Mulheres trabalhadoras: (in)visíveis?
Orgs.
Patrícia Vieira Trópia Tania Ludmila Dias Tosta Eliane Gonçalves Maria Lúcia Vannuchi Márcio Ferreira de Souza
Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Patrícia Vieira Trópia, Tania Ludmila Dias Tosta, Eliane Gonçalves, Maria Lúcia Vannuchi, Márcio Ferreira de Souza Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.
CIP-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj M922 Mulheres trabalhadoras : (in) visíveis? / organização Patrícia Vieira Trópia ... [et al.]. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço 2016. 208 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-8054-303-2 1. Mercado de trabalho - Diferenças entre os sexos. 2. Mulheres - Condições sociais. 3. Feminismo. I. Trópia, Patrícia Vieira. 16-33660 CDD: 305.42 CDU: 316.346.2-055.2
con se lh o e d itorial Cole ção
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Elisa Pereira Reis | UFRJ Leopoldo Waizbort | USP Renan Springer de Freitas| UFMG Ruben George Oliven | UFRGS
Fin o Traço Ed itora ltd a . Rua Nepomuceno 150 | Casa 3 | Prado | CEP 30411-156 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefone: (31) 3212-9444 finotracoeditora.com.br
Prefácio 7 Apresentação 17
1 “Feminismos, trabalho e ação coletiva: teorias, pesquisas e práticas sociais” 19 Eliane Gonçalves Patrícia Vieira Trópia Maria Lúcia Vannuchi Márcio Ferreira de Souza Tania Ludmila Dias Tosta
2 (In) Visíveis: gênero, emoções e violências no trabalho 39 Angelo Soares
3 Trabajo y Género: Perpectivas de Investigación sobre los Sindicatos en Francia 65 Sophie Béroud
4 Trabalhadoras Domésticas: Nossas Conquistas, Nossas Histórias 79 Creuza Oliveira
5 Representações de Gênero no Mundo do Trabalho: A Incorporação Normativa do Gênero pela Mídia 91 Rafaela Cyrino Peralva Dias
6 Relações de Trabalho e de Gênero nos Ramos de Teleatendimento e de Comércio Varejista de Super e Hipermercado 111 Taís Viudes de Freitas
7 Flexibilidade (ou Rigidez) Produtiva, Condições de Trabalho e Subjetividade das Trabalhadoras em Indústrias Metalúrgicas de Eletroeletrônicos 131 Thaís de Souza Lapa
8 Au Pair: Migração e Trabalho do Cuidado (Care) 151 Michelle Franco Redondo
9 Ofício? Escrever: A Contribuição de Virginia Woolf para uma Reflexão sobre o Trabalho da Mulher como Escritora 171 Tainah Freitas Rosa
10 Envelhecimento e Gênero: Como o Gênero é Apresentado em Diferentes Contextos para se Envelhecer 185 Silvana Maria Bitencourt Sobre os autores 207
Prefácio
As relações sociais e os recursos concernentes ao mundo do trabalho estão abertos ao exame das ciências humanas e sociais mediante diversas perspectivas e repertórios. Dentre algumas chaves de análise figura a intersecção com características que, embora originadas numa dimensão biológica, acarretam distinções e transformações no contexto mais amplo do mundo do trabalho: sexo, raça e idade. A morfologia sexual inscreve-se na vida social a partir de rituais de nomeação, laicos ou sacros; a grande maioria dos nomes refere-se a homens ou a mulheres. A partir daí constituem-se os arranjos sexuados, em âmbito doméstico, as brincadeiras infantis diferenciadas, a construção de identidades masculinas ou femininas, originando distinções correlatas nos contextos da educação escolar e na esfera pública. No mundo do trabalho emergem nichos sexuados, como na educação em nível básico, preponderantemente feminina e os serviços em áreas técnicas de nível superior, sobretudo exercidos por homens. Porém considero, acatando a conhecida formulação de Helena Hirata e Danielle Kergoat, que a questão de gênero, como construção social a partir de diferenças sexuais, torna-se pertinente à análise do trabalho não somente quando se constata a diferenciação entre atividades tipicamente direcionadas, mas quando se reconhece uma hierarquia entre essas atividades, historicamente estabelecida e mantida,cuja consequência mais conhecida é o desnível de rendimentos desfavorável às mulheres no exercício das mesmas funções. Certamente há também consequências importantes derivadas de diferenças raciais ou geracionais, para ficarmos apenas no terreno das intersecções com o domínio biológico, no mundo do trabalho, mas nenhuma destas incide sobre a trajetória biográfica de forma tão marcante, na orientação do comportamento social, quanto as diferenças sexuais moduladas por construções de gênero.
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Este livro enfoca, sob diferentes perspectivas e nuanças, questões de trabalho e gênero. Está relacionado a um evento, que registrou em 2014 sua quinta edição: o Seminário de Trabalho e Gênero (doravante STG). Tornase coerente, neste prefácio, rememorar os eventos e iniciativas similares que o antecederam, assim como alguns de seus produtos que transcenderam a usual apresentação dos anais, como livros e dossiês sobre a temática em periódicos. Optei por destacar alguns temas que foram recorrentes na trajetória da organização desses eventos e outros contingencialmente valorizados, apenas tangenciando os fatos e transformações no mundo do trabalho que motivaram sua valorização na comunidade de pesquisadores/as. Distante, certamente, de algo como reconstruir o estado da arte na temática, parto aqui de uma identificação seletiva e subjetiva das motivações que me conduziram, juntamente com colegas interessados/as na temática, a organizar, em 2006, a primeira edição do STG. Suponho que compartilhar essa identificação possa incentivar outros/as pesquisadores/as, ativistas e profissionais na área de ciências sociais e correlatas a analisar questões de gênero e trabalho, desenvolvendo práticas em diversos contextos, como no sindicalismo, associativismo, em políticas públicas ou movimentos sociais, além de formular novas teorias e reconstruções metodológicas que renovarão o instrumental analítico nessa área. O trabalho doméstico constitui, sem dúvida, um tema recorrente, se não a própria questão fundadora em todos os eventos e produções relativos a trabalho e gênero. Sua origem no Brasil provavelmente remeta ao seminário “A mulher na força de trabalho na América Latina”, promovido em 1978 pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ. Discutia-se a relação entre o trabalho em atividades domésticas, realizado pelas mulheres e o trabalho externo, em domínio público, problematizando não somente o trabalho doméstico remunerado, mas o uso do tempo por homens e mulheres em todas as suas atividades cotidianas, desde aquelas relacionadas à reprodução das relações domésticas quanto as de trabalho e lazer. Do seminário resultou a publicação, em 1984, do livro Mulheres na força de trabalho na América Latina, organizado por Neuma Aguiar.
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Os desdobramentos do evento não se limitaram ao mundo acadêmico, mas conduziram organismos voltados à coleta de dados para a realização de políticas públicas, como o IBGE e o MTE, a reconsiderar os requisitos para a identificação do chefe de família e criar variáveis paracontabilizar a ocorrência e tempo empregado em afazeres domésticos. Sob o aspecto institucional, o evento de 1978 impulsionou também a constituição do GT “A mulher na força de trabalho” na Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais, criada em 1977. Dentre as pesquisadoras que apresentaram comunicações no GT estava Alice de Paiva Rangel, em 1979, quando ainda realizava sua pesquisa pioneira sobre o trabalho feminino na indústria de confecção, com destaque para o trabalho a domicílio de costureiras isoladas. Alice iniciava um campo de pesquisa que mais tarde viria a se alargar e diversificar com a globalização da economia e a flexibilização das jornadas de trabalho, abrindo espaço para formas de trabalho associadas à subcontratação, informalidade e, no limite, precarização, como o teletrabalho doméstico e, recentemente, o “home office”. No mesmo GT também se evidenciava uma vertente de análise, na fronteira com a demografia e com suporte na história econômica, que relacionava a estrutura da família com as ocupações no mercado de trabalho e os efeitos da industrialização na estrutura do emprego feminino, envolvendo pesquisadoras que se tornariam expoentes na articulação de ideais feministas à análise de trabalho e gênero, como Heleieth I. B. Saffioti e a própria Neuma Aguiar. A pesquisa da relação entre o trabalho produtivo ou reprodutivo em âmbito doméstico tem aplicabilidade no desenvolvimento de políticas públicas de trabalho, renda e conciliação e, nesse aspecto, recorre a bases de dados governamentais como a PNAD, a PME, o Censo e a RAIS. O GT “A mulher na força de trabalho” abrigou também comunicações nas áreas correlatas de economia ou demografia, inicialmente empregando estatística descritiva, em levantamentos transversais ou originais,criando tabelas de contingência e gráficos. Recentemente, as análises vieram a incorporar modelos econométricos mais avançados,como os de decomposição de diferenças de rendimentos ou os modelos de regressão quantílica. Entretanto, até os anos 1990 imperou a estatística descritiva, como ocorreu nos trabalhos apresentados durante o seminário “Trabalho e Gênero: mudanças, permanências e desafios”, 9
iniciativa da ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais), realizado em abril de 1998 na cidade de Campinas-SP. Desse evento, primeiro em que a temática foi designada especificamente, resultou um livro com o mesmo título, organizado por Maria Isabel Baltar da Rocha e publicado em 2000. A coletânea “Trabalho e Gênero: mudanças, permanências e desafios” inclui primeiramente análises sobre a dinâmica e o perfil do mercado de trabalho que se tornaram seminais, sob o enfoque de gênero, levando em conta as então recentes transformações no mundo do trabalho, tais como vivencidadas no Brasil, como a reestruturação produtiva e a flexibilização das formas contratuais e relações de trabalho. Os trabalhos provinham não somente de instituições acadêmicas, mas também de centros e núcleos de pesquisa constituidos nas universidades, como o CESIT e o CEDEPLAR, além de instituições direta ou indiretamente relacionadas com o mundo do trabalho e as políticas públicas correlatas, como MTE, DIEESE, CEBRAP, IPEA e pesquisador@s com atividades geralmente interinstitucionais e conveniadas, como Cristina Bruschini, Lena Lavinas e Paula Montagner. A pergunta presente em uma das comunicações ilustra um dos principais eixos do evento e também a incidência da feminização no mercado de trabalho brasileiro à época: onde estão as mulheres que começaram a trabalhar na esfera pública? Como ficaram os afazeres domésticos (cuidados, limpeza, cozinha etc.), foram conciliados, abandonados ou delegados a empregadas/ os domésticas/os? O tema do trabalho doméstico e suas derivações, como o trabalho em domicílio, as políticas e práticas de conciliação e trabalho em cuidados de proximidade (care) esteve presente em todas as cinco edições do STG, na forma de sessões temáticas específicas, em mesas redondas ou figurando em comunicações apresentadas em STs relacionados à identidade ocupacional ou ao trabalho em serviços. Nas edições de 2006, 2008 e 2010 foi organizada a ST “Casa, gênero e trabalho”, coordenada nas duas primeiras edições por Joel Bevilaqua Marin, que continua até hoje pesquisando na área de gênero, família, trabalho infantil e juventude no meio rural. Em 2010 a ST foi coordenada por Isabel Georges, que pesquisa na área de trabalho e gênero em serviços e novas políticas sociais brasileiras. Em 2012 essa ST não permaneceu, mas a temática ressurgiu forte em 2014 com a realização de uma mesa 10
redonda e a participação de Juremas Brites, com reconhecida experiência e produção na pesquisa do trabalho doméstico e Creuza Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas vinculada à CUT. Os temas ligados ao care e a políticas de conciliação, embora não tenham ganhado destaque em mesas redondas ou títulos de STs, foram contemplados em diversas comunicações apresentadas, principalmente relacionadas a aspectos de identidade, arranjos domésticos e internacionalização do trabalho de cuidados, em 2012 e 2014. A segunda temática proeminente nos eventos de trabalho e gênero, incluindo o STG, é a da divisão sexual do trabalho, que ocorre nos setores extrativista, industrial e de serviços. Talvez o eixo mais frequentado nos eventos, desdobrado em diversas STs, mesas redondas e minicursos, pois aglutina o campo clássico da sociologia do trabalho, de origem marxiana e modulado pela Escola da Regulação, dando origem a um repertório conceitual que até recentemente orienta a produção na área: regime de acumulação, modo de regulação, flexibilização, reestruturação produtiva, precarização, precariedade, trabalho atípico, trabalho decente, taylorismo, fordismo, toyotismo, welfare state etc. No eixo de trabalho e gênero esse aparato conceitual deve levar em conta as relações sociais de sexo, buscando-se desvelar as estratégias de dominação e os interesses, geralmente delimitados em setores ou unidades produtivas situados em nichos segregados por gênero, alguns já tradicionalmente reconhecidos: confecção, enfermagem, serviço social, teleatendimento, docência, comércio, no feminino; engenharia, medicina, serviços técnicos de nível superior, siderurgia, serviços de transporte, no masculino. Em todos os eventos relacionados a trabalho e gênero, houve, desde os anos 1980, GTs, mesas e minicursos relacionados com a divisão sexual do trabalho, no sentido atrás caracterizado. Em eventos mais amplos concernentes ao mundo do trabalho, promovidos pela ABET (Associação Brasileira de Estudos sobre o Trabalho), ALAST (Associação Latinoamericana de Estudos sobre o Trabalho), há sempre GTs que incluem comunicações desse teor. Em algumas edições do STG essa temática protagonizou temas de simpósios, como em 2006, quando Nadya Guimarães apresentou a palestra “Trabalho e desemprego no feminino”, ou em 2010, quando José Dari Krein e Sadi dal 11
Rosso participaram do simpósio intitulado “Mercado de trabalho e políticas de emprego e renda”. Aliás, as políticas públicas de trabalho, qualificação, distribuição de renda e de economia solidária, que constituíram o tema orientador de todo o STG de 2010, podem ser consideradas práticas de regulação estatal e em alguns de seus desdobramentos minorar o efeito da dominação masculina nas relações sociais de sexo. Podemos também incluir nesse aspecto o incentivo por agências governamentais ou pelo sistema S aos arranjos produtivos locais voltados a atividades orientadas por gênero, como confecção, turismo e artesanato. No campo de conceitos tradicionais da sociologia do mundo do trabalho contemporâneo em articulação com relações sociais de sexo foram constituídas diversas sessões temáticas sob a égide, por exemplo, da reestruturação produtiva e da precarização, no STG coordenadas por Tania Tosta, Sadi dal Rosso, Cleito Pereira dos Santos. Podemos designar como “mobilização” outro tema recorrente nos eventos de trabalho e gênero, remetendo a iniciativas de ação conjunta, coletiva ou ativista presentes, por exemplo, no associativismo sindical ou cooperativo, em movimentos sociais ou protagonismo de gênero, isoladamente ou interseccionada com ações de combate a desigualdades de raça ou classe. O associativismo, principalmente cooperativista ou ligado à economia solidária, foi a temática predominante do STG em 2008, mas esteve presente também na primeira edição do evento, em 2006, quando Jacob Carlos Lima, que pesquisou o cooperativismo em diversos setores, participou de um simpósio juntamente com Christiane Girard, na época também ligada ao IPEA e dedicada à análise socioclínica de organizações de economia solidária. Aliás, em todas as suas edições foi desenvolvida uma sessão temática relacionada diretamente ao associativismo, sendo que, em 2012 e 2014, foi organizada uma ST voltada ao empreendedorismo, com influência mais da sociologia econômica, coordenada por Marina Sartore e Elaine da Silveira Leite. O tema da mobilização marcou uma orientação mais política e ativista ao STG, bem como a internacionalização do evento, que contou com a presença, em 2012, de Maria Luisa Tarrés e Francisco Zapata, pesquisador e pesquisadora chileno/a que trabalham no Colegio de México, com grande experiência e produção nas áreas de sociologia do trabalho e metodologia 12
sociológica. O simpósio de abertura, com o tema “Trabalho e gênero: perspectivas internacionais” contou também com a participação de Helena Hirata, pesquisadora pioneira no campo dos trabalhos comparativos internacionais com enfoque em trabalho e gênero. A quarta edição do evento foi marcada por uma renovação na equipe organizadora, com a entrada de Eliane Gonçalves, Maria Lúcia Vannuchi, Patrícia Vieira Trópia e Tania Ludmila Dias Tosta, que já haviam colaborado antes em sessões temáticas. A organização do evento passou a ser compartilhada por duas universidades federais, a de Goiás e a de Uberlândia. Houve uma problematização mais destacada do ativismo feminista e também um simpósio voltado a uma reconstrução das questões de gênero, protagonizado por Cecília Sardenberg e Lucila Scavone. A polêmica questão da incipiente participação feminina nos sindicatos também mereceu destaque e foi pautada na mesa redonda com Francisco Zapata e Renata Gonçalves, coordenada por Angela Araújo, que já havia trabalhado a temática do ativismo feminista sindical no dossiê sobre trabalho e gênero que organizou na revista Pagu em 2002, uma publicação pioneira da temática nas revistas científicas brasileiras. Angela colaborou ativamente nas edições do STG a partir de 2010, também em razão de um projeto de colaboração interinstitucional que coordenamos, de 2009 a 2013, articulando programas de pós-graduação da UFG e da Unicamp, envolvendo trabalho, gênero, identidade e associativismo. A participação da equipe da Unicamp, que integrava também Liliana Segnini, Marcia de Paula Leite e José Dari Krein foi bastante significativa nas três últimas edições do evento, lembrando que Marcia Leite já havia se apresentado em 2006, num simpósio juntamente com Magda de Almeida Neves, sobre trabalho e gênero na indústria de confecção. A edição de 2012 marcou uma orientação reflexiva, pois o ativismo, seja de gênero, feminista ou sindical se tornou objeto de análise na condição de atividade transformadora, ou seja, como trabalho. O evento, que até então incluía comunicações e palestras voltadas a análises empíricas, passa a abrigar reflexões teóricas e revisões conceituais. O debate sobre questões de gênero, protagonizado por Sardenberg e Scavone, teve como contraponto o simpósio sobre o protagonismo das mulheres na consolidação de espaços sociais, de que participou Laís Abramo. Sob outra perspectiva, Malu Vannuchi 13
e Patrícia Vieira Trópia tematizaram as diferenças sexuais no trabalho em geral e nos movimentos sociais. No evento realizado em 2014, a produção teórica também se fez presente, como na palestra de Sophie Béroud, pesquisadora francesa convidada, especialista na análise do discurso sindical: “Trabalho e gênero: teorias, pesquisas e práticas sociais”. Outro núcleo temático importante nos eventos sobre trabalho e gênero é “subjetividade”, termo bastante abrangente que julgo subsumir elementos importantes sobretudo no trabalho em serviços, mas também no ativismo, como identidade, reconhecimento, emoções. O tema aparecia de forma muito tímida nos primeiros eventos e publicações sobre trabalho e gênero, quando a dimensão demográfica e macrossociológica eram predominantes. Entretanto, a fronteira com a psicologia e a psicanálise em alguns textos publicados na coletânea “Gênero e ciências humanas”, organizada por Neuma Aguiar e publicada em 1997, a aproximação já se fazia mais perceptível. A influência das teorias interacionistas integrando self, identidade e comunicação, bem como de autores como Claude Dubar, Paul Ricoeur e Axel Honneth, que enfatizaram a socialização, o reconhecimento subjetivo e a narratividade como elementos da construção de uma identidade social, principalmente na sociabilidade primária, na identificação ocupacional-profissional e na orientação por valores simbólicos, principalmente de natureza política e cultural. Houve, em todas as edições do STG, simpósios e sessões temáticas voltadas direta ou indiretamente a questões de identidade. Em 2008, por exemplo, houve ênfase na identidade profissional, ilustrada não só na presença de sessões temáticas correlatas, mas pelo próprio simpósio de abertura, com Gloria Bonelli e Luis Antonio de Castro Santos, sobre profissionalismo e gênero. Outro simpósio, este relacionado à identidade sexuada, reuniu Adriana Piscitelli e Mirian Adelman, debatendo questões teóricas envolvendo teorias de gênero, feminismo e o então emergente conceito de interseccionalidade, aplicado na análise das experiências brasileiras migrantes no contexto da globalização do trabalho de care e do turismo sexual. Os conflitos identitários que são comuns principalmente nos serviços que requerem interação presencial, como care, cuidados pessoais, enfermagem, hotelaria, têm sido frequentemente analisados no STG, a partir de 2008, 14
principalmente nas sessões temáticas sob a coordenação de Jordão Horta Nunes ou de Maria Rosa Lombardi com a colaboração de debatedoras como Gloria Bonelli e Berlindes Astrid Küchemann. Na edição de 2014 houve, no simpósio de abertura do evento, a participação de Angelo Soares, que abordou a questão da invisibilidade, característica típica dos serviços interativos, sobretudo femininos, como o caso da enfermagem, abordada em sua comunicação, que incluiu também uma reflexão teórica baseada principalmente no conceito de trabalho emocional formulado por Arlie Hochschild. No mesmo evento houve também uma mesa redonda, coordenada por mim e com a participação de Maria Rosa Lombardi e Angela Araújo, com o tema “Gênero e trabalho: identidades, subjetividades e representações”. A subjetividade compõe, juntamente com o tema “imagens e representações”, último que logrei identificar na breve trajetória dos eventos que remetem a trabalho e gênero, um eixo transversal em que se inscrevem todas as comunicações que recebem influência da sociologia compreensiva, do interacionismo simbólico, da fenomenologia e também construídas em áreas de conhecimento adjacentes, como psicologia, psicanálise, educação, administração, comunicação, direito, além de outras. A área da educação, representada emsessões temáticas em quatro das cinco sessões do STG realizadas, recebeu comunicações articuladas ao tema da subjetividade e identidade, mas também aos temas da precarização e imagens e representações. As sessões foram coordenadas por Ângela Mascarenhas, Revalino A. Freitas e Lucinéia Scremin Martins. A partir de 2008 todas as edições do STG incluíram sessões temáticas sobre memória, representações sociais e imagensrelacionadas a trabalho e gênero, coordenadas por Cyntia Costa Rodrigues, Maria Lúcia Vannuchi, Eliane Schmaltz e Telma Ferreira Nascimento. Essa temática de fronteira marcou a participação no evento de pesquisador@s de áreas conexas, principalmente antropologia, artes visuais, letras e comunicação. Sob outro aspecto, a própria temática foi objeto de análise, quando referida às próprias classificações de sexo. Rafaela Cyrino, por exemplo, apresentou comunicação, agora incluída como um dos textos deste livro, em que analisa a incorporpação do termo gênero pela mídia impressa, com base no discurso produzido por revistas semanais a respeito da carreira de homens 15
e mulheres. Em 2010 Rafaela também teve um texto publicado com base em comunicação apresentada no STG, na ocasião a respeito de estereótipos na trajetória profissional de mulheres executivas, nesse caso incorporando também o assunto da subjetividade-identidade. O tema de representações estereotipadas em profissões orientadas por gênero, tipicamente masculinas, no caso a engenharia civil, foi também explorado na conferência de Maria Rosa Lombardi, em mesa redonda com Dilma Fabri no STG de 2010, sob o título de “Gênero e identidades profissionais”. Concluo aqui a apresentação dos temas que considero recorrentes nos eventos sob a égide de trabalho e gênero, assumindo os riscos, lacunas e o grau de subjetividade que envolveram a empreitada, realizada não com base em expertise na temática, que não tenho, mas na afinidade e experiência na organização e participação de eventos como o STG. Algumas publicações foram realizadas, sempre com base na indicação, por coordenadores de sessões temáticas e pela comissão organizadora, de comunicações e palestras apresentadas. Primeiramente foram publicados dois dossiês na revista Sociedade e Cultura, em 2006 (1º Seminário Nacional de Trabalho e Gênero) e 2008 (Políticas públicas, gênero e trabalho). Com textos oriundos do III STG saiu o livroTrabalho e gênero: entre a solidariedade e a desigualdade, em 2011, organizado por mim e Revalino Freitas. Em 2014 foi publicado Iguais? Gênero, trabalho e lutas sociais, também organizado pelas pesquisadoras responsáveis por este livro que tive a honra de prefaciar: Eliane, Malu, Patrícia e Tania. Agradeço a valiosa colaboração de quem coordenou comigo o STG nas edições de 2006 a 2010: Marta Rovery, Maria do Amparo Aguiar, Revalino Antonio de Freitas, Luiz Mello e Angela Araújo. Felicito e agradeço as amigas que continuaram e mantiveram o evento, consolidando-o, nas duas últimas realizações: Eliane Gonçalves, Maria Lúcia Vannuchi, Patrícia Vieira Trópia e Tania Ludmila Dias Tosta. Os textos que compõem esta coletânea, selecionados da realização mais recente do Seminário de Trabalho e Gênero, são exemplares no conjunto de temas recorrentes na trajetória do evento e os recomendo a neófitos e iniciados na temática. Boa leitura! Jordão Horta Nunes, dezembro de 2015
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Apresentação
Mulheres trabalhadoras: (in)visíveis? é o resultado de um trabalho coletivo, acadêmico e militante. A coletânea é composta por dez textos, o primeiro dos quais de autoria de Eliane Gonçalves, Patrícia Vieira Trópia, Maria Lúcia Vannuchi, Márcio Ferreira de Souza e Tania Ludmila Dias Tosta. Foram também selecionados outros nove textos entre os trabalhos apresentados nas conferências e em algumas das sessões temáticas do V Seminário Trabalho e Gênero, “Teorias, Pesquisas e Práticas Sociais”, realizado em Uberlândia (MG), de 19 a 21 de novembro de 2014, que trouxe à baila questões teórico-metodológicas, não raro controversas e polêmicas atinentes, sobretudo, à articulação das dimensões de gênero e trabalho, tendo as lutas de mulheres e práticas sociais feministascomo um eixo articulador.Vale lembrar que os Estudos de Gênero estruturaram-se na década de 1970, nos espaços científico e acadêmico, justamente como ecos das lutas feministas. Abre esta coletânea o texto intitulado “Feminismos, trabalho e ação coletiva: teorias, pesquisas e práticas sociais”, resultado da reflexão coletiva elaborada pelas organizadoras e pelo organizador desta coletânea. O/as autor/ as buscaram realçar o modo vivo e múltiplo como o feminismo se expressa hoje no Brasil, bem como dar visibilidade aos olhares das/dos pesquisadoras/ es sobre trabalho e gênero e sindicalismo no País. A relação trabalho e gênero é discutida por Angelo Soares no segundo capítulo da coletânea, a partir da problemática das emoções, em particular das formas de violência no trabalho. Sophie Béroud, pesquisadora francesa, vinculada à Universidade de Lyon 2, discute o panorama dos debates em torno da relação entre feminismo e militantismo no meio sindical. Creuza Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas da CUT, faz um importante e emocionante retrospecto das lutas das trabalhadoras domésticas no Brasil até a aprovação da denominada PEC das domésticas, em junho de 2015, pela Presidenta Dilma Rousseff. 17
Rafaela Cyrino Peralva Dias analisa as representações de gênero construídas pela mídia acerca do mundo do trabalho. Taís Viúdes de Freitas discute as relações de trabalho e de gênero nos ramos de teleatendimento e de comércio varejista de super e hipermercado, ramos relativamente pouco estudados e onde a presença feminina é majoritária. As condições de trabalho das trabalhadoras na indústria metalúrgica de eletroeletrônicos é o tema da interessante pesquisa de Thaís de Souza Lapa, enquanto Michelle Franco Redondo analisa as relações de trabalho, em particular o trabalho do cuidado (care), no bojo do Programa Au Pair. A contribuição de Virginia Woolf, escritora inglesa, para a reflexão sobre o trabalho da mulher escritora é o tema do instigante texto de Tainah Freitas Rosa, enquanto Silvana Maria Bitencourt analisa a relação entre envelhecimento e gênero. Trata-se de uma coletânea que olha, interpreta, analisa criticamente, de ângulos distintos, a mulher trabalhadora, doméstica, escritora, militante, feminista, idosa.
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No entanto, este profissional da saúde que escolhe trabalhar com idosos também precisará ter condições de trabalho para exercer a sua função de maneira eficiente. Assim, refletir criticamente sobre o envelhecimento na contemporaneidade, demanda também a participação do Estado por meio de políticas públicas eficientes e viáveis que consigam desconstruir a ideia que o cuidado deve estar sob a responsabilidade da família, especialmente das mulheres. Nesse sentido, o processo de envelhecimento quando visto na sua complexidade deverá ser analisado no âmbito da família, do Estado e da Sociedade.
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Sobre os autores
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Angelo Soares é professor na Universidade de Quebec em Montreal, Canadá
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Creuza Oliveira é presidente da Federação Nacional das Empregadas Domésticas (FENATRAD)
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Eliane Gonçalves é professora na Universidade Federal de Goiás
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Márcio Ferreira de Souza é professor na Universidade Federal de Uberlândia
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Maria Lúcia Vannuchi é professora na Universidade Federal de Uberlândia
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Michelle Franco Redondo é doutoranda na Universidade Estadual de Campinas
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Patrícia Vieira Trópia é professora na Universidade Federal de Uberlândia
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Rafaela Cyrino Peralva Dias é professora na Universidade Católica de Brasília
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Silvana Maria Bitencourt é professora na Universidade Federal do Mato Grosso
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Sophie Béroud é Mestre de Conferência em Ciência Política na Universidade Lumière Lyon 2, na França, e Pesquisadora no Laboratório Triangle
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Tainah Freitas Rosa é mestranda em Letras na Universidade Federal de Uberlândia
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Taís Viudes de Freitas é doutora pela Universidade Estadual de Campinas
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Tania Ludmila Dias Tosta é professora colaboradora e pesquisadora (Bolsa PNPD-CAPES) na Universidade Federal de Goiás.
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Thaís de Souza Lapa é doutoranda na Universidade Estadual de Campinas 207
FORMATO: 15,5cm x 22,5cm | 208 p. TIPOLOGIAS: Minion Pro, Myriad Pro PAPEL DA CAPA: Supremo 250g/m2 PAPEL DO MIOLO: Chambril Avena 80g/m2 PRODUTOR EDITORIAL: Edson Oliveira | Marina Oliveira DESIGN GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Peter de Andrade IMAGEM DE CAPA: Paulo André REVISÃO DE TEXTOS: Cláudia Rajão