MÍDIA, DOCÊNCIA E CIDADANIA

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Docênciae

Cidadania

Organização

Ângela Carrato

Dalmir Francisco


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M573 Mídia, docência e cidadania / organização Ângela Carrato , Dalmir Francisco. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2016. 208 p. ; 23 cm. ISBN 978-85-8054-316-2 1. Comunicação - Aspectos sociais. 2. Jornalismo. I. Carrato, Ângela. II. Francisco, Dalmir. 16-36270 CDD: 070 CDU: 070(8)

Con se lh o Ed itorial Cole ção EDVCERE Alfredo Macedo Gomes | UFPE Álvaro Luiz Moreira Hypolito | UFPEL Dagmar Elizabeth Estermann Meyer | UFRS Dalila Andrade Oliveira | UFMG Diana Gonçalves Vidal | USP Elizeu Clementino de Souza | UNEB Luiz Fernandes Dourado | UFG Wivian Weller | UNB

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Apresentação  7 Introdução  13

1  Midia, docência e cidadania: uma visão  19 Geraldo Elísio

2  Jornalismo, episteme, techne  35 Dalmir Francisco

3  Jornalismo, notícia e propaganda  61 Dalmir Francisco

4  Samarco: dos dias de glória ao banco dos réus  99 Sofia Diniz

5  Organizações, mídia e democracia  119 Gilmar José dos Santos

6  TV pública, democracia e cidadania  147 Ângela Carrato

7  Rádio Nacional e EBC, a história se repete?  169 Ângela Carrato

8  Hegemonia nas relações internacionais: o papel da opinião pública  189 Virgílio Caixeta Arraes



Apresentação

O seminário Mídia, docência e cidadania, que deu origem a esta obra coletiva, foi promovido pelo APUBH – Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco - e foi organizado pelos grupos de pesquisa Jornalismo, Cognição e Realidade, Estação Liberdade (ambos da UFMG) e pelo Instituto de Pesquisas em Educação (IPE/APUBH). O evento contou com a participação de professores da UFMG, da PUC/MINAS, da FUMEC, da Universidade Federal de Juiz de Fora, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da Universidade de Brasília, do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e dos Blogs O Cafezinho e Estação Liberdade. Para os participantes, entre outras atribuições da docência, está o papel crítico que ela pode e deve exercer em diversos campos do conhecimento, inclusive no plano das produções simbólicas da mídia. Um dos idealizadores do seminário, Dalmir Francisco, reivindica que a docência – em todos os níveis - continua no cerne do processo civilizatório das sociedades ocidentais contemporâneas e isso significa que, na relação docentes e discentes, as humanidades andam ou deveriam andar juntos. José Lopes de Siqueira Neto1, presidente do IPE/APUBH, a contribuição da docência no aprofundamento da discussão sobre a relação entre a política e a mídia vem sendo demonstrada através do programa de entrevistas ‘Interconexão Brasil’2. Iniciativa da APUBH, o Interconexão Brasil’ abre espaço 1. Doutorado na Université Paris-Sud 11 em 1992. Mestrado em Engenharia Eletrônica na Netherlands International Foundation For International Cooperation em 1983. Graduado em Bacharelado em Física pela Universidade Federal de Minas Gerais, em 1981. É professor do DCC / ICEX / UFMG e foi presidente da APUBH. Atualmente, preside o IPE / APUBH. 2. Interconexão Brasil é um programa de entrevistas para a reflexão sobre o local, o nacional e o global, fazendo a interconexão entre os aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos do mundo atual e do Brasil. É apresentado pelo cientista político e professor-doutor Domingos Antônio Giroletti. O programa vai ao ar toda quarta-feira, às 21h, na BH News TV.

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para professores e profissionais de diferentes áreas de atuação abordando assuntos de âmbito local, nacional e global. O professor-doutor Domingos Giroletti – criador e apresentador do programa - indica o papel de promotor do Interconexão da discussão e visibilidade das pesquisas e das reflexões dos docentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e de outras instituições - que interferem na sociedade. Giroletti sublinha que o programa possibilita que professores e pensadores possam sair de seus laboratórios e grupos de pesquisa e falar para a sociedade sobre o impacto da produção científica no âmbito da sociedade3. A relação mídia e docência foi também enfatizada pelas professorasdoutoras Liv Sovik (ECO/UFRJ) e Ana Paola Amorim (FUMEC)4 diante do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Bento Rodrigues e Mariana, cuja lama de rejeitos atingiu e inviabilizou a vida em cidades banhadas pelo Rio Doce, em Minas Gerais, e o mar do Espírito Santo. A lama da Samarco provocou a morte de pessoas, o destroçamento da economia e de empreendimentos em diversos níveis da população que tinha o Rio Doce como fonte de vida e de renda. Debater o peso da mídia sobre a cobertura do maior crime ambiental do Brasil e o maior da história mundial nos últimos 100 anos não será fundamental para a discussão dos limites éticos que devem delimitar as atividades econômicas - por mais lucrativas que sejam? Anota Dalmir Francisco, a 3. Domingos Antônio Giroletti, é graduado e licenciado em Filosofia e Estudos Sociais (1970) pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974). Doutorado em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ (1987). Pós-doutorado em Relações Internacionais pela The London School of Economics and Politcal Scienice (1993-1995 ). Professor Visitante do Departamento de Scienze Storiche Geografiche e dell Antichità (DiSSGeA) / Università degli Studi di Padova, de outubro de 2013 a fevereiro de 2014. Atualmente, é professor titular do MPA / Fundação Pedro Leopoldo. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Ciência, Tecnologia e Inovação / Grupo de Pesquisa Interdisciplinar - FAPEMIG . 4. Liv Sovik graduou-se em Letras de Língua Inglesa pela Yale University em 1977; obteve M.A. em Estudos Latino-Americanos (área de concentração: Comunicação) pela University of Texas at Austin, em 1985. É doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, 1994. Foi bolsista recém-doutora e professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia de 1996 a 2000. Transferiu-se para a UFRJ em setembro de 2000 (ECO/UFRJ). Foi bolsista da Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington DC, entre junho e agosto de 2003. Ana Paola Amorim é graduada em Comunicação Social - Jornalismo pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Belo Horizonte (1991), Mestre em Ciência da Informação e doutorado em Ciência Política (UFMG). É professora da FUMEC.

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tragédia de Bento Rodrigues se relaciona com a cidadania, pois perpassa a vida da sociedade e afeta diretamente a atividade de docentes e discentes, visto que influencia diversos campos do conhecimento. Francisco defende que a questão da lama da Samarco pode e deve ser discutida por todos os cidadãos em formação – os discentes – e docentes da Administração, Agronomia, Antropologia, Arquitetura, Belas Artes, Biologia, Ciências Ambientais, Ciências da Informação, Ciências Sociais, Ciências da Computação, Comunicação, Direito, Economia, Engenharia Civil, Engenharia da área de Metalurgia, Engenharia de Minas, Engenharia ligada a Recursos Hídricos, Geografia e Geologia, Gestão Pública, História, Jornalismo, Língua e Literatura, Medicina e toda área de Saúde, Psicologia, Química, Publicidade, Relações Públicas, Sociologia, Veterinária, entre outras áreas. A internet e seus produtos, como as diversas mídias alternativas, têm influenciado a maneira como as pessoas consomem informação e contribuído para diminuir o poder da mídia tradicional. Para a professora-doutora Ângela Carrato, coordenadora do Grupo de Pesquisa ‘Estação Liberdade’ essas novas mídias provocam desconforto, incluem e potencializam as mídias anteriores, atingem a tudo e a todos, inclusive a Universidade, e a sua forma de produzir e transmitir conhecimento. Compartilhando do pensamento da professora, o blogueiro e jornalista Miguel do Rosário5, convidado para discutir o papel webjornalismo na cobertura da realidade brasileira, lembrou que a internet multiplicou as fontes de informação. No entanto, o poder da mídia tradicional, apesar do declínio dos leitores dos meios impressos, a perda de telespectadores e de radiouvintes, ainda resiste às mudanças trazidas pela internet. O idealizador e responsável pelo blog O Cafezinho Rosário ressaltou que a democratização da informação proporcionada pela internet modificou a cobertura da mídia sobre a realidade brasileira ao permitir que os cidadãos tenham acesso a uma gama de informações sobre a conjuntura política não somente pela mídia tradicional e monopolizada. O jornalista 5. Miguel do Rosário é formado em Comunicação Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Durante quinze anos atuou como jornalista especializado em café, e depois passou a fazer análise de mídia e de política para o blog Óleo do Diabo e, desde 2011, é editor do blog O Cafezinho.

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aponta os docentes, diante dessa multiplicidade de fontes, como atores fundamentais para a formação e educação crítica de seus alunos, e que essa formação crítica é importante para que o indivíduo possa exigir, de toda a mídia, que esta produza e difunda informações de interesse dos diversos segmentos da sociedade. Denunciando o pensamento único e orquestrado, promovido pela mídia monopolizada, a professora-doutora e integrante do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), Ana Paola Amorim, da FUMEC, reforçou que a unidade da cobertura midiática produz um efeito devastador sobre a sociedade e seus diversos segmentos, pois as mídias monopolizadas, quando dizem à sociedade como pensar atuam para formar falsos consensos e , assim, a mídia aparece como agente corruptor. Nesta linha, o jornalista Kérison Lopes6 enfatizou que a internet traz uma mudança de plataforma e, devido às mídias sociais, o público não é tão dependente da produção de informações das mídias tradicionais. Para a professora-doutora Liv Sovik, da Escola de Comunicação da UFRJ e diretora da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ), é importante refletir, neste cenário comunicacional contemporâneo, sobre o perfil da imprensa em geral e, particularmente, do papel da imprensa sindical. Geraldo Elísio e Kérison Lopes concordaram e disseram que os sindicatos deveriam somar recursos econômicos e financeiros para produzir noticiário do interesse dos trabalhadores e dos cidadãos em geral. Para expositores e debatedores, o posicionamento político, ideológico e partidário da mídia tradicional parece estar implicando na perda de leitores, de telespectadores e de radiouvintes. E a mídia tradicional e monopolizada, ao que tudo indica, troca a busca obstinada do verídico, do verdadeiro (objetividade) pela interpretação dos fatos, dos feitos segundo os interesses da própria mídia monopolizada e de segmentos dominantes da economia e das finanças. 6. Kérison Lopes é jornalista profissional e presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais. Foi presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas.

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Essas interpretações dos fatos políticos, sociais e econômicos podem e devem ser enquadradas no quadro conhecido da distorção e da manipulação indisfarçável do noticiário. E, neste sentido, ocorre a transferência dos leitores, telespectadores e radiouvintes para as redes sociais. E como consequência, há uma preocupante retração do mercado de trabalho para jornalistas e demais profissionais da vasta área de comunicação. As redes sociais, os blogs, os sites conseguiram crescer e multiplicar a produção de qualidade do webjornalismo para atender internautas com o noticiário verídico. Mas, temos nós garantia de que o webjornalismo, sem parâmetros éticos socialmente referenciados, será confiável? Gilmar José dos Santos Simone Ribeiro7 William Campos Viegas8

7. Simone Melo Ribeiro é formada em Jornalismo e em Relações Públicas e Mestra em Comunicação e Sociabilidade - pela UFMG. É professora no UNIBH e Assessora de Comunicação da APUBH. 8. William Campos Viegas é jornalista formado pela UFMG, assessorou a realização do Seminário Mídia, docência e cidadania e assessora o IPE / APUBH.

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Introdução

O livro Mídia, Docência e Cidadania reúne textos que discutem mídia, produção jornalística, ação empresarial e organizacional midiática publicada pela mídia monopolizada e, também, pela mídia alternativa – a partir do Seminário “Mídia, docência e cidadania”, realizado em Belo Horizonte, em 2015. Os textos foram elaborados por professores de Universidades e por profissionais do Jornalismo no Brasil e procuram retomar a discussão da mídia e especialmente do noticiário político – discussão abafada e mesmo reprimida com a tentativa da mídia tradicional de impor o pensamento único. O evento também analisou a atuação dos blogs, dos jornais eletrônicos e das redes sociais e foi uma oportunidade para que docentes e discentes de diversas áreas e instituições do país discutissem assuntos variados, mas que se entrelaçam e impactam nos âmbitos político, social, ambiental, acadêmico e profissional, comunicacional e cultural. O livro Mídia, docência e cidadania é organizado pelo professor-doutor Dalmir Francisco e pela professora-doutora Ângela Carrato (ambos jornalistas e docentes do Departamento de Comunicação Social da FAFICH – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - UFMG). Os textos e os debates estão divididos em três partes. Na primeira, o jornalista, escritor e artista plástico Geraldo Elísio Machado Lopes e o professor e jornalista Dalmir Francisco discutem a trajetória histórica do Jornalismo e o esforço da mídia tradicional de impor o chamado pensamento único ou a produção de notícias e de reportagens que tendam a apresentar uma única versão dos feitos ou dos fatos políticos. Geraldo Elísio Machado Lopes analisa o desenvolvimento do jornalismo (raízes rizomáticas: forma comunicacional cujas origens se perdem no vasto campo da Cultura e da História e discute a relação entre o modelo de produção jornalística sob a concentração da propriedade de mídias. Modelo em franco desaparecimento), e o webjornalismo que traz para os leitores, 13


radiouvintes, telespectadores e internautas contemporâneos novas possibilidades de buscar e de se bater pela verdade. Na sequência, o professor-doutor Dalmir Francisco procura estabelecer uma concepção do Jornalismo como techne. Não se trata apenas de jornalismo como modo de fazer, mas como modo de pensar e de produzir conhecimento sobre o inexato (o não permanente, o contingente, o instável), uma episteme que procura dar conta deste saber indispensável para a vida das sociedades modernas (e pós-modernas), contemporâneas. A instabilidade da política, das organizações e dos conflitos sociais, da economia ou da produção espiritual e simbólica (cultura) é o saber produzido pelo Jornalismo e pela produção midiática. Este saber – inexato, sobre o inexato e narrado de forma inexata - é, entretanto, essencial para que decisões políticas sejam tomadas pelos membros da polis contemporânea. Francisco defende que a cobertura jornalística é forma de agendamento de notícias sobre fatos (factum / feitos), sua difusão e transformação em notícia - acontecimento, forma de objetivação do real vivido pelos membros da sociedade, e que é conhecimento que ajuda o cidadão a tomar decisões. Cabe lembrar que nada se apresentou de forma mais inexata do que o que é definido como golpe que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República, movimento que atores sociais e políticos brasileiros conservadores chamam de impeachment e que seria previsto na ordem constitucional brasileira1. Francisco problematiza, ainda, a transformação de notícias e de reportagens, no Brasil da mídia monopolizada, tradicional, em formas de propaganda-noticiosa política e de propagação do oposicionismo da mídia monopolizada (impressa e eletrônica) ao Governo Federal. Nesta contribuição, o autor expõe os limites das tentativas de controle da 1. Ainda não concretizado à época da realização do encontro, mas assunto presente nas rodas de conversa e em todos os veículos de comunicação do país e do mundo, o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, encabeçado pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, também foi discutido em todas as palestras do seminário ‘Mídia, Docência e Cidadania’, reforçando, dessa maneira, a importância do evento em constituir-se como lugar de debate de ideias sobre a conjuntura e os acontecimentos recentes na política local e nacional e a cobertura realizada por todas as mídias e redes sociais brasileiras. Segundo o professor-doutor e presidente da Apubh à época, José Lopes de Siqueira Neto, todos os meios de comunicação do país fizeram um massacre contra o sistema político brasileiro, querendo, promovendo e apoiando um golpe contra a democracia e contra uma presidenta legitimamente eleita por mais de 54 milhões de votos.

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comunicação na sociedade brasileira, e faz o contraponto entre a produção da propaganda-noticiosa da mídia monopolizada e as notícias ou debates que insurgem pelas redes sociais, na qual os atores sociais problematizam as relações entre sociedade democrática, mídia e cidadania. Na segunda parte, a professora-doutora Sofia Maria Carrato Diniz e o professor-doutor Gilmar José dos Santos cuidam de discutir a dimensão da comunicação mediática e midiática na relação entre empresas e organizações empresariais - e a sociedade. No texto Samarco: dos dias de glória ao banco dos réus, Sofia C. Diniz analisa o rompimento da barragem de Fundão localizada em Mariana, Minas Gerais, em 5 de novembro de 2015, pior desastre ambiental brasileiro e no mundo em termos de barragens de rejeitos. A autora aponta que o problema da segurança de barragens de rejeito (a lama resultante da lavagem de minério de ferro) é complexo e envolve distintas dimensões que vão muito além da apuração das causas e responsabilidades pelo rompimento da barragem de Bento Rodrigues. O presente artigo se concentra na análise da falta de transparência da SAMARCO/Vale/BHP em suas ações e a divulgação de fatos capciosos através de distintos meios de comunicação e questiona se o rompimento da barragem foi realmente um acidente2. A discussão sobre empresas e organizações e a Comunicação prossegue com o artigo “Organizações, mídia e democracia” – de Gilmar José dos Santos que assinala que toda organização busca a sobrevivência pela eficiência financeira e pela legitimação pela qual a empresa/organização procura tornar suas atividades aceitas pelas sociedades. Mas, quando as empresas e ou organizações têm suas atividades percebidas como nocivas pela sociedade estas buscam a legitimidade, seja negociando com a própria sociedade, 2. O rompimento da Barragem de Fundão, que também danificou a barragem de Santarém, ambas localizadas no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município de Mariana, ocorreu às 15h30, do dia 5 de novembro de 2015. Além de destruir o distrito de Bento Rodrigues, afetou Águas Claras, Ponte do Gama, Paracatu, Pedras, Barra Longa, Rio Doce, além de mais de 40 cidades na região leste de Minas Gerais e no Espírito Santo. O desastre ambiental deixou 19 mortos, lançou, de acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mais de 50 milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro e percorreu mais de 600 quilômetros. Inquérito da Polícia Federal indiciou 8 pessoas, a Samarco, a Vale e a consultoria VogBR por crimes ambientais e danos contra o patrimônio histórico e cultural – foram devastados 1.176,44 hectares de mata, sendo 774,23 hectares de áreas de preservação permanente. Fundada em 1977, a Samarco é controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton.

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seja usando das relações com o poder público, usando de apoio, pressão ou corrupção; e das relações com a mídia. O autor enfatiza que boa parte das relações das organizações com a sociedade, hoje, são midiatizadas. Com isso, as grandes corporações acabam impondo, através da mídia, os assuntos de seu interesse (a agenda setting) e suprimindo o que lhes é comprometedor (a espiral do silêncio). A conclusão do autor é que esse processo é altamente prejudicial para sociedade democrática, que depende de informações midiáticas e mais transparentes. Na parte III, a professora-doutora Ângela Carrato e o professor-doutor Virgílio Arraes indicam a importância do debate sobre o caráter nacional e internacional da mídia. Ângela Carrato assinala, no artigo TV pública, democracia e cidadania, o grande atraso em relação à Europa e aos Estados Unidos da América - frente ao poderio político e cultural de uma única emissora de TV, a Globo, que detém mais de 70% da audiência no país. A autora problematiza as razões pelas quais o Brasil, só tardiamente, passou a ter uma TV Pública e a consequência desta lacuna política, social e cultural que incita pensar as possibilidades da democracia e da efetiva cidadania onde os veículos comerciais controlam a audiência. No desdobramento do tema, Ângela Carrato cuida de resgatar a história da Rádio Nacional, a famosa PR-8, do Rio de Janeiro. A autora destaca que a Rádio Nacional marcou a vida política, econômica e cultural brasileira durante décadas. A professora indica a importância da Rádio Nacional como a primeira emissora brasileira de interesse público, comprometida com a cultura e a cidadania, que o Brasil só voltaria a conhecer com as combatidas Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a TV Brasil. Fechando a parte III e esta coletânea está o artigo Hegemonia nas relações internacionais: o papel da opinião pública, do professor-doutor em História, da UNB, Virgílio Arraes. Para o Autor, a política internacional pode ser dividida nas vertentes militar, econômica e cultural. Destaca que na dimensão cultural está a possibilidade de convencimento ou de persuasão de um país, através da diplomacia, seja pelas vias governamentais ou pelos meios de comunicação. Segundo Arraes, os governantes procuram se manter no poder, de forma democrática ou ditatorial, e para influenciar sociedades, nações e blocos políticos, governantes se valem da mídia, seja pela manipulação, através da 16


falsificação ou distorção de dados, ou condicionamento, via propaganda em massa. E mais grave, a política externa, principalmente das grandes nações pode se valer da comunicação midiática como poderoso instrumento para impor seus interesses em desfavor das sociedades e dos seus cidadãos. Desde a década de 1970 do século passado que estudantes, professores, intelectuais e artistas discutiam a importância social, cultural, econômica e política de cada área de estudo e de pesquisa em nível superior. Fosse a Física e o Teatro, a Geografia e a Economia, a Biologia e o Jornalismo, a Medicina, as Engenharias e o Direito, Belas Artes, a Farmácia e a Veterinária, a Educação e a Educação Física, a Filosofia, as Ciências da Informação e as Letras – todas as áreas de Conhecimento em nível superior tinham relações com a sociedade e seus segmentos ou deveriam desvendar ou estabelecer essas relações. As conexões políticas, econômicas, sociais e culturais de cada área de conhecimento com a sociedade e com os cidadãos eram explicitadas ou havia esforços para construir essas relações (avanço dos conhecimentos e qualidade de vida da sociedade e dos cidadãos). Os estudos superiores (bancados pela sociedade fossem nas instituições públicas de ensino superior, fossem nas instituições confessionais, filantrópicas, particulares ou privadas) implicavam em responsabilidades pessoais dos profissionais, dos docentes e dos discentes. No mundo que perdeu suas referências, mundo fragmentário e do estilhaçamento de valores éticos e culturais o convite a uma reflexão que se esforça para aprofundar a compreensão das múltiplas determinações da chamada cultura comunicacional contemporânea é um convite ao diálogo e ao livre embate de ideias. Mas, os debates minguaram. O que aconteceu? As respostas são muitas. Mas algo é urgente de ser feito: retomar os debates: foi o que o Seminário Mídia, Docência e Cidadania parece ter conseguido. E estimular o debate é o objetivo deste livro - convite para festa do pensamento e invocação das utopias – essas ideias-forças que impulsionam o ser humano para buscar, sempre, um novo amanhecer. Ângela Carrato e Dalmir Francisco Organizadores

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posicionamento da opinião pública, via impacto dos diversos meios de comunicação e pesquisas qualitativas, e tentar posteriormente transformá-lo de modo negativo ou positivo compõem o cenário no qual as administrações inserem-se em busca de aspectos espirituais como prestígio ou glória ou materiais como riquezas e territórios. Em face da dinâmica dos assuntos globais e da ausência ou da insuficiência de consultas junto à sociedade acerca destes temas, há a dificuldade em avaliar se a opinião pública teve ascendência sobre decisores e formuladores ou se foi influenciada ou até manipulada no correr dos acontecimentos, mas há de todo modo a certeza de que ela não pode ser ignorada como ocorria até há algumas gerações.

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15,5cm x 22,5cm | 208 p. Minion Pro, Myriad Pro p ap e l d a cap a : Supremo 250g/m2 p ap e l d o m iolo : Chambril Avena 80g/m2 form ato :

tip olog ias :

Marina Oliveira & d iag ram ação : Peter de Andrade foto d e cap a : Google images rev isão d e te x tos : Marina Oliveira au xiliar d e p rod u ção e d itorial: cap a



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