QUALIDADE DO ENSINO DE CIÊNCIAS NA VOZ DE PROFESSORES

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Qualidade do Ensino de Ciências na voz de professores

ORGANIZAÇÃO

Glória Regina Pessoa Campello Queiroz Alcina Maria Testa Braz da Silva Silvania Sousa do Nascimento Fernanda Ostermann Flavia Rezende


Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Glória Regina Pessoa Campello Queiroz, Alcina Maria Testa Braz da Silva, Silvania Sousa do Nascimento, Fernanda Ostermann, Flavia Rezende Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.

CIP-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj

Q23 Qualidade do ensino de ciências na voz de professores / organização Glória Regina Pessoa Campello Queiroz ... [et. al.]. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2016. 160 p. : il. ; 23 cm. ISBN 978-85-8054-310-0 1. Ciência - Estudo e ensino. 2. Professores - Prática de ensino. I. Queiroz, Glória Regina Pessoa Campello. II. Brasil. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. III. CNPq. 16-35735 CDD: 507 CDU: 5(07)

Con se lh o Ed itorial Cole ção EDVCERE Alfredo Macedo Gomes | UFPE Álvaro Luiz Moreira Hypolito | UFPEL Dagmar Elizabeth Estermann Meyer | UFRS Dalila Andrade Oliveira | UFMG Diana Gonçalves Vidal | USP Elizeu Clementino de Souza | UNEB Luiz Fernandes Dourado | UFG Wivian Weller | UNB

Fin o Traço Ed itora ltd a . Rua Nepomuceno 150 | Casa 3 | Prado | CEP 30411-156 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefone: (31) 3212-9444 finotracoeditora.com.br


Apresentação  7 Silvania Sousa do Nascimento

1  Qualidade: do debate teórico à perspectiva de professores do nível médio  15 Nathan Carvalho Pinheiro Josiane de Souza Fernanda Ostermann

2  Representações sociais e qualidade da educação  49 Alcina Maria Testa Braz da Silva Glória Regina Pessoa Campello Queiroz

3  Obstáculos à educação de qualidade: o que dizem os professores?  67 Viviane Florentino De Melo Rodrigo Drumond Vieira Fernando Da Costa Linhares Silvania Sousa Do Nascimento

4  Qualidade da educação científica na voz de seus protagonistas  79 Marcia Duarte Roberta Comissanha de Carvalho Luziane Beyruth Schwartz Flavia Rezende

5  Contribuições de uma disciplina CTS para a qualidade da Educação: um estudo de caso na formação inicial de professores  115 Laís Rodrigues Glória Queiroz

6  Em busca de qualidade no Ensino de Ciências: a importância dos temas sociocientíficos  135 Daniele da Silva Maia Gouveia Alcina Maria Testa Braz da Silva Sobre os autores e organizadores  153



Apresentação Silvania Sousa do Nascimento Faculdade de Educação – Universidade Federal de Minas Gerais

O livro Qualidade do Ensino de Ciências na voz de professores é o resultado de quatro anos de investigação de três núcleos de pesquisa que analisaram diferentes aspectos discursivos da fala de professores dos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O edital 2008 do Programa “Observatório da Educação” da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação, possibilitou que, nos anos de 2008 a 2012, fosse realizado o estudo transversal em diferentes escolas públicas brasileiras visando a compreensão dos currículos, dos objetivos educacionais, das metodologias de ensino a partir do ponto de vista da ação docente. A tensão vivenciada, no contexto escolar, em relação às dificuldades de ensinar e aprender as disciplinas de Ciências e Física remonta ao próprio processo de escolarização desses conteúdos. Esse é um problema multifacetado que incluiu o enfrentamento do fazer didático na formação dos professores, a condição docente em escolas públicas e privadas no ensino de conteúdos empíricos para além das múltiplas questões curriculares. Nossa pesquisa teve como núcleo central a organização de grupos focais nas cidades de Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ) e Porto Alegre (RS), nos quais professoras e professores do Ensino Médio debateram, por aproximadamente duas horas, suas impressões acerca da qualidade do ensino de ciências. Algumas das categorias que emergiram nessa discussão serão tratadas nos capítulos que apresentamos nesta obra. O Ideb (índice de desenvolvimento da educação básica) é o principal indicador que os governos brasileiros vêm usando para atribuir a qualidade de seus sistemas educacionais. Ele é calculado pela razão entre a nota média dos alunos na Prova Brasil, aplicada ao Ensino Fundamental, normalizada para 7


ser no máximo 10, e o tempo médio para a conclusão do ensino fundamental, normalizada para que na ausência de repetência o valor seja 1. Portanto, esse valor para cada escola, ou cidade ou estado depende exclusivamente dos resultados de seus estudantes em uma prova e das taxas de repetência registradas pelo Censo Escolar. Uma das maiores críticas que esse índice sofre é considerar apenas duas variáveis, em um processo tão complexo como o fenômeno educacional. Mas o que os profissionais da educação acham desse indicador? Esta é uma das questões que buscamos discutir. A primeira década do século XXI foi marcada pela divulgação de resultados de testes de desempenho escolar, relacionando principalmente os baixos resultados apresentados nos diferentes indicadores à qualidade do ensino e, consequentemente atribuindo uma classificação para as escolas. Instalou-se assim uma cultura do desempenho focado principalmente na divulgação das falhas e lacunas presente no processo educativo e na comparação dos escores entre as escolas. Poucas discussões avaliaram as circunstâncias que geram o sucesso de algumas escolas em detrimento de outras. Nos capítulos contidos nesta obra, os discursos dos professores e professoras em exercício foram analisados na busca de saber quais atributos eles usam para definir a qualidade no ensino de ciências em sua condição docente. No primeiro capítulo Qualidade: do debate teórico à perspectiva de professores do nível médio, os autores Nathan Carvalho Pinheiro, Josiane de Souza e Fernanda Ostermann debatem o tema no contexto gaúcho. Eles iniciam com uma revisão parcial da literatura destacando os diferentes pontos analíticos apresentados em periódicos da área de Educação e do Ensino de Ciências e Matemática para o Ensino Médio. As diversas concepções da ideia de qualidade em educação são apresentadas passando pelo enfrentamento histórico da universalização do acesso à educação pela juventude brasileira, iniciado na segunda metade do século XX. Os autores finalizam essa discussão com a crítica aos modelos importados de Qualidade Total que perpetuaram, de certo modo, estratégias de responsabilização e classificação das escolas. Muitos interesses provocam o deslocamento do discurso para o conceito de educação de qualidade. Novamente o aspecto discursivo, por um lado, é usado para destacar a composição de discursos hegemônicos esvaziados de significados, mas que geram grande adesão da opinião pública. Por outro lado é problematizado a responsabilização da escola por problemas sociais 8


como o aumento da criminalidade, desemprego e corrupção e não pelo aumento do poder aquisitivo das classes trabalhadoras ou pela mobilidade social vivenciada nos últimos anos. O conceito de qualidade da educação, central nas duas últimas décadas, concluem os autores é polissêmico e a definição de indicadores qualitativos ou quantitativos para o mesmo vem gerando vasta pesquisa em diferentes campo científicos. Aprofundando o contexto dos professores e professoras de Porto Alegre, os autores elencam suas opiniões sobre a aplicação do conceito de qualidade e suas principais características nas disciplinas de Ciências e Física. Dois grupos focais foram organizados, divididos em quatro momentos que se diferiam ligeiramente. Na voz dos professores e professoras há uma “desconfiança” no processo externo de aferição da qualidade do ensino, e um deslocamento para o produto e não para o processo com uma “preocupação quantitativa”, exemplificados nas divulgações de resultados como ENEM, SAEB e o SAERS. Em relação ao currículo da educação de qualidade, o aspecto que os professores mais enfatizaram foi sua dependência à boa formação do professor para além da complementação do conteúdo disciplinar. Essa formação implica em um amplo repertório de estratégias didáticas e da integração de conteúdos disciplinares. Representações sociais e qualidade da Educação de Alcina Maria Testa Braz da Silva e Glória Regina Pessoa Campello Queiroz, é o segundo capítulo e inicia-se com a discussão entre qualidade e equidade da educação. Neste contexto conceitos como empoderamento individual e coletivo e interculturalidade vão permear a discussão sobre a oferta de oportunidades equitativas de escolarização. Os resultados trazem discursos de professores e professoras da cidade do Rio de Janeiro partindo da hipótese que esses são “os mais imediatos difusores das “novidades” educacionais”. A Teoria das Representações Sociais auxilia a compreensão dos diversos significados construídos sobre “qualidade do ensino de Ciências”, e como cada professor, integrante de um grupo profissional, constrói suas representações sobre o que é qualidade de ensino ao longo da interação com o entorno sociocultural. As redes semânticas construídas com o software Atlas TI, apontaram que o tema qualidade se encontra presente nos discursos dos professores participantes a partir dos obstáculos ao seu alcance, os quais aparecem associados aos elementos do cotidiano escolar, à dimensão curricular, aos percursos formativos e às políticas públicas. 9


Interessante o destaque aos obstáculos associados ao cotidiano escolar de qualidade definidos entre outros, pela necessidade de reflexão sobre a própria prática docente e pelo fator motivacional, tanto para o professor, professora como para o aluno. Já os obstáculos referentes à dimensão curricular estão explicitados na necessidade de repensá-lo em sua dimensão estrutural. Outros obstáculos são descritos pelos professores e professoras no capítulo. Em conclusão as autoras sugerem que os processos representacionais, envolvidos na apropriação, significação e legitimação do tema qualidade, resultam em um conjunto de imagens e conceitos que se materializa nos obstáculos identificados pelos docentes no impacto que imprimem às suas ações, condutas, comunicações e práticas sociais. O terceiro capítulo: Obstáculos à educação de qualidade: o que dizem os professores? de Viviane Florentino de Melo, Rodrigo Drumond Vieira, Fernando da Costa Linhares e Silvania Sousa do Nascimento aplicam uma metodologia que relaciona as orientações aos procedimentos emergentes no discurso em contexto do grupo focal da cidade de Belo Horizonte. A transcrição dessas falas foi segmentada em “clips” de uma mesma dominância discursiva: dialogal, argumentativa, discursiva, explicativa, narrativa, descritiva ou injuntiva. O capítulo focaliza os obstáculos a uma educação de qualidade presentes na narrativa dos professores e professoras participantes. Duas grandes categorias de obstáculos emergiram: a própria prática docente e a dependência das políticas públicas. Uma terceira categoria apresenta os obstáculos contextuais como a centralidade da responsabilização do professor pelo desempenho dos alunos e os constrangimentos pedagógicos aos quais esse profissional é submetido. A predominância da orientação narrativa nos informa do caráter pouco controverso do resultado desse grupo focal. A baixa incidência das orientações explicativas, argumentativas e injuntivas representam a criação de um espaço discursivo do relato da prática docente e seu enfrentamento ao cotidiano escolar. A análise das narrativas aponta que a maioria dos obstáculos a uma educação de qualidade é atribuída à prática docente. Nas falas dos professores e professoras imperam uma responsabilização pelo processo de aprovação continuada sem garantias de cumprimento da transmissão de um conteúdo considerado excessivo. Outra responsabilização é relativa à reprodução de estratégias didáticas tradicionais sem ampliar um repertório de ofertas de aprendizagem ao alunado. 10


Qualidade da educação científica na voz de seus protagonistas de Marcia Duarte (in memoriam), Roberta Comissanha de Carvalho, Luziane Beyruth Schwartz e Flavia Rezende, no quarto capítulo, introduz uma perspectiva histórica ao tema da qualidade da educação científica. As autoras destacam que as origens estadunidenses, calcadas na eficiência do ensino de ciências e justificadas na corrida espacial, marcam ainda a distinção social dada à área, assim como a ênfase aos aspectos epistemológicos e metodológicos da pesquisa no ensino da área. Elas afirmam que há um consenso ao atribuir a qualidade do ensino de ciências ao seu aprendizado, medido pelo desempenho do aluno, sem problematizar outros fatores do processo de garantia de uma educação de qualidade. Para pensar no processo, elas buscam trazer a perspectiva do falante para a análise. Tal perspectiva introduz a direcionalidade responsiva das interações e a alteridade do discurso. As autoras dialogam com outros autores que consideram o discurso pedagógico em suas dimensões epistemológica, política e social o que possibilita avaliar o discurso docente a partir de recontextualizações produzidas nos diferentes universos socioculturais. O capítulo analisa dados empíricos construídos a partir de um grupo focal e a partir de entrevistas, buscando as perspectivas dos falantes e processos de recontextualização. O grupo focal é formado a partir da fala de nove professores de nível médio de escolas públicas e privadas do Rio de Janeiro. Um resultado de destaque nas falas é a falta de qualidade do ensino de ciências ligada ao anacronismo do currículo e da escola frente ao cotidiano dos alunos. Na discussão, foi possível perceber uma tensão entre os professores que acreditam que tecnologizar o ensino de ciências o salvaria desse anacronismo e aqueles que o negam. Há ainda a tensão sobre o currículo visando aos exames oficiais ou aquele preocupado em favorecer a construção de um conhecimento útil à realidade do aluno. Uma outra tensão relaciona o trabalho do professor caracterizado pela falta de mobilização e comprometimento frente ao que o posiciona enquanto militante pela qualidade, independente das condições dadas aos docentes. No que diz respeito às políticas educacionais, a aprovação automática e a distribuição de laptops no município do Rio de Janeiro foram mencionadas e criticadas. Outro conjunto de dados está relacionado aos professores que atuam da Educação profissional. Neste contexto foram realizadas entrevistas com 11


seis professores de nível médio de duas escolas públicas de educação profissional do Rio de Janeiro, a fim de apreender sentidos atribuídos à qualidade da educação científica. A qualidade apresenta sentidos divergentes para os docentes dessas duas escolas. Uns construíram sentidos para a qualidade a partir de valores e de suas práticas docentes, enquanto outros a atribuíram à formação técnica do alunado. Um destaque é dado ao silenciamento, nas falas desses professores durante as entrevistas, de tensões envolvidas na atual política de expansão da educação profissional e da problematização das propostas oficiais de governo na produção de sentidos para a qualidade. O capítulo analisa ainda a presença das TIC no contexto do discurso da qualidade da educação a partir da entrevista com uma professora de ciências de uma escola pública federal com ampla infraestrutura para o uso das TIC, coordenadora do laboratório de informática dessa escola e também atuante em uma escola privada. A análise permitiu apreender diferentes sentidos da relação entre as TIC e a qualidade da educação científica e compreender que essa relação é conformada, no seu discurso, pelas diferentes realidades educacionais e sociais em que as TIC estão inseridas. No caso da escola pública, a qualidade do ensino não seria prejudicada se o professor não fizer uso das TIC. Já na escola privada, ela enfatiza que as TIC são recursos efetivos para manter a qualidade do ensino e os professores são obrigados a usá-los. Com foco nos processos de recontextualização instituídos pelos docentes, um novo conjunto de dados é apresentado agora de duas escolas públicas estaduais localizadas em bairros de classe média baixa do subúrbio do Rio de Janeiro: uma de ENEM alto e outra de ENEM baixo. Seis professores foram entrevistados: um professor de Física, um de Química e um de Biologia da primeira escola e um professor de Física, um de Química e um de Biologia da segunda escola. Para ambos os grupos, a qualidade do ensino seria medida pelo quanto o ensino de ciências está atendendo às exigências econômicas. Entretanto, percebemos diferenças no processo de recontextualização desse discurso, conformadas pela realidade sociocultural de cada escola. Para as professoras da escola de ENEM alto, a qualidade é medida com base nos resultados obtidos nos exames oficiais e a qualidade da sua escola é exaltada ao denunciarem a distância entre sua realidade e a das demais escolas públicas. Já para os professores da escola de ENEM baixo, a qualidade da educação se configura, inicialmente, a partir da desqualificação da sua escola em relação às demais escolas públicas ou privadas, em função da falta de condições 12


de aprendizagem da clientela. Também atrelam o sentido de qualidade ao desempenho do alunado em exames externos à escola e justificam a falta de qualidade pelo determinismo socioeconômico que atinge irremediavelmente o alunado. É destacada do conjunto de estudos, com vistas a ampliar a discussão sobre a qualidade da educação científica, uma tensão que perpassa o discurso de muitos docentes: de um lado, a preparação da força de trabalho e de outro, a formação integral, para todos e todas. O quinto capítulo: Contribuições de uma disciplina CTS para a qualidade da Educação: um estudo de caso na formação inicial de professores de Laís Rodrigues e Glória Queiroz aporta sua colaboração aproximando a abordagem em Ciência, Tecnologia e Sociedade do debate sobre a qualidade da Educação. Os argumentos apresentados pelas autoras partem da análise de uma disciplina de caráter optativa, oferecida em 2012, aos alunos do curso de Física da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, na qual foram desenvolvidos e aplicados projetos nessa abordagem, envolvendo diversos campos de produção de conhecimento (Ciência, Arte, Filosofia) em parceria com escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. O capítulo analisa cinco projetos desenvolvidos e aplicados durante a disciplina: Projetos CTS: Alternativa para se trabalhar temas sociais nas aulas de Física no Ensino Médio; Portinari no Ensino de Física: Uma abordagem CTS-Arte no Ensino Médio; Relato da Primeira Experiência Docente: Uso do Enfoque CTS para Lecionar Sobre Física de Partículas; Relatório Final das Aulas sobre Projetos CTS e Ciência e Arte Moderna – Ciência, Guerra e Paz: Um Projeto de Ciência, Tecnologia e Sociedade” Os autores desses cinco projetos foram entrevistados e uma rede semântica composta de 21 códigos, utilizando recursos do AtlasTI, foi elaborada a partir da transcrição das mesmas. Todos esses códigos relacionam-se, mesmo que indiretamente, à valorização da profissão docente. As autoras identificam que nas falas desses estudantes o orgulho da profissão é necessário para o desenvolvimento de uma educação de qualidade. Elas consideram igualmente que os projetos apresentaram um alto índice de aceitação pelos alunos de escolas básicas, que puderam desenvolver materiais e se sentiram parte da própria pesquisa. Esta característica estimulou a cooperação entre os alunos, auxiliando os licenciandos a assumirem uma responsabilidade política e ética diante dos assuntos abordados. Outra contribuição importante no âmbito da formação inicial de professores foi o engajamento dos licenciandos em 13


projetos que estimulam a pesquisa no ensino de Física, tendo essa mudança de posição do licenciando para pesquisador contribuído significativamente para a reflexão sobre sua prática. Finalmente o último capítulo: Em busca de qualidade no Ensino de Ciências: a importância dos temas sociocientíficos de Daniele da Silva Maia Gouveia e Alcina Maria Testa Braz da Silva trabalha com temas sociocientíficos enquanto tentativa de superação da fragmentação do conhecimento científico escolar. O capítulo apresenta parte da dissertação realizada no Mestrado Profissional em Ensino de Ciências do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro. A pesquisa se deu por meio de uma abordagem qualitativa e foi realizada através da aplicação de um questionário diagnóstico constituído por cinco questões semiestruturadas. No capítulo é analisada somente a última questão que apresenta o levantamento dos temas CTSA de interesse de trinta estudantes do nível médio em turmas da Educação de Jovens e Adultos em duas instituições públicas. Ao definirem 5 temas de interesse, os estudantes da escola regular apontaram a saúde como tema de maior interesse, no entanto na outra escola, profissionalizante, metade dos respondentes apontaram este mesmo tema. O capítulo analisa sob diferentes perspectivas esse resultado, entre outros, e problematiza a contribuição de temas de CTSA na formação científica multidimensional. A relevância da contextualização e a pertinência dos temas são levantadas como contribuições importantes para a ampliação de oportunidade educativas desses estudantes. Concluímos esta apresentação retomando a polissemia do conceito de qualidade nos mais diferentes contextos no qual ele aparece. O projeto buscou, em suas análises, promover a escuta qualificada dos professores e professoras das disciplinas científicas. Os elementos discursivos levantados nesses seis capítulos nos apontam uma forte recontextualização dos indicadores objetivos considerados como mais um dos constrangimentos aos quais os docentes são submetidos. Para além do silenciamento dos alunos na leitura dos resultados desses indicadores, a pesquisa aponta um forte engajamento do docente na atribuição da qualidade no ensino de ciências a partir de análise processual e multidimensional de sua prática docente. Dessa fora esperamos contribuir para o aprofundamento dessa questão e da visibilidade dos atributos considerados pela condição docente para a definição de uma Educação de Qualidade. 14


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Qualidade: do debate teórico à perspectiva de professores do nível médio Nathan Carvalho Pinheiro Josiane de Souza Fernanda Ostermann

Introdução O conceito de qualidade da educação ganhou notável centralidade no campo educacional nas últimas duas décadas. A crítica à qualidade da educação brasileira e a defesa de uma (em geral vagamente definida) educação de qualidade são os pontos em comum entre os discursos de praticamente todos os atores sociais que participam do debate, “desde as declarações dos organismos internacionais até as conversas de bar, passando pelas manifestações das autoridades educacionais, as organizações de professores, as centrais sindicais, as associações de pais, as organizações de alunos, os porta-vozes do empresariado e uma boa parcela dos especialistas” (ENGUITA, 1996, p. 95). Depois de oficializado nos textos das políticas públicas, sistematizado de diversas formas em indicadores quantitativos, o conceito de qualidade se tornou objeto de pesquisa, sendo tema de diversos artigos em periódicos de educação. Porém, na área de pesquisa em ensino de ciências e matemática, tão carente de pesquisas relacionadas às políticas públicas e à conjuntura social da educação científica, é difícil encontrar trabalhos sobre o tema. Com objetivo de avançar nessa direção, um grupo de pesquisadores de diferentes universidades espalhadas por três estados do Brasil (UFRGS, UFMG, UFRJ, UERJ, Unirio, Universo) resolveu se unir para construir um

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projeto de pesquisa amplo intitulado “Ensino de ciências de qualidade na perspectiva dos professores de nível médio”, apoiados pelo Ministério da Educação através do programa Observatório da Educação1. O objetivo era avançar na compreensão sobre o que o tema da educação de qualidade traz de específico para a educação científica, e fazer isso partindo da perspectiva de professores em atuação nas disciplinas científicas de nível médio. Para tal foram realizados e registrados grupos focais nos três estados, que foram analisados a partir de diferentes abordagens teóricas e metodológicas. O presente capítulo diz respeito à análise dos dados coletados no núcleo Rio Grande do Sul. Entretanto, uma tarefa preliminar na interpretação do discurso dos docentes é a compreensão geral do objeto dele, ou seja, da natureza do debate sobre qualidade na educação. De fato, o conceito qualidade é tão polissêmico que uma pesquisa que seja orientada por ele pode estar discutindo quase qualquer coisa. Daí a necessidade de delimitar alguns de seus possíveis sentidos, e discutir a conveniência de tomá-lo como objeto de estudo. Ao fazer isso estamos reconhecendo a discussão sobre qualidade na educação como um fenômeno sociológico singular, fenômeno esse que se generalizou nas mais diferentes esferas do mundo social nas últimas décadas, inclusive na vida cotidiana, e é inclusive por isso que, ao planejarmos o delineamento deste trabalho, assumimos que nossos sujeitos de pesquisa teriam condições de formular um discurso sobre ele. Esse fenômeno se alastrou também pelo campo da pesquisa em educação e, inclusive, foi percebido como um fenômeno dentro dela. Assim, o fenômeno que atingiu a pesquisa em educação se tornou também objeto de estudo da própria pesquisa em educação, e é justamente por isso que há uma parcela da produção própria nessa área que nos ajudará a reconhecer, delimitar, e compreender um pouco mais sobre esse fenômeno. Curiosamente o mesmo efeito não se verificou nos periódicos da pesquisa em ensino de ciências, sendo que é quase impossível encontrar trabalhos que tratem a emergência dos debates em torno da educação científica de qualidade, e quando o fazem se limitam a um âmbito muito restrito, por exemplo, um programa governamental em particular. É justamente por isso que recorreremos a diversos referenciais da 1. EDITAL n° 001/2008 - CAPES/INEP/SECAD.

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pesquisa educacional, que não direcionam seu olhar necessariamente para o ensino de ciências, no intuito de facilitar o reconhecimento, delimitação e a compreensão do nosso objeto de estudo. O que apresentaremos neste capítulo é uma revisão parcial da literatura em que recorremos, a publicações da área de educação para tentar compreender melhor o debate sobre qualidade nessa área. Percorremos edições dos periódicos Cadernos de Pesquisa, Dados, Caderno CEDES, Educação & Sociedade e Pro-Posições, todas classificadas como A1 no Qualis da CAPES. Buscamos artigos que discutissem o conceito de qualidade em educação, ou de educação de qualidade, como tema central; e que abordassem esse assunto independente do nível de ensino, ou que fossem voltados para o Ensino Médio. Foram excluídos dessa revisão artigos que tratassem especificamente de outros níveis do sistema educacional, que abordassem os temas de forma periférica, ou que discutissem a qualidade de fatores específicos relacionados à educação, como qualidade da educação a distância ou da formação docente por exemplo. A restritividade se justifica pela grande quantidade de artigos sobre o tema, e por termos priorizado uma revisão mais completa nos periódicos da área de Ensino de Ciências e Matemática. Além desses artigos, subsidiaram o presente capítulo os artigos publicados no livro Neoliberalismo, qualidade total e educação, organizado por Gentili e Silva (1996), e outros trabalhos que eram referenciados em alguma dessas fontes e que pareceram particularmente importantes. Uma das consequências da amplitude semântica do termo qualidade que complexifica a interpretação dos artigos selecionados é que, embora esteja claro que de fato se multiplicaram as referências à qualidade da educação na pesquisa especializada, essas referências podem corresponder a sentidos muito diferentes do conceito. Assim, pesquisas que aparentemente se debruçam sobre um mesmo fenômeno da qualidade da educação frequentemente, sob um olhar mais acurado, revelavam estar lidando com fenômenos distintos. No intuito de operacionalizar a síntese que apresentamos neste capítulo, classificamos os artigos em três categorias: (1) Artigos que estudam qualidade em um sentido abrangente, entendendo qualidade como aquilo que caracteriza um estado almejado da educação em um dado contexto. Artigos dessa categoria apresentam propostas de o que deve ser considerada uma 17


Sobre os autores e organizadores

Alcina Maria Testa Braz da Silva Física pelo Instituto de Física, Mestre em Engenharia e Ciências dos Materiais pela COPPE e Doutora em Educação pela Faculdade de Educação. Todos os títulos obtidos na Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Atualmente é docente do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Ciência, Tecnologia e Educação/PPCTE do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca-CEFET-RJ.

Daniele da Silva Maia Gouveia Doutoranda em Ciência, Tecnologia e Educação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca-CEFET-RJ e Mestre em Ensino de Ciências pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia IFRJ. Atualmente é professor de Ciências e Biologia no Ciep 225 Mario Quintana e na Escola Municipal Waldemar Falcão, Rio de Janeiro.

Fernando Da Costa Linhares Licenciado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Mestre em Educação e Doutorando em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professor na Escola Estadual Professor Hilton Rocha, Minas Gerais.

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Flavia Rezende Licenciada em Física e mestre em Educação pela UFRJ e doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora associada aposentada do NUTES-UFRJ e atualmente professora colaboradora do Programa de Pós Graduação em Ensino de Física do Instituto de Física da UFRGS. Pesquisadora do CNPq na área de Educação.

Fernanda Ostermann Licenciada em Física, mestre e doutora em Física, na área de ensino de Física, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS. Professora associada do Departamento de Física e docente permanente do Programa de Pós Graduação em Ensino de Física do Instituto de Física da UFRGS. Pesquisadora do CNPq na área de Educação.

Glória Regina Pessoa Campello Queiroz Física pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ, Mestre em Ciência dos Materiais pelo Instituto Militar de Engenharia-IME e Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-PUC – Rio. Professora aposentada da Universidade Federal -UFF e atualmente Professora Adjunta no Instituto de Física da UERJ, sendo do quadro permanente do programa de Pós-Graduação Ciência, Tecnologia e Sociedade do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca-CEFET-RJ.

Josiane de Souza Física formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS, mestre na área de Ensino de Física pela mesma instituição. Atualmente é doutoranda em Ensino de Física pela UFRGS e docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná -IFPR.

Laís Rodrigues Física e mestre em Ciência, Tecnologia e Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro- UERJ. Atualmente é doutoranda pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET-RJ. 154


Luziane Beyruth Schwartz Mestre em Educação Matemática pela Universidade Santa Úrsula (RJ) e Doutora em Educação em Ciências e Saúde pela Universidade Federal do Rio de Janeiro -UFRJ. Atualmente é Professor EBTT - Ensino Básico Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro- IFRJ.

Marcia Duarte Graduada em Educação Física e em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. Mestre em Educação em Ciências e Saúde pelo NUTES-UFRJ, pós-graduada em Educação Pré-escolar (Instituto Isabel), em Educação Psicomotora (EEFD/UFRJ) e em Informática na Educação (Universidade Federal de Lavras).

Nathan Carvalho Pinheiro Físico pela Universidade de Brasília-UnB e mestre em Ensino de Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul- UFRGS. Atualmente é doutorando em Ensino de Física na UFRGS e professor assistente na Universidade de Brasília.

Roberta Comissanha de Carvalho Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRJ e mestre em Educação em Ciências e Saúde pelo NUTES-UFRJ. Atualmente atua como docente da Educação básica das redes privada e pública do Rio de Janeiro.

Rodrigo Drumond Vieira Físico pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, mestre e doutor pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense-UFF.

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Silvania Sousa Do Nascimento Física pelo Departamento de Física da UFMG , mestre em Ensino de Ciências (Modalidade Física e Química) pela Universidade de São Paulo-USP e doutora em Didática das Disciplinas de Ciências e Tecnologias pela Universidade de Paris VI. Atualmente é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UFMG. Pesquisadora do CNPq na área de Educação.

Viviane Florentino De Melo Química pela Fundação Universidade de Itaúna e mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense-UFF.

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15,5cm x 22,5cm | 160 p. Minion Pro, Myriad Pro p ap e l d a cap a : Supremo 250g/m2 p ap e l d o m iolo : Chambril Avena 80g/m2 form ato :

tip olog ias :

Marina Oliveira & d iag ram ação : Peter de Andrade foto d e cap a : Google images rev isão d e te x tos : Cláudia Rajão p rod u tor e d itorial: cap a



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