entanto, a valorização do magistério sempre foi um princípio político genérico. A lei do PSPN altera esse cenário. A lei do PSPN produz a vinculação entre um direito e a ação política (Lefort, 1987). Em outras palavras, ela fixa um universo cognitivo de Justiça. Estar na lei não significa que seja cumprido imediatamente. Mas estar na lei confere a legitimidade do litígio, perante toda a sociedade (Ferraz, 2012). É essa legitimidade que permite à CNTE elaborar uma lista dos

O conceito de precarização do trabalho docente é bastante controverso, visto que há elementos tanto para negá-lo, como para confirmá-lo. No entanto, Ferraz (2012), em um diálogo com Rosenfield (2011), propõe o uso do conceito de precarização social de Appay e Thébaud-Mony (1997), em uma tentativa de renovar o debate. 5

367


governadores e prefeitos que não pagam o piso nacional. Pois, não se trata mais de um valor salarial qualquer, reivindicado em algum ponto do país. Trata-se do descumprimento de uma lei e, portanto, da perpetuação de uma injustiça. No entanto, a interpretação da lei está em jogo. Assim, é plausível imaginar alguns anos, talvez uma década, de intensas mobilizações e greves pelo real cumprimento da lei do PSPN. E esse substrato legítimo para as mobilizações pode ser o contraponto coletivista e nacional, para a fragmentação impulsionada pelos movimentos de precarização e municipalização. Se, como afirma Rancière (1996), o ator coletivo é sempre uma construção literária, a lei do PSPN pode consolidar o argumento comum, a ser compartilhado pelas diversas narrativas a serem escritas por professores e professoras em cada estado ou município brasileiro. Nesse sentido, novamente, verificar as taxas de filiação poderá significar recolher, no presente, o movimento que desenha o futuro do sindicalismo docente. Ainda que as ciências não revelem o devir – para estes assuntos, como dizia Antônio Flávio Pierucci em suas aulas, a Cigana é sempre mais competente –, ler racionalmente o presente, sempre nos permite uma intervenção consciente no processo de construção da sociedade que queremos.

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368


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Capítulo 15

A saúde e o trabalho docente: um desafio para as políticas públicas da educação1 Magaly Robalino

A profissão docente é sempre uma atividade ambivalente. Como no mito de Jano – aquele das duas faces – apresenta-nos uma porta aberta pela qual podemos entrar ou sair. Por um lado, o ensino pode ser vivido com otimismo e se transformar em uma forma de autorrealização profissional, uma vez que nele podemos dar-lhe sentido a toda uma vida. Pelo outro, não podemos esconder a outra face da profissão docente: uma profissão exigente, às vezes fisicamente esgotadora, sujeita sempre ao julgamento de um público que, com suas perguntas, coloca-nos a prova, não apenas em nossos conhecimentos, mas também em nossa própria coerência pessoal2. José Manuel Esteve, 2005

Artigo traduzido por Julieta Sueldo Boedo do original em espanhol para o português, em razão de publicação no Brasil. 2 NT: A tradução das citações foi feita exclusivamente para esta publicação dos textos originais editados em espanhol, segundo os dados que aparecem na bibliografia. 1

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Pensando um novo enfoque sobre saúde e trabalho docente O trabalho, como um processo fundamental no desenvolvimento dos seres humanos, é um assunto que tem merecido ampla atenção por parte de economistas, sociólogos, psicólogos e outros profissionais. “O trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem”, foi assim que Friederich Engels começou seu famoso ensaio O papel do trabalho na transformação do macaco em homem, em 1876. Por mais que autores como Engels tenham situado o trabalho como um fator central no desenvolvimento intelectual dos seres humanos e na sua própria constituição como seres sociais, boa parte dos primeiros estudos e reflexões sobre o trabalho se centraram no papel do trabalho como atividade humana básica para a produtividade e o desenvolvimento econômico. Posteriormente, bem avançado o século XIX, surgem análises que começam a se referir ao trabalho, também, como um processo que pode gerar riscos para a saúde dos trabalhadores, particularmente naquelas atividades que, por serem realizadas em condições inadequadas, tinham efeitos nocivos evidentes, como é o caso da mineração, de atividades com químicos, metais pesados, pesticidas etc. Esse reconhecimento da interação entre saúde e trabalho, nas primeiras épocas, foi traduzido na aceitação da existência de “riscos trabalhistas” e originou a instalação de unidades em ministérios do trabalho e instituições governamentais de proteção social para estabelecer determinadas regulações, desenvolver programas de capacitação dos trabalhadores no uso dos meios de proteção, classificar os “acidentes” ou “riscos” de trabalho etc. Mais recentemente, alguns estudos procuraram investigar o papel do trabalho no bem-estar das pessoas e dos grupos sociais, na construção de sua identidade, nos efeitos positivos sobre a saúde física e mental, na afirmação da valorização social e a autoestima, entre outras dimensões pouco pesquisadas até então. Vários autores, como Laurell (1991), Noriega, Laurell, Martínez e Villegas (2000), Breilh (1998, 2006, 2010,) Kohen (1995), Betancourt (1995), Granda (2006), entre outros, realizaram contribuições fundamentais nesse campo, tanto teóricas como metodológicas, e aprofundaram em uma perspectiva integral

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que reconhece a existência de um polo positivo e um polo negativo do trabalho, querendo dizer, com isso, que é uma atividade humana que pode desencadear processos perigosos para a saúde física e mental, mas também pode gerar processos estimulantes e protetores para a saúde e a vida dos trabalhadores. No campo da educação, essas pesquisas são recentes e escassas, entre outros motivos, porque historicamente a docência foi configurada como um apostolado, como um “serviço social”, mais do que como um trabalho para o qual eram necessárias qualificações, critérios de desempenho e processos de avaliação. O conceito de profissionalismo do trabalho docente surge, relativamente, faz pouco tempo, no meio dos debates em torno da qualidade da educação e sua relação com o desenvolvimento social e econômico dos países. Tal interpretação da docência como apostolado traz, implicitamente, um sentido intrínseco de sacrifício e renúncia. Trabalhar em condições inadequadas, percorrer enormes distâncias para se chegar à escola, contar com recursos didáticos rudimentares, padecer de doenças decorrentes do exercício desse trabalho etc., fazia parte do que estava (ou ainda está) disposto a aceitar aquele ou aquela que decidia optar pela docência. Afonia, varizes, dores lombares, fadiga, foram e são assumidas como as inevitáveis “marcas” da profissão, contra as quais nada se pode fazer. Essa visão levou a considerar que para exercer a docência apenas com a vocação já era suficiente; que era uma profissão que não demandava conhecimentos muito complexos nem um aprendizado permanente, também não eram necessários recursos tecnológicos, porque giz e quadro negro eram suficientes (Robalino, 2005). A docência tem a imagem de uma atividade que não requer uma preparação rigorosa e que possui diversas vantagens em relação a outros trabalhos, tais como a dedicação em meio período (Martínez, 2001). Uma perspectiva que não corresponde exatamente com a configuração histórica da profissão que nasce, em vários países, a partir de rigorosos processos de formação de professores nas primeiras escolas normais criadas na América Latina para formar os docentes que foram os pilares intelectuais e ideológicos dos novos Estados laicos (Terán, 2012). O desenvolvimento do conhecimento no campo da educação e da pedagogia, sem deixar de reforçar o sentido profundamente humano e social do processo educativo, vem demonstrando a necessidade de formar, de maneira rigorosa, profissionais com capacidades para trabalhar em cenários diferentes e em constante mudança; com gerações que têm novos estilos e códigos de comunicação e aprendizagem; crianças

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afetadas pela migração e deslocamento forçado; em escolas localizadas em comunidades em contexto de pobreza, violência, insegurança etc. Essas mudanças sociais e culturais, junto com as novas regulamentações estabelecidas para o trabalho docente (Oliveira, 2008), colocaram os docentes em cenários de trabalho completamente novos, que geram situações que exercem um efeito direto em seu bem-estar e, de maneira particular, na sua saúde, o tema que aborda este capítulo. A saúde deve ser entendida como um processo social. Os processos sociais não são meramente um contexto externo, mas significam elementos geradores da saúde (Laurell, 1991), entendida integralmente, que depende de um equilíbrio social, psicológico, fisiológico e biológico, em um conceito superior ao simples fato de “não estar doente” (Monge, 2002). Nesse sentido, as atividades laborativas têm um efeito direto na saúde dos trabalhadores, significa muito mais, pois trabalho e saúde são duas categorias que interagem e recebem mútuas influências. O conceito de saúde dos trabalhadores, segundo Tomasina e Levín (2000), é qualitativamente superior ao conceito de saúde ocupacional tradicional. É exatamente um espaço de construção de conhecimentos, práticas e saberes sobre a saúde dos trabalhadores; é, em si mesmo, um âmbito de prática e reflexão para a apropriação e socialização, por parte dos trabalhadores, de conhecimentos sobre sua área de trabalho, orientadas para a ação participativa e transformadora da sua saúde. O modelo dominante de saúde está caracterizado pela não participação, hegemonizado por técnicos, com uma prática individual profundamente medicalizada que concebe o trabalho como externo ao ser, e considera o trabalhador como o único responsável pela sua saúde. Na prática da saúde convencional os problemas identificados no trabalho são aceitos como isolados entre si, presentes por acaso e vinculados linearmente com a saúde do trabalhador (Tomasina, 2000). No campo da educação, a saúde tem uma incidência importante no trabalho docente ou, de maneira mais específica, na forma como os docentes chegam para trabalhar, e o trabalho, por outro lado, tem uma incidência positiva e/ou negativa na saúde dos docentes em relação direta com as condições nas quais desenvolvem sua atividade laborativa. Na América Latina tem se realizado pesquisas sobre as condições de trabalho e saúde dos docentes desde, aproximadamente, a década de 1970 (Parra, 2005: 22). Alguns dos trabalhos mais importantes podem ser situados, em primeiro lugar, nos trabalhos preliminares a partir do Programa de Economia do Trabalho no Chile; na Pesquisa sobre Saúde e Condições de Trabalho de 1988, realizada pela AMSAFE (Associação

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do Magistério de Santa Fé, Argentina), que colocou o tema na agenda sindical (Kohen, 2005); na pesquisa promovida pelo mesmo sindicato AMSAFE, em 1992, em Rosário, em conjunto com a Faculdade de Psicologia; nas Pesquisas Nacionais realizadas na Argentina pela Confederação Nacional de Trabalhadores da República Argentina (CTERA, 1994-1995), na pesquisa no Equador no período 1995-1996 realizada pelo CENAISE com a participação da União Nacional de Educadores3 e o apoio do Ministério de Educação. Esses primeiros estudos, ao mesmo tempo em que mostravam uma realidade preocupante, contribuíram com a constituição de linhas e equipes de trabalho que desenvolveram metodologias qualitativas e quantitativas de pesquisa da realidade trabalhista da docência (Parra, 2005). Posteriormente, em 1999, surge no Brasil o livro Educação, carinho e trabalho (Codo, 1999), que dá conta e reflete sobre os dados de uma importante pesquisa desenvolvida com professores, funcionários e especialistas da rede pública de ensino, sobre condições de trabalho e saúde mental, pesquisa promovida pela Confederação Nacional de Educação (CNTE) e o Laboratório de Psicologia do Trabalho da UNB (LPT). Em 2005, surge a publicação da pesquisa feita pela Unesco, que recolhe os estudos de caso realizados em 6 países (Argentina, Chile, Equador, México, Peru e Uruguai), com a participação de universidades, centros de pesquisa, organizações docentes e ministérios de educação. Além das pesquisas mencionadas e de outras que foram desenvolvidas ao longo dos últimos anos, podem ser acrescentadas contribuições bibliográficas levantadas por diversos autores como Martínez (2001)4, Kohen (2005)5, Parra (2005)6 e, sem dúvida, os estudos e trabalhos desenvolvidos por Juan Manuel Esteve (1984, 1987), que foi quem in-

O primeiro estudo de saúde ocupacional docente foi desenvolvido por CENAISE, Centro Nacional de Investigaciones Sociales y Educativas do Equador com apoio do Ministério da Educação e a União Nacional. 4 Deolidia Martínez publicou o livro Abriendo el presente de una modernidad inconclusa: treinta años de estudios del trabajo docente, onde resume as pesquisas da década de 1990 sobre o tema. 5 Jorge Kohen sintetizou 12 anos de pesquisa em saúde e trabalho docente em sua tese La problemática del trabajo infantil y docente en el contexto de las nuevas vulnerabilidades. Del impacto negativo en la salud a la búsqueda de procesos saludables. 6 Manuel Parra realizou um levantamento bibliográfico sobre saúde docente como parte da pesquisa promovida pela UNESCO. 3

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troduziu o conceito de “mal-estar” docente na análise do impacto do trabalho na vida dos docentes.

A pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil e a saúde dos trabalhadores da educação A pesquisa sobre Trabalho Docente no Brasil surge em um momento no qual a complexidade da profissão docente demanda, também, uma compreensão ampla sobre o trabalho dos professores e obriga a pensar de maneira participativa em políticas e estratégias integrais, multisetoriais e de longo prazo, orientadas para assegurar as melhores condições de trabalho e de vida no marco de políticas e estratégias que atendam as diferentes dimensões da vida laborativa, pessoal, social e cultural dos trabalhadores da educação. A interpretação integral dos fatores que influenciam nos processos de saúde-doença do coletivo de trabalhadores inclui, não apenas a valorização do âmbito de trabalho exclusivamente, mas também a ligação com o espaço de reprodução social, definido como a forma de organização da vida social, tanto no conjunto global de uma sociedade, como nos grupos particulares da mesma. Sobre esse espaço dinâmico e mutável opera um sistema de contradições que acontecem em vários domínios integrados: a vida profissional e de consumo, a vida organizacional e cultural, e a vida com o entorno. Nesses domínios recai a determinação da qualidade de vida. Pelo que foi exposto, quando pensamos nos fatores do processo de saúde-doença dos trabalhadores, precisam ser considerados todos esses âmbitos, em todos os lugares onde se desenvolve a vida como grupo e como indivíduo (Breilh, 1995). A partir dos conceitos colocados acima, a análise dos dados que a pesquisa mostra se ancora nas contribuições realizadas, entre outros autores, por Kohen e Valle (1994), Tomasina (2000) Betancourt (1995), Martínez (2001), Parra (2005), Oliveira (2008) e parte de eixos como os seguintes: • Uma abordagem integral da saúde dos trabalhadores como um estado de equilíbrio físico, fisiológico, mental e social, que não se constitui de maneira isolada, mas na relação e interação direta com fatores familiares, do trabalho, econômicos, culturais e sociais. • Uma compreensão da escola como um centro de trabalho que

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possui um conjunto de condições materiais e sociais que gera processos que podem contribuir com a realização pessoal e profissional, ou que, pelo contrário, podem afetar negativamente, desencadeando sintomatologias e/ou doenças que afetem o bem-estar do docente, assim como também a forma como ele se desempenha em seu trabalho. • Reconhecimento da profissão docente em suas múltiplas dimensões: trabalho na sala de aula, interação com os outros professores, estudantes, famílias e comunidade; relacionamento com as políticas educativas; interação com o entorno familiar, territorial e social etc. A partir dessa perspectiva, analisando o processo de trabalho docente, seguimos um percurso que inclui: a escola como local de trabalho; a realidade sociocultural que vive o conjunto dos alunos; a problemática que rodeia e contextualiza a escola (cenário social, educativo e territorial); e, finalmente, o âmbito da vida familiar do docente, penetrado e permeado por sua atividade profissional. Esse percurso exige decompor o trabalho docente em seus elementos básicos e analisar os elementos presentes no ambiente de trabalho, nas cargas do trabalho e nas exigências que delas se desprendem, o que faz com que esses elementos sejam ressignificados, em função do impacto que exercem na saúde do docente. Tomasina e Levín (2000). No trabalho docente é preciso considerar três elementos constitutivos centrais: a carga de trabalho, a complexidade da tarefa e a responsabilidade. A carga de trabalho se constitui pelo tempo de trabalho dentro e fora da jornada de trabalho e o número de alunos atendidos pelo docente. Uma vez que a docência é exercida majoritariamente por mulheres, nesse ponto é necessário rever o peso que o trabalho doméstico representa como carga de trabalho adicional. A complexidade da tarefa pode ser apreciada claramente nos novos conteúdos, nos programas curriculares e nas particularidades dos alunos, tanto por suas características individuais, como pela procedência de um contexto social e familiar cada vez mais complexo e conflitante. A responsabilidade, devido às mudanças e novos regulamentos sobre o trabalho docente, aos mecanismos de controle, medição e avaliação do desempenho docente que foram se estabelecendo em quase todos os países e à autoexigência assumida pelos docentes. Essa responsabilidade se traduz no papel sociocultural que cumprem os docentes, cuja importância para a comunidade é ainda muito significativa. A escola é mais do que o lugar onde se ministram

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conhecimentos, também cumpre funções de sociabilização, o trabalho docente é um trabalho de relacionamento docente-aluno, docente-docente, docente-comunidade, em que as expectativas das famílias e da sociedade são depositadas, transformando-se em uma carga para o docente (Tomasina, 2000). A partir dessa perspectiva metodológica, a análise dos dados sobre saúde docente que apresenta a Pesquisa sobre Trabalho Docente, é realizada a partir de uma leitura transversal de vários capítulos, não somente do capítulo que agrupa perguntas diretamente ligadas à saúde. É importante salientar que a pesquisa foi respondida por 8.814 sujeitos docentes, forma como a Pesquisa denomina quem faz trabalho educativo: professores, educadores, monitores, estagiários, coordenadores, auxiliares e outro pessoal de apoio pedagógico de instituições de educação infantil, ensino fundamental e ensino médio das redes estaduais e municipais de sete estados do Brasil e centros de cuidado infantil (creches). Neste capítulo, utilizamos indistintamente os termos sujeitos docentes ou docentes. A análise está organizada nos seguintes itens: • Tempo de trabalho • Tempos de descanso e uso do tempo livre • Exigências/cargas de trabalho • Processos perigosos no trabalho • Problemas de saúde docente • Polo positivo do trabalho, satisfação com o trabalho e a carreira Existem outros temas que relacionam trabalho e saúde que não serão abordados nessa ocasião porque não fizeram parte da pesquisa e que são mencionados nas conclusões como campos de pesquisa para o futuro.

Tempo de trabalho As mudanças nas normativas, regulamentos e regulações do trabalho docente ampliaram consideravelmente a jornada presencial na instituição educativa, mesmo que no imaginário social ainda se considere que a docência é uma atividade de “meia jornada”. Nos países que, como no Brasil, é permitido que os professores trabalhem em mais de uma ins-

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tituição educativa, a jornada de trabalho pode ultrapassar as 40 horas semanais. O Gráfico 1 mostra que 22,4% trabalham de 21 a 30 horas e 21% entre 30 e 40 horas. Gráfico 1 - Tempo semanal de atuação em atividade docente

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Em média, os sujeitos docentes entrevistados têm uma jornada de trabalho de 28,6 horas semanais, das quais 24,2 horas são dedicadas exclusivamente a atividades docentes, como mostra o Gráfico 2: Gráfico 2 - Carga horária média de trabalho (horas)

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

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Essa informação deveria ser tomada com precaução, porque há uma tradição estendida, inclusive por parte dos próprios docentes, de aceitar que o trabalho docente se prolongue em casa ou fora do horário escolar para correção de tarefas dos alunos, preparação de material, atividades de capacitação (até se forem obrigatórias), assistência a reuniões, trabalho em equipe, atendimento a pais e mães etc. Esse tempo não é contabilizado nem remunerado como tempo de trabalho. É altamente significativo que 43,5% dos entrevistados levem sempre e frequentemente tarefas da escola para casa e ocupam uma média de 7,5 horas por semana, como podemos ver no Gráfico 3. Gráfico 3 - Costuma levar atividades do trabalho para realizar em casa

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Um cálculo real do número semanal de horas trabalhadas pelos docentes deveria resultar da soma da duração da jornada de trabalho, declarada ou regulamentada, mais o trabalho levado para casa e o tempo dedicado a atividades de formação, reuniões etc. Essas jornadas se estendem ainda mais se considerarmos os tempos que os sujeitos docentes precisam para se deslocar da casa para os locais de trabalho ou entre instituições educativas. 45,9% dos entrevistados levam até 30 minutos, 18,3% até uma hora e 6,7% de uma a duas horas. Os tempos de deslocamentos aumentariam para aqueles que trabalham em mais de uma instituição educativa.

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Tempos de descanso e uso do tempo livre Não é disponibilizada informação específica sobre tempos e espaços para descansos durante a jornada de trabalho, com exceção da pergunta que questiona se os entrevistados consideram que o tempo para o almoço é suficiente e 46% dos docentes respondem que é insuficiente. Quando se pergunta aos entrevistados em que utilizam o tempo livre, 21,2% dos sujeitos docentes declaram descansar e dormir, 16% fazem atividades com a família, 16,2% leem, 7,1% assistem tevê, e um dado interessante é que 9,7% declaram que usam o tempo para “cuidar de mim”, mesmo que não se especifique o conceito dessa atividade (inclusive poderia se referir ao tempo dedicado ao atendimento médico), poderia ser uma via para fortalecer ou criar uma cultura de autocuidado, autoproteção e carinho por si mesmo. Somente 5,5% mencionam atividades físicas nesse item, porém, quando se pergunta sobre as atividades físicas regulares que realizam, 47.5% respondem que caminham regularmente (18,1% de uma a duas vezes na semana e 29,4% três vezes ou mais). É por isso que os cruzamentos ou a confrontação dos resultados das diferentes perguntas ajudam a ter uma perspectiva mais aproximada da realidade. É significativo destacar que 15.9% utilizam parte do tempo livre em atividades de formação e, se cruzarmos com o tempo extraescolar dedicado a tarefas da escola, os dados mostram que o trabalho está invadindo o espaço familiar e ocupando o tempo de descanso e recreação de quase a metade dos sujeitos docentes entrevistados. E, ainda por cima, esta carga de trabalho fica mais incrementada para aqueles que, além disso, realizam tarefas domésticas no tempo livre, o que, segundo a pesquisa, corresponde a 15%. Esse dado, mesmo assim, merece ser mais explorado se considerarmos que 82% dos participantes da pesquisa são mulheres, que são as que tipicamente assumem uma boa parte da carga de trabalho da casa.

Exigências/cargas laborais no trabalho no centro educativo A pesquisa apresenta dados significativos sobre os problemas ligados à escola e ao entorno social que interferem no trabalho docente e se transformam progressivamente em cargas laborais que, se não houver estratégias adequadas e oportunas, afetam o trabalho global da escola,

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o ambiente de trabalho, o rendimento dos estudantes e o estado físico e emocional dos docentes. Os sujeitos docentes estão sentindo um peso enorme devido aos problemas decorrentes do ambiente escolar, comunitário e social. O Quadro 1 mostra as porcentagens de entrevistados que responderam sobre os problemas da escola e do entorno escolar que “interferem” e “interferem muito” no seu trabalho.

Quadro 1 - Percepção dos sujeitos docentes sobre os problemas que afetam seu trabalho Condições sociais

Interfere muito (%)

Interfere (%)

Total

Situação socioeconômica precária das famílias dos alunos

42,1

27,3

69,4

Problemas de saúde dos alunos

28,2

33,5

61,7

Atitudes de vandalismo

41,3

17,7

59

Conflitos entre os alunos

33,4

24,9

58,3

Intimidação ou classificação pejorativa entre os alunos

30,8

25,2

56

Tráfico de drogas nas imediações da unidade educativa

38,5

15,2

53,5

Falta de liderança da direção da unidade educativa

32,8

18,5

51,3

Presença de gangues dentro da unidade educativa

36,8

12,6

49,4

Consumo de álcool/drogas pelos alunos/colegas

35,6

11,1

46,7

Conflitos entre pais e professores sobre os alunos

20

21,4

41,4

Conflitos entre colegas de trabalho

17,9

19,6

37,5

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Os sujeitos docentes percebem que há no seu trabalho uma interferência alta de problemas associados à situação socioeconómica dos estudantes, à violência dentro e fora da escola e à falta de liderança nos

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centros educativos. Se analisarmos o Quadro 1 por item, poderemos observar que a precariedade econômica das famílias dos estudantes é considerada como o principal obstáculo para o trabalho dos sujeitos docentes; se forem analisados em conjunto, os problemas associados à violência física, psicológica e social (tráfico de drogas e consumo de álcool) são percebidos como uma ameaça incrível contra o trabalho nas escolas e, inclusive, como uma fonte de insegurança para os docentes e estudantes, um dado que surge nas respostas dos entrevistados ligadas aos motivos do absentismo ao trabalho. As respostas violentas, conflitos entre colegas, tráfico de drogas, gangues na escola e nos arredores, não apenas afetam os processos pedagógicos e o trabalho educativo, mas também geram tensão e ansiedade que se traduzem em patologias associadas à esfera mental. Outros estudos realizados na América Latina relatam a incidência que os problemas de violência dentro e fora da escola exercem na saúde dos docentes, traduzidos em transtornos psicossomáticos ou alterações tais como ansiedade, distúrbios do sono, crises de pânico etc. (Parra, 2005; Kohen, 2005, Martínez, 2006). “Quando existe uma dissociação (separação) entre o dentro (a escola) e o fora (mundo externo), a sociedade em geral, e o docente em particular, podem agir sob um pressuposto enganoso de que a escola é uma área livre de conflito social. No entanto, as instituições educativas reproduzem o modelo de relacionamento vigente no contexto social. Sustentar essa dissociação é um fator de risco psíquico, uma vez que um fato de violência na escola desestrutura o imaginário de docentes e famílias. As coisas não acontecem apenas lá fora. O mito de que dentro da escola essas situações “se controlam”, ou de que é um espaço público preservado de dano e delito, é quebrado. A escola pública funcionou como centro de controle social por muito tempo, mas atualmente essa função está em crise, e se impõe a necessidade de uma mudança de estratégia. A incerteza perante situações pendentes de um novo rumo em construção não se resolve individualmente. O fator de risco pode ser controlado de maneira coletiva e organizada. A partir de cada estabelecimento e dentro do seu contexto comunitário.” (Martínez, 2006: 9-10). A pesquisa realizada no Brasil para se estudar a síndrome de Bur7 nout nos docentes, e publicada sob a coordenação de Wanderley Codo Síndrome de Burnout (“estar queimado”) é um tipo de resposta prolongada a estressores emocionais e interpessoais crónicos no trabalho. Foi estudado particularmente em profissões que possuem um relacionamento direto com os 7

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(1999), aponta que “a presença da violência intervém nos educadores e, como consequência, na qualidade do ensino de muitas maneiras, mas, sobretudo, de uma forma aguda e de uma forma crônica. O efeito agudo da violência, da forma que for (seja assalto, roubo, agressão física), por definição introduz uma ruptura brusca no cotidiano. O ato violento recai como uma bomba no dia da pessoa que o sofre, inverte suas prioridades, impede a realização do que foi planejado, introduz a impossibilidade de planejar, deixa-o à mercê dos fatos imediatos... A ocorrência de violência como parte integrante do cotidiano escolar é literalmente incompatível com o trabalho de educar. As consequências crônicas da violência são de outra ordem. Um dos maiores e mais graves efeitos da violência no tecido social é quebrar a confiança entre os pares” (Batista e El-moor, 1999: 159). Sem dúvida, o tema da violência dentro da escola e no entorno imediato, com toda sua complexidade, merece uma atenção diferenciada em futuras pesquisas. Assim, existe um conjunto de exigências do trabalho dos sujeitos docentes que são considerados como cargas de trabalho, tais como: o número de estudantes por sala, requerimento (falta) de apoio pedagógico, mudanças no perfil dos estudantes, incremento de responsabilidades e tarefas, avaliação docente. Também nesse ponto existe uma plena coincidência das pesquisas realizadas em outros países (Unesco, 2005). A pesquisa mostra uma média de estudantes por sala e por nível de trabalho, considerados altos por si mesmos, tanto que 57% dos entrevistados (5.031) mencionam que é necessária a redução do número de alunos por turma, enquanto que 32% (2.840) apontam para a necessidade de apoio técnico, como é apresentado no Gráfico 4 .

usuários de um serviço e onde esse relacionamento tem um alto componente de experiências de intercâmbio emocional. Como não é uma doença, mas caracteriza o tipo de resposta, a qual se define operacionalmente como o resultado de três componentes: esgotamento emocional (sensação de estar emocionalmente sobrecarregado e de ter esgotado os recursos emocionais), realização pessoal (sensação de conquistas e competições no trabalho) e despersonalização (este último componente foi conceituado como enrijecimento emocional e se refere à sensação de uma resposta insensível e distante aos receptores do serviço). Tomado de Christina Maslach,”Burnout” in: Enciclopedia de Salud y Seguridad en el Trabajo, OIT, 2001.

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Gráfico 4 - Média de alunos/crianças na turma

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

De fato, as escolas e os docentes estão, hoje em dia, diante de grupos de estudantes cada vez mais diversos. Existem mudanças significativas nos entornos sociais nos quais funcionam as escolas, em alguns casos com problemas de desemprego, migração, desestruturação das famílias, trabalho infantil e juvenil precoce etc. Por outro lado, as crianças e jovens incorporaram novas formas e códigos de comunicação de uma maneira muito acelerada devido ao uso massivo das tecnologias de informação e comunicação, um fenômeno que, dentre outros, incidiu fortemente na mudança do perfil dos estudantes, conforme o que foi manifestado por 72% dos entrevistados. As mudanças associadas às novas regulamentações e demandas sobre o trabalho docente fazem parte da sobrecarga que os sujeitos docentes estão sentindo, 67% acham que foram incorporadas novas funções e responsabilidades ao seu trabalho; 61% acreditam que têm mais exigências de trabalho relacionadas ao desempenho dos seus alunos; 56% consideram que há mais supervisão; e 50% se sentem cobrados por eles mesmos em relação ao seu próprio trabalho, em uma expressão de autoexigência que, por um lado, reflete a própria responsabilidade e o compromisso dos trabalhadores da educação com suas tarefas, mas, pelo outro, fazem parte da intensificação e autointensificação do trabalho docente, trazendo consequências no seu desempenho e situação de saúde e vida. Essas novas situações estão acrescentando novas exigências e responsabilidade às escolas e aos docentes (Oliveira, 2008), para as

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quais, em certas ocasiões, eles não têm preparação, nem contam com suporte institucional para responder de forma adequada.

Processos perigosos no trabalho docente A pesquisa abre a oportunidade para aprofundar nos estudos que contribuam para identificar os “processos perigosos” que, em determinadas condições, podem surgir no trabalho docente. Vários deles já foram introduzidos nos parágrafos anteriores, tais como a sobrecarga de trabalho; as sobre exigências ao trabalho; a violência dentro e fora da escola etc. Os processos perigosos, segundo Betancourt (2009), são entendidos como uma interação entre o objeto de trabalho, os meios e a atividade, no contexto de uma organização e divisão do trabalho determinados. O termo “processos perigosos”, em um enfoque de saúde integral dos trabalhadores, não é a mesma coisa que “risco”. Os processos perigosos não são equivalentes às consequências (efeitos) na saúde que surgem pela exposição a esses processos perigosos. Não é adequado utilizar a mesma palavra – “risco” – para dois fenômenos diferentes, apesar de estarem ligados. Os processos perigosos são concretos, fáticos e podem ser medidos no ambiente de trabalho, são “processos” na medida em que surgem do nada, são dinâmicos, dependem das características dos elementos de trabalho e mudam de acordo às particularidades do trabalho. São “perigosos” porque atentam contra a saúde e o bem-estar dos trabalhadores e atuam de diversas formas. Por outro lado, a noção de risco, tomada da Epidemiologia das primeiras décadas do século XX, “possui originalmente a conotação de probabilidade associativa, não se identifica um risco, atribui-se um risco” (Ayres, 2005). O processo perigoso (mal chamado de risco), não é uma probabilidade, é um fato concreto que se encontra no trabalho e que surge da interação entre o objeto, os meios, a atividade, organização e divisão do trabalho. Tradicionalmente, os “riscos” do trabalho foram considerados como causa e efeito, gerando confusão e anulando a visibilidade dos condicionantes, origens e causas dos problemas de saúde dos trabalhadores. Ou seja, a natureza da atividade e a interação de seus diferentes componentes contribuem com a identificação de processos perigosos e/ou processos protetores para a vida e a saúde dos trabalhadores. Para a análise dos processos perigosos, Betancourt (2009) considera os seguintes âmbitos:

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tempo e horários de trabalho; quantidade e qualidade do trabalho; sistemas de controle e vigilância; características da atividade. A OIT – Organização Internacional do Trabalho, também menciona a existência de processos que, em determinadas situações, podem ser nocivos para a saúde, e menciona o termo “fatores psicossociais” para se referir às interações entre o conteúdo, a organização e a gestão do trabalho e as condições ambientais, por um lado, e as funções e necessidades dos trabalhadores, pelo outro. Essas interações poderiam exercer uma influência nociva na saúde dos trabalhadores através de suas percepções e experiência (Velásquez, 2003).

Problemas de saúde docente A pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil proporciona informações importantes e abre linhas de pesquisa para compreender estas lógicas de produção das alterações da saúde e a forma como podem se manifestar os processos perigosos do trabalho dos sujeitos docentes. O Quadro 2 mostra as principais alterações da saúde que motivaram o afastamento dos sujeitos docentes dos seus centros de trabalho.

Quadro 2 - Doenças que motivaram o afastamento dos sujeitos docentes do centro de trabalho N° 1 2 3 4 5 6 7 8 9

Doenças Processos inflamatórios das vias respiratórias (gripes, bronquites, sinusites, amidalites, faringites) Depressão, ansiedade, nervosismo, crises de pânico Estresse Doenças musculoesqueléticas Problemas da voz Doenças psicossomáticas: gastrites, úlceras, enxaquecas, etc.) Doenças cardiocirculatórias Acidentes de trabalho Violência ou conflitos nas escolas

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

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Porcentagem dos entrevistados 17,4 14,3 11,7 11,7 10,4 4,7 3,6 2,8 0,6


Conforme a pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil, as doenças das vias respiratórias, problemas da voz, doenças musculoesqueléticas, estresse e alterações na esfera mental, surgem como os problemas de saúde mais frequentes dos trabalhadores da educação, coincidindo com outros estudos realizados (Unesco, 2005). É verdade que não podemos atribuir a priori todas as alterações da saúde dos trabalhadores a sua atividade profissional e que é preciso pesquisar mais os transtornos incluídos nas doenças musculoesqueléticas. De fato, existem patologias associadas à idade, à estação do ano (influenzas, gripes, alergias etc.), a fatores genéticos e a outras causas não ligadas diretamente ao trabalho. Por esse motivo, é necessário considerar a prevalência (surgimento reiterado) de algumas alterações de saúde em determinados grupos de trabalhadores; a relação entre determinadas condições de trabalho oferecidas e alterações de saúde que surgem reiteradamente e, nesse caso, a coincidência com outros estudos similares. A pesquisa mostra também que 8,8% dos sujeitos docentes tomam medicamentos para depressão, ansiedade ou nervosismo e 4,5% tomam medicamentos para dormir. Não há informações sobre a porcentagem dos entrevistados que se automedicam. Aparece uma porcentagem, que não é baixa, de docentes que se afastam com licença médica nos últimos anos. 9,5% ficaram afastados por mais de um mês; 13,5% entre uma e duas semanas; e 4,8% entre três e quatro semanas. Dos docentes que tiveram que se ausentar por doença, 6,7% tiveram redução do seu salário. A pesquisa aborda uma situação dos docentes que merece atenção completa, mais ainda quando 32,4% dos sujeitos docentes entrevistados declaram não ter plano de saúde e, daqueles que possuem, 47,8% pagam totalmente os custos e 40,5% pagam parcialmente. Intencionalmente, fez-se questão de mencionar “acidente de trabalho” como motivo de absentismo, por mais que tenha um valor estatístico muito baixo, com o propósito de deixar registrado um tema importante, mas ainda não estudado, devido a que a escola, tradicionalmente, não era vista como “centro de trabalho” pelas Instituições encarregadas das regulamentações sobre segurança do trabalho e saúde do trabalho, portanto nem se considerava a possibilidade de que ocorresse um acidente de trabalho em uma escola. Futuras pesquisas permitiriam aprofundar sobre os riscos de acidentes cardiovasculares, a incidência do tabagismo, alcoolismo e automedicação, assim como a existência, ou não, de estilos de vida sedentários, muito frequentes em aqueles que não precisam de muito exercício

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físico para exercer sua atividade profissional. Hoje mesmo, 52,5% dos entrevistados manifestam que não realizam nenhuma atividade física regular, potencializando o risco de padecer alterações cardiovasculares, metabólicas, musculoesqueléticas etc.

Polo positivo do trabalho: satisfação com o trabalho e a carreira profissional “No meio ambiente de trabalho foram identificados, em numerosas pesquisas, uma série de fatores psicossociais, potencialmente negativos, vinculados com a saúde do trabalhador. Em consequência, os fatores psicossociais no trabalho foram considerados, em grande medida, a partir de um ponto de vista negativo. Contudo, também devem ser considerados como algo que pode influenciar de maneira favorável ou positiva sobre a saúde” (Pando, Carrión e Pérez, 2006). Um aspecto pouco estudado é o denominado polo positivo do trabalho. “O trabalho como essencialidade do ser humano permitiu o desenvolvimento e a transformação da humanidade. Até mesmo nas condições mais precárias, o trabalho pode cumprir com esta essencialidade. O desenvolvimento das capacidades físicas, intelectuais e emotivas surge ao realizar uma atividade, dominar um determinado meio de trabalho, no relacionamento com os colegas, ao gerar processos, no oferecimento de um serviço. Existem tarefas que por suas características de riqueza e diversidade permitem o desenvolvimento de capacidades físicas ou mentais profundas. Da mesma forma, as atitudes de solidariedade e companheirismo criam um ambiente de trabalho agradável. Os relacionamentos harmoniosos são uma condição importante para o bem-estar. É necessário reconhecer e detectar essas qualidades do trabalho para promovê-las na hora de executar os programas de saúde da população laboral. Da mesma maneira, nas pessoas não existem apenas manifestações que refletem problemas de saúde. Múltiplas qualidades, capacidades e valores do ser humano se expressam no trabalho e na vida fora dele, constituindo o que poderia se chamar de manifestações positivas nas pessoas que trabalham” (Betancourt, 1999: 44-45). Breilh (2003) também destaca que sempre existe um polo positivo e um polo negativo com relação à saúde dos trabalhadores em qualquer tipo de trabalho, por mais que no resultado predomine a deterioração sobre a promoção da saúde dos trabalhadores.

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Em épocas de desemprego ou subemprego, na população economicamente ativa, ganha mais valor o sentido do polo positivo do trabalho para a saúde e a vida das pessoas, dentre outras razões, porque gera um sentido de pertencer a um grupo humano, permite a obtenção de bens e serviços para o trabalhador(a) e sua família e favorece o desenvolvimento de capacidades. A pesquisa mostra alguns dados significativos, ligados aos fatores protetores que fazem parte do polo positivo do trabalho docente. O Gráfico 5 mostra que quase 60% dos entrevistados respondem que estão satisfeitos com seu trabalho. Este dado mostra que, apesar das demandas pela melhoria das condições de trabalho, existe um nível de comprometimento e realização com a atividade profissional de uma parte importante dos sujeitos docentes. No entanto, não deixa de ser altamente preocupante que 40% dos docentes se manifestem como insatisfeitos (26,5%), estagnados (8%) ou indiferentes (5,5%). Nesse sentido, a pesquisa coloca um sinal de alerta sobre a necessidade de investigar em profundidade os motivos e condições da insatisfação de um número de entrevistados que representam um número alto, e, por outro lado, a necessidade de se pensar em estratégias para elevar a moral e o comprometimento nos docentes dentro de um marco de políticas que atendam à complexidade da profissão e que, por exemplo, garantam uma carreira profissional que ofereça oportunidades de desenvolvimento permanente. Gráfico 5 - Opinião sobre a carreira

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

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Os dados anteriores parecem ser reforçados com a informação que apresenta o Gráfico 6 Mais uma vez, aparecem 60% dos entrevistados que respondem que “sempre” ou “frequentemente” escolheriam a profissão docente se tivessem que voltar a começar. Gráfico 6 - Com que frequência os enunciados correspondem à sua vivência profissional?

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010

Da mesma forma, é interessante observar que quase 80% dos entrevistados não acreditam que utilizariam melhor suas habilidades e capacidades em outra carreira. Contudo, como foi mencionado no item anterior, é necessário prestar atenção, por meio de estratégias concretas, nesse grupo que aparece novamente e que representa 20%, que sempre ou frequentemente se sente frustrado com seu trabalho. Estudos posteriores poderiam explorar outros fatores associados à satisfação com o trabalho, por exemplo: trabalho em equipe, relacionamento com os colegas, famílias e diretores, percepção sobre a valorização social do seu trabalho, etc., que poderiam servir como informações úteis para a criação de programas e estratégias que contribuam para fortalecer a profissão docente.

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Conclusões e propostas de políticas e estratégias A pesquisa confirma as tendências que mostram os últimos estudos sobre saúde e trabalho docente realizados no Brasil e em outros países da América Latina, com relação a fatores protetores perigosos e alterações da saúde que vivem os sujeitos docentes. Sobre o tempo de trabalho e descanso, a jornada de trabalho dos sujeitos docentes vai além do tempo regulado, remunerado e reconhecido. Quase a metade dos entrevistados leva trabalho para casa. O trabalho invade o espaço familiar e o tempo de descanso e de recreação dos docentes, deixando pouco tempo para a reposição da força de trabalho. As condições pedagógicas do trabalho docente, o número de alunos por sala, a falta de apoio pedagógico e a violência dentro e fora da escola surgem como os problemas centrais que estão afetando o trabalho docente. Há pesquisadores, como Kohen (2005), que consideram que existe uma idade na qual o professor já não pode continuar com a tarefa exclusiva de estar diante de uma sala de aula porque o desgaste e os transtornos sobre a saúde são maiores. Haveria que se pensar em novas formas de organização do trabalho que permitissem aproveitar o conhecimento e a experiência de todos os professores nas diferentes responsabilidades da escola como uma estratégia para garantir o aprendizado dos estudantes, o clima da escola, o ambiente da escola e a saúde dos coletivos docentes. A violência dentro e fora da escola aparece como o fator mais importante que interfere no trabalho da escola, conforme é mostrado pela pesquisa. É uma fonte de tensão e insegurança para os sujeitos docentes. Merece uma abordagem especial como um campo de pesquisa e como um âmbito de intervenção das politicas públicas para a educação. Os temas de saúde dos trabalhadores da educação começam a emergir como parte das agendas educativas e a pesquisa contribui com novos conhecimentos para sensibilizar os atores envolvidos, incluindo os próprios educadores. É fundamental visualizar a relação da saúde com as condições materiais e sociais de trabalho, aprofundar os estudos e fortalecer uma consciência sobre a proteção da saúde a partir de uma perspectiva social, coletiva e individual. A pesquisa confirma a tendência que mostram estudos similares em relação à prevalência nos trabalhadores da educação, principalmente, de doenças respiratórias, alterações da voz, estresse e alterações da saúde mental. Sem perder de vista as dimensões individuais (idade, genética,

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família, etc.) que são fatores de fora do trabalho, a frequência com que se apresentam esses transtornos da saúde e a ligação clara com processos perigosos do trabalho docente, ratificam a existência de doenças associadas a atividades laborais na escola. A pesquisa Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil abre a oportunidade para ampliar a compreensão dos processos perigosos no trabalho docente e gerar estratégias para que sejam confrontados, começando pelo fortalecimento de uma consciência coletiva e individual sobre a importância da saúde dos docentes para eles mesmos e para a qualidade dos processos educativos que são vividos nas escolas. A pesquisa levanta temas fundamentais no campo da saúde docente e abre linhas de pesquisa específicas que poderão contribuir com a construção de um perfil de saúde-doença dos sujeitos docentes. Dentre outros temas, surge a necessidade de estudar a prevalência e o efeito da automedicação, do tabagismo, alcoolismo, docentes que chegam doentes ao trabalho. O enfoque de gênero nos estudos de saúde doente é uma variável fundamental em um coletivo composto por, aproximadamente, 80% de mulheres. Existe um campo vasto de pesquisa para fornecer informações às políticas e estratégias nacionais e locais para elevar a qualidade da educação e proteger a saúde e o bem-estar das comunidades educativas: características físicas das escolas e o relacionamento das mesmas com processos perigosos para a saúde física e mental (barulho, iluminação, espaços físicos, lugares para trocas e descanso dos docentes, instalações sanitárias e elétricas, poluição etc.); condições sociais do trabalho (remunerações, relacionamento com os diretores e colegas, valorização social e das famílias do trabalho dos educadores); segurança das escolas, proteção contra riscos; características das tarefas docentes: exigências ergonómicas (postura, forçamento da voz, ficar muito tempo em pé etc.); relação entre as estratégias de ensino e o conhecimento de mecanismos de proteção e saúde docente etc. A naturalização do risco, a aceitação ou minimização do efeito das condições de trabalho na saúde no trabalho e no bem-estar global dos educadores é uma das consequências mais graves do fato de se considerar a docência como um apostolado no qual o comprometimento e a responsabilidade sobre os processos educativos são de responsabilidade exclusiva dos docentes. A pesquisa contribui para desmistificar a profissão e fortalecer o sentido humano, sem perder de vista as condições materiais, sociais e profissionais que se requerem para um adequado exercício da docência.

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Os sujeitos docentes, apesar das difíceis condições nas quais muitos deles trabalham, demonstram ter uma forte adesão e comprometimento com seu trabalho, não trocariam de profissão nem mesmo se tivessem que começar do zero e consideram que suas capacidades e habilidades se desenvolvem de maneira adequada no campo da educação. Ações específicas, tanto no âmbito nacional como no estadual e no municipal, seriam importantes para os docentes manterem esse espírito como corpo profissional. Entretanto, é preciso prestar atenção com urgência em uma porcentagem significativa, que gira em torno de 20%, que se sentem decepcionados ou indiferentes com relação ao seu trabalho, não encontram satisfação em suas tarefas, motivo pelo qual seu bem-estar individual e desempenho profissional dificilmente serão ótimos, uma vez que se encontram em condições altas de insatisfação. A informação que gera esta pesquisa e as contribuições de outros estudos, podem ajudar na construção de um perfil saúde/doença dos trabalhadores da educação, sem perder de vista suas especificidades e heterogeneidades, e assim contribuir com a criação de políticas intersetoriais orientadas à melhoria da qualidade da saúde e da vida dos trabalhadores em educação. Finalmente, a pesquisa é uma contribuição para levantar o debate sobre as condições de trabalho e o efeito que exercem na saúde dos trabalhadores da educação e na qualidade mesma da educação. É uma oportunidade para apontar que a saúde dos educadores não é um assunto individual, nem uma responsabilidade apenas dos sindicatos, mas é um tema de política pública, um tema que deve ser incluído nas agendas dos ministérios de educação, dos estados, municípios e grêmios. Um tema que requer políticas e estratégias que incluam, mas que procurem ir além, respostas específicas aos problemas de doença. São intervenções públicas, intersetoriais e interinstitucionais que precisam incluir todos os atores públicos e privados envolvidos com o campo da educação e, obviamente, também os próprios trabalhadores da educação. Quando as evidências científicas sobre os efeitos negativos na saúde, causados pela inequidade social e a injustiça, tornam-se públicas, diz Breilh, não apenas essas evidências são divulgadas, mas também uma denúncia é feita. Aliás, quando essa denúncia é feita para todo o mundo, contribui-se não apenas com a divulgação do conhecimento científico sobre “as causas das doenças”, mas também se contribui com a mobilização daqueles agentes sociais interessados em erradicar tais inequidades e injustiças.

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Capítulo 16

A saúde vocal do docente brasileiro: fatores de risco para distúrbios de voz relacionados ao trabalho

Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves

A “voz do professor” é uma expressão usada frequentemente no campo da educação como uma metáfora para a participação ativa dos docentes e menos frequentemente para designar a habilidade fisiológica desses trabalhadores de produção de sons com a laringe. A “voz” é, portanto, incorporada nos debates sobre a gestão se referindo à participação ou à autonomia do professor, e a “voz do aluno” é evocada nas discussões sobre uma pedagogia ativa. Menos frequentemente, a voz do professor é evocada como um recurso fisiológico necessário para o desempenho do trabalho docente, passível de processos de adoecimento. No entanto, os professores são considerados um grupo profissional de alto risco para o desenvolvimento de distúrbios vocais, fato pelo qual vêm recebendo crescente atenção em pesquisas de corte epidemiológico e em debates acadêmicos no campo da saúde. Um desses debates, levados a cabo no Brasil, estabeleceu um consenso entre os profissionais da saúde1. Desde então, os termos “Distúrbio da Voz Relacionado ao Trabalho” e “Laringopatia Relacionada ao trabalho” têm sido progressivamente usados para se referir a sinais, sintomas, disfunções e enfermidades do aparelho fonador que possam ter origem no uso inadequado da voz ou outra sobrecarga do aparelho fonador, em decorrência da atividade laborativa e/ou ambiente de trabalho. A emergência dessas nomenclaturas revela uma transição de uma abordagem que tendia a culpabilizar os professores pelo seu adoecimento vocal, como fruto do “mau uso” ou “abuso” da voz, para uma abordagem

1

Consenso Nacional Sobre Voz Profissional, 2004.

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mais sensível às variáveis ambientais e ligadas à organização do trabalho relacionadas ao referido adoecimento. O uso consolidado do termo “voz” no campo da educação, como metáfora para participação e a abordagem emergente no campo da saúde sobre a voz do professor, converge na preocupação com uma gestão escolar que permita a expressão saudável desse profissional. A grande proporção de profissionais da educação que sofrem de distúrbios de voz justificou uma atenção específica da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil” (TDEBB), que coletou importantes dados relacionados ao uso da voz e aos problemas de saúde vocal dos docentes em sua amostra, com o objetivo de compreender melhor este processo de saúde-adoecimento. Por se tratar de pesquisa interdisciplinar e de grande porte, ela apresenta a grande vantagem de não se restringir aos dados sobre a voz, mas permitir o cruzamento desses dados com variáveis diversas, o que abre um grande leque de possibilidades para explorar a relação entre os problemas de voz e as condições mais amplas em que se exerce a docência hoje no Brasil. Desse modo, ao abordar aspectos relacionados ao perfil, à formação, à gestão, às condicões de trabalho, à sindicalização e à saúde dos profissionais da educação no Brasil, a pesquisa permite a realização de uma abordagem ampla dos problemas de voz entre os docentes, com um enfoque centrado no contexto escolar Brasileiro. Será esse o objetivo deste capítulo. A prevalência dos problemas de voz entre os professores da amostra é inferida a partir de duas questões que solicitam uma autoavaliação. A primeira questão aborda a ocorrência de cansaço ao falar, nas duas últimas semanas anteriores ao survey. Responderam tê-lo sentido diariamente 18% dos docentes. A segunda questão aborda a perda na qualidade da voz no mesmo período, 16% relatou senti-la diariamente. Somando-se os docentes que relataram sentir cansaço ao falar nas duas últimas semanas “de vez em quando” ou “diariamente”, eles perfazem 46% da amostra. Por outro lado, os docentes que relataram sentir piora na qualidade da voz com essa mesma frequência perfazem 43% da amostra. Se considerarmos docentes que avaliaram uma ou outra condição, chegamos a 4432 trabalhadores docentes de risco para distúrbios de voz, ou seja, metade de nossa amostra. Esses dados mostram uma prevalência muito elevada de problemas de voz, indo ao encontro dos resultados de outras pesquisas (Assunção e Oliveira, 2010; Araújo, 2008; Roy, 2004) e reforçando o diagnóstico da docência como uma profissão que hoje apresenta elevados riscos para a saúde do trabalhador (Gráfico 1).

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Gráfico 1 – Distribuição dos sintomas vocais

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Cabe observar o contraste entre o número de professores que relata apresentar sintomas relacionados aos problemas de voz e o número de professores efetivamente licenciados por problemas de voz. Apenas 2,4% da amostra relatou ter estado de licença devido a problemas de voz, nos últimos dois anos, ou seja, 210 professores. Nota-se, portanto, uma grande defasagem entre os docentes que relatam sintomas vocais e o número de licenças motivadas pela agudização do problema, o que nos sugere um caráter crônico destes sintomas. Deduz-se que a maior parte dos docentes se adapta ao problema e convive com ele em seu cotidiano de sala de aula, fenômenos cujos efeitos cabe a nós avaliar.

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Gráfico 2 – Districuição dos Grupos

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Metodologia No âmbito do presente texto, concentrar-nos-emos na análise dos dados produzidos pelo survey sobre a saúde vocal. Esses dados serão interpretados à luz de reflexões teórico-conceituais já publicadas, como um dos resultados iniciais da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”2, a saber, o Dicionário Trabalho, Profissão e Condição Docente3. Nessa publicação, alguns verbetes abordaram temas relacionados à saúde docente4 e fornecem um quadro de referência pertinente para a compreensão dos fenômenos aqui analisados.

Ver o relatório em OLIVEIRA, D. A. e VIEIRA, Livia M. F. Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil – Sinopse do survey nacional. Belo Horizonte, GESTRADO/FAE/UFMG, 2010. [Relatório de Pesquisa]. 3 Ver OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. M. C.; VIEIRA, L. M. F. DICIONÁRIO: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/ Faculdade de Educação, 2010. CDROM. 4 Os verbetes Absenteísmo (Iara Bassi), Saúde do Trabalhador (Ada Ávila Assunção), Licença Médica (Rosana Sampaio Ferreira), Disfonia Ocupacional Docente (Adriane Mesquita) e Saúde Docente (Sílvia Tamez) são particularmente inportantes para subsidiar as reflexões aqui empreendidas. 2

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Como estratégia para a análise dos dados, a partir do banco de dados da pesquisa TDEBB5 foram criados a três grupos de trabalhadores da educação segundo sua vivência de problemas de voz: o grupo E, sem problemas de voz, o grupo R, de risco para os problemas de voz e o grupo D, diagnosticado com problemas de voz. O grupo R foi definido em função de haver respondido positivamente (“de vez em quando” ou “diariamente”) a uma das seguintes questões: Nas duas últimas semanas você tem sentido cansaço para falar? Nas duas últimas semanas você tem percebido piora na qualidade da sua voz? O grupo E foi composto de sujeitos que responderam negativamente, “nunca”, às questões acima, e não tiraram licença por problemas de voz. O grupo D foi criado para controlar variáveis ligadas ao autodiagnóstico e está composto de trabalhadores que se afastaram do trabalho por licença médica devido a problemas de voz durante algum período nos últimos 24 meses. O perfil desses três grupos foi analisado, primeiramente, em função de seu perfil demográfico, pelas variáveis de idade, sexo e tamanho do município em que trabalham. Posteriormente foram comparados dados relativos ao perfil do trabalhador, contemplando dados sobre a sua inserção no mercado de trabalho como escolaridade, cargo ocupado, vínculo empregatício, etapa da educação básica em que atua e tempo de trabalho em educação. As condições de trabalho e variáveis psicológicas dos docentes também foram contempladas pela pesquisa, de modo a identificar fatores de risco e de proteção para o adoecimento vocal. Aqui se encontra, talvez, o maior aporte da pesquisa TDEBB à área de estudos sobre os Distúrbios de Voz Relacionados ao Trabalho. As diversas variáveis estudadas nos permitem identificar correlações entre aspectos da vida e do trabalho dos docentes e a prevalência de sintomas e diagnósticos. Foram explorados fatores de risco ambientais6, carga horária de trabalho, intensificação do trabalho e precarização das condições de trabalho7.

Composto de 8.795 trabalhadores da educação, incluindo professores e outros profissonais técnico-administrativos das escolas básicas das redes estadual e municipal, bem como rede conveniada, nos três níveis da educação básica (educação infantil, ensino fundamental e médio). Foi excluído da amostra as escolas rurais, logo, os dados se referem somente às regiões urbanas. 6 Medeiros, Barreto e Assunção (2008) estabelecem como fatores de risco ambientais a presença de ruído elevado na sala de aula, ventilação precária e trabalhar em outra atividade com uso intensivo da voz. 7 Araújo e outros (2008) identificaram tempo de trabalho como docente e carga horária de trabalho excessiva como fatores de risco. 5

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Variáveis subjetivas como a percepção da desvalorização profissional, vivência da relação com os alunos e perspectivas de trabalho8 no futuro, também foram exploradas. As medidas de proteção para a voz empregadas pelos professores também se conformaram em uma variável que correlacionamos aos três grupos criados. As variaveis escolhidas são apresentadas no quadro 1, agrupadas em colunas.

Assunção e Oliveira (2009) afirmam que a ampliação das demandas profissionais sem o suporte social e a precarização das condições de trabalho, juntamente com a desvalorização profissional refletem na saúde da voz do professor. 8

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Quadro 1- Variáveis consideradas Perfil demográfico Idade

Sexo Tamanho do município

Precarização Vivência das condições profissional de trabalho Aumento do Percepção da Cargo Conta com número de desvalorizaRuído ocupado apoio crianças na sua ção profissioturma nal, Número de Mudança no Vivência da Vínculo Ventilação alunos em perfil dos relação com média alunos os alunos Maior Etapa da Trabalho supervisão/ educação Iluminação coletivo controle de básica suas atividades Aumento das Tempo de exigências em Condições trabalho em relação ao das paredes educação desempenho dos alunos Condições Perda de Carga da sala de autonomia na horária de convivência definição de trabalho e repouso suas atividades Competição Medidas de Condições entre escolas proteção dos para conseguir para a voz banheiros maior índice de qualidade Outras Incorporação variáveis de novas funrelativas ao ções e responequipamensabilidades to da escola Falta de apoio na realização das suas atividades Intervalos insuficientes para lanche ou descanço Perfil do trabalhador

Fatores de risco ambientais

Intensificação do trabalho

Cabe esclarecer que a definição dos trabalhadores docentes, assumida pela pesquisa, inclui não somente sujeitos em efetivo exercício da docência em sala de aula, mas, também, profissionais técnicos e admi-

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nistrativos que normalmente não são incluídos na categoria “profissionais da voz”. Responderam ao survey 8.795 sujeitos.

Resultados Perfil demográfico Na categoria “perfil demográfico”, observou-se o sexo e a idade dos docentes da amostra, bem como o tamanho do município em que trabalham. O perfil demográfico apresenta correlação com muitas das categorias de variáveis que serão analisadas aqui. Por exemplo, determinados perfis de gênero se associam a algumas etapas da educação básica, o que, por sua vez, associa-se a determinadas condições de trabalho. A idade se associa ao tempo de trabalho na educação e ao vínculo de trabalho. O tamanho do município se relaciona a fatores de riscos ambientais e à precarização das condições do trabalho. Ao longo deste capítulo esperamos evidenciar algumas destas relações. A partir dos dados da pesquisa TDEBB, observou-se que as mulheres apresentam maior tendência a relatar sintomas relacionados a problemas de voz. Enquanto 52% delas (n=7.187) enquadram-se no grupo D, os homens são apenas 46%. No grupo D, constatamos a presença de 209 mulheres (2,9% delas) e 30 homens (1,9% deles). O grupo E está representado por 45% das mulheres e 52% dos homens. Gráfico 3: Problemas de voz por sexo

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010..

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Além da questão do sexo, outro fator de risco observado para problemas de voz foi a idade. Uma idade mais avançada e um maior tempo de docência podem estar correlacionados com uma maior probabilidade de se tirar licença por problemas de voz. O grupo D é levemente sobrerrepresentado na faixa etária de 46 a 68 anos de idade (39,2% contra 33,8% do grupo E).. Sobre a distribuição dos sintomas em relação ao tamanho dos municípios, observou-se que o grupo E é um pouco maior em municípios com menos de 50 mil habitantes (46,2%, sendo 44,6% em capitais), que o grupo R se equivale e que o grupo D é bem maior nas capitais (2% em municípios com menos de 50 mil habitantes e 3,3% em capitais) sugerindo que, ainda que as condições que levam ao aparecimetno dos sintomas não sejam tão diferentes entre as cidades de maior ou menor porte, a relativa facilidade de acesso ao sistema de saúde encontrado nas capitais pode estar relacionada com um aumento do número de diagnósticos.

Perfil do trabalhador Os distúrbios de voz relacionados ao trabalho se distribuem entre os docentes segundo fatores de riscos relacionados ao perfil do trabalhador. Nesse sentido, buscou-se identificar como variáveis, tais como o vínculo de trabalho com a rede de ensino, o cargo ocupado, a etapa de atuação na educação básica, o tempo de trabalho no ramo, a carga horária e os hábitos de usar medidas de proteção para a voz, influenciariam os padrões de adoecimento. Os dados da pesquisa TDEBB nos permitem estabelecer qual o perfil do trabalhador docente que teria maior tendência a apresentar distúrbios de voz relacionado ao trabalho. Com relação ao cargo ocupado, observou-se que os trabalhadores docentes que exercem o cargo de professor são sobrerrepresentados no grupo R, confirmando a literatura que indica que a profissão docente, tradicionalmente incluída na categoria de “profissões da voz” é de risco para os problemas de voz (Roy, 2004). Os profissionais que exercem a função de professor são 41,6% do grupo E, 75% no grupo D e 55,5% do grupo R, enquanto que naqueles que não são professores a tendência se inverte: 53,5% se enquadram no grupo E e 44,2% no grupo R. Ou seja, dentre todos os profissionais da educação da amostra, que inclui os funcionários técnico-administrativos, os professores são os que apre-

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sentam maior risco para problemas de voz, embora esse risco também esteja presente nas outras funções. Com relação ao vínculo empregatício, observa-se que profissionais concursados relatam mais problemas de voz e são mais diagnosticados com problemas de voz (64% E; 70% R; 80% D) enquanto profissionais designados relatam menos problemas de voz (36% E; 29% R; 20% D). Acreditamos que o vínculo estável propicia a busca de auxílio médico, enquanto os profissionais designados geralmente são mais jovens e têm maior capacidade para suportar as cargas de esforço vocal9. Gráfico 4: Vínculo empregatício

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

A etapa de atuação na educação básica também é uma variável que se associa com a distribuição dos problemas de voz. Embora no Ensino Médio se observe uma distribuição uniforme de sujeitos com e sem problemas de voz, observa-se também que o grupo R e o grupo D são sobrerrepresentados no Ensino Fundamental. O grupo E de nossa amostra se compõe de 55% de profissionais que atuam no ensino fundamental, enquanto o grupo R está composto de 60% de profissionais que atuam nessa etapa e, no grupo D de 68%. Na Educação Infantil, observa-se a tendência oposta. Esses profissionais representam 27% do grupo E, 22% do grupo R e 15% do grupo D. Os dados nos sugerem que o ensino fundamental seria a etapa da educação básica de maior risco para os problemas de voz enquanto a educação infantil seria a etapa de menor risco.

Para melhor explorar esta variável seria importante isolar etapa de ensino e tempo de trabalho na rede. 9

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Gráfico 5: Etapa da Educação Básica

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Com relação ao tempo de trabalho em educação, os profissionais que trabalham de 15 a 30 anos representam quase a mesma proporção do grupo E e R: 37% 36%, respectivamente. Entretanto, os profissionais mais experientes se constituem em 52% dos profissionais do grupo D. Os profissionais mais jovens, que atuam a menos de 15 anos em educação, são 59% do grupo E 60% do grupo R e 44% do grupo D. Este dado nos leva a pensar que o tempo de exposição aos fatores de risco e a idade não estão tão claramente associados às variáveis de risco para os problemas vocais, mas que o fato de estarem por mais tempo na rede cria a possibilidade de pedirem e obterem licença médica, o que se encontra associado à mudança no seu perfil de vínculo de trabalho. Gráfico 6: Tempo de trabalho em educação

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Algumas hipóteses presentes na literatura indicam que a jornada de trabalho é um importante fator de risco10, o que nossa pesquisa confirma ao identificar maior prevalência de problemas de voz entre profissionais da educação que exercem mais de um cargo. Observamos 10

Cf. Araújo et al., 2008.

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que os professores sem problemas (Grupo E) se concentram no grupo de professores que atua em apenas uma escola (58%). No grupo R apenas 50% trabalham em uma só escola e, entre os professores do grupo D, 44% trabalham em apenas uma escola. Entre os professores que trabalham em duas escolas acontece a tendência inversa: eles são 34% do grupo E, 39% do grupo R e 47% do grupo D. Gráfico 7: Número de escolas em que atua

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Em questão específica sobre a carga horária, observamos que os professores que declararam exercer maior tempo semanal de docência também declaram mais problemas de voz. Os professores que declaram atuar de 30 a 40 horas semanais em atividade docente são 19% do grupo E, 23% do grupo R e 25% do grupo D. Por outro lado, os professores que trabalham até 25h semanais são 65% do grupo E, 62% do grupo R e 65% do grupo D, o que sugere que o número de horas de trabalho semanal se correlaciona positivamente com o aparecimento de sintomas vocais. Gráfico 8: Horas de trabalho por semana

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Sintetizando, podemos dizer, com base nos dados colhidos, que o perfil do trabalhador de risco para problemas de voz se associa a professores mulheres que trabalham no ensino fundamental, em dupla

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jornada, e são concursadas. Os professores diagnosticados com problemas de voz tem, basicamente, o mesmo perfil, mas são mais velhos e habitam nas capitais.

Fatores de risco ambientais Como vários estudos indicam11 existem certos fatores de risco ligados ao ambiente físico de trabalho bastante associados aos problemas de voz, dentre eles o ruído ambiental. Em nosso estudo, observamos que os grupos de R e D tendem a relatar com mais frequëncia que o grupo E que são expostos a níveis de ruído elevado ou insuportável: (a) originados na sala de aula, (b) fora dela ou (c) fora da unidade educacional. O grupo E avalia o ruído como insuportável: a) 32% dos casos, b) 32% dos casos e c) 20% dos casos. O grupo de R relata ruído elevado ou insuportável mais frequentemente: a) 44% dos casos, b) 40% dos casos e c) 25% dos casos. Já o grupo D relata estar exposto a ruído elevado ou insuportável em: a) 48% dos casos, b) 41% dos casos e c) 26% dos casos.

Gráfico 9: Percepção do ruído ambiental

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

A percepção do ruído está fortemente associada com o tamanho do município. Quando desagregamos os dados apresentados acima, obser11

Medeiros, Barreto, Assunção (2008); Roy (2004).

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vamos que há uma grande diferença entre capitais e municípios com menos de 50 mil habitantes: nos primeiros se avalia o ruído em sala de aula como insuportável em 10,4% dos casos e nos segundo em apenas 5,2% dos casos. Os achados se repetem para os ruídos dentro da unidade educacional e fora da sala de aula: 10% em capitais e 4,2% em municípios menores, e para o ruído gerado fora da unidade educacional, considerado insuportável nas capitais em 7,9% dos casos e em 3,9% dos casos em municípios menores. Observa-se que os grupos com problemas de voz também avaliaram de forma mais negativa outras variáveis relacionadas às condições ambientais da escola, como a ventilação, a iluminação, as condições das paredes, as condições da sala de convivência e repouso e as condições dos banheiros dos funcionários12. Esse dado sugere uma associação entre o perfil de risco para problemas de voz e uma percepção mais crítica das condições ambientais. Existe também uma associação entre o tamanho dos municípios e a percepção das condições ambientais, sendo todas as variáveis acima mencionadas, exceto a condição das paredes, avaliadas de forma significativamente pior nas capitais que em municípios de até 50 mil habitantes. Não se pode aqui afirmar que as condições ambientais precárias são causas do perfil de risco e dos diagnósticos, ou se esse perfil de saúde induz uma leitura mais crítica do ambiente físico do trabalho. Também não se pode afirmar que as condições ambientais sejam signitivamente piores na capitais ou se os professores das capitais são mais críticos em relação a elas. Provavelmente ambas influências ocorram nos dois casos.

Avaliaram como insuportável a ventilação: E: 22%, R: 26% e D: 28%; a iluminação: E: 11%, R: 13% e D: 14%; as condições das paredes: E: 16%, R: 19% e D: 21%; as condições da sala de convivência e repouso: E: 16%, R: 19% e D: 21%; as condições dos banheiros para funcionários: E: 17%, R: 22% e D: 25%. 12

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Gráfico 10: Condições ambientais na escola

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Outras variáveis relacionadas às condições de trabalho voltadas para os alunos, tais como condições dos equipamentos (TV, vídeo, som), condições da sala de informática, condições dos recursos pedagógicos, condições da biblioteca, condições dos parquinhos e áreas de recreação e condição da quadra de esportes foram mais mal avaliadas pelo grupo R, mas não pelo grupo D. Essas variáveis também foram avaliadas negativamente pelos professores das capitais do que por professores de municípios menores, exceto a condição da biblioteca, que os professores de cidades menores avaliaram como insuportável com maior frequência. Considerando os fatores de risco ambiental para os problemas de voz, os dados indicam que, de modo geral, professores com perfil de risco para problemas de voz relatam ambientes de trabalho mais ruidosos e de maneira geral em piores condições que daqueles professores do perfil sem problemas de voz.

Intensificação do trabalho A intensificação do trabalho, seja pelo aumento da cadência ou do número de horas dedicadas ao trabalho, revela-se como um fator de risco para problemas de voz, pois, em um ritmo acelerado, as pausas para a recuparação do tecido laríngeo tendem a ser menores. O número de alunos por sala é uma variável muito associada à intensificação do trabalho docente e em nosso estudo se correlacionou positivamente com

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os problemas de voz. Considerando professores que atuam em salas de até 25 alunos, estes são 40% dos professores do grupo E, 35% dos professores do grupo R e 26% dos professores do grupo D. Por outro lado, considerando professores com tumas de 25 a 45 alunos, eles são 43,5% do grupo E, 53,5% do grupo R e 59% do grupo D (Gráfico 11). Apresentando a correlação entre número de alunos e perfil de problemas vocais de outra forma, a média do número de alunos do grupo E é de 26,7 alunos, do grupo R 28,6 e do grupo D 28,8. Vemos portando que a variável número de alunos por turma correlaciona-se positivamente com o risco de problemas de voz. Gráfico 11: Número médio de alunos por sala

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Outra variável ligada à intensificação do trabalho que analisamos foi a presença de pessoal de apoio. O grupo R relata menor apoio de pessoal para o acompanhamento de seus alunos que o grupo sem problemas de voz. Enquanto 42% dos profissionais do grupo R relatam não terem apoio, apenas 36% o relata no grupo E e no grupo D. Podemos interpretar aqui que os profissionais efetivamente diagnosticados conseguem o apoio que necessitam, mas apenas após o reconhecimento formal da doença e seu afastamento do trabalho. Esses dados que indicam uma correlação positiva entre a presença de apoio para a realização do trabalho e saúde docente são reforçados quando analisamos os dados sobre a realização de atividades coletivas. Observou-se que o grupo sem problemas de voz realiza mais atividades com seus colegas que o grupo com problemas de voz. Infere-se que o trabalho coletivo pode ser um importante fator de proteção para os problemas de voz. Conforme se pode observar no Gráfico 12 a realização de atividades coletivas na escola se

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revela amplamente associada a uma maior saúde vocal13. Esse dado vai ao encontro dos achados de Doudin, Curchod-Ruedi e Moreau (2011) que analisam a importância do suporte social como fator de proteção ao desgaste do professor. A correlação entre a realização de atividades coletivas e uma maior saúde vocal sugere a importância da participação coletiva dos docentes na organização do trabalho pedagógico na escola como importante medida de proteção. Por outro lado, observa-se que o perfil de risco para o adoecimento vocal, relacionado à intensificação do trabalho, está associado a uma organização do trabalho que tende a se intensificar devido ao aumento do número de alunos nas turmas e pela ausência de apoio de colegas para a realização do trabalho docente e pela pouca frequência da realização de atividades coletivas na escola. Gráfico 12: Realização de atividades coletivas na escola

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Afirmaram sempre realizar aconselhemento ou orientação: 33% do grupo E, 29% do grupo R e 26% do grupo D; afirmaram sempre realizar discussão sobre o projeto político pedagógico da escola: 17% do grupo E, 14% do grupo R e 10% do grupo D; afirmaram sempre realizar trocas de experiências sobre os métodos de ensino: 34% do grupo E, 29% do grupo R e 23% do grupo D; afirmaram sempre realizar trocas de experiências sobre os conteúdos de ensino: 32% do grupo E, 28% do grupo R e 20% do grupo D; afirmaram sempre realizar discussão sobre alunos/crianças: 50% do grupo E, 48% do grupo R e 40% do grupo D; afirmaram sempre realizar trocas de material pedagógico: 30% do grupo E, 26% do grupo R e 27% do grupo D; afirmaram sempre realizar participação conjunta em atividades de formação/atualização profissional: 24% do grupo E, 21% do grupo R e 20% do grupo D. 13

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Precarização das condições de trabalho A carga de trabalho dos professores é uma importante variável explorada pela pesquisa TDEBB e de grande interesse para a área que estuda a relação entre saúde e trabalho. A partir dos três perfis de adoecimento vocal estabelecidos aqui, podemos observar que os grupos R e D relatam ampliação da jornada em 35% e 36% dos casos, respectivamente. Já o grupo E é menos propenso a relatar ampliação da jornada, o que ocorreria em 30% dos casos. Os grupos com problema de voz relatam, de modo geral, um maior aumento na carga de trabalho14 (Gráfico 13). Outras questões apontam para um aumento não apenas da demanda, ou seja da carga de trabalho que leva à intensificação dos ritmos, mas também para um aumento do controle. As questões que tengenciam o tema do controle são menos conclusivas no que diz respeito à sua correlação com os três grupos analisados. Por exemplo, relatam ter observado recentemente uma maior supervisão/controle de suas atividades: 56% do grupo E, 58% do grupo R e 50% do grupo D; perda de autonomia na definição de suas atividades: 16% do grupo E, 17% do grupo R e 19% do grupo D; incorporação de novas funções e responsabilidades: 67% do grupo E, 68% do grupo R e 72% do grupo D. Esses resultados são coerentes com a predição do modelo demanda-controle de Karasek, que estabelece que trabalhos com alta demanda e alto nível de controle apresentam menos riscos à saúde mental e física que trabalhos com alta demanda e baixos níveis de controle do trabalhador sobre o trabalho. Nesse sentido, o aumento da demanda com simultâneo aumento do controle não apresenta correlação com o perfil de problemas relacionados à voz.

Por exemplo, o aumento do número de crianças na sua turma: 41% do grupo E, 48% do grupo R e 45% do grupo D relatam tê-lo percebido recentemente; mudança no perfil dos alunos: 70% do grupo E, 75% do grupo R e 75% do grupo D; falta de apoio na realização das suas atividades: 30% do grupo E, 36% do grupo R, 36% do grupo D; aumento das exigências em relação ao desempenho dos alunos: 58% do grupo E, 63% do grupo R e 63% do grupo D; competição entre escolas para conseguir maior índice de qualidade: 36% do grupo E, 40% do grupo R e 37% do grupo D; intervalos insuficientes para lanche ou descanço: 41% do grupo E; 51% do grupo R, 47% do grupo D. 14

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Gráfico 13: Percepção da precarização das condições de trabalho

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Os diversos fatores relacionados à precarização das condições de trabalho são discutidos de forma mais detida no capítulo sobre condições de trabalho e sobre gestão, nesta mesma obra. No que tange a saúde docente cabe destacar que a percepção de uma mudança no perfil dos alunos se associa ao perfil me maior risco para problemas vocais, o que sugere que as políticas de inclusão escolar aumentaria o risco de adoecimento15.

Vivência profissional e vivência da relação com os alunos A vivência profissional dos profissionais refere-se a aspectos subjetivos relacionados aos sentimentos dos profissionais da educação em relação ao seu trabalho. Observa-se que os grupos de risco ou diagnosticados fazem uma avaliação mais negativa de sua vivência profissional que o grupo eufônico16. Os dados indicam, portanto, que de modo geral Para melhor compreensão dessas relações, ver Doudin, Curchod-Ruedi e Lafortune (2010). 16 Ao reagiar à afirmação “eu me sinto frustrado com o meu trabalho”, o grupo E relatou se sentir assim sempre ou frequentemente em 19% dos casos. O grupo 15

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os docentes com perfil de risco para distúrbios vocais percebem sua profissão como mais desvalorizada socialmente e possuem uma pior vivência profissional que seus pares eufônicos. Eles tendem a perceber a sua profissão mais como fonte de sofrimento e frustração e menos como fonte de prazer e realização pessoal e profissional (Gráfico 14).

R afirmou que sentia-se frustrado sempre ou frequentemente em 35% dos casos e o grupo D em 31%. Ao reagir à afirmação “eu sinto que tenho muito a contribuir na educação” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 96% dos casos. O grupo R afirmou que se sentia assim em 95% dos casos e o grupo D em 98%, não se observando, portanto, uma diferença significativa entre os grupos. Ao reagir à afirmação “eu penso em parar de trabalhar na educação” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 19% dos casos. O grupo R afirmou que se sentia assim em 29% dos casos e o grupo D em 33%, revelando uma forte associação entre distúrbios vocais e a vontade de abandonar a profissão. À afirmação “trabalhar na educação me proporciona grandes satisfações” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 83% dos casos. O grupo R afirmou que se sentia assim em 73% dos casos e o grupo D em 77%. À afirmação “eu escolheria ainda trabalhar em educação, se eu tivesse que recomeçar minha vida profissional” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 70% dos casos. O grupo R afirmou que se sentia assim em 60% dos casos e o grupo D em 58%. Concordaram com a afirmação “eu sinto que a educação me permite utilizar ao máximo minhas capacidades” dizendo que se sentiam assim sempre ou frequentemente em 78% dos casos, o grupo E, e em 70% dos casos, os grupos R e D. Em relação à afirmação “eu penso que, em outra profissão, eu utilizaria melhor minhas habilidades intelectuais” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 23% dos casos. Os grupos R e D afirmaram que se sentiam assim em 33% dos casos. Ambas as respostas sugerem que os grupos R e D se sentem menos realizados na profissão. À afirmação “eu sinto que meu trabalho poderia ser mais eficiente, se fosse planejado e executado em condições mais favoráveis” o grupo E concordou dizendo que se sentia assim sempre ou frequentemente em 85% dos casos. O grupo R afirmou que se sentia assim em 90% dos casos e o grupo D em 87% dos casos, sugerindo que o reconhecimento de condições de trabalho desfavoráveis está associado ao perfil de risco para distúrbios de voz.

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Gráfico 14: Vivência profissional

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Considerando a forma como docentes do grupo E, R e D vivenciam sua relação com os alunos temos que ter em perspectiva que a voz é um dos principais meios de comunicação entre professores e alunos, inserindo-se no meio de uma relação por vezes conflituosa. Aspectos afetivos e psicossociais não só interferem na producão da voz como podem levar a casos de adoecimento17. Esta caraterística da voz nos levou a questionar como a relação com os alunos poderia associar-se com perfis de adoecimento vocal. De um modo geral, observou-se que há uma clara diferença na avaliação que professores do grupo E, D e R fazem de seu trabalho, sendo que os grupos D e R tem uma pior vivência de sua relação com os alunos18 (Gráfico 15). Não se pode afirmar, contudo se seria uma Ver Behlau (2004). Ao reagir à afirmação “é fácil motivar meus alunos” o grupo E concordou em 40% dos casos, enquanto o grupo R concordou em 32% dos casos e o grupo D em 26%. À afirmação “manter a disciplina em sala de aula com os alunos exige muita energia”, o grupo E concordou em 75% dos casos, enquanto o grupo R concordou em 81% dos casos e o grupo D em 80%. À afirmação “algumas vezes eu tenho medo dos meus alunos”, o grupo E concordou em 11% dos casos, o grupo R em 17% e o grupo D em 12%. À afirmação “eu sinto que realizo um trabalho que é socialmente valorizado”, o grupo E concordou em 36% dos casos, o grupo R em 27% e o grupo D em 21%. À afirmação “os alunos respeitam minha autoridade”, o grupo E concordou em 63% dos casos, o grupo R em 52% e o grupo D em 49%. À afirmação “no final de um dia de trabalho tenho o sentimento de que os alunos aprenderam alguma coisa”, o grupo E concordou em 65% dos casos, o grupo R em 53% e o grupo D em 53%. À afirmação “as necessidades dos meus alunos são 17

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vivência negativa do trabalho que levaria o professor a desenvolver um problema de voz ou se uma saúde vocal prejudicada colocaria empecilhos para o desenvolvimento de boa relação com os alunos. Nota-se aqui uma clara diferença na avaliação que professores do grupo E, D e R fazem de seu trabalho , sendo que os grupos D e R tem uma pior vivência de sua relação com os alunos19 (Gráfico 15). Não se pode afirmar, contudo se seria uma vivência negativa do trabalho que levaria o professor a desenvolver um problema de voz ou se uma saúde vocal prejudicada que colocaria empecilhos para o desenvolvimento de boa boa relação com os alunos.

tão variadas que encontro dificuldades de lhes atender”, o grupo E concordou em 35% dos casos, o grupo R em 42% e o grupo D em 37%. À afirmação “quando meus alunos estão indisciplinados, me sinto atordoado”, o grupo E concordou em 27% dos casos, o grupo R em 37% e o grupo D em 33%. À afirmação “eu me sinto satisfeito realizando atividades de cuidado com os alunos”, o grupo E concordou em 82% dos casos, o grupo R em 76% e o grupo D em 72%. 19 Ao reagir à afirmação “é fácil motivar meus alunos” o grupo E concordou em 40% dos casos, enquanto o grupo R concordou em 32% dos casos e o grupo D em 26%. À afirmação “manter a disciplina em sala de aula com os alunos exige muita energia”, o grupo E concordou em 75% dos casos, enquanto o grupo R concordou em 81% dos casos e o grupo D em 80%. À afirmação “algumas vezes eu tenho medo dos meus alunos”, o grupo E concordou em 11% dos casos, o grupo R em 17% e o grupo D em 12%. À afirmação “eu sinto que realizo um trabalho que é socialmente valorizado”, o grupo E concordou em 36% dos casos, o grupo R em 27% e o grupo D em 21%. À afirmação “os alunos respeitam minha autoridade”, o grupo E concordou em 63% dos casos, o grupo R em 52% e o grupo D em 49%. À afirmação “no final de um dia de trabalho tenho o sentimento de que os alunos aprenderam alguma coisa”, o grupo E concordou em 65% dos casos, o grupo R em 53% e o grupo D em 53%. À afirmação “as necessidades dos meus alunos são tão variadas que encontro dificuldades de lhes atender”, o grupo E concordou em 35% dos casos, o grupo R em 42% e o grupo D em 37%. À afirmação “quando meus alunos estão indisciplinados, me sinto atordoado”, o grupo E concordou em 27% dos casos, o grupo R em 37% e o grupo D em 33%. À afirmação “eu me sinto satisfeito realizando atividades de cuidado com os alunos”, o grupo E concordou em 82% dos casos, o grupo R em 76% e o grupo D em 72%.

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Gráfico 15: Vivência da relação com os alunos

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

A pesquisa qualitativa de Gonçalves (2003) lança algumas luzes sobre esta questão. Ao examinar situações de trabalho vividas por professores em sala de aula e suas respectivas representações sobre elas, através do método de análise ergonômica do trabalho, o autor observa que a identificação dos docentes com o modelo do bom professor como aquele que “explica” e “dá muito conteúdo”, o professor “professoral”, para o qual a voz é um meio fundamental para seu trabalho, estaria relacionado a um perfil de risco vocal. Nesse caso, o professor assume um distanciamento afetivo dos alunos e tende a utilizar estratégias nocivas, como o grito e a fala em alta intensidade, para dirigir as atividades e imprimir seu ritmo. Por outro lado, uma vinculação afetiva positiva com os alunos se configuraria como uma medida de proteção para a saúde vocal ao possibilitar uma melhor comunicação, utilizando níveis de intensidade vocais mais baixos e menor utilização da voz.

Perspectivas de trabalho A vivência do trabalho como mais prazerosa ou como mais sofrida vai refletir na projeção que os docentes fazem sobre seu futuro profissional. Os três grupos analisados diferem com relação às suas perspectivas de futuro na profissão, segundo seu perfil de saúde vocal. Estimulados a responder se considerariam provável uma mudança de profissão ou aposentadoria nos próximos anos, responderam da seguinte forma: Aposentar-

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-se: 22% grupo E, 25% grupo R e 33% grupo D; Mudar de Profissão: 11% grupo E, 16% grupo R e 16% grupo D. Além da vivência negativa do trabalho, como fonte de sofrimento, a expectativa de se aposentar correlaciona também com a maior faixa etária do grupo D. Gráfico 16: Perspectivas de futuro na profissão

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Visão de melhoria da qualidade do trabalho Os três grupos analisados foram estimulados a responder o que avaliariam que seria importante para melhorar a qualidade do seu trabalho a partir de várias afirmações. Os grupos com problemas de voz (D e R) tenderam a concordar mais com a necessidade de reduzir o número de alunos/crianças por turma e ter dedicação exclusiva a uma única unidade educacional. Essas avaliações são coerentes com uma correta identificação das causas do sofrimento em seu trabalho. Como já foi observado, a extensa jornada de trabalho e o número médio de alunos por turma são importantes fatores de risco para os problemas de voz relacionados ao trabalho20 (Gráfico 17).

Os docentes responderam da seguinte forma: Reduzir o número de alunos/ crianças por turma: 53% grupo E, 61% grupo R e 62% grupo D; ter dedicação exclusiva a uma única unidade educacional: 32% grupo E, 34% grupo R, 41% grupo D. 20

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Gráfico 17: Percepção do que seria necessário para a melhora na qualidade do trabalho

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Fatores de proteção Os dados encontrados na pesquisa TDEBB confirmam outras pesquisas que mostram uma associação entre saúde vocal e o estado de saúde mais global e medidas de proteção, como a prática de atividades físicas. Observou-se que o grupo que realiza atividades físicas regulares três ou mais vezes por semana é, proporcionalmente, maior no grupo sem problemas de voz (33% grupo E, 26% grupo R e 25% grupo D). Com relação ao consumo de água durante as aulas, observou-se que se trata de uma prática mais disseminada entre os profissionais que já foram diagnosticados com problemas de voz (79%). O grupo de risco e o grupo sem problemas de voz consomem água durante as aulas praticamente na mesma proporção (67% grupo R e 68% grupo D), o que sugere que as campanhas de saúde vocal promovidas pelo país ao longo das décadas de 1990 e de 2000 já atingiram seus objetivos de divulgar essa prática preventiva entre os docentes. Os três grupos, de modo geral, utilizam pouco a voz para outras atividades fora da sala de aula e não há diferença estatisticamente significante entre os três grupos para este comportamento.

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Gráfico 18: Medidas de proteção

Fonte: GESTRADO, UFMG, Banco de Dados TDEBB, 2010.

Considerações finais A grande defasagem entre os docentes que relatam sintomas vocais e o número de licenças motivadas pela agudização do problema nos sugere um caráter crônico desses sintomas na escola. Trata-se, portanto, de um sintoma bastante presente na docência, com o qual a grande parte dos trabalhadores se adapta e passa a conviver em seu cotidiano. Os dados da pesquisa mostraram que os desafios para promover a saúde vocal dos professores são muitos e ultrapassam a abordagem higienista que vinha sendo a tônica em décadas passadas. Mais que promover campanhas de orientação para o bom uso da voz e mudanças de comportamento que tendem a culpabilizar o professor, importa, cada vez mais, pensar em medidas articuladas que propiciem um ambiente de trabalho saudável e uma organização do trabalho compatível com a saúde dos trabalhadores. Os dados da pesquisa confirmaram correlações bem já estabelecidas na literatura entre variáveis ambientais como nível de ruído e o adoecimento vocal. Observou-se também o efeito de variáveis organizacionais como classes numerosas e elevada jornada de trabalho semanal sobre a saúde vocal, confirmando relatos encontrados na literatura nacional e internacional e podendo contribuir para criar regulamentações nessa direção. Desde já consideramos que a promoção de boas condições de trabalho se revela como uma estratégia central visando à promoção da saúde vocal dos docentes. Propomos como medidas mais urgentes a redução do número de alunos por turma e a atenção a fatores ambientais de risco para a saúde vocal, com destaque para os níveis de ruído ambiental.

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Os dados da pesquisa mostram que os docentes com perfil de adoecimento vocal têm uma pior percepção de sua profissão e de sua relação com os alunos que os professores saudáveis. Na mesma direção, estes professores com problemas de voz revelam menores expectativas com relação ao seu futuro profissional e um maior desejo de abandono da profissão, o que nos remete à seguinte reflexão: quais os efeitos de um distúrbio da comunicação que se instala na escola, interferindo na comunicação entre professores e alunos? Trata-se apenas de uma questão relacionada ao absenteísmo e à sonoridade da voz emitida ou ele teria repercuções mais profundas no processo pedagógico? Os vários aspectos afetivos e psicossociais, associados ao perfil de adoecimentos vocais analisados, sugerem que a saúde vocal deve ser encarada como parte de um problema de implicações mais profundas na relação de ensino-aprendizagem, e não apenas como um problema de saúde do trabalho que diz respeito ao trabalhador. Nesse sentido, os esforços para a promoção de uma maior saúde vocal dos docentes valem não apenas como medida para garantir a adequação às leis trabalhistas, zelando por um ambiente de trabalho salubre, mas como forma de promover uma escola em que as relações pedagógicas são vivenciadas de forma mais positiva. A pesquisa mostrou ainda alguns caminhos possíveis e inovadores que podem ser promissores na promoção da saúde vocal nas escolas brasileiras e, por consequência, para a melhoria da qualidade da educação no Brasil. Dentre eles, destacamos a promoção de atividades coletivas como medida de proteção à saúde vocal dos docentes. Nessa direção, acreditamos que a promoção da saúde vocal entre os professores deve passar pela discussão da organização do trabalho pedagógico, visando criar estratégias que estimulem trocas de experiência entre os docentes e a discussão sobre sua relação com os alunos, em suma, a promoção do trabalho coletivo. Como forma de viabilizar uma organização nesse sentido, consideramos que a dedicação exclusiva a uma escola é uma importante estratégia a ser considerada.

Referências bibliográficas 3º CONSENSO NACIONAL SOBRE VOZ PROFISSIONAL. Voz e trabalho: uma questão de saúde e direito do trabalhador. Rio de Janeiro. 13 e 14 de agosto de 2004.

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Capítulo 17

Trabalho docente e saúde: inquietações trazidas pela pesquisa nacional com professores(as) da educação básica

Andrea do Rocio Caldas

Introdução: A investigação sobre a saúde de professoras e professores vem ganhando espaço entre as pesquisas, no Brasil, especialmente a partir dos anos de 1990, ainda que a discussão sobre saúde e trabalho possua já uma longa trajetória na área das ciências sociais e no campo da saúde. Vários estudos buscaram, historicamente, apontar a relação entre organização do trabalho e saúde/doença, tanto do ponto de vista dos custos para a eficiência, como do ponto de vista dos impactos para o trabalhador, merecendo destaque, nessa última perspectiva, as iniciativas dos registros, denúncias e pesquisas por parte das organizações sindicais (Caldas, 2008; Souza & Leite, 2011). No campo das pesquisas sobre professores(as), grande parte dos estudos surge na própria área da saúde, seguida da psicologia e, mais recentemente, relacionados aos debates sobre a organização e condições do trabalho escolar. Segundo análise das pesquisas – teses e dissertações – sobre trabalho e saúde de professores da educação básica, realizado por Souza e Leite (2011) no período entre 1997 e 2006, há uma predominância de estudos sobre saúde mental e estudos ergonômicos sobre atividades e tarefas, mas ainda poucos estudos sobre “os reflexos da organização e gestão do trabalho na saúde dos professores” (Souza & Leite, 2011: 1106) e, de forma geral, uma dificuldade de trabalhar com a multidisciplinaridade.

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Sendo assim, segundo as autoras, alguns trabalhos tendem a acentuar a análise da saúde como questão individual, notadamente os da área da biologia, enquanto que os do campo das ciências humanas apresentam “pouca habilidade para trabalhar os problemas relacionados à saúde” (Souza e Leite, 2011: 1110). Em outro levantamento das principais pesquisas sobre trabalho docente, indexadas entre 1987 e 2007, a partir dos bancos de dados da CAPES, BIREME, ANPED e das revistas Psicologia e Sociedade, Psicologia e Educação, Psicologia: Reflexão e Crítica e Educação e Sociedade; identifica-se também a emergência do tema das condições de trabalho, muitas vezes articulado à questão de identidade e representação social, especialmente a partir do final dos anos de 1990, tanto na área da educação, da psicologia, como da saúde pública (Caldas, 2010). Os estudos sobre as condições de trabalho docente, de maneira geral, abrangem questões como saúde, ritmo de trabalho, estresse, burnout1, rotina, relações interpessoais, controle/fiscalização, salários e pressões sociais. Alguns deles se articulam à questão de identidade e representação social e tratam dos “significados, concepções e percepções dos docentes sobre seu trabalho, bem como as conexões entre condições externas e disposições internas”, nível de satisfação e abandono do trabalho (Caldas, 2010: 362). Registra-se, ainda, um forte acento prescritivo, em muitas pesquisas realizadas sobre o professor e a relação com o seu trabalho que tratam de identificar, em seu comportamento, traços que dificultam a relação com os alunos, e, dessa forma, obstaculizam a tarefa educativa, pelo exercício do poder sobre os alunos que o professor se sente incapaz de exercer (Zuin, 2003). Ou, ainda, buscam investigar formas de mobilizar mudanças na identidade do professor como meio de transformá-lo em agente das mudanças que estão sendo exigidas atualmente (Baptista & Aguiar, 2003). Tal perspectiva, de tratamento individual das questões vinculadas à saúde e ao trabalho docente, que aparece de forma recorrente em muitas investigações, traz consigo o risco da culpabilização da própria vítima A Síndrome de Burnout, que afeta principalmente os trabalhadores encarregados de cuidar, é definida como reação à tensão emocional crônica gerada a partir do contato direto e excessivo com outros seres humanos, particularmente quando estes estão com problemas [...]. Trata-se de sentimento crônico de desânimo, apatia, de despersonalização. Os sintomas de tal estado são identificados pela exaustão emocional, despersonalização e falta de envolvimento pessoal no trabalho (Codo, 1999: 237-8). 1

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e o ocultamento das condições mais gerais que geram, frequentemente, uma série de doenças e sintomas, no bojo da organização e relações de trabalho. Esse cenário, aliado ao fortalecimento de perspectivas teóricas no campo das políticas educacionais que acentuam o papel individual do professor como agente educacional, tende a acentuar o sofrimento no (e do) trabalho docente, agregando a culpa como ingrediente fundamental da identidade docente, na medida em que os professores(as) se sentem cada vez mais cobrados e com menos condições de atender às expectativas (Assunção & Oliveira, 2009: 362). Conforme é destacado na pesquisa realizada pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) e Universidade de Brasília, entre professores(as) da rede pública “a contradição da onipotência de um/a deus/a e a privação de um cachorro magro mede de maneira surpreendente o conflito latente em toda a vida afetiva, social, familiar dessas pessoas” (Codo, 1999: 12). Sendo assim, a iniciativa da pesquisa “Trabalho Docente e Educação Básica no Brasil”, realizada em sete estados brasileiros, e atingindo quase nove mil docentes, agrega uma importante contribuição não só ao estudo teórico sobre o trabalho docente, mas, especialmente, para o enfrentamento coletivo das questões de saúde e condições de trabalho dos professores(as) da educação básica, à medida em que se busca associar a compreensão dos indicadores de saúde do professor(a) ao movimento de mudanças das políticas públicas e suas consequências para a organização e gestão do trabalho escolar. para a organização gestão do trabalho escolar.

Indicadores das Condições de Saúde dos Professores(as) da Educação Básica: A análise dos dados levantados pelo survey, aplicado aos professores(as) de escolas públicas de sete estados brasileiros, traz, como um importante indicador, o afastamento constante das atividades laborais de cerca de quase um terço dos profissionais, por motivo de doença. Assim, nos últimos dois anos, 28% dos docentes afirmam ter se afastado por licença médica, sendo que a maioria, no período de uma a três semanas e 34% por mais de um mês.

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Dentre as causas apontadas, aparecem majoritariamente os chamados distúrbios mentais ou transtornos psíquicos (11,7% por estresse e 12,7% por depressão, ansiedade e nervosismo), seguidos de 11,7% por doenças musculoesqueléticas e 7,9% de problemas de voz e entre os outros motivos (46,7%) aparecem cirurgia, licença maternidade e acompanhamento familiar como os mais frequentes. Ainda sobre as doenças informadas, 40,9% dos professores(as) apresentaram processo inflamatório, infeccioso ou alérgico nas vias áreas respiratórias. No campo dos transtornos psíquicos, 8,7% dos professores(as) informaram fazer uso regular de medicamentos para depressão, ansiedade ou nervosismo e 4,5% para alterações no sono. Com relação aos problemas no uso da voz, cerca de 45,8% dos docentes afirmaram sentir, nas duas semanas anteriores, cansaço para falar e 43,7% percebem uma piora na qualidade de voz. Tais dados corroboram com o quadro preocupante trazido por várias outras investigações no campo da saúde do professor, no Brasil e em outros países. “Nas últimas décadas, os registros de licença do trabalho por motivo de saúde na categoria dos professores, em diferentes países, identificam a maior prevalência de distúrbios mentais quando comparados com outros grupos de doenças comunicadas nas declarações médicas” (Assunção & Oliveira, 2009: 363), seguidos pelas doenças do aparelho respiratório e locomotor (Assunção & Oliveira, 2009; Gasparini et al., 2005; Souza & Leite, 2011). Essa persistência de determinados tipos de doenças associadas à profissão docente, considerada pela Organização Mundial do Trabalho como uma das profissões mais estressantes (Souza & Leite, 2011: 1116), leva-nos a estabelecer obrigatoriamente os vínculos de análise entre organização do trabalho e saúde ocupacional, ainda que os efeitos sejam mensurados, recorrentemente, de forma individual. Destarte, uma série de fatores vem sendo apontada em diversos estudos sobre estresse, burnout e abandono do trabalho docente, como propulsores desse estado que atinge massivamente os professores(as), quais sejam, a carga de trabalho, a pressão temporal, a perda do reconhecimento da profissão, a fragmentação e a intensificação da atividade e a perda de controle sobre o processo de trabalho (Assunção & Oliveira, 2009; Codo, 1999; Esteve, 1995; Lapo & Bueno, 2002). Segundo informações da pesquisa coordenada por Codo (1999) com trabalhadores em educação básica, a carga mental elevada no trabalho, preponderante em profissionais com mais de um vínculo empregatício e que trabalham em mais de um nível de ensino, o que provavelmente “implica em mais deslocamento, maior esforço de adaptação entre

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ambientes diferentes, preparação de atividades distintas” (Codo, 1999: 285) aparece associada a sintomas como exaustão emocional e despersonalização, ou seja, sentimentos de desânimo e desligamento afetivo, que se retroalimentam. Já os problemas relacionados a suporte familiar e afetivo tendem a potencializar a incidência da exaustão emocional e despersonalização, embora não incidam sobre o envolvimento pessoal. Enquanto que os problemas nas relações sociais no trabalho aparecem fortemente associados a todos os sintomas de burnout (Codo, 1999: 275-276). Com relação aos problemas vocais, “os professores são considerados os profissionais com mais alto risco para o desenvolvimento de distúrbios vocais” (Assunção & Oliveira, 2009: 361), o que pode ser explicado seja pelo uso inadequado, pelo excesso da carga de trabalho, pelas condições ambientais e pelo próprio estresse. Assim, “o uso de recursos dependentes da qualidade vocal para manifestar sua autoridade e exercer influência na relação com seus alunos pode levar à hipersolicitação vocal”, bem como o padrão e a qualidade de sono que fortalecem ou fragilizam as condições físicas dos sujeitos (Assunção & Oliveira, 2009: 362). Na pesquisa aqui analisada, 24% dos professores e professoras afirmam exercer atividade fora da docência em que a voz é novamente requisitada e 32% afirmam não ingerir água durante as aulas. O quadro acima descrito traz implicações importantes para o trabalhador individual, já que 24% dos professores(as) que se afastaram por licença médica tiveram redução salarial no período e 12% sofreram readaptação na função exercida, em função da doença. A expressiva maioria (67%) custeia os gastos com a saúde de forma privada, ou seja, através de planos de saúde. A constância das situações aqui relatadas, por outro lado, afeta igualmente a organização do trabalho como um todo. Nesse sentido, estabelece-se uma relação mútua de causa e consequência entre a inadequação da estrutura laborativa e as doenças ocupacionais, que se retroalimentam perversamente. Ademais, os registros trazidos sobre a qualidade de vida e o chamado tempo livre, dão conta que há um estreitamento dos espaços que poderiam atuar como descompressores do estresse e da ampliação das condições de saúde, nos permitindo inferir que não só as condições de trabalho, mas também de vida de professores(as), o que tem contribuído para o agravamento do quadro.

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Entre as indicações do uso do tempo livre, por parte dos docentes pesquisados, aparece um claro sintoma de profunda exaustão, quando um número expressivo (22,2%) afirma dispor do tempo para descansar ou dormir, seguido de programas em família (16,7%), leitura (16,2%), tarefas domésticas (15,2%), cuidados pessoais (9,7%); televisão (7,1%), atividades físicas (5,5%) e cinema (2,5%). Mais da metade (52,3%) afirma não realizar nenhuma atividade física regular.

As Políticas Educacionais e a Hiper-responsabilização do Professor Especialmente a partir dos anos de 1990, no Brasil, o cenário das políticas educacionais e seus desdobramentos para a área de formação dos professores descortinam uma espécie de novo protagonismo docente (Nunes, 2001), com forte influência europeia e norte-americana, especialmente a partir dos trabalhos de Schon (1992, 2000) e Perrenoud (1992, 2001). Segundo Duarte (2003), a questão epistemológica fundamental que articula esse novo protagonismo e embasa muitas pesquisas e propostas no campo de formação de professores das duas últimas décadas é a epistemologia da prática, que valoriza o saber tácito do professor(a) e o conhecimento na ação, acompanhando discursivamente o movimento que ocorre no setor produtivo, na perspectiva da acumulação flexível2, e questiona frontalmente o modelo de formação acadêmica. A partir deste enfoque, o professor atual deve “saber colocar as suas competências em ação em qualquer situação”, “refletir em ação”, “adaptar-se, dominando qualquer situação”, “ser admirado, por sua eficácia, experiência, sua capacidade de resposta e ajuste a cada demanda, ao contexto ou a problemas complexos e variados, bem como por sua capacidade de relatar os seus conhecimentos, seu savoir-faire-faire, e seus atos, justificando-os”, e, ainda, “saber jogar com as regras e manter uma relação com os conhecimentos teóricos que não seja reverente e dependente, mas, ao contrário, crítica, pragmática e oportunista, em resumo, que este profissional seja autônomo e responsável” (Perrenoud, 2001: 25). Ou seja, investir na postura consciente e autorreflexiva diante da Sobre a análise do saber tácito no setor produtivo confira Kuenzer (2002) e Dejours (1999). 2

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práxis, tornando-se o professor que se surpreende, reflete, compreende e reformula ações (Schön, 1992: 82). As características do trabalho educativo e suas possibilidades de realização passam a ser consideradas a partir do professor, entendido como sujeito particular. A escola, a cultura escolar e a ambiência do professor são reificadas e apartadas; o contexto social é no máximo mencionado como entorno ou comunidade com o qual se deve interagir. Concomitante a essa inflexão de discursos teóricos, teremos no Brasil o desenvolvimento de um processo contraditório na direção da profissionalização, regulação e flexibilização do trabalho docente (Freitas, 2003), que se tornou o centro do debate entre governo e educadores nos anos de 1990 e se estende até o presente momento. Em comum, a centralidade dos processos internos escolares e a redefinição do papel do professor(a), sua identidade, sua prática e saberes. Esse apelo discursivo ao papel do professor isolado passa a ter implicações concretas na configuração de determinadas políticas educacionais e na organização do trabalho escolar. Assim, é a esse professor singular que a nova Lei de Diretrizes e Bases-LDB (Lei nº 9.394/96) confere a responsabilidade de, entre outras tarefas, “estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento” (art. 13); muito embora o texto legal, em sua versão final, tenha excluído a definição de uma série de condições para o exercício da carreira docente, que constavam no projeto aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em 19963. Estabelece-se, portanto, a bem da educação brasileira, a necessidade de se construir, por meio das propostas de formação, um novo perfil de professor, que desenvolva as “competências necessárias para atuar nesse novo cenário”, a fim de poder assumir as seguintes tarefas: Orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber

O texto do projeto de LDB, aprovado na Comissão de Educação, assegurava entre outras condições de trabalho: piso salarial profissional nacionalmente unificado, com reajuste periódico que preservasse seu valor aquisitivo; progressão salarial por tempo de serviço; adicional para aula noturna, para regiões de difícil acesso e para professores que lecionem nas quatro primeiras séries do ensino fundamental; regime de trabalho preferencial de 40 horas semanais, com no máximo 50% do tempo em regência de classe, e o restante do tempo em trabalho extraclasse, com incentivo para dedicação exclusiva (Saviani, 1998: 107). Tais definições foram substituídas, na redação final da nova LDB, por um genérico “condições adequadas de trabalho” (Lei 9.394/96, art. 67). 3

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lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho em equipe. (CNE, 2001: 4) O centro da atenção se desloca para o desenvolvimento de novas competências4, compreendidas como a capacidade de “mobilizar conhecimentos, transformando-os em ação” (CNE, 2001: 28). Nada se fala, entretanto, sobre as condições de trabalho necessárias, nem tampouco se ultrapassa a esfera da ação individual do professor. Ao cabo, as soluções proclamadas ou intentadas acabam por circunscrever-se ao campo de ação individual e isolada dos professores (as), num processo definido por Gimeno-Sacristán (1995: 64) como hiper-responsabilização do papel do professor, cujo efeito é “a ocultação ideológica dos condicionalismos reais dessa prática”. O suporte oferecido é o da capacitação ou sensibilização e as condições concretas de exercício da prática são pressupostas. Dessa maneira, frente a um contexto social que parece impenetrável, consubstancia-se o destino e a missão solitária do novo professor, “ampliando as funções da escola e lhe atribuindo um novo messianismo” (Kuenzer, 1999: 21). Essas teses preconizam as mudanças de atitude dos professores(as) como forma de operar mudanças na educação e, consequentemente, ajustá-la ao contexto social, respondendo à chamada crise da escola, que nada mais é do que expressão da crise do regime de acumulação capitalista, para o que novas tarefas educacionais são requeridas (Kuenzer, 1999).

Trabalho Docente: Do Protagonismo (Discursivo) ao Sofrimento (Negado) José Esteve (1995), considerado uma importante referência nos estudos sobre as condições de trabalho docente, por sistematizar “o debate

A lógica das competências, ao enfatizar a individualização dos processos educativos, a responsabilização individual pelo aprimoramento profissional, produz o afastamento dos professores de sua categoria profissional como coletivo e, em consequência, de suas organizações” (Freitas, 2003: 2). 4

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sobre o conjunto de no seu trabalho sobre o conjunto de dificuldades e de constrangimentos profissionais que afetam o trabalho dos professores, cunhando o termo mal-estar docente para designa-los.” (Souza & Leite, 2011: 1109), propõe estudar a situação actual dos professores, situando-a num processo histórico em que as mudanças sociais transformaram profundamente o seu trabalho, a sua imagem social e o valor que a sociedade atribui à própria educação [...]. O significado e os problemas actuais da função docente só podem equacionar-se com exatidão situando-os no processo de transformação do sistema educacional nos últimos anos. (Esteve, 1995: 95)

Para o autor espanhol, as reformas educacionais nos países europeus, nos anos de 1990, surgem num momento de desencanto e ceticismo, cuja origem está no sentimento de insegurança dos professores(as) frente às “circunstâncias de mudanças para as quais não se sentem preparados”, contribuindo para que se instale o mal-estar docente ou teacher burnout, definido como “os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência, devido à mudança social acelerada” (Esteve, 1995: 97-98). Esse quadro acaba por gerar nos professores(as) um desejo de abandonar a profissão, que pode se manifestar através de mecanismos de evasão, com um distanciamento psicológico dos problemas do cotidiano, ou mesmo o abandono real e definitivo. Na área da Psicopatologia do Trabalho, Dejours (1992; 1999) tem igualmente procurado, através de seus estudos, compreender o sofrimento do trabalho na interação com o tipo de sociedade em que vivemos. Segundo o autor, o momento atual vem sendo frequentemente designado como um período de crise da civilização e coincide com a desilusão do pós-guerra e a contestação da sociedade de consumo. Segundo Dejours (1999), há um componente perverso na crise atual, a adesão ao discurso economicista que leva à banalização da injustiça social, proclamada como mal necessário. Dessa forma, através de uma sinistra inversão, o sofrimento alimenta a maquinaria da guerra econômica, ao invés de desativá-la. No processo de construção de estratégias de defesa para o sofrimento, que é considerado como adversidade, e não como injustiça, homens e mulheres adotam um comportamento de “normalidade sofrente” que os permite tolerar o que é intolerável (Dejours, 1999:36).

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Fator decisivo para esse processo de acomodação ao sofrimento, segundo o autor, é a fragmentação dos processos de trabalho e a fragilização das formas de organização coletiva, que conduzem à culpabilização individual. Assim, em situações de trabalho comuns, muitas vezes os trabalhadores não têm como saber se suas falhas se devem à sua incompetência ou a anomalias do sistema técnico. E essa fonte de perplexidade é também causa de angústia e sofrimento, que tomam a forma de medo de ser incompetente, de não estar à altura ou de se mostrar incapaz de enfrentar convenientemente situações incomuns ou incertas, as quais, precisamente, exigem responsabilidade. (Dejours, 1999: 31)

Com isto, o tratamento atomizado de questões advindas dos processos laborais, ao invés de contribuir para o desvendamento dos mecanismos ocultos ao sofrimento e à injustiça social, acaba por enredar o indivíduo num círculo fechado de respostas imediatas e superficiais que, ao cabo, terminam por culpar a vítima pelo próprio sofrimento. Esse isolamento é induzido não apenas por uma concepção que descrê dos mecanismos coletivos ou da possibilidade de superar o presente, mas também reforçado pelas condições de existência da contemporaneidade, que fragmentam as relações humanas, estereotipando-as em múltiplos e justapostos papéis sociais, compreendidos como reações mecânicas assimiladas com vistas à convivência social. Dessa forma, segundo Heller (2004: 93-94), na estrutura própria do papel social, degradam-se as relações sociais, que deixam progressivamente de ser elementos qualitativos para serem apenas quantitativos. Por muitos que sejam os papéis sociais desempenhados por um sujeito, sua essência se empobrecerá [...] e, na medida em que os modos de comportamento convertem-se em papéis estereotipados, as transformações se mantêm como meras aparências.

Assim, as relações entre as pessoas aparecem como relações entre coisas, assim como a relação consigo. Os sujeitos passam a ser regidos por normas externas, prescrições e significados alheios que ordenam suas vidas, sem nenhum sentido de controle efetivo sobre o seu destino e suas escolhas, restando-lhes tentar cumprir o esperado socialmente, sob a pena de se tornarem desajustados.

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No caso do trabalho docente, o sofrimento “associado ao adoecimento em estudos específicos, está sempre ligado a um conflito entre a vontade de bem fazer o seu trabalho, de acordo com as novas regras implícitas da profissão, e a pressão que leva a certas regras para aumentar a sia produtividade” (Assunção e Oliveira, 2009: 366). Assim, acentua-se o desgaste e a despersonalização, levando muitos professores(as) a buscarem saídas individuais que minimizem a dor e a angústia provocadas pelo constante sentimento de frustração, o que em alguns casos acaba sendo o próprio abandono da profissão. As tendências crescentes de abandono da profissão foram analisadas por Lapo e Bueno (2003: 11), em pesquisa sobre as razões do desligamento do emprego ou da profissão por professores da rede estadual de São Paulo, no período de 1990-1995, quando se verificou, a partir de dados da Secretaria Estadual de Educação, “um aumento da ordem de 300% nos pedidos de exoneração do magistério”. Segundo as autoras, a articulação de fatores externos, como a organização do trabalho e o contexto social, a elementos da história individual dos professores(as) estabelece a forma como estes vivenciam as crises e como estabelecem as estratégias de enfrentamento. No estudo em questão, que entrevistou 16 professores que se exoneraram do magistério estadual, aparece o relato de um progressivo enfraquecimento de vínculos com o trabalho, a partir das seguintes causas relatadas: exigências excessivas, contexto social adverso, baixos salários, organização burocrática e centralizadora, escassez de recursos, falta de apoio, dificuldades nas relações interpessoais (Lapo e Bueno, 2002). Na pesquisa ficou demonstrado ainda que o processo de abandono definitivo foi precedido de “abandonos temporários”, como faltas, licenças, remoção ou ainda de um processo de distanciamento físico e psicológico, definido pelos próprios entrevistados como “acomodação”, como forma de adiar a decisão, cuja efetivação implicaria em perdas pessoais, profissionais e financeiras, a despeito do processo de insatisfação (Lapo e Bueno, 2002). No entanto, esse processo de abandonos temporários, em muitos casos, além de não resolver a situação, contribuiu para agravá-la, potencializando os sentimentos de não integração ao trabalho, culminando no processo de abandono definitivo. Percebe-se assim, que problemas laborais que têm raízes comuns e, portanto, expressão coletiva, ainda que possam ser vividos de distintas formas pelos indivíduos, têm tido como caminho preponderante o enfren-

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tamento individual e solitário, o que, sem dúvida, acaba por potencializar ainda mais o sofrimento. Buscando indagar as causas desse “sofrimento negado”, ou seja, submerso e invisível, que atinge massivamente os trabalhadores, Dejours (1999) aponta como hipótese a relação estabelecida entre a tolerância à injustiça e a fragilidade das organizações coletivas. Segundo o autor francês, o enfraquecimento da organização dos trabalhadores em seu país está ligado ao sentimento de tolerância à injustiça, característico da hegemonia do discurso economicista liberal, não só como causa, mas também como consequência. Vive-se, portanto, um processo denominado por Dejours (1999: 40) “vergonha e inibição da ação coletiva”, determinado pela deslegitimação das reivindicações daqueles que são considerados privilegiados por terem emprego, frente aos desempregados e miseráveis.

O que o Adoecimento Docente Revela sobre a Organização do Trabalho? Vários estudos, já elencados, têm-se debruçado sobre a precarização do trabalho docente, a redução de investimentos, a ruptura de consenso social sobre a educação, a retração de outros agentes educativos, a ampliação de exigências educativas, entre outros. Há um sentimento compartilhado de que tanto as políticas educacionais como a própria sociedade não valorizam o professor, ao mesmo tempo em que o encarregam de novas tarefas. Não se trata, entretanto, de um mero mal-estar ou da sensação de estar desajustado para as novas exigências, conforme definiu Esteve (1995), senão que essa desvalorização se materializa em condições concretas de trabalho. A falta de condições adequadas de trabalho é agravada pela piora das condições sociais dos destinatários do trabalho educativo na escola pública, potencializando os problemas e dilemas com que o professor(a) se defronta para desenvolver seu trabalho. A desvalorização salarial é também expressão concreta desse sentimento de desvalorização da profissão e retroage sobre as condições de trabalho. O rebaixamento salarial, além do mais, implica na limitação do padrão de vida dos professores(as), acentuando a tendência ao acúmulo de jornadas de trabalho, bem como o “estreitamento das estratégias para

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se lidar com os problemas do cotidiano” (Codo, 1999: 354), ou seja, a falta de dinheiro faz com que os professores(as) não possam contar com determinados bens ou serviços que facilitam as condições de vida, “acentuando a carga de trabalho e o sentimento de vulnerabilidade do trabalhador” (Codo, 1999: 354). Essa somatória de fatores gera um grave processo de intensificação do trabalho, pelo acúmulo e diversificação de funções e sobrecarga de jornadas de trabalho, em estreita relação com as condições salariais. A intensificação do trabalho representa uma das formas tangíveis pelas quais os privilégios de trabalho dos trabalhadores educacionais são degradados. Ela tem vários sintomas, do trivial ao mais complexo- desde não ter nenhum tempo sequer para ir ao banheiro, tomar uma xícara de café, até ter uma falta total de tempo para conservar-se em dia com sua área. (Apple, 1987: 9)

Assim sendo, as condições sociais do entorno, as condições de trabalho e a direção tomada pelas políticas educacionais, aliadas ao aporte suficiente ou insuficiente da formação do educador, aparecem como fatores fundamentais de análise da relação do educador com seu trabalho.

Considerações finais O sofrimento na relação com o trabalho ocorre, segundo Dejours (1999), em várias dimensões, que incluem desde condições de trabalho precárias e/ou insalubres até o sofrimento psíquico provocado pela discrepância entre as exigências prescritas e as condições para realizá-las. Enquanto no primeiro caso é possível estabelecer uma avaliação mais tangível, no caso da defasagem entre a organização prescrita do trabalho e a organização real, o sofrimento ocasionado tem sido, segundo o autor, frequentemente negligenciado por uma sociedade que celebra a reestruturação do trabalho, a flexibilidade funcional e o avanço tecnológico

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Enfim, por trás das vitrinas, há o sofrimento dos que temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da organização do trabalho: imposições de horário, de ritmo, de formação, de informação, de aprendizagem, de nível de instrução e de diploma, de experiência, de rapidez de aquisição de conhecimentos teóricos e práticos e de adaptação à cultura e à ideologia da empresa, às exigências do mercado, às relações com os clientes, os particulares ou o público. (Dejours, 1999: 28)

Essa “agudização” do conflito entre a situação prescrita ou desejada e a realidade do trabalho põe em xeque não somente a possibilidade de realização do trabalho educativo, mas o sentido desse trabalho para cada educador(a), cujo sofrimento solitário tende a produzir diferentes estratégias de “proteção ao sofrimento” (Dejours, 1999: 35). Esse sofrimento, ao não ganhar visibilidade, conduzindo a saídas individuais, parece corroborar a tese de Dejours (1999) sobre a banalização da injustiça social, forjando um quadro onde a revolta, quando acontece, também se manifesta de forma isolada. [...] a resposta que cada um dá individualmente ao sentido do seu sofrimento depende fundamentalmente da maneira pela qual está engajado nas relações sociais [...]. Na falta de uma construção do sentido do sofrimento nas relações sociais, o sujeito tende a voltar-se para uma posição dita “individualista” [...], [pois] não há nenhuma chance de o sofrimento levar à formulação de opiniões enunciáveis no espaço público e na cidade. [...] A consequência disso é o desânimo, a decepção, às vezes até o desespero.

Desta maneira, se as causas do sofrimento invisível no trabalho não são conhecidas, estudadas, não é possível denunciá-lo, enfrentá-lo ou lutar contra ele, no máximo restam as alternativas da resignação ou do abandono, duas formas diferentes da desistência, imposta pela “negação do sofrimento alheio e omissão do seu próprio sofrimento” (Dejours, 1999: 51). É preciso, pois, destacar a importância das ações que se dirigem à análise e ao enfrentamento dos problemas trazidos pela organização do trabalho. Essa forma de tratamento e enfrentamento coletivo da questão inicia o necessário processo de “desculpabilização” da vítima e coloca o debate no caminho do desvendamento das intricadas relações entre os processos estruturais e as situações particulares, e nesse caso, os processos de adoecimento.

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A questão que se repõe, portanto, é como enfrentar coletivamente esses problemas que invadem os poros do cotidiano escolar, sem o que não é possível fecundar as condições de resistência, na perspectiva da construção de uma escola de qualidade para o conjunto da população. Ou seja, como construir condições de trabalho que garantam efetivamente a possibilidade de transformar em prática o discurso de transformação da escola. [...] os indivíduos não existem jamais como indivíduos singulares, mas como indivíduos em relação a outros indivíduos e em relação às próprias relações. Assim sendo, os efeitos de cada ato humano, mesmo que motivado pelas mais profundas razões individuais, adquire uma significância diferenciada quando analisado em termos de rede de relações e estruturas sociais. (Medeiros, 2004: 19)

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Sobre os autores

Adriana Duarte Professora Associada do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação da UFMG. Coordenadora do Programa de Doutorado Latino-Americano em Educação do PPGE – FAE – UFMG. Vice-coordenadora do Grupo de Pesquisa: Política Educacional e Trabalho Docente GESTRADO/FAE/UFMG, filiado à Rede Latino-Americana de Estudos sobre o Trabalho Docente Rede Estrado (CLACSO). Estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana – UERJ (2008). Doutora em Educação – UFMG (2002). Estudos e pesquisas nas áreas de política educacional e trabalho docente (ênfase nas temáticas das reformas e novas regulações educacionais, gestão dos sistemas públicos de educação e das escolas).

Álvaro Moreira Hypolito Álvaro Moreira Hypolito concluiu o Doutorado (PhD) em Curriculum and Instruction - University of Wisconsin – Madison em 2004. É Professor Associado da Universidade Federal de Pelotas. Publicou 34 artigos em periódicos especializados e 34 trabalhos em Anais de eventos. Possui 21 capítulos de livros e 11 livros publicados como autor e/ ou editor. Possui vários itens de produção técnica. Participou de eventos no exterior e no Brasil. Orientou oito trabalhos de iniciação científica e 12 trabalhos de conclusão de curso de especialização e de graduação nas áreas de Educação e Economia Doméstica. Recebeu dois prêmios e/ou homenagens. Orientou sete trabalhos de dissertação de mestrado e orienta cinco teses de doutorado, uma como coorientador. Participou de vários projetos de pesquisa, sendo que coordenou vários destes. Atualmente participa de três projetos de pesquisa. Atua na área de educação, com ênfase em estudos sobre Trabalho Docente, Currículo

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e Gestão Educacional. Em suas atividades profissionais, interagiu com 44 colaboradores em coautorias de trabalhos científicos.

Andréa Barbosa Gouveia Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (1995), mestrado (2002) e doutorado (2008) em Educação pela Universidade de São Paulo – USP, Faculdade de Educação, na área de concentração Estado, Sociedade e Educação. Atualmente é professora da Universidade Federal do Paraná, onde atua no Núcleo de pesquisa em Política, Gestão e Financiamento da Educação. Está credenciada no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPR na linha de pesquisa em Políticas Educacionais. Atualmente é coordenadora do Grupo de Trabalho Estado e Educação da ANPED. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: financiamento, política educacional, gestão democrática, democratização do Estado e avaliação de políticas públicas.

Andrea do Rocio Caldas Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Paraná (1990) e Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Paraná (1998). É Doutora na área de Economia Política da Educação (UFPR). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Escolar, atuando principalmente nos seguintes temas: gestão escolar, sociedade civil, trabalho docente, políticas educacionais. É professora-adjunta do Setor de Educação, da Universidade Federal do Paraná. Atua como pesquisadora e consultora na área de políticas educacionais e movimentos sociais.

Ângelo Ricardo de Souza Possui graduação em Educação Física pela PUC-PR (1991), mestrado (2001) e doutorado (2007) em Educação: História, Política, Sociedade pela PUC-SP. Atualmente é professor-adjunto da Universidade Federal do Paraná, onde atua no Núcleo de Políticas Educacionais e no Programa

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de Pós-Graduação em Educação. É vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação – FINEDUCA e secretário estadual no Paraná da Associação Nacional de Política e Administração da Educação – ANPAE. Tem experiência nas áreas de Políticas, Gestão e Financiamento da Educação.

Antônio Cabral Neto Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1978), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980) e doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (1995). Atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Básica, atuando principalmente nos seguintes temas: descentralização, política educacional, gestão educacional, financiamento e ensino fundamental. Foi pró-reitor de graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no período de 2003-2007. Atualmente é vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação.

Carlos Alexandre Soares da Silva É bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é mestrando do Programa de pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e trabalha como assistente de pesquisa no Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Faculdade de Educação da UFMG (GESTRADO/FaE-UFMG). Tem experiência em metodologias quantitativas e qualitativas. Trabalhou como professor de sociologia na Rede Estadual de Minas Gerais.

Dalila Andrade Oliveira Professora Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais na área de Políticas Públicas e Educação. Bacharel em Ciências Sociais pela

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Universidade Federal de Minas Gerais (1986), mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1992) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (1999). Realizou um Pós-doutoramento na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (2005) e outro na Université de Montréal, Canadá (2005). Desenvolve estudos e pesquisas com ênfase em Política Educacional, gestão escolar e trabalho docente na América Latina. Foi coordenadora do Grupo de Trabalho “Educación, politica y movimientos sociales” no âmbito do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO) entre 2006 e 2009; Diretora de Cooperação Internacional da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) entre 2007 e 2009 e Vice-presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd entre 2005 e 2009. Atualmente exerce a coordenação geral da Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente (RedEstrado) e é presidente da ANPEd (2009/2011 - 2011/2013). Pesquisadora PQ 1C do CNPq.

Danielle Cireno Fernandes Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Pernambuco (1988), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (1992), PhD em Sociologia – University of Wisconsin-Madison (1999) e Pós-Doutorado pela Universidade Federal de Pernambuco (2001-2002). Atualmente é Professora Associada da Universidade Federal de Minas Gerais. É ganhadora de vários prêmios acadêmicos como ANPAD 2000, ANPAD 2004, Prêmio IPEA 40 Anos (2004) – sendo classificada em primeiro lugar pelo trabalho “A Superação das Desigualdades Sociais no Brasil”. É membro do corpo editorial de dois periódicos internacionais, a saber: Sociology of Education e Population Review. É revisora regular de vários periódicos nacionais e internacionais, dentre eles: Population Review; Sociology of Education. Organizações & Sociedade; Texto para Discussão (IPEA) e Dados (Rio de Janeiro), Teoria e Sociedade. Possui artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais. É autora de vários artigos e organizadora de dois livros: Educação, Trabalho e Desigualdade Social e As Cores da Desigualdade. Possui vasta experiência na área de Sociologia, com ênfase em Estratificação Social, Mercado de Trabalho e Estratificação Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: Desigualdade Racial, Desigualdade Educacional, Capital Humano e Avaliação de Políticas Sociais. Tem

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experiência na coordenação de projetos financiados tanto por agências de fomento como o CNPq e FAPEMIG, agências nas esferas do governo federal, estadual e municipal e agências em organismos internacionais tais como o PNUD e o BID. Atualmente coordena vários projetos de pesquisa. É coordenadora do Curso de Especialização em Elaboração, Gestão e Avaliação de Programas Sociais em Áreas Urbanas. É Fundadora e coordenadora do Centro de Capacitação e Pesquisa em Programas Sociais – CECAPS-UFMG.

Eliza Bartolozzi Ferreira Possui graduação em História, mestrado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (1996) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo e do Programa de Pós-Graduação em Educação. É coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais (NEPE/UFES) e Secretária adjunta da ANPED (gestão 2009-2013). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, gestão escolar e planejamento na Educação Básica.

Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Gestão e Política Educacional, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, trabalho docente, e educação do campo. Em 2011 concluiu uma residência pós-doutoral na Université de Montreal, onde desenvolveu pesquisa sobre a evolução do campo da adaptação escolar no Québec. Atualmente realiza sua segunda residência pós-doutoral no Gestrado - Grupo de estudos sobre política educacional e trabalho docente, na FaE/UFMG, onde se dedica à pesquisa “O trabalho docente na educação básica no Brasil”. Doutor em Políticas Pública e Formação Humana pelo PPFH/ UERJ (2009), concluiu o mestrado em Educação na UFMG (2003), onde pesquisou efeitos das reformas educacionais sobre a saúde docente, mais especificamente, a saúde vocal. Possui

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graduação em Fonoaudiologia (FAMIH, 1999) e Bacharelado em Psicologia (UFMG, 2000).

Helena Freitas Possui graduação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1968), mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1979) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Professora aposentada da Universidade Estadual de Campinas, desenvolveu-se na área de Educação, atuando no campo da Formação do Educador, com ênfase principalmente nos seguintes temas: formação de professores, políticas de formação, diretrizes curriculares, licenciaturas, curso de pedagogia e movimento dos educadores. Membro do Conselho Fiscal da ANFOPE. Atuou como coordenadora de formação de professores da Secretaria de Educação Básica do MEC, período 2009-2011. Colabora atualmente com a CAPES, na Diretoria de Educação Básica, onde é coordenadora da Coordenação Geral de Programas de Apoio à Formação e Capacitação Docente da Educação Básica.

Heleno Araújo Professor da Educação Básica. Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco e Secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE. Membro do Fórum Nacional de Educação. E-mail: heleno@ cnte.org.br

João Ferreira de Oliveira Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás - UFG (1989), Mestrado em Educação pela UFG (1994), Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo - USP (2000) e Pós-doutorado em Educação pela USP (2010). É professor Associado da UFG. É Vice-Presidente da Anped (biênios 2010-2011 e 2012-2013). Foi coordenador do Programa de Pós-graduação em Educação da UFG (entre 2006 e

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2009) e do Gt Políticas de Educação Superior da Anped (entre 2006 e 2009). Foi diretor de Pesquisa da Anpae (2007 a 2009). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Políticas Educacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas e gestão da educação superior; gestão escolar e formação – profissionalização docente. É bolsista produtividade CNPq. E-mail: joão.jferreira@gmail.com

Lívia Fraga Vieira Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1978), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1987) e doutorado em Ciências da Educação – Université René Descartes – Paris 5 (2007). Atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e do Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma Universidade. Tem experiência de trabalho e pesquisa na área de Educação Básica, com ênfase em Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes temas: política educacional, políticas públicas e história da educação infantil, trabalho docente e formação de professores. Integra como pesquisadora, o Grupo de Pesquisa sobre Política Educacional e Trabalho Docente – GESTRADO e o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Infância e Educação Infantil – NEPEI, ambos da UFMG.

Luiz Fernandes Dourado Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás (1983), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Goiás (1990) e doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997), Pós-doutorado em Paris/França na École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS, 2010). Atualmente é professor titular voluntário da Universidade Federal de Goiás, membro do Conselho Nacional de Educação (Câmara de Ensino Superior), membro do Conselho Superior da CAPES, Membro do Conselho Técnico Científico da Capes – Educação Básica, editor da Revista Retratos da Escola/CNTE/ Esforce, membro do Conselho Editorial das Revistas Linhas Críticas (UnB), Revista Brasileira de Política e Administração da Educação e Educação e Sociedade (CEDES). Ex-diretor da Secretaria de Educação

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Básica do MEC, ex-coordenador-geral de Estatísticas Especiais do INEP, ex-secretário Adjunto da ANPEd, ex-diretor de Pesquisa da ANPAE. Tem experiência na área de Educação e sociologia da educação com ênfase em política educacional, políticas e gestão da educação básica e educação superior.

Magaly Robalino Equatoriana, médica e especialista em Educação do Escritório Regional de Educação (UNESCO) para a América Latina e o Caribe, OREALC/UNESCO Santiago, Chile.

Marcos Ferraz Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná (1994), mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (2000) e doutorado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (2005). É professor-adjunto no curso de Ciências Sociais da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia do Trabalho, atuando principalmente nos seguintes temas: sindicalismo docente, movimento dos trabalhadores, sociologia do trabalho, imprensa sindical e sindicalismo, políticas públicas e cidadania.

Maria Helena Augusto Doutora em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais FAE/UFMG, em Políticas Públicas e Educação, tendo concluído, em novembro de 2010. Cursou Pedagogia na UFMG e o Mestrado em Educação, também na UFMG, concluído em 2004. Durante o doutorado realizou estágio doutoral na Université de Montréal, Canadá no Centre de Recherche Interuniversitaire Sur la Formation et la Profession Enseignante – CRIFPE. Integra o Grupo de Pesquisa sobre Políticas educacionais e Trabalho Docente (Gestrado) da FAE/UFMG. Atua como professora universitária e pesquisadora sobre as políticas públicas da Educação Básica, destacando-se os seguintes

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temas: a regulação educacional e a obrigação de resultados, a gestão educacional e as condições de trabalho docente.

Mário Luiz Neves de Azevedo Professor Associado da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Credenciado no Programa de Pós-graduação em Educação (mestrado e doutorado). Graduado em História na UEM. Mestre em Educação pela UFSCar – Universidade Federal de São Carlos (1995) e doutor em Educação pela USP – Universidade de São Paulo (2001). Durante o doutorado foi contemplado pela CAPES com bolsa sanduíche (1999-2000) para pesquisa no INRP (Institut National de Recherche Pédagogique), França. Pesquisador-convidado no IESALC-UNESCO (Instituto Internacional para la Educación Superior en América Latina y el Caribe), na Venezuela, ocasião em que participou da comissão organizadora da Conferência Regional de Educação Superior (CRES-2008). Pós-doutoramento (2011) na Universidade de Bristol (Reino Unido), no Centre for Globalization, Education and Societies, coordenado por Susan Robertson e Roger Dale. Tem publicações na área de Educação (Políticas Públicas). Foi vice-reitor da UEM (2006-2010) e é pesquisador do CNPq.

Olgaíses Cabral Maués Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará, com mestrado em Educação pela Universidade de Brasília e doutorado em Sciences de L’éducation - Université des Sciences et Technologies de Lille III, Lille, França. Fez pós-doutorado na Université Laval, Quebec, Canadá, em 2002, e UFMG em 2011. É professora Associada III da Universidade Federal do Pará. Pesquisadora Produtividade do CNPq, Professora da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPA. Coordena Pesquisa, orienta em nível de graduação e pós-graduação. Trabalha com as seguintes disciplinas: Sociedade, Trabalho e Educação, Sociedade Estado e Educação, Políticas Educacionais, Reformas Educacionais na América Latina. Tem experiência na área de Políticas Públicas, com ênfase em Educação Superior, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas públicas para a educação superior, avaliação da educação, formação de professores, trabalho do-

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cente. É membro associado do Centre de Recherche Interuniversitaire sur la formation et la profession enseignante (CRIFPE), pertencente à UNIVERSITÉ LAVAL-Quebec, Canadá. É associada às seguintes entidades acadêmico-científicas: Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE); Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação (ANPED); Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC); Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (ANPAE).

Savana Diniz Gomes Melo Mestre (2002) e Doutora em Educação (2009), ambos na Linha de Pesquisa Políticas Públicas, na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG). Realizou estágio doutoral na Universidad de San Martin, em Buenos Aires (2007). Trabalhou no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) de 1984 a 2009, tendo atuado na área de apoio e assessoramentos ao ensino. Atualmente é professora adjunta da FAE/UFMG. Integra o Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente (GESTRADO) desde sua criação em 2002. É membro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Trabalho Docente (REDE ESTRADO) e da Rede de Pesquisadores sobre Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores em Educação (REDE ASTE). Possui estudos e publicações na área de educação, com ênfase em temas como Reforma do Estado e reformas educacionais no Brasil, políticas e reformas educativas na América Latina, políticas públicas para o ensino médio e educação profissional no Brasil e na Argentina, gestão escolar, trabalho e conflito docente. Atualmente empreende, também, estudos sobre a resistência e o sindicalismo docente.

Vera Lucia Ferreira Alves de Brito Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991) e Doutorado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995). Trabalhou como professora de Sociologia da Educação no Curso de Pedagogia da FAE/UFMG, de 1970 a 2002. Atuou como professora do Mestrado em Educação da FAE/UFMG, de 1997 a 2001, ministrando as disciplinas Filosofia Política e Educação, Direito

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à Educação e Tendências da Educação Contemporânea. Atualmente é professora de Pós-Graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais e professora de Pós-Graduação da Fundação Universidade de Itaúna. Tem experiência na área de Política Educacional e Formação de Professores, atuando principalmente nos seguintes temas: políticas educacionais da Educação Básica e do Ensino Superior, Administração da Educação, Formação de Professores e Avaliação.

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Pesquisadores, assistentes e auxiliares do Plano de Cooperação Técnica MEC/SEB-UFMG/GESTRADO para a realização da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”

Coordenação nacional Dalila Andrade Oliveira Lívia Maria Fraga Vieira

Equipe de pesquisadores no estado do Pará Coordenador Estadual Olgaíses Cabral Maués

Pesquisadores Assistentes Arlete Maria Monte Camargo Luciene das Graças Miranda Medeiros

Pesquisadora Colaboradora Diana Lemes Ferreira

Bolsistas de Iniciação Científica Antonilda Vasconcelos Barros Pedro Henrique Tavares

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Pesquisadores Auxiliares Alan Rodrigues André Luis Tavares Antonilda Vasconcelos Barros Iza Cristina Luz Juliana Monte de Camargo Márcia Felipe Marisa Felipe Michelle Souza Pamela Cristine dos Santos Barbosa Silvia Letícia Luz Sthefane Susan dos Santos Barbosa Verônica Carneiro Pedro Henrique Tavares William Mota Pessoa Jr. Zaraia Guará Ferreira Zulema Costa Santos

Equipe do estado do Rio Grande do Norte Coordenação Estadual Antônio Lisboa Leitão de Souza

Pesquisadores Antônio Cabral Neto Fernando Bomfim Mariana Maria Aparecida de Queiroz Mariangela Momo

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Bolsistas de Iniciação Científica Arécia Susã Morais Danielly Karinne Alves Leal Juclebson Neves de Araújo

Auxiliares de Pesquisa Adriana da Silva Rocha Auricélia Márcia dos Santos Aguiar Emília Cristina Maia Farache Fabiana Érica de Brito Janaína Lopes Barbosa Kaliana da Silva Correia Mônica Moreira dos Santos Raissa Priscila da Costa Silva Rosyane Leite Faroni Rute Regis de Oliveira da Silva Valcinete Pepino de Macêdo Wigna Keila Mariz

Equipe de elaboração do relatório Antônio Cabral Neto Antônio Lisboa Leitão de Souza Fernando Bomfim Mariana Maria Aparecida de Queiroz Mariangela Momo Valcinete Pepino de Macedo

Equipe de pesquisadores no estado de Goiás Coordenador Estadual João Ferreira de Oliveira

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Pesquisadores Assistentes Lúcia Maria Assis Wanderson Ferreira Alves Nancy Nonato de Lima Alves

Pesquisadores Auxiliares/Colaboradores Silvana de Oliveira B. Noleto Valdirene Alves de Oliveira Jandernaide Resende Lemos Marlúcio T. do Nascimento

Bolsistas de Iniciação Científica Danyelle Cristine Biagioli Gomes Cinthia Mendes Ferreira

Equipe de pesquisa no estado de Minas Gerais Coordenação Estadual Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira

Pesquisadores Ada Ávila Assunção Adriana Maria Cancela Duarte Danielle Fernandes Savana Diniz Gomes Melo

Estatístico Edmilson Pereira Junior

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Auxiliares de Pesquisa Adriane Mesquita de Medeiros Aguida Maria Braga Alexandre William Barbosa Duarte Ana Maria Clementino Jesus e Silva Ana Maria Saraiva Ana Paula Lessa Belone Angélica Pereira dos Santos Betânia Duarte Guimarães Bruno Cabral França Bruno Martins Vidigal Cíntia Raquel Badaró Daniel Gustavo Colodetti Daniel Handam Triginelli Danilo Medeiros Denise Pimenta Diego Tadeu Farney Aurélio Fernando Conde Veiga Guilherme Almeida Gustavo Bruno Bicalho Gonçalves Helena Augusta da Silva Gomes Heloísa Silva de Oliveira Gomes Henrique Diniz Mello Janaína Sabino Jéssica Góes Joana Lobato José Cândido José Silvestre Coelho Júlia Melo Karine Corgozinho Costa Laila de Oliveira Laurimar Matos Lídia Gomes Boy Luciana Cristina Rodrigues Magna Patrícia de Paula Marcos Wellington Lima Maria Cecília Almeida Campos Pedrosa Maria Helena Augusto Mateus Scarpelli

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Mércia Noronha Pinto Michel Boaventura Natália Moreira Patrícia Carneiro Pauliane Romano Pedro Henrique Raidan Rafael Cerqueira Regina Pollyana Bernardes Rodrigo Quadros Roseane Pina Tiago Antônio da Silva Jorge Valdeci da Silva Waneska Rosa da Silva

Equipe de pesquisadores no estado do Espírito Santo Coordenadora Estadual Eliza Bartolozzi Ferreira

Pesquisadoras Assistentes Silvana Ventorim Valdete Côco

Bolsistas de Iniciação Científica Delaine Sherrer Batista Thadeu Fraga de Oliveira

Equipe no estado do Paraná Coordenação Estadual Mário Luiz Neves de Azevedo

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Pesquisadores Ângela Mara de Barros Lara Ângelo Ricardo de Souza Andréia Barbosa Gouveia Gizele de Souza Luzia Grandini Cabreira

Bolsistas de Iniciação Científica EtienneBaldez Louzada Barbosa Maysa SayuriTanaka Santos Paula Meneguetti Blanco

Auxiliares de Pesquisa Ana Lúcia Zimmermann Felchnner Adriana Karvat Andréia Aparecida Carmona Silvestrini Artur Rosetti Schwartz Catarina de Souza Moro Daniele Yeda Gross Franciele Ferreira França Helkier Henrique Rossato Jeinni Kelly Pereira Puziol Jéssica de Paula Araújo Luciana Grandini Cabreira Marjory Xavier Rodrigues Rosana Urban Rudá Morais Gandin

Equipe de pesquisa de Santa Catarina Coordenadora Estadual Eneida Oto Shiroma

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Pesquisadoras Olinda Evangelista Rosalba Maria Cardoso Garcia Roselane Fátima Campos

Pesquisadoras Colaboradoras Maria Helena Michels Marilda Merência Rodrigues

Bolsistas de Iniciação Científica Fernanda Mikolaiczyk Juliana Faust Antonio Celso Mafra Júnior

Auxiliares de Pesquisa Cecilia Pascelli Edoarda Gerent Voges Fabiola Sell Francielen Silva Geovani Zarpelon Gleide de Melo Oliveira Mara Cristina Schneider Maraisa Pires de Moraes Márcio José da Silveira Machado Marisa Hartwig Monica Grumiché TamnaAmandio Thaisa Neiverth

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1ª EDIÇÃO : FORMATO: TIPOLOGIA:

Novembro, 2012 15,5 x 23 cm; 468 p Bodoni

PAPEL DA CAPA:

Supremo 250 g/m²

PAPEL DO MIOLO:

Pólen Soft 90 g/m²

PRODUÇÃO EDITORIAL:

Maíra Nassif

CAPA:

Ana C. Bahia

DIGRAMAÇÃO: REVISÃO DE TEXTOS:

Daniela C. Martins Lucas Morais


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É fruto de um trabalho coletivo e expressa os resulta­ dos da primeira fase da pesquisa “Trabalho Docente na Educação Básica no Brasil”, que teve o objetivo de analisar o trabalho docente nas suas dimensões constitutivas, identificando seus atores, o que fazem e em que condições se realiza nas unidades públicas de Educação Básica.

Conheça os outros títulos da Série Trabalho Docente: Trabalho docente na educação básica em Goiás Trabalho docente na educação básica no Paraná O trabalho docente na educação básica: o Pará em questão O trabalho docente na educação básica: o Espírito Santo em questão O Trabalho docente na educação básica em Minas Gerais

CAPA.indd 1

ISBN 978-85-8054-085-7

9 788580 540857

Org: Dalila A. Oliveira e Lívia F. Vieira

A pesquisa que dá suporte às análises aqui empreendi­ das contou com o apoio do Ministério de Educação, em projeto institucional de cooperação técnica, por meio da Secretaria de Educação Básica, com o empenho especial da Diretoria de Concepções e Orientações Curriculares.

Trabalho na educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros

Este livro pretende contribuir com subsídios para a elaboração de políticas públicas que promovam direitos, qualidade e igualdade para a Educação Básica, contemplando suas três etapas: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Organização Dalila Andrade Oliveira Lívia Fraga Vieira

Trabalho na

educação básica: a condição docente em sete estados brasileiros

O redesenho da organização e gestão dos sistemas escolares que vem se definindo nos últimos anos, sobretudo na última década, impõe-nos a necessidade de conhecer a diversidade de respostas e situações novas que são geradas por parte dos próprios sujeitos envolvidos, em especial os docentes, levando em conta as especificidades locais, regionais e nacional em um país com as dimensões do Brasil. Este livro tem o objetivo de ampliar a reflexão e os conhecimentos sobre as políticas educacionais em curso no âm­ bito federal, estadual e municipal e sua vinculação com o trabalho docente nas unidades de Educação Básica no País. Composto por 17 capítulos, o livro traz resultados de um survey realizado em unidades educacionais da Educação Básica nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Pará, Rio Grande do Norte, Goiás, Paraná e Santa Catarina, nos quais foram entrevistados 8.795 sujeitos docentes. Constitui-se em pro­ jeto ambicioso, pois tem a pretensão de oferecer informações substanciais para subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a melhoria das condições de trabalho e de formação do sujeito docente, a partir das aná­ lises empreendidas por especialistas renomados.

27/11/2012 10:45:03


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