Lorena Lopes da Costa
HERÓIS ANTIGOS E MODERNOS a falsificação para se pensar a História
Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Lorena Lopes da Costa Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.
CIP-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj C873h Costa, Lorena Lopes da Heróis antigos e modernos : a falsificação para se pensar a história / Lorena Lopes da Costa. - 1. ed. - Belo Horizonte [MG] : Fino Traço, 2018. 472 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-359-9 1. História antiga. 2. História moderna. 3. História - Metodologia. 4. História - Filosofia. I. Título. 18-49410
CDD: 901 CDU: 930.1
CONSELHO EDITORIAL COLEÇÃO HISTÓRIA
Alexandre Mansur Barata | UFJF Andréa Lisly Gonçalves | UFOP Gabriela Pellegrino | USP Iris Kantor | USP Junia Ferreira Furtado | UFMG Marcelo Badaró Mattos | UFF Paulo Miceli | UniCamp Rosângela Patriota Ramos | UFU
Para Dabdab, professor, mestre e amigo.
Fino Traço Editora ltda. Rua Nepomuceno 150 | Casa 3 | Prado | CEP 30411-156 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefone: (31) 3212-9444 finotracoeditora.com.br
Para Augusto, pelos janeiros que se foram e pelos janeiros que virão.
Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Lorena Lopes da Costa Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.
CIP-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj C873h Costa, Lorena Lopes da Heróis antigos e modernos : a falsificação para se pensar a história / Lorena Lopes da Costa. - 1. ed. - Belo Horizonte [MG] : Fino Traço, 2018. 472 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-359-9 1. História antiga. 2. História moderna. 3. História - Metodologia. 4. História - Filosofia. I. Título. 18-49410
CDD: 901 CDU: 930.1
CONSELHO EDITORIAL COLEÇÃO HISTÓRIA
Alexandre Mansur Barata | UFJF Andréa Lisly Gonçalves | UFOP Gabriela Pellegrino | USP Iris Kantor | USP Junia Ferreira Furtado | UFMG Marcelo Badaró Mattos | UFF Paulo Miceli | UniCamp Rosângela Patriota Ramos | UFU
Para Dabdab, professor, mestre e amigo.
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Para Augusto, pelos janeiros que se foram e pelos janeiros que virão.
Prefácio
História e literatura: uma dansa de pés trocados ou o cara-ou-coroa das moedas falsas Olimar Flores-Júnior Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais
(...) O Fazedor anula O inferno que o refina E alçando-se ao poente mais seguro Mergulha na verdade Acesa que o derrota e reduz ao Dormente ser de vidro e cor que sonha. (...) Mário Faustino, “Mito” (em O homem e sua hora, 1955)
Postos sob o ângulo de uma taxonomia tradicional e ainda operante, história e literatura habitam polos opostos no registro dos gêneros do discurso. Já Aristóteles ensinava que a poesia – termo que, naquele contexto, por falta de outro mais englobante correspondendo ao nosso “literatura”, implica um vasto e diverso conjunto de formas literárias ou, mais propriamente, designa 15
Agradecimentos
Ao longo dos quatro anos em que me dediquei à pesquisa de doutorado que aqui apresento em forma de livro, tive a sorte e a alegria de desfrutar do diálogo, sem o que nenhuma ideia tem valor, com professores e amigos pelos quais sinto profundo afeto. Em primeiro lugar, agradeço ao professor incomparável, historiador raro e orientador querido, Professor José Antonio Dabdab Trabulsi. Com ele, construí uma relação de aprendizado e amizade para a qual vou olhar com gratidão e respeito por toda a vida. Agradeço ao Professor François Hartog, que me acolheu para uma temporada de pesquisa de um ano na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). Durante 2015, graças à sua generosidade, pude frequentar seu seminário “La Temporalisation du Temps”, os ricos acervos da Biblioteca Gernet-Glotz e da Biblioteca da Rue d’Ulm da ENS, e contar, ainda, com sua preciosa interlocução. Agradeço ao Professor Pierre Ellinger, que também muito gentilmente me recebeu na Université Paris Diderot, em minha primeira estada de pesquisa em Paris, apresentando-me o Anhima (Anthropologie et Histoire des Mondes Antiques) e a Gernet-Glotz. Agradeço aos Professores Jacyntho Lins Brandão, Teodoro Rennó Assunção, Olimar Flores Júnior (querido amigo) e José Carlos Reis, que, ao lado do Professor Dabdab, sempre fizeram que o retorno à Universidade Federal de Minas Gerais valesse muito a pena. Agradeço ainda a dois professores que suavizaram os tempos longe daqui, como só sabem fazer os amigos. Com eles, José Newton Menezes e Juliana Gambogi, a cada encontro, ganhei e aprendi muito. Agradeço à amiga (e prima) Ana Catharina, que nos acolheu na França, a mim e ao Augusto, com amor feito de “caramel au beurre salé”.
Agradeço a todos os amigos e a todas as amigas. Dentre eles, agradeço especialmente à talentosa escritora e pesquisadora do Romance de Alexandre, Laura Cohen; ao Igor Cardoso, historiador da recepção da cultura clássica no Brasil durante a Ditadura Militar; e ao pesquisador das origens da tragédia grega, Rafael Silva. Os três me ensinam muito. Ao Rafa agradeço ainda a leitura atenta e a revisão deste trabalho. Agradeço aos alunos de “Seminário de História da Grécia Antiga”, disciplina que ofereci no curso de História (FAFICH-UFMG), no primeiro semestre de 2014. As questões e as discussões das aulas foram determinantes para meu trabalho. Agradeço a meus pais os bons estudos e o amor. À minha mãe agradeço o companheirismo cuidadoso e a amizade carinhosa, que sempre me encorajaram a partir, mas também o amparo, a acolhida, que fizeram com que a cada volta eu encontrasse abertas as portas de casa. A meu pai agradeço o apoio, a disposição para me ajudar em qualquer situação, a companhia sempre tão singular e amiga em Belo Horizonte, bem como pelos caminhos de Minas Gerais. Agradeço ao Augusto, meu companheiro, que fez os quatro anos dessa pesquisa terem sido anos felizes em minha vida. Com ele dividi o pão, a angústia e as alegrias de sermos pesquisadores em terras brasileiras e de sermos pesquisadores brasileiros em terras francesas. É ele meu leitor de-janeiro. Agradeço à CAPES, pela bolsa de doutorado durante todos os anos de pesquisa, da qual dispus tanto no Brasil, em trabalho na UFMG, quanto na França, na Université Paris Diderot e na EHESS. Também agradeço ao Programa de Pós-Graduação da História (aos ex-coordenadores, Professora Kátia Baggio e Professor José Newton Menezes, ao atual coordenador, Professor Luiz Carlos Villalta, assim como à Edilene e ao Maurício), onde sempre encontrei apoio e respaldo institucional. Por fim, agradeço à Editora Fino Traço, que, tendo publicado meu primeiro livro em 2013, acreditou novamente em meu trabalho.
Sumário
Prefácio 15 Olimar Flores-Júnior Introdução 31
Primeiro argumento Falsificar o mito tornando-o mais verdadeiro: a tragédia, o herói e as duas faces da moeda 47 I - A relação entre a tragédia e a pólis: atualizações do mito 49 II - Sobre o ψεῦδος em Homero 54 II.I - As mentiras cretenses de Odisseu III - Sobre o ψεῦδος na Atenas Clássica 59 III.I - As moedas falsas em Atenas: um índice da plasticidade da fronteira entre o falso e o verdadeiro III.II - Sobre as moedas falsas em Diógenes Cínico III.III - Sobre as moedas falsas em Alexandre, o Grande IV - Moedas falsas para se pensar a falsificação das histórias 70
Capítulo I Entre Troia e Melos: Troianas de Eurípides (415 a. C.), o fim da linhagem dos heróis e o sofrimento dos vencedores 73 I - O massacre de Melos, a composição e a recepção de Troianas em 415 a. C. 75 I.I - Sobre Astíanax e Heitor: o herói já não há, a bela morte já não há II - O significado do herói na tradição e no século V a. C. 88 II.I - Esquecer e chorar o herói na pólis e na peça III - Cassandra e a atualização da bela morte: último ato heroico? 103 IV - A catástrofe imprevista: fazer a guerra por Helena e a questão siciliana 112
Agradeço a todos os amigos e a todas as amigas. Dentre eles, agradeço especialmente à talentosa escritora e pesquisadora do Romance de Alexandre, Laura Cohen; ao Igor Cardoso, historiador da recepção da cultura clássica no Brasil durante a Ditadura Militar; e ao pesquisador das origens da tragédia grega, Rafael Silva. Os três me ensinam muito. Ao Rafa agradeço ainda a leitura atenta e a revisão deste trabalho. Agradeço aos alunos de “Seminário de História da Grécia Antiga”, disciplina que ofereci no curso de História (FAFICH-UFMG), no primeiro semestre de 2014. As questões e as discussões das aulas foram determinantes para meu trabalho. Agradeço a meus pais os bons estudos e o amor. À minha mãe agradeço o companheirismo cuidadoso e a amizade carinhosa, que sempre me encorajaram a partir, mas também o amparo, a acolhida, que fizeram com que a cada volta eu encontrasse abertas as portas de casa. A meu pai agradeço o apoio, a disposição para me ajudar em qualquer situação, a companhia sempre tão singular e amiga em Belo Horizonte, bem como pelos caminhos de Minas Gerais. Agradeço ao Augusto, meu companheiro, que fez os quatro anos dessa pesquisa terem sido anos felizes em minha vida. Com ele dividi o pão, a angústia e as alegrias de sermos pesquisadores em terras brasileiras e de sermos pesquisadores brasileiros em terras francesas. É ele meu leitor de-janeiro. Agradeço à CAPES, pela bolsa de doutorado durante todos os anos de pesquisa, da qual dispus tanto no Brasil, em trabalho na UFMG, quanto na França, na Université Paris Diderot e na EHESS. Também agradeço ao Programa de Pós-Graduação da História (aos ex-coordenadores, Professora Kátia Baggio e Professor José Newton Menezes, ao atual coordenador, Professor Luiz Carlos Villalta, assim como à Edilene e ao Maurício), onde sempre encontrei apoio e respaldo institucional. Por fim, agradeço à Editora Fino Traço, que, tendo publicado meu primeiro livro em 2013, acreditou novamente em meu trabalho.
Sumário
Prefácio 15 Olimar Flores-Júnior Introdução 31
Primeiro argumento Falsificar o mito tornando-o mais verdadeiro: a tragédia, o herói e as duas faces da moeda 47 I - A relação entre a tragédia e a pólis: atualizações do mito 49 II - Sobre o ψεῦδος em Homero 54 II.I - As mentiras cretenses de Odisseu III - Sobre o ψεῦδος na Atenas Clássica 59 III.I - As moedas falsas em Atenas: um índice da plasticidade da fronteira entre o falso e o verdadeiro III.II - Sobre as moedas falsas em Diógenes Cínico III.III - Sobre as moedas falsas em Alexandre, o Grande IV - Moedas falsas para se pensar a falsificação das histórias 70
Capítulo I Entre Troia e Melos: Troianas de Eurípides (415 a. C.), o fim da linhagem dos heróis e o sofrimento dos vencedores 73 I - O massacre de Melos, a composição e a recepção de Troianas em 415 a. C. 75 I.I - Sobre Astíanax e Heitor: o herói já não há, a bela morte já não há II - O significado do herói na tradição e no século V a. C. 88 II.I - Esquecer e chorar o herói na pólis e na peça III - Cassandra e a atualização da bela morte: último ato heroico? 103 IV - A catástrofe imprevista: fazer a guerra por Helena e a questão siciliana 112
Capítulo II O herói covarde em Helena (412 a. C.) de Eurípides: o reconhecimento de si, da nova guerra e o retorno em 412 119 I - A Helena de 412 a. C. e outras Helenas euripideanas 121 I.I - O mito de Helena na tradição grega e a escolha de Eurípides pelo mito de Estesícoro I.II - O reconhecimento da mais bela do mundo: a ambiguidade da Helena euripideana II - Helena de 412 a. C.: comédia ou tragédia? 137 II.I - Os anos de 413 e 412 a. C.: a história de Atenas para se pensar Helena III - O vocabulário do sofrimento e da guerra em Helena e os indícios de como o público recebeu a peça 150 IV - Um herói sem πέπλος e sem κλέος: Menelau no Egito 152 IV.I - O Egito de Eurípides como travessia entre a guerra e a pátria.... IV.II - A nova guerra no Egito: atualização da glória ou desconstrução do herói? IV.III - A guerra covarde de Menelau: a ordem é degolar [σφάζειν], assassinar [φονεύειν], atirar às ondas [ῥίπτειν ἐς οἶδμα] os bárbaros desarmados V - Eurípides e a nova guerra: as palavras do Coro jogadas ao vento 168 Capítulo III Filoctetes (409 a. C.) de Sófocles: saudar o herói-hoplita e unir a pólis depois dos Quatrocentos 171 I - Filoctetes de Sófocles, o vencedor das Grandes Dionísias de 409 a. C. 173 I.I - Filoctetes de Sófocles e seus heróis: a união da pólis e as forças que a ameaçam II - O código heroico e a (in)decisão de Neoptólemo 183 II.I - Por uma breve genealogia do código heroico: “aos amigos fazer o bem, aos inimigos o mal”. II.II - O filho de Aquiles quer servir ao código heroico III - Neoptólemo: um órfão de guerra entre seus pares em 409 a. C. 191 IV - A transformação de Neoptólemo e os juramentos da pólis 197 V - A imagem do hoplita versus a Guerra do Peloponeso 206 VI - Filoctetes: o herói de outrora e a unidade trágica 216
Argumento de transição A (des)construção do herói: verdade versus esquecimento 225 I - O herói na tragédia: a verdade e o esquecimento no século V a. C. 227 I.I - Lembrar-se para se esquecer dos males, μνησικακεῖν II - O herói épico contra o silêncio da morte 232 III - O herói do romance francês pós-guerra: não há mais bela morte no mundo 236 Capítulo IV As afinidades odisseicas em Elpénor (1926) de Jean Giraudoux: sobre quando a guerra não produz um herói 247 I - A brevidade da beleza e a banalização da morte na Grande Guerra (19141918) 249 II - Os escritos de antes e depois da guerra de Jean Giraudoux: a arquitetura de Elpénor 255 III - A escolha de Jean Giraudoux por seu herói: o combatente menos valente no combate, menos sábio no conselho 260 III.I - “Le Cyclope”, a primeira história de Elpénor: duas formas de violência III.II - “Les Sirènes”, a segunda história de Elpénor: não há como prosseguir πλείονα εἰδώς III.III - “Morts d’Elpénor”, a terceira história de Elpénor: Elpenor se torna o protagonista III.IV - “Nouvelles Morts d’Elpénor”, a última história de Elpénor: Elpenor conta sua história IV- Jean Giraudoux e a Grande Guerra: as muitas mortes de Elpenor e la mémoire de tous ceux qui étaient morts 298 V - Elpénor e a história de uma personagem sem história 304
Capítulo II O herói covarde em Helena (412 a. C.) de Eurípides: o reconhecimento de si, da nova guerra e o retorno em 412 119 I - A Helena de 412 a. C. e outras Helenas euripideanas 121 I.I - O mito de Helena na tradição grega e a escolha de Eurípides pelo mito de Estesícoro I.II - O reconhecimento da mais bela do mundo: a ambiguidade da Helena euripideana II - Helena de 412 a. C.: comédia ou tragédia? 137 II.I - Os anos de 413 e 412 a. C.: a história de Atenas para se pensar Helena III - O vocabulário do sofrimento e da guerra em Helena e os indícios de como o público recebeu a peça 150 IV - Um herói sem πέπλος e sem κλέος: Menelau no Egito 152 IV.I - O Egito de Eurípides como travessia entre a guerra e a pátria.... IV.II - A nova guerra no Egito: atualização da glória ou desconstrução do herói? IV.III - A guerra covarde de Menelau: a ordem é degolar [σφάζειν], assassinar [φονεύειν], atirar às ondas [ῥίπτειν ἐς οἶδμα] os bárbaros desarmados V - Eurípides e a nova guerra: as palavras do Coro jogadas ao vento 168 Capítulo III Filoctetes (409 a. C.) de Sófocles: saudar o herói-hoplita e unir a pólis depois dos Quatrocentos 171 I - Filoctetes de Sófocles, o vencedor das Grandes Dionísias de 409 a. C. 173 I.I - Filoctetes de Sófocles e seus heróis: a união da pólis e as forças que a ameaçam II - O código heroico e a (in)decisão de Neoptólemo 183 II.I - Por uma breve genealogia do código heroico: “aos amigos fazer o bem, aos inimigos o mal”. II.II - O filho de Aquiles quer servir ao código heroico III - Neoptólemo: um órfão de guerra entre seus pares em 409 a. C. 191 IV - A transformação de Neoptólemo e os juramentos da pólis 197 V - A imagem do hoplita versus a Guerra do Peloponeso 206 VI - Filoctetes: o herói de outrora e a unidade trágica 216
Argumento de transição A (des)construção do herói: verdade versus esquecimento 225 I - O herói na tragédia: a verdade e o esquecimento no século V a. C. 227 I.I - Lembrar-se para se esquecer dos males, μνησικακεῖν II - O herói épico contra o silêncio da morte 232 III - O herói do romance francês pós-guerra: não há mais bela morte no mundo 236 Capítulo IV As afinidades odisseicas em Elpénor (1926) de Jean Giraudoux: sobre quando a guerra não produz um herói 247 I - A brevidade da beleza e a banalização da morte na Grande Guerra (19141918) 249 II - Os escritos de antes e depois da guerra de Jean Giraudoux: a arquitetura de Elpénor 255 III - A escolha de Jean Giraudoux por seu herói: o combatente menos valente no combate, menos sábio no conselho 260 III.I - “Le Cyclope”, a primeira história de Elpénor: duas formas de violência III.II - “Les Sirènes”, a segunda história de Elpénor: não há como prosseguir πλείονα εἰδώς III.III - “Morts d’Elpénor”, a terceira história de Elpénor: Elpenor se torna o protagonista III.IV - “Nouvelles Morts d’Elpénor”, a última história de Elpénor: Elpenor conta sua história IV- Jean Giraudoux e a Grande Guerra: as muitas mortes de Elpenor e la mémoire de tous ceux qui étaient morts 298 V - Elpénor e a história de uma personagem sem história 304
Capítulo V Naissance de l’Odyssée (1924/1930) de Jean Giono: sobre a reinvenção de Odisseu ou a mentira do herói como permanência da história 311 I - O retorno da guerra de Jean Giono, e as versões sobre a criação de seu Naissance de l’Odyssée 313 I.I - A experiência de Jean Giono no front: a guerra como um triturador de grãos II - Sobre o retorno da guerra e o retorno em Naissance de l’Odyssée 321 III - As mentiras odisseicas e a mentira em Naissance de l’Odyssée 327 III.I - Um Odisseu provençal e um Giono regionalista III.II - Quando o Odisseu de Giono aprende a amar a mentira, ele está de volta à pátria IV- Os estudos clássicos de Jean Giono: a tradição épica e Victor Bérard 347 IV.I - A geografia odisseica de Victor Bérard e a ideia de permanência IV.II - Os feácios (ausentes) de Jean Giono e de Victor Bérard V - A permanência em Naissance de l’Odyssée: a grande mentira semelhante à verdade 360
Capítulo VI Les aventures de Télémaque (1922) de Louis Aragon: sobre ser filho do herói ou a força controladora do passado 371 I - Les Aventures de Télémaque de Fénelon: o livro em que Louis Aragon aprendeu a ler 373 I.I - Ogígia: uma ilha de pecados para o Telêmaco cristão e de prazeres para o Telêmaco aragoniano I.II - Formas de permanência e a geografia mediterrânica: onde fica Ogígia? II - O romance de Aragon: um esforço de ruptura com a tradição épica e humanista 392 III - Les Aventures de Télémaque: um romance escrito durante a guerra pelo herói condecorado 402 IV - Telêmaco, uma personagem em transformação: a escolha de Louis Aragon para romper com a tradição 408 V - A força controladora do passado versus a força destrutiva do romance 419
Terceiro argumento Repetir o herói para desvelar a guerra: histórias falsificadas como rastros do esquecimento 423 I - Esquecimentos odisseicos 425 II - Le retour d’Ulysse: o quarto romance francês e a tranformação do herói 429 III - O esquecimento e a repetição em Sigmund Freud, Paul Ricoeur e Michel de Certeau 433 IV - A temporalidade própria do esquecimento 439
Fontes antigas e traduções 443 Fontes modernas 448 Referências bibliográficas
451
Capítulo V Naissance de l’Odyssée (1924/1930) de Jean Giono: sobre a reinvenção de Odisseu ou a mentira do herói como permanência da história 311 I - O retorno da guerra de Jean Giono, e as versões sobre a criação de seu Naissance de l’Odyssée 313 I.I - A experiência de Jean Giono no front: a guerra como um triturador de grãos II - Sobre o retorno da guerra e o retorno em Naissance de l’Odyssée 321 III - As mentiras odisseicas e a mentira em Naissance de l’Odyssée 327 III.I - Um Odisseu provençal e um Giono regionalista III.II - Quando o Odisseu de Giono aprende a amar a mentira, ele está de volta à pátria IV- Os estudos clássicos de Jean Giono: a tradição épica e Victor Bérard 347 IV.I - A geografia odisseica de Victor Bérard e a ideia de permanência IV.II - Os feácios (ausentes) de Jean Giono e de Victor Bérard V - A permanência em Naissance de l’Odyssée: a grande mentira semelhante à verdade 360
Capítulo VI Les aventures de Télémaque (1922) de Louis Aragon: sobre ser filho do herói ou a força controladora do passado 371 I - Les Aventures de Télémaque de Fénelon: o livro em que Louis Aragon aprendeu a ler 373 I.I - Ogígia: uma ilha de pecados para o Telêmaco cristão e de prazeres para o Telêmaco aragoniano I.II - Formas de permanência e a geografia mediterrânica: onde fica Ogígia? II - O romance de Aragon: um esforço de ruptura com a tradição épica e humanista 392 III - Les Aventures de Télémaque: um romance escrito durante a guerra pelo herói condecorado 402 IV - Telêmaco, uma personagem em transformação: a escolha de Louis Aragon para romper com a tradição 408 V - A força controladora do passado versus a força destrutiva do romance 419
Terceiro argumento Repetir o herói para desvelar a guerra: histórias falsificadas como rastros do esquecimento 423 I - Esquecimentos odisseicos 425 II - Le retour d’Ulysse: o quarto romance francês e a tranformação do herói 429 III - O esquecimento e a repetição em Sigmund Freud, Paul Ricoeur e Michel de Certeau 433 IV - A temporalidade própria do esquecimento 439
Fontes antigas e traduções 443 Fontes modernas 448 Referências bibliográficas
451
Prefácio
História e literatura: uma dansa de pés trocados ou o cara-ou-coroa das moedas falsas Olimar Flores-Júnior Faculdade de Letras Universidade Federal de Minas Gerais
(...) O Fazedor anula O inferno que o refina E alçando-se ao poente mais seguro Mergulha na verdade Acesa que o derrota e reduz ao Dormente ser de vidro e cor que sonha. (...) Mário Faustino, “Mito” (em O homem e sua hora, 1955)
Postos sob o ângulo de uma taxonomia tradicional e ainda operante, história e literatura habitam polos opostos no registro dos gêneros do discurso. Já Aristóteles ensinava que a poesia – termo que, naquele contexto, por falta de outro mais englobante correspondendo ao nosso “literatura”, implica um vasto e diverso conjunto de formas literárias ou, mais propriamente, designa 15
a arte mimética que usa a palavra como meio de expressão – é algo mais filosófico (philosophóteron) e mais sério (spoudaióteron) do que a história, porque ela, a poesia (ou literatura), volta-se preferencialmente para aquilo que, submetido aos critérios da verossimilhança e da necessidade, pertence à ordem do universal, enquanto a história prende-se ao particular. Dito de outra forma, enquanto a história nos narraria o que aconteceu, a literatura plasmaria aquilo que pode acontecer dentro de limites livremente traçados. Alguns séculos mais tarde, o inventivo polígrafo Luciano de Samósata, sírio de nascimento e grego por adoção, numa obra intitulada justamente Como se deve escrever a história, sobe o tom da distinção ao dizer que cabe ao historiador prover o ajuste perfeito entre narrativa, que deve ser simples e direta, e fato narrado, “chamando um figo de figo e uma gamela de gamela”, enquanto reserva ao poeta o pleno exercício de uma “liberdade absoluta” (ákratos eleuthería). Sabemos, contudo, que poéticas como a de Aristóteles ou a de Luciano, enquanto modelos teóricos que no fundo são, não coincidem – e não podem coincidir – inteiramente com o fenômeno que lhes dá origem. Para constatá-lo, tanto mais após o novo fôlego levado pela Escola dos Annales e pelo Estruturalismo ao trabalho historiográfico, bastaria reconhecer a rebatida complexidade dos vasos comunicantes que podem ir de um gênero ao outro, já nas suas manifestações mais remotas: não há que se negar a história na poesia de Homero, nem a dimensão propriamente literária da enquete de Heródoto. O problema então se desloca para voltar ao mesmo ponto: o hibridismo genérico de certos espécimes textuais não altera a expectativa preliminar de que o elemento histórico reporte uma “verdade” factual e que a invenção literária, para além dos aspectos meramente formais, seja o domínio da ficção, ou, de modo mais radical, do “falso”. Assim, como bem lembra o historiador Glen W. Bowersock, em seu Fiction as history. From Nero to Julian (Berkeley: University of California Press, 1994) – cuja tradução francesa traz o sintomático título de Le mentir-vrai dans l’Antiquité. La littérature païenne et les évangiles (Paris: Bayard, 2007) –, vêm da Antiguidade não apenas o gosto pela mistura como também o esforço de separar o joio do trigo, sempre se podendo discutir, a cada vez, o que é o joio e o que é o trigo. 16
Não seria pois sem um olhar sensível, uma inteligência crítica e perspicaz – e uma boa dose de ousadia – que os termos dessa equação, cancelada a sua dicotomia e restaurada a porosidade de suas fronteiras, poderiam ser (outra vez) embaralhados em proveito de uma compreensão mais profunda e mais lúcida das formas pelas quais o homem verbaliza a sua consciência e a sua experiência no mundo. É justamente essa a aposta que faz, com rara competência, este novo livro de Lorena Lopes da Costa. Não se trata, contudo – ou não se trata apenas –, de investir, na esteira da chamada “nova história” ou de autores como Walter Benjamin, Michel de Certeau, Paul Ricœur ou Dominick LaCapra, para citar apenas alguns nomes (vertentes ou modos da historiografia que a autora não ignora), sobre os pontos de confluência entre história e literatura na busca de uma forma mais abrangente e mais fecunda de rastrear os processos de constituição de uma memória coletiva – o que valeria talvez para o seu livro anterior – nem tampouco de destilar, num conjunto heteróclito de fontes previamente determinado, o elemento ficcional e a narrativa de um passado supostamente objetivo. Trata-se antes de reconhecer numa certa ideia de falsificação, isto é, num certo uso intencional e controlado do “falso”, um instrumento, mais do que legítimo, necessário à construção da história dos homens não como um plano estanque onde se fixam as ações de um tempo pretérito, mas como a expressão de um dinamismo constante no bojo do qual o passado se projeta sobre o presente apenas para colher dele suas novas feições. Nesse sentido, o que seu estudo pretende é algo distinto também de uma investigação sobre o falso documental, de caráter “filológico”, que encampa o largo espectro da fraude, indo do plágio à pseudepigrafia (e onde se poderia incluir, como categoria à parte, a paródia), posto em marcha por um sem-número de motivações sobre as quais pode pesar, com maior ou menor ênfase, algum juízo moral. Dessa perspectiva, um importante coadjuvante dos processos históricos seria o embate travado entre falsários e críticos em torno da noção, tão vaga quanto fundamental, de “original” ou de “autêntico”, que naturalmente transcende a mera materialidade da documentação. Se esse tipo de abordagem – levada a termo, por exemplo, por Anthony Grafton (veja-se o seu Forgers and critics: criativity and duplicity in Western scholarship, Princeton:
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a arte mimética que usa a palavra como meio de expressão – é algo mais filosófico (philosophóteron) e mais sério (spoudaióteron) do que a história, porque ela, a poesia (ou literatura), volta-se preferencialmente para aquilo que, submetido aos critérios da verossimilhança e da necessidade, pertence à ordem do universal, enquanto a história prende-se ao particular. Dito de outra forma, enquanto a história nos narraria o que aconteceu, a literatura plasmaria aquilo que pode acontecer dentro de limites livremente traçados. Alguns séculos mais tarde, o inventivo polígrafo Luciano de Samósata, sírio de nascimento e grego por adoção, numa obra intitulada justamente Como se deve escrever a história, sobe o tom da distinção ao dizer que cabe ao historiador prover o ajuste perfeito entre narrativa, que deve ser simples e direta, e fato narrado, “chamando um figo de figo e uma gamela de gamela”, enquanto reserva ao poeta o pleno exercício de uma “liberdade absoluta” (ákratos eleuthería). Sabemos, contudo, que poéticas como a de Aristóteles ou a de Luciano, enquanto modelos teóricos que no fundo são, não coincidem – e não podem coincidir – inteiramente com o fenômeno que lhes dá origem. Para constatá-lo, tanto mais após o novo fôlego levado pela Escola dos Annales e pelo Estruturalismo ao trabalho historiográfico, bastaria reconhecer a rebatida complexidade dos vasos comunicantes que podem ir de um gênero ao outro, já nas suas manifestações mais remotas: não há que se negar a história na poesia de Homero, nem a dimensão propriamente literária da enquete de Heródoto. O problema então se desloca para voltar ao mesmo ponto: o hibridismo genérico de certos espécimes textuais não altera a expectativa preliminar de que o elemento histórico reporte uma “verdade” factual e que a invenção literária, para além dos aspectos meramente formais, seja o domínio da ficção, ou, de modo mais radical, do “falso”. Assim, como bem lembra o historiador Glen W. Bowersock, em seu Fiction as history. From Nero to Julian (Berkeley: University of California Press, 1994) – cuja tradução francesa traz o sintomático título de Le mentir-vrai dans l’Antiquité. La littérature païenne et les évangiles (Paris: Bayard, 2007) –, vêm da Antiguidade não apenas o gosto pela mistura como também o esforço de separar o joio do trigo, sempre se podendo discutir, a cada vez, o que é o joio e o que é o trigo. 16
Não seria pois sem um olhar sensível, uma inteligência crítica e perspicaz – e uma boa dose de ousadia – que os termos dessa equação, cancelada a sua dicotomia e restaurada a porosidade de suas fronteiras, poderiam ser (outra vez) embaralhados em proveito de uma compreensão mais profunda e mais lúcida das formas pelas quais o homem verbaliza a sua consciência e a sua experiência no mundo. É justamente essa a aposta que faz, com rara competência, este novo livro de Lorena Lopes da Costa. Não se trata, contudo – ou não se trata apenas –, de investir, na esteira da chamada “nova história” ou de autores como Walter Benjamin, Michel de Certeau, Paul Ricœur ou Dominick LaCapra, para citar apenas alguns nomes (vertentes ou modos da historiografia que a autora não ignora), sobre os pontos de confluência entre história e literatura na busca de uma forma mais abrangente e mais fecunda de rastrear os processos de constituição de uma memória coletiva – o que valeria talvez para o seu livro anterior – nem tampouco de destilar, num conjunto heteróclito de fontes previamente determinado, o elemento ficcional e a narrativa de um passado supostamente objetivo. Trata-se antes de reconhecer numa certa ideia de falsificação, isto é, num certo uso intencional e controlado do “falso”, um instrumento, mais do que legítimo, necessário à construção da história dos homens não como um plano estanque onde se fixam as ações de um tempo pretérito, mas como a expressão de um dinamismo constante no bojo do qual o passado se projeta sobre o presente apenas para colher dele suas novas feições. Nesse sentido, o que seu estudo pretende é algo distinto também de uma investigação sobre o falso documental, de caráter “filológico”, que encampa o largo espectro da fraude, indo do plágio à pseudepigrafia (e onde se poderia incluir, como categoria à parte, a paródia), posto em marcha por um sem-número de motivações sobre as quais pode pesar, com maior ou menor ênfase, algum juízo moral. Dessa perspectiva, um importante coadjuvante dos processos históricos seria o embate travado entre falsários e críticos em torno da noção, tão vaga quanto fundamental, de “original” ou de “autêntico”, que naturalmente transcende a mera materialidade da documentação. Se esse tipo de abordagem – levada a termo, por exemplo, por Anthony Grafton (veja-se o seu Forgers and critics: criativity and duplicity in Western scholarship, Princeton:
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Princeton University Press, 1990) – distingue-se do que ora aqui se propõe em vista do recorte operado no âmbito das práticas da falsificação, pode-se imaginar um eixo causal que seja comum às duas perspectivas, e que Lorena Lopes da Costa toma o risco de anunciar logo na partida de suas páginas: “falsificar é uma necessidade histórica”. Não se perca o leitor pela assertividade da afirmação: ela é menos uma fórmula de efeito visando a cativar pela polêmica do que o termo de uma reflexão gestada no contexto de uma pesquisa minuciosa de que o próprio percurso intelectual e formativo da autora dá testemunho. Há na verdade uma clara, embora sutil, coerência que une os seus dois últimos estudos de maior fôlego, apesar das consideráveis diferenças entre os corpora sobre os quais ela se debruça num e noutro caso. No fundo, o que se revela é um projeto – no sentido forte do termo – cuja pertinência é testada na confrontação de um repertório variado de documentos, conduzindo à coesão teórica e a um foco preciso uma aparente dispersão de leituras. Assim, em Dos ventos: história, crítica literária e linguagem em Grande Sertão: Veredas (Belo Horizonte: Fino Traço, 2013), originado de sua dissertação de mestrado defendida no Departamento de História da UFMG sob a orientação da Profa. Heloísa Starling, Lorena Lopes da Costa toma, com a mesma coragem que aqui se renova – e sem dúvida carecia de ter coragem para enfrentar, num trabalho acadêmico, até certo ponto iniciático, uma obra de tamanha complexidade, cujo caudal de estudos e comentários intimida mesmo o pesquisador mais experiente –, a principal obra de Guimarães Rosa como terreno de extração das interpenetrações possíveis entre história e literatura. É interessante observar que nesse seu primeiro livro, a autora obedece a um plano criterioso, no qual a reflexão evolui, por assim dizer, num movimento concêntrico em torno de seu objeto principal para finalmente se apropriar dele com uma visada autoral teoricamente mais ambiciosa. Num primeiro momento, ela procede a um excelente (e muito útil) apanhado crítico das correntes metodológicas mais influentes que pensaram a relação entre história e literatura no curso do último século, para, em seguida, voltar sua atenção para a fortuna crítica de Grande Sertão: Veredas, considerando primeiro os estudos de maior amplitude, de viés historiográfico e, depois, “fechando o
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cerco”, aqueles que tratam de uma cena paradigmática narrada no interior da obra, a saber o julgamento de Zé Bebelo na Fazenda Sempre-Verde. Nesta altura revela-se o interesse da autora, confirmado agora neste novo estudo, pela fontes clássicas do entroncamento entre história e literatura: ela retoma, com muita pertinência, a comparação entre a referida cena do romance e a longa passagem que narra a assembleia dos deuses no canto II da Ilíada. Cabe salientar – o que se demonstra também pela bibliografia relativamente estendida sobre a Antiguidade Clássica (para um estudo que tem como objeto principal uma obra moderna, ainda que o seu autor tenha sido um leitor contumaz, atento e meticuloso dos autores clássicos, em especial de Homero, como prova uma documentação bastante farta), não restrita aos manuais escolares a que tantas vezes se recorre para incursões ilustrativas ao mundo antigo – que o poema homérico não aparece aí reduzido a um mero anteparo comparativo, capaz de iluminar o romance moderno: as duas obras se iluminam reciprocamente. O que a autora portanto estabelece é um diálogo de “mão dupla”, reafirmando não apenas o presente como instituição lógica do passado, mas também o passado como algo instituído pelo presente na forma de uma remodelação da memória, tanto na qualidade de um repositório de experiências quanto na de um manancial de expectativas, atrelada, no caso, à fruição estética. Só então, pavimentado o caminho pela confrontação de uma rica literatura secundária, levada a cabo com inegável autonomia de pensamento (como bem salientou o Prof. José Carlos Reis em apresentação do livro), Lorena Lopes da Costa chega ao ponto de suas próprias proposições, reconhecendo no elemento narrativo, isto é, na linguagem e naquilo que ela tem de plástico, o habitáculo comum que história e literatura devem necessariamente compartilhar. Nesse sentido, mais do que a supressão de supostas hierarquias que podem, ao sabor da variação dos critérios, favorecer um ou outro gênero – e sem dissolvê-los numa indistinção estéril –, o que se vislumbra é a mobilidade do ponto de corte que os separa. Poderíamos dizer então, a partir do que sugere a autora, que a narrativa da história e a narrativa da literatura, com a plasticidade que as caracteriza separadamente e a necessária mobilidade com que uma se coloca em relação à outra, evoluem em perpétuo passo de dança.
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Princeton University Press, 1990) – distingue-se do que ora aqui se propõe em vista do recorte operado no âmbito das práticas da falsificação, pode-se imaginar um eixo causal que seja comum às duas perspectivas, e que Lorena Lopes da Costa toma o risco de anunciar logo na partida de suas páginas: “falsificar é uma necessidade histórica”. Não se perca o leitor pela assertividade da afirmação: ela é menos uma fórmula de efeito visando a cativar pela polêmica do que o termo de uma reflexão gestada no contexto de uma pesquisa minuciosa de que o próprio percurso intelectual e formativo da autora dá testemunho. Há na verdade uma clara, embora sutil, coerência que une os seus dois últimos estudos de maior fôlego, apesar das consideráveis diferenças entre os corpora sobre os quais ela se debruça num e noutro caso. No fundo, o que se revela é um projeto – no sentido forte do termo – cuja pertinência é testada na confrontação de um repertório variado de documentos, conduzindo à coesão teórica e a um foco preciso uma aparente dispersão de leituras. Assim, em Dos ventos: história, crítica literária e linguagem em Grande Sertão: Veredas (Belo Horizonte: Fino Traço, 2013), originado de sua dissertação de mestrado defendida no Departamento de História da UFMG sob a orientação da Profa. Heloísa Starling, Lorena Lopes da Costa toma, com a mesma coragem que aqui se renova – e sem dúvida carecia de ter coragem para enfrentar, num trabalho acadêmico, até certo ponto iniciático, uma obra de tamanha complexidade, cujo caudal de estudos e comentários intimida mesmo o pesquisador mais experiente –, a principal obra de Guimarães Rosa como terreno de extração das interpenetrações possíveis entre história e literatura. É interessante observar que nesse seu primeiro livro, a autora obedece a um plano criterioso, no qual a reflexão evolui, por assim dizer, num movimento concêntrico em torno de seu objeto principal para finalmente se apropriar dele com uma visada autoral teoricamente mais ambiciosa. Num primeiro momento, ela procede a um excelente (e muito útil) apanhado crítico das correntes metodológicas mais influentes que pensaram a relação entre história e literatura no curso do último século, para, em seguida, voltar sua atenção para a fortuna crítica de Grande Sertão: Veredas, considerando primeiro os estudos de maior amplitude, de viés historiográfico e, depois, “fechando o
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cerco”, aqueles que tratam de uma cena paradigmática narrada no interior da obra, a saber o julgamento de Zé Bebelo na Fazenda Sempre-Verde. Nesta altura revela-se o interesse da autora, confirmado agora neste novo estudo, pela fontes clássicas do entroncamento entre história e literatura: ela retoma, com muita pertinência, a comparação entre a referida cena do romance e a longa passagem que narra a assembleia dos deuses no canto II da Ilíada. Cabe salientar – o que se demonstra também pela bibliografia relativamente estendida sobre a Antiguidade Clássica (para um estudo que tem como objeto principal uma obra moderna, ainda que o seu autor tenha sido um leitor contumaz, atento e meticuloso dos autores clássicos, em especial de Homero, como prova uma documentação bastante farta), não restrita aos manuais escolares a que tantas vezes se recorre para incursões ilustrativas ao mundo antigo – que o poema homérico não aparece aí reduzido a um mero anteparo comparativo, capaz de iluminar o romance moderno: as duas obras se iluminam reciprocamente. O que a autora portanto estabelece é um diálogo de “mão dupla”, reafirmando não apenas o presente como instituição lógica do passado, mas também o passado como algo instituído pelo presente na forma de uma remodelação da memória, tanto na qualidade de um repositório de experiências quanto na de um manancial de expectativas, atrelada, no caso, à fruição estética. Só então, pavimentado o caminho pela confrontação de uma rica literatura secundária, levada a cabo com inegável autonomia de pensamento (como bem salientou o Prof. José Carlos Reis em apresentação do livro), Lorena Lopes da Costa chega ao ponto de suas próprias proposições, reconhecendo no elemento narrativo, isto é, na linguagem e naquilo que ela tem de plástico, o habitáculo comum que história e literatura devem necessariamente compartilhar. Nesse sentido, mais do que a supressão de supostas hierarquias que podem, ao sabor da variação dos critérios, favorecer um ou outro gênero – e sem dissolvê-los numa indistinção estéril –, o que se vislumbra é a mobilidade do ponto de corte que os separa. Poderíamos dizer então, a partir do que sugere a autora, que a narrativa da história e a narrativa da literatura, com a plasticidade que as caracteriza separadamente e a necessária mobilidade com que uma se coloca em relação à outra, evoluem em perpétuo passo de dança.
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A metáfora não é gratuita. Para sabê-lo bastaria apenas lembrar que Grande Sertão: Veredas foi concebido originalmente como parte de um volume maior de contos, intitulado justamente Corpo de Baile, de que foi logo separado como obra autônoma, ambos os conjuntos, o romance e os contos, tendo sido publicados no mesmo ano (1956)1. Todavia, na leitura personalíssima de Lorena Lopes da Costa esta metáfora ganha em profundidade e em fecundidade, prenunciando a tese que surge plenamente desenvolvida neste livro que agora se publica. Para compreender esse processo seria necessário prolongar ainda um pouco a digressão sobre seu primeiro trabalho, reportando algo da ordem de um “anedotário” que diz respeito tanto à sua publicação quanto à publicação da obra de que ele trata, um detalhe aparentemente circunstancial, mas pleno de significado: o título com o qual o livro de Lorena Lopes da Costa finalmente vem à luz não é o mesmo da dissertação defendida que lhe dá origem, sendo este último A dansa dos tempos em Grande Sertão: Veredas: história, literatura, crítica literária e história. Postos lado a lado, entre outras alterações menores (no complemento explicativo, por exemplo), o que chama a atenção na versão original é a presença da palavra ‘dansa’, uma corruptela ortográfica de ‘dança’ (que, se desaparece do título do livro, é preservada e explorada em sua penúltima seção, “A dança/dansa dos tempos: a linguagem como moto-contínuo”). Com ela, a autora evoca a forma original grafada na obra (e “corrigida” pela editora nas tiragens posteriores) pelo próprio Guimarães Rosa, que a reivindica com um argumento luminoso: o cedilha prende o pé da palavra; o “s”, com sua forma sinuosa, descreve melhor o que se quer nomear. A reflexão, cuja singeleza pode enganar o incauto, vai direto ao ponto: uma “falsificação” – no caso, uma falsificação que incide sobre o sensível mais imediato da linguagem escrita, o “desenho” das palavras na sua orto-grafia – pode dizer melhor a verdade essencial das coisas na medida em que recusa a rigidez das convenções e o caráter inercial e irrefletido da tradição para, reconfigurando a expressão do passado, comunicar melhor uma experiência que se quer presente. 1. Impossível não recordar aqui o belíssimo filme dirigido por Ettore Scola, O baile (Le bal), de 1983, em que a história da França, entre os anos 30 e 80, é contada, sem qualquer recurso à linguagem verbal (diálogo ou narrativa), a partir do modo como um grupo de pessoas evolui no interior de um mesmo salão de dança.
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Podemos sem duvida debatê-la ou contestá-la, em seu fundo ou em suas formas de enunciação, mas parece impossível restar inteiramente impermeável ou indiferente à ideia-força defendida por Lorena Lopes da Costa, que surge em fagulha em seu primeiro livro para reacender-se aqui, testada em outras searas: a falsificação é um procedimento historiográfico, tão legítimo quanto inevitável. O presente livro é também oriundo de um trabalho para obtenção de grau acadêmico, desta vez o doutorado, também na UFMG, sob a orientação do Prof. José Antônio Dabdab Trabulsi (com um estágio de pesquisa na École des Hautes en Sciences Sociales de Paris, com o acompanhamento do Prof. François Hartog), de cuja banca examinadora eu tive o privilégio de participar, na companhia dos colegas Prof. Jacynhto Lins Brandão, Prof. Fábio de Souza Lessa e Prof. Glaydson José da Silva, além do próprio orientador. Da tese ao livro, poucas modificações, procedimento incomum favorecido pela inegável qualidade da escrita de Lorena Lopes da Costa. Renunciando voluntariamente aos jargões do estilo universitário (não raro obscuro e enfadonho), em nome de uma linguagem ágil, acessível e ao mesmo tempo apurada, sem jamais comprometer a precisão e o rigor da argumentação, nem transigir sobre a complexidade do assunto tratado, ela constrói um texto coeso, claro e de leitura agradável e fluida; não afeta erudição (que no entanto possui), nem cede à “volúpia” do hermetismo, ainda em voga em certos círculos acadêmicos, como se uma dicção alambicada pudesse garantir a substância da mensagem: Lorena Lopes da Costa, como historiadora, teria sem dúvida a aprovação de Luciano de Samósata pois, com sofisticação bem calibrada, “chama um figo de figo e uma gamela de gamela”. Ademais, a passagem da tese ao livro, e, por conseguinte, ao alcance de um público mais amplo, se justifica por uma outra razão objetiva – o que de resto valeria também para seu livro anterior: o fato de que Lorena Lopes da Costa tenha direcionado seus esforços como pesquisadora para um tema que, por sua interdisciplinaridade, cobre virtualmente um largo espectro de interesses. Assim, embora escrito para obtenção de grau acadêmico em um domínio específico (doutoramento em História), este estudo transita também pela crítica e teoria literárias, bem como pelas ciências sociais e por
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A metáfora não é gratuita. Para sabê-lo bastaria apenas lembrar que Grande Sertão: Veredas foi concebido originalmente como parte de um volume maior de contos, intitulado justamente Corpo de Baile, de que foi logo separado como obra autônoma, ambos os conjuntos, o romance e os contos, tendo sido publicados no mesmo ano (1956)1. Todavia, na leitura personalíssima de Lorena Lopes da Costa esta metáfora ganha em profundidade e em fecundidade, prenunciando a tese que surge plenamente desenvolvida neste livro que agora se publica. Para compreender esse processo seria necessário prolongar ainda um pouco a digressão sobre seu primeiro trabalho, reportando algo da ordem de um “anedotário” que diz respeito tanto à sua publicação quanto à publicação da obra de que ele trata, um detalhe aparentemente circunstancial, mas pleno de significado: o título com o qual o livro de Lorena Lopes da Costa finalmente vem à luz não é o mesmo da dissertação defendida que lhe dá origem, sendo este último A dansa dos tempos em Grande Sertão: Veredas: história, literatura, crítica literária e história. Postos lado a lado, entre outras alterações menores (no complemento explicativo, por exemplo), o que chama a atenção na versão original é a presença da palavra ‘dansa’, uma corruptela ortográfica de ‘dança’ (que, se desaparece do título do livro, é preservada e explorada em sua penúltima seção, “A dança/dansa dos tempos: a linguagem como moto-contínuo”). Com ela, a autora evoca a forma original grafada na obra (e “corrigida” pela editora nas tiragens posteriores) pelo próprio Guimarães Rosa, que a reivindica com um argumento luminoso: o cedilha prende o pé da palavra; o “s”, com sua forma sinuosa, descreve melhor o que se quer nomear. A reflexão, cuja singeleza pode enganar o incauto, vai direto ao ponto: uma “falsificação” – no caso, uma falsificação que incide sobre o sensível mais imediato da linguagem escrita, o “desenho” das palavras na sua orto-grafia – pode dizer melhor a verdade essencial das coisas na medida em que recusa a rigidez das convenções e o caráter inercial e irrefletido da tradição para, reconfigurando a expressão do passado, comunicar melhor uma experiência que se quer presente. 1. Impossível não recordar aqui o belíssimo filme dirigido por Ettore Scola, O baile (Le bal), de 1983, em que a história da França, entre os anos 30 e 80, é contada, sem qualquer recurso à linguagem verbal (diálogo ou narrativa), a partir do modo como um grupo de pessoas evolui no interior de um mesmo salão de dança.
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Podemos sem duvida debatê-la ou contestá-la, em seu fundo ou em suas formas de enunciação, mas parece impossível restar inteiramente impermeável ou indiferente à ideia-força defendida por Lorena Lopes da Costa, que surge em fagulha em seu primeiro livro para reacender-se aqui, testada em outras searas: a falsificação é um procedimento historiográfico, tão legítimo quanto inevitável. O presente livro é também oriundo de um trabalho para obtenção de grau acadêmico, desta vez o doutorado, também na UFMG, sob a orientação do Prof. José Antônio Dabdab Trabulsi (com um estágio de pesquisa na École des Hautes en Sciences Sociales de Paris, com o acompanhamento do Prof. François Hartog), de cuja banca examinadora eu tive o privilégio de participar, na companhia dos colegas Prof. Jacynhto Lins Brandão, Prof. Fábio de Souza Lessa e Prof. Glaydson José da Silva, além do próprio orientador. Da tese ao livro, poucas modificações, procedimento incomum favorecido pela inegável qualidade da escrita de Lorena Lopes da Costa. Renunciando voluntariamente aos jargões do estilo universitário (não raro obscuro e enfadonho), em nome de uma linguagem ágil, acessível e ao mesmo tempo apurada, sem jamais comprometer a precisão e o rigor da argumentação, nem transigir sobre a complexidade do assunto tratado, ela constrói um texto coeso, claro e de leitura agradável e fluida; não afeta erudição (que no entanto possui), nem cede à “volúpia” do hermetismo, ainda em voga em certos círculos acadêmicos, como se uma dicção alambicada pudesse garantir a substância da mensagem: Lorena Lopes da Costa, como historiadora, teria sem dúvida a aprovação de Luciano de Samósata pois, com sofisticação bem calibrada, “chama um figo de figo e uma gamela de gamela”. Ademais, a passagem da tese ao livro, e, por conseguinte, ao alcance de um público mais amplo, se justifica por uma outra razão objetiva – o que de resto valeria também para seu livro anterior: o fato de que Lorena Lopes da Costa tenha direcionado seus esforços como pesquisadora para um tema que, por sua interdisciplinaridade, cobre virtualmente um largo espectro de interesses. Assim, embora escrito para obtenção de grau acadêmico em um domínio específico (doutoramento em História), este estudo transita também pela crítica e teoria literárias, bem como pelas ciências sociais e por
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certas vertentes do pensamento filosófico, detendo-se com igual desenvoltura tanto sobre a tradição clássica quanto sobre alguns expoentes da literatura francesa moderna da primeira metade do século XX; mais precisamente, são esses dois últimos blocos de textos que constituem seu objeto principal: três tragédias gregas da Antiguidade e quatro romances franceses publicados nos anos que se seguiram à Primeira Grande Guerra. O fio condutor da argumentação, que une esse corpus aparentemente disparatado e dá estofo ao modo como ele é abordado, é, em todos os pontos, claro e pormenorizadamente justificado, reforçando o apelo “universal” do estudo. No que tange ao tratamento específico de cada obra, convém esclarecer que o modo aparentemente “horizontal” da abordagem não pode, de modo algum, ser debitado na conta de uma suposta superficialidade; ao contrário, essa “horizontalidade” favorece a precisão e a objetividade do estudo. Em última instância, tanto a natureza como a extensão do corpus recolhido, bem como o modo de apropriá-lo, constituem o método necessário para o desenvolvimento da tese proposta. Reforce-se ainda que nessa empreitada a autora reúne toda uma massa de informações que permeiam e circunscrevem a produção e a recepção dos documentos que examina: no caso dos romances franceses, além do contexto social e político envolvendo a publicação de cada obra e dos dados biográficos relevantes de seus respectivos autores, não escapam a um exame cuidadoso nem a sua correspondência nem eventuais versões e variações editoriais; reconhece-se assim a importância desse tipo de informação, acessória apenas em aparência, num estudo que busca estabelecer os modos pelos quais a voz de uma memória coletiva perpassa e compõe um narrativa ficcional cuja substância de fundo é uma experiência pessoal. No caso do material antigo, a capacidade de acessar os textos em sua língua original afiança uma abordagem precisa e consistente daquilo que se quer extrair deles. Apenas para se ter uma ideia da sofisticação bibliográfica com a qual a autora ampara a sua demonstração, a menção rápida a dois detalhes será suficiente: primeiro, no domínio da Antiguidade, o recurso a um documento epigráfico, especificamente uma estela de mármore contendo algumas linhas do texto de um dispositivo legal, encontrada recentemente (em 1970), na ágora de Atenas; segundo, relativamente à literatura francesa,
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a escolha de um romance “menor”, de Jean Valmy-Baysse, cuja edição original teve uma tiragem de míseros 50 exemplares (!), tendo, ao que parece, ficado por isso até hoje. O livro de Lorena Lopes da Costa tem então esta virtude suplementar, que é a de apresentar para o público brasileiro e lusófono obras e documentos pouco conhecidos, alguns, como se vê, bastante raros, o que a leva a revelar ainda uma outra faceta de suas habilidades: a de tradutora, já que se viu obrigada a verter para o português alguns trechos de obras ainda inéditas na nossa língua. Fiquemos com um único exemplo, uma passagem, tão deliciosa sob a pena de Lorena Lopes da Costa quanto no original de Jean Giraudoux, em que com invejável espírito ela traz para o português palavras que a rigor não fazem o menor sentido e que sequer existem no vocabulário francês: “Essa foi a salvação de Odisseu, que pôde construir uma espécie de jangada. Ele a escalou; com a ajuda de um gancho, e com uma corda deu conta dessas operações marítimas que os tradutores não são capazes de explicar, para facilitar ao leitor, senão em termos técnicos: ele enfrentou uma competa no veroncádio, depois, a cabine estando supada, bidornou o astofulo: ele estava salvo!” (na sequência da citação, o seguinte comentário observando a manobra meta-tradutória do texto: “a salvação que faz comemorar o narrador é, portanto, dupla: salva-se Odisseu e salva-se também o tradutor, que, sem pudor, inventa novos termos”, a que poderíamos acrescentar a salvação da comentadora que ao retraduzir a cena ilustra com o próprio exemplo o efeito de uma “falsificação” em cascata). O leitor com certeza lamentará não poder ler traduzidos aqui mais do que uns poucos excertos dessas obras. Ainda no plano dos aspectos formais do livro, cumpre dizer que a carpintaria textual que o sustenta é engenhosa, perfeitamente funcional e, se outra vez levamos em conta as práticas acadêmicas, bastante original. Ao contrário da costumeira divisão em capítulos (frequentemente três), enfeixados por uma introdução e uma conclusão, a demonstração de sua tese central se declina em três seções, três “argumentos” que, embora autônomos, rementem-se uns aos outros, alinhavados pela análise das obras que constituem o corpus principal do estudo: entre o primeiro e o segundo argumentos, a análise das três tragédias gregas: Troianas e Helena, ambas de
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certas vertentes do pensamento filosófico, detendo-se com igual desenvoltura tanto sobre a tradição clássica quanto sobre alguns expoentes da literatura francesa moderna da primeira metade do século XX; mais precisamente, são esses dois últimos blocos de textos que constituem seu objeto principal: três tragédias gregas da Antiguidade e quatro romances franceses publicados nos anos que se seguiram à Primeira Grande Guerra. O fio condutor da argumentação, que une esse corpus aparentemente disparatado e dá estofo ao modo como ele é abordado, é, em todos os pontos, claro e pormenorizadamente justificado, reforçando o apelo “universal” do estudo. No que tange ao tratamento específico de cada obra, convém esclarecer que o modo aparentemente “horizontal” da abordagem não pode, de modo algum, ser debitado na conta de uma suposta superficialidade; ao contrário, essa “horizontalidade” favorece a precisão e a objetividade do estudo. Em última instância, tanto a natureza como a extensão do corpus recolhido, bem como o modo de apropriá-lo, constituem o método necessário para o desenvolvimento da tese proposta. Reforce-se ainda que nessa empreitada a autora reúne toda uma massa de informações que permeiam e circunscrevem a produção e a recepção dos documentos que examina: no caso dos romances franceses, além do contexto social e político envolvendo a publicação de cada obra e dos dados biográficos relevantes de seus respectivos autores, não escapam a um exame cuidadoso nem a sua correspondência nem eventuais versões e variações editoriais; reconhece-se assim a importância desse tipo de informação, acessória apenas em aparência, num estudo que busca estabelecer os modos pelos quais a voz de uma memória coletiva perpassa e compõe um narrativa ficcional cuja substância de fundo é uma experiência pessoal. No caso do material antigo, a capacidade de acessar os textos em sua língua original afiança uma abordagem precisa e consistente daquilo que se quer extrair deles. Apenas para se ter uma ideia da sofisticação bibliográfica com a qual a autora ampara a sua demonstração, a menção rápida a dois detalhes será suficiente: primeiro, no domínio da Antiguidade, o recurso a um documento epigráfico, especificamente uma estela de mármore contendo algumas linhas do texto de um dispositivo legal, encontrada recentemente (em 1970), na ágora de Atenas; segundo, relativamente à literatura francesa,
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a escolha de um romance “menor”, de Jean Valmy-Baysse, cuja edição original teve uma tiragem de míseros 50 exemplares (!), tendo, ao que parece, ficado por isso até hoje. O livro de Lorena Lopes da Costa tem então esta virtude suplementar, que é a de apresentar para o público brasileiro e lusófono obras e documentos pouco conhecidos, alguns, como se vê, bastante raros, o que a leva a revelar ainda uma outra faceta de suas habilidades: a de tradutora, já que se viu obrigada a verter para o português alguns trechos de obras ainda inéditas na nossa língua. Fiquemos com um único exemplo, uma passagem, tão deliciosa sob a pena de Lorena Lopes da Costa quanto no original de Jean Giraudoux, em que com invejável espírito ela traz para o português palavras que a rigor não fazem o menor sentido e que sequer existem no vocabulário francês: “Essa foi a salvação de Odisseu, que pôde construir uma espécie de jangada. Ele a escalou; com a ajuda de um gancho, e com uma corda deu conta dessas operações marítimas que os tradutores não são capazes de explicar, para facilitar ao leitor, senão em termos técnicos: ele enfrentou uma competa no veroncádio, depois, a cabine estando supada, bidornou o astofulo: ele estava salvo!” (na sequência da citação, o seguinte comentário observando a manobra meta-tradutória do texto: “a salvação que faz comemorar o narrador é, portanto, dupla: salva-se Odisseu e salva-se também o tradutor, que, sem pudor, inventa novos termos”, a que poderíamos acrescentar a salvação da comentadora que ao retraduzir a cena ilustra com o próprio exemplo o efeito de uma “falsificação” em cascata). O leitor com certeza lamentará não poder ler traduzidos aqui mais do que uns poucos excertos dessas obras. Ainda no plano dos aspectos formais do livro, cumpre dizer que a carpintaria textual que o sustenta é engenhosa, perfeitamente funcional e, se outra vez levamos em conta as práticas acadêmicas, bastante original. Ao contrário da costumeira divisão em capítulos (frequentemente três), enfeixados por uma introdução e uma conclusão, a demonstração de sua tese central se declina em três seções, três “argumentos” que, embora autônomos, rementem-se uns aos outros, alinhavados pela análise das obras que constituem o corpus principal do estudo: entre o primeiro e o segundo argumentos, a análise das três tragédias gregas: Troianas e Helena, ambas de
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Eurípides e Filoctetes, de Sófocles; entre o segundo (chamado de “argumento de transição”) e o terceiro, o exame de três romances franceses do pós-guerra de 1914: Elpénor, de Jean Giraudoux; Naissance de l’Odyssée, de Jean Giono; e Les aventures de Télémaque, de Louis Aragon, sendo que o quarto romance, Le retour d’Ulysse. Roman d’un démobilisé, de Jean Valmy-Baysse, é analisado no interior mesmo do terceiro argumento. Assim, no lugar de uma progressão linear, o estudo é montado numa espécie de espiral, constituída pelos três argumentos, que evolui em torno de dois eixos paralelos que são os dois blocos de textos, formados por sua vez pelas tragédias antigas e pelos romances modernos. Trata-se de fato de uma estrutura sólida que em nada se ressente da ausência de uma conclusão formal. À primeira vista, a extensão e a diversidade do corpus mobilizado poderiam de fato inspirar alguma reserva. Convém no entanto observar que há um elemento comum às obras que o compõem, evidente ao primeiro olhar e que, como se verá, explica a escolha: todas elas têm seus respectivos entrechos construídos em torno da tradição clássica relativa ao ciclo troiano. Além disso, em vista daquilo que se propõe, tal corpus se justifica plenamente, convertendo-se, como explicita a própria autora, no laboratório ideal que permitirá verificar sua tese. Sendo pois um erro ler este livro como um simples estudo sequenciado de dois conjuntos de textos bastante diversos, seria também equivocado tomá-lo por um mero esforço de comparação. Comparação há, mas apenas pela mediação de um terceiro elemento que embasa a escolha e justifica a aproximação. Na verdade, abandonadas as características formais próprias dos dois gêneros em favor do núcleo temático de cada obra, as peças e os romances, postos lado a lado, só são comparáveis porque a matéria que os informa em suas camadas mais profundas é rigorosamente a mesma, apontando para algo em comum que lhes é em princípio externo. O ponto fulcral do esforço que se desdobra aqui consiste precisamente em demonstrar que o modo pelo qual este elemento comum é introduzido em cada obra responde à mesma injunção. No fundo de tudo, a guerra; mais do que isso, a experiência da guerra e os meios pelos quais esta experiência se faz compreensível e comunicável e funda uma certa expectativa de possíveis guerras futuras. Vê-se então que a “liberdade absoluta” do poeta, nem tão livre assim, segue o rumo que lhe 24
impõe a história: por trás da cena que a mimese dos trágicos elabora, bem visível aos espectadores, ergue-se a Guerra do Peloponeso, uma guerra bem real e presente, que no choque de forças entre Atenas e Esparta e seus respectivos aliados sacudiu o mundo grego durante os últimos anos do século V a.C.; para os autores franceses, todos mais ou menos diretamente engajados nos combates, mas nunca muito distantes deles, são os horrores de 1914 a 1919, perpetrados por uma guerra de trincheiras, de uma extensão e de um modo operatório jamais vistos, que a literatura, entre esquecimento e lembrança, deve purgar. Se a célebre fórmula aristotélica segundo a qual a cena dramática é capaz de, ao evocá-los, promover a catarse do terror e da piedade, o mesmo mecanismo parece, de algum modo, operar também nessas narrativas. Servindo então como uma espécie de “terceiro incluído”, que aproxima os dois conjuntos de textos e legitima o seu paralelo, surge uma outra guerra, a de Troia, aquela a que aludem, em permanência, direta ou indiretamente, os poemas homéricos: na Ilíada, narram-se alguns de seus episódios decisivos; na Odisseia, a saga dos dez anos que consomem o retorno de um de seus principais atores e que se ajuntam aos dez anos anteriores em que se desenrolaram as cruentas batalhas. É precisamente este último poema que se põe em evidência aqui (demonstrando, também por este ângulo, a organicidade das pesquisas de Lorena Lopes da Costa que, como se viu, trabalhou num primeiro momento com a Ilíada), porque nele se narra não exatamente a guerra, mas a posteridade da guerra, sinalizando que a história de uma guerra – desta como a de qualquer outra – não se limita à explicação objetiva de suas causas, do sofrimento dos soldados no campo de batalha, das estratégias e dos movimentos coletivos e de seus resultados panorâmicos, mas constrói-se também – talvez principalmente – a partir do intricado tecido formado pela experiência e pela expectativa dos que, sofrendo os seus efeitos, zelam por sua permanência como forma de alerta: já longe o inimigo, cumpre sempre ao ex-combatente enfrentar um outro tipo de peleja, desta vez consigo mesmo, que consiste em organizar as lembranças que ele traz para casa coladas às feridas do corpo, ao cansaço e à alma consumida. É também na Odisseia que assistimos se abrir com maior amplitude a voz do
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Eurípides e Filoctetes, de Sófocles; entre o segundo (chamado de “argumento de transição”) e o terceiro, o exame de três romances franceses do pós-guerra de 1914: Elpénor, de Jean Giraudoux; Naissance de l’Odyssée, de Jean Giono; e Les aventures de Télémaque, de Louis Aragon, sendo que o quarto romance, Le retour d’Ulysse. Roman d’un démobilisé, de Jean Valmy-Baysse, é analisado no interior mesmo do terceiro argumento. Assim, no lugar de uma progressão linear, o estudo é montado numa espécie de espiral, constituída pelos três argumentos, que evolui em torno de dois eixos paralelos que são os dois blocos de textos, formados por sua vez pelas tragédias antigas e pelos romances modernos. Trata-se de fato de uma estrutura sólida que em nada se ressente da ausência de uma conclusão formal. À primeira vista, a extensão e a diversidade do corpus mobilizado poderiam de fato inspirar alguma reserva. Convém no entanto observar que há um elemento comum às obras que o compõem, evidente ao primeiro olhar e que, como se verá, explica a escolha: todas elas têm seus respectivos entrechos construídos em torno da tradição clássica relativa ao ciclo troiano. Além disso, em vista daquilo que se propõe, tal corpus se justifica plenamente, convertendo-se, como explicita a própria autora, no laboratório ideal que permitirá verificar sua tese. Sendo pois um erro ler este livro como um simples estudo sequenciado de dois conjuntos de textos bastante diversos, seria também equivocado tomá-lo por um mero esforço de comparação. Comparação há, mas apenas pela mediação de um terceiro elemento que embasa a escolha e justifica a aproximação. Na verdade, abandonadas as características formais próprias dos dois gêneros em favor do núcleo temático de cada obra, as peças e os romances, postos lado a lado, só são comparáveis porque a matéria que os informa em suas camadas mais profundas é rigorosamente a mesma, apontando para algo em comum que lhes é em princípio externo. O ponto fulcral do esforço que se desdobra aqui consiste precisamente em demonstrar que o modo pelo qual este elemento comum é introduzido em cada obra responde à mesma injunção. No fundo de tudo, a guerra; mais do que isso, a experiência da guerra e os meios pelos quais esta experiência se faz compreensível e comunicável e funda uma certa expectativa de possíveis guerras futuras. Vê-se então que a “liberdade absoluta” do poeta, nem tão livre assim, segue o rumo que lhe 24
impõe a história: por trás da cena que a mimese dos trágicos elabora, bem visível aos espectadores, ergue-se a Guerra do Peloponeso, uma guerra bem real e presente, que no choque de forças entre Atenas e Esparta e seus respectivos aliados sacudiu o mundo grego durante os últimos anos do século V a.C.; para os autores franceses, todos mais ou menos diretamente engajados nos combates, mas nunca muito distantes deles, são os horrores de 1914 a 1919, perpetrados por uma guerra de trincheiras, de uma extensão e de um modo operatório jamais vistos, que a literatura, entre esquecimento e lembrança, deve purgar. Se a célebre fórmula aristotélica segundo a qual a cena dramática é capaz de, ao evocá-los, promover a catarse do terror e da piedade, o mesmo mecanismo parece, de algum modo, operar também nessas narrativas. Servindo então como uma espécie de “terceiro incluído”, que aproxima os dois conjuntos de textos e legitima o seu paralelo, surge uma outra guerra, a de Troia, aquela a que aludem, em permanência, direta ou indiretamente, os poemas homéricos: na Ilíada, narram-se alguns de seus episódios decisivos; na Odisseia, a saga dos dez anos que consomem o retorno de um de seus principais atores e que se ajuntam aos dez anos anteriores em que se desenrolaram as cruentas batalhas. É precisamente este último poema que se põe em evidência aqui (demonstrando, também por este ângulo, a organicidade das pesquisas de Lorena Lopes da Costa que, como se viu, trabalhou num primeiro momento com a Ilíada), porque nele se narra não exatamente a guerra, mas a posteridade da guerra, sinalizando que a história de uma guerra – desta como a de qualquer outra – não se limita à explicação objetiva de suas causas, do sofrimento dos soldados no campo de batalha, das estratégias e dos movimentos coletivos e de seus resultados panorâmicos, mas constrói-se também – talvez principalmente – a partir do intricado tecido formado pela experiência e pela expectativa dos que, sofrendo os seus efeitos, zelam por sua permanência como forma de alerta: já longe o inimigo, cumpre sempre ao ex-combatente enfrentar um outro tipo de peleja, desta vez consigo mesmo, que consiste em organizar as lembranças que ele traz para casa coladas às feridas do corpo, ao cansaço e à alma consumida. É também na Odisseia que assistimos se abrir com maior amplitude a voz do
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poeta para a narrativa da personagem em primeira pessoa, posto que é na palavra narrada ao outro que essa memória assim comunicada se organiza. A análise de Lorena Lopes da Costa se abre então sobre uma primeira tríade, constituída pela Guerra do Peloponeso e pela Grande Guerra de 1914, atadas simultaneamente à Guerra de Troia. Dito de outro modo: a guerra de Troia, com a intriga dos personagens postos em cena pelas tragédias de Sófocles e Eurípides, oferece, pela mediação da experiência da guerra como espetáculo, um olhar sobre a guerra enquanto realidade atual; de maneira análoga, a mesma Guerra oferece ainda aos romancistas franceses o cenário que torna comunicável os sofrimentos impostos pela Grande Guerra que atravessaram. Da perspectiva da mimese dramática do teatro ou da mimese narrada do romance, a Guerra de Tróia impõe-se portanto como o evento fundador de uma série e permanece na qualidade de um ponto de fuga – longínquo sem dúvida, mas necessário – capaz de restituir virtualmente a inteligibilidade de todas as guerras que lhe sucederam. Contudo, o processo é mais complexo, e isso por duas razões solidárias. A primeira consiste no fato de que a Guerra de Troia, em sua manifestação “original”, é já um produto do engenho poético (em que pese o testemunho algo enigmático e impreciso da arqueologia, confinado sempre ao domínio de uma herança material): entre a guerra acontecida e a guerra narrada abre-se a fenda que a memória preenche recortando o vivido com a voz do poeta. Depois, o fato de que o canto do poeta – neste caso, Homero – seja ele mesmo “plástico”, oferecendo, enquanto repositório de histórias ancestrais e ponto de sedimentação de uma longa e complexa tradição oral, a matéria memorialística que outras vozes por sua vez recortarão e recomporão segundo exigências próprias, determinadas pelo ineditismo de seu presente. Ocorre então que a Guerra de Troia e os personagens que lhe emprestam a ação são e não são os mesmos em suas novas aparições, da épica ao teatro antigo e destes ao romance moderno. A esta altura vislumbra-se uma segunda tríade, que replica a primeira de uma perspectiva mais ampla: temos, postos em sintonia, literatura, história e mito, em que este último, através de um dos elementos que lhe são tributários (ao menos no caso da cultura ocidental, de matriz helênica), a saber, a figura do “herói”, funciona como a “dobradiça”
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que articula as outras duas. Lorena Lopes da Costa reorganiza sobre novas bases a distinção, feita sobre fundo aristotélico, que encontramos em Sexto Empírico, segundo a qual a história é o “verdadeiro”, a ficção (plasma), uma invenção tão verdadeira quanto a história, e o mito, aquilo que não pode nem poderá acontecer. Mas vejamos: Sófocles e Eurípides recuperam em Homero os combatentes de Troia para reconstruí-los e oferecê-los a um público que, vivendo as agruras de uma outra guerra, parece vacilar diante dos heróis do passado. De maneira análoga, Giraudoux, Giono, Aragon e Valmy-Baysse tomam do mesmo Homero pouco mais do que os nomes de seus heróis – que afinal dizem toda uma tradição – para através deles explicar o tempo que se segue a uma terceira guerra, em que a própria ideia de heroísmo permanece apenas para carrear outros valores. Porém, o que os autores dos romances operam não vem sem a consciência do que operaram os trágicos. O mito não é portanto um ponto fixo de ancoragem, mas, fiel a seu elã original, transmuda-se no giro de suas apropriações: nesse sentido, o Ulisses de Valmy-Baysse é e não é o Odisseu de Homero – e nós poderíamos nos perguntar, a respeito da variação na nomeação do herói, onde termina a escolha e onde começa o simples reflexo – sendo e não sendo ao mesmo tempo o Odisseu de Sófocles. Assim, apenas para restaurar a metáfora aludida acima, o que este novo livro de Lorena Lopes da Costa parece nos sugerir é a coreografia de uma dança a três: não mais só história e literatura (como no primeiro livro), mas história, literatura e mito. No entanto, o seu passo mais original e, por conseguinte, o mais arriscado e de maior impacto – o tour de force deste livro –, reside precisamente no nome dado ao processo que põe este “balé” em movimento: falsificação, instrumento para se pensar a história. Diante da perplexidade que ele pode causar, que valha ao leitor a experiência de quem escreve estas linhas. A pergunta que muito rapidamente me veio ao espírito já nas primeiras páginas percorridas é, em poucas palavras, a seguinte: por que a elaboração de um novo conceito para designar o bem rodado mecanismo da apropriação adaptada, que constitui aliás a solução de continuidade do próprio mito? Por que, justamente em torno de um ponto delicado e complexo, a autora parece não mais chamar “um figo de figo e uma gamela de gamela”? Felizmente,
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poeta para a narrativa da personagem em primeira pessoa, posto que é na palavra narrada ao outro que essa memória assim comunicada se organiza. A análise de Lorena Lopes da Costa se abre então sobre uma primeira tríade, constituída pela Guerra do Peloponeso e pela Grande Guerra de 1914, atadas simultaneamente à Guerra de Troia. Dito de outro modo: a guerra de Troia, com a intriga dos personagens postos em cena pelas tragédias de Sófocles e Eurípides, oferece, pela mediação da experiência da guerra como espetáculo, um olhar sobre a guerra enquanto realidade atual; de maneira análoga, a mesma Guerra oferece ainda aos romancistas franceses o cenário que torna comunicável os sofrimentos impostos pela Grande Guerra que atravessaram. Da perspectiva da mimese dramática do teatro ou da mimese narrada do romance, a Guerra de Tróia impõe-se portanto como o evento fundador de uma série e permanece na qualidade de um ponto de fuga – longínquo sem dúvida, mas necessário – capaz de restituir virtualmente a inteligibilidade de todas as guerras que lhe sucederam. Contudo, o processo é mais complexo, e isso por duas razões solidárias. A primeira consiste no fato de que a Guerra de Troia, em sua manifestação “original”, é já um produto do engenho poético (em que pese o testemunho algo enigmático e impreciso da arqueologia, confinado sempre ao domínio de uma herança material): entre a guerra acontecida e a guerra narrada abre-se a fenda que a memória preenche recortando o vivido com a voz do poeta. Depois, o fato de que o canto do poeta – neste caso, Homero – seja ele mesmo “plástico”, oferecendo, enquanto repositório de histórias ancestrais e ponto de sedimentação de uma longa e complexa tradição oral, a matéria memorialística que outras vozes por sua vez recortarão e recomporão segundo exigências próprias, determinadas pelo ineditismo de seu presente. Ocorre então que a Guerra de Troia e os personagens que lhe emprestam a ação são e não são os mesmos em suas novas aparições, da épica ao teatro antigo e destes ao romance moderno. A esta altura vislumbra-se uma segunda tríade, que replica a primeira de uma perspectiva mais ampla: temos, postos em sintonia, literatura, história e mito, em que este último, através de um dos elementos que lhe são tributários (ao menos no caso da cultura ocidental, de matriz helênica), a saber, a figura do “herói”, funciona como a “dobradiça”
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que articula as outras duas. Lorena Lopes da Costa reorganiza sobre novas bases a distinção, feita sobre fundo aristotélico, que encontramos em Sexto Empírico, segundo a qual a história é o “verdadeiro”, a ficção (plasma), uma invenção tão verdadeira quanto a história, e o mito, aquilo que não pode nem poderá acontecer. Mas vejamos: Sófocles e Eurípides recuperam em Homero os combatentes de Troia para reconstruí-los e oferecê-los a um público que, vivendo as agruras de uma outra guerra, parece vacilar diante dos heróis do passado. De maneira análoga, Giraudoux, Giono, Aragon e Valmy-Baysse tomam do mesmo Homero pouco mais do que os nomes de seus heróis – que afinal dizem toda uma tradição – para através deles explicar o tempo que se segue a uma terceira guerra, em que a própria ideia de heroísmo permanece apenas para carrear outros valores. Porém, o que os autores dos romances operam não vem sem a consciência do que operaram os trágicos. O mito não é portanto um ponto fixo de ancoragem, mas, fiel a seu elã original, transmuda-se no giro de suas apropriações: nesse sentido, o Ulisses de Valmy-Baysse é e não é o Odisseu de Homero – e nós poderíamos nos perguntar, a respeito da variação na nomeação do herói, onde termina a escolha e onde começa o simples reflexo – sendo e não sendo ao mesmo tempo o Odisseu de Sófocles. Assim, apenas para restaurar a metáfora aludida acima, o que este novo livro de Lorena Lopes da Costa parece nos sugerir é a coreografia de uma dança a três: não mais só história e literatura (como no primeiro livro), mas história, literatura e mito. No entanto, o seu passo mais original e, por conseguinte, o mais arriscado e de maior impacto – o tour de force deste livro –, reside precisamente no nome dado ao processo que põe este “balé” em movimento: falsificação, instrumento para se pensar a história. Diante da perplexidade que ele pode causar, que valha ao leitor a experiência de quem escreve estas linhas. A pergunta que muito rapidamente me veio ao espírito já nas primeiras páginas percorridas é, em poucas palavras, a seguinte: por que a elaboração de um novo conceito para designar o bem rodado mecanismo da apropriação adaptada, que constitui aliás a solução de continuidade do próprio mito? Por que, justamente em torno de um ponto delicado e complexo, a autora parece não mais chamar “um figo de figo e uma gamela de gamela”? Felizmente,
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ainda em seu “primeiro argumento”, ela mesma induz a resposta e apaga a desconfiança que, ao fim e ao cabo, revela-se ingênua, ou pelo menos fruto da miopia própria das leituras apressadas. Ora, grosso modo, um conceito é uma palavra ou expressão que transcende o seu uso corrente para exprimir, num contexto determinado, uma ideia particular. Obviamente ele não deriva de uma escolha arbitrária; trata-se antes de uma inflexão particular, uma circunscrição precisa do seu campo semântico usual; ele não rompe, pelo menos não de imediato, com sua significação original, ou seja: articulado em um novo ambiente, ele não perde inteiramente o seu lastro de linguagem comum, podendo inclusive depender dele. Parece-me bem ser este o caso de ‘falsificação’ tal como empregado aqui. De fato, não será difícil perceber que termos como ‘adaptação’, ‘recriação’ ou ‘reapropriação’ parecem vagos demais, débeis e opacos demais para darem conta do fenômeno que aqui se quer nomear e explicar. Por sua vez, o termo ‘falsificação’ emerge com o apelo de uma das expressões mais correntes que ele compõe, isto é falsificação de moedas. É pois o universo da numismática que neste contexto fornece a metáfora perfeita de um procedimento literário e, por extensão, histórico, de primeira grandeza, e isto, de resto, examinadas de perto as suas implicações, não deve surpreender; com efeito, a moeda é, em sua materialidade e concretude, a síntese máxima do acordo formal entre os indivíduos de uma sociedade. Ela simboliza, por assim dizer, um pacto político e cultural. Falsificar dinheiro não significa apenas ‘adaptar’ ou ‘recriar’ o papel-moeda, mas fazer circular sob a mesma aparência um valor alterado. Uma moeda falsa, tal como o mito em seus ressurgimentos sucessivos, é e não é conforme a matriz que lhe empresta o modelo. Assim, no plano dos processos culturais, a falsificação, na medida em que constitui uma forma de contestação “do interior”, propõe uma “verdade alternativa” à verdade consensual da tradição. Por outro lado, a justificativa para o uso desse conceito não é tampouco deixada ao sabor das “associações livres”. Além de um exame atento do estatuto do pseudos – termo grego comumente traduzido por “falso” – na tradição antiga, a partir do qual se demonstra uma certa “flutuação” das noções de “falso” ou “mentira” e “verdade” ou “verdadeiro”, noções que o binarismo moderno tende a opor como antípodas inconciliáveis, a autora 28
lança mão ainda de duas evidências documentais que balizam a sua proposição. A primeira é a já referida estela de mármore encontrada nas ruínas da ágora de Atenas, datando seguramente dos últimos anos do século V a.C. O fragmento de lei que ela contém dispõe justamente sobre a forma como os atenienses lidavam com o problema da emissão de moedas cujo timbre oficial não era reconhecido ou que apresentavam um valor ponderal alterado. Busca-se demonstrar que também na esfera da economia e do curso legal do dinheiro, a clivagem entre “verdadeiro” e “falso” não é completa. A segunda dessas duas evidências é a tradição – muito controversa e com múltiplas implicações, convém dizer – relativa à biografia do filósofo cínico Diógenes de Sínope, que viveu no século IV a.C., cuja referência mais desenvolvida é uma passagem do livro VI (20-21) do tratado biográfico-filosófico Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres atribuído a Diógenes Laércio, cuja datação aproximativa e consensualmente admitida fica entre o final do século II e o começo do III d.C. A informação que colhemos no texto do biógrafo, entre uma quantidade razoável de versões que dispõem diferentes detalhes do fato, é que Diógenes Cínico teria chegado a Atenas exilado de sua Sínope natal por ali ter falsificado a moeda local, com a ajuda de seu pai que era banqueiro e responsável pelas operações de câmbio da cidade. Conta-se ainda, como um acessório jocoso do episódio, que Diógenes, por ocasião de uma consulta ao oráculo de Delfos (ou de Delos), havia recebido do deus a permissão para alterar os costumes; não compreendendo bem a mensagem, ele falsificou o dinheiro. Tudo se joga em torno do termo grego nómisma que significa ao mesmo tempo moeda, em seu sentido material (a peça metálica), e costume acordado ou instituído. O fato é que, segundo as fontes antigas, uma vez chegado a Atenas, Diógenes se converte à filosofia e faz da falsificação da moeda o lema de sua doutrina. Não creio ser impróprio ajuntar aqui uma informação suplementar: o episódio da falsificação da moeda na biografia de Diógenes de Sínope – sendo este episódio mesmo, muito provavelmente, produto de uma “falsificação” da história – parece constituir o calque de um dos mais icônicos dados da biografia de Sócrates, sobre o qual se assenta uma metáfora bem conhecida que Platão soube explorar. Assim, do mesmo modo que Sócrates, filho de uma mãe parteira, proclama a arte maiêutica (do grego maia, “parteira”) como o mé29
ainda em seu “primeiro argumento”, ela mesma induz a resposta e apaga a desconfiança que, ao fim e ao cabo, revela-se ingênua, ou pelo menos fruto da miopia própria das leituras apressadas. Ora, grosso modo, um conceito é uma palavra ou expressão que transcende o seu uso corrente para exprimir, num contexto determinado, uma ideia particular. Obviamente ele não deriva de uma escolha arbitrária; trata-se antes de uma inflexão particular, uma circunscrição precisa do seu campo semântico usual; ele não rompe, pelo menos não de imediato, com sua significação original, ou seja: articulado em um novo ambiente, ele não perde inteiramente o seu lastro de linguagem comum, podendo inclusive depender dele. Parece-me bem ser este o caso de ‘falsificação’ tal como empregado aqui. De fato, não será difícil perceber que termos como ‘adaptação’, ‘recriação’ ou ‘reapropriação’ parecem vagos demais, débeis e opacos demais para darem conta do fenômeno que aqui se quer nomear e explicar. Por sua vez, o termo ‘falsificação’ emerge com o apelo de uma das expressões mais correntes que ele compõe, isto é falsificação de moedas. É pois o universo da numismática que neste contexto fornece a metáfora perfeita de um procedimento literário e, por extensão, histórico, de primeira grandeza, e isto, de resto, examinadas de perto as suas implicações, não deve surpreender; com efeito, a moeda é, em sua materialidade e concretude, a síntese máxima do acordo formal entre os indivíduos de uma sociedade. Ela simboliza, por assim dizer, um pacto político e cultural. Falsificar dinheiro não significa apenas ‘adaptar’ ou ‘recriar’ o papel-moeda, mas fazer circular sob a mesma aparência um valor alterado. Uma moeda falsa, tal como o mito em seus ressurgimentos sucessivos, é e não é conforme a matriz que lhe empresta o modelo. Assim, no plano dos processos culturais, a falsificação, na medida em que constitui uma forma de contestação “do interior”, propõe uma “verdade alternativa” à verdade consensual da tradição. Por outro lado, a justificativa para o uso desse conceito não é tampouco deixada ao sabor das “associações livres”. Além de um exame atento do estatuto do pseudos – termo grego comumente traduzido por “falso” – na tradição antiga, a partir do qual se demonstra uma certa “flutuação” das noções de “falso” ou “mentira” e “verdade” ou “verdadeiro”, noções que o binarismo moderno tende a opor como antípodas inconciliáveis, a autora 28
lança mão ainda de duas evidências documentais que balizam a sua proposição. A primeira é a já referida estela de mármore encontrada nas ruínas da ágora de Atenas, datando seguramente dos últimos anos do século V a.C. O fragmento de lei que ela contém dispõe justamente sobre a forma como os atenienses lidavam com o problema da emissão de moedas cujo timbre oficial não era reconhecido ou que apresentavam um valor ponderal alterado. Busca-se demonstrar que também na esfera da economia e do curso legal do dinheiro, a clivagem entre “verdadeiro” e “falso” não é completa. A segunda dessas duas evidências é a tradição – muito controversa e com múltiplas implicações, convém dizer – relativa à biografia do filósofo cínico Diógenes de Sínope, que viveu no século IV a.C., cuja referência mais desenvolvida é uma passagem do livro VI (20-21) do tratado biográfico-filosófico Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres atribuído a Diógenes Laércio, cuja datação aproximativa e consensualmente admitida fica entre o final do século II e o começo do III d.C. A informação que colhemos no texto do biógrafo, entre uma quantidade razoável de versões que dispõem diferentes detalhes do fato, é que Diógenes Cínico teria chegado a Atenas exilado de sua Sínope natal por ali ter falsificado a moeda local, com a ajuda de seu pai que era banqueiro e responsável pelas operações de câmbio da cidade. Conta-se ainda, como um acessório jocoso do episódio, que Diógenes, por ocasião de uma consulta ao oráculo de Delfos (ou de Delos), havia recebido do deus a permissão para alterar os costumes; não compreendendo bem a mensagem, ele falsificou o dinheiro. Tudo se joga em torno do termo grego nómisma que significa ao mesmo tempo moeda, em seu sentido material (a peça metálica), e costume acordado ou instituído. O fato é que, segundo as fontes antigas, uma vez chegado a Atenas, Diógenes se converte à filosofia e faz da falsificação da moeda o lema de sua doutrina. Não creio ser impróprio ajuntar aqui uma informação suplementar: o episódio da falsificação da moeda na biografia de Diógenes de Sínope – sendo este episódio mesmo, muito provavelmente, produto de uma “falsificação” da história – parece constituir o calque de um dos mais icônicos dados da biografia de Sócrates, sobre o qual se assenta uma metáfora bem conhecida que Platão soube explorar. Assim, do mesmo modo que Sócrates, filho de uma mãe parteira, proclama a arte maiêutica (do grego maia, “parteira”) como o mé29
todo próprio de sua filosofia, que promove o parto não nos corpos mas nas almas, Diógenes, filho de um pai banqueiro, com a falsificação da moeda, contravenção de que é acusado e em razão da qual ele parte para o exílio, reivindica uma outra forma de falsificação, convertida na essência mesma de sua atividade filosófica: a subversão, isto é, a falsificação permanente dos valores estabelecidos, que faz acordar os homens do torpor a que os força a tradição – e o movimento que faz de um falsário um filósofo é já uma bela forma de subversão. Se toda filosofia tem por tarefa a busca da verdade, ainda que não a verdade, mas uma verdade possível e necessária, a falsificação de Diógenes conforta a tese que sustenta este livro. Como última palavra, já suspeitando de que este talvez seja mais um daqueles prefácios que, como afirmava Borges, lembrado por Gérard Genette em seus Paratextos Editoriais (ambos grandes especialistas na matéria), soam com a inutilidade – temperada, na melhor das hipóteses, com alguma elegância – dos discursos e brindes de final de banquete, em que por óbvio cada conviva saberá digerir, com as virtudes do próprio estômago, as iguarias que lhe foram servidas, eu deixo ao leitor a tarefa de decidir, ao fim de um percurso coerente e sedutor – de uma dansa bem conduzida –, de que maneira as “moedas falsas” deverão ser contabilizadas no tesouro que nos lega a história.
Introdução1
Falsificar é uma necessidade histórica. É esta a tese do presente trabalho dita em poucas palavras. Dá-se o nome, aqui, de processo de falsificação à retomada de histórias que questionam e desconstroem os mitos, reconstruindo-os. Ele responde à necessidade histórica de romper com o passado através do questionamento, por meio de histórias que informam o passado ao presente, mantendo-as como um caminho narrativo que permite a elaboração de questões que, justamente, nascidas no presente, não encontram respostas satisfatórias nas histórias já contadas no passado. Na tradição ocidental, são muitas as experiências narrativas em que o mito é revisitado para servir a um novo produto, a algo distinto do mito. Nessa tradição, observam-se momentos em que o mito serve à sua própria desconstrução, a partir da alteração de alguns de seus elementos constitutivos (como os mitos mesmos já fazem) e do questionamento desses elementos bem como de sua função. Se o mito é um termo amplo, com o qual se abrangem aspectos fundadores da tradição na qual ele se insere e da qual ele é, portanto, fundador, dessa capacidade de fundar e de seu movimento resulta algo que igualmente revela uma capacidade de se refundar. A escolha por uma palavra vasta, como no caso de “mito”, é proposital: apropria-se aqui da perspectiva dos antigos, não raro posta à avaliação moderna, que, em busca de organizá-la e esclarecê-la, se esforça por dividi-la em categorias. Dos mitos, interessam-nos por ora as histórias de heróis tantas vezes, e até hoje, repetidas.
1. A fim de que este primeiro texto seja mais confortável à leitura, as referências bibliográficas serão citadas apenas quando forem indispensáveis. O conteúdo desta apresentação é, no entanto, estendido no decorrer da pesquisa. Com isso, os autores aqui aludidos serão diretamente citados nos próximos textos.
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Agradecimentos
Ao longo dos quatro anos em que me dediquei à pesquisa de doutorado que aqui apresento em forma de livro, tive a sorte e a alegria de desfrutar do diálogo, sem o que nenhuma ideia tem valor, com professores e amigos pelos quais sinto profundo afeto. Em primeiro lugar, agradeço ao professor incomparável, historiador raro e orientador querido, Professor José Antonio Dabdab Trabulsi. Com ele, construí uma relação de aprendizado e amizade para a qual vou olhar com gratidão e respeito por toda a vida. Agradeço ao Professor François Hartog, que me acolheu para uma temporada de pesquisa de um ano na École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris). Durante 2015, graças à sua generosidade, pude frequentar seu seminário “La Temporalisation du Temps”, os ricos acervos da Biblioteca Gernet-Glotz e da Biblioteca da Rue d’Ulm da ENS, e contar, ainda, com sua preciosa interlocução. Agradeço ao Professor Pierre Ellinger, que também muito gentilmente me recebeu na Université Paris Diderot, em minha primeira estada de pesquisa em Paris, apresentando-me o Anhima (Anthropologie et Histoire des Mondes Antiques) e a Gernet-Glotz. Agradeço aos Professores Jacyntho Lins Brandão, Teodoro Rennó Assunção, Olimar Flores Júnior (querido amigo) e José Carlos Reis, que, ao lado do Professor Dabdab, sempre fizeram que o retorno à Universidade Federal de Minas Gerais valesse muito a pena. Agradeço ainda a dois professores que suavizaram os tempos longe daqui, como só sabem fazer os amigos. Com eles, José Newton Menezes e Juliana Gambogi, a cada encontro, ganhei e aprendi muito. Agradeço à amiga (e prima) Ana Catharina, que nos acolheu na França, a mim e ao Augusto, com amor feito de “caramel au beurre salé”.
formato: 15,5cm x 22,5cm | 456 p. tipologias: Minion Pro, Myriad Pro papel da capa: Supremo 250g/m2 papel do miolo: Chambril Avena 80g/m2 coordenação e produção editorial: Betânia Figueiredo diagramação: Edson A. Araujo Oliveira capa: Betânia Figueiredo e Edson A. Araujo Oliveira foto de capa: Google imagens revisão de textos: Rafael Guimarães Tavares da Silva